expressÕes territoriais do monocultivo de pinus … · no episódio que ficou conhecido por guerra...

11
EXPRESSÕES TERRITORIAIS DO MONOCULTIVO DE PINUS EM CALMON/SC Diane Daniela Gemelli UNESP/FCT UNESPAR campus União da Vitória [email protected] Calmon, é um município catarinense, com pouco mais de três mil habitantes e inserido no Território do Contestado. A formação espacial do município está atrelada aos acontecimentos da Guerra do Contestado (1912-1916). O município, teve uma madeireira da Lumber (empresa que recebeu a concessão para a exploração das terras marginais, enquanto pagamento para a construção da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, pela Brazil Railway Company) instalada na primeira década do século XX e que saqueou a madeira nativa, expulsou/matou caboclos (camponeses) e vendeu as terras de posse, destes, à imigrantes europeus. A partir das décadas de 1960-1970, com o exaurimento da floresta nativa, o monocultivo de pinus é introduzido, enquanto base econômica, em muitos municípios do Contestado, inclusive, em Calmon. Assim, a madeira mercadificada, continua sendo o elemento de expansão do capitalismo no município e como consequência, com importantes rebatimentos territoriais, no que concerne a relação homem-natureza em seu devir geográfico. De tal modo, esse trabalho objetiva perscrutar as expressões territoriais do Pinus em Calmon, a partir da natureza (terra e floresta mercadificadas) e do homem/mulher (trabalhador/trabalhadora) arrancados/expulsos da terra (floresta), enquanto condição de existência e reprodução social. Para isso, nos utilizaremos de dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para mostrar a configuração do espaço geográfico do município, fazendo um paralelo entre área agropecuária do município e área ocupada pelo monocultivo de pinus.

Upload: nguyenkhanh

Post on 19-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

EXPRESSÕES TERRITORIAIS DO MONOCULTIVO DE PINUS EM

CALMON/SC

Diane Daniela Gemelli

UNESP/FCT

UNESPAR – campus União da Vitória

[email protected]

Calmon, é um município catarinense, com pouco mais de três mil habitantes e

inserido no Território do Contestado. A formação espacial do município está atrelada aos

acontecimentos da Guerra do Contestado (1912-1916). O município, teve uma madeireira

da Lumber (empresa que recebeu a concessão para a exploração das terras marginais,

enquanto pagamento para a construção da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, pela

Brazil Railway Company) instalada na primeira década do século XX e que saqueou a

madeira nativa, expulsou/matou caboclos (camponeses) e vendeu as terras de posse,

destes, à imigrantes europeus.

A partir das décadas de 1960-1970, com o exaurimento da floresta nativa, o

monocultivo de pinus é introduzido, enquanto base econômica, em muitos municípios do

Contestado, inclusive, em Calmon. Assim, a madeira mercadificada, continua sendo o

elemento de expansão do capitalismo no município e como consequência, com

importantes rebatimentos territoriais, no que concerne a relação homem-natureza em seu

devir geográfico.

De tal modo, esse trabalho objetiva perscrutar as expressões territoriais do Pinus

em Calmon, a partir da natureza (terra e floresta mercadificadas) e do homem/mulher

(trabalhador/trabalhadora) arrancados/expulsos da terra (floresta), enquanto condição de

existência e reprodução social.

Para isso, nos utilizaremos de dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística, para mostrar a configuração do espaço geográfico do município, fazendo

um paralelo entre área agropecuária do município e área ocupada pelo monocultivo de

pinus.

Nesse sentido, ainda faremos a relação entre o monocultivo de pinus e estrutura

fundiária, isso porque, tal atividade econômica se mostra inviável em pequenas

propriedades, dada a dinâmica de seu ciclo produtivo (a terra fica inviabilizada para

qualquer outra forma de produção por vinte anos, isso significa, que a floresta artificial

do pinus impossibilita a permanência do homem no campo, por não gerar renda durante

seu ciclo de produção e por não permitir, que a terra ocupada com pinus, seja utilizada,

simultaneamente, por qualquer tipo de produção).

Ainda utilizaremos de imagens de trabalhos de campo no município, para elucidar

as expressões territoriais do monocultivo de pinus, enquanto resultantes dos

tensionamentos em torno de diferentes projetos de desenvolvimento, ou seja, um, em

torno da construção hegemônica do território a partir da natureza mercadificada e da

negação de outras formas de existência e outro, expresso nas resistências (marca secular

do território Contestado), sobretudo, na negação ao pinus a partir dos assentamentos de

reforma agrária.

O CONTESTADO: ALGUNS ELEMENTOS

A instalação da Lumber em Três Barras e Calmon1 deve-se, a concessão de 1903,

feita pelo Ministério de Viação e Obras Públicas, à companhia Estrada de ferro São Paulo-

Rio Grande, através da qual, permitia-se a exploração madeireira, numa área de até 15

quilômetros para cada lado da linha tronco (Itararé-Rio Uruguai). Conforme Thomé

(1980) as consequências desta autorização, por certo não foram previstas, pois permitia-

se à companhia, devastar algumas dezenas de milhares de quilômetros quadrados de

terras, ao longo da ferrovia, reservadas para colonização futura.

Para estabelecer o gigantismo madeireiro, a Lumber, precisará de terras vazias, e

essas terras, não eram um “sertão inabitado” como se propalava. Construída a ferrovia,

era preciso retirar das terras concedidas ao Grupo Farqhuar, homens e mulheres que nelas

viviam a décadas. Para isso, a Lumber constitui o que foi denominado de “corpo de

segurança”, que terá um papel decisivo, na expulsão/desterreamento dos caboclos que

1 Além das serrarias da Lumber em Três Barras e Calmon, haviam instalações do Grupo Farquhar em

Jaguariaíva e Sengés, no estado do Paraná, igualmente articuladas à construção da ferrovia. Sobre isso ver

Thomé (1980) e Valentini (2010).

habitavam às terras concedidas, enquanto, parte do pagamento pela construção da

ferrovia, bem como, no processo de limpeza étnica, que consistiu, na aniquilação do modo

de vida caboclo pela incorporação do imigrante europeu.

Para desalojar o posseiro e o pequeno proprietário, a Lumber organizou

uma força paramilitar, mais ágil que a Justiça Brasileira, conhecido

como “corpo de segurança da Lumber”. Causou verdadeira guerra de

expulsão, perseguição, tortura e mortes no sertão contestado.

Fortemente armado, o grupo vasculhava os pinheirais da empresa para

varrer, expulsar e matar. De ambos os lados pessoas morreram, outros

sobreviveram, mas isso foi apenas o começo daquela que seria a maior

guerra camponesa do Brasil (FRAGA, 2006, p. 183 - 184).

Nilson Cesar Fraga, geógrafo, que tem se constituído enquanto um dos maiores

estudiosos do Contestado na atualidade, indica que;

De 1912 a 1916, ocorreram em Santa Catarina, numa área em litígio

com o vizinho Paraná, os fatos mais sangrentos das suas histórias,

quando a população do Planalto pegou em armas e deu o grito de guerra,

no episódio que ficou conhecido por Guerra do Contestado. Foram

várias as causas do conflito armado, pois na mesma época e no mesmo

lugar, ocorreu um movimento messiânico de grandes proporções, uma

disputa pela posse de terras, uma competição econômica pela

exploração de riquezas naturais, e uma questão de limites interestaduais

(FRAGA, 2006, p.80-81).

Eduardo Galeano, ao referir-se ao que entendemos enquanto o elemento mais

forte, grave e violento do território Contestado, qual seja, a expulsão dos caboclos das

terras de posse, nos diz;

As terras eram um estupendo negócio adicional: o fabuloso presente

concedido em 1911 à Brazil Railway significou o incêndio de um sem-

número de cabanas e a expulsão ou a morte das famílias camponesas

assentadas na área da concessão. Esse foi o gatilho que deflagrou a

rebelião do Contestado, uma das mais intensas páginas da fúria popular

de toda a história do Brasil (GALEANO, 2014, p. 282).

Terra e floresta, negadas aos caboclos e apropriadas, sobretudo, pela Lumber,

inserem o Contestado na divisão internacional do trabalho, por meio da expansão

geográfica do capital, espoliação e exportação da natureza mercadificada, permitida, pela

construção da ferrovia, que possibilitava o saqueamento da madeira e, por consequência,

da vida, da reprodução social, cultural e biológica dos homens e mulheres deste chão.

No tenso e complexo cenário de relações em que se transformou a

região do Contestado no início do século XX, um elemento que

contribuiu fortemente para a instabilidade social da região e,

consequentemente, para a deflagração da Guerra Sertaneja do

Contestado foi a instauração do capital estrangeiro, representado pelos

projetos de construção ferroviária e exploração madeireira, que, em

suma, poderia ser resumido numa relação entre o moderno vs. o arcaico

(FRAGA, 2006, p. 184).

Contudo, entendendo que o espaço geográfico se constitui pela tensão entre o

fazer hegemônico (modelo civilizatório do capital), e pelas contra-hegemonias, enquanto

um conjunto de lutas e resistências que apresentam um outro sentido ao espaço, a partir

de contra-racionalidades, em oposição a lógica que busca homogeneizar a tudo e a todos,

a investida do capital no Contestado, não ocorreu sem tensionamentos, sem contra-

hegemonias e contra-racionalidades que buscavam a garantia da vida, da terra, do

alimento, da cultura, da religião etc, não a partir do destrutivismo do capital, mas, por

meio de um contra-espaço, marcado no desejo à terra e ao trabalho para a liberdade.

Vários autores, consideram a expulsão dos posseiros (caboclos), pela Brazil

Railway Company, como o conflito que levou a deflagração da Guerra do Contestado.

A região do atual planalto norte catarinense, passou por transformações

profundas e aceleradas após a chegada da ferrovia e da Lumber, com a

valorização das terras, intensificação da colonização, difusão de toda

uma série de hábitos e costumes estranhos ao sertanejo que ali vivia,

extermínio da população indígena e a devastação da floresta com

araucária. A rebelião cabocla do Contestado (1912-1916) foi uma

expressão da tensão social e das súbitas transformações por que passou

aquela sociedade e aquela paisagem (CARVALHO, 2010, 202-203).

Fraga (2006, p. 73), sinaliza que a posse da terra perdida e o pinheiro roubado

desesperavam milhares de caboclos que não tinham para onde se dirigir, pessoas sem um

lugar para morar e algo para se sustentar. Foram as primeiras faíscas de um incêndio que

duraria quatro anos.

Vinhas de Queiroz (1977) é enfático ao dizer; não resta dúvida, de que no

movimento do Contestado a reivindicação ao direito das terras se tornou consciente, de

maneira clara. Isto se exprimia, quando do ataque caboclo às vilas, a destruição dos

cartórios, onde havia os livros com registros de imóveis.

Sobre a complexidade do Contestado e os desdobramentos no que concerne a

instalação do capital internacional, Thomé (1980) enfatiza.

Foram várias as causas do conflito que chegou a abalar as estruturas

republicanas, pois na mesma época e no mesmo lugar o território

contestado foi envolvido por um movimento messiânico de grandes

proporções, por uma violenta disputa pela propriedade das terras, por

uma questão de limites interestaduais, por uma luta pelos direitos

humanos, por uma acirrada competição pela exploração das riquezas

naturais, e por uma aterrorizante fase de banditismo. A implantação das

empresas do sistema Farquhar, portanto, não foi a única causa do

levante, mas sua presença na região, aliada a outros acontecimentos,

muito contribui para a deflagração (THOMÉ: 1980, p. 121).

O Contestado, ao existir e se fazer em sua complexidade, é geográfico em

essência. O Contestado, há um século nos mostra os significados e desdobramentos do

capital, enquanto ato hegemônico na organização do espaço e revela a bravura de sua

gente. Homens e mulheres, meninos e meninas, crianças e idosos que corajosamente

lutaram e lutam por um outro mundo possível.

Passado um século do término oficial da Guerra do Contestado, os mais de

cinquenta municípios, que hoje compõe o que foi o palco da guerra e território disputado

entre Paraná e Santa Catarina, pela Lumber e por caboclos, convivem, com o que em

nossa leitura, é resultado do processo histórico de expansão do capital, que apresenta sua

grandiosidade pela chegada dos trilhos do trem, mas, que ao longo desses cem anos, se

sustentou no potencial mercadológico, destrutivo e excludente da madeira, primeiro, na

madeira nativa e, sobretudo a partir da década de 1970, na monocultura de pinus.

Avaliamos, que a madeira mercadificada, vem acompanhada de seu par

indissociável, sem o qual não consegue garantir a acumulação capitalista, qual seja, a

apropriação privada da terra e da floresta (aqui nos referimos exclusivamente a Floresta

Ombrófila Mista, uma vez que entendemos que o Pinus é monocultura).

De tal modo, a mercadificação da madeira pressupõe a transformação da terra,

igualmente, em mercadoria. Isso, historicamente, provocou no Contestado, a separação

entre trabalhador x meios de produção (terra e floresta), em que o próprio deflagrar da

Guerra é emblemático. Contudo, mesmo, após o massacre caboclo e a reconfiguração

territorial, via imigração europeia, não houve a redistribuição de terras, isso faz com que,

a concentração fundiária permaneça enquanto um grave problema no Contestado.

Nossa e Júnior (2012) ao relatarem o avanço do pinus no Contestado, afirmam

que as plantações ocuparam o espaço das matas dos pinhais, das centenárias araucárias

usadas como ponto de referência dos rebeldes e seus caboclos. As margens das estradas

que ligam os municípios (em vários casos, rodovias não asfaltadas), as plantações de

pinus são homogêneas, com árvores plantadas em áreas divididas em blocos, crescendo

na mesma altura nos terrenos baixos, nos morros, e nos pés de serras elevadas.

O Contestado virou um labirinto verde, desafiando os caboclos e suas

tentativas de guardar as memórias de família e de comunidade. As

porteiras de aço das companhias produtoras de pinus predominam,

bloqueando caminhos seculares ainda dos tempos dos viajantes e

tropeiros que percorriam trilhas do Planalto Catarinense, com seus

muares, fazendo o percurso das estâncias do Rio Grande do Sul à

tradicional feira de bois de Sorocaba (NOSSA e JÚNIOR, 2012).

Diante desse cenário, nos preocupamos com o significado real do pinus no

Contestado. Assim, por dentro da dinâmica territorial do capital e do trabalho, nos é

importante desvelar as marcas da monocultura do pinus, no que concerne à constituição

do campo caracterizado pela concentração fundiária, tomado por médias e grandes

empresas que se denominam “reflorestadoras”, que geram poucos empregos, tendo como

marca a degradação do trabalho.

Nesse sentido, objetivamos perscrutar a homogeneização provocada pelo

monocultivo de pinus. Entendemos que o Contestado, ao passo que se transforma num

deserto verde, apresenta as feições de um território dominado pela monocultura, pela

negação da diversidade. As formas da natureza e da produção no campo, se articulam

com a pobreza, marca do território Contestado, através de diversos indicadores sociais e

econômicos, aspectos que se desdobram na materialidade do espaço geográfico, que salta

aos olhos ao chegar em alguns municípios do Contestado, como, por exemplo, calmon.

CALMON/SC: AS EXPRESSÕES DO CONTESTADO

As instalações da Lumber em Calmon, estiveram diretamente envolvidas nos

acontecimentos da Guerra do Contestado. Em 5 de setembro de 1914, a serraria foi

atacada e destruída pelos caboclos. Vinhas de Queiróz (1966, p. 190-191) diz que só

foram poupadas as mulheres e as crianças. Incendiaram a serraria da Lumber, os depósitos

de madeira e demais casas da companhia norte-americana, bem como a estação

ferroviária.

Junto ao ataque à Lumber, várias fazendas pertencentes, sobretudo, a coronéis com

ligação ao grupo de Percival Farquhar, foram assaltadas. A serraria só foi reconstruída

um ano depois, quando se voltou a explorar e exportar a madeira dos imensos pinhais.

A seguir apresentamos imagem localizada na cidade de Calmon-SC e ao lado da

ferrovia, onde foram construídos dois pilares com inscrições referentes ao Contestado,

nos chama atenção, o bilhete encontrado quando do ataque e incêndio das instalações da

Lumber pelos caboclos, enquanto resistência aos significados impostos pela chegada do

capital madeireiro internacional em terras contestadas.

Imagem I – Bilhete encontrado quando do ataque à Lumber em Calmon-SC e

atualmente escrito em pilares na chegada à cidade

Fonte: trabalho de campo, 2015.

É representativo o teor desse bilhete, por conter o entendimento dos caboclos no

que diz respeito, ao que acontecia em terras contestadas através da implantação da

“modernidade”, via expansão geográfica do capital, em detrimento à existência do modo

de vida caboclo.

Um século se passou e as terras continuam sendo um negócio em Calmon,

conforme indica a tabela da sequência.

Tabela I – Estrutura Fundiária de Calmon/SC

Classes Número de

estabelecimentos

agropecuários

(Unidades)

Número de

estabelecimentos

agropecuários

(Percentual)

Área dos

estabelecimentos

agropecuários

(Hectares)

Área dos

estabelecimentos

agropecuários

(Percentual)

< 10 18 5,84 125 0,69

10 a 20 154 50 2.870 15,8

20 a 50 32 10,39 984 5,41

50 a 100 23 7,47 1.739 9,57

100 a 200 13 4,22 1.816 10

200 a 500 19 6,17 6.928 38,14

>500 4 1,3 3.703 20,39

Fonte: Censo Agropecuário, IBGE, 2006.

A distribuição dos estabelecimentos, por extrato de área e a proporção da área

ocupada, mostra, que a terra concentrada continua sendo um problema em Calmon.

Apenas quatro estabelecimentos, abocanham 20% da área agropecuária do município,

enquanto, os 204 estabelecimentos, com até 50 hectares, ocupam 22% do território.

Destes estabelecimentos, é importante mencionar, que pelo menos parte, deve representar

área de dos assentamentos de reforma agrária Jangada e Putinga, instalados no município.

Também chama atenção, a proporção de terras do município tomadas pelo

monocultivo de pinus. De acordo com o IBGE, em 2014, Calmon produziu 695.00m³ de

madeira de pinus, tendo 23,81% da área do município, ocupada com tal monocultura.

Elemento que representa a busca da uniformização do espaço, das relações sociais e

condições de existência, como ilustra as imagens abaixo, a inexistência de diversidade da

paisagem, se reflete também no nivelamento por baixo das condições de vida de homens

e mulheres do campo e da cidade.

Figura II – Expressões da monocultura de Pinus em Calmon/SC

Fonte: trabalho de campo, 2015

A uniformização do espaço pelo pinus, reflete as condições de trabalho e de vida

dos trabalhadores do município. Conforme o IBGE (2010), 52,52% dos trabalhadores

formais em Calmon, estavam vinculados ao setor agropecuário. É importante ressaltar,

que a pesquisa de campo, tem nos indicado que o trabalho, nas diversas atividades que

envolvem o pinus, assenta-se, consideravelmente em relações informais, condição que

agrava a precarização e degradação do trabalho. Portanto, entendemos que a base

econômica do município, ao passo que se sustenta na monocultura de pinus, no trabalho

precarizado e na concentração fundiária, se desdobra nos graves indicadores sociais do

município.

Calmon, tem o penúltimo IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (0,622) do estado de Santa Catarina. Possui, na componente renda, um dos

piores indicadores estaduais (0,618), 48% da população vive com menos de um quarto de

salário mínimo. A taxa de mortalidade infantil é de 18,6% e a taxa de analfabetismo é

superior a 10%.

Esses indicadores, não são exclusividade de Calmon, se espalham em grande parte

dos municípios do Contestado e marcam o território com pobreza, condições de trabalho

degradantes, terra concentrada, falta de escolas, universidades, hospitais etc.

Em síntese, a região do Contestado se caracteriza como um enorme

bolsão de miséria em Santa Catarina, o que não é diferente na parte que

coube ao Paraná depois da “partilha” do território o acordo de 1916,

que “colocou fim” a uma genocida de pobres não brancos – a Guerra

do Contestado. A guerra foi maldita, ceifou milhares de vidas

camponesas por interesses do capital e dos coronéis da época, geando,

100 anos depois do seu início, um território maldito, marcado pela

maldição das políticas públicas ineficientes, corruptas e de interesses de

pequenos grupos que domina a região em todas as escalas (FRAGA,

2013, p. 387).

Como aponta Gonçalves (2012) analisar o território, as territorialidades e os

processos de territorialização implica no entendimento do território enquanto categoria

analítica que nos remete à inscrição da sociedade e da natureza, e assim, nos obriga a

considerar as relações sociais e de poder que estão imbricadas na relação das sociedades

com a natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender o território Contestado, requer, que sob o metabolismo societário

do capital, entendamos o refazer do capital enquanto ato hegemônico, que configura o

tecido social e se expressa nas disputas territoriais.

O modo de vida dos caboclos posseiros é interrompido com a chegada da ferrovia

e da exploração madeireira, e se estabelece nova conformação do território, com a

territorialização do monocultivo de pinus

Contudo, apontamos que o município de Calmon, tendo como base a madeira

mercadificada é a expressão do desenvolvimento desigual e combinado, a partir dos

interesses da indústria madeireira, dos coronéis e latifundiários locais (outro elemento

secular dessas terras) e da rebeldia, (re)existência, coragem e solidariedade de homens e

mulheres que acreditam na construção de outra sociedade possível, em que a terra,

possibilite a realização/continuidade do modo de vida, da cultura e da existência enquanto

sujeitos sociais e políticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de. Uma grande empresa em meio à floresta:

a história da devastação da floresta com Araucária e a Southern Brazil Lumber and

Colonization (1870-1970). (Tese de Doutorado). Florianópolis/SC, UFSC, 2010.

FRAGA, Nilson César. Mudanças e Permanências na Rede Viária do Contestado:

uma análise acerca da formação territorial do Sul do Brasil. (Tese de Doutorado).

Curitiba/ PR, UFPR, 2006.

FRAGA, Nilson César. Um território de invisibilidade e miséria: cem anos da maior

guerra camponesa da América do Sul. In. WEHLING, Arno (org). 100 anos do

Contestado: memória, história e patrimônio. Florianópolis, MPSC, 2013. P. 369-392

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Tradução de Sergio

Faraco. – Porto Alegre: L&M, 2014

NOSSA, Leoncio, JUNIOR, Celso. Esquecida, região vive em clima de miséria. On.

Meninos do Contestado, 11 de fevereiro de 2012 – Estado de S. Paulo. Disponível em:

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,esquecida-regiao-ainda-vive-em-clima-de-

miseria,834527

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A globalização da natureza e a natureza da

globalização. 4ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

QUEIRÓZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social. 2ªed. São Paulo, Ática,

1977.

THOMÉ, Nilson. Trem de Ferro: a ferrovia no Contestado. 1ªedição. Caçados: 1980.