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    1/44EXPRESSES! Set de 2013 | 01

    Pra quem no t de brinks!Ed. 26 Ano 3E

    X

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    2/44EXPRESSES! Set de 2013 | 02

    EDITOR

    Jos Danilo Rangel

    CO-EDITORA

    Vanessa Galvo

    COLABORADORES:

    Marcos Ferraz - Conto

    Boca - Entressees

    Carlos Moreira - Poesia

    Patrcia Rangel - Ilustraes

    John Willians B.- EXTRA

    Capa: Telas V de Arte, Clarice On Fire ( Venda)Autoria: BocaDimenses: 60x80cmContato: (069) 3225 9504

    e x p e d i e n t e

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    3/44EXPRESSES! Set de 2013 | 03

    NDICE

    PREMBULO.......................................................................04

    Conto:A AMIGA DA MORTE................................................................06Marcos Ferraz

    Crnica:A CERVEJA TAVA UM REAL! ...................................................17Jos Danilo Rangel

    Decodicando:OS OLHOS DO DOM CASMURRO...........................................22Jos Danilo Rangel

    Poesia:O QUE PODE A ARTE NUM MUNDO FASCISTA...................27Carlos Moreira

    O SONHO DOS DESESPERADOS.............................................33Jos Danilo Rangel

    EXTRA:C.L.A.E. - Crculo Literrio Analtico Experimental..................40John Willians B.

    PertaPlay.....................................................................................41

    Do Leitor.....................................................................................42Envio de Material........................................................................43

    Os Olhos do Dom Casmurropor Jos Danilo Rangel

    22O Que Pode a Arte Num Mundo Fascistapor Carlos Moreira

    27

    A Amiga da Mortepor Marcos Ferraz

    06

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    4/44EXPRESSES! Set de 2013 | 04

    Eu lembro que quando o atual governador se elegeu, a con-versa que andava pelos corredores das secretarias era a de que ConcioMoura iria demitir uma pancada de comissionados. Alm de entregara chave de Ariquemes a Jesus Cristo, seu mandato de preeito marcou ahistria do uncionalismo pblico dali exatamente por demisses.

    O tempo passou, e nada aconteceu. E nada acontecendo, asconversas mudaram e ento, de repente, antes de um boato rondar assecretarias eis que os temores se concretizaram e Concio iniciou o queandam chamando de reestruturao, ou reorma administrativa.

    A, voc me pergunta: mas a EXPRESSES!, uma revista cul-tural agora trata de poltica? E eu respondo: Quando a poltica aeta aCultura, sim, claro, por que no? No nmero passado escrevi sobre oscontrastes entre o desenvolvimento das atividades culturais e as polticas

    de incentivo, por agora, vou apenas dizer que a SECEL, deixou de existire agora uma superintendncia ligada SEDUC. Autoridades dizemque nada vai mudar... Mas no sei se esto alando da Secretaria que setransormou em Superintendncia (e, mudando, continua a mesma) ouse do descaso com que as atividades culturais vm sendo tratadas.

    Fora isso, acredito que voc vai gostar bastante do presen-te nmero da revista que comea com um conto do nosso amigo donode uma narrativa instigante e sempre bem elaborada, Marcos Ferraz. AAmiga da Morte, com ilustrao de Patrcia Rangel, um mistrio, sus-

    pense, sinttico e intrigante que, certamente, vai te deixar com uma per-gunta na cabea. Mais adiante, uma crnica: A Cerveja Tava Um Real!.Escrevi com aquele tom engraadinho que az muitas pessoas me per-guntarem: Pra que escreve isso?

    No entressees, temos algumas das telas que o Boca estproduzindo. Alis, a maravilha que trazemos na capa tambm de au-toria do Boca, eu chamo de Clarice On Fire. Estas e outras telas esto

    venda, voc pode conerir na pgina Telas V de Artee entrar em con-tato atravs do nmero:(069) 3225 9504. Outro destaque a poesia vee-mente e inspirada de Carlos Moreira: O Que Pode A Arte Num MundoFascista.

    Espero que goste.

    Porto Velho - Setembro de 2013Jos Danilo Rangel

    PREMBULO

    https://www.facebook.com/pages/Telas-V%C3%A1-de-Arte/182564278591662?fref=tshttps://www.facebook.com/pages/Telas-V%C3%A1-de-Arte/182564278591662?fref=ts
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    5/44EXPRESSES! Set de 2013 | 05

    P A R C E I R O S :

    http://www.blahcultural.com/http://www.flasheslapoa.com/http://www.selmovasconcellos.com.br/http://bandavuaderafatal.webnode.com//http://www.moshphotography.com/http://www.newsrondonia.com.br/http://www.facebook.com/pages/Revista-EXPRESS%C3%B5ES/219207738122421
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    6/44

    Conto

    A Amigada MorteTexto: Marcos Ferraz

    Ilustrao: Patrcia Rangel

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    7/44EXPRESSES! Set de 2013 | 07

    Deitada naquela cama de hospi-tal, a cada segundo aquela jovem mulher luta-va para dar mais uma respirada. Todos os diasseus pais e irmos iam visit-la, e a cada dia elaparecia mais debilitada. As ores se acumula-

    vam na pequena mesa ao lado da cama e quan-do estavam morrendo, sua me fazia questode troc-las para que o ambiente no casse to

    ruim quanto j era.

    Seus olhos que antes eram verdes ebrilhavam em vida intensa, agora so olhos cin-zentos e quase no param mais abertos. Agoraseus sonos so mais profundos, mais longos. svezes dorme e quando acorda j se passou ohorrio da visita. Ento o tempo que car acor-dada vai ser mais chato ainda. Uma vez dissera sua me que podia acord-la, mas me me!E, nem por um decreto judicial acordaria a lha

    que est descansando.

    Nos ltimos dias seus familiares fo-ram percebendo que j era hora de se confor-mar. Aquele corpo em cima da cama j no tinhamais vida. Seus cabelos j no tinham mais cor,

    sua pele era plida, seu rosto apresentava fun-das olheiras. Sua respirao era curta e acelera-da e j no tinha mais foras nem pra falar.

    Agora noite. Ela est acordadaolhando para as paredes parcamente ilumina-das pela luz que vem dos postes da rua pela ja-nela. noite seu quarto to deprimente quantodurante o dia. Mesmo um pouco escuro ela con-segue ver aquele branco insuportvel que pin-ta todas as paredes de todos os hospitais. Elatambm consegue perceber aquela mancha naparede prxima porta. Aquela mancha no es-tava ali antes. Ela tenta levantar a cabea e for-ar um pouco mais a viso, mas no tem foras.

    Logo ela percebe que no umamancha mas sim uma sombra. Entretanto noh nada ali no quarto que possa fazer projetaruma sombra exatamente naquele canto. Aindamais uma sombra no formato de uma pessoa.Ela deixa a cabea cair e fecha os olhos pra ten-tar dormir. Em vo.

    Quando abre os olhos aquela sombraainda se encontra no quarto. Ainda est ali pr-xima porta. Ela parece que tem olhos. Olhosgrandes, estranhos e famintos que a cam ob-servando, como se estivessem esperando o mo-mento certo pra pular da parede em sua dire-o. A respirao que antes era dicultosa agora

    era quase impossvel com tal pensamento. Elaqueria tirar essa ideia da cabea, queria gritar,

    chamar algum, queria levantar, acender a luz ecerticar a si mesma que tudo no passava de

    um jogo de iluso, uma pea pregada pelos pr-prios olhos. Uma iluso pregada pela mente queentrava em colapso. Mas ela estava impotentenuma cama de hospital.

    Sem conseguir verbalizar uma pala-vra, ela se acalmou um pouco e pensou o quevoc quer?. Sem nem ao menos saber se erarealmente alguma coisa. E foi nesse momentoque aquela coisa comeou a mostrar-se umser com vida. Como se ela pudesse ler pensa-mento, deixou de habitar as paredes e passou aocupar um lugar dentro do quarto. A essa altu-ra a mulher na cama perguntou-se por que nomorria de vez.

    Por mais que aquela sombra se apro-ximasse dela, ela no conseguia ver seu rosto.Na verdade no via nada alm de uma manchapreta. Algo como tinta guache preta misturadacom gua numa folha sulte branca. Ah, mas ti-nha sim o formato de um ser humano.

    Seus olhos que anteseram verdes e brilhavamem vida intensa, agoraso olhos cinzentos

    e quase no parammais abertos.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    8/44EXPRESSES! Set de 2013 | 08

    A sombra pegou uma cadeira e sesentou ao lado da cama. A moa que j no sa-bia mais o que era verdade ou iluso, conscin-cia ou iminncia de morte, apenas deixou a ca-bea rolar pro lado e cou a observar a sombra

    com seus olhos cinzas inquisidores.

    Ela ento esticou uma das mos ecomeou a acariciar seu cabelo, deslizando ca-rinhosamente as mos em sua cabea. Ao mes-mo tempo olhava as mquinas, os aparelhosbarulhentos que trabalhavam incessantementepara manter sua vida, os ferros que suspendiamrecipientes com soro. Abaixou a cabea e fezgesto de negao. Logo depois ela levantou e

    pra surpresa da moa ela viu uma sombra pretacom asas. As asas eram enormes, e espantoumais ainda no ter tocado e derrubado nada queestava no quarto, como se elas fossem invis-veis e somente agora em momento de delrio elapudesse ver.

    Ela se aproximou da moa novamen-te, passou a mo em sua cabea pela ltimavez, deu um beijo em sua testa e disse:

    Voc forte! Vai sair dessa mais r-pido do que imagina.

    A moa, ento, dormiu.

    Quando acordou no outro dia, sen-tia seus pulmes trabalhando incansavelmente.Sentia-se realmente melhor. Quando seus paisvieram visit-la at conversou com eles. Pediuum espelho e viu o quanto da sua beleza tinhadeixado seu rosto. E percebeu como estava comfome. Enquanto conversava com os pais lem-brou-se do sonho que teve durante a noite. Algocomo uma mancha preta na parede, mas nocomentou nada com eles, pois no se lembravado contexto todo.

    Seus pais a observavam simplesmen-te incrdulos. Como era possvel uma pessoa irdormir j praticamente sem vida e acordar maisdisposta que um jogador de futebol. No interes-sa! O que importa que ela est bem e pelo que

    parece logo deixar o hospital.

    Mas naquela mesma noite, a sombravoltou a aparecer em seu quarto. A moa aca-bava de acordar de um sonho e a primeira coisa

    que viu foi aquela sombra prximo porta doquarto. No foi um sonho, pensou. Bem devagarse sentou cama.

    Vem! ela disse, meio apreensiva,meio medrosa, meio com vontade de que tudoaquilo fosse realmente um sonho muito do saca-na. E a sombra saiu da parede.

    Parou ao lado da cama como na noite

    passada e por alguns segundos, que mais pa-receram algumas eternidades, elas caram se

    olhando. Agora ela via todos os detalhes de seucorpo. Era uma pessoa normal. Era uma mulher.E era linda. Estava vestindo um vestido compri-do todo preto, sem muitos detalhes. O detalhecava no chapu. E sua mo carregava um ca-nivete.

    Quem... ou o que voc?

    Eu vim para levar a sua vida.

    Suspeitei... voc a morte?

    Morte? disse a outra indignada .Acho essa palavra um pouco pesada, sombria.No combina comigo.

    Por que voc no me levou?

    Voc se lembra do que eu te disseontem? enquanto elas conversavam, a moade preto andava pelo quarto. At que cansou ese sentou . Ento... voc ainda tem muita foravital dentro de voc. Muita vontade de viver.

    Mas se voc no vai me levar porque voltou?

    Voc... voc... voc me intriga.

    Eu te intrigo? Voc a morte...

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    9/44EXPRESSES! Set de 2013 | 09

    J disse que esse nome no com-bina comigo!

    Voc sabe quem voc ! Voc vemme fazer uma visita, diz que era pra levar minha

    alma e eu te intrigo?

    Ok disse o anjo levantando umdedo . Agora preciso dar uma volta, mas novou longe. Vou car por aqui. Daqui cinco dias

    voc sai e a gente se reencontra.

    Ela sumiu. Denitivamente virou p

    em sua frente.

    Um minuto depois, a moa, deitadaem sua cama, ouviu o grito de uma me deses-perada que acabara de perder o lho.

    ***

    Assim como dito, cinco dias depois

    ela deixou o hospital. Ningum conseguia expli-car o que tinha acontecido com ela. Os mdicosno conseguiram dar uma explicao o mnimopossvel plausvel.

    Chegando em casa, ela lembrou-seda saudade que sentia do seu quarto. L, sen-tou na cama e cou passando a mo no lenol

    bem estendido. Sua me estava ao seu lado ejuntas caram sentadas sem nada dizer. Mil coi-sas passavam por suas cabeas, mas nenhumadelas tinha coragem de dizer alguma coisa, ousimplesmente no queriam estragar aquele mo-mento. Foi a que a lha abraou a me e come-ou a chorar.

    Eu pensei que ia morrer, me dis-se a moa com o choro na voz . Eu pensei quej tinha chegado minha hora.

    A me no conseguia formular qual-quer frase. Chorava mais do que a lha.

    Uma das primeiras coisas que ela fez

    foi sair pra comprar alguns sapatos. Na primeiraloja que entrou, uma moa estranha se aproxi-mou e disse:

    Voc no acha que sua me j gas-tou demais com remdios?

    Ela olhou pra essa moa com umacara de quem realmente no entende um co-

    mentrio com um misto de indignao.

    Primeiro: no da sua conta. Se-gundo: eu te conheo?

    O Anjo deu um passo pra trs, olhoupara suas roupas e ngindo estar meio assusta-da perguntou:

    Eu pareo to diferente assim?

    Ento a moa passou a entender oque estava acontecendo. Tudo o que ela haviapassado no hospital voltou tona a sua mem-ria. Cada dia de dor. Cada visita dos pais. As o-res morrendo e sendo trocadas, as agulhadas,as piadas sem graa dos mdicos, a cara de es-tressada das enfermeiras... a mancha atrs daporta.

    Morte...

    Quantas vezes eu tenho que te di-zer que esse nome no combina comigo?

    - Voc no acha quea sua me j gastoudemais comremdios?

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    10/44EXPRESSES! Set de 2013 | 10

    O que voc est fazendo aqui?

    Eu no disse que a gente ia se re-encontrar?

    Mas tinha que ser hoje e aqui?

    Ns estamos jogando aquele jogode s fazer perguntas?

    A moa no entendeu.

    O qu?

    Esquece. Eu ainda vou car um

    bom tempo na sua cola. Preciso saber o quevoc tem.

    E o que eu tenho?

    Se eu soubesse, voc j no me ve-ria mais.

    Depois que a morte deu essa ltimaresposta, a moa comeou a se perguntar se

    era somente ela que podia v-la. Imaginou-seali na loja, com aquele monte de clientes e ven-dedores, correndo, vendendo e comprando, pa-rada e falando sozinha, e todo mundo achandoque ela estivesse louca. Mas como a conversaj se estendia um pouco e ningum parou paraolh-la estranhamente ou pra perguntar se elaestava bem, provavelmente todo mundo podiav-la, imaginando ser uma pessoa normal. Nes-se momento uma vendedora passou correndoe esbarrou nela, as duas se olharam e pediramdesculpas. Ento ela se tranquilizou de vez, poissabia que no ia ser dada como louca.

    Vamos tomar um caf? sugeriu oAnjo.

    Voc toma caf?

    ... ainda gosto dele.

    Voc j foi humana?

    Sim.

    Foi voc que me salvou?

    No.

    Eram muitas as perguntas. Muitomais porque elas partiam de ambos os lados. Asduas estavam cheias de curiosidades a seremmortas (com o perdo do trocadilho).

    Elas caminharam muito pelas cala-das da cidade. Enquanto procuravam por umacafeteria iam olhando as vitrines das lojas e jo-gando conversa fora. As caladas estavam re-pletas de pessoas carregando suas sacolas de

    compras, pessoas atrasadas para o trabalho epessoas que caminhavam por simples vontade.Nas ruas, os carros iam depressa, buzinandoquando alguns iam mais lentamente. Mas quan-do os semforos estavam vermelhos nada po-diam fazer.

    Ao se sentarem a mesa, zeram o

    pedido e logo em seguida receberam duas xca-ras grandes de capuchino. A morte deu uma boa

    golada do seu e pousou a xcara novamente namesa.

    Repentinamente ela se retesou e -cou como se estivesse em um transe de aler-ta. Sua expresso mudou e agora apresentavafeies de tristeza. Levou as mos ao rosto eapoiou os cotovelos na mesa. Respirou fundo eolhou para a moa.

    Espere s um minuto e se levan-tou, entrou na cafeteria novamente e dirigiu-seao banheiro.

    Quando a moa se deu conta de quea morte estava demorando muito, ouviu na ruaao lado um carro cantando pneu. Quando o car-ro estava bem na esquina tentou virar, mas es-tava em alta velocidade, o que fez o carro perdero controle e colidir em uma loja de esquina, re-tornar rua e colidir com mais dois carros antesde parar.

    A moa levantou assustada e, curiosa

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    11/44EXPRESSES! Set de 2013 | 11

    que era, correu para ver os estragos. Junto comela, dezenas de pessoas que passavam por alitambm foram acompanhar de perto a situao.Percebeu que muitas delas j tiravam os celula-res dos bolsos para chamar uma ambulncia ou

    para fazer um vdeo.

    A moa pde observar dentro do car-ro que causou o acidente e viu que o rapaz esta-va realmente muito ferido. Parecia estar incons-ciente e estava com um ferimento na cabeamuito feio. Na loja da esquina ningum se feriu,mas os vidros de suas vitrines j no existiammais. O pior de tudo que para colidir com aloja precisou invadir a calada, onde passavam

    alguns transeuntes, que infelizmente no conse-guiram fugir do carro que vinha em sua direo,cando em situao pior que a do motorista. Nos

    outros dois carros ningum se machucou, masvo precisar gastar um bom dinheiro no conser-to deles.

    A moa estava atordoada. H pou-co havia ganhado uma batalha contra a morte.Estava em um hospital, onde diariamente via

    pessoas gritando, pessoas chegando, pessoasmorrendo.

    Agora o mundo a sua frente era umaimagem sem som.

    Lentamente, foi perdendo os sentidos,cando fraca. Seus msculos no respondiam e

    sua viso escurecia. Ao longe ia ouvindo o baru-lho das sirenes de uma ambulncia. Atordoada,percebia que o som da sirene ia aumentando,at que se tornou um barulho ensurdecedor. Elas foi voltar a si quando os paramdicos des-ceram apressados da ambulncia e comearama empurrar e afastar todo mundo o mais longepossvel; ela tambm foi uma das que foram em-purradas.

    Quando ia voltando para a cafeteriapara se sentar, ao se virar, seu olhar foi em dire-o s duas pessoas que estavam no cho dacalada, duas pessoas atingidas pelo carro. Ali,o Anjo estava ajoelhado ao lado delas. Ela nopodia ver direito, mas jurava que ela havia dado

    um beijo em cada uma das pessoas. Muitaspessoas passavam pela sua frente impedindode observar toda a ao do Anjo, e quando tevelivre acesso de viso, o Anjo no estava mais l.

    Vamos voltar para o nosso caf? disse o Anjo ao seu lado.

    A moa deu um pulo e levou a mo

    ao corao.

    Calma! Voc no vai morrer agora.Pode conar em mim quando terminou deu um

    sorriso meio irnico.

    Ao sentarem novamente mesa dacafeteria, a moa pediu uma gua, mas a mortepediu outro caf, pois o seu havia esfriado. Asduas caram um longo tempo sem conversar,

    mas quando comearam, tiveram uma longaconversa.

    Vamos voltar do princpio disse amoa. Se no foi voc quem me salvou, quemfoi?

    No sei disse a morte. E ela esta-va dizendo a verdade.

    Por que voc no me levou?

    J disse. Estou nesse trabalho h

    Atordoada, percebiaque o som da sirene iaaumentando, at que setornou um barulhoensurdecedor.

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    12/44EXPRESSES! Set de 2013 | 12

    muito tempo. Sei quando hora e quando no hora de algum. Recebi um recado e elafez aspas com as mos para car em obser-vao no seu quarto. Mas eu sabia que no erasua hora. Eu podia sentir, por isso que quei de

    guarda atrs da porta ela deu uma risadinha. Mas a verdade que voc no deveria ter mevisto.

    Ok. Mas certo dia voc me disseque eu te intrigava. Por qu?

    Quando eu recebi o recado para -car de olho em voc, no me deram seu nome,me deram o nmero do seu quarto. Quando eu

    ia olhar em seu pronturio, no conseguia ver.No lugar do seu nome havia apenas um borroescuro. Eu sou capaz de saber o que as pes-soas esto pensando, mas quando invadia ospensamentos de seus parentes, simplesmentehavia um momento surdo quando eles pensa-vam em seu nome. Nas oraes que voc rece-bia, eu nunca ouvia seu nome.

    A moa acompanhou tudo de forma

    espantada, mas tranquila. Prestava ateno emcada palavra que o Anjo dizia para no perdernenhum detalhe. O Anjo continuou:

    At hoje eu no sei seu nome. Nosou capaz de invadir sua mente. Nunca soubeo que voc pensa. E ainda no sei seu nome.No sei nem ao certo se sei o dia que voc vai...voc sabe...

    Ela nada disse. Pelo que parecia elahavia cado mais intrigada do que o prprio Anjo.

    Mais intrigada do que conhecer a prpria morte.

    Mas, Morte...

    J disse que eu no gosto dessenome. No me cai bem! Eu sou um Anjo da Mor-te.

    Ento quer que eu te chame deAnjo? Voc no tem um nome? No teve umnome quando era humana?

    Pode me chamar de Anjo ela dis-se, sem mesmo prestar ateno s outras per-guntas.

    Anjo... Ok!

    ***

    Quando a moa se deu conta, ela eo anjo j haviam se tornado grandes amigas. Oanjo visitava sua casa frequentemente. Dormia,tomava caf da manh, almoava, jantava, sa-am juntas para as festas. E a moa j sabia demuitas coisas a respeito do trabalho do Anjo. Um

    dia o Anjo lhe disse:

    Posso te dizer muitas coisas. Porexemplo, posso te dizer que uma pessoa da suarua morrer hoje tarde, mas no posso dizerquem .

    Mas por que no?

    No podemos interferir nas coisas.

    Essa pessoa pode ser sua amiga e voc podesair por essa porta e fazer alguma coisa paraajud-la. Vai atrapalhar meu trabalho e eu possoat ser punida.

    Interessante.

    ***

    Algum tempo depois o anjo recebeua notcia de que a moa estava namorando. Nodia em que ela o apresentou, o Anjo no dissenada. No disse se havia gostado dele ou no,se ele era bonito ou feio. No disse nada. Quan-do saram juntos, ela cou o tempo todo o ob-servando.

    Eu acho que ele no serve pra voc foi a nica coisa que disse.

    Depois disso, elas deixaram de se verfrequentemente. Mas isso no queria dizer que

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    13/44EXPRESSES! Set de 2013 | 13

    elas no se viam mais. Volta e meia o Anjo ia asua casa para colocarem os papos em dia. Foinuma dessas conversas que a moa perguntou:

    Voc gosta dele no ?

    Como ? perguntou o Anjo a en-carando, indignada.

    Voc nunca disse nada a respeitodele. Quando eu o apresentei voc no dissenada. No sai mais com a gente.

    Voc nunca me perguntou nada.

    Ento t. Voc gosta dele?

    No posso. No sou mais humana.

    Mas voc gosta.

    No gosto! Sou desprovida de sen-timentos. No gosto dele do mesmo jeito queno gosto de voc.

    Voc no gosta de mim? Ento porque veio aqui todo esse tempo? Por que fre-quentou minha casa como uma amiga?

    Porque eu queria te conhecer.

    A nica coisa que voc me disse foique ele no era o cara certo pra mim. Por qu?O que voc sabe sobre ele?

    Voc j o ama!? era mais uma ex-clamao do que uma pergunta.

    Gosto muito dele.

    Ento deixe de gostar. Ele... no ocara certo pra voc. Palavra de amiga.

    Sem mais conversa, ela deixou acasa da moa.

    O Anjo deixou de frequentar a casada moa, j que esse era o problema, mas a ver-dade que ele no conseguia car longe dela e

    elas se falavam todos os dias por telefone. OAnjo ligava pra ela e conversavam normalmente,como se nada tivesse acontecido. O Anjo que-rendo falar coisas que no podia e a moa que-rendo perguntar coisas que no teria resposta.E todos os dias ela se perguntava ser poss-vel que o Anjo da Morte estaria apaixonada ouseria apaixonado, j que anjos no tm sexo? pelo mesmo homem que eu?. Entretanto o

    tempo foi passando sem que nenhuma delas sepronunciassem a respeito desse assunto.

    Um dia a moa ligou para o Anjo e elano atendeu. H algum tempo estava perplexapor conhecer um anjo da morte e agora queriafalar com ele pelo celular. Desde quando anjos,principalmente aqueles, da morte, precisavamde celulares?

    No conseguindo falar com ela, ligoupara seu namorado, que tambm no atendeu.De imediato ela nem se deu conta. Mas depoisde alguns segundos, foi como se desse um esta-lo em sua mente. Ligou novamente para os doise novamente nenhum deles atendeu. Lgrimasescorreram de seus olhos.

    Sem pensar duas vezes, pegou achave do carro e saiu de casa. Acelerou o m-ximo que podia. Corria entre carros, buzinando,avanando semforos vermelhos quando podia,quase atropelava pedestres, ciclistas e qual-

    - No gosto! Soudesprovida desentimentos.No gosto dele domesmo jeito queno gosto de voc.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    14/44EXPRESSES! Set de 2013 | 14

    quer pessoa que estivesse tentando passar nasfaixas de pedestres. Entrou no bairro da casado namorado, chegou rua correndo e quasederrapou nas folhas das rvores que caam emfrente sua casa.

    Desceu do carro e correu porta dacasa. Pensou em tocar a campainha, mas se osdois estivessem ali, eles poderiam fugir. Princi-palmente ela poderia desaparecer. Ser que elesabia que ela era o Anjo da Morte?

    Abriu a porta sem bater. E l estavameles, na sala. Ela estava sobre seu corpo, deita-dos no cho. Ela o beijava. Um beijo suave, sem

    pecado nenhum.

    O Anjo da morte olhou para a amigacom uma cara de tristeza, de splica, como sedissesse eu avisei.

    Ento ela abriu suas grandes asasnegras, uma luz branca, muito forte, surgiu porde trs dela e de repente a moa no podia maisenxergar. Quando tudo voltava em foco o Anjo j

    tinha desaparecido.

    Quando a moa olhou para os lados,havia dezenas de seringas e agulhas, cigarrosnormais e naturais, pires, isqueiros, colheres etodo tipo de p branco.

    Era por isso que voc no queria queeu me relacionasse com ele. Voc estava ten-tando me ajudar a no gostar dele pra no so-frer. Voc sabia o que ele fazia e sabia que ele iamorrer, pensou ela, com o desespero tomandoconta.

    Depois do enterro a moa cou l.

    Vendo o tmulo do seu namorado ser fechado.Era tarde e o sol estava forte. Sentiu um deslo-camento no espao e viu uma sombra que cres-cia atrs de si. Tentou no chorar mais, mas foiinevitvel. No olhou pra trs. Sabia quem era.

    Por que no me avisou antes?

    Eu te disse que no podia dizer. Eu sei... voc tentou me avisar.

    Sim. Tentei.

    No disseram mais nada. Ficaramambas olhando para o tmulo. Daqui a algunsdias a moa e sua sogra colocariam cermica euma foto. Uma cruz tambm, talvez.

    Por que a vida assim to injusta?

    O Anjo no respondeu. Perdera suavida h muito tempo. J nem sabia mais o queera viver.

    Preciso ir embora disse o Anjo. Vo me colocar em outra cidade. J sabemo que aconteceu com a gente. S de tentar teajudar quase fui punida. Consegui no ser. Masantes de ir queria te pedir uma coisa.

    Diga.

    Qual o seu nome?

    A moa virou para encar-la. O solbatia forte em sua face, dicultando olhar dire-tamente para ela sem colocar a mo sobre osolhos. J no reconhecia o rosto da morte. Deuum suspiro pesado e disse:

    ...

    No momento em que dizia seu nome,o mundo fez dois segundos de silncio e o Anjoda Morte no pde ouvir nada.

    Sem saber que o anjo no havia es-cutado, ela comeou a andar. Sem se despedir.

    ........................................................

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    15/44EXPRESSES! Set de 2013 | 15

    Telas V de Arte

    Autor: Boca - Telefone para contato: (069) 3225 9504

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    16/44EXPRESSES! Set de 2013 | 16

    Quer mostraro seu trabalho?Ento mostre!

    Conto, crnica, poesia, crtica de cinema,literatura, teatro, fotos, desenhos?

    Mande para:[email protected]

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    17/44EXPRESSES! Set de 2013 | 17

    Crnica

    A Cerveja Tava Um Real!Jos Danilo Rangel

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    18/44EXPRESSES! Set de 2013 | 18

    1.

    Uma dessas noites de aula, cheguei concluso que me sinto mais constrangido quan-do acabo prejudicando algum por algo que z

    sem querer, por engano ou por calcular erradoos efeitos colaterais, que por outro tipo de ato,aqueles geralmente consequncias de um por-re. Numa das mesas da lanchonete, enquantoeu e alguns colegas de faculdade falvamos detudo, menos qualquer assunto que prestasse,chegamos ao tema: coisas que z e no lembro.

    Rimos bastante e nenhum sinal devexao ou outro sentimento prximo no me

    pareceu enrubescer as faces risonhas dos de-batentes, na verdade, havia um tanto de vaidadeem armar o que foi feito depois de uns bons

    litros de lcool. Talvez, por isso, por haver comoque uma aceitao (talvez uma admirao) porquem protagonizou, junto bebida, determina-das cenas, que ningum esquente a cabeacom o tema e tudo acabe se tornando contedopara conversas cnicas e divertidssimas.

    Em todo caso, a mrito de compara-o, noutra dessas noites informei equivocada-mente uma colega de classe sobre a aula. Elachegou e perguntou: Essa a aula de psicolo-

    gia das organizaes? Convicto de que era ou-tra aula, respondi, veemente: No! Ela, insistiu:Mas eu fui na coordenao... E eu tambm insis-ti: Mas no no... O fato: era a aula de Psico-logia das Organizaes.

    Noutra dessas noites, cheguei paraaula pensando que era dia de prova, estudeiantes e tudo mais, cheguei at ansioso para irembora cedo privilgio dos dias de prova. Aochegar na sala, perguntei a uma colega de sala:Preparada? Ela: Pra qu? Eu: Pra prova, ora!E insisti tanto (ajudado por outro retardado) queela acabou acreditando e se assustou bastante.Quando a professora adentrou a sala, a primeira

    pergunta que a estudante fez: Professora, temprova, hoje? Quem sabe a resposta levanta amo, a...

    2.

    muito sutil, eu acho, a diferenaentre o que se faz por engano e o que se fazbrio, no estou falando de quem faz, mas dequem recebe o dano. Devem constar no grandelivro das convenes sociais (no captulo sobreretaliao) na mesma categoria de atenuanteso engano e a ebriedade. Para quem tem quecarregar algum que est mamado, ou que, porconta da informao errada, acabou passandoum susto incrvel pensando na prova surpresa,parece no haver diferena signicante, espe-cialmente se ela considera ambos na classe so-brou para mim.

    No caso de quem pratica, h no en-tanto, uma enorme distino: no engano, h alembrana do feito, mesmo que suavizada pelaconscincia de que foi sem querer, mas (e sevoc j bebeu uns bons goles vai concordar deimediato comigo) se tem algo que geralmenteacompanha a ressaca no depois da bebedeira a amnsia. Se eu no lembro, no z j ouvi

    muito isso por a.

    H outra diferena. Parece que entreos bbados do mundo inteiro, e mesmo quemProvaaaAAAAHH!!!?

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    19/44EXPRESSES! Set de 2013 | 19

    no bebe, h muito mais compreenso comquem deu escndalo movido pelo lcool quecom quem fez algo porque um tantinho desli-gado. Sem dizer que parece mais fcil ouvir euestava bbado do que eu sou mesmo burro de

    quem fez alguma bobagem - talvez seja um sinalde que nossa tolerncia tem suas predilees.

    3.

    O constrangimento algo condicionale, muitas vezes, o que para uns uma vergonhapara outro normal, ou at mesmo a prtica vi-

    gente. Eu lembro que uma vez zombamos bas-tante de um amigo porque ele disse que assistianovela. Na verdade, ele foi mais longe e armou

    (com a pompa e a certeza esnobe de um espe-cialista no assunto): Novela algo cultural! Nosei se com o qualicante cultural ele quis dizer

    que era algo prprio ao gosto nacional o gos-to novelas ou se era algo referente cultura, ocaso que rimos dele por ele armar que todas

    as noites chegava em casa e, posto diante daTV, assistia a preferncia cultural do Brasil.

    Outra coisa seria (e nem teramos doque rir), caso ele tivesse dito que assistiu aquelecaptulo da novela porque foi o jeito. Estivesseentre outros raros homens que vem novelase em vez de gargalharem e fazerem gracinhas,certamente, veria pessoas baixando e subindoa cabea em sinal armativo. E ainda, ouviria,

    caso estivesse ali, entre os ouvintes, algum quefosse mais convicto: Com certeza! Novela show!

    Fiz um experimento, uma vez fui numforr e disse que fui para danar (e roqueiroque sou isso equivale ao que a igreja considerapecado, e cantar um forr equivale ao que oscristos considerariam uma blasfmia), muitosdos meus conhecidos, roqueiros praticantes, ri-ram bastante. Noutra vez, disse o mesmo mascom a adio de a cerveja tava um real. Nessecaso, sim, eu podia ir prum forr, danar, cantare at participar de uma banda. Se eu andassecom forrozeiros e tivesse dito que fui numa festa

    de rock e s, a reao provavelmente seria amesma: zombaria generalizada. Perguntariama mim, provavelmente, gosta dessas coisas docapeta? Se, entanto, tivesse acrescentado acerveja tava um real e pronto, o caso era outro,estava, portanto, plenamente, justicado.

    Ao que parece, o segredo acres-centar uma justicativa plausvel a cervejatava um real! e adeus vexame.

    4.

    Falando pelo outro lado, agora, emvez de ofensor, falo como ofendido. Algumaspessoas acreditam que o simples motivo de es-tarem sinceramente arrependidas (ou de se fa-zerem de tal) razo suciente para uma descul-pa automtica. Como fosse s dizer foi mal...e pronto: desculpas concedidas, njamos que

    nada aconteceu. Mas no assim que aconte-

    O forr tava foda!

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    20/44EXPRESSES! Set de 2013 | 20

    ce. Por mais sem querer, por mais bbado quevoc esteja, ou mais enganado, arrependimentono faz desaparecer no outro o incmodo cau-sado.

    Voltando a falar como ofensor, se porum lado a persistncia dos efeitos do ato sobreo ofendido torna a desculpa uma forma de dizerno tenho culpa, lide com isso, talvez possa-mos concluir que se a desculpa sanasse o des-conforto, o ofendido no hesitaria em desculparde imediato. Concordamos? Se concordamos,talvez seja um esquema parecido com esse oque permite que nos desculpemos a ns mes-mos to rpido depois de um porre seguido de

    amnsia: no h seno a ressaca! E se voc um dos bbados sortudos, possvel que nemtenha ressaca.

    5.

    Um aspecto interessante a ressaltar:o que falta ao bbado apronto, sobra em seusamigos de barca - MEMRIA. Se tem uma coi-sa que amigos de bbado tm capacidade deregistro, nesse quesito eles chegam mesmo ase comparar com aqueles gnios com o que sechama memria eidtica, captam quadro a qua-dro, detalhe por detalhe, minuciosamente. Almdisso, parece que aps testemunharem o ve-

    xame alheio, estes amigos tm aprimoradas asaptides da fala e narram maravilhosamente avergonha observada com retrica sosticada e

    tudo mais.

    Pior que isso: sempre tem um ali pelomeio que no bebe, nunca bebeu, nunca bebe-r. Ele fala com orgulho: Eu posso me divertirsem bebida. Acontece, que o divertimento dele acompanhar os ingnuos bebuns para teste-munhar tudo o que fazem e conseguir uma boahistria para contar. Falo por experincia. Sem-pre que aprontava alguma e no lembrava, mui-tos (especialmente o amigo sbrio) vinham atmim e me faziam o favor de descrever com pre-

    ciso microscpica cada movimento executado,cada palavra dita, ontem tu fez isso, ontem tufez aquilo, bl bl bl. Felizmente, se tem algoque aprendi ao longo da vida que no se deveacreditar em tudo o que se diz por a.

    Acaba de me ocorrer um pensamen-to: ainda bem que meu tempo de cana foi antesdos celulares com cmeras se popularizarem, jpensou sair aprontar como no houvesse ma-nh e acabar ocupando o posto de bbado davez no Youtube? Anal, nos dias de hoje, todo

    mundo umpaparazzipotencial sempre alertae procura do que postar na internet.

    ..................................................

    Desculpa?

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    21/44EXPRESSES! Set de 2013 | 21

    Telas V de Arte: Santa Vulva

    Autor: Boca - Telefone para contato: (069) 3225 9504

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    22/44EXPRESSES! Set de 2013 | 22

    D3C0D1F1C4NDO

    Os OlhOsdOdOm CasmurrO.......................JOs danilO rangel

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    23/44EXPRESSES! Set de 2013 | 23

    1.Em Caso de DvidaChega a dar nojo, cansao, aborreci-

    mento, depresso, mas sempre que num debateliterrio o livro Dom Casmurro evocado sem-

    pre e invariavelmente, todas as possibilidadesde reexo trazidas por esse livro, seja no ma-go da narrao, seja nos pequenos e intrigantesaforismos machadianos, seja no pequeno peda-o apresentado da sociedade onde se situa, sosubitamente soterrados por uma nica e persis-tente questo: Capitu traiu ou no?

    Dito isso, o grupo debatedor j se di-vide em dois e como ateus e religiosos decidindo

    sobre a existncia ou no de Deus, os humoresso levantados, as vozes se embargam, se agu-dessem, se engrossam, e ento, os mais inusi-tados malabarismos lgicos so elaborados coma nalidade de qu? De dissolver exatamente o

    tema cuja manuteno constitui exatamente umdos elementos mais interessantes do romancerealista: a ambiguidade da questo.

    Fiquem atentos, menininhos e meni-

    ninhas que em breve tudo far sentido. Por en-quanto, trato de adiantar que no vos oferecereia resoluo do caso. Se o que buscava parasanar a dvida que teima em seu ntimo, ou sevoc anda a procura do argumento que reduzirtodos os opositores a nada, pode ir ler outro tex-to - este aqui tem outra proposta.

    2. Capitu

    No m das contas, no importa se ela

    traiu ou no, na verdade, a dvida sobre o casoconstitui um dos grandes elementos do livro. Eusei que isso parece uma heresia, mas no .Vou tentar me explicar melhor. No tendo senodesconanas, indcios, na base da suposio

    que Bentinho ca. Nesse aspecto concordare-mos que as atitudes de Capitu em relao aEscobar e em geral, do, realmente o que falar,mas penso em como seria legal se em vez dedirecionarmos as pistas deixadas pela dama deolhos oblquos e dissimulados para a questodo adultrio (assunto que nem nos assombra

    mais e que alguns tm at como uma daque-las coisas que assim mesmo), discutssemoso lugar da mulher pobre na sociedade cariocapara l do meio do sculo XIX.

    3. Por Que Gosto Tanto do Livro?

    Para quem no sabe, Machado deAssis no comeou como realista. Antes, co-mungou com o Romantismo. Para resumir, eleviveu num momento de transio. Digo isso paradizer isto: o romance realista apresenta dois mo-mentos distintos da vida de Bentinho, ou doismomentos distintos da relao dele e Capitu. O

    primeiro momento, que no pode ser literaria-mente considerado romntico (j que apresentaas caractersticas do realismo), contm, contu-do, um amor infantil, cheio de suspiros e tudomais. O outro momento, em contrapartida, apre-senta uma relao problemtica adulta, entre-meada por aspectos sociais. E no meio, temosa transio.

    interessante notar que Machado

    de Assis tem o cuidado de dar uma origem aoamor de Capitu e Bentinho, como ele se detmem descrever cenas romnticas (quase romn-ticas) para depois, no desenrolar dos eventos, irfazendo descries cada vez mais distantes doamor romntico, sendo cada vez mais realista,chegando a repensar, em certa altura do livro,atravs de Bentinho a relao inicial. ou no isso o que vemos quando este se pergunta seesta Capitu (a do momento declaramente rea-lista) estava dentro da outra (aquela menina doprimeiro momento)?

    4. Os Olhos de Bentinho

    O narrador tenta reconstruir seu pas-sado e o visita, para ento, mostr-lo. Aqui, oDom Casmurro tenta mostrar o que viu com osolhos de Bentinho, mas as lembranas j es-to contaminadas pelos eventos que depois seencadeariam. Em todo caso, talvez intentandoagravar os danos que mais tarde viriam, talvezpara justicar a deciso que mais tarde tomaria,

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    24/44EXPRESSES! Set de 2013 | 24

    talvez para assinalar a dissimulao de Capitudesde a infncia e dar uma de ingnuo, o ro-mance infantil chega a ser bonito. Claro que anarrativa no linear permite ao narrador um pas-seio pelo tempo e mais, que ele interrompa mo-

    mentos chaves para reetir e acusar.

    Quantas vezes, eu me pergunto, aconjuntura nos leva para c ou para l, e quantouma situao, ou mesmo uma srie delas, nosorienta as decises? Foi com o olhar de Benti-nho que Dom Casmurro decidiu car com Ca-pitu, podia ele saber o futuro que os aguarda-ria? E no falo sobre as mudanas de Capitu, aacentuao de comportamentos suspeitos, falo

    da vida de casados, da adultez e dos problemasda advindos. Por mais conscientes das circuns-tncias que nos cercam, o quanto de certezapodemos ter a respeito das transformaes queestas mesmas circunstncias estaro expostascom a passagem do tempo? Conamos em sua

    manuteno, ou no melhor dos desdobramen-tos, tudo vai dar certo. Nem sempre assim.

    5. Os Olhos do Dom Casmurro

    Diante de ambiguidades, Bentinho(agora Dom Casmurro) no apenas condicio-na os atos de Capitu como os prprios de umaadltera, mas passa a acreditar na armativa e a

    partir dessa aposta (por assim dizer) recongura

    a sua histria pessoal e a de sua famlia, que ali-s, poderia ter sido muito mais bonita. At ousodizer que se ele tem o cuidado de explicar queescrever o livro s para ir acostumando a mo,no o fez seno com o intento de desviar o olhardo leitor, acredito que, na verdade, se o senhorBento Santiago escreveu o livro foi para se justi-car, j que nunca teve mais que indcios (e por

    aqui, bom que se diga - indcios bem questio-nveis) da traio e talvez, sempre desconou

    de que ela no aconteceu.

    O que realmente me interessa nolivro, pelo menos por enquanto, o tema quesempre acaba soterrado sobre a questo da trai-o: a qualidade das nossas certezas. Aceite-mos, por um instante que seja, que Bento San-

    tiago no tem com que estar certo da traio deCapitu, contudo, ele se convence dela e acabapor tomar uma deciso crucial para a sua exis-tncia e a dos seus, Capitu e Ezequiel. Antesdisso, sem saber do futuro que os aguardava,

    a ele e Capitu, de tudo fez para car com ela. Aforma como Bentinho via a jovem Capitolina, fezcom que ele a buscasse, remodelando o que vi-ria, em vez de batina, casamento. Mais tarde, oolhar de Dom Casmurro, o olhar de algum quese convenceu de ter sido trado, seguido peladeciso fortemente inuenciada pela convico,

    reorientou os caminhos do seu futuro.

    Eis o grande problema apresentado

    pelo romance. E se chegssemos a concluirque no temos o suciente para tomar qualquer

    deciso na vida, nada com que estruturar umacerteza plena? E se temos apenas uma srie defantasias levadas a srio demais? Como lidarcom isso?

    Vamos mais adiante: que adianta, a-nal, conhecer tudo de uma certa situao, se assituaes se reconguram e se trazem coisas

    boas, igualmente trazem problemas? Vemos omundo a partir de ns mesmos e a partir domundo visto que decidimos se vamos em frenteou no e assim, de incerteza em incerteza, decrena em crena, andamos, invariavelmenteandamos.

    .............................................................

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    25/44EXPRESSES! Set de 2013 | 25

    Telas V de Arte

    Autor: Boca - Telefone para contato: (069) 3225 9504

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    26/44EXPRESSES! Set de 2013 | 26

    P O E S I A

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    27/44EXPRESSES! Set de 2013 | 27

    O QUE PODE

    A ARTE

    NUM MUNDO

    FASCISTA

    CARLOS MOREIRA

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    28/44EXPRESSES! Set de 2013 | 28

    vivemos numa ferida aberta.somos os pequenos vermes de deus.vivemos em guetos que deveriam ser comunidades,campos de extermnio do corpo e da conscincia

    que deveriam ser hospitais e escolas.vivemos em bunkersque deveriam ser casas, encaixotados antes de morrerou admirando gramados amplos com nossas vises estreitas.

    a guernica de picasso foi ampliada,escapou da tela, ganhou o mundo.moramos dentro de guernica,e o bombardeio no para.touros gritam, cavalos enlouquecem, vulces acordam,

    corpos so despedaados, prdios queimam,pssaros morrem,o tempo todo mulheres choram sobre lhos mortos.

    o tom geral cinza,a noite impera,violenta.

    h sempre um sujeitoque entra pela porta com uma lmpada na mo

    e ilumina a cena.o que ele segura rme em sua mo a arte.

    eis o papel da luz: iluminar.deixar ver, no ocultar o monstro.e o monstro somos ns e nossos ns.

    falamos de nazismos e de fascismoscomo ces doutro tempo

    s pra escondero bvio de que estamos dentro dele.

    ns zemos e fazemos todo dia esses fascismos.

    levantamos muros contra os outros,ngimos no ver os muros que levantam contra ns.

    ngimos no ouvir o carregamento de pedras chegando.

    ngimos no ouvir os pedreiros trabalhando, gritando,

    e todos os rudos que vm de fora.ngimos, ngimos: no somos poetas.

    usamos no brao direito uma estrela,no esquerdo uma sustica.e no sabemos.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    29/44EXPRESSES! Set de 2013 | 29

    ferimos mulheres crianas negros ndiosces surdos cegos velhos gayslsbicas fanhos albinose de vez em quando algum com um sotaque esquisito.

    ferimos qualquer signo que nos estranhe,qualquer signo speroque no seja msica aos nossos ouvidos.

    ferimos o passado e o presente,ameaamos o futuro a cada novo dia.

    ferimos a possibilidade da liberdade alheiacom nosso direito falso,

    nossa falsa losoa e a pirotecnia falsado que deveria ser literatura, cinema, poesia, msica.

    covardemente maquiamos o monstro,escondemos o horror, ngimos no haver guernica.

    nosso medo grantico no deixa a luz passar.mas l est o sujeito com a luz na mo,ele entra pela porta sem pedir licena,sem pedir licena ilumina o inferno.

    eis a funo da luz: revelar. re-velar.iluminar de novo e de novo, fazer re-ver.para isso, para nada.porque mais vale o intil do fazerdo que o intil do no-fazer.

    arte como instinto puro.casamento pleno do sublime com o grotesco.sem cartilhas ou regras.

    sem travas, sem papas, sem lnguas.

    a arte no possui funo social.a funo da arte essencial. ser o que s ela pode ser,a ltima trincheira.comunicao entre essncias,comunicao duma nova experincia.

    a arte sobrevive mudana de polticas,mudanas lingusticas, ideolgicas.quando todas as opinies passaramela permanece.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    30/44EXPRESSES! Set de 2013 | 30

    quando os sonhos absurdos e ridculos do artista j morreramo que o atravessou permanece vivo.

    os poemas nas cavernas.

    a capela profana de michelangelo.os fractais de picasso.os noturnos iluminados de chopin.a auta carbnica de maiakvski.

    o ronco baixo de gregor samsa.a jangada viva dos mortos de alberto lins caldas.a terra desolada.yorick na mo de hamlet.

    tudo extremamente humano e revelador e necessrio.

    conscincia trazida tona,revelao duma experincia nica.

    re-ver. re-ter. re-ler.

    a funo da arte no social, essencial.no comunicar ideologias do momento.no repetir o senso comum da pobre mdia rica.no reduplicar memes mentiras memrias.no assoviar enquanto dilaceram corpos na esquina.

    no apagar a chama antes de entrar na sala.no ajoelhar e ruminar a cantilena junto com a manada.no acreditar no sentido do cardume.no concordar com o cardume.no acreditar que exista o cardume.no podemos nos dar o luxo de pararmos de criar.no podemos nos dar o luxo de no iluminar o inferno.

    o sincronismo no nos d esse bnus.o monocromatismo do cardume fascista.

    o monocromatismo do cardume o que desejam os assassinos de rimbaud e de van gogh.o monocromatismo do cardume menos desejvel que a morte.deixar ver a funo da arte.

    ensaiar um ensaio sobre a cegueira.estudar a anatomia da mquina tribal.olhar para trs enquanto se caminhae ver a paisagem se desfazendo sem o nosso olhar.

    somos mquinas de signicao.

    mas o que signicamos

    deve ter o selo da indignao.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    31/44EXPRESSES! Set de 2013 | 31

    no perder o tom da indignao, o dom da indignao.no se perder na pirotecnia e nos conchavos do cardume.no se perdernas polticas misticismos modismos

    e outras quinquilharias invasoras.

    a funo da arte essencial.ressignicar.

    dar ao outro a possibilidade de ver.permitir ver.inventar linguagens.fazer poesia depois de auschwitz.a poesia s possvel depois de auschwitz.fazer poesia porque auschwitz.

    no repetir, no submeter ou submeter-se,no ruminar a ladainha, no dizer amm.inventar linguagens,plantar sementes de linguagem,inventar lnguas.iluminar o inferno,o grotesco, o injusto, o totalitrio,o monocromatismo do cardume.

    tocar enquanto o prdio desaba.tocar enquanto afunda o barco.todo barco afunda.todo prdio desaba.tocar enquanto h dedos.iluminar enquanto h olhos.

    no perder a capacidade de se indignare ver as dilaceraes do mundo.para isso, para nada.

    porque sim.porque beloe grotesco.

    porque guernica cresceu e devorou o mundo.porque talvez o mundo sempre tenha sido guernica.porque talvez o mundo ainda no tenha sido, nascido, aorado.

    o artista com o fogo roubado dos deuses.o artista com a loucura necessria.o artista com a chamaj lhe tocando os dedos os olhos a lngua.o artista como aquele que revela a cena.

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    32/44EXPRESSES! Set de 2013 | 32

    no o maquiador do monstro.no o camareiro dos idiotas de planto.no o subalterno lambedor de botas.no o funcionrio da burrice prepotente.

    no o aador de facas do torturador.no o estilista do capeta.no o tocador de realejo da praa de guerra.no a manicure do carrasco.no o advogado da perfdia.no o coador de costas ocial do lho da puta do momento.

    o artista sem momento.o artista sem patro e sem limites.o artista simplesmente

    como o sujeito que entra de repente e ilumina a cena e revela a mquinamonstruosa triturando tudo.porque sim. por que no?

    construmos guetose muros de medo em volta de guetos.construmos campos de extermnio do corpo e da conscinciacomo se no houvesse dor suciente.

    habitamos bunkers e aamos facas

    sonhando com a carne alheia,

    admirando gramados amplos com nossas vises estreitas.vivemos numa ferida aberta.somos os pequenos vermes de deus.somos deus esse pequeno verme.mas l vem de novo o sujeito com a luz na mo.ele entra sem pedir licenae ilumina a cena.

    Carlos Moreira

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    33/44EXPRESSES! Set de 2013 | 33

    O Sonho dosDesesperadosJos Danilo Rangel

  • 7/29/2019 EXPRESSES!_26

    34/44EXPRESSES! Set de 2013 | 34

    No Tancredo Neves de h algum tempo,numa casa qualquer, pequena e com o aluguel atrasado,a conta de luz j no terceiro papel,com o aviso de corte, seco, direto, impessoal,

    na geladeira carcomida pela errugem e pelos anos,apenas gua de torneira em garraas pet,alguns ovos e um pedao ossudo de rango,nas prateleiras de improviso, arinhae a elicidade da amlia:cinco quilos de arroz e um pacote de eijo, pelo meio,pra passar a semana,mais uma semana de arroz e eijo.

    Os quatro, de repente, despertosda letargia a que subnutrio expe

    todos os subnutridos,todos os que sobrevivem com quase nada,corriam para a rente da TV,era domingo, no sei que horas da noite.

    De repente, aqueles nimos combalidosdespertavam e os quatro eram outros,at sorriam, at brincavam,era a hora de sonhar:hora do ltimo sorteio da tele sena.

    A me corria ao guarda-roupa velho,e de dentro dele, retirava uma bolsa velha,e de dentro da bolsa velha,retirava a causa do alvoroo,o papel mgico e coloridoque, se Deus ajudasse, podia salv-los:uma tele sena.

    Me, vai comear - dizia o menor dos flhos,momentaneamente, animado,

    de novo a criana que erae no aquele bichinho sorido e quieto,a quem a vida maltratava,a menina do meio, com os cabeloscheios de coisas penduradas,tirava a ateno da bonecae das suas louas, tampas e rascos sortidos,e o maior deles, alto e magro e triste e cnico,sorria sem jeito a quase chorar,mas era a hora de sonhar,ento, ele tambm sonhava.

    Cad o caderno pra anotar os nmeros,cad a caneta? a me perguntava,

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    e os trs flhos, corriam para revirar a casa.

    Os quatro, ento, sentavam-se diante da TV,e o silncio era interrompido por uma briga qualquer

    que era interrompida pelos gritos da me,de novo, todos quietos, esperando o Silvo Santosanunciar os nmeros.

    Dezoitos pontos marcados,menor nmero no podia mais ser,Tinha que chegar aos vinte e cinco, o maior nmero,Trezentos mil reais para quem chegasse.

    Trezentos mil.

    Comprava uma casa,podia ser qualquer casa, em qualquer lugar,

    viesse com a escritura estava bom,comprava comida, dava pra ir no Cear,

    ver os parentes, me, v, irmos e o resto.

    Dava pra comprar comida,dava pra comprar brinquedos,dava pra comprar o que quisessem comprar,dava pra ajudar os pobres,

    sim, claro, por que no?Ajudar os pobres!

    E os quatro, deslumbrados, entorpecidos,com a possibilidade de num nico lance ter outra vida,iam contando seus planos, seus desejos,revelando os anseios que no cabiam em si.

    At mesmo o flho mais velho,naquela sua magreza agourenta,

    que ia se preparando para uma vidasem mudana e sem esperana de mudar,deixava de dizer sobre ser impossvel,compartilhava do sonho.

    Por um instante,naquela escurido dos seus olhos,uma rstia de luz perpassava,um pouquinho dessa chama boa e terrvel,a esperana,crepitava no undo de seu corao,aquecendo-o, um tanto.

    E enquanto o apresentador,

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    sem saber que muitos destinos tinha em mos,ou sabendo,ia retirando os nmeros,daquela gigante bola gradeada,

    desprendido e contente, como quem brinca,do outro lado da TV,as esperanas cresciam e decresciam,de acordo com haver ou no o nmero a marcar.

    Dezenove pontos, vinte pontos, vamos ganhar!Vamos ganhar!E novos planos se desdobravam com a certeza do prmio.Trezentos mil reais e a uga para outra vida!Era muita coisa, era outra coisa, outra vida!Vamos ganhar, deliravam os quatro,

    Vamos ganhar! E adeus misria!

    Mas o sorteio acabava e os trezentos mil reais,agora h pouco certos, quase em mos, eram, de novo,recolhidos para a categoria do possvel, mas nem tanto,mas ainda no...

    E, de novo, a amlia se dispersava,com os semblantes de novo torcidospelas incertezas e certezas de sempre,

    ia cada um arranjar um seu modocom que suportar mais aquela noite,para mais aquele outro dia na mesma vida,para mais aquele ms sem sonhos.

    Jos Danilo Rangel

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    Se voc s voc

    voc sJos Danilo Rangel

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    Desamparo, meu jovem amigo,no coisa de pobre,

    coisa de gente.Jos Danilo Rangel

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    Se por amor ou dio,no importa, estar ligado

    estar ligado.Jos Danilo Rangel

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    EXTRA

    Com o objetivo principal de incentivar a leitura, a pro-duo e a divulgao da literatura no pas, o CLAE (Crculo Lite-rrio Analtico Experimental), fundado em 2005 por Joo GilbertoGuimares Sobrinho e John Williams B. est na ativa e lana a

    revista ltero-cultural "As Flores do Mal", onde rene textos e po-emas de pessoas dos mais diversos pontos do Brasil.

    As Flores do Mal se destaca pela variedade de fontese formas, proporcionando aos seus leitores o deleite de poesias,contos, crnicas, charges e fotograas. Um passeio prazeroso

    pelas pginas e o leitor acaba se identicando com algum tex-to ou imagem, despertando a poesia em cada um e a vontade,quem sabe, de participar e conhecer o CLAE.

    O grupo foi fundado em 2005, com a divulgao depanetos que possuam como contedo experimentaes dosmembros do grupo. Posteriormente, eles iniciaram a publicaoda revista As Flores do Mal, que rene textos de diversos escrito-res. O primeiro exemplar foi produzido como trabalho no curso deLetras por John Williams B., reunindo textos de pessoas conhe-cidas da regio e contatos da internet, em 2003. De acordo comJoo Gilberto, em 2010, eles tiveram a ideia de retomar a confec-o da revista, que hoje est na 11 edio, sempre com grandesnomes da literatura, msica ou cultural estampando a capa.

    Para participar do CLAE basta ter uma conta no face-book e entrar no grupo, clicando abaixo:

    C.L.A.E. - Crculo Literrio Analtico Experimental

    C.L.A.E.Crculo Literrio Analtico ExperimentalJohn Willians B.

    https://www.facebook.com/groups/226440297432206/https://www.facebook.com/groups/226440297432206/
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    PERTAPLAY

    AMOR DE ZONA LESTE | Pardia - Naldo Amor de ChocolateCanal: doctorsilvanostudio

    Garra Rufa (Doctor Fish)

    Canal: Timothy ChanO Sonho de um Homem Ridculo

    Canal: Adriano Bolshi

    http://www.youtube.com/watch?v=TFQbYTQoqrQhttp://www.youtube.com/watch?v=vdNghrAeks0http://www.youtube.com/watch?v=cb7vGIC0YA4
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    DO LEITOR

    [email protected]

    A EXPRESSES! tem se moldado ao longo do tempo, e por diversasorientaes, uma delas a opinio dos leitores que sempre do interes-santes feedbacks a respeito de toda ela, mas, pelo acebook. Se voc temuma crtica, uma sugesto, mande para ns, temos bons ouvidos,

    Obrigado.

    Jos Danilo Rangel

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    ENVIO DEMATERIAL

    Para submeter o seu texto, oto ou desenho para a revista EXPRESSES!, muito cil: escreva um e-mail explicitando a vontade de ter o seu tra-balho publicado na revista, anexe o material, na extenso em que ele es-tiver, .doc, .jpeg, e outros, e seus dados (nome, idade, ocupao, cidade)com a extenso .doc, para o endereo:

    [email protected]

    Para contos, a ormatao a seguinte, onte arial, 12, espao simples,mnimo de 2 e mximo de 10 pginas.

    Para crnicas, arial, 12, espao simples, mnimo de 2 e mximo de 5pginas,

    Para poesia, arial, 12, espao simples, mximo de 10 pginas.

    Ainda temos as sees Decodifcando, que abarca leituras de diversostemas, e a 10 Dicas, tambm com proposta de abraar uma temtica di-

    erenciada, onde voc pode sugerir flmes, revistas, msica, conselhose no sei mais o qu, alm dessas, a seo EXTRA, visa abranger o queainda no couber nas outras sees.

    Para otos ou desenhos, a preerncia por imagens com resoluesgrandes, por conta da edio, e orientao retrato, por conta da estticada revista.

    A revista EXPRESSES! sai todo dia 10, de cada ms, ento, at o dia 20de cada ms aceitamos material.

    Porto Velho - Setembro de 2013Jos Danilo Rangel

    mailto:[email protected]:[email protected]
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