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7/23/2019 EXCERTO - PALAVRAS DA CRÍTICA - JOBIM

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JOBIM, José Luis. (org.)  Palavras da crítica: Tendências e Conceitos no Estudo da

 Literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. Col. Pierre Menard (p. 129-130 e 382-385)

História da Literatura José Luis Jobim

(...)

Cada época tem seu quadro de referência para identificar a literatura, tem suasnormas estéticas, a partir das quais efetua julgamentos. Em outras palavras, cada época temsuas convenções, valores, visões de mundo, formando um certo universo, cujos elementosinterdependentes mantêm entre si relações associativas e funcionais, em constante processo.Uma obra pode ser considerada literária (ou não) em função de um julgamento que, emcada período, é conseqüência das normas estéticas a partir das quais se julga. Ou seja,

considerar um texto como literário (ou não) depende do contexto.Evidentemente, isto não implicaria na existência de algo – o contexto – que fosse

externo ao texto, que o determinasse. Não haveria uma oposição dentro versus fora, nãoexistiriam compartimentos incomunicáveis, separando o texto do contexto, que não seriavisto como “externo” em relação ao “interno” do texto. Poder-se-ia, isto sim, dizer que ocontexto está “dentro”, já que determina as próprias fronteiras do que pode vir a ser considerado como texto. Em outras palavras, o contexto não se reduziria a envolver oucircundar o texto, porque, na medida em que fornece as normas a partir das quais sedelimita o que é texto, torna-se também constitutiva deste.

Será que um autor poderia ter a intenção de produzir uma obra literária, se nãohouvesse uma concepção do que é literário, anterior à produção de sua obra como tal? A

existência deste “modelo” é o resultado das normas estéticas vigentes, que permitem aoliterato conformar-se com elas ou delas discordar, até mesmo propondo sua substituição por outras. De qualquer jeito, ao respeitar as normas ou contestá-las, ele sempre confirma aexistência delas.

O autor produz e o receptor lê uma obra considerada “literária” dentro de um quadrode referências em que outras obras “literárias” já foram e estão sendo produzidas. É nestehorizonte que se manifesta a nova obra: a partir de uma concepção determinada pelasnormas vigentes, tanto o autor pode reivindicar produzir quanto o leitor pode reivindicar ler uma obra enquadrada como literária.

Portanto, é possível conceituar, delimitar ou definir objetivamente o que é literatura,

 já que um determinado contexto, a partir de suas normas estéticas vigentes, pode fornecer uma certa representação “objetiva” do literário. Mas também é possível suspeitar, como fazJacques Derrida, que aquilo a que chamamos “objetividade” impõe-se somente dentro deum contexto que é extremamente vasto, antigo, poderosamente estabelecido ou enraizadoem uma rede de convenções (por exemplo, as da linguagem) e que ainda assim permaneceum contexto: nesta perspectiva, “a emergência do valor da objetividade (e por conseguintede tantos outros) também pertence a um contexto”. Assim como pertence a um contexto onosso discurso ao longo deste ensaio, que pretende apenas discutir esquematicamente

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quatro questões ligadas à História da Literatura: a recepção, a descrição, a origem e atradição.

(p. 382-385)

Teoria da Literatura

 Roberto Acízelo de Souza

[...]

5

Resta-nos agora delinear os contornos da teoria da literatura, disciplina que, noséculo XX, vem ocupando posição preeminente no cenário dos estudos literários. Pode-seobjetar que, num texto cujo título define interesse único e explícito nessa disciplina, oespaço a ela reservado acabou restringindo-se ao último segmento, tendo os demais sededicado à caracterização de outras modalidades de investigações da literatura. No entanto,

em defesa do tipo de exposição adotado, devemos dizer que nossa intenção foi visualizar ateoria da literatura num panorama histórico composto por continuidades e rupturasrelativas, em que disciplinas se definem correlativamente ao discernimento de objetosdistintos no mesmo campo de observação. Assim procedendo, julgamos estar contribuindo para minimizar as possibilidades de um entendimento da teoria da literatura em termosabsolutos, distorção freqüente que toma a disciplina como primeira e última palavra emmatéria de estudos literários, favorecendo assim ecletismos e anacronismos impressentidos.

Feita essa ressalva, comecemos por uma observação acerca da origem do termo,que, representando mais do que simples mudança de nome, correspondeu a umareorientação dos estudos literários relativamente aos seus rumos oitocentistas. A primaziade sua utilização deve ser creditada a dois autores russos – Alexander Portebnia e Boris

Tomachevski -, que publicaram respectivamente  Notas para uma teoria da literatura(1905) e Teoria da literatura (1925). No entanto, a consolidação definitiva do emprego dotermo se deve à ampla penetração de um livro que o tomou por título, publicado em 1949 por René Wellek e Austin Warren. Esse compêndio constitui um marco importante nahistória da disciplina não propriamente por ter lançado suas bases conceituais eestabelecido seu programa de desenvolvimento, mas por ter sistematizado e harmonizadouma série de contribuições que, sem embargo de suas diferenças, tinham em comum arejeição tanto de uma história da literatura factualista quanto da idéia de que ascomposições literárias, não se prestando a estudo analítico, são passíveis apenas de fruiçãoe julgamento subjetivo.

Dissemos que o manual de Wellek e Warren sistematiza diversas contribuições, oque significa, portanto, que a disciplina que veio chamar-se teoria da literatura não seapresenta como construção conceitual homogênea. Ao contrário, são muitas as suassubdivisões internas, as suas correntes, cujo inventário deve iniciar-se justamente por aquelas que se situam na base do esforço de síntese empreendido pelo livro citado, e que sedefiniram nas três primeiras décadas do século XX: o formalismo russo (ou, para incluir desdobramentos seus, eslavo) e o new criticism anglo-americano. Ainda dessa época, deve-se mencionar a estilística (desenvolvida sobretudo na Alemanha e na Espanha), a escolamorfológica alemã, a fenomenologia dos estratos (de origem polonesa). E, como a lista de

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correntes não se esgota nessas referidas, pois diversas outras se foram definindo nasdécadas subseqüentes – crítica marxista, crítica existencialista, crítica sociológica,estruturalismo, poética gerativa, estética da recepção, etc. -, sem falar nas muitasorientações distintas internas de cada corrente, esbarramos aqui num problema deexposição. Não sendo possível, pela amplitude e complexidade da tarefa, detalhar no

espaço deste capítulo sequer uma parcela dessas múltiplas orientações da teoria daliteratura, será necessário tentar um esforço de síntese, caracterizando tão-somente umaespécie de núcleo básico, formado por um sumário denominador comum ou ponto deinterseção das várias correntes.

De certo modo, já definimos esse núcleo básico da teoria da literatura: a disciplina postula uma compreensão do seu objeto distinta das perspectivas do século XIX,consubstanciadas nos recortes do campo literário operados pela história da literatura e pelacrítica literária oitocentistas. Assim, sobretudo numa primeira etapa do seudesenvolvimento, a teoria da literatura acentuará a natureza verbal, lingüística da literatura,concentrando seus esforços na análise imanente dos textos. Desse modo, o texto literário éconcebido como arranjo especial de linguagem, cujo processo de construção e artesanato

interessa, se não exclusivamente, pelo menos muito mais do que sua transparênciareferencial em relação a fatores como as experiências vividas pelo autor, oscondicionamentos sociais, etc.

Integra ainda esse núcleo básico, como componente de resto solidário aoreconhecimento do peso atribuído à linguagem na configuração do seu objeto, a vocação problematizante da teoria da literatura. Quer dizer que a disciplina, longe de pressupor umentendimento por assim dizer naturalizado de literatura, pelo qual esta não é senão umaevidência destinada à compreensão imediata, parte do princípio de que a linguagem literárianão tem o sentido primeiro que aparenta, ou que, não obstante a aparente falta de sentido, possui um significado cuja coerência pode ser demonstrada. Tanto num caso quanto noutro, porém, o sentido da literatura é visto não como um dado simplesmente a ser constatado,

mas como construção conceitual a que só se chega pela via da análise. É importanteassinalar que esse traço da teoria da literatura foi potenciado pelas experiências literárias damodernidade, que, contrariando expectativas do senso comum – quer pelo cultivo dohermetismo, quer pela adoção de recursos cuja gritante banalidade os afasta do que seconsidera convencionalmente “literatura” -, acabam por exigir uma espécie deintervencionismo analítico, sem o qual a literatura permanece inacessível à compreensão enão terá lugar reconhecível na trama dos discursos.

 Na suposição de termos tocado nos pontos definidores do núcleo básico que buscávamos, abstraindo assim a fragmentação em correntes, tratemos agora, para concluir,de outra questão que nos parece importante. Referimo-nos à institucionalização da teoria daliteratura como matéria de ensino universitário. Vamos restringir nossa atenção

exclusivamente ao caso brasileiro, pois o tratamento desse tema em escala mais amplaexigiria tempo e recursos indisponíveis. No entanto, a julgar por uma série de depoimentossobre o assunto, envolvendo especialistas representativos do mundo acadêmico norte-americano e europeu, o grau de cidadania universitária da teoria da literatura entre nós ésemelhante àquele de que ela desfruta nos países pesquisados.

 No Brasil, a disciplina foi introduzida no currículo oficial por ocasião da reforma docurso de Letras aprovada em 1962, que substituiu suas antigas modalidades – Letras

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Clássicas, Letras Neo-latinas, Letras Anglo-Germânicas – pelo atual sistema de habilitações – Português-Literaturas, Português-Francês, Português-Inglês, Português-Latim, etc. Ocurrículo mínimo então instituído, ainda hoje em vigor, compunha-se de cinco matériasobrigatórias – língua portuguesa, literatura portuguesa, literatura brasileira, língua latina elingüística -, e de mais três a serem escolhidas entre as seguintes, quando da organização do

currículo pleno por cada instituição: línguas estrangeiras modernas ou línguas clássicas,suas respectivas literaturas e mais cultura brasileira, teoria da literatura, literatura latina efilologia românica.

Esse currículo mínimo, no que tem de essencial, permanece até hoje aceitável,cabendo somente um reparo, tão pertinente na atualidade quanto na época do seuestabelecimento: se a área de Letras se define pela confluência de língua e literatura, por que apenas a matéria teórica correspondente à primeira subárea – lingüística – integrou alista das obrigatórias, ficando a outra subárea com a sua teoria no rol das matériasfacultativas? A resposta nos é dada pelo próprio legislador em seu parecer, que consideradesaconselhável atribuir caráter obrigatório a teoria da literatura (e a cultura brasileira), porque “...constam pela primeira vez no currículo oficial, de sorte que lançá-las desde logo

como obrigatórias implicaria admitir improvisações que da autenticidade levaria fatalmenteao descrédito”.

 No entanto, apesar de sua entrada no currículo oficial com a restrição apontada, pelomenos já a partir de fins dos anos 60, teoria da literatura tornou-se presença constante noensino universitário de todo o país, aponto de não conhecermos nenhum curso de Letrasque não a inclua entre as suas disciplinas obrigatórias. Além disso, durante a década de 70se criaram cursos de mestrado e de doutorado em teoria da literatura, o que aparentementeacabou com as improvisações e o descrédito que temia o legislador.