fábio salgado - investigações epistemológicas

Upload: fabiosalgado

Post on 04-Apr-2018

218 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    1/43

    INVESTIGAES EPISTEMOLGICASCombinando demonstrabilidade e conhecimento

    Fbio Salgado de Carvalho

    Departamento de Filosofia, Braslia

    Orientador: Alexandre Fernandes Batista Costa Leite

    2012

    [email protected]

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    2/43

    Agradecimentos

    Agradeo, primeiramente, a Deus, sem o qual no haveria o que pudesse ser estudado

    ou conhecido ou mesmo quem pudesse dar-se ao trabalho de faz-lo. Sou grato a JesusCristo por ter se sacrificado em meu lugar para que meus pecados pudessem ser expiados

    e para que eu pudesse ser justificado a fim de ganhar a vida eterna;

    Agradeo minha famlia. Sou grato aos meus queridos primos maternos, com quem

    tenho fortes laos afetivos desde a minha infncia, aos meus tios, aos meus avs, minha

    irm. Nomeadamente, agradeo, especificamente, ao meu pai, Sebastio, pelo seu exem-

    plo de vida e de carter e pelo seu apoio, sempre incondicional; minha me, Scheila,

    pela sua tolerncia e pacincia, uma vez que tive uma longa jornada para descobrir a mi-nha vocao e, por ltimo, Rahchel, a quem chamo de sogrinha confesso que por

    ansiedade de poder assim a chamar oficialmente.

    Agradeo minha namorada, Danielle, cuja existncia tem a capacidade de tornar o

    mundo um lugar mais aprazvel para viver-se, por seu companheirismo, seu carinho, sua

    cumplicidade, sua disposio para ouvir minhas infindveis digresses e questionamentos

    por vezes, confesso, abstratos em demasia;

    Agradeo aos meus amigos do meu grupo discipulado: Marcos, Nine, Belle, Estela,

    Diego, Cludia, Gabriel, Bruna, Caio, Mnica, Renato e ngela. Muito obrigado pelos in-

    centivos, pelos conselhos, pelas exortaes, pela caminhada em Cristo e, principalmente,

    pelas intercesses;

    Agradeo a todos os servidores da UnB que, de alguma maneira, auxiliaram-me, es-

    pecialmente, os funcionrios do departamento de Filosofia por sempre terem sido extre-

    mamente atenciosos comigo quando precisei. Tive a experincia de pertencer ao Instituto

    de Fsica da UnB, ao Departamento de Matemtica, na mesma instituio, alm de ter

    me relacionado com outros departamentos quando precisei, e, de longe, o tratamento que

    recebi na Filosofia foi o melhor. Sou afeito ao holismo desde que tive contato com o

    pensamento cartesiano aos 14 anos1, o que foi reforado ainda mais depois que estudei a

    1J dizia Descartes na sua Regras para a direo do esprito: Cumpre crer que todas as cincias so toligadas entre si que muito mais fcil aprend-las todas juntas do que separar apenas uma delas das outras.Portanto, se algum quer procurar seriamente a verdade, no deve escolher uma cincia especfica: todaselas so unidas entre si e dependem umas das outras. Ele deve pensar somente em aumentar a luz natural darazo, no para resolver esta ou aquela dificuldade de escola, mas para que, em cada circunstncia da suavida, seu entendimento mostre sua vontade o que preciso escolher. Bem depressa, ficar todo espantadode ter feito progressos bem superiores aos dos homens que se aplicam a estudos especializados, e de ter

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    3/43

    metafsica de Leibniz; portanto, creio que cometerei injustias inevitveis nesta sesso de

    agradecimentos, pois ignorarei, certamente, pessoas que tenham colaborado com a minha

    formao e com o meu crescimento ao longo dos anos que estudei na UnB. Agradecerei,

    nomeadamente, aos professores que me ajudaram na minha empreitada acadmica e filo-sfica.

    Agradeo, primeiramente, ao professor Marcos Maia, que me orientou quando ainda

    era estudante de Fsica. O professor Maia alertou-me para o fato de que eu tinha um es-

    prito que condizia mais com o de um matemtico do que com o de um fsico e permitiu

    que eu estudasse, de certa maneira, meta-Fsica ao estudar as bases da Mecnica Qun-

    tica, por meio do estudo de Nmeros Hipercomplexos, especialmente, os Quatrnios.

    Pude estudar, ainda, a Teoria Quntica de Laos Quaterninica, que teve por resultado

    um artigo que publicamos conjuntamente, com a participao de uma colega de curso na

    poca, intitulado Quaternion-Loop Quantum Gravity2. Com aqueles estudos, j fazia

    filosofia sem o perceber. Agradeo aos professores Anderson Leite, Loraine Oliveira,

    Jean-Franois Cormier muito obrigado por ter me indicado um filo de estudos, que

    a rea da Fsica Poltica. Espero que possamos dar continuidade aos nossos estudos

    , Guy Hamelin, Erick de Lima, Samuel Simon, Marcio de Paula, Gerson Brea, Paulo

    Abrantes, Gilson Sobral, Herivelto de Souza, Ana Wuensch e Felipe Amaral pelo seu

    maravilhoso curso de Filosofia da Linguagem que me mostrou um campo to fascinante

    quanto a Lgica. No posso deixar de agradecer professora Priscila Rufinoni, com quem

    no tive oportunidade de ter aulas, mas que sempre foi muito prestimosa e atenciosa co-

    migo, ajudando-me na matrcula nas disciplinas e auxiliando-me com as minhas dvidas.

    No posso, igualmente, deixar de agradecer ao professor Alex Calheiros: graas a ele,

    consegui matricular-me em Lgica 1 quando ainda era aluno da Matemtica. Agradeo

    ao professor Scott Paine pelo seu marcante curso de Filosofia Oriental, introduzindo-me

    metodologia da Filosofia Comparada. Estudar um pouco do assunto fez-me ter ainda

    mais conscincia do mote socrtico de que apenas sei que nada sei. Agradeo ao profes-

    sor Nelson Gomes pelas suas lies de Lgica, seu excelente curso de Filosofia Analtica,sua pacincia nos emprstimos de livros e recomendaes de bibliografias, alm do seu

    exemplo de profissionalismo e erudio que, com certeza, nortearo a minha caminhada.

    Agradeo ao professor Hilan Bensusan no somente pelos seus cursos de Metafsica, mas

    pela ateno que dedicou primeira verso deste trabalho, tecendo preciosos comentrios.

    Agradeo ao professor Julio Cabrera, que foi uma grata surpresa nos ltimos semestres

    conseguido no s a posse de tudo quanto os outros desejam, mas tambm de coisas mais elevadas do queaquelas que podem permitir-se esperar.. Ver a primeira regra de [14].

    2O artigo foi publicado pela Foundations of Physics e pode ser visto no seguinte endereo: http:

    //www.springerlink.com/content/yw5x720684u2mv66/ .

    3

    http://www.springerlink.com/content/yw5x720684u2mv66/http://www.springerlink.com/content/yw5x720684u2mv66/http://www.springerlink.com/content/yw5x720684u2mv66/http://www.springerlink.com/content/yw5x720684u2mv66/
  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    4/43

    do curso. Obrigado pela sua amizade, sua ateno, sua humildade em reconhecer em mim

    um interlocutor vlido, travando muitas discusses que foram cruciais no meu aprendi-

    zado, apesar do seu desnimo com relao aos embates filosficos. Foi muito bom poder

    ter aulas com um filsofo que, de fato, filosofa nas suas aulas com originalidade. Final-mente, agradeo ao meu orientador e amigo, Alexandre Costa Leite, cujo curso de Lgica

    1 fez-me apaixonar pela rea e abandonar tudo o que fazia at ento para dedicar-me ao

    novo objeto de minha paixo. Sem suas palavras de incentivo, este texto no existiria.

    Sou grato por sua crena, espero que justificada e verdadeira, no meu potencial. Espero,

    tambm, que eu no tenha sido uma contratao que tinha por objetivo salvar o time, mas

    que acabou levando-o ao rebaixamento.

    Agradeo ao CNPq pela bolsa de iniciao cientfica que possibilitou o desenvol-

    vimento do trabalho intitulado Combinando Demonstrabilidade e Conhecimento, cujos

    resultados foram acoplados neste trabalho.

    Prefcio"[o homem civilizado] Deve aprender a transcender a si

    prprio e, com isso, alcanar a liberdade do universo."

    (Bertrand Russell)

    Este um texto de concluso de curso de graduo produzido na disciplina intitulada

    Dissertao Filosfica. Seria, portanto, propcio indicarmos o que entendemos por uma

    dissertao filosfica. A palavra dissertao de origem latina, significando discurso.

    A palavra Filosofia3, no entanto, embora tenha uma etimologia proveniente do grego

    muito conhecida amor sabedoria , tem gerado longos debates no decorrer da

    histria da Filosofia, de maneira que vrios autores, como, por exemplo, Ortega y Gasset,

    Edith Stein, Martin Heidegger, Josef Pieper, Deleuze e Guattari, Danilo Marcondes e

    Irley Franco, num texto lanado recentemente, entre outros, dedicaram livros exclusivos

    ao tema.Embora no tenhamos a pretenso de dar uma definio definitiva, acreditamos que

    toda prtica filosfica tem por pressuposto uma definio de Filosofia, nem que seja im-

    plcita, e a partir dessa crena que explicitaremos o nosso prprio entendimento do que

    Filosofia. Podemos atrelar prtica filosfica duas caractersticas: fuga da mediocridade

    e transcendncia. No que concerne primeira caracterstica, Plato, na sua Repblica, j

    dizia que a prtica filosfica no para todos e justamente por no ser uma empreitada

    3Adotaremos maisculas neste texto sempre que nos referirmos a nomes prprios. Filosofia com f maisculo, portanto, refere-se a um campo do conhecimento nomeado de Filosofia.

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    5/43

    ao alcance de todos que se pode caracteriz-la como distinta da mediocridade. O filsofo

    busca responder questes que ainda no foram respondidas ou atingir nveis explicativos

    nunca alcanados. neste sentido que dizemos que a fuga da mediocridade permeia a

    prtica filosfica.Quanto transcendncia, no fazemos uso de alguma conotao religiosa, mas a uti-

    lizamos a partir de seu significado original. O verbo latino transcendere significa "passar

    por cima", "ultrapassar". De certa maneira, as duas caractersticas complementam-se, na

    medida em que fugir da mediocridade , em certo sentido, passar por cima dela, embora

    exista a possibilidade de deixar-se de estar na mdia estando, simplesmente, abaixo da

    mdia da, vem a necessidade de introduzirmos, tambm, a idia de transcendncia.

    A partir da transcendncia, pode-se criar um critrio para a identificao de uma em-

    preitada filosfica: a existncia de um metadiscurso. No toa que sempre se pode ter

    um estudo filosfico para todas as reas das cincias, como se pode ver com a Filosofia

    da Biologia, Filosofia da Fsica, Filosofia da Lingstica e assim por diante. O ambiente

    metadiscursivo, portanto, um ambiente tipicamente filosfico.

    O professor A. Costa-Leite costuma apontar, nas suas aulas, duas qualidades que de-

    vem ser levadas em conta na produo acadmica: originalidade e relevncia. Estas duas

    qualidades podem ser contrapostas s caractersticas que atrelamos prtica filosfica.

    A originalidade vai ao encontro da fuga da mediocridade quando se faz algo que no

    comum e que, portanto, no est na mdia. A relevncia, por sua vez, contrasta com a

    transcendncia na medida em que se busca a superao de um estado vigente das coisas

    como esto dadas.

    Este texto, por conseguinte, ter em vista os aspectos apontados. No se tem a preten-

    so aqui de resumir-se o conhecimento existente, mas de utiliz-lo como ponto de partida

    para que novas dimenses venham tona na tentativa de compreenso das possibilidades

    do conhecimento, sempre tendo em vista o ceticismo, que, desde os primrdios da prtica

    filosfica, tem sido uma preocupao para os filsofos.

    Etimologicamente, a palavra ctico, via latim, deriva de um termo grego que tem

    por acepo algum que inquire ou examina4. Parece, portanto, ser um pleonasmo adje-tivar por ctica uma investigao qualquer. Nossas investigaes sero, de certa maneira,

    cticas tendo em vista uma apropriao do ceticismo como mtodo. Filsofos como Des-

    cartes e Kant buscaram apropriar-se do ceticismo na sua refutao ao ceticismo. Temos

    a pretenso de efetuar, do mesmo modo, uma apropriao do ceticismo no intuito de

    refut-lo.

    4Ver [26]

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    6/43

    Sumrio

    1 Possibilidades de conhecimento 1

    1.1 O mtodo disjuntivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.2 O mobilirio da realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

    1.3 A priori contingente e a posteriori necessrio . . . . . . . . . . . . . . . 7

    2 Verdades mundanas 9

    2.1 Presente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    2.2 Futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    2.3 Passado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    2.3.1 A natureza do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    3 Verdades lingsticas 20

    3.1 Objetos persistentemente e obstinadamente necessrios . . . . . . . . . . 21

    3.2 Combinando demonstrabilidade e conhecimento . . . . . . . . . . . . . . 22

    3.2.1 Contruindo o sistema CONDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    3.2.2 Propriedades do CONDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    3.2.3 A razoabilidade do princpio do conhecimento genuno . . . . . . 29

    3.2.4 Os conhecimentos matemtico e cientfico . . . . . . . . . . . . . 31

    4 Concluso 33Referncias35

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    7/43

    1 Possibilidades de conhecimento

    Os sentidos so tidos por ferramentas que no so confiveis desde a filosofia praticada

    na Antigidade. Plato, com seu famoso mito da caverna, j alertava para uma imagem

    que se supe ser realidade, mas que era mera sombra daquilo que , de fato, real. A

    cincia, ainda hoje, mantm desconfiana com relao aos sentidos. No que diz respeito

    viso, no enxergamos as coisas mesmas, pois necessitamos da luz. Esta interage com

    a matria, por meio do efeito fotoeltrico, por exemplo, de maneira que a luz que incide

    em nossos olhos j no aquela emitida pelo objeto que desejamos conhecer. Quanto

    audio, as ondas sonoras perdem energia ao propagarem-se, de modo que tambm no

    temos a percepo do que foi originalmente emitido. Quando acreditamos que tocamos

    algo, na verdade, apenas estamos tendo um resultado de interaes eletromagnticas que

    causaram estmulos em terminaes nervosas, pois, pela Lei de Coulomb, seria necessriauma fora de mdulo infinito para que dois objetos, de fato, pudessem tocar-se. Olfato

    e paladar esto conectados de tal maneira entre si que um tem influncia direta sobre o

    outro. O deciframento de um cheiro armazenado no crebro e combinado informao

    de outros deciframentos j operados. A percepo, portanto, olfativa dependente da

    nossa memria, que, por sua vez, emoldurada, por meio da cultura, pelos alimentos aos

    quais costumamos ter acesso.5

    Kant, com sua distino entre fenmeno e coisa-em-si, captou bem esse fatalismo

    com relao ao mundo. Cremos que o ceticismo, contemporaneamente, no diz respeitoao conhecimento direto do mundo, mas ao tipo de conhecimento que podemos ter no que

    diz respeito s proposies que pretendemos assertar sobre o mundo e sobre a linguagem.

    Tendo em vista essa idia, introduziremos um mtodo chamado Mtodo Disjuntivo.

    1.1 O mtodo disjuntivo

    Na Lgica clssica de primeira ordem, ou lgica clssica de predicados, temos uma

    regra denominada Regra do conseqente verdadeiro. A regra a seguinte:

    Tendo por inspirao a citada regra, proporemos o uso de um mtodo que chamaremos

    de Mtodo Disjuntivo. Afirmar, conjuntivamente, duas proposies afirmar a veracidade

    das duas proposies. Tendo em vista o questionamento ctico, propomos que, tendo em

    5

    bom lembrarmo-nos de que j estamos comprometidos com todo um aparato epistmico quandocaracterizamos as limitaes do nosso conhecimento utilizando por pressuposto o conhecimento cientfico.

    1

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    8/43

    vista a impossibilidade de afirmarmos conjunes, tentemos percorrer todas as possibi-

    lidades de afirmaes no intuito de encontrarmos inferncias que so independentes dos

    antecedentes. O Mtodo disjuntivo ser definido, portanto, da seguinte maneira: Seja

    = { , , . . . , }6

    o conjunto de todas as possibilidades lgicas acerca de um deter-minado tema, e seja = { , , . . . , } o conjunto que caracterize

    uma determinada concluso que pode ser obtida a partir das premissas em , o Mtodo

    Disjuntivo permitir-nos- inferir a partir de , ou seja a partir do procedimento

    abaixo:

    ...

    No caso da Regra do conseqente verdadeiro, tnhamos uma conjuno. Como

    estamos falando de possibilidades lgicas, teremos disjunes no lugar de conjunes.

    importante ressaltar, entretanto, que, dependendo da ontologia que se tem com relaoaos mundos possveis, poder-se-ia ter, em vez de disjunes, novamente, conjunes.

    Em outras palavras, se defendido um realismo modal como aquele proposto por David

    Lewis, o estatuto ontolgico dos mundos possveis que no chamamos de atuais, por

    uma questo de posicionamento, o mesmo que o do mundo no qual estamos fazendo

    asseres e proferimentos. importante, ainda, destacarmos que o mtodo que estamos

    apresentando, embora o estejamos fazendo de maneira simblica, no se compromete

    com algum sistema lgico particular; portanto, no nos interessa aqui se poderamos ter,

    por exemplo, num sistema clssico, a seguinte relao:

    ( ) ( ) . . . ( ) FOL 7.

    Poderemos obter uma concluso sem o comprometimento especfico com algum

    antecedente. Poder-se-ia levantar a questo sobre o uso dos conectivos (, , ) no

    nosso mtodo disjuntivo. Esclarecemos, portanto, que a apresentao simblica tem ape-

    nas motivaes didticas na compreenso do mtodo. Poder-se-ia, tambm, levantar um

    6Pode-se pensar, tambm, na alternativa de o conjunto ser um conjunto infinito enumervel, sobre oqual se tenha certo controle sobre as possibilidades lgicas que ele possa conter.

    7Por FOL, queremos dizer Classical First-Order Logic Lgica de Primeira Ordem Clssica.

    2

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    9/43

    questionamento sobre que sistema lgico permite que se diga . Estamos usando

    o smbolo do condicional apenas para simbolizar a afirmao de que se pode concluir

    a partir de . Em verdade, concluses desse tipo sero obtidas, em grande parte, por

    meio da elucidao das prprias definies e conceitos; em outras palavras, de maneiraanaltica8.

    De fato, talvez, mesmo se falando do mtodo em linguagem natural, seja preciso

    comprometer-se com algum sistema lgico especfico. Historicamente, a lgica visava

    descrio da linguagem natural e sua elucidao em termos explicativos; no entanto, no

    pretendemos comprometermo-nos com alguma tese metafsica, talvez, apenas cientfica

    para alguns, de que algum sistema lgico especfico modele a linguagem natural, em

    especfico, a Lngua Portuguesa de que tratamos neste texto.

    Existe a possibilidade de outra definio do que chamamos de Mtodo Disjuntivo.

    Nem sempre, ser possvel a construo do conjunto . Por vezes, teremos um conjunto

    que ser caracterizado da seguinte maneira: = { , , , . . . , },

    com o conjunto tendo cada um dos seus elementos implicando proposies distintas.

    Embora a aplicao ideal do Mtodo Disjuntivo seja a primeira apresentao, ele ainda

    ter vez a partir da caracterizao de , pois, de fato, muitas vezes, vrios elementos deste

    conjunto podero ser eliminados. A aplicao do mtodo tornar-se- mais clara ao longo

    do texto.

    Enfatizamos, novamente, que as pretenses de verdade nada dizem respeito ao mundo

    em si, mas s proposies. No intuito de melhor elucidar o que queremos dizer por

    mundo, linguagem e proposies, introduziremos uma ontologia.

    1.2 O mobilirio da realidade

    Todo e qualquer projeto filosfico tem por base uma ontologia. Quando falamos de

    um mobilirio da realidade, pressupomos que h algo que se chame realidade, que seria

    uma espcie de cmodo que poderia receber mveis diversos. A idia de realidade, assim

    como o conceito de conjunto universo, pode gerar alguns paradoxos. Se a realidade como um cmodo, onde estaria localizado o cmodo no qual o mobilirio colocado?

    Existem, na atualidade, diversas teorias dos conjuntos9, havendo vrias caracterizaes

    do conjunto universo, portanto. Aquilo que teremos por realidade aqui abarcar todas

    as possveis estruturas. No existir a possibilidade de concepo de uma estrutura mais

    8O professor Hilan Bensusan questionou-nos acerca dos problemas apontados por Quine sobre a distin-o analtico-sinttico e a nossa resposta foi a de que consideramos satisfatria a crtica de Grice e Strawson ver [20] a Quine.

    9Podemos citar, a ttulo de exemplificao, teorias como a de Ackermann, de Kripke-Platek, Morsey-Kelley, Neumann-Bernays-Gdel, de Scott-Potter, Tarski-Grothendieck, de Vopenka, de MacLane, Finsler-

    Aczel, havendo muitas outras.

    3

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    10/43

    bsica que possa cont-la.

    Um ctico poderia questionar-nos sobre o uso ou escolha de um sistema que possa

    caracterizar a realidade, tendo em vista a diversidade que pudemos observar no caso de

    teorias dos conjuntos por exemplo. Nossa inteno efetuar uma caracterizao que noopte ou no se comprometa com algum sistema especfico, mas que possa abarcar todos

    aqueles existentes ou mesmo todos os concebveis. Essa caracterizao, em si, no seria

    um sistema em si, mas apenas uma apresentao da realidade.

    A totalidade da realidade lembrando que no entendemos apenas o mundo como

    sendo parte da realidade ser representada como o conjunto R. A equao seguinte

    caracteriza aquilo que teremos por totalidade da realidade:

    R = W L = (i=1

    wi) L, i N ,

    onde o conjunto W a unio de todos os mundos possveis e L representa o ambiente da

    linguagem, que abrange a Matemtica, a Lgica e a Literatura10. importante ressaltar

    que os mundos possveis w na nossa ontologia representam apenas o ambiente fsico e que

    o conjunto W foi caracterizado em termos de uma unio infinita, enquanto o conjunto L,

    diferentemente, no o foi. Isto se deve ao fato de que embora seja concebvel um mundo

    no qual propriedades fsicas sejam acrescidas ou eliminadas, no se pode conceber o

    mesmo no que se refere linguagem. A ttulo de exemplo, se um agente epistmico utiliza

    o sistema geomtrico euclidiano, nada o impede, em qualquer mundo possvel que seja,

    que ele opte por outro sistema de Geometria. Em outras palavras, as opes referentes ao

    ambiente da linguagem so sempre acessveis ao agente epistmico seja qual for o mundo

    no qual ele estiver.

    No nos interessa as capacidades cognitivas que possam limitar o conhecimento dos

    agentes epistmicos nos mundos. Quando falamos que em qualquer mundo no qual esteja

    um agente epistmico h a possibilidade de escolha de paradigmas lingsticos distintos,

    falamos em termos estruturais no que diz respeito realidade. Fazendo uso de um termolockeano bastante politicamente incorreto para os tempos atuais, no estamos falando de

    agentes epistmicos idiotas agentes que tenham qualquer tipo de deficincia men-

    tal , mas de agentes que tenham as capacidades mdias que costumamos atribuir aos

    10O smbolo matemtico para soma direta ou coproduto est sendo utilizado num sentido novo. NaMatemtica, a soma direta envolve interseco nula das parcelas somadas. Aqui, obviamente, no estamossupondo que o conjunto W no envolva propriedades ou objetos que coincidam entre os mundos. Na faltade alguma operao mais adequada, optamos pela soma direta por ela costumar envolver uma operaoentre estruturas algbricas. Em outras palavras, quisemos enfatizar a noo de estrutura. Quanto a esta,temos em mente a noo matemtica de estruturas algbricas conjuntos munidos de operaes com

    certas propriedades.

    4

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    11/43

    humanos11.

    Nossa ontologia esclareceu o que entenderemos por linguagem e por mundo. Falta,

    contudo, caracterizarmos o que entendemos por proposies. Estas sero o meio pelo

    qual os dois ambientes, o mundano e o lingstico, comunicar-se-o. As proposies que

    faro tal conexo entre esses ambientes no sero de qualquer tipo, mas sero verdades.

    Por verdade, teremos a seguinte definio:

    v : L CD, ondeCD = {W,L}

    A verdade ser, portanto, uma funo que sempre ter por domnio o ambiente da

    linguagem, mas que ter por contradomnio tanto o prprio ambiente lingstico quanto o

    ambiente mundano.

    Como se pode perceber, poderemos falar, portanto, de dois casos de verdade. O pri-

    meiro ter por contradomnio o ambiente mundano e ser, portanto, denominado verdade

    mundana, tendo a seguinte definio:

    vm : L W

    O segundo, ter por contradomnio o ambiente lingistco e pode ser definido da se-

    guinte maneira:

    vl : L L

    Da maneira como a funo verdade foi definida, algum poderia questionar sobre se

    todas as proposies que tm por domnio L e contradomnio Cd so verdadeiras, ou seja,

    11

    Cremos que a capacidade de percorrer, a seu bel-prazer, os ambientes metalingsticos de ordem en-sima exclusivamente humana.

    5

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    12/43

    se qualquer proposio verdadeira sem que se tenha algum tipo de critrio. A ttulo

    de exemplo, duas funes matemticas podem ter um comportamento completamente

    diferente, mesmo satisfazendo os mesmos domnio e o mesmo contradomnio, como as

    funes f(x) = x2

    , x R e f(x) = x3

    , x R. No intuito de captar essas divergnciasna maneira como domnio e contradomnio so relacionados, introduziremos o conceito

    de verdade corroborada vc.

    Verdades corroboradas sero aquelas autenticadas por meio de alguma teoria da ver-

    dade. Verdades lingsticas ou mundanas que tenham recebido a estatura de uma verdade

    corroborada sero denotadas, respectivamente, por vl e vm. Um ctico12 poderia questio-

    nar sobre qual a teoria da verdade autntica dentre as existentes; talvez, pudesse ainda,

    reivindicar que s se interessa pelas verdades que possuam a envergadura de verdades

    corroboradas. Retornaremos a tais questes quando tratarmos das verdades lingsticas.

    Robert Almeder, em seu livro Truth and Skepticism, apresenta uma taxonomia do

    ceticismo. O autor argumenta que, uma vez que se apresenta o conhecimento como uma

    crena verdadeira e justificada, pode-se ter diversas linhas de ceticismo a partir do que de-

    finimos por justificao e por verdade. Um intuicionista, por exemplo, que aceita por pro-

    vas matemticas apenas aquelas que so apresentadas construtivamente, seria um ctico

    no que diz respeito a provas diferentes daquelas que ele est disposto a aceitar. Almeder

    apresenta, no mencionado texto, uma taxonomia do ceticismo. Poderamos caracteriz-

    lo, sem dar importncia a diferenas de caracterizaes no que tange justificao e

    verdade, da seguinte forma:

    1 Ningum sabe coisa alguma sobre o que quer que seja (ceticismo global fraco);

    2 Ningum sabe o que quer que seja sobre algumas coisas, mas algum talvez,

    at todos sabe alguma coisa sobre algumas coisas (ceticismo local fraco);

    3 Ningum est justificado em crer em qualquer proposio (ceticismo global

    forte);

    4 Ningum est justificado em crer em algumas proposies, mas algum tal-

    vez, at todos est justificado em crer em algumas proposies.

    Se fizermos uma distino entre um senso forte de conhecer e outro fraco, podemos

    introduzir tipos de ceticismo global fraco e ceticismo local fraco; no entanto, contentar-

    -nos-emos com a taxonomia apresentada acima. Tendo em vista tal taxonomia, aprovei-

    taremos uma distino entre noes de rigidez13 para introduzirmos uma distino entre

    verdades necessrias.12A figura do ctico ser freqentemente invocada ao longo deste texto como um possvel questionador

    ou opositor s idias vigentes.13A terminologia de Nathan Salmon, no seu texto Reference and essence.

    6

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    13/43

    Verdades obstinadamente necessrias sero as verdades aceitas em todos os mundos

    possveis, com o lembrete de que por mundos possveis, falamos de uma subrealidade

    composta por um wi qualquer atrelado ao conjunto L. Verdades persistentemente neces-

    srias sero as verdades aceitveis em todos os mundos acessveis ao mundo atual, aqueleno qual o agente epistmico em questo encontra-se.

    Tal distino faz-se necessria para modelar os diferentes tipos de ceticismo. A defi-

    nio de verdades persistentemente verdadeiras aquela costumeira de Kripke, freqen-

    temente empregada nos contextos modais. Um ctico radical poderia argumentar que

    sempre pode haver mundos com os quais o nosso mundo atual no possui alguma relao

    de acesso e que, portanto, muito provvel que sempre haja objetos a serem conhecidos

    que, simplesmente, no esto ao alcance de nosso conhecimento. J estamos, obviamente,

    oferecendo uma interpretao s relaes de acesso, interpretando-as como fundamentos

    estruturais da realidade que permitem o conhecimento. Elas poderiam ser interpretadas

    como fundamentos da cognio humana por exemplo.14 Veremos, no decorrer de nossa

    investigao, que a nossa ontologia oferece uma soluo para o ctico radical.

    Ainda no que se refere s proposies, ou, no caso de nosso interesse especfico, s

    verdades, elas so sempre dispostas a partir de tempos verbais. impossvel falar-se

    de expresses com pretenses de verdade que no sejam temporais. O tempo, contudo,

    tem acepes distintas quando tratado por meio das verdades mundanas e por meio das

    verdades lingsticas.

    Quando falamos de verdades mundanas, o tempo verbal faz referncia ao tempo de

    fato. Fazemos asseres sobre o passado, o presente ou o futuro. Estudar as verdades

    mundanas, portanto, estud-las dentro das possibilidas de conhecimento nessas trs

    dimenses. Quando falamos de verdades lingsticas, no entanto, o tempo verbal nas

    asseres apenas tem a serventia de posicionar o agente epistmico diante do seu conhe-

    cimento de um sistema lingstico.

    1.3 A priori contingente e a posteriori necessrio

    comum na literatura em Lngua Portuguesa que se fale em contingente a priori e

    necessrio a posteriori quando, em verdade, dever-se-ia falar, em a priori contingente

    e a posteriori necessrio. verdade que a Lngua Portuguesa bastante flexvel no

    que concerne ordem sinttica dos termos15, diferentemente de outros idiomas como o

    Alemo ou o Ingls. Falamos Uma bela moa, assim como Uma moa bela. Existem

    14Talvez, de fato, numa investigao mais completa das possibilidades de conhecimento, pudssemosincluir, tambm, essa perspectiva internalista no que diz respeito s relaes de acesso; contudo, nossanfase diz respeito quilo que h para ser conhecido externamente ao agente epistmico.

    15Agradecemos a ajuda do professor Larcio Lutibergue que muito nos ajudou nas nossas dvidas gra-maticais.

    7

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    14/43

    certas diretrizes indicadas pelas gramticas na escolha da ordem sinttica dos termos na

    nossa Lngua. Adjetivos de ordem classificatria, por exemplo, costumam ser posiciona-

    dos depois dos substantivos. Na semntica, pode haver contrastes, como, por exemplo,

    nas expresses Um grande homem e Um homem grande. Na primeira expresso, aacepo costuma relacionar-se eminncia ou excelncia; na segunda acepo, o signi-

    ficado o de alta estatura. Na Lngua Inglesa, os adjetivos antecedem o termo que visam

    a modificar. Por exemplo, diz-se Yellow Submarine quando se quer dizer que um subma-

    rino amarelo. O que, num primeiro momento, parece ser preciosismo no processo de

    traduo, , na verdade, essencial na compreenso do texto Naming and Necessity. Dizer

    que algo contingente a priori, por exemplo, significa dizer que a contingncia de algo

    foi determinada de modo apriorstico, enquanto dizer que algo a priori contingente quer

    dizer que a aprioridade em si contingente.

    Adentraremos numa discusso acerca do assunto discutido no texto de Kripke porque

    caracterizamos o nosso conjunto W como sendo contingente, enquanto o conjunto L teria

    verdades necessrias16. Se Kripke estiver certo e nossa inteno mostrar que seu

    argumento invlido , a aprioridade dos objetos de L seria uma contingncia, assim

    como haveriam objetos de W que teriam a sua aposterioridade de modo necessrio.

    Para argumentar em favor da existncia de a priori contingentes, Kripke d um exem-

    plo da padronizao de medidas. Suponhamos que peguemos uma barra de metal e con-

    vencionemos que o seu comprimento ser uma unidade chamada metro, de maneira que

    teremos um sistema de medidas baseado nesta unidade. Quando praticamos essa conven-

    o, agimos de modo a priori, pois no consultamos o mundo, apenas estipulando que

    aquela barra teria uma unidade de metro para ser tida como base para outras medies.

    Sabemos, contudo, que o tamanho da barra que utilizamos pode variar, como, por exem-

    plo, por meio da sua dilatao, quando exposta a um meio inadequado para os nossos fins.

    Aquilo que estipulamos, de modo apriorstico, seria contingente, segundo Kripke.

    Acreditamos, contudo, que Kripke cometeu um equvoco. Para dizer-se que algo a

    priori contingente, tanto a aprioridade quanto a contingncia tm de adjetivar o mesmo

    termo, o que no o caso no exemplo de Kripke. Quando batizamos o comprimento deuma barra de um metro, estamos nomeando o seu comprimento. Como o prprio Kripke

    defende, nomes so designadores rgidos, ou seja, uma vez que se batiza algo com um

    nome, este algo ser assim designado em todos os mundos possveis acessveis ao mundo

    de batismo.

    Quando Kripke afirma que, ao variar a sua extenso, a nomeao sofre contingncia

    como dizer que o nome de um soldado de guerra chamado Joo ser contingente se

    16Veremos, quando discutirmos as verdades lingsticas, que a necessidade das verdades lingsticas, emparticular, das matemticas, costumam ser enunciadas de maneira artificial.

    8

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    15/43

    ele perder um brao ou uma perna numa batalha. Quando a barra de metal tem o seu

    comprimento batizado de um metro, no importa qual seja a extenso da barra, seu

    nome ser sempre um metro. Quando h variao no comprimento da barra, o que est

    variando no o nome de batismo, mas a extenso da barra. Estamos falando de umapropriedade fsica da barra e no de algo da linguagem que utilizamos para demarc-la

    e utiliz-la como uma unidade padro. Para que o exemplo de Kripke fosse, de fato, um

    exemplo de um a priori contingente, o nome da barra, e no a sua extenso, deveria sofrer

    algum tipo de mudana, o que no o caso.

    Quanto ao a posteriori necessrio. Kripke d um argumento formal no seu texto Iden-

    tity and Necessity. Para discutir-se um argumento fornecido formalmente, basta questio-

    nar, uma vez que Kripke est utilizando a Lgica para falar de Metafsica, as premissas.

    Uma das bases da prova de Kripke o fato de que x(x = x). Sabemos, contudo,

    que existem lgicas que no aceitam esse princpio, como, por exemplo, as lgicas no-

    -reflexivas. No Naming and Necessity, contudo, Kripke cita como tpicos exemplos de a

    posteriori necessrios as identidades tericas.

    Tenhamos por exemplo a descoberta cientfica de que a gua composta por H2O.

    Krikpe argumenta que se trata de um caso a posteriori, uma vez que o mundo foi consul-

    tado para que a descoberta cientfica tenha-se dado, mas, ao mesmo tempo, necessrio,

    pois caso fosse descoberto, de alguma maneira, que a estrutura da gua no composta

    por dois tomos de hidrognio e um de oxignio, no diramos que a estrutura da gua no

    era H2O, mas que estamos falando de outro elemento. Frases como A luz composta

    por ftons ou O calor o movimento das molculas seriam outros exemplos. Mais

    uma vez, acreditamos que Kripke comete o mesmo tipo de equvoco que cometeu quando

    quis indicar exemplos de a priori contingentes.

    Quando se diz que frases do tipo A gua composta por H2O so a posteriori, quer-

    -se dizer que a verificao de seu valor de verdade depende da verificao do mundo. O

    que necessrio, contudo, no a maneira como se deu a verificao do valor de verdade

    da frase, mas o nome H2O, de maneira que, de fato, utilizamos os termos gua e H2O

    como interdefinveis na nossa linguagem do dia a dia.

    2 Verdades mundanasThe structure of every sentence is a lesson in logic.

    (John Stuart Mill)

    Se, como j afirmamos, o conhecimento diz respeito s proposies que assertamos

    sobre o mundo ou sobre linguagem, estudar a maneira como a linguagem especfica que

    utilizamos fornece as condies para que construamos frases deve ser um prerrequisito

    9

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    16/43

    para aquele que pretende conhecer o que quer que seja. No que tange s frases verbais

    na Lngua Portuguesa, temos trs modos o indicativo, o subjuntivo e o imperativo17

    de maneira que, a partir dos tempos simples e compostos para os trs tempos naturais

    presente, pretrito e futuro, temos o seguinte esquema de possibilidades:

    Indicativo

    Presente: sou

    Pretrito

    imperfeito: era

    perfeito

    simples: fui

    composto: tenho sido

    mais-que-perfeito

    simples: fora

    composto: tinha ou havia sido

    Futuro

    do presente

    simples: serei

    composto: terei ou haverei sido

    do pretrito

    simples: seria

    composto: teria ou haveria sido

    Subjuntivo

    Presente: seja

    Pretrito

    imperfeito: fosse

    perfeito: tenha ou haja sido

    mais-que-perfeito: tivesse ou houvesse sido

    Futuro

    simples: for

    composto: tiver ou houver sido

    Imperativo

    Presente

    afirmativo: s

    negativo: sejas

    Classicamente, a lgica tem interesse nas chamadas sentenas declarativas, que so

    17Ver [13]

    10

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    17/43

    aquelas que podemos afirmar ou negar. Tal restrio deixaria de lado sentenas inter-

    rogativas, imperativas, exclamativas, entre outras18. Do esquema acima, portanto, no

    abordaramos os modos subjuntivo e imperativo.19

    Poder-se-ia discutir sobre o fato de a lgica clssica ser a melhor opo no caso daLngua Portuguesa. Esta, por exemplo, diferenciando-se de muitas outras lnguas nesse

    quesito, no aceita a regra de eliminao da dupla negao . Dizemos, costu-

    meiramente, frases como Voc no tem nada, com a inteno de dizermos que a pessoa

    a que dirigimos o proferimento tem nada. A regra de eliminao que, talvez, pudesse

    caracterizar esse uso no Portugus poderia ser dada por . No tocante carac-

    terizao das redues de frases com dupla negao, o intuicionismo modelaria melhor o

    Portugus? No sabemos dizer com preciso. Um estudo mais detido do assunto poderia

    elucidar melhor a questo. Nosso intuito, contudo, no presente texto, no definir qual

    dos sistemas lgicos existentes aquele que melhor abarca nosso idioma, mas, de modo

    intuitivo, captar princpios implcitos de nossa lngua no que tange eficcia que podemos

    ter no proferimento de frases com pretenses de verdade, seja sobre o mundo ou sobre a

    linguagem.

    Nossa anlise abranger os 10 casos do modo indicativo 1 caso no tempo presente;

    5 casos no tempo passado e 4 casos no tempo futuro. Optaremos por uma anlise em

    termos de dependncia valorativa e simplicidade em detrimento de uma ordem cronol-

    gica dos tempos verbais. Iniciaremos com o presente, prosseguiremos com o futuro e

    terminaremos com o passado.

    2.1 Presente

    Heidegger dizia que s era possvel filosofar em Grego ou Alemo. As duas Lnguas,

    contudo, no fazem uma distino que acreditamos ser primordial na caracterizao das

    verdades mundanas que se referem ao presente. Tanto o Grego quanto o Alemo igno-

    ram, sintaticamente, a distino existente na Lngua Portuguesa entre os verbos ser e

    estar20

    . Dada a contingncia dos objetos do mundo, tendo em vista a distino que efe-tuamos na nossa ontologia entre L e W, nunca se pode falar que algo , mas apenas que

    18Existem desenvolvimentos na Lgica que buscam abarcar essas sentenas deixadas de lado pela lgicaclssica, como, por exemplo, as lgicas erotticas, que tratam das sentenas interrogativas ver [28].

    19 importante destacar, contudo, que as chamadas lgicas condicionais e as lgicas imperativas bus-cam caracterizar, respectivamente, os dois modos deixados de lado e que outras lgicas, como a erottica,buscam caracterizar outros tipos de sentena, como as interrogativas no caso desta.

    20A Lngua Inglesa, que a principal Lngua utilizada no meio acadmico, no faz, igualmente, taldistino. A famosa frase shakesperiana em seu texto Hamlet To be, or not to be, that is the questionteria quatro possibilidades interpretativas se fosse traduzida para o Portugus: ser ou no ser modomais freqente nas tradues , estar ou no estar, ser ou no estar ou ainda estar ou no ser. Opapel da disjuno na frase, assim como o entendimento do que se entende por ser e por estar poderiatrazer luz ao texto de Shakespeare.

    11

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    18/43

    est.

    Na semntica da Lngua Portuguesa, no que se refere ao presente do indicativo, h

    vrios registros do uso desse tempo para a enunciao de diversos tipos de fatos. Curio-

    samente, o presente do indicativo utilizado para falar-se de um fato atual, que ocorre nopresente momento em que se fala; para falar-se de aes e estados permamentes e para

    falar-se, inclusive, de aes do passado ou do futuro21. Caracterizar esse tempo verbal

    na Lngua Portuguesa seria, portanto, uma tarefa herclea, principalmente, tratando-se

    de um trabalho de concluso de curso de graduao. No visamos, contudo, apenas a

    descrio dessas ocorrncias advindas da oralidade, mas temos a pretenso de propor

    revises. Acreditamos que um dos papis das linguagens formais, quando buscam ca-

    racterizar a linguagem natural, , justamente, aperfeio-la em certo sentido, no intuito

    de evitar imprecises ou ambigidades por exemplo. Obviamente, no propomos que

    o falante abandone a riqueza da linguagem natural em favorecimento dessas tentativas

    de caracterizao, mas propomos que em contextos que demandem clareza, como na-

    queles cientficos, ou mesmo filosficos, as propostas de reviso sejam privilegiadas. A

    semntica da nossa Lngua, portanto, no registraria diferenciao entre os verbos ser

    e estar. interessante, no entanto, notar que, no uso de nossa Lngua, j fazemos usos

    diferenciados dos dois verbos22 quando, por exemplo, utilizamos o verbo estar no lugar

    de ser quando dizemos, por exemplo, que Est chovendo.

    Tendo em vista uma diferenciao presente em poucas lnguas do ocidente, pelo me-

    nos entre aquelas que possuem mais falantes no mundo, pretendemos introduzir uma dis-

    tino no uso dos dois verbos. Russell estabeleceu a distino entre forma lgica e forma

    gramatical das proposies. Inspirados em Russell, diremos que afirmar S P afir-

    mar que S era P, S est P e S ser P, em outras palavras, frases do tipo S P

    sero necessrias quanto estrutura, para sermos mais precisos, quanto sua subestru-

    tura temporal. Para cada mundo possvel w, tem-se mundos possveis que caracterizam a

    temporalidade.

    Afirmar, por sua vez, que S est P afirmar que S tem a propriedade P num deter-

    minado instante de tempo t0. Algum poderia questionar se h problemas nesse ltimotipo de proferimento no seguinte sentido: suponhamos que eu profira a frase O cu est

    azul. Para que eu verifique as condies de verdade dessa frase, tendo-se por base, sem

    perda de generalidade, uma teoria da verdade aristtelica enquanto correspondncia, teria

    de consultar o mundo. Ora, entre a minha consulta do mundo e o meu proferimento existe

    um instante de tempo. De fato, no instante em que proferi a frase O cu est azul fiz

    referncia a um instante de tempo que no coincide com aquele no qual verifico o valor de

    21Ver [13].22Agradeo ao colega e amigo Rodrigo Rocha Silveira por ter feito a observao.

    12

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    19/43

    verdade da frase. H, contudo, uma caracterstica prpria desse tipo de proferimento que

    nos salvar de uma impossibilidade de corroborao de verdade, fato que, infelizmente,

    ocorrer quando caracterizarmos outros tempos verbais lembrando o conceito que in-

    troduzimos sobre verdade corroborada. O verbo estar funcionar como um indxiconos nossos proferimentos, tendo, por conseguinte, a propriedade de mudar de referncia

    toda vez que for proferido.

    Voltemos ao nosso exemplo. No caso da frase O cu azul, quando transport-la

    para verificar que valor de verdade conferirei a ela, o meu aparato cognitivo comportar

    a frase de modo simultneo verificao do mundo. Algum, conhecendo as atuais li-

    mitaes impostas pela Teoria da Relatividade Restrita, poderia argumentar que h uma

    limitao para o transporte da informao, que a velocidade de luz, como postula Eins-

    tein no seu texto Sobre a eletrodinmica dos corpos em movimento23. Poucas pessoas

    lembram-se, contudo, de que a teoria de Einstein postula que no se pode acelerar um

    corpo para velocidades superiores da luz, mas a teoria no impede que existam corpos

    com velocidades superiores da luz, como, inclusive, chegou a postular o fsico Arnold

    Sommerfeld24. Sabe-se que a velocidade dos neurnios no crebro humano aquela de

    uma onda eletromagntica, ou seja, a da luz; portanto, se postulamos que o proferimento

    de frases contendo o verbo estar no presente do indicativo, uma vez que dado no

    pensamento, coincide com a verificao do valor de verdade delas, estamos pressupondo

    que os estados mentais no esto restritos ao aparato fsico cognitivo humano. De fato,

    um estudo pormenorizado do tipo de proferimento que estamos tratando demandaria uma

    avaliao cautelosa do funcionamento da cognio humana; entretanto, no do nosso

    intuito adentrar em tais questes neste texto.

    Com relao ao proferimento de frases no presente do indicativo que contenham o

    verbo ser, temos de ter, de acordo com a nossa proposta de reviso, um modo de analisar

    as frases do tipo S era P e S ser P. Vejamos, primeiramente, este ltimo caso.

    2.2 Futuro

    Temos quatro casos referentes ao tempo futuro. No caso do futuro do pretrito, o

    tempo composto por exemplo, eu teria sido diferente do que sou sempre empre-

    gado para referir-se a fatos do passado; portanto, a anlise deste caso no escopo desta

    parte do texto. Quanto ao tempo simples, existem usos retricos que no vm ao caso

    na nossa anlise, como, por exemplo, o uso do futuro do pretrito simples para exprimir

    incerteza, para denotar polidez, surpresa ou indignao em frases exclamativas e interro-

    23Ver [16].24Na dcada de 60 do sculo passado, Gerald Feinberg cunhou o termo tquions para referir-se a tais

    partculas tericas.

    13

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    20/43

    gativas. Os dois usos que seriam de nosso interesse so: a designao de aes posteriores

    a uma determinada poca que se fala e afirmaes condicionadas referentes a fatos que

    no ocorreram e que, provavelmente, no ocorrero25. Mesmo estes dois ltimos casos

    que seriam de nosso interesse acabaro no sendo escopo da nossa anlise. Quanto ao usocondicional, o tratamento clssico no o abarca; quanto designao de aes posterio-

    res, h, outrossim, a idia de condicionalizao. Numa frase do tipo Depois de acabada

    a graduao, Fbio transformar-se-ia num filsofo profissional fala-se em termos condi-

    cionais, o que, reiteramos, no de nosso interesse neste trabalho, uma vez que, como j

    dissemos, estamos adotando por frases declarativas, que podem ser tidas por verdadeiras

    ou falsas, aquelas da lgica clssica.

    No tocante ao futuro do presente composto, ele tambm usado de modo retrico

    para exprimir tanto a certeza de uma ao futura quanto a incerteza. Quanto ao primeiro

    tipo de expresso, seria absurdo exprimir uma certeza sobre fatos contingentes de W

    por isso, justamente, tal tipo de uso s pode dar-se no campo da retrica. O uso deste

    tempo que seria de nosso interesse trata do apontamento de uma ao futura que est

    consumada antes de outra. Temos frases como Quando encontrar meu orientador, j

    terei terminado minha dissertao. Vemos, portanto, que as condies de verdade de

    frases desse tipo pressupem o tempo do futuro simples, uma vez que terei de consultar o

    mundo no futuro, no caso do nosso exemplo, num instante de tempo anterior ao encontro

    com o meu orientador, para saber se terei terminado minha dissertao. Faria parte da

    anlise, portanto, a frase Terminarei minha dissertao num tempo t1 anterior a t2, no

    qual me encontrarei com meu orientador.

    Quanto ao futuro do presente simples, teremos de discutir a questo sobre os con-

    tingentes futuros26. A questo foi introduzida por Aristteles no nono captulo do seu

    Da Interpretao, recebeu vrias abordagens no decorrer da Idade Mdia. ukasiewicz,

    contemporaneamente, props um sistema lgico que derrogasse a bivalncia para tratar

    formalmente a questo.

    O problema dos contingentes futuros pode ser resumido da seguinte maneira: dado

    o princpio da bivalncia, qualquer proposio verdadeira ou falsa. Uma proposio ea sua negao no podem, simultaneamente, ter o mesmo valor de verdade; entretanto,

    proposies a respeito do futuro podem ser verdadeiras ou falsas? Se elas forem verda-

    deiras, no o caso que o futuro possa ser diferente, portanto, ele necessrio, o que

    contraria a nossa intuio de que ele contingente. Se elas, contrariamente, forem falsas,

    25Lembramos que todos os usos e empregos dos tempos verbais foram retirados de [13].26A literatura em Lngua Portuguesa adota, geralmente, a expresso futuros contingentes; no entanto,

    traduzindo da Lngua Inglesa future contingents , a expresso correta seria contingentes futuros.No tivemos acesso origem da expresso, provavelmente, latina, tendo em vista que o prprio Aristtelesno utilizou tal termo em seu texto; portanto, no sabemos qual seria a melhor expresso a ser adotada emPortugus.

    14

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    21/43

    ocorre que os eventos por elas descritos no podem ocorrer e, portanto, no ocorrero

    necessariamente, o que, novamente, contraria a contingncia do futuro.

    Fernando Fleck, em seu texto O problema dos futuros contingentes27 classifica as so-

    lues para o problema em duas frentes. A primeira trata o problema dos contingentesfuturos como um problema aparente; a segunda, como um problema genuno. No pri-

    meiro grupo, estariam pensadores como Bocio, Agostinho, Toms de Aquino, Schlick e

    Ayer; no segundo, estariam pensadores como o prprio Aristteles, ukasiewicz, Richard

    Taylor e King-Farlow. importante lembrarmo-nos de que a questo dos contingen-

    tes futuros s um problema quando se quer salvaguardar a liberdade, em detrimento

    do determinismo. Muitos, no entanto, no viram, de fato, problema no determinismo.

    Representantes famosos dessa perspectiva so os calvinistas, ou a tradio reformada no

    Cristianismo. Nossa proposta de soluo ao problema seguir a primeira frente no tocante

    natureza da questo.

    Possveis agentes epistmicos no esto em condies de atribuir um valor de verdade

    especfico a expresses acerca do futuro. Para que a expresso chover amanh, por

    exemplo, seja verificada quanto sua falsidade ou veracidade, o agente epistmico precisa

    esperar que amanh chegue; contudo, a verdade uma funo, como definimos, que

    sempre parte do ambiente da linguagem. Uma vez que se queira verificar se a frase

    verdadeira, ela deve ser transportada para o evento no mundo ao qual queremos reportar-

    -nos; no entanto, quando o agente epistmico est em condies de consultar o mundo, a

    frase continua sendo chover amanh, que se reporta ao dia seguinte e no ao momento

    que o agente verifica as condies do mundo. Aqui, tambm, temos proposies que se

    comportam como indxicos, pois sempre que expresses contendo afirmaes sobre o

    futuro sejam proferidas, a referncia da frase ser mudada.

    H, portanto, uma dificuldade na linguagem que nos impede de conferir a frases refe-

    rentes ao futuro o valor verdade ou falsidade; contudo, no precisamos, como fez ukasi-

    ewicz

    Cabe ressaltar que existe uma diferena crucial ao tratarmos a questo do ponto de

    vista epistemolgico ou ontolgico. Dizer que uma proposio verdadeira ou falsa, masque no conseguimos conferir a ela um ou outro valor no significa dizer que existe uma

    terceira valorao possvel, no caso de ukasiewicz, o valor de verdade indeterminado.

    O fato de haver uma incapacidade cognitiva ou lingstica no tocante s proposies a-

    cerca do futuro no quer dizer o mesmo que dizer que elas no possuem um ou outro

    valor. Mesmo que no consigamos determinar qual , de fato, o valor de verdades das

    proposies acerca do futuro, podemos supor que elas continuam sendo verdadeiras ou

    falsas.27

    Ver [18].

    15

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    22/43

    2.3 Passado

    Proposies acerca do passado, que denotaremos por Pa, demandam uma concepo

    acerca do que temos por tempo passado. Independentemente da linearidade ou no do

    tempo28, o importante se temos o passado como um instante que perdeu a existncia,

    ou seja, como um instante que no existe mais, ou como algo que ainda possui alguma

    espcie de presena, mas no qual no estamos. A primeira alternativa caracteriza o que

    chamamos de passado apenas como uma percepo mental ou psicolgica; a segunda, no

    entanto, caracteriza o tempo como algo fsico. Podemos enumerar as seguintes possibili-

    dades no que diz respeito verificao do valor de verdade das Pa por parte de um agente

    epistmico:

    1 Eventos presentes

    1.1 Consulta memria no caso de lembrana;

    1.2 Consulta a testemunhas no caso de esquecimento.

    2 Eventos ausentes {2.1 Consulta de testemunhas.

    Eventos presentes so aqueles nos quais o agente epistmico esteve presente. Em ou-

    tras palavras, so os eventos nos quais ele estava presente desde o seu nascimento, pelo

    menos em princpio, uma vez que se pode ser ctico no que diz respeito realidade das ex-

    perincias que acreditamos ter vivenciado no passado. Quanto a tais eventos, temos duas

    possibilidades. A primeira, 1.1, diz respeito queles eventos dos quais temos lembrana.

    Quanto a eles, consultamos a nossa memria. A segunda, 1.2, diz respeito queles eventos

    dos quais no temos lembranas precisas, havendo, portanto, a necessidade de consulta

    de terceiros ou de testemunhas presentes ao referido evento que no tenham a mesma

    problemtica de esquecimento.

    Eventos ausentes, como se pode deduzir, sero aqueles nos quais o agente epist-

    mico esteve ausente, por razes circunstanciais ou meramente porque o agente ainda no

    existia. A veracidade de Pa dada, como se v no esquema acima, por consultas de teste-munhas. Quando falamos destas, inclumos, tambm, documentos textuais por exemplo.

    Nos trs subcasos, podemos ver que a veracidade de Pa reduz-se memria. Existe

    a necessidade, portanto, de saber se esta seria um objeto do ambiente lingstico ou do

    ambiente mundano. Essa questo ontolgica tem repercusses sobre a substancialidade

    humana. Se a memria, sendo constituinte do homem, lingstica, o homem, na sua

    constituio, supondo-se que tenha uma dimenso corprea, na medida em que se pode

    28A ttulo de exemplo, as culturas orientais costumam ter uma concepo circular em contraposio

    concepo linear que predominante no ocidente.

    16

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    23/43

    ser reducionista com respeito ao mental, tem, no mnimo, duas dimenses29. Cremos,

    contudo, na maior plausibilidade de a memria ser mundana, ou pelo menos ter uma

    conexo direta com fatores fsicos, na medida em que doenas que deterioram as redes

    neurais prejudicam sobremaneira as lembranas.A questo da natureza da memria, no entanto, em nada prejudica a valorao das Pa,

    sendo apenas uma questo de interesse que poderia ser levantada por um ctico. Vejamos

    por qu. Vimos, por definio, que as verdades tm por domnio elementos de L. As

    verdades mundanas, por sua vez, tem por contradomnio o conjunto W. As memrias,

    sejam objetos de L ou deW, referem-se aos eventos, que esto em W. Teramos, portanto,

    uma funo composta, se quisssemos explicitar o modo como verificamos a veracidade

    de Pa; contudo, o contradomnio dessa funo composta continua sendo o conjunto W.

    2.3.1 A natureza do tempo

    Podemos, ainda, questionar-nos acerca da natureza desses eventos que, num primeiro

    momento, associamos ao conjunto W, retomando a questo da natureza do passado30.

    Fazendo uso do Mtodo Disjuntivo que introduzimos, na sua segunda apresentao, se

    o passado pertencer ao conjunto L, no faz sentido caracteriz-lo, pois o tempo verbal,

    neste ambiente, trataria apenas de uma representao de uma diferena entre a demonstra-

    o num determinado sistema e a cognio de um agente epistmico. Em outras palavras,

    frases como Dois mais dois era quatro s pode simbolizar a relao do agente epist-mico com o sistema em questo por exemplo, que ele tenha mudado de sistema ou que

    tenha cometido algum tipo de equvoco.

    Quanto ao tempo pertencer ao conjunto W, temos duas alternativas:

    Tempo

    Einsteiniano: O tempo uma coordenada, de maneira que

    parte integrante de um tecido espao-temporal. Um tempo

    no passado tpa tem a mesma realidade de um tempo no

    presente tpr.

    Agostiniano: O tempo linear, de modo que passado e fu-

    turo no tem existncia, em termos do conjunto W. O pas-

    sado j teve existncia e o futuro ainda no tem existncia.

    O que h o tempo presente que, contudo, no possui ex-

    tenso.29No quisemos utilizar o termo substncia aqui, dando prioridade ao termo dimenso para abarcar

    o dualismo de substncia e o de propriedades.30Na banca concernente primeira verso deste texto, o professor Hilan questionou-nos sobre a ausncia

    de Mctaggart nesta sesso sobre o tempo. A nossa resposta foi a de que no est em questo aqui a realidadeou a irrealidade do tempo, mas concepes temporais distintas que sejam possveis.

    17

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    24/43

    A partir da concepo de um tempo agostiniano, proposies sobre o passado no

    teriam referncia, em termos de Frege, mas teriam sentido, significado, na medida em que

    elas so inteligveis. Afirmar, portanto, Pa afirmar algo sem referncia. No haveria

    a possibilidade de valorao de uma Pa, pois nossa funo de verdade v no existiria,pois no haveria um contradomnio para ser alcanado pela funo lembremos que

    desconsideramos que o conjunto L seja uma opo de contradomnio, limitando-nos, de

    fato, s verdades mundanas vm.

    Se considerarmos a opo de um tempo einsteiniano, as Pa tero no apenas sentido,

    mas referncia. O problema estaria, contudo, no nosso acesso a um tempo especfico

    do passado. Veremos que no caso do passado temos o mesmo problema que tivemos no

    futuro, ou pelo menos semelhante. Suponhamos que houvesse a possibilidade de, talvez,

    viajarmos no tempo de fato, se no houvesse tal alternativa, poderamos descartar

    a possibilidade de podermos valorar as Pa. Mesmo que pudssemos voltar ao tempo

    especfico tpa para verificar o valor de verdade da proposio posta em inquirimento,

    levaramos conosco a proposio Pa em questo.

    Para sermos mais claros, suponhamos a proposio Meu bisav era calvo em 1980.

    Se por meio de um buraco de minhoca, ou qualquer outro mtodo, consigo voltar ao tempo

    de 1980 para verificar se meu bisav era, de fato, calvo, desconsiderando-se os possveis

    inquirimentos que poderiam ser levantados pelo nosso estimado ctico sobre a confiana

    nos mtodos empricos para tal verificao, levarei na minha bagagem a proposio em

    questo. Ora, quando estiver no ano de 1980 para avaliar minha proposio, ela no

    ter mais sentido, pois a proposio que deveria ser avaliada deveria ser Meu bisav

    calvo em 1980 e no mais Meu bisav era calvo em 1980. Temos, portanto, uma

    inviabilidade lingstica na conferncia de um valor de verdade para as proposies acer-

    ca do passado e, novamente, observamos que as proposies temporais, na medida em

    que objetivamos conferi-las um valor de verdade, apresentam um comportamento de um

    indxico.

    Algum ainda poderia questionar, a partir da diversidade de teorias acerca da mente,

    se as verdades mundanas seriam as responsveis por fazer a conexo entre linguagem epassado. Se o passado for algo estritamente psicolgico, seria uma tentao trat-lo a

    partir da linguagem, assim como a Matemtica tratada no ambiente lingistico.

    Para cada mundo wi, temos subestruturas parecidas com mundos possveis, mas que

    retratam o tempo. Se David Lewis31 argumenta que a realidade de um mundo possvel

    dada apenas pelo fato de estarmos nele ou no, tendo em vista uma interpretao de

    mundos possveis para o tempo, poderamos afirmar que no chamamos o passado de

    um tempo real apenas pelo fato de no estarmos presentes nele; contudo, novamente,

    31Ver [27].

    18

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    25/43

    a questo da realidade do passado, embora seja uma questo que possa interessar a um

    agente epistmico, no primordial para que o valor de verdade de uma proposio acerca

    do passado seja avaliado.

    O passado possui uma interessante caracterstica que o distingue do presente e dofuturo: ele no contingente32. Quando afirmamos, por exemplo, que Aristteles poderia

    no ter sido um filsofo, utilizamos a conjugao do verbo poder no condicional

    para referirmo-nos a uma situao contrafactual, a uma hiptese. Quando fazemos esse

    tipo de construo, que, formalmente, tida por uma conjugao referente ao passado

    na sua sintaxe, na verdade, estamos transportando-nos do tempo presente e tomando o

    passado por presente.

    interessante destacar que as outras construes de passado na Lngua Portuguesa

    no fazem esse tipo de camuflagem de que falamos. At mesmo o pretrito imperfeito

    do subjuntivo, tenhamos ainda por exemplo o verbo poder na conjugao de primeira

    pessoa pudesse, diz respeito a consideraes tendo por base um mundo possvel que

    pode coincidir ou no com o nosso, mas que se encontra no passado.

    Ainda no tocante s Pa, temos quatro possibilidades temporais. A primeira sobre a

    qual discorreremos aquela referente ao pretrito imperfeito. Assim como fizemos no

    presente, propondo uma reviso no uso dos verbos ser e estar, propomos que frases

    do tipo S era P signifiquem, na sua forma lgica, que S possua a propriedade P num

    tempo passado tpa e que no possua tal propriedade no tempo presente tpr referente ao

    instante no qual a frase S era P foi proferida.

    O pretrito perfeito simples por exemplo, Dormi ontem , resumidamente,

    diferencia-se do composto tenho dormido todas as noites na medida em que o

    primeiro denota uma ao completamente concluda, enquanto o segundo denota uma

    ao contnua. O ltimo tempo mais complexo e exige que eu consulte no apenas

    um ponto do passado, mas vrios pontos, inclusive aqueles que se aproximem o mximo

    possvel do instante do proferimento33. Um proferimento efetuado no pretrito perfeito

    simples demandaria a anlise de um tempo passado tpa; no entanto, novamente, depa-

    rar-nos-amos, com o problema do nosso proferimento ter as propriedades de um termoindxico. Quando transportssemos nossa frase para o tempo tpa, a referncia seria al-

    terada, no sendo mais aquela de nosso interesse inicial. A anlise de proferimentos no

    tempo pretrito perfeito composto seria hipernima adotando o termo aqui no sentido

    de que a anlise dependente de outro tipo que a abranja quela efetuada no tempo

    32Existem caracterizaes, como aquela feita a partir da metafsica do processo de Souriau, que tratam otempo a partir da instaurao a partir do presente; portanto, o passado seria contingente, mas abordaremosa questo neste texto a partir da concepo convencional.

    33O conceito de aproximao utilizado no clculo infinitesimal, talvez, seja til numa tentativa de forma-lizao dessa idia de mxima aproximao do instante de proferimento.

    19

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    26/43

    simples.

    O emprego do tempo pretrito mais-que-perfeito praticamente coincidente no que

    se refere sua verso simples e composta. Dizer Antes de ser filsofo, fora matemtico

    possui o mesmo sentido que dizer Antes de ser filsofo, tinha sido matemtico. Essasfrases pressupem, na sua forma lgica, que exista um tempo t2 no qual tenha sido filsofo

    e um tempo anterior t1 no qual tenha sido matemtico. Deparamo-nos, contudo, com o

    mesmo problema que j indicamos no caso do pretrito perfeito.

    Quanto ao futuro do pretrito, dissemos, quando tratamos do futuro, que no seria o

    momento de trat-lo, pois ele sempre empregado para referir-se ao passado. Tenhamos

    por exemplo a frase Eu teria sido diferente se no a tivesse amado. Frases deste tipo

    seriam extremamente complicadas de serem verificadas quanto ao seu valor de verdade.

    Aqui, a partir da forma lgica da frase, temos dois eventos. O primeiro refere-se a um

    evento que no ocorreu e, portanto, teramos de fazer uma anlise condicional. No caso do

    nosso exemplo, teramos de pressupor como verdadeiro que eu ame algum num instante

    de tempo t1. Dada a veracidade deste evento, ou seja, supondo que ele, de fato, tenha

    ocorrido, o segundo evento que deve ser avaliado que eu seja diferente num instante de

    tempo t2. Nosso intuito foi o de apenas problematizar esse tempo verbal, mas insistimos

    que no faz parte do nosso projeto abarcar tempos condicionais, embora as consideraes

    que fizemos sejam teis para uma caracterizao satisfatria desse modo temporal.

    3 Verdades lingsticas

    O tempo verbal das construes frasais, no que se refere s verdades lingsticas, no

    diz respeito ao tempo em si, mas posio dos agentes epistmicos com relao a um

    determinado sistema, a menos que se esteja falando de uma reproduo literria do tempo

    mundano. Por exemplo, dizer que dois mais dois ser igual a quatro quer dizer que quando

    o agente epistmico fizer uso dos recursos de um dado sistema, em particular, a aritmtica

    de Peano, ele encontrar o resultado mencionado. Dizer, por sua vez, que dois mais dois

    era quatro, quer dizer apenas que o sistema foi modificado.Introduzimos o conceito de verdades obstinadamente necessrias, tendo em vista as

    pretenses de um ctico de ter conhecimento daqueles mundos aos quais, estruturalmente,

    ele no tem acesso. Do ponto de vista das verdades mundanas, de fato, podem existir

    verdades fora do alcance do agente epistmico, uma vez que a conexo entre linguagem e

    mundo poder ser distinta dependendo do mundo em que o agente encontrar-se; contudo,

    devido ao fato de o conjunto L estar presente em qualquer que seja o mundo possvel,

    tendo-se conhecimento dele, o agente epistmico tem acesso a um conhecimento que est

    atrelado a todos os mundos.

    20

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    27/43

    Um ctico mais radical poderia argumentar que conhecer conhecer apenas as ver-

    dades necessrias e que aquelas verdades que temos por contingentes no merecem, ao

    menos, o ttulo de verdade. Podemos ver, no entanto, que esse ctico mais radical seria

    refutado por nossa ontologia, pois as verdades necessrias que ele pretende conhecer soacessveis, mesmo havendo mundos aos quais no se tem relaes de acesso.

    Nossa ontologia, tambm, elimina o problema de existenciais negativos. Podemos

    utilizar, como critrio de existncia, nela, a simples propriedade de fazer parte do contra-

    domnio de uma funo de verdade. No tocante natureza desse ambiente que chamamos

    de lingstico, podemos perguntar-nos sobre a sua dependncia ou independncia de agen-

    tes epistmicos (Aep). Podemos investigar a seguinte tese: Aep L, dividindo-a em

    duas teses:

    Aep L (1)

    L Aep (2)

    Para os nossos propsitos, precisamos comprometermo-nos apenas com a primeira

    tese, tendo em vista que j pressupomos agentes epistmicos ao falarmos de conheci-

    mento. A segunda tese diz respeito a uma espcie de solipcismo, uma vez que a lingua-

    gem faz parte daquilo que chamamos de realidade. Se no houvesse agentes epistmicos,

    no haveria linguagem. A negao da segunda tese, que a nossa posio, no escopo

    deste trabalho.

    Quanto ao ambiente lingstico, ainda poderamos perguntar-nos se L possui algum

    tipo de unidade, sendo uma unio no-disjuntiva de linguagens, ou se no h unidade,

    sendo uma unio disjuntiva de linguagens. As recentes pesquisas em lgica universal

    poderiam oferecer luz sobre a natureza de L.

    3.1 Objetos persistentemente e obstinadamente necessrios

    Diz-se, freqentemente, que, os fatos do mundo so contingentes, pois se pode con-ceber um mundo possvel w no qual eles no existam ou tenham propriedades distintas,

    mas que objetos da linguagem, em especfico, da Matemtica, no so contingentes por-

    que no se pode conceber um mundo possvel no qual, por exemplo 2 + 2 = 4 . Nesse

    tipo de argumento, contudo, h um pressuposto implcito no justificado. Analisemos o

    seguinte exemplo: quando digo que contingente o fato de eu usar culos por ser mope

    e astigmtico, quero dizer que poderia ser o caso de eu no ter nascido com alguma de-

    ficincia visual, ou mesmo que seria o caso de ter apenas miopia, apenas astigmatismo

    ou, ainda, talvez, hipermetropia. A pergunta a ser levantada a seguinte: por que, no

    caso dos objetos do mundo, quando falo da minha deficincia visual, no transporto o

    21

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    28/43

    sistema Fd, que seria o sistema fsico que comportaria a mim mesmo com as minhas duas

    deficincias, para os outros mundos? Por que no digo que 2 + 2 = 4 contingente

    por eu poder conceber um sistema de aritmtica no qual 2 + 2 = 4 ? Parece arbitr-

    rio manter o sistema aritmtico para avaliar a proposio 2 + 2 = 4 nos mundos w

    ,mas no transportar o sistema fsico Fd para avaliar se as minhas deficincias visuais so

    contingncias.

    Argumento semelhante costuma ser utilizado para afirmar-se que no se refuta ou no

    se revisa verdades lgicas. Por exemplo, se afirmo que um determinado sistema S1 prova

    o princpio de no-contradio ( ), o fato de outro sistema S2 provar ( )

    no significa nada em termos de refutao. O primeiro sistema demonstra o princpio da

    no-contradio, mas o segundo no. Suponhamos que esteja num laboratrio utilizando

    um microscpio com uma pea p1. Se, por questes prticas, a substituio da pea p1pela pea p2 leva-me ao uso efetivo do microscpio em termos das minhas intenes no

    seu uso, posso afirmar que o microscpio foi revisado ou, quando troquei as peas, apenas

    mudei o sistema que utilizava no meu experimento?

    Temos a tendncia de interpretar mudanas nos fatos fsicos como contingncias, mas

    quando elas ocorrem no ambiente lingstico, interpretamo-as como mudanas de sis-

    tema. O que era provado no sistema anterior, continua sendo provado, mas o que era

    vlido num sistema fsico anterior, com uma conjuno de propriedades, enquanto em

    sistemas formais pode-se falar numa conjuno de axiomas e regras de inferncia, no

    mais vlido.

    Nossa ontologia fornece uma explicao para ter-se os objetos de L como necess-

    rios, em detrimento dos objetos de W. A distino que apresentamos anteriormente entre

    verdades obstinadamente necessrias e verdades persistentemente necessrias ser til

    para elucidarmos a maneira como os objetos de L so necessrios. Ora, a estrutura que

    chamamos de subrealidade composta de um wi qualquer atrelado a L. Sem perda de

    generalidade, a subrealidade R1 pode ter propriedades no seu ambiente mundano w1 cor-

    respondente que no sejam compartilhadas por outras subrealidades Ri, com i = 1. O

    mesmo, contudo, no concebvel no tocante ao ambiente lingstico. No se pode con-ceber uma subrealidade na qual o seu ambiente lingstico tenha alguma propriedade

    distinta de outra subrealidade. Desta maneira, os objetos de L no so apenas persis-

    tentemente necessrios, mas obstinadamente necessrios, por serem objetos existentes,

    inclusive, naqueles mundos aos quais no temos acesso.

    3.2 Combinando demonstrabilidade e conhecimento

    At o presente momento, norteamos o nosso trabalho procurando ter em vista o M-

    todo Disjuntivo, cuja metodologia acreditamos ser aquela ideal para nortear projetos filo-

    22

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    29/43

    sficos. Nesta seo, entretanto, comprometer-nos-emos com a Lgica Modal Clssica de

    maneira mais explcita e definitiva. Newton da Costa chama de Problema da deduo34

    o problema de justificar-se a lgica utilizada numa dada teoria. Tendo-se em vista que

    existem infinitos sistemas lgicos embora ainda no tenham sido todos implementa-dos, pelo menos, em termos de possibilidade lgica, h uma infinidade de sistemas poss-

    veis, considerando-se combinaes de axiomas , poder-se-ia ter infinitas formalizaes

    possveis que combinassem demonstrabilidade e conhecimento, que so dois conceitos

    fundamentais quando se est no ambiente lingistico e quando se fala de verdades lings-

    ticas. Embora o problema apontado por da Costa e Dummett seja insupervel na nossa

    viso, uma vez que at escolhas meramente pragmticas no levariam em conta todos os

    sistemas existentes, cremos que uma possvel sada seria mostrar que todos os sistemas

    possveis reportam-se ao sistema clssico de alguma maneira. As lgicas hoje chamadas

    de no-clssicas, na verdade, negam a lgica clssica de maneira no-clssica, no ha-

    vendo uma relao de contraditoriedade, por exemplo, entre os princpios clssicos e os

    princpios no-clssicos. Essa tese poderia ser refutada por meio da construo de um sis-

    tema que negasse totalmente o clssico, negando todos os princpios lgicos deste, assim

    como todas as propriedades da relao de conseqncia lgica clssica. Se um sistema,

    realmente, classicamente no-clssico fosse construdo, a idia de que todos os sistemas

    acabam fazendo referncia ao sistema clssico, uma vez que so extenses ou redues da

    Lgica Clssica, seria refutada. No nos caber neste trabalho, infelizmente, empreender

    essa tarefa. A nossa justificativa para abandonar provisoriamente o mtodo que indicamos

    ser a de que, por vezes, ele torna-se invivel. Quando no se tem controle do conjunto

    ou , o mtodo no pode ser aplicado. Voltaremos ao assunto posteriormente, quando

    essa falta de controle tornar-se- mais clara.

    A definio corriqueira para o conhecimento, retomando um ponto j por ns abor-

    dado, a despeito das crticas que tm sido levantadas, principalmente aps aquela pro-

    movida por Edmund Gettier35, apela para trs conceitos: crena, verdade e justificao.

    Essa definio foi dada por Plato em vrios dilogos, como o Teeteto, Timeu, Mnon e

    A Repblica36. Suporemos que a definio de crena est bem estabelecida, de maneiraque trataremos tal conceito a partir do que o nosso senso comum diz acerca dele. Quanto

    ao conceito de verdade, bem sabido que hoje existem muitas teorias da verdade. Essas

    teorias, em geral, buscam conferir tanto uma definio para o que seja a verdade quanto o

    que seja um critrio para identific-la. Visaremos, em particular, discusso sobre aquele

    conhecimento obtido nas cincias, especialmente nas cincias naturais, na Lgica e na

    34Ver [9]. Dummett tambm problematiza essa questo. Ver, por exemplo, [15].35Ver [19]. O professor Cludio Ferreira Costa, por exemplo, ver [7] alega ter solucionado o

    problema.

    36Ver, respectivamente, [30], [32], [31] e [29].

    23

    http://-/?-http://-/?-
  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    30/43

    Matemtica; faremos uso de duas teorias da verdade: a teoria da quase-verdade proposta

    por Newton da Costa e a teoria da verdade enquanto correspondncia, que remonta a

    Aristteles, sendo matematizada por Tarski37. Na verdade, a Teoria de Tarski reduz-se

    quase-verdade quando as proposies so quase-verdadeiras38

    .No que concerne justificao, Aristteles, com os seus quatro discursos Potica,

    Retrica, Dialtica e a Lgica39 j falava de maneiras distintas de justificar-se tendo

    em vista, por exemplo, o nvel de credibilidade, versando-se sobre o possvel, o veross-

    mel, o provvel40 e o verdadeiro. Com o estudo contemporneo sobre os diferentes tipos

    de inferncias, os quatro discursos aristotlicos poderiam ser modelados. De modo geral,

    faz-se uma distino entre as inferncias classificando-as em dedutivas e indutivas. Aque-

    las ocorrem quando, dada a veracidade das premissas, impossvel que a concluso41 seja

    falsa, enquanto estas ocorrem quando no h um vnculo de nexo causal necessrio entre

    a verdade das premissas e a verdade da concluso. Essa classificao dicotmica pode ser

    estendida, falando-se em inferncias abdutivas, retrodutivas, analgicas, lexicais e assim

    por diante.

    Defendemos que s h conhecimento genuno por duas vias: a demonstrao42 e a

    revelao. Quando chamamos de conhecimento algo que pode ser falso, estamos falando

    apenas de maneira figurativa, pois no podemos ter certeza sobre o valor de verdade que

    atribumos. Quando provamos um teorema matemtico, descobrimos algo que nunca

    poder ser falso, pelo menos se admitindo as circunstncias que nos permitiram provar o

    teorema, como, por exemplo, o sistema em questo. No tocante revelao, se houver

    um ser onisciente capaz de mostrar-nos que algo verdadeiro, esse conhecimento to

    certo quanto uma demonstrao. No preciso que haja algum tipo de comprometimento

    com alguma religio ou que se creia na existncia de uma entidade divina: falamos aqui

    de maneira condicional. At mesmo um ateu pode concordar que h certeza havendo

    revelao por parte de um ser divino onisciente, que tenha acesso a todos os mundos

    possveis. Um ateu, no entanto, no estaria disposto a admitir a efetividade no mundo da

    37O mesmo problema que discutimos sobre sistemas lgicos coloca-se no mbito das teorias da verdade.

    38Ver [23].39Ver [6].40H, na literatura, uma confuso terminolgica envolvendo o termo prova: ele pode significar tanto

    uma demonstrao quanto apenas uma maneira mais fraca de justificao. Quando o professor Olavo falasobre provvel, ele est excluindo a possibilidade de que seja uma demonstrao. Na verdade, o prpriotermo provvel ambguo, pois se pode falar tanto de algo que pode ser provado de alguma maneiraquanto de algo que possui uma probabilidade nesta ltima acepo, o termo abrangeria as demonstraes,uma vez que um evento com probabilidade 1, dependendo das caractersticas do espao amostral, poderindicar um evento necessrio.

    41Com o desenvolvimento de lgicas de concluses mltiplas, pode-se falar em mais de uma concluso.42Para sermos mais precisos, deveramos falar em deduo e no apenas em demonstrao, uma vez

    que a demonstrao um caso particular da deduo; contudo, como o termo comumente adotado paraa Provability Logic Lgica da demonstrabilidade, adotaremos o termo demonstrao no decorrerdeste texto. No estamos, entretanto, fazendo algum tipo de restrio em detrimento das dedues.

    24

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    31/43

    possibilidade da revelao.

    parte daquilo que cremos que seja o conhecimento genuno, comumente, falamos

    sobre o conhecimento em sentidos mais fracos, usando maneiras distintas de provas43 ou

    de justificaes. Fala-se, por exemplo, sobre o conhecimento cientfico, sobre o conhe-cimento jurdico, entre muitos outros tipos de conhecimento. A Lgica Modal confere

    o formalismo necessrio para tratarmos o conhecimento e a demonstrao. As lgicas

    epistmicas fornecem uma interpretao dos operadores modais que nos permite lidar

    com o conceito de conhecimento; de maneira anloga, as lgicas da demonstrabilidade

    permitem-nos lidar com o conceito de demonstrao. Mesmo havendo interpretaes dos

    operadores modais que nos do ferramentas para lidarmos com os conceitos em questo,

    h alguns problemas. O primeiro que esses sistemas so isolados, no havendo dilogo

    entre eles. Se queremos trabalhar com a interao dos conceitos de maneira simultnea,

    esse formalismo no nos permite isso. Um segundo problema est no fato de que as lgi-

    cas da demonstrabilidade lidam com demonstraes, em geral, de maneira muito restrita.

    A ttulo de exemplo, o sistema mais conhecido, que o Gdel-Lb, ou GL, trata de de-

    monstraes apenas na Aritmtica de Peano. Nosso intuito, contudo, tratar de qualquer

    tipo de demonstrao e no apenas daquelas efetuadas em sistema particular.

    3.2.1 Contruindo o sistema CONDE

    Para a construo do sistema que chamaremos de CONDE, teremos por base o textodo professor Costa-Leite sobre a Lgica da Imaginao44. Consideremos a linguagem L

    da Lgica Proposicional Clssica LPC definida a partir da estrutura L = , ,

    , . Podemos adicionar a esta linguagem o operador K, representando o conhecimento,

    obtendo a linguagem LK = , , , , K. Efetuando o mesmo procedimento, pode-

    mos acrescentar linguagem L os operadores modais ou , obtendo, respectivamente,

    as linguagens L e L. Introduzimos o operador para diferenciarmos a interpretao

    envolvendo a demonstrabilidade, em detrimento da interpretao altica45, que costuma

    fazer uso do operador . Temos, por conseguinte, respectivamente, trs linguagens: uma

    referente ao conhecimento, outra referente necessidade e, por ltimo, uma referente

    43Lembramos a observao que j fizemos sobre o desentendimento comum sobre o termo prova: fala--se, tambm, de demonstraes como sendo provas, mas, obviamente, quando falamos de um conhecimentoem sentido fraco, no estamos incluindo a acepo de prova como demonstrao.

    44Ver [10].45Os operadores modais podem ser interpretados de diversas maneiras. Pode-se ter uma interpretao

    altica dos operadores, o que acarreta interpret-los a partir dos conceitos de necessidade e possibili-dade; pode-se ter uma leitura dentica, lidando, por consequinte, com os conceitos de permissividade,proibio e obrigatoriedade, havendo muitas outras possibilidades interpretativas. De modo geral, ooperador box associado ao quantificador universal e o operador diamond as-sociado ao quantificador existencial ; entretanto, h excees: certas lgicas da demonstrabilidade,

    por exemplo, interpretam o operador box como existe uma demonstrao.

    25

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    32/43

    demonstrao46.

    Consideraremos a apresentao axiomtica do sistema K, que o mais fraco dentre

    todos os sistemas proposicionais modais, uma vez que ele no faz qualquer restrio no

    que diz respeito s relaes de acessibilidade. O sistema K pode ser apresentado axioma-ticamente, considerando que uma extenso da LPC e que, portanto, todas as frmulas

    vlidas em LPC s-lo-o, tambm, em K. O sistema K caracterizado pela adio das

    duas regras seguintes:

    1. ( ) ( ) (K)

    2. Se , ento, (NEC)

    As lgicas modais da demonstrabilidade e do conhecimento podem ser construdas

    tendo-se por base as lgicas modais alticas usuais aquelas que interpretam os opera-

    dores modais a partir dos conceitos de necessidade e possibilidade. O sistema axiomtico

    acima, utilizado para apresentarmos o sistema modal K, pode ser utilizado para sistemas

    modais com interpretaes que no sejam a altica. Substituindo a ocorrncia de por

    K e , teremos trs sistemas axiomticos. No temos, entretanto, do ponto de vista sin-

    ttico, uma maneira de distinguir conhecimento, necessidade e demonstrao. Para cada

    sistema axiomtico, temos uma moldura, ou enquadramento, de maneira que, para cada

    {K,,}, definiremos F = W, R, com W R R = . Teremos, ento,

    para o conhecimento, a necessidade e a demonstrao, a seguinte condio de verdade:

    w se, e somente se, w tal que wRw, w

    No temos, tambm, uma maneira de fazer distines semnticas. Para cada instan-

    ciao de , teremos uma lgica correta e completa no que diz respeito s suas classes

    de todas as molduras, tendo em vista as provas amplamente conhecidas na literatura47.

    Consideremos uma hierarquia de operadores do tipo da seguinte forma:

    i, . . . ,n, onde i mais forte que j se, e somente se, i > j

    A cada operador i, associaremos um sistema lgico baseado em K, de maneira que

    ao i-simo operador i teremos a correspondncia com o sistema Ki. Faremos, ento, a

    seguinte fuso:

    46Cabe ressaltarmos que o operador box e o operador diamond so interdefinveis; preci-samente, temos o seguinte: := e := , ou seja, podemos definir um equivalente ao operadorde possibilidade na lgica modal com interpretao altica nos sistemas que estamos construindo envol-vendo os conceitos de demonstrao e conhecimento. A questo como interpretar o operador diamondde

    maneira adequada. Quais seriam os conceitos interdefinveis a partir do conhecimento e da demonstrao?47Ver, por exemplo, a demonstrao via modelos cannicos em [3].

    26

  • 7/30/2019 Fbio Salgado - Investigaes Epistemolgicas

    33/43

    K1 . . . Kn

    A fuso dos sistemas acima correta e completa dada as propriedades de preservao

    demonstradas por Fine e Schurz48 e Wolter e Kracht49. Faamos, agora, a seguinte fuso:

    K1 . . . Kn (n n1) . . . (2 1) (HP)

    O sistema acima correto e completo no que diz respeito seguinte restrio feita

    s relaes de acesso: Rn Rn1 . . . R2 R1. Cada i formaliza um nvel de

    prova ou justificao, onde n uma demonstrao qualquer, no sendo necessariamente

    uma demonstrao efetuada na aritmtica de Peano, como pretende o sistema modal da

    demonstrabilidade Gdel-Lb. Tendo em vista a discusso se tipos de demonstrao

    contrutivas ou no-construtivas podemos considerar que as demonstraes ensimas n so construtivas, enquanto