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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO EDGARD DE SÁ PESSOA NETO A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA CABEDELO-PB 2016

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

EDGARD DE SÁ PESSOA NETO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO

FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA

CABEDELO-PB

2016

1

EDGARD DE SÁ PESSOA NETO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO

FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo

Científico apresentado à Coordenação do Curso de

Bacharelado em Direito, pela Faculdade de Ensino

Superior da Paraíba - FESP, como requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Área: Direito Tributário

Orientador: Prof. Ms. Fábio Firmino de Araujo

CABEDELO-PB

2016

2

EDGARD DE SÁ PESSOA NETO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO

FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA

Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de

Artigos Científicos da Faculdade de Ensino Superior da

Paraíba - FESP, como exigência para a obtenção do grau

de Bacharel em Direito.

APROVADO EM _____/_______2016.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Ms. Fábio Firmino de Araujo

ORIENTADOR-CONVIDADO

_____________________________________

Prof. Ms. Maria do Socorro da Silva Menezes

MEMBRO-FESP

_____________________________________

Prof. Ms. Luciana Vilar de Assis

MEMBRO- FESP

3

À minha esposa Lilian e meus filhos Filipe, Ana Eurides,

Laís e Esther, que são o mais precioso bem que possuo e

que estão comigo em todas os momentos da minha vida.

Dedico.

4

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a Deus que é o Criador e Consumador da minha fé, a minha esposa Lilian

Vieira que sempre apoiou todos os meus sonhos, aos meus filhos Filipe, Ana Eurides, Laís e Esther, que tiveram que dividir minha atenção diária com os estudos.

À minha mãe que sempre me incentivou a ser melhor e nunca me abandonou nas horas difíceis, tendo sempre uma palavra de direção e encorajamento.

Ao meu amigo advogado Dr. Alberto de Assis Bandeira, que com seu jeito simples de ser, me inspira a sempre ajudar o próximo utilizando o direito como uma ferramenta de solução de conflitos e é um “fã” das minhas conquistas.

À todos os professores da FESP – Faculdades, em especial a coordenadora Gabriela Nobrega “Gaby” que de maneira firme mas paciente conseguiu agradar a todos em nossas demandas.

Aos colegas de sala que durante todo esse tempo compartilharam comigo alegrias, tristezas, desafios e muitas vitórias, especialmente à Sérgio, Pollyana, Jéssica, Alexandre e Cláudio, amigos mais próximos em afinidades pessoais e acadêmicas.

Ao meu orientador professor Fábio Firmino de Araújo, que não pestanejou em aceitar esse desafio e apesar de estar passando por um dos períodos mais dolorosos na vida de qualquer pessoa, nunca deixou de me passar sua sabedoria de forma clara e simples, buscando o meu entendimento do assunto.

À professora Maria do Socorro da Silva Menezes, pelas incontáveis mensagens e correções presenciais, além de todo carinho e dedicação para que esse trabalho cientifico obedecesse todas às normas da ABNT. À professora Luciana Vilar, que em suas aulas de direito administrativo demonstrou profundidade e ao mesmo tempo trouxe um conteúdo acessível de uma forma descontraída e leal com todos os alunos. Aos funcionários da SA Assessoria Empresarial que me deram o suporte necessário para que eu pudesse estudar, pesquisar e muitas vezes me ausentar da empresa para realizar as atividades acadêmicas. Enfim, a todos que contribuíram e torceram pela efetivação deste sonho que ora se concretiza com a construção desse TCC.

5

"Suba o primeiro degrau com fé. Não é

necessário que você veja toda a escada. Apenas

dê o primeiro passo."

(Martin Luther King)

6

TERMO DE RESPONSABILIDADE/DIREITOS AUTORAIS

Eu EDGARD DE SÁ PESSOA NETO, RG nº 1.806.766 SSP/PB, acadêmico do Curso de

Bacharelado em Direito, autor do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, intitulado A

(IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO

FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA orientado pelo professor

Ms. FÁBIO FIRMINO DE ARAUJO, declaro para os devidos fins que o TCC que apresento

atendem as normas técnicas e científicas exigidas na elaboração de textos, indicadas no

Manual para Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso da Fesp Faculdades. As

citações e paráfrases dos autores estão indicadas e apresentam a origem da ideia do autor com

as respectivas obras e anos de publicação. Caso não apresente estas indicações, ou seja,

caracterize crime de plágio, estou ciente das implicações legais decorrentes deste

procedimento.

Declaro, ainda, minha inteira responsabilidade sobre o texto apresentado no TCC, isentando

o professor orientador, a Banca Examinadora e a instituição de qualquer ocorrência

referente à situação de ofensa aos direitos autorais.

Cabedelo, PB, 01 de Junho de 2016.

_____________________________________________

EDGARD DE SÁ PESSOA NETO - MAT. 201210043

7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8

2 PANORAMA HISTÓRICO DA ORIGEM DOS TRIBUTOS NO BRASIL ............ 10

2.1 COMPETÊNCIA E LIMITAÇÕES PARA INSTITUIR TRIBUTOS..............................11

2.2 CONCEITOS, CLASSIFICAÇÃO E FUNÇÕES DOS TRIBUTOS ............................... 15

3 APREENSÃO DE MERCADORIA PARA FINS DE PAGAMENTO DE................ 18

TRIBUTO

3.1 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA LIVRE INICIATIVA ................. 22

3.2 POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF .......................... 24

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 26

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 27

8

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO

FORMA COERCITIVA DE ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA

Edgard de Sá Pessoa Neto*

Fábio Firmino de Araujo**

RESUMO

O presente estudo, tem por objetivo avaliar a (in) constitucionalidade da apreensão de

mercadorias como forma coercitiva de arrecadação tributária, segundo interpretação da Súmula

323 do Supremo Tribunal Federal – STF. A problemática do trabalho parte do confronto entre o

entendimento sumular sob análise e princípio constitucional da livre iniciativa. O debate

esabelece interlocução com outros ramos do direito ente os quais, o direito administrativo no

que tange a extensão do poder de polícia estatal, haja vista que há a necessidade de se garantir a

liberdade individual, assegurando também a ordem social, sem, contudo, ir de encontro aos

direitos constitucionalmente estabelecidos. A par dessa reflexão, tem-se que súmula 323 do

STF sedimentou o entendimento segundo o qual, a Fazenda Pública não deve cobrar os seus

créditos impondo sanções ao contribuinte visando compeli-lo ao pagamento do tributo, a

exemplo da apreensão de mercadorias, uma vez que tal conduta violaria direitos fundamentais,

como o direito de propriedade, liberdade, livre exercício de qualquer atividade econômica,

devido processo legal, ampla defesa, contraditório, razoabilidade e proporcionalidade.

Palavras-chave: Tributos. Apreensão de Mercadorias. Súmula 323 do STF.

Inconstitucionalidade.

1 INTRODUÇÃO

O direito tributário, enquanto ramo do direito público, constitui-se em uma ciência que

almeja ao estudo dos princípios e normas que disciplinam e norteiam a ação estatal na

competência de exigir tributos. Nesse sentido, denota-se a preocupação em regular e

estabelecer parâmetros legais para reger as relações jurídicas entre os contribuintes e o fisco.

Nesta senda, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu detalhadamente o sistema

tributário brasileiro como sendo um regime jurídico baseado em princípios e regulamentos, que

tem por finalidade assegurar aos contribuintes direitos subjetivos a serem respeitados pela

Administração Pública na instituição e recolhimento dos tributos.

Com base no exposto, o presente estudo, intitulado “A (in)constitucionalidade da

apreensão de mercadorias como forma coercitiva de arrecadação tributária”, tem por objetivo

geral analisar a eventual inconstitucionalidade da medida coercitiva de apreensão de

* Graduado em Ciências Contábeis, aluno concluinte do 10° período do Curso de Bacharelado de Direito da Fesp

Faculdades, semestre 2016.1. e-mail: [email protected] ** Mestre em Sociologia Jurídica, Especialista em Direito Empresarial, Advogado, Professor de Direito Civil e

Tributário da FAP – Faculdade Paraibana, atuou como orientador desse TCC. e-mail: [email protected]

9

mercadorias com o fito de compelir o contribuinte a pagar tributos, à luz da Súmula 323 do

Supremo Tribunal Federal – STF1.

A relevância de se elaborar um artigo enfocando a presente temática se dá com vistas às

discussões doutrinárias e jurisprudenciais suscitadas com frequência em torno da limitação do

poder de polícia da Administração Fazendária, no que tange às medidas cabíveis para assegurar

a fiscalização e arrecadação tributária.

A problemática do trabalho ora exposto se baseia na premissa de que a apreensão de

mercadorias estaria ferindo o direito fundamental à livre iniciativa. Portanto, emerge assim a

discussão acerca do conflito entre normas constitucionais, quais sejam: o dever de pagar

impostos e o direito a livre iniciativa como princípio da ordem constitucional econômica (art.

170, CF)2. Entende-se que tal celeuma gera reflexos tanto na seara do direito tributário, quanto

no direito administrativo, fomentando discordâncias no que tange à extensão do poder de

polícia estatal, haja vista que há a necessidade de se garantir a liberdade individual,

assegurando também a ordem social, sem, contudo, ir de encontro aos direitos

constitucionalmente estabelecidos.

O presente trabalho é de natureza dogmática, uma vez que se destinou ao estudo das

premissas teóricas acerca do poder de tributar e dos meios cabíveis para assegurar a apuração e

obtenção dos tributos. O método predominante no decorrer da pesquisa foi o dedutivo,

porquanto, parte-se do geral para o particular. No mesmo sentido, como principal método de

procedimento, optou-se pelo interpretativo, considerando a necessidade de analisar os

referenciais teóricos e contribuições doutrinárias acerca da matéria, bem como casos concretos

a partir de julgamentos dos tribunais brasileiros, em especial, da súmula 323 do Supremo

Tribunal Federal.

Também se utilizou, ainda que minimamente, o método histórico, ao se realizar um

breve estudo acerca da origem, natureza jurídica e finalidade dos tributos. As técnicas de

pesquisa utilizadas foram essencialmente teóricas, com predominância da bibliográfica e

análise de documentos jurisprudenciais, havendo consulta às fontes jurídico-formais imediatas,

tais como a legislação, manuais e artigos jurídico-científicos.

1 Súmula 323 STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

2 Art. 170, CF: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...]

(BRASIL, 1988)

10

2 PANORAMA HISTÓRICO DA ORIGEM DOS TRIBUTOS NO BRASIL

A noção de tributo é tão antiga que remete ao surgimento do próprio Estado e do direito.

No período pré-histórico, o homem vivia sozinho, ainda não se agrupava em comunidades.

Posteriormente, para sobreviver, tornou-se necessário que se organizasse para conviver

socialmente. Nesse contexto, surgiu o tributo.

A palavra “tributo” vem do latim “tributum”. Significa àquilo que é um dever, ou seja, o

que deve ser entregue ao Estado, seu fundamento jurídico encontra-se no poder soberano do

ente tributante (AMARO, 2016). Em épocas remotas os tributos eram oferecidos como

presentes aos líderes (chefes, guerreiros, faraós, reis, o Estado, e até aos deuses), nesse

contexto, tendo em vista que somente os mais fortes sobreviviam, os chefes eram gratificados

pela sua bravura e proteção que conferiam ao seu grupo.

Em um primeiro momento tornaram-se conhecidos como ‘oferendas’, posteriormente, o

tributo afigurou-se na dependência da satisfação das demandas coletivas e das vontades dos

chefes, que passaram a exigi-lo de seus súditos. Eram prestações in labore (serviços), in natura

(em bens ou mercadorias) ou in pecúnia (moeda), exigidas arbitrariamente.

Os povos egípcios, assírios, fenícios, dentre outros da Antiguidade, utilizavam a

cobrança de tributos como forma de servidão contra aqueles que sofriam as conquistas

territoriais, tanto das propriedades quanto dos povos daquela região. Nas civilizações helênica e

romana, conforme Martins (2013) o tributo era uma imposição dos vencedores sobre os

vencidos.

As batalhas tinham objetivos de arrecadar, para a nação vencedora, os bens dos

perdedores. A herança de Roma em matéria fiscal é "o imposto como produto e instrumento de

opressão, crescendo à medida que se desenvolvia a máquina político-administrativa; assente na

força pura, sem referência à justiça” (MARTINS, 2013, p. 87).

Na Grécia, o tributo era cobrado pela captura dos povos vizinhos e daqueles que fossem

dominados em guerras. Naquela época, os tributos eram pagos apenas por estrangeiros,

imigrantes, etc., sendo isentos do pagamento os cidadãos gregos (homens, adultos, livres e

nascidos na Grécia, cumulativamente) (MARTINS, 2013).

No que diz respeito a origem dos tributos no Brasil, a história da tributação nacional

está diretamente relacionada com o modo pelo qual a coroa portuguesa cobrava os impostos nas

regiões sob seu julgo. Na época do Brasil Colônia, os projetos de colonização do território

foram financiados com um único propósito da coroa portuguesa, ou seja, opulentar e agigantar

a sua Metrópole.

11

O método português de cobrança de tributos baseava-se na “derrama”, que significava

uma cobrança forçada de um imposto atrasado sobre todo e qualquer tipo de produção. A regra

geral era a cobrança uma quinta parte de tudo que fosse produzido, seja sob a forma de bens ou

de ouro, prática comum naquela época.

A quantia total arrecadada era em parte utilizada para sustentar a Corte Local, onde a

maioria dos bens arrecadados eram levadas aos cofres da Corte portuguesa. Constata-se que

evidentemente os recursos arrecadados não eram utilizados em benefício das populações locais

(MARTINS, 2013).

2.1 COMPETÊNCIA E LIMITAÇÕES PARA INSTITUIR TRIBUTOS

A Constituição Federal em seu artigo 1453, outorga competências aos entes federativos

(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para instituir tributos, sendo o imposto a mais

popular espécie de tributo e a que mais influencia o cotidiano dos contribuintes. Em síntese, o

poder de tributar é a atribuição que, de forma legal, é repassada ao Estado, em regime de

exclusividade, a fim de criar, aumentar, diminuir ou extinguir tributos, com a finalidade de

obter os recursos necessários para cumprir a função social estatal.

A União poderá instituir impostos extraordinários, em caso de guerra externa ou sua

iminência, e impostos residuais, desde que sejam criados através de lei complementar, não

cumulativos, que o fato gerador e ou base de cálculo sejam diferentes de qualquer ouro imposto

previsto na Constituição Federal de 1988.

A atividade arrecadatória estatal pode ser conceituada como sendo o complexo de ações

do Estado visando angariar receitas para suprir os gastos públicos a fim de satisfazer as

necessidades da população (AMARO, 2016). É consenso que os objetivos políticos, sociais

econômicos de um Estado só podem ser efetivados mediante o ingresso de receitas públicas,

isto é, pela arrecadação de tributos (impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios

e contribuições de melhoria), que constituem o principal item da receita.

A Carta Ápice, em seu art. 150, estabeleceu algumas vedações ao legislador

infraconstitucional, quais sejam as imunidades tributárias genéricas. No texto constitucional,

encontram-se regras de imunidade sob as mais variadas expressões, por exemplo: “são isentas”

– art. 195, § 7º, e art. 184, § 5º; “não incidirá” – art. 153, § 3º, III; “é vedado instituir impostos

sobre” – art. 150, VI; “sujeita-se exclusivamente á incidência do imposto” – art. 153, § 5º.

3 Art. 145, CF: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos [...]

(BRASIL, 1988)

12

Acerca das limitações impostas ao poder de tributar exercido pelo Estado, atesta Amaro (2016,

p. 127-129):

Essa outorga de competência tributária, obviamente, não é sem fronteiras. Além de

buscar uma demarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada ente

político, com a partilha da competência tributária, a Constituição fixa vários

balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção

especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas

que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às

chamadas limitações ao poder de tributar. [...] as chamadas “limitações ao poder de

tributar” integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a

intensidade da atuação do poder de tributar (ou seja, do poder, que emana da

Constituição, de os entes políticos criarem tributos).

A Constituição Federal estabelece premissas almejando resguardar os direitos e

garantias do cidadão, evitando que este seja alvo de abusos de poder cometidos pelas

autoridades do Estado. Amaro (2016) frisa que essas situações ocorreram com notória

frequência na época do Brasil Colônia, onde os coletores de tributos exerciam um poder

arbitrário, uma vez que a ideia dominante em tal época era saquear o país e prosperar cada vez

mais a Corte de Portugal.

Entretanto, conforme o referido autor, tal fase não foi completamente superada,

atualmente ainda são verificados resquícios dessa mentalidade espoliadora no inconsciente

daqueles que exercem autoridade, nesse sentido, justifica-se o cuidado dos legisladores

constituintes em buscar preservar garantias mínimas para o cidadão em detrimento do Estado.

Nesta senda, Carrazza (2015) assinala que as pessoas políticas somente podem criar

tributos caso estes estejam de acordo com os respectivos mandamentos constitucionais,

construídos pelo legislador originário com regras positivas (pode tributar) e negativas (que

delimitam o poder de tributação).

Portanto, a cobrança deve ser realizada conforme determina a lei, não comportando

discricionariedade do administrador público. Trata-se do princípio da legalidade tributária,

previsto no artigo 150, inciso I, da Carta Maior. No que diz respeito as imunidade, conforme

ensina Ferreira Sobrinho (1991, apud CARRAZZA, 2015, p. 750):

A norma imunizante não tem apenas a função de delinear a competência tributária,

senão a que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a ação

tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a

competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo,

razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um direito

subjetivo, como norma jurídica atributiva, por conferir ao imune o direito referido.

13

A maior parte das imunidades e princípios contidos na CF, que tem por função precípua

assegurar a limitação ao poder de tributar, evidenciam os direitos e garantias individuais como

a legalidade, irretroatividade, igualdade, generalidade e capacidade econômica de contribuir.

Machado (2015, grifo nosso) diferencia os 3 (três) institutos que configuram as formas

de limitação ao poder de tributar do Estado da seguinte forma: Isenção é ressalva feita por lei à

regra jurídica de tributação; Não incidência é a circunstância, em que o regramento jurídico de

tributação não incide visto que não se realiza a sua hipótese de incidência, isto é, não existe

uma conduta de fato e de direito previamente instituidora de um tributo; e Imunidade é o óbice

fixado por meio de norma constitucional que impossibilita a incidência de lei ordinária de

tributação sobre um fato específico, ou em prejuízo de determinada pessoa, ou grupo de

pessoas.

Em se tratando do último instituto mencionado, Carrazza (2015) esclarece que a

disposição constitucional que versa acerca de imunidade tributária possui eficácia plena, sendo

imediata sua aplicação, irradiando todos os seus efeitos, independentemente da edição de

normas inferiores (leis, decretos, portarias, atos administrativos etc.) que as explicitem.

O Supremo Tribunal Federal - Corte Maior -, que por muito tempo sustentou o

entendimento de que as imunidades representavam hipótese de não incidência

constitucionalmente qualificada, modificou seu posicionamento ao não permitir a revogação da

imunidade através de emenda constitucional, ratificando a natureza de direito fundamental da

imunidade a partir do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-7/ DF.

Em seu turno, a isenção, bem como a imunidade, também é oriunda de princípios e

garantias constitucionais (sabendo-se que a Constituição não trata das isenções). “Pode-se

elencar, por exemplo, o respeito ao princípio da capacidade contributiva, a proteção aos idosos

e à família, fomento da cultura e da educação etc. Todos estes abarcados pelo princípio da

igualdade” (CARRAZZA, 2015, p. 906).

Acerca da natureza da isenção, afirma Alexandre (2012) na ocorrência de uma isenção,

há a competência para editar uma lei tributária que incida sobre o ato ou fato isento. Apartir da

edição dessa lei, nasce o fato gerador hipótese de incidência do tributo. Ocorre que outra lei

afasta da autoridade fazendária a possibilidade de efetuar o lançamento tributário em relação

àquele fato gerador. Sob a ótica do CTN, a qual também é aderida pelo STF, existindo uma

isenção, ocorre o fato gerador e emerge a obrigação tributária, entretanto, a obrigação não se

faz exigível, vez que a fazenda é impedida de constituir o crédito tributário pelo lançamento

que fica excluído.

14

Sob a ótica de Martins (2013, p. 312) “[...] não deve ser concedida isenção a

determinada pessoa, mas, sim, por igualdade e interesse geral, a todas aquelas que preencherem

os requisitos e condições legais”. Como a regra básica da tributação está calcada na

universalidade, ou seja, todos devem pagar tributos, em havendo a desoneração de alguns

tributos pela isenção, entendem a doutrina e a lei brasileira expressamente – CTN, art. 111 –

que, ao interpretar a norma isentiva, deve o intérprete fazê-lo literalmente, isto é, de forma

restritiva, para que o menor número possível de pessoas se exclua da obrigatoriedade de

contribuir para o Estado em suas despesas.

Existem diversas doutrinas que buscam explicar a isenção, vejamos duas que tem mais

relevância e são mais patentes na jurisprudência. A primeira corrente, essa mais positivista,

Código Tributário Nacional (CTN), a isenção tem como natureza jurídica a dispensa legal do

pagamento do tributo, regrada no capítulo da exclusão do crédito tributário (SILVA, 2010 apud

MARTINS, 2013).

Para estes mais positivistas, deve estar presente a incidência para existir a isenção, isto

é, nasce a obrigação tributária, mas, por resultado da norma que estabelece uma isenção, não se

completa, sendo assim não exigível por estar o fisco impedido de constituir, através do

lançamento, o crédito tributário.

Por sua vez, a segunda corrente, tendo como defensor que melhor a explica José Souto

Maior Borges, defende que a isenção é juridicamente uma não incidência legalmente

qualificada, assim, em ocorrendo a revogação, a tributação somente voltará a gerar o crédito

consequente após o exercício, pelo princípio constitucional da anterioridade, entendendo-se que

teríamos uma nova incidência (SILVA, 2010 apud MARTINS, 2013).

Fabretti (2013) esclarece que a isenção é responsabilidade do legislador, uma ordem à

administração pública pela qual não se deve cobrar tributos em determinada situação. O autor

em comento explica que a imunidade está fixada na CF e impede qualquer alteração por um

legislador comum.

Por fim, Fabretti (2013, p. 159) informa que: “[...] a imunidade refere-se apenas aos

impostos. Não há imunidade de taxas ou contribuições”. Nesse ínterim, segundo Carrazza

(2015) as isenções tributárias podem ser concedidas: a) por lei ordinária; b) por lei

complementar; c) por tratado internacional, devidamente aprovado, ratificado e promulgado; e

d) por decreto legislativo estadual ou do Distrito Federal, em matéria de ICMS.

15

2.2 CONCEITOS, CLASSIFICAÇÃO E FUNÇÕES DOS TRIBUTOS

A conceituação jurídico-legal de tributos está inserida no art. 3º do Código Tributário

Nacional - CTN, no qual se estabelece que: “é toda prestação pecuniária compulsória, em

moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Em outra definição,

formulada sob a ótica de Berti (2008, p. 12), encontra-se que:

[...] o tributo, além de constituir um importante instrumento para financiar os gastos

públicos referentes à prestação de serviços que visam satisfazer as necessidades da

coletividade, é utilizado também em algumas ocasiões como instrumento de política

extrafiscal do governo, regulamentando o mercado financeiro, estimulando ou não, as

importações, fomentando o crescimento industrial e o desenvolvimento de algumas

regiões específicas, tudo as sabor da política adotada pelos governantes, responsáveis

pela gestão da máquina pública.

Portanto, infere-se que o tributo é uma obrigação decorrente precipuamente da lei, onde

o Estado, exercendo o poder de tributar, manifesta sua soberania. Dessa forma, a Carta Maior

de 1988, em seus artigos 153 a 156, atribui a competência tributária às seguintes pessoas

políticas: União; Estados-membros; Municípios; e Distrito Federal. Acerca da importância e

função dos tributos, Brutti (2006, p. 2, grifos nossos) entende que:

Não obstante tenha como função principal a geração de recursos financeiros para o

Estado, o tributo também funciona no intuito de interferir no domínio econômico, a

fim de promover estabilidade. Por isso, diz-se que o tributo tem função híbrida. Na

primeira hipótese, temos a denominada função fiscal, ao passo que, na segunda,

temos a chamada função extrafiscal.

Ressalta-se nestas explanações preliminares, que o tributo não decorre de sanção que

resulta da prática de ato ilícito, tendo em vista que o fato descrito pela lei que norteia o direito

de arrecadar o tributo (hipótese de incidência) será sempre algo lícito, tendo por fundamentos a

capacidade econômica, bem como contributiva. No que concerne aos integrantes da relação

jurídica, Berti (2008, p. 13, grifo nosso) assinala que:

[...] a regra matriz constante da norma tributária especifica em seu elemento os

sujeitos envolvidos na relação jurídica, ou seja, o sujeito ativo ou credor da relação

que nada mais é do que o Fisco – federal, estadual, distrital ou municipal ou

eventualmente alguma autarquia – e o sujeito passivo ou devedor da relação,

geralmente o contribuinte, aquele que está ligado de modo direto e imediato à

ocorrência do fato jurídico como no exemplo do contribuinte que aufere a renda ou

que obtém ganho de capital, o que industrializa e vende o produto industrializado, o

que importa produtos do exterior, o que paga salários, o que pratica operações

financeiras, etc.

16

O posicionamento exposto acima está em consonância com os ensinamentos de

Carvalho (2016), o qual estabelece que toda prestação pecuniária que tenha como sujeito ativo

o Estado e sujeito passivo uma pessoa física ou jurídica, que não configure ato volitivo e que

não seja sanção pela prática de ato ilícito, é tributo. Nas palavras do referido autor:

[...] tributo na sua configuração estática, é a endonorma que apresenta como hipótese

um conjunto de critérios para identificação de fatos da realidade física que não acordo

de vontade considerados, em si mesmos, e, como consequência, um conjunto de

critérios que nos permite identificar uma relação jurídica que se instaura entre o

Estado (por via de regra), na qualidade de sujeito ativo e alguma pessoa física ou

jurídica na condição de sujeito passivo, mediante a qual haverá o primeiro o direito

subjetivo público de exigir da segunda o cumprimento de dever jurídico

consubstanciado numa prestação pecuniária (CARVALHO, 2016, p. 99).

Baleeiro (2013) assinala que os tributos formam a receita da União, Estados e

Municípios e abrangem impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. Eles

podem ser diretos ou indiretos. Os diretos, são os contribuintes que são obrigados a pagar a

contribuição, exemplo o Imposto de Renda. Já os indiretos incidem sobre o preço das

mercadorias e serviços. Em seu turno, Amaro (2016, p.25) afirma que “tributo é toda prestação

pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades

não estatais de fins de interesse público”.

No que diz respeito as teorias que apontam as espécies dos tributos, estas se baseiam nas

normas jurídicas tributárias estabelecidas na Constituição Federal, tendo sido modificada ao

passar do tempo. Inicialmente adotou-se a classificação “bipartide”, dividida em impostos e

taxas. Posteriormente, emergiu a classificação “tripartide”, a qual passou a apontar a existência

de três espécies de tributo, a saber: impostos, taxas e contribuições, e a teoria “quadripartide” a

qual identificava quatro espécies tributárias: Impostos, as Taxas, as Contribuições (de Melhoria

e Especiais) e os Empréstimos compulsórios.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, já assentou que a classificação acolhida pelo

constituinte foi a “quinquipartide”, de acordo com a qual o gênero tributo encontra cinco

espécies, ou seja, impostos (artigo 145 da CF); taxas (artigo 145 da CF); contribuições de

melhoria (artigo 145 da CF); empréstimos compulsórios (artigo 148 da CF) e contribuições

especiais (artigo 149 da CF).

Sendo assim, tem-se que os empréstimos compulsórios e as contribuições são espécies

tributárias autônomas, ostentando natureza jurídica própria que as distingue dos impostos, taxas

e contribuições de melhoria. Nesse sentido também se posiciona Bastos (2002 apud WERNER,

17

2014, p. 112), seus argumentos são no sentido de que, sob a estrita ótica do Direito

Constitucional:

O art. 145 prevê os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria, dando a entender

até que seriam os únicos, posto que não enumera os demais. No entanto, os arts. 148 e

149 contemplam, respectivamente, os empréstimos compulsórios e as contribuições

sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias

profissionais ou econômicas. [...] Há, portanto, cinco modalidades tributárias

contempladas na nossa Constituição.

A respeito da classificação dos tributos, estes podem ser divididos em: a) Reais:

cobrados com observância aos aspectos objetivos do bem tributado, e; b) Pessoais: cobrados

com observância aos aspectos pessoais do contribuinte (Araujo, 2013). Portanto, tributa-se de

acordo com sua capacidade econômica (Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas), em

decorrência do disposto no § 1º do artigo 145 da CF.

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária

especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os

direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades

econômicas do contribuinte (BRASIL, 1988).

Corroborando com o exposto, frisa-se que a finalidade do princípio da capacidade

contributiva na ordem jurídica tributária é o alcance de uma sociedade mais justa e igualitária,

onde pagará mais tributo aquele que for mais rico. Pode-se afirmar que este é um

desmembramento do princípio da igualdade no Direito Tributário, concretizando-se assim a

justiça social.

Conforme Masina (2009, grifos nossos) podem ser também: a) diretos: quando o ônus

recai sobre a pessoa do contribuinte, como no imposto de renda; b) indiretos: no qual o

contribuinte de direito poderá transmitir a um terceiro a obrigação tributária, tornando-se este

último o contribuinte de fato; c) fiscais: tem com fim a arrecadação tributária com o objetivo de

produzir receita; d)Extrafiscais: utilizados sempre que o estado necessita fazer uma intervenção

na economia, embora também gerem receita; e) parafiscais: quando a lei atribui a

disponibilidade dos recursos arrecadados à pessoa jurídica diversa daquela que institui o

tributo; f) vinculados: onde a cobrança depende de atividade específica ao contribuinte; g) não

vinculados: no qual a cobrança independe de atividade específica ao contribuinte; h) de

arrecadação vinculada: as receitas arrecadadas exclusivamente podem ser utilizadas nas

atividades estabelecidas na lei; i) de arrecadação não vinculada: a arrecadação poderá ser

aplicada frente a qualquer despesa.

18

Os tributos formam o Sistema Constitucional Tributário do país, sistema ao qual

Geraldo Ataliba (1966 apud MASINA, 2009, p. 19) se refere em tais termos: “Em matéria

tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o

pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo

contribuir para plasmá-lo”.

No Brasil, os tributos podem ter 3 (três) funções, quais sejam: a) Fiscal: O objetivo é o

recebimento de haveres financeiros para o Estado; b) Extrafiscal: O objetivo é ingerir-se no

domínio econômico, buscando regular algum setor econômico e; c) Parafiscal: Quando ocorre a

delegação, pela pessoa política (União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios),

mediante lei, da capacidade tributária ativa à terceira pessoa (de direito público ou privado), de

forma que esta arrecade o tributo, fiscalize sua exigência e utilize-se dos recursos auferidos

para a consecução de seus fins (MACHADO, 2015).

Em síntese, no capítulo I, do título VI, da Constituição Federal de 1988, encontra-se

prescrita toda a regulação do sistema constitucional tributário. Em face disso, é possível afirmar

que o sistema constitucional tributário representa um subsistema, o qual regula aspectos

relacionados a imposição tributária pelo Estado, dos poderes exercidos por este na esfera

tributária e das garantias dos contribuintes perante estes poderes.

3 APREENSÃO DE MERCADORIAS PARA FINS DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS

Inicialmente, faz-se mister registrar que a apreensão de mercadorias pelo Fisco, em

determinadas situações, é um ato administrativo que encontra fulcro no poder de polícia estatal.

É consenso que em detrimento do interesse público, o poder de polícia fixa restrições aos

direitos e liberdades individuais.

A este respeito, de acordo com Araújo (2013) a fiscalização tributária se configura no

exercício do poder de polícia por parte da Fazenda Pública, cuja finalidade é de assegurar o

cumprimento das obrigações fiscais por parte dos contribuintes, garantindo, desse modo, a

efetiva arrecadação das receitas públicas e os interesses coletivos, não restando oposição ao

particular, vez que o tributo é uma prestação compulsória, não permitindo escusas.

Contudo, a utilização de tal poder não pode ser justificativa para ilicitudes e excessos, o

que configura abuso de poder e desvio de finalidade. O Código Tributário Nacional (CTN) traz

em seu artigo 78 o conceito legal de poder de polícia, segue in verbis:

Atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse

ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse

19

público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da

produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de

concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à

propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (BRASIL, 1966).

Meirelles (2015) assinala que o poder de polícia é uma faculdade de que goza a

administração pública para subordinar e restringir o uso, a disposição de bens, atividades e

direitos individuais, isto, em interesse da sociedade ou mesmo do próprio Estado. Porém,

embora seja discricionário, o poder de polícia deve estar em observância com a Carta Maior,

haja vista que o ato administrativo fiscal venha a ferir princípios do Estado Democrático de

Direito, seja por ilegalidade, desproporcionalidade ou desmotivação, configura abuso de poder,

sendo suscetível a intervenção por parte do Poder Judiciário, que pode julgá-lo nulo. Portanto,

os atos administrativos e o uso do poder de polícia devem respeitar estritamente o princípio da

legalidade. Nesse diapasão, aduz Meirelles (2015, p. 141) que:

[...] A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o

administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos

mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou

desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar,

civil e criminal, conforme o caso.

No mesmo sentido, expõe-se o seguinte entendimento exarado pelo Ministro Celso de

Mello:

A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao

Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter

fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos

termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo

contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências

irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados (RTJ 173/807-808,

Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

Com base nesse entendimento, compreende-se que a apreensão de mercadoria como

mecanismo coercitivo visando compelir o contribuinte ao adimplemento de tributos seria

injustificável e ilegal, isto, devido ao fato de que o Estado disponibiliza de formas lícitas e já

positivadas para obter os créditos tributários que lhe sejam devidos. Em outra perspectiva, tais

práticas por parte dos agentes públicos de fiscalização, estariam afrontando o princípio

constitucional do devido processo legal postulado na Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 5º, inciso LV, onde: “Art. 5º, inc. LV: aos litigantes em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com

os meios e os recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

20

Com supedâneo no referido artigo, torna-se evidente que as sanções que venham a ser

empregadas pelo Fisco a fim de cobrar débito tributário, que não sejam aplicadas de acordo

com o devido processo legal, seja administrativo ou via judicial, neste caso, execução fiscal,

são inconstitucionais, além de também cercearem a liberdade de exercer atividades, isto,

também postulado no referido art. 5º, inciso XIII, e art. 170 parágrafo único da CF,

respectivamente:

Art. 5º, inc. XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (BRASIL, 1988).

[...]

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos

previstos em lei (BRASIL, 1988).

Corroborando com as linhas anteriores, apresentam-se decisões proferidas pelo Superior

Tribunal de Justiça e demais tribunais, os quais declararam ilegais atos coercitivos de confisco

de mercadorias almejando obrigar o particular ao pagamento de tributos:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. APREENSÃO DE MERCADORIA.

SITUAÇÃO CADASTRAL IRREGULAR. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-

PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1. Consoante jurisprudência

desta Corte é inadmissível a apreensão de mercadoria com a única finalidade de coagir

o pagamento de tributo pelo contribuinte. 2. In casu, consignado no acórdão recorrido

que a Autoridade Fazendária não reteve a mercadoria objetivando o pagamento do

tributo, mas pela ausência de inscrição no Cadastro Fiscal do Distrito Federal, a

análise da questão ensejaria reexame de provas, o que encontra óbice na Súmula

7/STJ. 3. Agravo Regimental não provido (STJ - SEGUNDA TURMA, AGA

200700378557, HERMAN BENJAMIN, DJ DATA: 07/02/2008 PG: 00001, DTPB).

REEXAME NECESSÁRIO. CONCESSAO DA SEGURANÇA. APREENSAO DE

MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE

TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇAO, IN TOTUM, DA SENTENÇA

RECORRIDA. I- É sabido que o Fisco dispõe de procedimento adequado para

consecução de seus créditos, fato que o impede de efetivar medidas restritivas às

atividades dos contribuintes, que venham a prejudicar o desempenho da mercancia,

medida que não compadece com a legislação federal vigente. II- Assim, no Estado

Democrático de Direito, não é legal que a Administração proceda à apreensão de

mercadorias ou bens sem observar os ditames legais, pois somente é possível este

procedimento para efeito de constituir prova do ilícito fiscal, ou seja, para lavrar o

auto de infração, vez que o poder público dispõe de procedimento específico para a

cobrança do crédito. III- Ressalta-se, também, que o poder de polícia encontra limites,

devendo ser exercido em observância aos princípios da razoabilidade,

proporcionalidade e finalidade que regram o interesse público. IV- Evidencia-se, com

isto, o flagrante desiderato da Recorrida em coagir a Requerente ao pagamento de

impostos, mediante a retenção das mercadorias destinadas à circulação. V- Isto posto,

tem-se que a decisão fustigada encontra-se em harmonia com a orientação deste

Tribunal, e notadamente na Súmula nº. 323, do Supremo Tribunal Federal, no sentido

de repelir formas oblíquas de cobrança de débitos fiscais, que caracterizam ofensa à

21

garantia constitucional do livre exercício de qualquer atividade econômica, sopesando,

ainda, que o fisco detém mecanismo próprio para a cobrança de seus créditos. V-

Manutenção, in totum, da sentença recorrida. VI-Jurisprudência dominante dos

tribunais pátrios. VII- Decisão por votação unânime (TJ-PI - REEX:

201100010070978 PI, Relator: Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho, Data de

Julgamento: 08/08/2012, 1ª. Câmara Especializada Cível).

Na mesma direção segue a decisão abaixo exposta:

MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO TRIBUTÁRIO - APREENSAO DE

MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA O PAGAMENTO DE

TRIBUTOS - AUTO DE INFRAÇAO DEVIDAMENTE LAVRADO -

MANUTENÇAO DA APREENSAO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 323 DO

STF - PRECEDENTES - VIOLAÇAO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO

IMPETRANTE - CONCESSAO DO WRIT. I - No caso dos autos, não subsiste a

apreensão de mercadorias, uma vez que não é esta a única forma de viabilizar a

constituição do crédito tributário, sobretudo, considerando que já ocorrera a

identificação do sujeito passivo da obrigação, a apuração do montante do crédito fiscal

e a lavratura do auto de infração. II - O Fisco Estadual dispõe dos meios legais para a

cobrança de débitos dos contribuintes, atendendo ao devido processo legal. III -

Concessão da segurança. Decisão unânime. (TJ-SE - MS: 2011123268 SE , Relator:

DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA, Data de Julgamento:

23/05/2012, TRIBUNAL PLENO).

Harada (2010) ensina que no âmbito administrativo, o tributo deve ser cobrado por meio

de notificação de lançamento, visando garantir que o sujeito passivo da obrigação exerça o

contraditório e a ampla defesa, devendo ser respeitado ainda, o princípio insculpido na Carta

Magna que diz respeito ao devido processo legal. O referido autor ratifica ainda que o processo

administrativo tributário é regido pela lei de cada entidade política, estas, balizadas pela regras

gerais aplicáveis nacionalmente. Na seara judicial, Harada (2010, p. 2) assinala que:

O crédito tributário deve ser cobrado por meio de uma ação, cuja inicial deverá indicar

apenas o juiz a quem é dirigida a petição, o pedido e o requerimento para a citação do

devedor, instruída com a certidão de inscrição na dívida ativa, tudo nos termos do art.

6º da Lei nº 6.830/80, que rege o processo de execução fiscal com a aplicação

subsidiária do Código de Processo Civil somente na hipótese de omissão do estatuto

específico. Daí a ilegalidade das petições fazendárias padronizadas onde consta

indicação de bens a serem apenhados, sem observância da gradação estabelecida em

lei.

De modo que, se nos mostram presentes a abusividade e ilegalidade que permeia o ato

do Fisco ao fazer uso de medida coercitiva de apoderação de mercadorias a fim de assegurar o

adimplemento de tributo, isto se torna ainda mais evidenciado tendo em vista que, o Estado,

enquanto gestor do Tesouro público dispõe de instrumentos legais apropriados à cobrança de

tributos devidos, entre os quais a própria ação de execução fiscal, não podendo fazer uso de

suas prerrogativas e supremacia para compelir o contribuinte a pagar os débitos que entender

devidos.

22

3.1 VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA LIVRE INICIATIVA

As medidas coercitivas de apreensão de mercadorias adotadas pelo Fisco almejando o

pagamento de tributo, que venham a acarretar cerceamento ao direito de livre iniciativa, já

foram alvos de diversas súmulas proferidas por tribunais superiores, os quais reiteradamente

vêm refutando tais práticas, desse modo, a saber: a) “é inadmissível a interdição do

estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo” (Súmula n. 70/STF); b) “é

inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para cobrança de tributo”

(Súmula n. 323/ STF); c) “não é lícito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira

estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”

(Súmula n. 547/STF). Alinhado ao conteúdo das súmulas ora apresentadas está o

posicionamento de Machado (1998, p. 46):

Mesmo o contribuinte mais remitente na prática de infrações à lei tributária não pode

ser proibido de comerciar. Mesmo aquele que tenha sido condenado, no juízo criminal

competente, por prática do crime de sonegação de tributos, tem o direito de continuar

exercendo o comércio, porque a lei não comina aos que cometem esse crime a pena de

proibição do exercício do comércio. Aliás, mesmo a lei penal, lei ordinária federal

posto que à União compete legislar em matéria penal, não pode cominar a pena de

cancelamento da inscrição do contribuinte, posto que estaria instituindo pena de

caráter perpétuo, que a Constituição proíbe (CF/88, art.5º, inciso XLVII, alínea “b”).4

Noutro giro, é indubitável – em consonância com a abalizada jurisprudência proferida

pelo Supremo Tribunal Federal – que a liberdade de atividade empresarial, econômica ou

profissional não possui natureza absoluta, tendo em vista que não há no ordenamento jurídico

nacional direitos e garantias absolutos, nesse sentido, segue a decisão:

OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER

ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se

revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou

exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que

excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das

prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos

pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao

delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético

que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica,

destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a

assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia

pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e

garantias de terceiros (RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

4 Trata-se de uma publicação que, embora o lapso temporal de sua realização, permanece atualizado em face de

seu conteúdo específico de uma análise do princípio da livre iniciativa invocado no direito tributário.

23

A despeito da não-absolutização dos direitos e garantias individuais insertos na

Constituição Federal, o ato de confisco de mercadorias como mecanismo da administração

fazendária no intuito de compelir o contribuinte a satisfazer débitos fiscais sobre elas

(mercadorias) incidentes, constituem, constrangimento a violar o instituto do livre exercício da

atividade mercantil do contribuinte. Nesse quadrante, tem-se o balizado entendimento da

excelsa corte:

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais

proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária

possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte,

impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias

que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o

devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam (BRASIL. STF. RE 402769.

Min. Celso de Mello. DJ 06/04/2005).

Entende-se neste diapasão, que, a Fazenda Pública, ao confiscar mercadorias como

meio de obrigar o contribuinte a pagar tributos, vai de encontro ao direito fundamental

inerente à liberdade de exercer atividade econômica, haja vista que não há uma relação direta

entre o dever de pagar tributos e o direito de exercer atividade econômica, portanto, não deve

este último estar dependente do primeiro (ARAÚJO, 2013).

No mesmo sentido é a colocação de Machado (2010, p. 60) “a liberdade do cidadão de

exercer uma atividade econômica lícita não pode ser tolhida como forma indireta de cobrança

de tributos”. Nessa tangente, expõe-se o seguinte enunciado:

[...] O Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em

instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e

mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial,

econômica ou profissional – constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais

eventualmente em atraso [...] (BRASIL. STF. RE 402769. Min. Celso de Mello. DJ

06/04/2005).

Machado (1998, p. 46) aponta ainda a existência de violação ao princípio constitucional

da livre iniciativa, indo além, aduzindo que:

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque:

a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica,

independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170,

parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o

devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque

a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar

se a exigência é ou não legal.

24

Fontenele (2009) avalia que a Fazendo Pública, ao impor sanções políticas para

restringir o exercício de direito fundamentais, muitas vezes o faz, embasando-se no princípio

administrativo da Supremacia do Interesse Público. Entretanto, conforme o autor, não se pode

concordar que tal princípio seja utilizado equivocadamente, com vistas a efetivar o mero

interesse arrecadatório do Fisco, haja vista que o Interesse Público, fim maior de todos os atos

da Administração Pública, é caracterizado pelo alcance dos objetivos do estado democrático de

Direito, sendo assim, não se pode desrespeitar os direitos fundamentais previstos na Carta

Maior.

3.2 POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF

No ano de 1963, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula de número 323, a qual

apresenta o seguinte teor: “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo

para pagamento de tributos” (Súmula 323). O STF indicou como precedente um único julgado,

qual seja, o Recurso Extraordinário nº 39.933. Transcreve-se parte do relatório:

RECURSO EXTRAORDINÀRIO Nº 39.933 – ALAGÔAS. RELATOR O EXMO. SR.

MINISTRO ARY FRANCO RECORRENTE PREFEITURA MUNICIPAL MAJOR

IZIDORO. RECORRIDO COMPANHIA AGRO MERCANTIL PEDRO CARNAUBA. RE L

A T Ó R I O: O EXMO. SR. MINISTRO ARY FRANCO –

[...]

No que diz á apreensão de mercadoria, como forma de cobrança de dívida fiscal, é manifesta a

ilegalidade do ato da corrente. Não lhe cabe, na espécie, fazer justiça de mão própria se a lei

estabelece a ação executiva fiscal, para a cobrança da divida ativa da Fazenda Pública em geral.

Diante do expôsto, havemos que, preliminarmente, se conheça do extraordinário; e, conhecido,

que o Excelso Supremo Tribunal Federal lhe dê provimento, em parte, tão só para declarar

constitucional a cobrança de taxa de melhoramento. (Distrito Federal, 9 de julho de 1958 - ASS

- Firmino Ferreira Paz - Procurador da República - Aprovado Carlos Medeiros Silva -

Procurador Geral da República, grifo nosso).

Em decorrência do entendimento exarado em 1963 pela Corte Suprema, os demais

tribunais pátrios passaram a uniformizar sua jurisprudência, obstando que a fazendo pública

faça uso de medidas como a apreensão de mercadorias para compelir pagamento de tributos.

Com isso, o fisco apenas pode cobrar créditos devidos por meio de execução fiscal, em

consonância com a lei n. 6.830/80, não possuindo legitimidade, nem autorização para

apreender, reter ou leiloar mercadorias com a finalidade de receber multas e taxas.

O fundamento maior que assenta a base legal da referida súmula reside no fato de que o

Estado possui mecanismos jurídico-legais suficientes e capazes de assegurar o recebimento dos

créditos tributários, não devendo lançar mão da apreensão com opção indireta de coerção.

Portanto, em havendo a possibilidade de, por meio do Poder Judiciário, responsabilizar o

devedor através de procedimento especial (execução fiscal) a adimplir o tributo devido, este é o

25

meio legal mais apropriado para buscar débitos junto ao patrimônio do executado. Nesse

sentido, assim dispõe o art. 184 do CTN:

Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam

previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e

das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua

massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou

impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula,

excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente

impenhoráveis (BRASIL, 1966).

Compreende-se que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal e a consequente

edição da Súmula 323 veio ao encontro de importantes preceitos constitucionais, dentre os

quais, citam-se: a vedação ao confisco, a necessidade de obediência ao devido processo legal e

o respeito à ampla defesa e ao contraditório.

A carta Maior de 1988 garante também o direito de propriedade insculpido no art. 5º,

inciso XXII, vedando a instituição de tributo com efeito de confisco, garantia fixada no artigo

150, inciso IV. Nesse sentido, vê-se que tais princípios seriam feridos havendo a apreensão de

mercadorias para fins de forçar pagamento de tributos.

Verifica-se ainda que o confisco se trata de um ato administrativo discricionário oriundo

do poder de polícia, na seara do direito tributário, sendo assim, este obrigatoriamente deve estar

vinculado ao princípio do devido processo legal, encontrado no art. 5º, inciso LIV, da

Constituição Federal. Ainda é possível inferir que, com fulcro no art. 5º, inciso LV da

Constituição, faz-se necessário o contraditório e ampla defesa também no processo

administrativo.

Registra-se ainda que a referida Súmula 323 ratifica o princípio da proporcionalidade e

da razoabilidade no âmbito tributário, haja vista ser inconstitucional grande parte das sanções

políticas impostas pelo Estado, especificamente a apreensão de mercadoria, sobre os sujeitos

passivos que estejam em situação de inadimplemento com os seus deveres tributários (MELO,

2010). Nesse diapasão, tem-se a seguinte decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal:

Ementa: sanções políticas no direito tributário. Inadmissibilidade da utilização, pelo

poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir

o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (súmulas 70, 323 e 547 do STF).

Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados

da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por

inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação

tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que

não podem ser impostas pelo estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao

“substantive due process of law”. Impossibilidade constitucional de o estado legislar

de modo abusivo ou imoderado[...].” (grifos nosso) (BRASIL. Supremo Tribunal

26

Federal. Sanções políticas no direito tributário. Recurso extraordinário n° 374.981-rs.

Relator: Celso de Mello. Brasília, julgado em 28 de março de 2005, grifo nosso).

Finaliza-se a presente seção, ratificando a inconstitucionalidade da sanção de apreensão

de mercadoria, conforme entendimento sumulado pelo STF, pois, conforme Melo (2010) tal

penalidade redunda em ilegal limitação aos direitos fundamentais de propriedade (artigo 5°,

inciso XXII, CF) e de liberdade, este, em se tratando da garantia do livre exercício de qualquer

trabalho, ofício ou profissão (artigo 5°, inciso XIII, CF); assim como da garantia da livre

iniciativa (artigo 170, caput, CF); e da garantia do livre exercício de qualquer atividade

econômica (artigo 170, § único).

Frisa-se ainda que a execução fiscal não é apenas o instrumento subsidiário para a

cobrança de débitos tributários, mas é, também, o instrumento legal mais adequado. Devido a

isso, é no mínimo incongruente substituir o processo de execução fiscal por demais medidas,

sejam estas legislativas ou administrativas, visando alcançar o adimplemento tributário

(HARADA, 2010).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do presente estudo pode-se afirmar que este alcançou seu objetivo geral, qual

seja, analisar a inconstitucionalidade da medida coercitiva de apreensão de mercadorias com o

fito de compelir o contribuinte a pagar tributos, à luz da Súmula 323 do Supremo Tribunal

Federal – STF, que, apesar de ser uma súmula história a qual os tribunais de instâncias

inferiores acompanham, a autoridade administrativa não observa arvorando-se em apreender as

mercadorias, com a finalidade de obrigar o contribuinte a recolher os tributos.

A edição da referida súmula sedimentou o entendimento jurisprudencial de que a

Fazenda Pública não deve cobrar os seus créditos impondo sanções ao contribuinte visando

compeli-lo ao pagamento do tributo, a exemplo da apreensão de mercadorias, uma vez que tal

conduta é inconstitucional, pois vai de encontro a direitos fundamentais, como o direito de

propriedade, liberdade, livre exercício de qualquer atividade econômica, devido processo legal,

ampla defesa, contraditório, razoabilidade e proporcionalidade, conforme demonstrado por

meio do levantamento doutrinário e jurisprudencial elaborado ao longo do artigo ora exposto.

Insta registrar ainda que o meio mais apropriado e adequado para que o fisco obtenha

seus créditos tributários é através de ação de execução fiscal ou mesmo da propositura de

medida cautelar fiscal, nesse sentido, é injustificável, sob o ponto de vista constitucional, em

matéria já sumulada (Súmula 323 do STF), a imposições de sanções políticas, a exemplo da

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apreensão de mercadorias. Portanto, cabe a fazenda pública fazer uso do processo

administrativo ou judicial (execução fiscal) para obter o adimplemento de tributos.

THE (UN)CONSTITUTIONALITY OF SEIZURE OF GOODS AS A COERCIVE

MEANS OF TAX COLLECTION

ABSTRACT

This study aims to assess the (un)constitutionality of seizure of goods as a coercive means of

tax collection, according to the interpretation of the precedent 323 of the Federal Supreme

Court - STF. The issue of the work assumes the confrontation between the precedent

understanding under analysis and the constitutional principle of free enterprise. The debate sets

dialogue up with other fields of the law, including administrative law, regarding to extension of

the police state power, in view that there is the need to guarantee individual freedom, thereby

ensuring the social order too; however, without going against the constitutionally established

rights. Aware this reflection, it is known that the precedent 323 of STF deposited the

understanding that the Public Treasury should not charge their credits by impositions of

sanctions on taxpayer seeking to compel him/her to tributes payment, for instance the seizure of

goods, since such conduct would violate fundamental rights, such as the property right,

freedom right, free exercise of any economic activity, due legal process, the fullest possible

defense, contradictory, reasonableness and proportionality.

Keywords: Tributes/Tax; Seizure of goods; The STF precedent 323; Unconstitutionality

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