excelentissimo senhor desembargador … · “a unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já...

17
1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Referência Agravo de Instrumento n. 2027212.06.2016.8.26.0000 8ª Câmara de Direito Público Relator Desembargador Ronaldo Andrade O Ministério Público do Estado de São Paulo, na pessoa da Procuradora de Justiça infra assinada, vem, nos termos dos artigos 976 e 977 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) c.c. o artigo 32 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do agravo de instrumento de n. 2027212.06.2016.8.26.0000, suscitar o presente INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS, pelos motivos a seguir expostos. PRELIMINARMENTE O Código de Processo Civil entrou em vigor um ano após a sua publicação, por força do disposto no artigo 1045. Desse modo, as novas regras de admissibilidade

Upload: vuongtu

Post on 29-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

1

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR

PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE

SÃO PAULO

Referência

Agravo de Instrumento n. 2027212.06.2016.8.26.0000 8ª Câmara de Direito Público

Relator Desembargador Ronaldo Andrade

O Ministério Público do Estado de São Paulo, na

pessoa da Procuradora de Justiça infra assinada, vem, nos

termos dos artigos 976 e 977 do Código de Processo Civil (Lei

13.105/2015) c.c. o artigo 32 do Regimento Interno do

Tribunal de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos

autos do agravo de instrumento de n.

2027212.06.2016.8.26.0000, suscitar o presente INCIDENTE

DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS, pelos

motivos a seguir expostos.

PRELIMINARMENTE

O Código de Processo Civil entrou em vigor um

ano após a sua publicação, por força do disposto no artigo

1045. Desse modo, as novas regras de admissibilidade

Page 2: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

2

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

recursal passaram a ser exigidas a partir de 18 de março de

2016, como preceitua o enunciado do Superior Tribunal de

Justiça:

Enunciado administrativo número 3

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos

os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

Na hipótese que ora se analisa, a decisão

impugnada mediante agravo de instrumento foi publicada em

12 de abril de 2015 (fls. 52) e a Defensoria Pública intimada

pessoalmente em 5 de fevereiro de 2016 (fls. 53). Antes, pois,

do início da vigência do novo estatuto processual civil.

Não se aplicam, portanto, as restrições traçadas

no artigo 1015, que limita as hipóteses de cabimento de

agravo de instrumento.

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade

recursal, verifica-se na repetição de processos da mesma

natureza um risco à isonomia e à segurança jurídica, o que

justifica a instauração do presente incidente.

DEMANDAS E RECURSOS REPETITIVOS

Page 3: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

3

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo –

Regional de São José dos Campos ajuizou inúmeras ações

individuais de responsabilidade civil por danos materiais e

morais, visando a resguardar direitos de pessoas que

perderam suas posses em virtude de cumprimento de

mandado de reintegração de posse expedido em ação proposta

pela massa falida de Selecta Comércio Indústria S/A.

Em despacho inicial proferido pelo juízo da

Comarca de São José dos Campos, foi reconhecida a

incompetência absoluta, por força do disposto no artigo 7º,

§2º do Decreto-lei 7661/45 e determinada a remessa ao juízo

falimentar.

Inconformada com a decisão, a Defensoria

Pública, em cada uma das ações em que atua representando

os possuidores, interpôs agravo de instrumento, sob o

argumento de que se trata de quantia ilíquida e que, portanto,

estaria justificada a exceção à universalidade do juízo

falimentar.

Este Egrégio Tribunal proferiu uma série de

acórdãos negando provimento ao agravo de instrumento, por

reconhecer que a competência do juízo falimentar é absoluta.

Outros, por sua vez, acolhem a tese de que se trata de quantia

Page 4: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

4

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

ilíquida, o que embasaria a exceção prevista no artigo 24, §2º,

inciso II do Decreto-lei 7661/45.

Apenas para exemplificar a divergência e a efetiva

repetição de processos com controvérsia sobre a mesma

questão unicamente de mérito, anotem-se as ementas dos

dois acórdãos que se seguem:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA - JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA - RESPONSABILIDADE CIVIL - PRETENSÃO ESCORADA EM

FATOS APONTADOS COMO ILÍCITOS PRATICADOS DEPOIS DE DECRETADA A FALÊNCIA DA EMPRESA AGRAVADA - IRRELEVÂNCIA NA HIPÓTESE A ILIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO PERSEGUIDA EM JUÍZO PARA FIXAR O JUÍZO COMPETENTE PARA CONHECER E JULGAR A CAUSA - COMPETÊNCIA DO

JUÍZO DA FALÊNCIA - DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. (Relator(a): Amorim Cantuária; Comarca: São José dos Campos; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 26/07/2016; Data de registro: 27/07/2016)

AI 2232424-58.2015.2015.8.26.0000

Neste sentido, tem sido a orientação da maioria

das decisões proferidas por este Egrégio Tribunal de Justiça

paulista1. Mas outros acórdãos há com posicionamento

diverso:

1 AI 2100691-32.2016.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Público TJSP, relator Des. Paulo

Galizia, j. 15-08-2016, AI 2231417-31.2015.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público TJSP, relator Des. Venício Salles, j. 15-08-2016, AI 2100498-17.2016.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público TJSP, relator Des. Venício Salles, j. 15-08-2016, AI 2020861-17.2016.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Isabel Cogan, j. 15-08-2016, AI 2073146-84.2016.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Camargo Pereira, j. 10-08-2016, AI 2035741-14.2016.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Ronaldo Andrade, j. 09-08-2016, AI 2222015-23.2015.8.26.0000,

Page 5: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

5

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROMOVIDA CONTRA MASSA FALIDA, APÓS A DECRETAÇÃO DA QUEBRA. COMPETÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU A SUA DISTRIBUIÇÃO AO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. DESCABIMENTO. AÇÃO

COM VALOR ILIQUIDO QUE NÃO SE SUJEITA AO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 24, § 2º, DO Decreto 7661/45, c.c. ART. 6º, § 1º DA LEI 11.101/2005. PRECEDENTES DESTA C. CÂMARA JULGADORA E DO E. STJ. COMPOSIÇÃO DO POLO PASSIVO COM A FAZENDA PÚBLICA, O QUE ATRAI A COMPETÊNCIA DE UMA DAS

VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. RECURSO PROVIDO. (Relator(a): Ferreira Rodrigues; Comarca: São José dos Campos; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 01/08/2016; Data de registro: 08/08/2016)

AI 2270185-26.2015.8.26.0000

Verificada a divergência sobre questão

exclusivamente de direito (exigida pelo Código de Processo

Civil), além da repetição de inúmeras demandas com o mesmo

objeto, ressalte-se que a perdurar a prolação de julgados em

diferentes sentidos sobre a matéria, haverá grave ofensa à

isonomia e à segurança jurídica, o que justifica a instauração

do incidente de resolução de demandas repetitivas

REQUISITOS PROCESSUAIS

Como preceituam os artigos 976 e 977 do

Código de Processo Civil, o Ministério Público pode requerer ao

12ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Edson Ferreira, j. 08-08-2016, AI 2035752-43.2016.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Carlos Violante, j. 05-08-2016, AI 2123525-29.2016.8.26.0000, 5ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Marcelo Berthe, j. 01-08-2016, AI 2089290-36.2016.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Público TJSP, rel. Des. Décio Notarangelli, j. 04-08-2016.

Page 6: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

6

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

Presidente do Tribunal de Justiça instauração do Incidente de

Resolução de Demandas Repetitivas, uma vez constatados;

a) a repetição de processos; b) que apresentem controvérsia

sobre a mesma questão unicamente de direito; c) com risco de

ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de

demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre

a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1o A desistência ou o abandono do processo não impede o exame

de mérito do incidente.

§ 2o Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá

obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em

caso de desistência ou de abandono.

§ 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas

repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de

admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja

o incidente novamente suscitado.

§ 4o É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas

quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva

competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre

questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 5o Não serão exigidas custas processuais no incidente de

resolução de demandas repetitivas.

Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao

presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

Page 7: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

7

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os

documentos necessários à demonstração do preenchimento dos

pressupostos para a instauração do incidente.

A questão que aqui se apresenta versa sobre

matéria exclusivamente de direito, prescindindo de dilação

probatória. E pelas suas características, pode ser aplicada a

qualquer situação análoga.

O tema de direito que se coloca em discussão é a

regra contida no artigo 7º, § 2º do Decreto-lei 7661/45.

Antes de passar à análise da questão

propriamente dita, importante destacar que a norma aplicável

à falência da Selecta é o hoje revogado Decreto-lei 7661/45.

Isso porque a quebra foi decretada em 1989, quando ele ainda

vigia.

A Lei 11.101/2005 entrou em vigor em 2005 e

preceitua, em seu artigo 192, que “não se aplica aos processos

de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua

vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-lei 7.661, de 21

de junho de 1945”

Desse modo, o sistema regente é o traçado no

decreto falimentar, a antiga Lei de Falências.

Page 8: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

8

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

O mencionado artigo 7º, § 2º coroa o princípio da

universalidade do juízo falimentar, que se consubstancia na

reunião de todos os feitos de interesse da massa, com o

intuito de garantir tratamento equânime a todos os credores:

Art. 7° É competente para declarar a falência o juiz em cuja

jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou

casa filial de outra situada fora do Brasil.

...

§ 2º O juízo da falência é indivisível e competente para

todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e

negócios da massa falida, as quais serão processadas na

forma determinada nesta lei.

Nesta seara, Rubens Requião, invocando os

ensinamentos de Jaeger, preceitua:

“Ora, para Jaeger, “tutelar adequadamente, e em

condições iguais, os credores, significa tornar possível o

crédito, e, em consequência, a atividade de produção e

troca. A exigência de justiça imporia que se não

disciplinassem de modo diverso os direitos e as ações

dos credores...”2

Mais à frente, o comercialista cuida dos efeitos da

decretação da falência para destacar a importância do

princípio da universalidade do juízo falimentar:

2 Curso de Direito Falimentar, 1º volume, 6ª edição, Saraiva, página 22

Page 9: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

9

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

“A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já

estudamos, pela natureza coletiva do processo de

falência e pelo princípio da par condicio creditorum.

Todos os credores que ocorrem ao processo de falência

devem se tratados com igualdade em relação aos

demais credores da mesma categoria. Somente a

unidade e a universalidade do juízo poderiam

assegurar a realização dessas regras”3

O instituto visa a garantir que todos os credores

titulares de direitos tenham o mesmo destino. Caso contrário,

violado estaria o princípio da par conditio creditorum,

dificultando até mesmo a satisfação dos interesses daqueles

que buscam individualmente o recebimento dos respectivos

créditos. A unidade garante que o maior número de credores

de uma mesma categoria seja satisfeito. A individualização da

cobrança não assegura a destinação de recursos suficientes

para o cumprimento de qualquer das obrigações. Para que

esse objetivo seja alcançado, há que se ter uma visão conjunta

do ativo e do passivo da massa falida.

Por isso mesmo, todas as ações propostas em face

da massa devem ser reunidas para o julgamento. Assim não

fosse, um mesmo fato gerador poderia resultar em decisões

conflitantes.

3 ob. cit., pág. 86

Page 10: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

10

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

O presente caso concreto retrata exatamente essa

situação. Cuida de pedido indenizatório decorrente de

cumprimento de mandado de reintegração de posse que teve

reflexo nos direitos de milhares de pessoas. A permitir o

prosseguimento no juízo de origem, cada uma das ações

poderá ter uma solução peculiar e individualizada,

contrariando frontalmente o princípio da igualdade entre

credores, sem poder garantir que ao menos parte da obrigação

possa ser suportada pela massa.

Foi com esse intuito que o artigo 7º, §2º do

Decreto-lei 7661/45 previu a reunião de todos os casos do

juízo falimentar para que o julgamento considere não somente

o direito individual do demandante, mas o tratamento

igualitário a todos os titulares de direitos com a mesma

origem. Ou ainda uma visão conjunta que permita que todos

os credores possam ser vistos sob um único enfoque: o da

pars conditio creditorum. Só assim todos receberão seus

créditos em proporções iguais, observadas as devidas

classificações. Só assim se fará justiça. Só assim poderão ser

minimizados os danos experimentados pelas pessoas que

perderam o direito de permanecer em suas terras quando do

cumprimento do mandado de reintegração de posse.

Eventual individualização dos créditos deve

considerar o tratamento igualitário, pois todos se originam de

um único fato. A visão globalizada é essencial para que todos

Page 11: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

11

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

tenham o mesmo tratamento. E isso só pode ser feito pelo

juízo falimentar. Essa análise é fundamental para atender aos

anseios sociais reclamados pelo fato ocorrido.

É o juízo falimentar quem pode aferir e sopesar os

interesses envolvidos. Quando se analisa um caso isolado a

visão é muito diferente da que se tem quando se debruça

sobre milhares de situações idênticas. Apenas a análise

conjunta poderá evitar que se instaure uma injustiça social.

Desse modo, a partir do momento em que a quebra

é decretada, qualquer reivindicação que envolva interesses da

massa, deve ser direcionada ao juízo universal.

Quando os julgados divergentes entendem que a

exceção se justifica porque se trata de dívida ilíquida,

baseiam-se na exceção prevista no artigo 24, §2º do Decreto-

lei 7661/45.

Este, no entanto, refere-se a demandas já iniciadas

quando da decretação da quebra. Nestas hipóteses, com a

superveniência da falência, o dispositivo prevê situações

excepcionais em que as ações podem prosseguir no juízo de

origem. É o caso das que demandam quantia ilíquida (§2º,

inciso II).

Page 12: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

12

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

O preceito legislativo visa a resguardar situações

colhidas de surpresa com a superveniência da falência, o que,

definitivamente, não é a hipótese da Selecta, que teve a

quebra decretada há mais de vinte anos.

Também não se cogite ter, a nova legislação

falimentar, cuidado da matéria de modo diverso. Na Lei

11.101/2005 também se excepcionam ações em andamento

quando da decretação da quebra. E mais uma vez não se exige

muito esforço interpretativo para concluir que a expressão

terá prosseguimento, aliada à alusão à suspensão das ações

(no caput), pressupõe litígio em curso. Não se suspende ou

deixa de suspender o que não se iniciou:

Art. 24. As ações ou execuções individuais dos credores,

sobre direitos e interesses relativos à massa falida,

inclusive as dos credores particulares de sócio solidário

da sociedade falida, ficam suspensas, desde que seja

declarada a falência até o seu encerramento.

...

§ 2° Não se compreendem nas disposições deste artigo,

e terão prosseguimento com o síndico, as ações e

execuções que, antes da falência, hajam iniciado:

...

II - os que demandarem quantia ilíquida, coisa certa,

prestação ou abstenção de fato.

Page 13: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

13

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

Ilustrativas as observações de José da Silva

Pacheco a respeito do dispositivo, ressaltando que o

tratamento é o mesmo anteriormente dispensado pela lei de

vigência:

“Vê-se, pois, que tanto antes como agora, sob a regência

da nova Lei, se o ajuizamento da ação e o respectivo

processo preceder à decretação da falência, a

superveniência desta: a) não suspende aquela ação

que demandar quantia ilíquida; b) não desloca a

competência do juízo; c) faculta reserva no juízo

falencial a pedido do juízo em que se promove a

liquidação; d) assegura a inclusão na classe própria,

desde que reconhecido líquido e certo o crédito”4

Não por outro motivo o Superior Tribunal de

Justiça já decidiu, em conflito de competência, que ação

proposta após a decretação da quebra não tem o condão de

afastar o juízo universal:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 36.413 - RJ

(2002/0106394-9)

EMENTA

Competência. Conflito. Ação de cobrança.

Ajuizamento posterior à decretação da falência.

Interesse da Massa Falida. Inexistência de

hipótese de exceção. Juízo Universal.

- A competência universal do Juízo Falimentar

(art. 7º, 2º - Lei de Falências) decorre do

4 Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, 3ª edição, Forense, pág. 60.

Page 14: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

14

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

imperativo de tratamento isonômico dos credores

da massa falida.

- Não se configurando hipótese de exceção, sendo

notório o interesse da massa, e tendo sido

interposta ação após a decretação da quebra,

não se vislumbra qualquer motivação a ensejar a

ruptura da sistemática própria da Lei de

Falências.

Conflito conhecido para declarar o Juízo da 2ª

Vara de Falências e Concordatas do Rio de

Janeiro competente para processamento e

julgamento da ação.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos,

acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇAO do

Superior Tribunal de Justiça, na conformidade

dos votos e das notas taquigráficas constantes

dos autos, por unanimidade, conhecer do

conflito e declarar competente a 2ª Vara de

Falências e Concordatas do Rio de Janeiro, nos

termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os

Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Barros

Monteiro, Humberto Gomes de Barros, Cesar

Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Jorge

Scartezzini votaram com a Sra. Ministra

Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs.

Ministros Castro Filho e Aldir Passarinho

Junior.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2004 (data do

julgamento).

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

A falência é processo de execução coletiva, na

qual disputam os credores o pagamento de seus

créditos, por meio de concurso de preferência

sobre o produto da alienação da totalidade dos

bens da falida. Rege-se por normas e princípios

próprios, dentre os quais destaca-se a

competência universal do Juízo Falimentar (art.

7º, 2º - Lei de Falências), decorrente do

imperativo de tratamento isonômico de todos os

credores da massa falida.

Nada obstante, o próprio ordenamento jurídico

nacional, como também a jurisprudência deste

STJ reconhecem exceções à unidade e à

universalidade do juízo falimentar, tais como:

Page 15: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

15

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

hipóteses em que a massa falida for autora ou

litisconsorte em alguma ação de seu interesse;

ou em que haja cobrança judicial de crédito

tributário, a qual, em razão de determinação do

CTN, não está sujeita ao concurso de credores

ou habilitação em falência; ou nas ações em que

a União for autora ou ré, em que participar a

massa falida, quando a competência privativa

para dirimir a questão fica a cargo da Justiça

Federal; ou, ainda, em situações em que a ação

foi proposta antes da declaração de falência,

situação que atrai o art. 24 da referida Lei.

Na hipótese dos autos, contudo, situada a

massa falida no pólo passivo da ação, fica

afastada, de pleno, a exceção prevista no

parágrafo 3º, do art. 7º da Lei de Falências. E

certo que a ação de cobrança foi interposta

depois de decretada a quebra da empresa e,

ainda,5 que a dívida cobrada decorre de

contrato firmado entre as partes, sendo notório

o interesse da massa, não se vislumbra

qualquer motivação a ensejar a ruptura da

sistemática própria da Lei de Quebras.

Inafastável, portanto, a competência do Juízo

falencial para o julgamento da ação de cobrança

interposta por ROGÉRIO MIRANDA contra a

antiga Casas Pernambucanas.

Forte em tais razões, conheço do presente

conflito de competência e declaro o Juízo da 2ª

Vara de Falências e Concordatas do Rio de

Janeiro competente para processamento e

julgamento da ação supracitada.

Nas hipóteses que se repetem em todos os feitos,

as ações de indenização são posteriores à decretação da

quebra e foi exatamente o que norteou as decisões que estão

sendo questionadas. Em todas as demandas figura no pólo

passivo a massa falida da Selecta Comércio Indústria S/A.

5 grifei

Page 16: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

16

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

Logo, tratam-se de ações posteriores, às quais não se aplica

o disposto no invocado artigo 6º, § 1º da Lei 11.101/2005.

Ressalta-se que há uma grave insegurança

jurídica que se caracteriza pela existência de decisões

conflitantes proferidas por esta Egrégia Corte de Justiça, o

que torna viável a instauração do incidente.

Em se tratando de instituto novo, ainda

embrionário, mas já regulamentado no Regimento Interno

deste Egrégio Tribunal, verifica-se que a instauração do

incidente pressupõe a existência de processo pendente no

respectivo tribunal. Por este motivo, o requerimento de

instauração é feito com fundamento nos autos do presente

agravo de instrumento, que ainda pende de julgamento.

Observa-se, ainda, estar satisfeito o requisito

traçado no §4º do artigo 976 do Código de Processo Civil, que

se refere à inexistência de incidente de resolução de demandas

repetitivas oriundo de recurso especial ou recurso

extraordinário afetado, o que se pode constatar por consulta

aos sites eletrônicos do Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal.

Anexo ao presente, cópias do agravo de

instrumento paradigma (n. 2027212.06.20168.26.0000)

Page 17: EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR … · “A unidade do juízo falimentar é ditada, segundo já estudamos, pela natureza coletiva do processo de falência e pelo princípio da

17

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

interposto por José Luiz Vieira, contendo a inicial, a certidão

de intimação da Defensoria Pública e do despacho proferido

pelo ilustre relator (doc 1), dos dois acórdãos supra citados6

(doc 2 e 3), além de iniciais de outros dois processos7 (doc 4 e

5) que comprovam a existência de demandas repetitivas.

Assim, diante do exposto, requer a instauração

do incidente de resolução de demanda repetitiva,

determinando-se, de imediato, a suspensão deste e de todos

os processos que versem sobre a mesma matéria, nos termos

do artigo 982 do Código de Processo Civil.

São Paulo, 5 de setembro de 2016.

Maria da Glória Villaça Borin Gavião de Almeida

Procuradora de Justiça

6 AI 2232424-58.2015.2015.8.26.0000 e AI 2270185-26.2015.8.26.0000

7 De autoria de So9naldo Barbosa da Silva e Renata Sinopole de Moraes Oliveira