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Page 1: Etica

Artigo 1: Perguntas Do Blog de Emir Sader

I. ÉTICA JORNALÍSTICA

Um jornalista brasileiro de um grande órgão da imprensa afirmou numa conferência que, quando um deles se senta para escrever um texto, pensa em três coisas (não me lembro se a ordem era esta ou se tinha sentido hierárquico ou não): nas fontes; no dono do jornal; nos colegas desempregados do lado de fora da redação.

Pode ser útil esse enfoque para entender essa espécie de unanimidade que se instaurou na grande mídia. Se toda unanimidade é burra - como chamar a esta?

Com a exceção do Zé Simão, pode-se dizer que nenhum outro colunista regular dos órgãos de maior tiragem e maior audiência desses órgãos deixa de se identificar com a posição dos proprietários das publicações onde trabalham. Nem sequer aparência de neutralidade. Todos parecem soldados, cabos ou tenentes de um mesmo batalhão, cada um atacando com a arma que lhe corresponde. Mas o alvo é sempre o mesmo.

Como se sentirão os jornalistas que agem dessa maneira? Que consciência têm do papel que estão desempenhando? Será que se dão conta de como estão jogando pela janela a credibilidade que tiveram - ou que acreditam ainda ter?

Se sentem cômodos em coincidir rigorosamente com a posição dos proprietários da empresa em que trabalham? Não olham para os outros espaços - do jornal, revista ou TV -, para se darem conta como estão todos escrevendo cada vez mais igual?

Se pensam nas fontes, no dono do jornal e nos desempregados (não para protegê-los, mas com medo de se tornar um deles), que compromisso com a verdade, com a democracia, com o país e com o povo se pode esperar deles? Talvez esse enfoque ajude a entender a pior crise de credibilidade da grande mídia brasileira - depois daquela do golpe e da ditadura militar, com que todos eles estiveram comprometidos.

Não serão os jornalistas da grande mídia quem enfrentará este enorme problema, sem cuja resolução nunca haverá democracia política no Brasil. Cabe à esquerda e aos democratas em geral enfrentá-lo.

II. ESQUERDA/DIREITA

Como se sentem os militantes do Psol, ao se dar conta que cerca de metade dos eleitores de Heloisa Helena se dispõem a votar por Alckmin no segundo turno? Que apenas 20% dizem que obedecerão a decisão da direção de não votar por nenhum deles? E que 1/3 do total vota por Lula?

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É possível pensar que os que votam branco ou nulo e Lula, são os votos de esquerda de HH. Os outros, de direita. Caso não se mude esta proporção, pode-se pensar também que metade dos votos são o nicho de esquerda, a outra metade foi ganha pela campanha, o que compromete fortemente o sentido dessa campanha. Significa que a cara mais visível da campanha de HH foi a do antilulismo indiferenciado da direita.

Cabe aos militantes e eleitores de esquerda reverter esta situação, caso contrário fica completamente comprometida a natureza da campanha de HH.

III. BURACO SEM FUNDO

Como os petistas podem justificar que, depois das denúncias do "mensalão", membros do partido, com trajetória na sua construção, tenham realizado a operação dossiê? Que concepção preside esse tipo de atitude? Que grau de raízes têm dentro do PT? Por que a reiterada participação de membros originários do movimento sindical e em sua grande maioria concentrados em São Paulo - berço e sede da direção nacional do PT?

Cabe aos petistas refundar ou reformular radicalmente o partido, se quiserem seguir ocupando o lugar central de força de esquerda no Brasil.

IV. DEFESA DO RIO?

O casal que governou o Rio nestes últimos anos tentou posar de nacionalista, anunciou plataforma organizada por intelectuais provenientes da esquerda, dizia que defendia o petróleo do Rio.

Incapacitados de se candidatar à presidência, passaram a fazer campanha por Francisco Dornelles para o Senado contra Jandira Feghalli e, ao anunciar o apoio a Alckmin no segundo turno, apóiam o candidato cujos principais assessores econômicos - a começar por Mendonça de Barros (o Mendonção) - anunciam o projeto de privatização da Petrobrás?

Artigo 2: Ética ou justiça social

Do Blog de Emir Sader

Entre as divisões - reais ou não - que os resultados eleitorais trouxeram - pobres e ricos, nordeste e sul -, poderia haver outra: aquela entre os que priorizariam a ética e os que privilegiariam a justiça social.

Este tema cruzou grande parte do século XX, desde que a esquerda historicamente se caracterizou pela luta pela justiça social, desprezada pelo capitalismo, enquanto os liberais lutavam pela ética e pela democracia política, subestimada pela esquerda. No Brasil a oposição entre Getúlio e UDN, que cruzou todo o período 1945/1964 foi marcada por essa

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oposição. O pendor autoritário de Getúlio - com as conseqüências pelas acusações de pouco zelo pelas finanças publicas de que era vítima - se contrapunha ao elitismo da UDN.

A questão social foi reivindicada por Getúlio contra as tendências liberais que haviam predominado na "primeira república". Estes se aferraram à questão democrática, para tomar um lado frágil de Getúlio, Estabeleceu-se assim a contraposição - real ou não - entre democracia e justiça social.

Este paradoxo decorre da ambigüidade do liberalismo, que afirma juridicamente a igualdade, mas prega economias de livre mercado, que corroem os direitos sociais e a própria igualdade. O liberalismo não se identifica com a democracia, nem no seu nascedouro - conviveu, na própria revolução de independência nos EUA e muito tempo depois, com a escravidão -, nem na sua trajetória. O liberalismo se afirma como a ideologia das liberdades individuais - entre as quais era situada também a "liberdade" de possuir escravos, excluindo evidentemente a estes desse direito.

O tema essencial do liberalismo é da limitação do poder. A liberdade individual seria resultado do controle do poder. O que supõe que se produz o melhor dos mundos na "sociedade civil", portanto. Quanto menos intervenção do Estado, melhor. A própria campanha do candidato da direita à presidência da República associa luta pela moralidade com menos Estado - Estado mínimo, privatizações, menos regulação estatal, menos políticas sociais como as do bolsa-família, que gerariam "dependência" do Estado, etc. Para os indivíduos a "liberdade" se identificaria com a competição no "livre mercado". Quem se der bem é porque teve os méritos para aproveitar as oportunidades.

No Brasil de hoje, a melhor solução é aquela que articule democracia política - que inclui transparência da ação estatal, ética pública - e justiça social. Deslocar para o tema ética - tratado superficialmente como tem sido tratado, depois de se ter deixado passar todo o suspeitíssimo processo de privatizações, com a transferência de recursos públicos a empresas privadas a preços irrisórios e em concorrências fraudadas - o centro do debate, em detrimento da justiça social, é instrumentalizar esse tema para perpetuar o maior problema que o país enfrenta: o das desigualdades sociais e culturais. Centrar nas políticas sociais, em detrimento da ética, é debilitar as excelentes políticas que, pela primeira vez na nossa história, começam a reverter a desigualdade que faz do Brasil a sociedade mais injusta do mundo - portanto, uma ditadura social envolvida por uma democracia política. È mais fácil um democrata social resgatar a ética pública do que um adepto das concepções de mercado incorporar a justiça social.

* Cientista político, UERJ