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80 EXERCÍCIO DE MANIPULAÇÃO E PODER DA MÍDIA: ANÁLISE DE CHARGES 1 Ana Carolina Bernardino 2 (CAPES/ PG-UEL) Talita Canônico e Silva 3 (IFPR/ PG-UEL) Resumo: A língua produz sentidos e representa as práticas do indivíduo situado sócio- historicamente, dessa forma, o campo do humor tem grande valia para os estudos linguísticos, pois reproduz acontecimentos ao revelar sentidos. A charge é uma modalidade que explora o texto verbal e, principalmente, o não verbal, permitindo que os efeitos de sentido sejam compreendidos apenas pela imagem, enquanto o texto escrito funciona como um complemento da significação. Em nosso trabalho, analisaremos quatro charges, selecionadas da internet, para verificar de que forma a manipulação, a partir da mídia, se consolida e é tratada pelo gênero chargístico. Abordaremos a temática do discurso de poder, em específico o exercício da mídia sobre o sujeito e, como fundamento teórico, utilizaremos a Análise do Discurso, de linha francesa, e a Semântica Argumentativa, a fim de analisar como os sentidos do discurso de poder são construídos a partir de atravessamentos ideológicos e de estratégias argumentativas. Palavras-chave: Manipulação; Ideologia;Argumentação. Introdução As charges são materiais riquíssimos para a compreensão do funcionamento da linguagem, pois revelam a ideologia de determinado tempo, em dado espaço, além de estabelecerem comunicação e promoverem a ação do sujeito por meio da linguagem. Pela análise de quatro charges relacionadas ao apelo midiático, buscaremos entender o funcionamento da língua no campo do humor e desvendar os possíveis sentidos do poder da mídia sobre o sujeito. Utilizaremos a Análise do Discurso e a Semântica Argumentativa para analisar o discurso chargístico, pois, por meio desses estudos, é possível compreender os jogos de 1 A produção deste trabalho está vinculada a dois projetos de pesquisas desenvolvidos na Universidade Estadual de Londrina. O primeiro deles, denominado Gêneros Discursivos e Argumentação e, o segundo, PAD II pesquisas em Análise de Discurso: diversidade e desigualdade social a inclusão/exclusão do sujeito na/pela história,coordenados, respectivamente, pelas professoras Esther Gomes de Oliveira e Rosemeri Passos Baltazar Machado. 2 Ana Carolina Bernardino, Mestranda bolsista (CAPES) do Programa de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina UEL Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]. 3 Talita Canônico e Silva, Doutoranda do Programa de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina UEL Londrina, Paraná, Brasil. Docente do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal do Paraná IFPR Campus Londrina, Paraná, Brasil.E-mail: [email protected].

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EXERCÍCIO DE MANIPULAÇÃO E PODER DA MÍDIA: ANÁLISE DE

CHARGES1

Ana Carolina Bernardino2 (CAPES/ PG-UEL)

Talita Canônico e Silva3 (IFPR/ PG-UEL)

Resumo: A língua produz sentidos e representa as práticas do indivíduo situado sócio-

historicamente, dessa forma, o campo do humor tem grande valia para os estudos

linguísticos, pois reproduz acontecimentos ao revelar sentidos. A charge é uma

modalidade que explora o texto verbal e, principalmente, o não verbal, permitindo que

os efeitos de sentido sejam compreendidos apenas pela imagem, enquanto o texto

escrito funciona como um complemento da significação. Em nosso trabalho,

analisaremos quatro charges, selecionadas da internet, para verificar de que forma a

manipulação, a partir da mídia, se consolida e é tratada pelo gênero chargístico.

Abordaremos a temática do discurso de poder, em específico o exercício da mídia sobre

o sujeito e, como fundamento teórico, utilizaremos a Análise do Discurso, de linha

francesa, e a Semântica Argumentativa, a fim de analisar como os sentidos do discurso

de poder são construídos a partir de atravessamentos ideológicos e de estratégias

argumentativas.

Palavras-chave: Manipulação; Ideologia;Argumentação.

Introdução

As charges são materiais riquíssimos para a compreensão do funcionamento da

linguagem, pois revelam a ideologia de determinado tempo, em dado espaço, além de

estabelecerem comunicação e promoverem a ação do sujeito por meio da linguagem.

Pela análise de quatro charges relacionadas ao apelo midiático, buscaremos entender o

funcionamento da língua no campo do humor e desvendar os possíveis sentidos do

poder da mídia sobre o sujeito.

Utilizaremos a Análise do Discurso e a Semântica Argumentativa para analisar o

discurso chargístico, pois, por meio desses estudos, é possível compreender os jogos de

1A produção deste trabalho está vinculada a dois projetos de pesquisas desenvolvidos na Universidade

Estadual de Londrina. O primeiro deles, denominado Gêneros Discursivos e Argumentação e, o segundo,

PAD II – pesquisas em Análise de Discurso: diversidade e desigualdade social – a inclusão/exclusão do

sujeito na/pela história,coordenados, respectivamente, pelas professoras Esther Gomes de Oliveira e

Rosemeri Passos Baltazar Machado. 2Ana Carolina Bernardino, Mestranda bolsista (CAPES) do Programa de Estudos da Linguagem da

Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina, Paraná, Brasil. E-mail:

[email protected]. 3Talita Canônico e Silva, Doutoranda do Programa de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual

de Londrina – UEL – Londrina, Paraná, Brasil. Docente do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no

Instituto Federal do Paraná – IFPR – Campus Londrina, Paraná, Brasil.E-mail:

[email protected].

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linguagem e os recursos argumentativos ao visarem à persuasão; à construção e

veiculação da ideologia; às vozes e aos silenciamentos que ecoam no discurso

produzido em condições de produção específicas, conforme certa formação discursiva.

As formações sociais e culturais estão sofrendo mudanças para se manterem na

sociedade atual. Um dos responsáveis pela manutenção do poder, por meio da

manipulação ideológica, são os meios de comunicação – a mídia, além das instituições

como escola, igreja e estado. A manipulação apresenta sua utilização entre os

indivíduos, em que um controla o outro sem seu consentimento. Nesse sentido, o

manipulador, a partir de sua própria ideologia, visa moldaros comportamentos e crenças

do manipulado,que não se vê como objeto de manipulação, pois acredita seguir aquele

caminho por vontade própria; no entanto, não é bem isso que acontece, já que

Um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em

tomar idéias como independentes da realidade histórica e social, de

modo a fazer com que tais idéias expliquem aquela realidade, quando

na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as idéias

elaboradas (CHAUÍ, 1980, p. 10).

Nesses moldes, a mídia se sustenta porque consegue controlar – por meio da

manipulação – as crenças sociais, com a finalidade de equilibrar nosso sistema

econômico vigente – o capitalismo. O presente trabalho tem o objetivo de mostrar o

poder manipulador que a mídia exerce, a partir de charges selecionadas da internet.

Além disso, discutiremos, ao longo da pesquisa, conceitos como ideologia e

manipulação, com foco para a força que o discurso midiático assume dentro da

realidade dos indivíduos, pois a mídia, atualmente, assumerelevante papel de formadora

de opiniões, logo,ela determina o senso comum.

Realizamos um levantamento bibliográfico para a elaboração do referencial

teórico e das discussões da análise. A partir de então, este trabalho partiu da teoria aos

dados, analisando o corpus escolhido e refletindo a seu respeito.

A organização deste artigo foi realizada da seguinte forma: em primeiro lugar,

consideramos alguns traços do campo do humor; em seguida, discutimos a questão da

manipulação por meio da mídia, bem como a da ideologia, com base na Análise do

Discurso e,também, a relação dos recursos argumentativos com a produção de sentidos,

pelo viés da Semântica Argumentativa. Seguimos, então, para a análise do corpus, as

quatro charges retiradas da internet, refletindo a manipulação e o poder exercido pelos

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meios de comunicação. Por fim, elaboramos algumas considerações a respeito do que

foi apresentado.

O campo do humor: a charge e seus sentidos

Possenti (2014) considera o humor um caminho de estudo da linguagem, já que

não existe apenas uma interpretação para discursos humorísticos, mas, vários sentidos

capazes de envolver a história, a sociedade, a cultura e a ideologia. O campo do humor é

uma esfera e dentro dele há a piada, a tirinha, a charge, a história em quadrinhos, entre

outros, e depende do outro, ou seja, de interação, para que se efetive.

A compreensão do discurso de humor dependerá de vários fatores, como

conhecimento de mundo, enciclopédico e linguístico; de acordo com Possenti (2001, p.

72), uma piada, por exemplo, “contribui para deixar muito claro que uma língua

funciona sempre em relação a um contexto culturalmente relevante e que cada texto

requer uma relação com outros textos”.O humor será concretizado pela percepção do

jogo de linguagem, pelo duplo sentido, pela quebra de expectativa – denominadapor

Amaral (2002) como um aspecto de subversão, ou seja, o rompimento com as normas é

realizado por meio de recursos linguísticos e metafóricos.

Os discursos humorísticos apresentam temas polêmicos e, ao estudá-los, é

possível reconhecer manifestações culturais, visões estereotipadas e valores

estabelecidos, tornando-se ricos materiais para estudos da linguagem. Segundo Possenti

(1998), eles retratam, de forma ambígua, irônica ou por imitação, um resumo de

problemas sociais, manifestando discursos “proibidos” em outras ocasiões formais,

como em uma reportagem, em uma notícia ou em uma entrevista, pois, no campo do

humor, o sujeito é livre para tudo dizer, ele não se responsabiliza pelo que diz.

A chargeestá, normalmente, ligada aos últimos acontecimentos do cotidiano; seu

sentido é transmitido por meio do texto não verbal associado, em alguns casos, ao texto

verbal; tem como característica o exagero ao representar/ denunciar pessoas e situações,

fazendo uma crítica aos problemas e aos acontecimentos sociais, com o objetivo de

formar ou transformar a opinião pública. Segundo Nogueira (2003, p. 3), “a charge

transforma a intenção artística, nem sempre objetivando o riso – embora o tenha como

atrativo – em uma prática política, como uma forma de resistência aos acontecimentos”.

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As charges selecionadas para análise fazem analogia à manipulação midiática,

revelando o poder dos meios de comunicação ao influenciar sujeitos, por isso, a seguir,

faremos considerações a respeito de discurso, argumentação e manipulação.

Discurso e manipulação: ideologia dominante

O discurso da mídia e a manipulação da massa caminham juntos. A manipulação

exercida por meio do discurso midiático está cada vez mais presente em nosso

cotidiano, seja por meio da televisão, do jornal, ou pela internet. Afinal, o sujeito, por

meio da mídia, faz uso da linguagem para atingir o objetivo de se manter no poder, com

a finalidade de subverter o pensamento do outro.

As informações transmitidas por meio da mídia estão carregadas de

atravessamentos ideológicos, em geral da classe dominante – na maior parte das vezes

por interesses políticos. Van Dijk (2017, p. 240) acrescenta que “a manipulação,

socialmente falando, é uma forma discursiva de reprodução do poder da elite que é

contra os melhores interesses dos grupos dominantes e que (re)produz a desigualdade

social”. Pela perspectiva do autor, toda manipulação implica – diretamente – em

manipular mentes nas diversas esferas sociais, ou seja, manipulam – a cada discurso –

crenças, ideologias e opiniões de toda uma sociedade, por meio da argumentatividade,

que é própria da linguagem. Esses recursos podem direcionar o sujeito – que recebe os

discursos – a criar representações mentais determinadas pelo sujeito – que emite os

discursos – detentor do poder, exercendo domínio sobre o outro.

A televisão e o jornal, veículos de informação abordados neste trabalho, são

formadores de opinião e, no entanto, estão estabelecendo, a cada dia, um processo de

alienação social, pois criam uma cultura homogênea e buscam, incansavelmente, a

padronização da opinião dos indivíduos.Nesse sentido, compreendemos o controle que

ocorre por meio dos discursos proferidos pela mídia como um domínio sobre a mente

do sujeito que está recebendo o discurso, ou seja, atingindo as suas crenças e,

indiretamente, suas ações em relação ao que acreditam, de acordo com Van Dijk(2017).

Dessa forma, manipular pessoas envolve, antes de tudo, influenciar suas mentes,

opiniões, ideologias e conhecimentos.

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Consideramos as ideologiasum conjunto de visões que orientam o

comportamento social dos sujeitos, justificando/explicando a sociedade. A ideologia se

manifesta por meio do discurso e consiste na produção de ideias, nas condições sócio-

históricas em que elas são produzidas e disseminadas. E, segundo Baccega (2007, p.

34),

A ideologia só existe na prática social. Ela se constitui num sistema de

valores, pleno de representações, de imagens – modo de ver o mundo,

modo de ver a sociedade, modo que o homem se vê a si e aos outros.

(...) Tem o poder de ‘condicionar as atitudes dos homens’ e levá-los a

praticar (ou considerar que praticam) ações que eles consideram as

mais adequadas para não se desviar desse sistema de valores.

É pelas mídias que as determinações ideológicas e, por consequência, a

manipulação, são disseminadas. Chauí (1980, p. 79) acrescenta:

A alienação é um processo ou o processo social como um todo. Não é

produzida por um erro da consciência que se desvia da verdade, mas é

resultado da própria ação social dos homens, da própria atividade

material quando esta se separa deles, quando não podem controlá-la e

são ameaçados e governados por ela. A transformação deve ser

simultaneamente subjetiva e objetiva: a prática dos homens precisa ser

diferente para que suas idéias sejam diferentes.

De acordo com Van Dijk (2017, p. 18), “o controle se aplica não só ao discurso

como prática social, mas também às mentes daqueles que estão sendo controlados, isto

é, aos seus conhecimentos”. Nesse sentido, a mídia usa de seu poder para manipular os

sujeitos, a partir das ideologias que acreditam.

Manipulação, cognição e argumentação

Em seu livro Discurso e poder, Van Dijk (2017, p. 240) aponta que “manipular

pessoas envolve manipular suas mentes”, isso é possível de ser identificado graças a

estudos cognitivos, feitos em laboratórios, que mostram que a interpretação e a

compreensão dos discursos podem ser influenciadas pela forma como o contexto é

manipulado, ou seja, os discursos ficam armazenados em nossa memória de curto prazo.

Algumas estratégias são usadas para que isso ocorra, como por exemplo, o fato de as

manchetes dos noticiários serem escritas em destaque, fazendo com que os leitores

prestem atenção em determinada representação visual.

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Van Dijk (2017, p. 251) acrescenta:

a manipulação é uma prática social de abuso do poder, envolvendo

grupos dominantes e dominados, ou instituições e seus clientes. Isso

significa que, em princípio, o ‘mesmo’ discurso (ou fragmento de

discurso) pode ser manipulador em uma situação, mas não em outra.

Isso é evidente porque nossa mente trabalha de forma estratégica, de acordo com

a maneira como recebe determinado discurso.

Nas charges em análise, há um conjunto de imagens e palavras capazes de

persuadir o interlocutor a compreender a mídia como manipuladora. A persuasão ocorre

por meio da linguagem (recursos argumentativos), pelo apelo à emoção; Abreu (2006)

diferencia convencer de persuadir, destacando o convencimento como o gerenciamento

da informação e a persuasão como o despertar da emoção do outro, dessa forma, ao ser

convencido, o sujeito forma uma opinião e, ao ser persuadido, ele realiza a ação

conforme foi manipulado. Podemos chamar de argumentação a soma do ato de

convencer e de persuadir.

O campo do humor utiliza a ambiguidade como forma de ironia, quanto a isso

Fiorin (2017) destaca que “a maior parte dos termos da língua não é unívoca. Ao

contrário, as palavras possuem vários significados. É essa propriedade da linguagem

que permite os jogos de palavras”. O autor também esclarece sobre o silêncio,

afirmando ser um valioso recurso argumentativo, pois, apenas por meio de gestos ou

imagens é possível manifestar sentidos. A seguir, estudaremos as charges selecionadas a

fim de demonstrar como a argumentação e a ideologia do gênero direcionam os sentidos

a respeito da manipulação midiática.

Análise do Corpus

As charges escolhidas para compor o corpus dessa análise foram retiradas da

internet e representam, de modo geral, a manipulação exercida pela mídia por meio dos

discursos proferidos. E, conforme Chauí (1980, p.71),

A divisão social, que separa proprietários e destituídos, exploradores e

explorados, que separa intelectuais e trabalhadores, sociedade civil e

Estado, interesse privado e interesse geral, é uma situação que não

será superada por meio de teorias, nem por uma transformação da

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consciência, visto que tais separações não foram produzidas pela

teoria nem pela consciência, mas pelas relações sociais de produção e

suas representações pensadas.

Figura 1: Fonte: Blog do Luza (2015).

Figura 2: Fonte: O poder educacional (2012).

Figura 3: Fonte: Blog Mariana Ruiz (2016).

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Figura 4: Fonte: Tribuna da Internet (2018).

Todas as quatro charges refletem a questão da manipulação do sujeito, por meio

da mídia – em especial, pela televisão e pelos jornais.

É perceptível, em nossa sociedade, que o jornalismo, como um todo, só

sobrevive por conta da relação de poder e de interesses que mantém com determinados

grupos dominantes. A mídia é um veículo político e se mantémdevido a essasrelações

políticas que são estabelecidas. Nesse sentido, está sempre a vender uma ideia – que

vem das classes mais altas, com a finalidade de nivelar o restante da sociedade, a partir

da perspectiva ideológica de quem os controla. A mídia exerce, em boa parte da

sociedade, determinado poder, pois os indivíduos não conseguem discernir a

manipulação por trás das notícias e informações. Um exemplo desse fato são as notícias

sobre as eleições e sobre os candidatos, em que a mídia manipula as informações para o

objetivo final – acesso ao poder. Para Orlandi (2016, p. 153),

Há um princípio discursivo que diz que não há discurso sem sujeito e

não há sujeito sem ideologia. O discurso é o lugar em que podemos

observar a articulação entre língua e ideologia. Discursivamente,

consideramos que a materialidade específica da ideologia é o discurso

e a materialidade específica do discurso é a língua.

Na imagem 1, por exemplo, os indivíduos estão representados por fantoches nas

mãos das grandes mídias; logo, a informação transmitida influencia a conduta e,

principalmente, as ideias desses sujeitos comuns e bem informados, pois eles buscam

acesso às notícias por meio da leitura de jornais, no entanto, mesmo com o acesso ao

conhecimento, são manipulados, indiretamente, pela grande mídia.

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O ‘controle da mente’ envolve muito mais do que apenas a

compreensão da escrita ou da fala; envolve também o conhecimento

pessoal e social, as experiências prévias, as opiniões pessoais e as

atitudes sociais, as ideologias e as normas ou valores, entre outros

fatores que desempenham um papel na mudança de mentalidade das

pessoas (VAN DIJK, 2017, p.20).

Levando em conta essa perspectiva, a imagem 2 é esclarecedora, pois retrata o

indivíduo como um “burro” – animal que, conforme o conhecimento partilhado, serve

para puxar carga e obedece ao comando de seu dono. No caso, quem o governa é a

televisão; vemos também o uso de um tapa-olhos, para que o homem não olhe para

outro lugar, apenas para a direção que seu “dono” o leva – o homem só deve enxergar

da forma como a televisão o direciona, conforme os programas, novelas e jornais

orientam a informação, não expandindo seus horizontes, afinal, está sendo guiado pelo

cabresto – objeto que possibilita a manipulação do “animal”. Ressaltamos o detalhedo

controle remoto, deixado para trás, salientando, mais uma vez, a falta de controle do

homem em relação à mídia.

A ilusão de liberdade e diversidade pode ser uma das melhores

maneiras de produzir a hegemonia ideológica que servirá aos

interesses dos poderes dominantes na sociedade, incluindo as

empresas que fabricam essas próprias tecnologias e seus conteúdos

midiáticos e que, por sua vez, produzem tal ilusão (VAN DIJK, 2017,

p. 21).

Na figura 3, representada pela logo de uma emissora de televisão, está escrito

“não penso, não existo, só assisto”, fazendo menção à manipulação exercida pela

emissora; no entanto, não é um caso isolado ou mesmo particular, as emissoras de

televisão, de um modo geral, exercem seu poder de manipulação por meio de seus

programas e noticiários, como característica inerente das mídias. O sujeito está

representado com vestimentas sociais, não é a representação de um posicionamento

qualquer na sociedade e, mesmo assim, permite-se ser manipulado.

Se o poder é definido em termos de controle de (membros de) um

grupo sobre outros, então tais formas de poder político, acadêmico ou

empresarial realmente se tornam efetivas se fornecem acesso especial

aos meios de produção discursiva e, portanto, ao gerenciamento das

mentes do público (VAN DIJK, 2017, p. 23).

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Conforme o texto verbal “não penso, não existo, só assisto”, podemos interpretar

o sentido, demarcado pela gradação crescente dos termos, de que o sujeito não pensa,

pois recebe tudo pronto, e não existe pelo fato de não pensar, porque está limitado ao

ato de, somente, assistir – sentido de restrição demarcado pelo operador argumentativo

“só”. Essa gradação está estruturada em paralelo, recurso de intensificação denominado

paralelismo sintático, construído, neste caso, por advérbio (não/ só) seguido de verbo

(penso/ existo/ assisto).

Paralelismo sintático: advérbio + verbo

Não penso

Não existo

Só assisto

Além disso, verificamos o recurso de intertextualidade utilizado na charge, neste

caso, a intertextualidade implícita, pois não menciona a fonte do texto original –

enunciado do filósofo francês René Descartes, “Penso, logo existo”. Segundo Koch

(2009), a intertextualidade acontece quando identificamos um texto (intertexto) inserido

em outro texto, sendo o texto fonte parte da memória social ou discursiva dos

interlocutores.

Por fim, na figura 4,observamos que, diferentemente das outras charges, no qual

o sujeito telespectador foi representado, há a reprodução dos bastidores de um jornal

televisivo, ou seja, o processo anterior à efetivação da manipulação entre mídia e

interlocutor. Sujeito diretor e sujeito âncora dialogam antes da transmissão, insinuando

que a mídia possui determinadas estratégias para atingir o interlocutor, mesmo que

sejam esquemas pautados em um discurso articulado de forma inautêntica à própria

postura dos sujeitos sobre os fatos, afinal o pronunciamento visa manter seu poder de

manipulação. Conforme Charaudeau (2015, p. 75), “a instância midiática escolhe uma

atitude para tratar o problema das fontes”; portanto, o exercício da manipulação ocorre

por meio de efeitos indiretos.

E, segundo Van Dijk (2017, p. 247),

a manipulação é uma prática discursiva que envolve tanto as

dimensões cognitivas quanto as sociais. Por essa razão, devemos

prestar mais atenção nas estratégias discursivas que tipicamente

influenciam as crenças socialmente compartilhadas.

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A partir da interpretação do textoverbal e não verbal, verificamos que a

manipulação não ocorre, somente, da mídia para o interlocutor e, sim, há um exercício

de manipulação da ideologia dominante (política, economia) para os meios de

comunicação que, por sua vez, manipulam, pois“a ideologia dominante de um

determinado período costuma ser a ideologia dos que controlam os meios de reprodução

ideológica, especificamente, a classe dominante” (VAN DIJK, 2017, p. 47). Charaudeau

também ressalta (2015, p. 252): “as mídias manipulam de uma maneira que nem sempre

é proposital, ao se automanipularem, e, muitas vezes, são elas próprias vítimas de

manipulações de instâncias exteriores”.

Em análise ao texto verbal, constatamos o uso da linguagem por meio de

estratégias discursivas e argumentativas. Os verbos no imperativo (fale, finja)

evidenciam o posicionamento de autoridade do sujeito diretor, impedindo que o sujeito

âncora tenha qualquer outra atitude a não ser obedecê-lo, propondo um exercício de

neutralidade ilusória. A construção “fale sério, pausadamente e finja que sempre fomos

preocupados com isso!”, semanticamente, denota uma gradação crescente de sentidos,

em que “fingir” corresponde a um patamar mais significativo que “falar sério” e “de

forma pausada”, tanto que o verbo “fingir” está destacado em negrito – recurso gráfico

argumentativo. O advérbio “sempre” intensifica a carga semântica de “preocupados”,

revelando, na verdade, a falta de preocupação com o tema, pois a informação será

transmitida como importante, independentemente de ser considerada relevante ou não

pelos sujeitos que a transmitem.

Ao observar a data de veiculação da charge, mecanismo contextualizador,

relacionamoso tema “fakenews” ao ano político de 2018, enunciando a formação

discursiva e a condição de produção, pois, nesse período, as redes sociais foram

tomadas por compartilhamento de notícias falsas a respeito dos candidatos a cargos

políticos, gerando muitos problemas e, consequentemente, a divulgação dessa questão

pela mídia.

Com a análise das quatro imagens, focalizamos a função do gênero chargístico

em denunciar a manipulação midiática, deixando evidente o controle sobre os

indivíduos que as consomem. Para causar tais efeitos de sentido, os discursos apelam

para o conhecimento de mundo (fantoches são manipulados; o animal “burro” é

comandado por alguém; frase de autoria do filósofo René Descartes; e o acesso às redes

de entretenimento, onde notícias falsas são, geralmente, disseminadas). Em duas das

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análises, o texto verbal é combinado às imagens a fim de fortalecer a argumentação. Ao

compreender a ironia revelada pelas charges, é possível apreender o sentido da mídia

como detentora do poder.

Considerações

A charge é um discurso rico em significações, possibilitando amplo campo de

estudo, pois compõe argumentos ao revelar mensagens com base em acontecimentos. O

discurso chargístico conecta história e linguagem para denunciar um problema que

representa a população e, por sua vez, faz ressignificar os sentidos em questão, pois o

humor alivia a polêmica e cria novos significados para o assunto, considerando o nosso

corpus, sobre manipulação midiática. Os recursos argumentativos orientam para a

conclusão dos enunciados, colaborando para a interpretação e revelando a ideologia e o

reconhecimento de que as mídias são manipuladoras. De acordo com Van Dijk (2017, p.

17),

Se esse controle se dá também no interesse daqueles que exercem tal

poder, e contra os interesses daqueles que são controlados, podemos

falar em abuso de poder. Se as ações envolvidas são ações

comunicativas, isto é, o discurso, então podemos, de forma mais

específica, tratar do controle sobre o discurso de outros, que é uma das

maneiras óbvias de como o discurso e o poder estão relacionados:

pessoas não são livres para falar ou escrever quando, onde, para quem,

sobre o que ou como elas querem, mas são parcial ou totalmente

controladas pelos outros poderosos, tais como (...) a mídia.

Com este trabalho foi possível constatar que o discurso midiático é responsável

por controlar a mente das pessoas para que consigam dominar suas ações. Nesse

sentido, para os indivíduos que estão no poder, é fundamental que consigam administrar

os discursos proferidos na sociedade, em específico, os discursos midiáticos, abordados

nesta pesquisa. Essa manipulação ocorre, justamente, porque as mentes podem ser

controladas/manipuladas, já que a informação funciona, segundo Charaudeau (2015)

como uma máquina humana, pois os níveis de produção e de recepção são níveis

humanos, dotados de intencionalidade e disseminadores de sentidos.

Referências

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ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 9. ed.

Cotia: Ateliê Editorial, 2006.

AMARAL, Nair F. Gurgel do. Um pouco de humor na análise do discurso: resgatando a

subjetividade discursiva. Primeira versão, ano I, nº 34, Porto Velho, Jan. de 2002.

BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso: história e literatura. São Paulo:

Ática, 2007.

BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas:

Editora da UNICAMP, 1997.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Tradução Angela M. S. Corrêa. 2° ed.

São Paulo: Contexto, 2015.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980.

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