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1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS 2ª e 4ª Promotorias de Justiça de Trindade Curadorias do Meio Ambiente e Patrimônio Público EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE TRINDADE - GO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pelos Promotores de Justiça infra-assinados, no uso de suas atribuições, com fundamento nos artigos 37, caput e § 4º, 129, incisos II e III, 182, caput, 225, caput e § 1º, todos da Constituição Federal e artigos 1º a 3º, 11, caput e inciso I, 12, inciso III e 17 da Lei Federal nº 8429/1992 e demais dispositivos legais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL em desfavor de 1) GEORGE MORAIS FERREIRA, brasileiro, RG nº 1.110.758-SSP/GO, CPF nº 254.215.731-68, ex-prefeito do município de Trindade, residente na rua Dr. Irani Ferreira, nº 194, centro, Trindade – GO, 2) RICARDO FORTUNATO DE OLIVEIRA , brasileiro, atual Prefeito Municipal de Trindade – GO, C.P.F nº 634.573.421-72, RG nº RP4169CRAGO, encontradiço na sede da Prefeitura Municipal de Trindade, localizada na Praça Constantino Xavier, nº 330, centro, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. I – INTRODUÇÃO A presente Ação Civil Pública encontra-se fundada na documentação acostada aos autos nº 200402047634 e 200701298957, bem como em informações atuais produzidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e pela Vigilância Sanitária Estadual, cuja temática refere-se à apuração de fatos indicadores de que a Prefeitura Municipal de Trindade não possui, ainda, uma política definida quanto ao gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, o que ocasiona, de forma permanente,

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1MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

2ª e 4ª Promotorias de Justiça de TrindadeCuradorias do Meio Ambiente e Patrimônio Público

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE TRINDADE - GO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pelos Promotores de Justiça infra-assinados, no uso de suas atribuições, com fundamento nos artigos 37, caput e § 4º, 129, incisos II e III, 182, caput, 225, caput e § 1º, todos da Constituição Federal e artigos 1º a 3º, 11, caput e inciso I, 12, inciso III e 17 da Lei Federal nº 8429/1992 e demais dispositivos legais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL em desfavor de 1) GEORGE MORAIS FERREIRA, brasileiro, RG nº 1.110.758-SSP/GO, CPF nº 254.215.731-68, ex-prefeito do município de Trindade, residente na rua Dr. Irani Ferreira, nº 194, centro, Trindade – GO, 2) RICARDO FORTUNATO DE OLIVEIRA, brasileiro, atual Prefeito Municipal de Trindade – GO, C.P.F nº 634.573.421-72, RG nº RP4169CRAGO, encontradiço na sede da Prefeitura Municipal de Trindade, localizada na Praça Constantino Xavier, nº 330, centro, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

I – INTRODUÇÃO

A presente Ação Civil Pública encontra-se fundada na documentação acostada aos autos nº 200402047634 e 200701298957, bem como em informações atuais produzidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e pela Vigilância Sanitária Estadual, cuja temática refere-se à apuração de fatos indicadores de que a Prefeitura Municipal de Trindade não possui, ainda, uma política definida quanto ao gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, o que ocasiona, de forma permanente,

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sérios danos ao meio ambiente e a própria saúde pública de toda a população.

As duas ações acima mencionadas já se encontram devidamente sentenciadas1 pelo magistrado a quo, contemplando os pedidos formulados pelo PARQUET.

Sem justificativa plausível, a questão referente ao regular gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos nunca foi cumprida, de forma integral, pela municipalidade, sendo certo que, após longos anos de total irresponsabilidade dos governantes, a situação perdura até a presente data.

Iniciada a saga durante a gestão do ex - Prefeito Municipal de Trindade2, GEORGE MORAIS FERREIRA, ora requerido, restou comprovada pela farta documentação juntada aos autos acima mencionados, grave degradação e descumprimento as normas ambientais vigentes, na área correspondente ao aterro.

1 datadas de 19 de janeiro de 20122 conforme documentos abaixo relacionados, datados de 07 de fevereiro de 2007

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Embora conste às fls. 475/477, Licença de Funcionamento expedida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente3, ao cumprir determinação do magistrado Éder Jorge – fl. 478, o Oficial de Justiça Gerson Camelo Pinto, apontou várias irregularidades, em desacordo com a decisão de fls. 418/421, que concedeu antecipação de tutela, em face dos pleitos formulados nos autos nº 200701298957, conforme relatório datado de 04 de novembro de 2008 – fls. 479/480.

3 constando textualmente (item 24) que a SEMARH apenas liberou projeto para implantação e que a eficiência declarada são de responsabilidade do autor do projeto, do executor e do empreendedor, cabendo tal fiscalização ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA/GO)

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Com o escopo de firmar a responsabilidade ambiental do ex – gestor municipal – GEORGE DE MORAIS, o atual Prefeito de Trindade, ora requerido RICARDO FORTUNATO DE OLIVEIRA, por meio do ofício 11/2009, acostado às fls. 488/489, elencou diversas irregularidades na operação do aterro:

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Entretanto, 'esqueceu-se' o requerido RICARDO FORTUNATO de expender esforços para corrigir a situação irregular noticiada, pois o quadro fático mostra-se inalterado, ao passo que nota-se explicitamente a gravidade da questão ambiental ora tratada, de difícil ou incerta reparação, claramente demonstrada pela farta documentação acostada aos autos – fls. 5144, 577/5785, 601/6026 e 610/6127, não se atentando o governante municipal — de forma a descumprir

4 Relatório produzido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente nº 06/2010, datado de 18/01/20105 Relatório produzido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente nº 395/2012, datado de 19/03/20126 Relatório produzido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente nº 632/2012, datado de 23/04/20127 Relatório produzido pela Vigilância Sanitária Estadual nº 25/2012, datado de 20/04/2012

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os princípios basilares da administração pública — de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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A iniciativa do Parquet está albergada pela Constituição Federal e pelas leis ambientais federais, estaduais e municipais que versam acerca da preservação ambiental.

A Lei Federal nº 11.445/07 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico.

“Art. 3º- Para os efeitos desta Lei, considera-se:(...)c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originários da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas”.

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Por sua vez, a Lei Estadual nº 14.248/02, trata especificamente dos resíduos sólidos gerados no Estado de Goiás, dispondo:

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Cumpre assinalar que a problemática do lixo no meio urbano abrange alguns aspectos relacionados à sua origem e produção, assim como o conceito de inesgotabilidade e os reflexos de comprometimento do meio ambiente, principalmente a poluição do solo, do ar e dos recursos hídricos.

O lixo, disposto inadequadamente, sem qualquer tratamento, polui o solo, alterando suas características físicas, químicas e biológicas, constituindo-se num problema de ordem estética e, mais ainda, numa séria ameaça à saúde pública.

Diante de toda a problemática decorrente da inadequação da disposição final do lixo urbano, imposição esta decorrente de lei, houve a configuração de ato ímprobo por parte dos requeridos, uma vez que os mesmos sempre estiveram a par dos seus deveres como chefe do executivo, em zelar pela proteção do meio ambiente e da saúde de sua comunidade, e não adotaram as providências que lhes cabiam. Configurou-se, portanto, omissão prevista no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

Por derradeiro, importante se faz a alusão acerca da problemática dos lixões, prática usual no Brasil, sendo depósitos de resíduos, sem nenhum tratamento, com a diferença de que são institucionalizados, isto é, autorizados e utilizados pelas próprias Prefeituras.

Mas, o fato de se dispor de um aterro sanitário não significa estar de acordo com os ditames da lei. Necessita-se, para tal, a execução da compostagem e da reciclagem, permanentemente.

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II – DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL POR OMISSÃO DO REPRESENTANTE DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL:

É por demais sabido que a Administração Pública no exercício de suas funções tem o dever de buscar sempre o interesse público como meio de propiciar o bem-estar social.

No exercício da atividade urbanística o agente público não tem qualquer margem de atuação com base em critérios de conveniência e oportunidade. Nessa esteira são as palavras de Hely Lopes Meirelles8: “o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificações”.

De tal sorte, a omissão de qualquer representante do Poder Público — quando versar acerca de matéria ambiental — requer sua punição imediata por intermédio da ação civil de improbidade administrativa ambiental, denominação utilizada atualmente pela melhor doutrina.

Isto porque, as questões ambientais são marcadas de intensa atividade administrativa, concernentes em atos autorizadores ou licenciadores do Poder Público e atos de fiscalização das práticas potencialmente danosas ao meio ambiente, além do implemento de programas voltados à proteção ambiental dos diversos recursos disponíveis.

Eventual omissão, que não tem por antecedente o exercício da discricionariedade, significa descaso com a coisa pública.9

8 In Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 19ª ed.9Marcos Vinicius Monteiro dos Santos. A Improbidade Administrativa decorrente da Omissão na Atuação dos Agentes Públicos. Manual Prático da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo. São Paulo: Imprensa Oficial, MP/SP, 2005.

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A Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada de maneira correlacionada com as leis ambientais, de forma a observar e obedecer aos princípios que regem o Direito Ambiental, insculpidos pela Constituição Federal.

Ora, se, por um lado, o Estado é o promotor por excelência da defesa do meio ambiente na sociedade quando elabora e executa políticas públicas ambientais e quando exerce o controle e a fiscalização das atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, por outro lado, ele aparece, também, em muitas circunstâncias, como responsável direto e indireto pela degradação da qualidade ambiental, quando elabora e executa outras políticas públicas – como, por exemplo, as relacionadas ao desenvolvimento econômico e social – e quando se omite no dever que tem de fiscalizar as atividades que causam danos ao meio ambiente e de adotar medidas administrativas necessárias à preservação da qualidade ambiental.10

Em decorrência da norma trazida na Constituição Federal coube ao legislador brasileiro especificar os atos de improbidade administrativa, o que ocorreu com a vigência da Lei nº 8.429/92, conforme se vê de seus artigos 1º, "caput", 2º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10, 11 e 12.

A improbidade administrativa ambiental pode ser vista também pelo ângulo da ofensa aos princípios administrativos, conforme dispõe o art. 11 da Lei nº 8429/92, in verbis:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente :

10 Álvaro Luiz Valery Mirra. Proteção do Meio Ambiente: a omissão do Poder Público e o papel do Judiciário no controle da Administração Pública. Revista de Direito Ambiental Ano 8, nº 30. São Paulo: RT, 2003.

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I – Praticar ato visando fim proibido em Lei ou regulamento ou diverso daquele previsto em regra de competência;II – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;(...)”.

O dispositivo não cogita do enriquecimento ilícito do agente ou do prejuízo para o erário, contemplados nos atos descritos nos arts. 9º e 10º. Tem a finalidade de fazer prevalecer os deveres do agente público, salientados no art. 4º da Lei de Improbidade Administrativa, que lhes impõe, aos agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia, a obrigação de velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Constitui regra que garante a observância dos princípios estipulados no art. 37 da Constituição Federal.11

Comentando o inciso I, do artigo 11 da Lei de Improbidade, MARCELO FIGUEIREDO12 explicita:

“O princípio da legalidade é, sem dúvida, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Ao lado dele convive o princípio da supremacia do interesse público ou princípio da fidelidade pública. De fato, a administração pública, ao cumprir seus deveres constitucionais e legais, busca incessantemente o interesse público, verdadeira síntese dos poderes a ela atribuídos pelo sistema jurídico positivo, desequilibrando forçosamente a relação administração-administrado. Ausentes os poderes administrativos, não seria possível realizar uma série de competências e deveres institucionais (os sacrifícios a direitos, as intervenções, desapropriações, autorizações, concessões, poder de polícia, serviços públicos, etc.). Contudo, forçoso reconhecer que a atividade administrativa não é senhora dos interesses públicos, no sentido de poder dispor dos

11 SOBRANE, Sério Turra. Improbidade Administrativa em Matéria Ambiental. Manual Prático da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial, Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005.12 In Probidade Administrativa – Comentários à Lei nº 8429/92 e legislação complementar, Malheiros Editores, p. 61.

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mesmos a seu talante e alvedrio. Age de acordo com a ‘finalidade da lei’, com os princípios vetores do ordenamento, expressos e implícitos. A administração atua, age, como instrumento de realização do ideário constitucional, norma jurídica superior do sistema jurídico brasileiro.

(...)A norma em foco autoriza a pesquisa do ato administrativo a fim de revelar se o mesmo está íntegro ou, ao contrário, apenas aparentemente atende à lei, se os motivos e seu objeto têm relação com o interesse público, se houve algum uso ou abuso do administrados, se a finalidade foi atendida de acordo com o sistema jurídico; e assim por diante”. (grifo nosso)

SÉRIO TURRA SOBRANE13 afirma que o inciso II, do art. 11 da Lei nº 8.429/92 pune a prevaricação do agente, que retarda ou omite a prática de ato de ofício que era de sua obrigação realizar. Esta modalidade de improbidade pode ser aplicada com freqüência em matéria ambiental. É comum o retardamento de atos pelas autoridades ambientais que, sem justificativa plausível, atrasam a conclusão de procedimentos ou realização de diligências.

O objetivo esculpido no inciso II, do art. 11 da Lei de Improbidade é punir o agente público omisso que retarda ou se abstém de praticar um ato de sua competência em absoluta violação à norma legal, regulamentar aos princípios que regem a Administração Pública.

No caso em tela, além da imposição de prejuízo ao erário, houve omissão na adoção das providências administrativas determinadas por lei, necessárias à preservação e restauração de bens e recursos ambientais.

13 Improbidade Administrativa em Matéria Ambiental. Manual Prático da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente. São Paulo: Imprensa Oficial, Ministério Público do Estado de São Paulo, 2005.

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Descumpriu-se, consequentemente, tanto as normas infraconstitucionais acima elencadas, quanto as constitucionais, que impõem ao Administrador Público determinadas condutas e atividades que visam a proteção a bens e recursos naturais.

E diante dessas omissões do Poder Público é importante o controle jurisdicional da Administração, no sentido de vencer a inércia administrativa na adoção de medidas de preservação da qualidade ambiental.14

MARINO PAZZAGLINI FILHO15, com extrema pertinência, leciona:

“Os órgãos e entidades públicas têm o poder-dever de atuar na tutela ambiental para ‘assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado’ (art. 225, § 1º da CF). Essa atuação obrigatória e prioritária decorre da norma constitucional, em especial do princípio da prevenção e precaução, que é impositivo, vinculante e coercitivo. (...)O dispositivo constitucional utiliza a expressão ‘assegurar a efetividade desse direito’, o que realça, na área do meio ambiente, o princípio constitucional da eficiência (art. 37 da CF), que deve ser observado pela Administração Pública em geral e sempre nortear a conduta dos agentes públicos encarregados do controle ambiental.Portanto, na defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, não basta aos organismos e aos agentes públicos comportamentos ativos e omissivos neutros, insuficientes para reparar, prevenir e precaver os danos ambientais.

14 Proteção do Meio Ambiente: a omissão do Poder Público e o papel do Judiciário no controle da Administração Pública . Revista de Direito Ambiental Ano 8, nº 30. São Paulo: RT, 2003, p. 36.15 Princípios Constitucionais Reguladores da Administração Pública. São Paulo, Atlas, 2000, páginas 55/56.

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É mister que organismos e agentes públicos executem as tarefas de sua responsabilidade, direcionadas sempre à reparação ou à proteção mais adequada, mais eficaz possível, dos recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (inciso V da Lei nº 6.938, de 31-8-81, com a redação dada pela Lei nº 7.804 de 18-7-89).Por conseguinte, os agentes públicos, no exercício da tutela do meio ambiente, em face do comando específico das normas ambientais de prevenção, precaução e efetividade (art. 205, caput e § 1º, da CF) e do princípio universal da eficiência (art. 37, caput da CF), têm o dever jurídico de adotar e executar as medidas mais eficazes e produtivas para a satisfação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.Enfim, o dever jurídico de boa gestão ambiental deve imperar sempre na atuação dos agentes públicos, não lhes cabendo, nesse aspecto, qualquer margem de discricionariedade. A violação desse dever constitucional, além de implicar a reparação do dano ecológico causado, a responsabilidade civil do Estado perante os particulares lesados e a responsabilidade administrativa e, por vezes, penal do agente público responsável pela má gestão ambiental (Lei nº 9.605 de 12-2-1998), pode ensejar a aplicação de sanções estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa”. (grifo nosso)

Viola-se os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, o agente público, in casu o requerido, quando não elabora o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, e concomitantemente não o executa, ensejando consequências ambientais danosas, e irreversíveis, consistente no aumento da poluição causada pela inadequada prestação de serviço de coleta e tratamento dos resíduos sólidos urbanos.

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Trata-se de imposição a que o ordenamento jurídico submete a Administração Pública (particularmente em razão da extrema importância que a Constituição Federal atribui às conjunturas ambientais e urbanísticas, fruto do pensamento de nossa época), e, por via de consequência, os agentes que a corporificam quando no exercício de suas funções.

Com efeito, diz o artigo 37, caput, e parágrafo 4º, da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e graduação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na lição de WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR,

“A proteção aos princípios da Administração Pública instituída na Lei Federal no 8.429/92 enfatiza com força e vigor a tutela sistemática da moralidade administrativa e dos demais princípios explícitos ou implícitos da Administração Pública. A tutela específica do art. 11 é dirigida às bases axiológicas e éticas da Administração, realçando o aspecto da proteção de valores imateriais integrantes de seu acervo (...)” (“Probidade Administrativa”, São Paulo, Saraiva, 2001, páginas 224/225).

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Ressalte-se que o papel do Poder Judiciário, quando o assunto é a punição dos administradores públicos por omissão, é crucial para se atender o interesse da coletividade.

Nesse diapasão são os ensinamentos de ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA:

“Nesses termos, quando se fala hoje em dia em controle sobre as ações e omissões do Poder Público na esfera ambiental, está se referindo ao controle social, ao controle da sociedade, sob a ótica da democracia participativa, como regime constitucionalmente instituído no País a partir de 1988, controle esse, portanto, legítimo, inclusive quando se manifesta por intermédio do Poder Judiciário, que é um dos mecanismos, um dos meios, de que se vale a sociedade para participar na proteção do meio ambiente.E aqui surge um outro ponto importante. Quando se fala em controle judicial sobre a omissão da Administração Pública na proteção do meio ambiente, está se referindo ao controle da sociedade por intermédio do Poder Judiciário”.

Dito de outra maneira, não é o juiz propriamente, não é o Judiciário a rigor, que efetua o controle sobre a Administração Pública nesse caso, mas sim a sociedade, representada em juízo pelos cidadãos ou por entes representativos dos seus interesses na defesa do meio ambiente. O Judiciário, na verdade, é apenas a via de que se vale a sociedade para o controle da Administração Pública na área ambiental.

Cito novamente o doutrinador ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA:

“É perfeitamente possível, no âmbito da responsabilidade civil ambiental, obter a supressão das omissões estatais lesivas ao meio ambiente, providência que poderá levar até, em determinadas

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hipóteses, à implementação de políticas públicas, consequência essa que nos parece inevitável em muitas circunstâncias nessa matéria – basta lembrar aqui os casos de tratamento de lixo e de tratamento de efluentes e esgotos, que exigem para sua efetivação uma série de ações e programas, inseridos no contexto de políticas públicas ambientais”.

A eficiência administrativa foi erigida nos dias atuais à categoria de princípio constitucional. LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO e VIDAL SERRANO NUNES16 acentuam que “o princípio da eficiência tem partes como as normas de boa administração, indicando que a Administração Pública, em todos os seus setores, deve concretizar atividade administrativa predisposta à extração do maior número possível de efeitos positivos ao administrado. Deve sopesar relação de custo-benefício, buscar otimização de recursos, em suma, tem por obrigação dotar de maior eficácia possível todas as ações do Estado”.

Isso significa que o agente público deve adotar sempre a melhor postura objetivando sempre o interesse público. Se não age eficazmente, se age sem razoabilidade diante daquilo que dele poderia ser exigido, em suma, se sua omissão for indevida, ele deverá responder por improbidade administrativa.

O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais se pronunciou, de maneira firme, em relação ao cometimento de improbidade ambiental pelo agente público:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PREFEITO - CONDUTAS QUE OCASIONARAM DANOS AMBIENTAIS - INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CARACTERIZAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - APLICAÇÃO DA LEI 8.429/92 / APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0107.06.999989-7/001 -

16 Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998.

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COMARCA DE CAMBUQUIRA - APELANTE(S): RUBENS BARROS SANTOS EX-PREFEITO(A) MUNICIPAL DE CAMBUQUIRA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS / Belo Horizonte, 05 de outubro de 2006.

Extraem-se do voto do relator do recurso ut supra:

“A noção de patrimônio público não se subsume ao conjunto de bens de natureza econômico-financeira, que designa o erário, abrangendo, portanto, o meio ambiente. Nesse sentido, escreve Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves in Improbidade Administrativa, 2ª edição, Ed. Lumen Juris, p. 281:

"Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei 4.717/65 e da dogmática contemporânea".

O administrador deve agir segundo o princípio da supremacia do interesse público. Ele deve observar, assim, a finalidade pública adstrita a todas as suas condutas, o que faz com que o interesse da coletividade se sobreponha ao do indivíduo. No entanto, esse princípio é mitigado pela atenção às diretrizes apontadas pelo Direito Ambiental, na busca do desenvolvimento sustentável e consequente defesa e conservação do meio ambiente.

O meio ambiente foi por força do art. 225 da CF/88 considerado bem público de uso comum do povo, conforme ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO in Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, Ed. Atlas, p. 639:

"Consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração".

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Por essa natureza, o administrador não se pode furtar de sua proteção sob o argumento de que a sua degradação se faz necessária para que se proteja o interesse público. Patente, pois, a prática de ato de improbidade administrativa nos termos do art. 11, I e II da Lei 8.429/92.

IV – DOS PEDIDOS:

Ao exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer:

I) Que seja, inicialmente, a presente ação recebida, autuada e processada na forma e no rito apregoado no artigo 17 e respectivos parágrafos da Lei n.º 8.429/92;

II) Que sejam os requeridos GEORGE MORAIS FERREIRA e RICARDO FORTUNATO DE OLIVEIRA, acima qualificados, citados pessoalmente, via mandado, para responderem aos termos desta ação no prazo legal, sob pena de ser decretada a revelia, permitindo-se ao Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no artigo 172, § 2º do Código de Processo Civil, sem prejuízo da observação do artigo 17, § 7º, e seguintes da Lei nº 8.429/92;

III) Que seja julgado procedente o pedido constante da

presente ação, com aplicação aos requeridos das sanções

26MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

2ª e 4ª Promotorias de Justiça de TrindadeCuradorias do Meio Ambiente e Patrimônio Público

discriminadas no artigo 12, inciso III17, pela prática das infrações descritas nos artigos 11, caput e incisos I e II da já citada lei;

IV) Que sejam os réus condenados ao pagamento das custas processuais;

V) Que seja o Município cientificado da presente ação, para que, caso queira, integre o pólo ativo da demanda (art. 17, § 3º, da Lei n.º 8.429/92);

VI) A produção de todas as provas admitidas em direito, requerendo, desde logo, o depoimento pessoal dos requeridos, sob pena de confissão, a oitiva de testemunhas, cujo rol será oportunamente apresentado, juntada de novos documentos, perícia técnica, etc., tudo conforme exigir o contraditório.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00, para fins fiscais.

Trindade, 29 de maio de 2012.

Delson Leone Júnior Marcelo Faria da Costa Lima

Promotor de Justiça Promotor de JustiçaCurador do Meio Ambiente Curador do Patrimônio Público

17 Notadamente a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.