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1 Pequenos Notáveis - Tom Jobim TOM JOBIM 1927 – Em 25 de janeiro, às 23h15, nasce Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, primeiro dos dois filhos de Nilza Brasileiro de Almeida e Jorge de Oliveira Jobim. O local de nascimento foi a casa em que moravam com os pais de Nilza, Azor e Emília (Mimi), na Rua Conde de Bonfim, 634, na Tijuca. Foi lá o parto realizado pelo Dr. José Rodrigues da Graça Mello, o mesmo que trabalhara como assistente no nascimento de Noel Rosa, em 11 de dezembro de 1910. Por coincidência, Antonio Carlos nasce com um afundamento no maxilar (além de uma parte mais alta no crânio), o que deixa a mãe em prantos, mas o médico tranquiliza: “Ele deve ter ficado com o maxilar esquer- do apoiado no osso da bacia da mãe. Mas isso conserta com o tempo”. Dito e feito: em dois meses, tudo no lugar. Nilza era carioca, nascida em 1910, e se tornaria professora. Jorge, nascido em 1889, era gaúcho da cidadezinha de São Ga- briel e vivia como escritor, poeta, crítico, jornalista e diplomata – tendo servido de 1916 a 24, com passa- gens por Equador, Argen- tina, Peru e Chile. For- mado em Direito (1910), recebeu em 1920 a Ordem do Rei Leopoldo, confe- rida pelo rei da Bélgica, Alberto I, em sua visita ao Brasil. Como escritor, publicou três coletâneas em parceira com Alberto de Oliveira e, sozinho, fez os livros Poesias, Colmeia Cristã e a coletânea de contos Ó Minha Infân- cia (1927), esta última dedicada ao filho recém-nascido: “Para o meu Antonio Carlos ler quando tiver oito anos”. Aventurou-se pela música numa experiência única, mas expressiva: em 1925, Por Pedro Paulo Malta

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TOM JOBIM

1927 – Em 25 de janeiro, às 23h15, nasce Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, primeiro dos dois filhos de Nilza Brasileiro de Almeida e Jorge de Oliveira Jobim. O local de nascimento foi a casa em que moravam com os pais de Nilza, Azor e Emília (Mimi), na Rua Conde de Bonfim, 634, na Tijuca. Foi lá o parto realizado pelo Dr. José Rodrigues da Graça Mello, o mesmo que trabalhara como assistente no nascimento de Noel Rosa, em 11 de dezembro de 1910. Por coincidência, Antonio Carlos nasce com um afundamento no maxilar (além de uma parte mais alta no crânio), o que deixa a mãe em prantos, mas o médico tranquiliza: “Ele deve ter ficado com o maxilar esquer-do apoiado no osso da bacia da mãe. Mas isso conserta com o tempo”. Dito e feito: em dois meses, tudo no lugar.

Nilza era carioca, nascida em 1910, e se tornaria professora. Jorge, nascido em 1889, era gaúcho da cidadezinha de São Ga-briel e vivia como escritor, poeta, crítico, jornalista e diplomata – tendo servido de 1916 a 24, com passa-gens por Equador, Argen-tina, Peru e Chile. For-mado em Direito (1910), recebeu em 1920 a Ordem do Rei Leopoldo, confe-rida pelo rei da Bélgica, Alberto I, em sua visita ao Brasil. Como escritor, publicou três coletâneas em parceira com Alberto de Oliveira e, sozinho, fez os livros Poesias, Colmeia Cristã e a coletânea de contos Ó Minha Infân-cia (1927), esta última dedicada ao filho recém-nascido: “Para o meu Antonio Carlos ler quando tiver oito anos”. Aventurou-se pela música numa experiência única, mas expressiva: em 1925,

Por Pedro Paulo Malta

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foi parceiro do maestro Radamés Gnattali, também gaúcho, numa marcha dedicada ao Grêmio de Futebol Porto Alegrense.

1928 – No dia do primeiro aniversário, o menino Antonio Jobim é batizado na Igreja de São Francisco Xavier (Tijuca), tendo como padrinhos os tios maternos Marcello e Yolanda. As condições financeiras dos Brasileiro de Almeida se apertam, e todos – in-clusive Jorge, Nilza e o filho – trocam a Tijuca por Ipanema, que, àquela época, ainda era um areal longe das benesses da cidade. Vão morar numa casa alugada na Rua Barão da Torre, perto do Jardim de Alah. Como em Ipanema ainda não havia postos de salvamento, caminhavam até Copacabana para tomar banho de mar.

Jorge desaprovava o programa, pois não gostava que a esposa saísse sem ele. Perma-nentemente incomodado com a beleza de Nilza, era do tipo que não deixava a mulher usar traje de banho, nem pintura no rosto. Os 21 anos que separavam suas idades agravavam seus ataques de ciúme, que sempre resultavam em brigas intermináveis. Até que Jorge anunciou que precisava descansar uns dias em Petrópolis e ficou morando por lá.

1930 – Jorge volta para casa e é aceito por Nilza. Reencontra o pequeno Antonio Carlos muito apegado à mãe e aos avós, especialmente à vó Mimi. Não consegue estabelecer um canal de comunicação com o filho. Vão morar numa casa na Travessa Trianon, transversal à Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Entre as gracinhas do menino estavam os versinhos ensinados pelos familiares. Dormia quase sempre no colo de alguém, no vaivém da cadeira de balanço, ouvindo música – Nilza ou vó Mimi cantando (eram ótimas cantoras, além de pianistas) e tio Marcello no violão. No reper-tório, cantigas tradicionais, como Casinha Pequenina, Boi Surubi, Pobre Peregrino, Minha Terra e A Cabocla.

1931 – Em 23 de fevereiro, nasce a única irmã de Antonio Carlos, Helena Isaura. Em vez de ciúme, reação esperada de qualquer ex-filho único, o menino assume a postu-ra de protetor da petiz. Em troca, ganharia dela o apelido Tom-Tom, que, reduzido à metade, acabaria virando o nome artístico que o acompanhou pela vida inteira.

1932 – Com a morte de vó Mimi (em agosto) e a melancolia que se abate sobre Azor, a família decide deixar a casa da Travessa Trianon. Mudam-se todos para um sobrado na Rua Constante Ramos, também em Copacabana. Nesta fase, o passatempo prefe-rido do menino era desenhar. Mas ficava indignado quando não reconheciam o que tinha desenhado. Um pouco mais adiante, outro passatempo predileto seriam as idas ao Cinema Americano, para assistir aos filmes do herói Tom Mix.

1934 – Jorge Jobim sai de casa pela segunda vez. Ele e a esposa já não dormiam no mesmo quarto, de tão doente dos nervos que ele andava. Em seu último ano de vida, viu os filhos uma só vez, numa ocasião em que os levou para pescar. Em setembro, é internado pelo psiquiatra Januário Bittencourt (seu primo) na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo. Diagnosticado com neurose incoercível, sífilis e dilatação da aorta, tinha surtos frequentes.

1935 – Em 19 de julho, Jorge Jobim morre na Casa de Saúde Dr. Eiras, aos 46 anos, de súbita e fulminante parada cardíaca. Com o pintor Oswaldo Teixeira deixou um poema, para “quando eu me for deste mundo”. Chamava-se Felicidade e retratava os filhos. A causa mortis informada no boletim da casa de saúde – “colapso cardíaco” – afastou os boatos que por muito tempo assombrariam a família, de que Jorge havia cometido suicídio.

Com 8 anos, Tom recebeu a notícia da morte por Azor. “Não me importo, não”, disse o menino, tentando aliviar o desconforto do avô. Apesar da pouca convivência com

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Jorge Jobim, Tom repetiria no futuro algumas manias do pai, como o hábito de ler dicionários e a maleta de remédios que carregava para todos os lados. Sua maior referência masculina na infância foi mesmo o avô Azor, paulista de Capivari e criador do sobrenome Brasileiro de Almeida, no início do século XX, quando já era oficial do Exército (do qual chegaria a coronel). Foi sob a influência da doutrina positivista – que recomendava a seus adeptos uma postura nacionalista em relação ao próprio nome – que Azor Almeida Leme virou Azor Brasileiro de Almeida. No mesmo contexto “nasce-ram” outros sobrenomes patrióticos, como Brasílio Itiberê, Índio do Brasil e Suassuna.

Segundo o escritor e pesquisador Sérgio Cabral (em Antonio Carlos Jobim, uma Bio-grafia), é bem possível que a paixão de Tom pela natureza tenha começado na convi-vência com Azor, que costumava levar o neto às expedições que fazia pelo Morro do Cantagalo, entre Ipanema e Copacabana. “Eu estou metido nesse negócio de ecologia desde que me entendo por gente”, diria Tom num especial da Rede Globo. “Eu só não sabia que tinha esse nome.”

O ano de 1935 é marcado também pelo ingresso de Tom no Colégio Mallet Soares (Copacabana), onde é alfabetizado pela professora Fabíola Araújo Bittencourt, com quem “aprendeu a ler e a escrever em apenas três meses” – aspas da própria profes-sora, retiradas de uma matéria de jornal citada por Sérgio Cabral. Na mesma matéria, D. Fabíola relembra que Tom era ambidestro (originalmente canhoto, mas adestrado a escrever com a mão direita).

1936 – Nosso personagem lê seu primeiro livro: Juca e Chico, de Wilhelm Busch, tra-duzido por Olavo Bilac. A paixão pela leitura – especialmente pela poesia de Bilac e a literatura infanto-juvenil de Monteiro Lobato – foi mais um presente que Tom recebeu do vô Azor.

1937 – Nilza se casa pela segunda vez, com o matemático Celso da Frota Pessoa, e com ele vive um casamento feliz. Socialista e agnóstico, Celso era amigo de Marcello Brasileiro de Almeida, irmão de Nilza. Vão morar na Rua Almirante Saddock de Sá, 276, em Ipanema, na casa em que já morava Yolanda (irmã de Nilza) e o marido, o professor, engenheiro e estudioso de astronomia João Lyra Madeira. Na casa de dois andares, Celso, Nilza, Tom e Helena moram no térreo, com Azor. Já o segundo andar é habitado por Yolanda e João e os primos Marcello e Lúcia. “Me ensinou muita coi-sa”, dizia Tom sobre o tio João, que tocava violão e gostava do repertório erudito, de Brahms, Bach e Chopin, além dos compositores espanhóis. O menino gostava de ir à casa da família Lyra Madeira (um casarão na Rua Marquês de São Vicente) para ouvi-lo tocar violão clássico.

A veia musical de Tom pode ter herdado alguma coisa também do boêmio tio Mar-cello, agrônomo de profissão e profundo conhecedor de literatura. Cantor, violonista e compositor (de músicas que se perderam), Marcello conheceu Noel Rosa pessoalmente e era amigo de Luís Barbosa, um dos precursores do samba de breque, que chegou a frequentar as reuniões musicais na casa da família Brasileiro de Almeida. A mãe, Nilza, também tocava violão e cantava muito bem.

Entre as memórias da Ipanema dos anos 30, Tom se lembrava especialmente da praia, com sua areia fina, “que cantava no pé” e “fazia cuim, cuim, cuim”, e o mar límpido, azul, transparente, cheio de peixes. “Havia dias que não caíamos n’água com medo dos peixes. A gente jogava pedra pro peixe sair e poder tomar banho”, conta Tom em depoimento transcrito no livro de Sérgio Cabral. A fauna que frequentava as areias de Ipanema – calangos, socós, marrecos irerê, cobras verdes – também podia ser encon-trada na lagoa Rodrigo de Freitas. “A lagoa era a coisa mais piscosa do mundo, cheia de pássaros aquáticos, garças, marrecos. Os peixes adoravam a lagoa.” Com os amigos

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Mosca e Rubinho Boneco, Tom gostava de pegar jacaré nas ondas, jogar bola de gude na areia e travar batalhas usando como munição os frutos que caíam das amendoeiras e pitangueiras que havia na beira do mar e da lagoa.

1938 – Com o primário completo no Colégio Mallet Soares, Tom passa a frequentar o Externato Melo e Souza, na Rua Teixeira de Melo, em Copacabana. As péssimas notas e a reprovação no primeiro ano ginasial fazem com que o menino seja matriculado pelo padrasto no Colégio Andrews, onde cursará o ginásio a partir do ano seguinte (1939). O desempenho nos boletins não irá melhorar tanto e Tom mudará de colégio outras vezes durante sua vida escolar, frequentando os colégios Paula Freitas, Rio de Janeiro e Juruena (segundo grau).

Também em 1938, Nilza funda em casa um jardim de infância, para cuidar dos filhos de mães ipanemenses que saíam para trabalhar: a Escola Brasileira, que em 1946 – com a inclusão do curso ginasial – mudaria de nome para Colégio Brasileiro de Almei-da. Para acomodar as crianças, fez obras na casa, criando um segundo andar em cima da garagem. Como parte do equipamento adquirido para a escolinha, Nilza alugou um piano Beckstein, de segunda mão, colocado na garagem, para servir às aulas de música e ginástica. Além disso, Nilza esperava que o instrumento inspirasse Helena a se tornar pianista, já que Tom preferia o futebol e o vôlei na praia – e, além do mais, “tocar piano não era coisa de homem”, como diria ele, cheio de ironia. Mesmo assim, adorava os sábados com sarau, quando a família se juntava para cantar Pixinguinha, Bororó, Custódio Mesquita, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves.

Nas férias, a família sempre tomava o trem e rumava para uma cidadezinha próxima chamada Javari, onde o tio-avô das crianças – Paulo Emílio, irmão de vó Mimi – tinha um hotel. Nesse “lugar paradisíaco”, Tom estreitava sua relação com a natureza.

1940 – Começou a se familiarizar com as teclas do piano e a arriscar os primeiros acordes. Não tardou a ter as primeiras aulas com o professor contratado por Nilza para ensinar as crianças da Escola Brasileira: o alemão Hans Joachim Koellreutter, então com 24 anos. Começou aprendendo com as outras crianças e depois passou a ter aulas particulares.

As aulas duraram pouco mais de um ano, tempo em que nosso personagem aprendeu harmonia e contraponto clássicos, além de “rudimentos de execução pianística”, nas palavras do próprio Koellreutter, que era de fato flautista e usava o piano como um instrumento auxiliar. As convicções do mestre a respeito do atonalismo (característica predominante do dodecafonismo, sistema introduzido no Brasil por Koellreutter) não foram transmitidas a Tom, que no futuro destacaria que aquelas aulas o despertaram para “os grandes problemas filosóficos da música”. O aluno do professor Koellreutter nunca mais deixou o piano. A própria mãe se encarregaria de garantir que os estudos de piano do menino não fossem abandonados antes das 10h da manhã.

1942 – Tom está com 15 anos quando inicia a amizade com o futuro parceiro Newton Mendonça, a quem é apresentado por Carlos Madeira. Entrosaram-se na praia, entre pescarias, jacarés nas ondas e partidas de futebol, vôlei e peteca. E na música, já que Newton também tocava piano, além de violino e gaita – instrumento que logo con-tagiou nosso personagem, que passou a andar pelas ruas de Ipanema soprando sua gaitinha. Assim como outros integrantes da “turma da Nascimento”, os amigos batiam ponto no Bar Americano e no Rhenania, onde se reuniam para ver as meninas passa-rem. Na mesma praça ficava o Cinema Ipanema, onde Tom e Newton conheciam as trilhas sonoras e os musicais do cinema americano.

Segundo o livro Caminhos Cruzados, de Jorge Mello, Marcelo Câmara e Rogério

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Guimarães, os amigos costumavam se encontrar na casa de Newton (Rua Nascimen-to Silva) para esboçar rascunhos musicais. “Newton exibia muitos temas que criava e tocava no piano, as músicas da época – boleros, sambas, guarânias, canções, temas de filmes. Cole Porter, Glenn Miller, George Gershwin. Tom fazia o mesmo.” O mesmo livro conta que os dois aspirantes a músico chegaram a fazer parte de uma orquestra de gaitas, que era dirigida por um dos personagens mais excêntricos daquela Ipanema dos anos 40: um certo Baudur, sujeito de origem árabe que caminhava pelas ruas com uma jaguatirica na coleira.

É deste mesmo ano o início de seu primeiro namoro sério: a namorada é a paulista-na Thereza Otero Hermanny, uma morena de olhos verdes que ele conhecia da Praia de Ipanema, onde a moça se bronzeava, em frente à Rua Montenegro. Estudante do Externato Mello e Souza e moradora da Rua Barão da Torre, a menina tinha 12 anos e era descendente de alemães. Tom declamava poesias de Drummond, Bandeira, Jorge de Lima, Rimbaud e outros poetas para a moça e passava as festas “de par constante”, cantando no ouvido de Thereza as letras das músicas que dançavam.

1945 – O namoro de Tom e Thereza teve algumas idas e vindas. Nosso personagem quase perdeu o prumo de vez quando descobriu que a moça não ficou muito tempo solteira e já andava de namorado novo. Passou a frequentar o psiquiatra, enfurnou-se na natureza e foi caçar em Leme (SP), de onde voltou decidido a reatar com Thereza, que não pensou duas vezes. Numa outra separação, Tom teve brucelose, doença que contraiu ao beber leite contaminado. “Foi a primeira vez que vi a morte de perto”, disse Tom, segundo Sérgio Cabral. Thereza, que nesta época morava em Petrópolis e namorava um certo Luís Bisão (apelido de Luís Carlos Vital, filho do futuro prefeito do Rio, João Carlos Vital), desceu para visitá-lo. Talvez para compensar o péssimo estado físico (magro além da conta, branco feito vela), Tom vestiu a melhor roupa. Reataram o namoro.

1946 – Decidido a ganhar seu próprio dinheiro para se casar com Thereza, Tom resolve ser arquiteto. Reúne-se com os amigos Eduardo Sued, Marcos Konder Neto e Marcelo Bhering na garagem de sua casa, onde estudam horas a fio com o professor Righetto. Passa em sexto lugar na prova para a Escola Nacional de Belas Artes e começa a facul-dade cheio de entusiasmo, louco para criar projetos. Chega até a fazer um estágio no es-critório do arquiteto Jorge Moreira, mas o ânimo não foi longe. Segundo Sérgio Cabral, o sonho da arquitetura naufragou junto com o namoro, desmanchado no segundo mês de faculdade. A rigor, foram só três meses como estudante de Arquitetura – período que seria lembrado por Tom Jobim por memórias nada relacionadas a esquadros, pranchetas e compassos: foi nessa época que viu pela primeira vez o maestro Heitor Villa-Lobos (que era vizinho da Escola e praticante de bilhar francês na Associação Brasileira de Imprensa, ali perto) e que conheceu o Bar Vermelhinho – principal ponto de encontro dos intelectuais. Para deixar a Faculdade de Arquitetura, Tom contou com o apoio do padrasto, para quem o enteado deveria seguir sua vocação (musical), para se livrar do estado depressivo em que vivia.

Para se dedicar de vez à música, Tom foi estudar com Lúcia Branco, que, em seu apar-tamento no Leblon, ensinava futuros grandes pianistas brasileiros, como os eruditos Arthur Moreira Lima, Nelson Freire, Jacques Klein e o fronteiriço Luiz Eça. Neste perío-do, nosso personagem se aproximou das obras de compositores clássicos. “Você tem o polegar preso”, dizia a professora a Tom, demovendo-o da ideia fixa de ser concertis-ta. Disse que, pelas músicas que ele havia mostrado a ela, deveria tentar a carreira de compositor, pois tinha talento. Provavelmente, D. Lúcia se referia ao estudo que seria considerado a primeira composição de Tom: a valsa Imagina, que dali a algumas dé-cadas receberia letra de Chico Buarque e seria gravada na trilha sonora do filme Para Viver um Grande Amor, por Djavan e Olívia Byington.

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Outros professores vieram em seguida. Com Paulo Silva, docente da Escola Nacional de Música, Tom estudou harmonia, mas o professor não topava as harmonizações diferentes que o aluno já propunha. “Ele tinha aquelas regras: não pode fazer quarta, não pode fazer quinta. Eu me sentia muito preso. Quando eu escrevia alguma coisa da minha cabeça, ele reclamava”, conta Tom em depoimento a Sérgio Cabral. Depois, veio o espanhol Tomás Terán, com quem Tom estudou por três anos e de quem se tornou amigo – coube a ele, grande admirador de Villa-Lobos, apresentar ao aluno a obra erudita de Radamés Gnattali, que também teria um papel fundamental na trajetória de nosso personagem. Já com o maestro Alceo Bocchino estudou composição. Outro regente com quem Tom estudou foi o paulistano Leo Peracchi.

1948 – Tom se muda com a família para outra casa em Ipanema (agora na Rua Redentor) e o piano vai para a sala. Ele e Thereza decidem se casar, para a ira do pai dela, Arthur Hermanny, indignado com a pretensão do rapaz, que nem diploma tinha e ainda por cima era músico. Foi preciso Celso da Frota Pessoa chamá-lo para uma con-versa: explicou ao “alemãozão” – como Tom chamava o futuro sogro – que tinha total confiança no rapaz e que já estava fazendo obras em casa para receber o casal. Como Sérgio Cabral destaca em Antonio Carlos Jobim, uma Biografia, Celso estava longe de ser rico (vivia como funcionário da Prefeitura do Distrito Federal), mas também não pouparia esforços para ajudar a qualquer um dos dois enteados.

1949 – Em 15 de outubro, Tom se casa com Thereza, numa cerimônia civil em Petró-polis. Vão morar com a família dele, na Rua Redentor. Pouco depois, o casal ganharia mais privacidade ao se mudar para um apartamento no Bairro Peixoto, em Copaca-bana: era um imóvel miúdo, em cuja sala só cabiam um piano quarto de cauda e um sofazinho. O pagamento do aluguel era feito por Celso da Frota Pessoa. Nesses primei-ros tempos, o sustento da família Hermanny-Jobim é garantido pelo padrasto de Tom e também por Thereza, que vai à luta – trabalhando primeiro na Fundação Getúlio Vargas e depois como professora e secretária do Colégio Brasileiro de Almeida. Engra-vidou com dois meses de casada, descumprindo o acordo que tinha feito com os pais: de que não engravidaria antes do quinto ano de casamento. Outro acordo firmado an-tes do casório foi o contrato pré-nupcial assinado por Tom, abrindo mão de qualquer participação nos bens da família Otero Hermanny.

1950 – Em 4 de agosto, nasce o primeiro filho de Tom e Thereza, Paulo Hermanny Jobim. Diante daquele “bebê grandão de olhos azuis” (na descrição de Helena Jo-bim), o pai sente o peso da responsabilidade e tem uma crise nervosa, durante a qual desanda a vomitar. Depois de algum tempo fora de si, é resgatado por Tico Soledade, que (apoiado por Thereza) leva o amigo para passar alguns dias caçando na mata em Mambucaba, perto de Angra dos Reis (RJ). Volta refeito. É por essa época que começa a trabalhar como pianista na noite carioca. Forma um conjunto (com Bill no contra-baixo, Mario Salivas no violão e Juquinha na bateria) para se apresentar na boate Vo-gue, em Copacabana, mas o grupo fracassa: são avisados na hora do show que teriam que tocar músicas francesas, que nada tinham a ver com o repertório do conjunto: choros e canções americanas.

Continuou tentando a sorte na noite, mas no piano solo. Não se sabe precisamente de quando a quando Tom atuou como pianista de boate, nem a ordem das casas no-turnas em que trabalhou, mas é sabido que a atividade foi desempenhada por ele na primeira metade dos anos 50. Sérgio Cabral, no entanto, informa que a primeira boate em que trabalhou como atração fixa foi o Michel, em Copacabana, onde “dava expe-diente” de 18h às 22h. Foi lá que conheceu o pianista Bené Nunes, que virou promo-ter espontâneo de nosso personagem, passando a convidar os amigos para assistir ao jovem talento no Michel ou onde quer que estivesse tocando. “Você precisa conhecer um pianista novo, muito bom, o Tom.”

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Foi também no Michel que Tom Jobim se arriscou pela primeira vez como cantor: “Para desafinar, desafino eu”, dizia, em referencia às cantoras de talento duvidoso que, volta e meia, tinha que acompanhar. Quando fez temporada no Vogue (desta vez com repertório mais vasto), volta e meia dividia a cerveja do intervalo com o compositor Nelson Cavaquinho. Também trabalhou no Tudo Azul, onde foi apresentado pelo ami-go Vinicius a João Gilberto, e no piano de cauda da boate French Can-Can. “Toquei no Clube do Cinema, no Drink, no Bambu Bar, no Arpège, no antigo Sacha’s, no Mon-te Carlo, que era da cadeia do Carlos Machado, com o Night and Day”, conta nosso personagem em A Vida de Tom Jobim: Depoimento (título lançado dentro da coleção Gente de Sucesso). Com o amigo Newton Mendonça e outros pianistas da noite, Tom fazia parte de uma espécie de cooperativa, na qual os músicos se substituíam nas diversas boates de Copacabana. Uma delas era o Posto Cinco, primeira casa fixa de Newton – foi onde Tom convidou o iniciante Sérgio Ricardo para ficar no seu lugar.

No troca-troca das casas noturnas, muitas vezes era possível que houvesse confusão. Certa vez, na boate Monte Carlo (Gávea), João Donato não pôde participar do coro do espetáculo Qu’Est-Ce Que Tu Penses? (de Cesar Ladeira e Haroldo Barbosa) e chamou para substituí-lo o amigo Tom Jobim, que não estava em época de dispensar traba-lhos musicais. “Jobim só não sabia que teria de vestir a roupa do show, uma fantasia de rumbeiro cubano com mangas bufantes e todos aqueles bordados característicos”, conta Sérgio Cabral. No livro Chega de Saudade, o escritor Ruy Castro acrescenta outras casas que fizeram parte do circuito de Tom Jobim na noite carioca: Mocambo, Acapulco, Farolito, Mandarim, La Bohème, Dominó, Carrousel, Vogue e Ma Griffe – esta última, uma das quatro boates-cubículos do Beco das Garrafas.

1952 – Além do trabalho como pianista na noite, foi neste ano que Tom decidiu ter um emprego diurno: foi trabalhar na Continental Discos, contratado por Sávio Carvalho de Oliveira, após indicação de Paulo Soledade. “Levava a minha pastinha com algumas partituras. Alguém cantava uma música batendo na caixa de fósforos e eu punha a melodia no papel”, lemos no livro A Vida de Tom Jobim: Depoimento. “Naquela época não havia gravador nem nada. Era tudo de ouvido. Os que existiam eram grandes móveis, verdadeiros mastodontes. Minha pasta era dessas de attaché, com pentagrama, lápis, borracha e gilete lá dentro. Lembro do Monsueto chegando lá com aquele samba Mora na Filosofia. E eu escrevendo a música para ele, riscando o pentagrama com todo o cuidado. O samba foi o maior sucesso.”

A atividade de escrever música em partitura já tinha sido desempenhada por Tom pouco depois do nascimento de seu filho, quando o compositor Alcides Fernandes (que era casado com Silva, empregada da família), lhe arrumou esse bico na Editora Euterpe. Não chegou a ser, contudo, um emprego como na Continental, onde tinha como chefe o compositor João de Barro, diretor artístico da companhia. Mas a gran-de lembrança de Tom dos tempos de Continental foi seu encontro com o músico que se tornaria um ídolo e mestre: o maestro Radamés Gnattali. Outro trabalho de Tom Jobim antes da Continental foi como músico da orquestra da Rádio Clube, uma das pioneiras da radiodifusão no Brasil, que logo mudaria de nome para Rádio Mundial. Colaboraram para este emprego o tio Marcello Brasileiro de Almeida, que era bem relacionado no meio musical e indicou o sobrinho a Victor Costa (diretor da Rádio Na-cional), e Alceo Bocchino, maestro da emissora e ex-professor de Tom. Na Rádio Clube ele ficou poucos meses, transferindo-se para a Continental.

“Com o salário da Continental, Tom Jobim sentiu-se à vontade para dispensar a ajuda de Celso da Frota Pessoa e mudou-se com a família para um apartamento de dois quartos no Edifício Einstein, na Rua Francisco Otaviano, no Posto Seis”, conta Sérgio Cabral, destacando que o pagamento do aluguel passou a ser uma ideia fixa de nosso personagem. “Eu estava sempre competindo com o aluguel, pra ver quem chegava

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antes no fim do mês”, diria Tom Jobim, já famoso e com a vida financeira acertada, em diversas entrevistas.

1953 – Embora algumas fontes de pesquisa – entre elas, Helena Jobim e Ruy Cas-tro – informem que Tom só trabalhou na noite até 1952, foi em 1953, como pianista do Clube da Chave, no final da Av. Atlântica, que ele conheceu o parceiro Vinicius de Moraes. Tocava o samba-canção Tão Só (Dorival Caymmi e Carlos Guinle) quan-do captou a atenção do poeta, que entrava no bar com Antônio Maria. “Percebi logo que se tratava de um pianista diferente. Tocava um som engraçado, novo”, diria mais tarde Vinicius de Moraes, segundo Sérgio Cabral. Para Tom, Vinicius “era um rapaz que quando chegava atraía todo mundo. Simpático, espirituoso, muito inteligente e culto, era espantosamente simples para um diplomata”. Após a noitada, foram comer ovos com presunto e conversar até o sol raiar no Bar dos Pescadores, ali do lado. Nos três anos que se passaram até a “apresentação oficial” promovida por Lúcio Rangel, na Casa Villarino, os dois se encontraram pelo menos uma vez, quando Vinicius aprovei-tou uma passagem pelo Brasil e foi – acompanhado de João Gilberto – ouvir o pianis-ta na boate Tudo Azul.

Outro marco importante de 1953 é a primeira gravação, em abril, de uma música de Tom Jobim: o samba-canção Incerteza (parceria com o amigo Newton Mendonça), gravado pelo cantor santista Maurici Moura e lançado num disco de 78 rotações da Sinter. Maurici soube da composição de Tom no Clube da Chave, que era frequenta-do também por Ernani Filho (cantor predileto de Ary Barroso), que seria o segundo a gravar Tom Jobim: num disco de 78 rotações, com músicas de nosso personagem nos lados A (Pensando em Você) e B (Faz uma Semana, parceria com Juca Stockler).

1954 – Sai, pela gravadora Continental, o disco de dez polegadas Rio de Janeiro – Sinfonia em Tempo de Samba, todo com composições de Tom Jobim e Billy Blanco. A obra, mais conhecida como Sinfonia do Rio de Janeiro, teve orquestração de Rada-més Gnattali e regência de Tom. Apesar de a capa do disco estampar o nome artís-tico “Tom Jobim”, nosso personagem ainda relutaria, nesse início de carreira, em ser reconhecido pelo apelido, sendo convencido a desistir do “Antonio Carlos Jobim” por Ary Barroso: “Ninguém vai dizer Antonio Carlos podendo dizer Tom”. Apesar da beleza das composições e dos arranjos e do cast de cantores escalados (Elizeth Cardoso, Dick Farney, Lucio Alves, Nora Ney, Jorge Goulart, Dóris Monteiro, Os Cariocas e Gilberto Milfont), a Sinfonia foi um tremendo fracasso comercial.

A mesma Continental lança outras composições de Tom neste ano de 1954. Uma é o belo samba-canção Solidão (parceria com Alcides Fernandes), gravado por Nora Ney. Também teve Outra Vez, samba gravado por Dick Farney em andamento de samba-canção. E o primeiro sucesso de nosso personagem: o samba Teresa da Praia, feito em parceria com Billy Blanco, por encomenda de Dick Farney, que que-ria uma música sob medida para ser gravada em dueto com o suposto inimigo Lúcio Alves. A gravação dos dois supercantores, acompanhados por Tom Jobim e conjunto, mereceu elogios da crítica e caiu no gosto popular.

1955 – Em 25 de janeiro, data em que comemorava seus 28 anos, Tom é convidado por Radamés Gnattali a participar do programa Quando os Maestros se Encontram, da Rádio Nacional. Na apresentação da peça sinfônica Lenda, composta por Tom em homenagem a Jorge Jobim, a orquestra da emissora é regida por nosso personagem, que, com auxílio de Radamés (sentado ao piano), supera o nervosismo e o suadouro, e a apresentação é um sucesso. A experiência à frente da orquestra da Nacional foi uma das oportunidades que Tom teve de pôr em prática o título de “maestro”, com que passou a ser chamado nos anos 50/60, tantos foram os arranjos e orquestrações que fez. Além do título, a qualidade de seus trabalhos lhe valeu propostas de emprego,

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como a que recebeu em agosto: a convite do diretor-presidente da Odeon, o inglês Harold Morris, foi contratado como diretor artístico da gravadora, num sinal do prestí-gio de que já gozava no meio musical. Como arranjador e pianista, atua com Orlando Silva, Dalva de Oliveira e outros grandes cantores brasileiros.

Outra mudança importante deste ano foi de residência: Tom, Thereza e Paulo voltam a morar em Ipanema, precisamente na Rua Nascimento Silva, 107, apartamento 201. Domicílio que viraria letra de música em 1974, numa parceria de Vinicius de Moraes e Toquinho: “Rua Nascimento Silva cento e sete / Você ensinando pra Elizeth / As can-ções de Canção do Amor Demais...”. Antes do disco emblemático de Elizeth Cardoso (1958), o famoso endereço foi o local em que Tom e Vinicius criaram suas primeiras parcerias, em 1956, para a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius. Movida a uísque, a dupla de compositores mais famosa da música brasileira foi inaugurada com Se Todos Fossem Iguais a Você.

1956 – É deste ano o início da parceria entre Tom e Vinicius – encontro que desencade-aria uma série de transformações na música popular brasileira a partir dos anos seguin-tes. O nascimento da parceria é formalizado por Lúcio Rangel, num encontro na Casa Villarino, no Centro, onde nosso personagem recebeu o convite de Vinicius para musicar uma peça que ele havia escrito em Paris, lugar em que servia como funcionário do ser-viço diplomático brasileiro. Era um texto que adaptava o mito de Orfeu para uma favela carioca. “Tem um dinheirinho nisso?”, perguntou Tom, que já conhecia o poeta (Clube da Chave, 1953), mas não tinha intimidade para tanto. Lúcio Rangel se assustou com a falta de meias-palavras de nosso personagem, mas Vinicius não. Já tinha perdido seu plano A (Vadico, que se recuperava de um enfarte) e levava fé no ex-pianista de boate e jovem compositor/arranjador. Fecharam parceria naquela tarde de abril de 1956. Segun-do Sérgio Cabral, foi o encantamento de Lúcio pela Sinfonia do Rio de Janeiro que o fez indicar Tom para compor com Vinicius.

Há um relato de Vinicius, transcrito na biografia de Sérgio Cabral, que merece ser lido: “Dias depois, dei-lhe uma cópia da peça onde já havia marcado os lugares onde deveria entrar música. Dias depois, Tom me telefonou. Tinha algumas ideias. E, assim, ingressei pela primeira vez, aí por abril de 1956, no saudoso apartamento 201 da Rua Nascimento Silva, 107. Uma sala quase nua de móveis, como gosta Tom, com o piano à direita. Tom mostrou-me alguns temas apenas esboçados. Até os pelinhos do braço se arrepiam quando me lembro. Era exatamente o que sonhava, aquela música poé-tica em modo plagal, profundamente amorosa em seu lirismo. Tom ensaiou no piano os primeiros acordes de Se Todos Fossem Iguais a Você. O samba saiu ali mesmo, na hora, procurando juntos as harmonias, o encadeamento das frases musicais como fazemos comumente, sem que com isso queira dizer que participei de sua feitura, pois é sempre Tom que encontra a melhor solução harmônica”. Já Tom contava que os primeiros sambas da dupla foram parar na lixeira.

Em 25 de setembro, estreia no Theatro Municipal a peça Orfeu da Conceição, reunin-do pela primeira vez no suntuoso teatro um elenco inteiramente formado por negros, encabeçado por Haroldo Costa (Orfeu), Daisy Paiva (Eurídice), Cyro Monteiro (Apolo, pai de Orfeu) e Abdias do Nascimento (Aristeu). Na ficha técnica, Orfeu tinha outro time de craques: cenário de Oscar Niemeyer, figurinos de Lila de Moraes, direção de Leo Jusi e cartazes assinados por Djanira, Carlos Scliar, Raimundo Nogueira e Luiz Ventura, além de Luiz Bonfá como violonista solo. E, naturalmente, Vinicius de Moraes (autor da peça) e Tom Jobim (autor das músicas), que se tornaram parceiros a partir de Orfeu, para a qual compuseram Lamento no Morro, Eu e o Meu Amor, Um Nome de Mulher, Sempre Mulher e Se Todos Fossem Iguais a Você. A partir da peça foi feito o filme Orfeu Negro (Marcel Camus), vencedor da Palma de Ouro em Cannes (1959) e do Oscar de melhor filme estrangeiro (1960). Em 21 de março de 2011, os dois Orfeus

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– filme e peça – são citados pelo presidente norte-americano Barack Obama, num dis-curso realizado no próprio Theatro Municipal do Rio, como suas primeiras referências sobre o Brasil. “Eu não podia imaginar que esse país era ainda mais bonito do que eu tinha visto no filme”, disse Obama, que ainda não era nascido em 1956 (ele é de 1961) e viu Orfeu Negro graças a sua mãe, a antropóloga Ann Dunhann, que adorava o filme de Camus.

1957 – Em 26 de agosto, é pai pela segunda vez, com o nascimento de Elizabeth Hermanny Jobim. A cantora Sylvia Telles lança o samba-canção Por Causa de Você (de Tom e Dolores Duran), num 78 rotações da gravadora Odeon.

1958 – O cantor e violonista João Gilberto grava o samba-choro Chega de Sauda-de (parceria de Tom e Vinicius) num disco de 78 rotações que, lançado em agosto, é considerado o marco inicial da bossa nova. No mesmo ano, Elizeth Cardoso lança o disco de dez polegadas Canção do Amor Demais (pelo selo Festa), que, embora seja todo de composições feitas por Tom e Vinicius, não é bossa nova, mas um disco de transição: os arranjos orquestrais e o vozeirão da cantora destoavam dos atalhos mini-malistas que vinham sendo praticados por Tom, João e outros artistas. Já o LP Silvia, da cantora Sylvia Telles (pela Odeon), traz seis lançamentos de Tom, todos gravados à nova maneira: Cala Meu Amor, É Preciso Dizer Adeus (ambas com Vinicius), Mágoa, Aula de Matemática (as duas com Marino Pinto), Caminhos Cruzados (com Newton Mendonça) e Estrada do Sol (com Dolores Duran).

1959 – Em março, sai o LP Chega de Saudade (Odeon), de João Gilberto, que, em-bora estreante no formato long-play, é apresentado no texto da contracapa como “um baiano bossa nova, de 27 anos, que em pouquíssimo tempo influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”. O autor do texto era Tom Jobim (diretor musical do disco), que já percebia o quanto o som de João já era um divisor de águas na música popular brasileira – como depois seria no exterior. O impacto causado pela voz e pelo violão de João Gilberto, apresentando aquela música de Tom com letra de Vinicius, fez a cabeça de muita gente pelo país, inclusive os im-berbes Caetano Emanuel Telles Vianna Velloso (então com 17 anos), Eduardo de Góes Lobo (com 16) e Francisco Buarque de Hollanda (com 15), entre outros futuros gran-des talentos da música brasileira, que apontam o LP Chega de Saudade como ponto de partida. No repertório do disco, há outros dois sambas de Tom: Brigas Nunca Mais (também com Vinicius) e Desafinado (com Newton Mendonça), este último feito no ano anterior como um samba-galhofa baseado nos cantores sofríveis que abundavam na noite carioca – terreno bastante conhecido por Tom e Newton.

Neste mesmo ano, duas cantoras lançam discos inteiros reunindo composições de Tom: Lenita Bruno (Por Toda a Minha Vida) e Sylvia Telles (Amor de Gente Moça), sendo que a segunda lançaria oito inéditas: Dindi, Demais, De Você Eu Gosto (as três com Aloysio de Oliveira), Discussão (com Newton Mendonça), Canta, Canta Mais (com Vinicius de Moraes), Só em Teus Braços, Esquecendo Você e Fotografia.

1960 – A convite do presidente Juscelino Kubitschek, interna-se com Vinicius no Catetinho, em Brasília, onde compõem Brasília – Sinfonia da Alvorada, em cinco movimentos, lançada em disco pela Columbia no ano seguinte. Na capa do LP, dese-nhos de Oscar Niemeyer, retrato fonográfico de um momento importante para o Brasil. É por esta época que Celso da Frota Pessoa e Nilza se mudam para o campo: vão mo-rar numa localidade entre Petrópolis e Teresópolis (RJ) chamada Poço Fundo – numa casa sem eletricidade e cercada de natureza por todos os lados (montanhas, árvores, bichos e “um grande rio piscoso”, como descreve Helena Jobim). Tom se sente em casa e nunca mais deixará de frequentar Poço Fundo. Em 22 de novembro, um infarto fulminante mata, aos 33 anos, o parceiro Newton Mendonça.

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1962 – Tom, Thereza e filhos trocam o apartamento da Rua Nascimento Silva por uma casa na Rua Barão da Torre, também em Ipanema. Mas o principal marco de 1962 é o lançamento do samba Garota de Ipanema, no show Encontro, realizado por Tom, Vinicius, João Gilberto e Os Cariocas na boate Au Bon Gourmet, em Copacabana. Com estreia na noite de 2 de agosto, no show foram lançados outros clássicos do repertório de Tom Jobim, como Só Danço Samba, O Amor em Paz (ambos com Vinicius), Corco-vado e Samba do Avião.

Reza a lenda que Garota de Ipanema foi feito numa das mesas do Bar Veloso (hoje Garota de Ipanema), na esquina das ruas Prudente de Moraes e Montenegro (hoje Vi-nicius de Moraes). Mas é lenda mesmo. A melodia foi feita por Tom em sua residência, na Rua Barão da Torre, inicialmente para uma comédia musical que Vinicius planejava, chamada Blimp, que nunca passou de um esboço. Já Vinicius escreveu a letra em sua casa de Petrópolis, dando àquele samba o primeiro nome de Menina que Passa, com primeira parte quase toda diferente da que ficou: “Vinha cansado de tudo / De tantos caminhos / Tão sem poesia / Tão sem passarinhos / Com medo da vida / Com medo do amor / Quando na tarde vazia / Tão linda no espaço / Eu vi a menina / Que vinha num passo / Cheia de balanço / Caminho do mar...”. A menina era Heloísa Eneida Pi-nheiro Menezes Paes Pinto, ou Helô Pinheiro, que tinha 19 anos (olhos azuis, cabelos pretos e 1,69m) e ia diariamente ao Veloso comprar cigarros para a mãe. Num dia do inverno de 1962, a garota inspirou Tom e Vinicius a escreverem esta que seria uma de suas últimas parcerias. Passados dois anos, Garota de Ipanema já tinha sido gravada mais de 40 vezes, por intérpretes que iam do iniciante Pery Ribeiro (primeiro a gravar aquele samba, num 78 rotações da Odeon, no início de 63) ao cantor norte-americano Nat King Cole. A musa só foi revelada em setembro de 1965, numa entrevista de Vini-cius à revista Manchete: “Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez de nossa Ipanema uma palavra mágica”.

E foi em 21 de novembro de 1962 que se deu o histórico show da bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York. Morrendo de medo de voar, Tom não embarca na véspe-ra, como fizeram todos os artistas escalados para a apresentação, mas no dia do show – saindo daqui de manhã e chegando aos EUA no início da noite. Só deu tempo de passar no Hotel Diplomat para vestir o smoking e seguir direto para o teatro, onde to-cou Samba de uma Nota Só e Corcovado. A imprensa nova-iorquina detestou o show, no que concordaram os participantes (Tom, Carlos Lyra e Roberto Menescal), tamanha a desorganização do roteiro e o despreparo de certas atrações. “Estou até hoje queren-do esquecer aquilo”, diria Tom Jobim ao Los Angeles Times, em 1987.

Ao contrário da maioria dos músicos do show, que retornariam ao Brasil dali a alguns dias, a estada de Tom nos EUA dura até julho de 1963 – período de muito trabalho, a começar por apresentações no Teatro Universitário de Washington (uma versão mais organizada e bem-sucedida do concerto do Carnegie Hall), no Village Gate e na TV, com o saxofonista Gerry Mulligan. O período serve também para que Tom trabalhe com letristas americanos na versão de suas músicas, evitando o desastre da versão de Chega de Saudade, que tinha virado No More Blues na versão de Jon Hendricks e Jesse Cavanaugh. No trabalho com os versionistas, a história mais emblemática é a da discussão de Tom com Norman Gimbel, que não queria mencionar “Ipanema” na letra em inglês. Achava que ia complicar a compreensão dos americanos, que confundiriam o bairro carioca com “Ipana”, marca local de pasta de dente. A discussão se dá num táxi e Tom é obrigado a convencer também o taxista, que resolveu apoiar o compa-triota. Na estada, Tom ainda participa das gravações do LP Getz/Gilberto (que só seria lançado em 1964) e de seu próprio LP, The Composer of Desafinado Plays. E, por su-gestão de Thereza (que viajaria no Natal de 62 para acompanhar o marido), Tom abre

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sua própria editora, a Corcovado, para administrar suas músicas nos EUA.

1963 – Sai nos EUA, pela gravadora Verve, o LP The Composer of Desafinado Plays, o primeiro de Tom como solista, que seria lançado no Brasil no ano seguinte, com o nome Antonio Carlos Jobim, pela gravadora Elenco. O casal volta ao Brasil em julho, num navio cargueiro, trazendo na bagagem um piano Yamaha. Pela RGE, sai no Brasil o LP A Música de Jobim e Vinicius, da cantora Elza Laranjeira, com as primeiras gra-vações de Derradeira Primavera, Só Danço Samba, Samba do Avião, Valsa do Amor de Nós Dois e Canção em Modo Menor.

1964 – Neste ano, sai pela Elenco o disco Caymmi Visita Tom, no qual nosso perso-nagem divide a interpretação de composições jobinianas e caymmianas com o amigo/ídolo Dorival e seus filhos: os iniciantes Dori, Nana e Danilo. Entre as inéditas, estão a valsa Das Rosas (de Caymmi) e o samba Só Tinha de Ser com Você (de Tom). Em novembro, embarca novamente para os EUA e passa o voo inteiro agarrado a uma figa que lhe foi dada de presente por Dorival (“Se eu cair, a Bahia vai junto comigo”). Desta vez, a viagem tem como objetivo uma longa temporada na costa oeste, tendo como base a cidade de Los Angeles. Primeiro, fica hospedado no Hotel Sunset Marquis; de-pois, com a chegada de Thereza, aluga a casa num bairro residencial e fixa residência.

Durante esta segunda estada americana, trabalha à beça: faz novas apresentações na TV (virou atração do Andy Williams Show), participa de uma temporada do mes-mo Williams num cassino à beira do Lago Tahoe (em Nevada) e grava dois LPs pela Warner. Com orquestrações do maestro Nelson Riddle, The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim é seu primeiro disco como cantor e traz duas inéditas: Bonita e Surfboard. Já o disco A Certain Mr. Jobim tem arranjos de Claus Ogerman e apenas uma inédi-ta: a instrumental Zíngaro. Durante a estada, é visitado por muitos artistas brasileiros, entre eles o inseparável Aloysio de Oliveira, o ídolo Dorival Caymmi (também atração no programa de Andy Williams) e o parceiro Vinicius de Moraes, com quem viaja de trem até Nova York, de onde embarca de volta ao Brasil (de navio, claro), trazendo outro piano Yamaha, desta vez de cauda.

É deste ano o lançamento do LP Getz/Gilberto – Featuring Antonio Carlos Jobim, lançado pela Verve (no Brasil, pela Odeon), no qual o saxofonista Stan Getz divide a interpretação das oito faixas com João Gilberto, acompanhados pelo piano de Tom. O disco conta também com a estreia da cantora Astrud Gilberto, esposa de João, em duas versões em inglês: Quiet Nights (Corcovado) e The Girl from Ipanema (Garota de Ipanema). Foi a partir desta gravação que a Garota iniciou sua trajetória internacional de sucesso, com inúmeras regravações (por artistas de jazz, rock, música lírica, country, tango, pop, dance...) que a levaram ao posto de segunda música mais executada no mundo, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles (“E olha que eles eram quatro”, brincava Tom). Recebeu sete indicações ao Grammy Awards em 1965, conquistando três tro-féus: os de melhor álbum, melhor compacto e melhor solista (Getz). Uma das últimas interpretações de Garota de Ipanema está no longa-metragem de animação Rio, de Carlos Saldanha, tendo como solista o tucano Rafael.

1965 – Sai nos EUA o LP Sylvia Telles Sings the Wonderful Songs of Antonio Carlos Jobim (Kapp Records), que só seria lançado no Brasil no ano seguinte – ano da morte trágica da cantora, aos 32 anos, num acidente de carro. Neste segundo disco dela dedicado a Jobim, o repertório trazia duas inéditas: Eu Preciso de Você e Samba Torto (ambas em parceria com Aloysio de Oliveira).

1966 – É deste ano, segundo Sérgio Cabral, o início da amizade com Chico Buarque, a quem Tom é apresentado por Aloysio de Oliveira. Ídolo de Chico (que mais tarde confessaria em letra: “Meu maestro soberano foi Antonio Brasileiro”), Tom também era

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fã dele, que nesta época era “apenas” o compositor de A Banda e dos sambas da fase inicial de sua obra, como Pedro Pedreiro, Olê Olá e Sonho de um Carnaval. O encon-tro se deu na casa de Tom e Thereza, que a essa altura moravam na Rua Codajás, 108, no Alto Leblon. Por conta das janelinhas redondas e do jeitão naval, a residência dos Hermanny-Jobim tinha o apelido de “casa-navio”. Foi lá que se deram memoráveis noitadas musicais capitaneadas por Paulo Jobim com seus amigos/contemporâneos, como Danilo Caymmi, Ronaldo Bastos, Milton Nascimento, os irmãos Paulo e Cláudio Guimarães e Joyce.

Em meados de 1966, Tom dividia uma mesa de bar com os amigos Kabinha, Dico Wanderley e Roberto Quartin – como conta Helena Jobim – quando se deu um fato inusitado: “No bar Veloso, de tardinha, o telefone toca. Chamam Tom. Avisam que é um homem falando inglês. Tom vai ao telefone. É Frank Sinatra. Explica que tinha telefonado para sua casa e de lá haviam lhe dado esse número. Convida-o para gravar um disco, se tivesse agora disponibilidade de tempo”. Tom relembra o telefonema no livro Tom Jobim: Depoimento: “Não pensei em trote, porque ninguém ia fazer uma brincadeira cara dessas, ligando dos Estados Unidos. Meus ouvidos conheciam bem as vozes das ligações internacionais, como eram feitas naquele tempo. Sinatra foi falan-do, depois de se identificar com simplicidade: ‘Quero fazer um disco com você e quero saber se você acha isso interessante’. Acrescentou que pagaria todas as despesas e que eu ficaria hospedado com ele. Soube depois que esse tipo de convite, de interesse profissional, ele sempre faz pessoalmente. Pega o telefone e vai direto ao assunto. No meu inglês precário, lembro que respondi: ‘Perfeitamente. É uma ordem’. Sinatra per-guntou: ‘Você me acompanha com seu violão?’. Respondi que não era violonista, mas aceitava. O fato é que me sentiria mais à vontade no piano”.

O resultado é o LP Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, gravado em Los Angeles (EUA), em janeiro de1967 – quando o Veloso já tinha novo nome, Garota de Ipanema, para desgosto dos clientes, inclusive Tom. O encontro rendeu também um especial de TV – Tom tocando violão e fazendo dueto com Sinatra – que vence o prê-mio Emmy, entregue anualmente aos melhores da televisão americana.

1967 – Neste ano, são três os discos de Tom lançados nos EUA: A Certain Mr. Jobim (pela Warner), Wave (CTI Records/A&M) e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, pelo selo Reprise. Mas importante mesmo para Tom foi a inauguração – 11 de fevereiro – do bar Antonio’s, na Bartolomeu Mitre (Leblon), que se tornaria seu “escri-tório” depois dos bares de Ipanema e do Centro (anos 50/60) e antes da churrascaria Plataforma (anos 80). “E era lá que todos os músicos (o Tom, o Chico, o Toquinho e todos os outros) iam encontrar o Vinicius”, escreve Paulo Mendes Campos.

1968 – Em 29 de setembro, a canção Sabiá, em parceria com Chico Buarque, é a ven-cedora do III Festival Internacional da Canção (FIC), na final realizada no Maracanãzi-nho. Defendida pelas cantoras Cynara e Cibele (do Quarteto em Cy), a música recebe as vaias mais estrondosas da história da música brasileira: sufocado por uma ditadura militar que durava desde 1964 e que dali a dois meses ficaria mais violenta com a pro-mulgação do AI-5, o público não queria saber do lirismo de Chico e Tom, ainda que Sabiá, como a Canção do Exílio (Gonçalves Dias), trouxesse imagens propícias ao con-texto: “Vou deitar à sombra / De uma palmeira / Que já não há / Colher a flor / Que já não dá / E algum amor / Talvez possa espantar / As noites que eu não queria...”. O Maracanãzinho absolutamente lotado preferia a mensagem direta e panfletária da marcha Para Não Dizer Que Não Falei de Flores (Geraldo Vandré) e não perdoou a decisão do júri.

Já na eliminatória do festival, Sabiá havia enfrentado a ira da plateia-torcida, motivo pelo qual Tom mandou telegrama a Chico, que na época fazia uma série de shows na

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Itália: “Preciso urgentemente que você volte para a final do festival. Motivo: vaia”. O parceiro voltou e viu Sabiá ser campeã. Com a vitória, Tom tem que pagar a aposta que fizera com Vinicius, no Antonio’s (bar do Leblon que passou a frequentar nos anos 60), com direito a ata datada de 17 de setembro de 1968: o poeta apostava na vitória de Sabiá e nosso personagem não levava fé. Teve que pagar ao parceiro “uma caixa de uísque de qualidade superior (Black Label, de preferência)”, conforme jurado na ata. O troféu foi o desfecho de um ano especial para Tom: 1968 marcou a estreia da parceria com Chico Buarque, inaugurada antes mesmo de Sabiá, quando o letris-ta transformou a instrumental Zíngaro, lançada no ano anterior (LP A Certain Mr. Jobim), em Retrato em Branco e Preto. Desta leva inicial da produção de Chico e Tom são também Pois É e Olha Maria (que se chamava Amparo antes de ser letrada por Chico e Vinicius de Moraes).

1970 – Saem nos EUA mais dois LPs de Tom Jobim: Stone Flower (pela CTI) e Tide (CTI/A&M).

1972 – No Disco de Bolso do Pasquim, Tom Jobim lança o samba Águas de Março, composto no início do ano, em Poço Fundo, e cuja letra começou a ser escrita num papel de pão enquanto via “uma aguinha passar pelo regato”, como contou aos ami-gos que recrutou para ouvir o samba em primeira mão, em sua casa no Rio. Aponta-do pelo crítico inglês Leonard Feather como “uma das dez músicas mais bonitas do século”, Águas de Março evidencia também o grande letrista que foi Tom Jobim. No lado B do disquinho, cujo título era O Tom de Antonio Carlos Jobim e o Tal de João Bosco, estreava o cantor, compositor e violonista João Bosco, interpretando Agnus Sei (em parceria com Aldir Blanc).

1973 – Ano de lançamento do LP Matita Perê, pela Philips – dedicado a três escrito-res: Carlos Drummond de Andrade, Mário Palmério e Guimarães Rosa. Foi baseado na linguagem deste último que o jovem Paulo Cesar Pinheiro fez a letra de Matita Perê, a canção – por encomenda de Tom, que tinha adorado Sagarana, música de Pinheiro e João de Aquino, apresentada num festival em 1969. Em 23 de fevereiro, nasce o primeiro neto de Tom Jobim, Daniel, filho de Paulo Jobim e Elianne Canetti.

1974 – Sai pela Philips o LP Elis & Tom. O ponto alto do repertório é Águas de Março, que aqui tem sua gravação definitiva. Segundo Sérgio Cabral, é desta época o primeiro diagnóstico dos problemas circulatórios que passariam a causar dores nas pernas de Tom. Durante uma das muitas viagens a Nova York, o frio dificultou-lhe as caminhadas e foi ao Hospital Mount Sinai, onde ficou sabendo que sofria de “perfusão inadequada dos membros inferiores”, consequência do tabagismo. Teria que largar o cigarro, reduzir a bebida a quase zero e, devido a uma obstrução na aorta (outra notí-cia que recebeu no Mount Sinai), precisaria fazer o implante de uma prótese vascular no peito. A única providência tomada foi a troca do cigarro pelo charuto – acessório que, somado ao chapéu que passou a usar (também por esta época), seria uma das marcas de seu visual até o fim da vida.

1976 – Tom lança, pela gravadora WEA, o LP Urubu. O repertório apresenta as iné-ditas Boto (inspirada na música Do Pilar, de Jararaca), Ângela e Saudade do Brasil, além das primeiras gravações de Tom para Lígia e Correnteza (com Luiz Bonfá). Uma das joias do disco é o texto da contracapa escrito por Tom: “Jereba é urubu importan-te como, aliás, todo urubu...”. Neste ano, é avô pela segunda vez, com o nascimento de Dora, no dia 6 de maio.

1977 – É uma das atrações de show histórico realizado no Canecão, ao lado de Vini-cius de Moraes, Toquinho e Miúcha, com direção de Aloysio de Oliveira. A temporada (de 5 de outubro a 8 de abril do ano seguinte) ficaria lembrada no LP Tom, Vinicius,

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Toquinho, Miúcha – Gravado ao Vivo no Canecão, lançado pela Som Livre. Outro lançamento fonográfico deste ano é o LP Miúcha & Antonio Carlos Jobim (pela RCA Victor), que seria bisado em 1979, quando sai o LP Miúcha & Tom Jobim, pela mesma gravadora. Após incontáveis desgastes domésticos por conta da vida boêmia, separa-se de Thereza e vai morar com Nilza e Celso da Frota Pessoa.

1978 – Em maio, sai da casa da mãe para mais uma ida a Nova York (EUA), desta vez em lua de mel com a namorada Ana Beatriz Lontra, fotógrafa que conheceu no Luna Bar, em Ipanema. São desta temporada, em que ficaram hospedados no Hotel Adams, o samba Você Vai Ver e o choro-canção Falando de Amor. Na volta, o casal vai morar no Hotel Marina (Leblon) e, em dezembro, se muda para uma casa alugada na Rua Peri, no bairro do Jardim Botânico, onde viveria seis anos. A partir daí, seria para sempre vizinho do Jardim Botânico, o parque, um de seus recantos preferidos no Rio, por onde gosta-va de caminhar, observar pássaros e espécimes da flora. Segundo Sérgio Cabral, foi por esta época que conheceu o médium Lourival de Freitas, “o bruxo” (como era chamado por Tom), que incorporava entidades e operava seus pacientes usando a música como anestesia. Também os tratava com ervas, como fez com Tom, que tomava chás recei-tados por ele para manter-se afastado da bebida e do cigarro e se curar dos problemas circulatórios.

1979 – Em 15 de janeiro, morre o tio João Lyra Madeira, de enfarte, aos 70 anos. Em 2 de fevereiro, morre Celso da Frota Pessoa, de edema pulmonar, aos 68 anos. Em 30 de outubro, nasce João Francisco Lontra Brasileiro de Almeida Jobim, filho de Tom e Ana. Já a vida boêmia de nosso personagem ganha um novo pouso: a Churrascaria Plataforma, no Leblon, inaugurada neste ano por seu grande amigo Alberico Campa-na, um comerciante italiano chegado ao Brasil em 1952, aos 23 anos, e que começou sua vida profissional na noite carioca como garçom no Beco das Garrafas, em Copaca-bana. Quem quisesse encontrar Tom bastava ir ao seu “escritório” na hora do almoço, onde ele estaria numa mesa repleta de amigos, como os atores Antonio Pedro, Hugo Carvana e José Lewgoy, o compositor Abel Silva, o cineasta Miguel Faria e os cartu-nistas Jaguar e Ziraldo, entre outros. Se não estivesse na Plataforma, era muito pro-vável que a turma estivesse ali perto, do outro lado da rua, no bar Arataca, localizado dentro da Cobal. A Plataforma foi fundada inicialmente como uma casa de shows que teria um restaurante anexo, tendo virado churrascaria por causa da oportunidade – não havia muitas outras na cidade. Juntamente com o bar Universidade do Chope, também no Leblon, a Plataforma e o Arataca formavam “o triângulo das bermudas”, assim apelidado por Tom.

1980 – No ano da morte do parceiro Vinicius de Moraes (9 de julho), Tom lança, pela Warner, o álbum duplo Terra Brasilis, gravado em Nova York, com produção de Aloysio de Oliveira e arranjos de Claus Ogerman. No repertório, predominam temas instrumentais e versões em inglês, como os clássicos Garota de Ipanema, Desafinado, Corcovado, Estrada Branca e Dindi. Entre as inéditas estão a instrumental Marina Del Rey, a gershwiniana Two Kites e o samba Você Vai Ver, gravado em dueto com Ana Jobim. Com Chico Buarque, compõe a valsa Eu Te Amo, para o filme homônimo de Arnaldo Jabor, lindamente gravada pela cantora Telma Costa, acompanhada por Tom ao piano.

1981 – Grava com o discípulo Edu Lobo o LP Tom & Edu, Edu & Tom, lançado pela Polygram. Entre as faixas cantadas em dueto está Choro Bandido, parceria de Edu e Chico Buarque composta em homenagem a Tom, originalmente para a peça O Corsá-rio do Rei, de Augusto Boal. “Eu te abençoo em nome de VilIa-Lobos, meu pai, teu avô”, escreveria Tom no texto de apresentação do Songbook Edu Lobo, publicado em 1995 pela Editora Lumiar. Nos EUA, sai o LP Ella Fitzgerald Sings Antonio Carlos Jobim, que seria lançado no Brasil no ano seguinte, com o título Ella Abraça Jobim.

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1982 – Em 23 de abril, Tom Jobim ganha o Prêmio Shell de Música Popular, em ce-rimônia que contou com um concerto na Sala Cecília Meirelles, com participações de Radamés Gnattali, Raphael Rabello e Olívia Byington, além do próprio Tom. O prêmio foi um dos muitos recebidos nas décadas de 70 a 90, entre eles o Prêmio Sharp de melhor disco e melhor música (Passarim, 1988), a Ordem do Rio Branco, a entrada no Hall da Fama de Compositores da Academia Nacional de Música dos EUA (ambos em 1990) e o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Nova de Lisboa.

1984 – Ano de novidades imobiliárias: Tom, Ana e João Francisco se mudam para a Rua Sara Villela, no alto do Jardim Botânico, para uma casa planejada pelo próprio Tom, projetada por Paulo Jobim e Maria Elisa Costa (filha de Lúcio Costa) e cons-truída num terreno que o próprio Tom tinha encontrado no ano anterior, onde “o ar é limpo, a água é limpa, os passarinhos existem, não é aquela mentira lá embaixo”, como diria a Sérgio Cabral. Ciente da marcação dos pontos cardeais em sua proprieda-de, Tom orientou os arquitetos a fazerem os banheiros a oeste (para evitar umidade), os quartos para leste (onde nasce o sol) e que a casa tivesse pé-direito alto: “Pé-direi-to bom é aquele em que você entra montado a cavalo e dá vivas à república tirando da cabeça o chapéu mexicano”. Com vista para a Praia de Ipanema, para a Lagoa, para o Corcovado e para o Pão de Açúcar, o novo endereço da família Jobim era frequente-mente visitado pela fauna carioca: paca, tatu, mico, gavião, inhambu, urutau, capoei-ra, saracura, preguiça, periquitos e papagaios-maracanã. Além da inauguração da nova casa, neste ano de 1984 Tom passou a ter um endereço também em Nova York: um dois-quartos com varanda comprado no 22º andar de um edifício vizinho ao Metro-politan Museum e ao Central Park.

1986 – Depois de oito anos vivendo juntos (e um filho de sete anos, João Francisco), Tom se casa oficialmente com Ana, que passa a se chamar Ana Beatriz Lontra Jobim.

1987 – Em 20 de março, nasce Maria Luiza Helena, filha de Tom e Ana. No disco Passarim, lançado neste ano pela Verve/Columbia, Tom Jobim grava, pela primeira vez, com a Nova Banda, formada por Paulo Jobim (violão), Danilo Caymmi (flauta), Jaques Morelenbaum (violoncelo), Tião Neto (baixo), Paulo Braga (bateria) e coro feminino: Ana Jobim, Elizabeth Jobim, Maúcha Adnet, Paula Morelenbaum e Simone Caymmi. O disco reúne alguns destaques da produção oitentista de Tom, como as ro-mânticas Chansong e Bebel e as ecológicas Passarim e Borzeguim, além de três temas feitos por encomenda – a suíte Gabriela para o cinema (Gabriela, Cravo e Canela, de Bruno Barreto) e dois para a TV: a valsa Luiza (para a novela Brilhante, de Gilberto Braga) e o bolero Anos Dourados (para a minissérie homônima, do mesmo autor), gravado com o parceiro Chico Buarque. Passarim também foi tema de abertura da minissérie O Tempo e o Vento, de Doc Comparato, baseado na obra de Érico Verissi-mo.

Ainda em 1987, Joyce Moreno comemora os 60 anos de nosso personagem com o LP Tom Jobim, os Anos 60, lançado pela SBK Songs/CBS. Com participação do pianis-ta Gilson Peranzzetta, regrava 12 sucessos jobinianos e merece elogios derramados do homenageado, na contracapa do disco: “Você é a luz que banhou a velha garage escura onde um menino encontrou um velho piano desafinado...”, diz um trecho da apresentação escrita por Tom.

1988 – Muda-se para o apartamento de Nova York, onde vive três anos – com Ana, João Francisco e a pequena Maria Luiza.

1989 – Em 22 de março, Tom é avô pela terceira vez, com o nascimento de Isabel, filha de Paulo Jobim e Elianne Canetti. Em 17 de novembro, morre Nilza, a três meses de completar 80 anos, de pneumonia.

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1991 – Em 25 de março, nasce em Nova York o quarto neto de Tom – André, filho de Elizabeth e Marcos André Martins.

1992 – É homenageado pela Estação Primeira de Mangueira, que, neste ano, fica em sexto lugar no concurso das escolas de samba, com o enredo Se Todos Fossem Iguais a Você, do carnavalesco Ilvamar Magalhães. Em retribuição à homenagem, compõe o samba Piano na Mangueira (última parceria com o mangueirense Chico Buarque), lan-çado neste mesmo ano no CD Paula Morelenbaum.

1994 – Lançado neste ano pela Globo/Columbia, Antonio Brasileiro é o último disco de Tom Jobim produzido por Paulo e Daniel Jobim. Nele, canta duas faixas com a filha caçula (o Samba de Maria Luiza e Forever Green) e presta homenagem a três de seus mestres, com as composições Meu Amigo Radamés e Trem de Ferro (feita a partir de um poema de Manuel Bandeira) e com as gravações de Maracangalha e Maricotinha, ambas de Dorival Caymmi, que divide a interpretação da segunda com Tom. Outro convidado do disco é o roqueiro Sting, que canta How Insensitive, versão em inglês de Insensatez. E tem ainda o foxtrote Querida, já conhecido pelos brasilei-ros desde 1991, ano da novela O Dono do Mundo (Gilberto Braga e Ricardo Linhares). Outro lançamento fonográfico deste ano de 1994 foi o CD Duets II, de Frank Sinatra, no qual Tom Jobim dividiu com o cantor americano a interpretação de Fly Me to the Moon (Bart Howard).

O início do ano, porém, trouxe más notícias a Tom: após urinar sangue, ele vai ao médico e é diagnosticado com câncer na bexiga. Após apresentações no Carnegie Hall (abril) e em Jerusalém (seu último show, em maio), concentra-se em sua saúde. Primei-ramente, tenta a cura fora da medicina tradicional (com o paranormal Thomas Green Morton e depois em duas sessões no Centro Espírita Lar de Frei Luiz, em Jacarepaguá), mas no fim das contas acaba indo se tratar em Nova York, internando-se no Hospital Mount Sinai em 2 de dezembro. Dali a três dias, o tumor na bexiga é extirpado com sucesso e o primeiro exame indica que está livre do câncer. Recuperava-se bem, mas Tom passa a sofrer com problemas respiratórios. Na manhã de 8 de dezembro, sofre duas paradas cardíacas e falece, aos 67 anos. O corpo chega ao Rio na manhã do dia 9, sendo velado no Centro dos Visitantes do Jardim Botânico, de onde partiu para o sepultamento, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. No túmulo, um verso inspirado no grego Hipócrates, que Tom fez para o fox Querida: “Longa é a arte, breve é a vida”.

* Pedro Paulo Malta é músico, jornalista e pesquisador de música popular brasileira. Foi consultor da série Pequenos Notáveis, produzida pela MultiRio, que mostra a vida e a obra de grandes compositores brasileiros a fim de inspirar crianças de 9 a 14 anos a descobrir suas aptidões.