estudos do iscaa (2ª série) - nº6/7, ano 2000/01

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ISSN: 0873-2019 ESTUDOS 1 % ò % V>%/V%/L% Jp JrÊ- INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO 200 1

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Page 1: Estudos do ISCAA (2ª série) - Nº6/7, Ano 2000/01

ISSN: 0873-2019

ESTUDOS

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INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO

2 0 0 1

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ESTATUTO EDITORIAL

1. CARÁCTER DA REVISTA

1.1. A Revista Estudos do I.S.C.A.A. será publicada anualmente, prevendo-se a sua distribuição para o mês de Outubro.

1.2. OBJECTIVOS

1.2.1. Reforçar a identidade do I.S.C.A.A. no espaço técnico, científico e cultural das Escolas de Ensino Superior.

1.2.2. Criar um espaço de reflexão interdisciplinar de acordo com as exigências de uma abordagem científica da complexa realidade empresarial e seus enquadramentos.

1.2.3. Dinamizar a análise crítica de experiências concretas no interior das empresas com base na observação, em estudos empíricos e em dados estatísticos.

1.2.4. Acompanhar, na medida do possível, os resultados da pesquisa e da reflexão científica no interior da Escola - e, quanto possível, no país e no estrangeiro -nos domínios relevantes para a actualização dos profissionais diplomados e formados no I.S.C.A.A.

1.2.5. Promover a criação de um Centro do Património Contabilístico Português que permita enraizar as soluções criativas para os desafios actuais na tradição técnico-científica e cultural dos estudiosos portugueses da Contabilidade e conexas Ciências empresariais.

2. COLABORADORES

2.1. A Revista Estudos está aberta a todos os estudiosos e profissionais dispostos a reflectir sobre quaisquer questões e experiências que reforcem os valores humanos, aprofundem conhecimentos e promovam a eficácia no desempenho das múltiplas tarefas exigidas ao profissional saído do I.S.C.A.A., sem discriminação de paradigmas teóricos ou de correntes de pensamento.

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Revista Estudos do LS.C.A.A II Série • N°6/7 • 2000/2001

Revista de Publicação Anual

Direcção: Joaquim José da Cunha

Coordenação: José Fernandes de Sousa Virgínia Maria Granate Costa e Sousa

Conselho Consultivo: Professores Coordenadores das Áreas Científicas do I.S.C.A.A.

Edição e Propriedade: Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro

Apoio Administrativo e Assinaturas: Biblioteca do I.S.C.A.A. R. Associação Humanitária dos Bombeiros Velhos de Aveiro Apartado 58 - 3811-953 AVEIRO Tel: 234 380110 Fax: 234 380111; 324 380112 Email : estudos.iscaa @ isca.ua.pt

Preço: € 10,00*, acrescido de portes de correio. *Desconto para professores, estudantes, reformados do I.S.C.A.A., nas

aquisições ao balcão.

ISSN: 0873-2019

Depósito legal n°: 922 54/1995 Capa: Design/execução: Francisco Espindola/Minerva Trat. de texto: apoio técnico de Maria Lisete Marques Impressão: Tipografia Minerva Central, Lda./2002

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SUMÁRIO

PÁGS

APRESENTAÇÃO 5 JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

ALOCUÇÕES 9

ARTIGOS 39

INTENSIDADE FUNCIONAL EFICAZ E CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS 41 ANTÓNIO LOPES DE SÁ

BALANCED SCORECARD - SISTEMA DE INFORMAÇÃO VS SISTEMA DE GESTÃO 55 CARLA CARVALHO E GRAÇA AZEVEDO

VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS --ÚLTIMOS DESENVOLVIMENTOS 79 CECÍLIA M.R.DO CARMO E AUGUSTA SANTOS FERREIRA

PROJECTO PROFISSIONAL - U M REFORÇO DE COMPETÊNCIAS 107 ELEUTÉRIO MACHADO, H. INÁCIO, J. FORTES EJ. SOUSA

A INFLUÊNCIA DO CONTEÚDO INFORMATIVO NA POLÍTICA DE DIVIDENDOS 129 ELISABETE VIEIRA

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ANÁLISE DA EFICIÊNCIA PRODUTIVA: CONTRIBUTO PARA U M A REVISÃO DE LITERATURA 149 FRANCISCO NUNO ROCHA GONÇALVES

O REGIME DE ACESSO À ADVOCACIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA m GONÇALO AVELÃES NUNES

O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS. PERSPECTIVA HISTÓRICA E ACTUAL 205 JOAQUIM A. NEIVA DOS SANTOS E PAULO JORGE DA NAIA

O I.S.C.A.A. DE AVEIRO: AS VICISSITUDES DE U M A ESCOLA DE CONTABILIDADE 243 JOSÉ FERNANDES DE SOUSA

STRUCTURE, PROBLEMS AND PERSPECTIVES OF THE ATHENS STOCK EXCHANGE (ASE) 285 PANTELIS F. KYRMIZOGLOU

RELATO FINANCEIRO: O NOVO PARADIGMA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO 297 PA ULO ALVES E PA ULA DA SILVA

O LUCRO E A TRIBUTAÇÃO 323 ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA

PONTO CRÍTICO DAS VENDAS EM EMPRESA MULTI-PRODUTO. PROPOSTA DE FORMALIZAÇÃO 355 Rui MAGALHÃES GOMES MOTA

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APRESENTAÇÃO

A nova edição de "Estudos do I.S.C.A.A." - um número duplo, de cujo atraso nos penitenciamos face aos colaboradores e leitores -surge sob o signo da festa: o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro celebra o seu trigésimo aniversário e presta homenagem a um dos seus cabouqueiros, que aparece ligado - com a elevada responsabilidade de presidente do Conselho Directivo - aos momentos mais significativos e polémicos do trajecto da Escola de Contabilidade e Administração de Aveiro.

A estrutura deste número, sem rupturas com as edições precedentes, integra os documentos produzidos no âmbito da festa de homenagem, nomeadamente as alocuções, que dão uma feição especial a esta publicação.

A diversidade temática exibida na abordagem dos textos científicos, apesar de continuar a reflectir o carácter aberto da revista, patente na colaboração de estudiosos distantes mas atentos às virtualidades da nossa publicação, deixa claro que prevalecem os trabalhos desenvolvidos no espaço de pesquisa deixado livre pelas absorventes tarefas pedagógicas do corpo docente da Escola.

Queremos continuar a fazer mais e melhor - e não somos, certamente, os únicos intérpretes desta vontade - , sempre guiados pelo espírito que anima os lances primordiais.

P E L ' A C O O R D E N A Ç Ã O D A R E V I S T A

J.F.S.

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HOMENAGEM DO

T- . -SA—v^. f^Q-Vâ:

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ALOCUÇÕES

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PALAVRAS PROFERIDAS pelo

PROF. DOUTOR JÚLIO PEDROSA Reitor da Universidade de Aveiro

Gostava naturalmente de começar por saudar o Prof. Cunha e a sua esposa. Sei que o Prof. Cunha está na sala, embora não esteja aqui junto de mim, portanto sei que ele me está a ouvir. Desejo ainda, naturalmente, saudar todos os presentes, sem fazer nenhuma referência individual para não correr o risco de esquecer alguém.

Farei apenas a excepção de deixar uma nota de saudação e de reconhecimento aos organizadores deste evento, a todos quantos estiveram envolvidos na sua preparação e que nos permitiram reunirmo-nos hoje.

Creio que esta ocasião e o facto de aqui estarmos significam o reconhecimento dos promotores e dos que a eles se associaram, ao Prof. Cunha por tudo o que nos proporcionou ao longo dos anos. Gostaria de dizer, como Reitor da Universidade, como colega e como amigo, que esta é uma homenagem justa, é uma homenagem oportuna e é uma homenagem a que nos associamos todos com gosto.

Meu caro Prof. Cunha, nestes poucos minutos, porque nestas ocasiões as palavras devem ser poucas, eu gostaria apenas de fazer três referências.

Uma, relativa ao Prof. Cunha e à sua associação à Escola Superior, que é o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro. A segunda, dirigida ao Prof. José Cunha como Professor do Ensino Superior, ou como Professor, em termos gerais. E a terceira, para considerar o Prof. Joaquim Cunha como pessoa.

Começo pela primeira. O Prof. Joaquim Cunha deixa, certamente com muitos outros companheiros, o seu nome ligado à criação desta Escola de Ensino Superior que é o I.S.C.A. e deixa-a de uma forma que faz sentido nós caracterizarmos lembrando as várias fases do seu percurso. Tendo começado como Escola do Ensino

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Médio, passou por uma fase de Escola do Ensino Superior integrada na Universidade de Aveiro, deixou de ser Escola de Ensino Universitário integrada na U.A., passando a Escola de Ensino Superior Politécnica não integrada e passou a ser, recentemente, uma Escola de Ensino Superior Politécnico, integrada como Unidade Orgânica da Universidade de Aveiro.

É importante termos presente este percurso porque, embora isto tenha acontecido ao longo de três dezenas de anos, a Escola manteve um rumo e chegou aos dias de hoje como uma escola prestigiada. Os seus estudantes gostam dela e reconhecem-se no seu projecto. Os seus professores apreciam-na e nela se reconhecem e aqueles que empregam os seus graduados dão valor ao seu trabalho. E isto só acontece com Escolas, ou com outras Instituições, quando por trás delas há um projecto e há quem assuma a responsabilidade de conduzir esse projecto. O Prof. Cunha fez nascer este projecto, esteve a ele associado até agora e deu um contributo decisivo para que ele se mantivesse ao longo dos anos como uma aposta no futuro.

Isto é muito importante em Portugal, onde faltam Instituições fortes e sólidas e instituições com projecto, sobretudo no mundo do ensino superior.

Disse que a segunda referência teria a ver com o Prof. Cunha como Professor e faço-a porque o conheço suficientemente para reconhecer que ele sempre defendeu os valores da independência, da lealdade, do espírito crítico, da defesa dos princípios e da abertura a inovações. E faço esta referência porque foram estas qualidades que evidenciou nos tempos em que nós convivemos mais de perto, a tentar ver se era possível, ou não, transformar a ideia que o Ministro de Educação Marçal Grilo nos propôs: no sentido de que o I.S.C.A. se viesse a integrar na Universidade de Aveiro, como Unidade Orgânica.

A maneira como se estruturou o caderno de encargos que temos à nossa frente demonstra que por trás dele esteve alguém que sabe o que deve ser um professor independente, livre, defensor daquilo que é um projecto de escola e o acarinha no seu dia-a-dia profissional. Foi também exemplar a forma como o Prof. Joaquim Cunha enquadrou a relação dos Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro com

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Alocuções

o I.S.C.A.A. defendendo desassombradamente essa cooperação, perante quem punha dúvidas, até sobre o seu significado. É que para ele não houve nenhuma hesitação, em todos os projectos conjuntos que foi preciso defender, quer no Reitorado do Prof. Renato Araújo, quer depois comigo na reitoria da U.A. A forma como se mobilizaram os recursos, como se decidiram os projectos mostra sempre aquilo que eu entendo que deve estar na matriz de quem é um profissional da educação, um Professor.

A terceira referência, tem a ver com a pessoa. As instituições, as coisas simples e complexas do dia-a-dia das nossas vidas, sabemo-lo todos, são aquilo que as pessoas forem. Não tenhamos ilusões sobre isso! Podemos ter excelentes modelos, excelentes fórmulas, ouvir falar de enormes sucessos aqui, ou onde quer que seja, mas se realmente as pessoas não aparecem com aquilo que elas devem dar às instituições, aos projectos, aos grupos em que estão inseridas, nada acontece.

Isto é sobretudo válido para as Instituição Educativas e de Formação e creio que cada vez vai ser mais assim. Por isso eu quis deixar esta nota final, para me referir ao Prof. Cunha como pessoa, ao sentido de responsabilidade que ele sempre pôs nas parcerias, a forma como sempre lidou com os problemas da sua Escola, dos estudantes, dos professores, dos interlocutores da esfera da administração ou outros. Este sentido de responsabilidade, de lealdade, de rigor, de exigência é uma matriz que deve ser exemplo das relações a cultivar nas nossas instituições educativas e de formação.

O Prof. Cunha deu-me o privilégio de ter comigo, pessoalmente e como Reitor da Universidade, aquela matriz no nosso relacionamento. Uma matriz fundada em relações que são leais, que são francas, que são abertas, que são rigorosas, que são exigentes. E por isso, a minha homenagem nesta sessão, é tão só e apenas, o meu agradecimento ao Prof. Cunha por me ter permitido estas três referências nesta sessão e dizer-lhe sinceramente que isto é apenas um episódio num dia de uma vida que vai continuar desta forma, consigo entre nós, aqui a trabalhar ou onde quer que esteja.

Prof. Cunha, muito obrigado e muitas felicidades.

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PALAVRAS PROFERIDAS pela

PROF. 3 DR.a MARIA ARMANDA TEIXEIRA SIMÕES DIAS Docente do I.S.C.A.

Exm.° Sr. Reitor; Entidades presentes; Srs. Convidados; Comunicação Social; Meus Amigos; Meu caro Joaquim Cunha

Quando a comissão organizadora desta festa de homenagem me convidou para falar neste momento, confesso que tive alguma hesitação, por considerar que falar do meu amigo Joaquim Cunha não seria, como não é, tarefa fácil.

Porque fácil, nunca é falar de amigos. Não quero correr o risco de, em nome dessa amizade, empolar o elogio, o que não ficaria bem, ou falar de menos, o que seria pior.

A nossa amizade vem de longa data. Acabámos o mesmo curso em Coimbra, já no distante ano de 62. Desse tempo, o Cunha gosta, de me recordar, por vezes, com um sorriso "safado", de orelha a orelha, que me "deu nas unhas", em época de praxe, o que me convém dizer que não me lembro.

Cursos acabados, rumos diferentes e só aceitei o honroso convite da comissão, por reconhecer, atendendo à minha antiguidade na escola, que estaria melhor posicionada para contar um pouco da história do nosso Instituto e o meu reencontro com o Joaquim Cunha.

Permitam-me que neste momento, recorde o saudoso Dr. Orlando de Oliveira, que, com todo o seu entusiasmo pelas questões do ensino, acolhe, de braços abertos, a proposta do Sr. António de Almeida, proprietário do Colégio de Oliveira de Azeméis, para fundar em Aveiro um estabelecimento de ensino médio. E é assim, com o suporte do Dr. Orlando, que nasce em 1965 o Instituto Médio de Comércio de Aveiro, destinado a ministrar, principalmente, o curso de Contabilidade.

É uma escola pequena, onde alunos, funcionários e docentes constituem quase uma família. Não foi nada fácil o arranque. As múltiplas dificuldades com que a escola se debatia, fazem esmorecer o

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entusiasmo do Sr. Almeida e perante a hipótese de encerramento é, uma vez mais, o Dr. Orlando de Oliveira que sensibiliza a Câmara de Aveiro, da presidência do Dr. Artur Moreira, a assumir as responsabilidades do Instituto, o que acontece de 1968 a 1971.

As dificuldades anteriores mantém-se, principalmente o incómodo, para os nossos alunos, de terem de se deslocar ao, então, Instituto Comercial do Porto, para anualmente serem avaliados, nos exames finais.

Não se pense, no entanto, que essas dificuldades estavam ligadas à qualidade do ensino, muito pelo contrário. Estivemos sempre à altura das nossas responsabilidades. Como directora, nessa época, sinto muito orgulho pelo trabalho desenvolvido, naquelas circunstâncias.

Em 1971, e ao que não foi estranha a influência política do Governador Civil, Dr. Vale Guimarães, o Instituto Comercial do Porto é autorizado a organizar, na nossa cidade, uma Secção daquele Instituto, o que foi concretizado com a integração da escola particular no ensino oficial.

Como responsável desta Secção, vem para Aveiro um subdirector do Instituto Comercial do Porto, chamado Joaquim Cunha.

Começando a desenvolver um grande trabalho, com muita persistência, objectividade e diplomacia, mesmo sem esquecer a sua ligação ao Instituto do Porto, vai conseguindo ultrapassar os problemas que a escola sustentava, até conseguir a independência pedagógica, o que deu, inclusivamente, uma outra confiança aos próprios alunos.

E é fruto da sua serenidade e da confiança que ele transmitia, que a Secção de Aveiro viveu os anos difíceis depois de Abril de 1974, sem quaisquer contestações, o que não aconteceu em muitas escolas do País.

O seu sonho de dar a Aveiro uma escola independente é realizado em Junho de 75, ao ver criado o Instituto Comercial de Aveiro, com a reconversão da Secção, passando a depender da Direcção Geral do Ensino Superior.

É a partir daqui que o meu amigo Joaquim Cunha assume que será um homem de Aveiro, aliás já o era, pois não terá sido por acaso que ele

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Alocuções

escolheu para nascer, o dia da nossa Santa Joana Princesa, o dia 12 de Maio.

E é já como homem de Aveiro que ele vai sonhando, erguendo projectos e objectivos, sem tectos que limitem os seus horizontes.

No desenvolvimento desses projectos, o nosso amigo vai-se multiplicando: ele é o professor, o arquitecto e o gestor, sempre com o pensamento na acreditação da nossa escola.

Era preciso e era urgente ir mais além e então lá estava o Joaquim Cunha, ora rebocando um carro de aparentes utopias, ora carregando um mundo de sonhos. Afinal, sonhos e utopias que sempre soube transformar em realidades.

E devo referir, muito especialmente, o desenvolvimento que ele imprimiu ao ensino da Contabilidade em Portugal, e à construção das novas instalações para a Escola. Lá encontrámos, num lado o pedagogo, no outro o arquitecto.

Tudo isto conseguido com a sua persistência, a sua teimosia. Porque há que confessá-lo "o nosso amigo Joaquim Cunha foi

sempre um homem muito teimoso, democraticamente teimoso". Referia o Dr. Cunha, numa recente entrevista e ao falar do nosso

Reitor, Prof. Dr. Júlio Pedrosa, ser ele um homem calmo, sereno, que de vez em quando se irrita e leva sempre a água ao seu moinho. Quando li esta entrevista, não pude deixar de sorrir e pensar, que nesse momento, o Cunha devia ter um espelho à sua frente.

Foi certamente a sua "saudável " teimosia que o ajudou, e de que maneira, a criar a realidade do I.S.C.A.A. de que hoje, todos nós, aveirenses, por nascimento ou opção, tanto nos orgulhamos.

Dentro da Escola, a convivência com o Dr. Cunha nunca foi difícil. Ele é uma pessoa frontal, diz o que entende dizer, o que por vezes nos leva a alguns amuos, felizmente passageiros, pois de imediato surge o Cunha "diplomata" que, com a maior das facilidades consegue ultrapassar a situação.

Mas, não menos relevante, é a face profundamente humana da sua personalidade. Por isso, é que, dentro da nossa escola, sempre encontrámos, nele, a pessoa disposta a ouvir os problemas de cada um,

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fossem alunos, funcionários ou professores e a participar nas suas resoluções, sempre que possível.

O Dr. Joaquim Cunha dirigiu a Escola durante 29 anos consecutivos. E, pelo menos nos últimos 25, a sua permanência e acção sempre foram determinadas e regidas por regras democráticas. E este, seguramente, o melhor reconhecimento, pela sua pessoa e pelo seu desempenho.

Não posso, nem quero, neste momento, nesta homenagem, esquecer uma palavra amiga à Clarisse, porque certamente não lhe foi fácil, nestes anos todos, ver o seu marido, quase diariamente ausentar-se para Aveiro, mesmo justificado por tão meritório trabalho. A Clarisse tem também a sua quota parte de colaboração, que eu entendo, sinceramente, destacar.

E, para terminar, meu amigo, eu queria, particularmente, agradecer-lhe o carinho com que acolheu a semente, que, de alguma maneira, o foi, a pequena escola, que com o coração eu gosto de dizer "minha"; o amor com que a fez germinar; a paixão com que criou as condições para que frutificasse, até chegar à grande Escola que hoje temos, que é o nosso I.S.C.A.

Por tudo isto e pela sua amizade, o meu muito obrigada.

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PALAVRAS PROFERIDAS pela

PROF. 3 DR.a ELDA MARIA DA COSTA E M E L O GUIMARÃES Presidente do Conselho Directivo do I.S.C.A.

Minhas Senhoras Meus Senhores

O Dr. Joaquim Cunha abandonou, por aposentação, o Conselho Directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro e um novo Conselho Directivo substituiu-o no cargo.

Na primeira reunião ordinária, o novo Conselho Directivo não poderia ter deixado de decidir prestar uma justa homenagem ao Dr. Joaquim Cunha e, logo nessa reunião, foi nomeada uma comissão que, de Julho até ao momento, preparou o evento no qual hoje todos participamos e presenciamos.

Nesta circunstância solicitou-se à Dr.a Maria Armanda Dias que, em nome de toda a comunidade escolar e em seu próprio nome, proferisse umas palavras que reflectissem o reconhecimento e o apreço pelo trabalho desempenhado pelo Dr. Joaquim Cunha para tornar o I.S.C.A.A. a Escola que hoje todos conhecemos. O objectivo foi plenamente conseguido, tendo ainda encontrado espaço para realçar as características particulares do homenageado que o tornam singular.

Em nome do Sr. Presidente do Conselho Científico, Prof. Dr. Domingos Cravo, irá proceder-se à leitura de uma moção aprovada por unanimidade e aclamação em sessão extraordinária, inserida na acta do Conselho Científico de 10 de Outubro de 2000, a qual reflecte o reconhecimento e agradecimento da Escola - de todos os funcionários docentes e não docentes, que trabalham ou trabalharam no Instituto -para com a personalidade do Dr. Joaquim Cunha.

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MOÇÃO

"Considerando que o senhor Dr. Joaquim José da Cunha acompanhou a criação e o desenvolvimento do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, tendo liderado a sua expansão e afirmação na comunidade académica e no mundo empresarial, e ajudado a torná-lo numa instituição reconhecida e prestigiada a nível nacional;

Considerando que esta Escola e a implantação e desenvolvimento do ensino superior politécnico no país lhe devem muito, quer pelo seu desempenho como docente, quer pelas ímpares qualidades de liderança e coordenação que pôs ao serviço do I.S.C.A.A. e de diversos órgãos e estruturas do ensino superior politécnico, quer ainda pelo exemplo de cidadania e respeito pelo seu semelhante de que sempre deu mostras enquanto docente e dirigente;

É vontade do Conselho Científico que por tudo isto, o Senhor Dr. Joaquim José da Cunha mereça público louvor e agradecimento do Instituto superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, e a justa homenagem de todos quantos tiveram o privilégio de o conhecer, como Homem, como Docente e como Dirigente".

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PALAVRAS PROFERIDAS pelo

DR. ANTÓNIO DE ALMEIDA COSTA

Tive o privilégio de conviver com o Dr. Joaquim Cunha durante cerca de uma dezena de anos, em que presidi ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.

Para além da natural afinidade, decorrente de uma idêntica formação académica, sempre encontrei na pessoa do Dr. Joaquim Cunha algumas preocupações coincidentes com as que orientaram a minha actividade no exercício das funções referidas: um constante equilíbrio, na tentativa de afirmação de uma modalidade de ensino que iniciava o seu percurso em Portugal, com recusa de pequenas guerrilhas perfeitamente inúteis; uma permanente preocupação pedagógica, visando uma solidez educativa que tornasse o ensino politécnico aliciante na sua matriz formativa; uma atitude sempre democrática na abordagem dos muitos e variados problemas que se nos colocaram, traduzida num respeito muito grande pelas posições dos outros, sem que isso pudesse significar qualquer abdicação das próprias ideias.

Nesta última referência, encontrei no Dr. Joaquim Cunha uma das facetas mais interessantes da sua personalidade, expressa na sua condições de cidadão preocupado com o rumo do seu próprio país, o que o levou, inclusive, à assunção de funções de natureza política numa organização partidária.

E, coincidindo até nisto, ainda que em organizações partidárias diferentes, tive oportunidade de apreciar o profundo sentimento democrático do Dr. Joaquim Cunha, uma vez que essa circunstância não impediu - diria mesmo que até favoreceu - o desenvolvimento de uma grande amizade pessoal que sempre mantivemos.

Nesse sentido, foi para mim muito gratificante ter a oportunidade de contar, agora, com a generosa colaboração do Dr.

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Joaquim Cunha no Conselho de Avaliação do Ensino Politécnico Público, a que presido.

Será, naturalmente, o prosseguimento da actividade anterior, tentando estimular a qualidade no "ensino politécnico", situando-o nos patamares de prestígio institucional que sempre lhe quisemos oferecer.

Para o Dr. Joaquim Cunha, esta será uma oportunidade mais para acompanhar, ainda que à distância, o grande amor da sua vida, em termos profissionais, que foi e é o I.S.C.A. de Aveiro.

Sendo, inegavelmente, o grande projecto que empreendeu, ser-lhe-á muito agradável verificar que o I.S.C.A. atingiu, no panorama nacional do ensino da Contabilidade e Administração, um prestígio institucional muito elevado que, certamente, os diferentes processos de avaliação virão confirmar.

Será como quer acompanhar o sucesso de um projecto que lançou e ao qual ofereceu as asas que lhe permitem, a partir de agora, voar com outros timoneiros...

Não queria terminar, sem uma nota pessoal relacionada com a dimensão familiar do Dr. Joaquim Cunha que o levou, em muitos momentos, a possibilitar-nos um convívio extremamente simpático com a sua esposa - que me permite saudar também designadamente durante as visitas de trabalho que fizemos a Aveiro, sempre acolhidos com a generosidade e a arte de bem receber que lhe é própria.

Meu Caro Joaquim Cunha, muito tempo passou, alguma coisa fizemos, iremos continuar... com o mesmo entusiasmo de sempre!

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PALAVRAS PROFERIDAS pelo

D R . J O A Q U I M SILVA

Senhor Prof. Joaquim Cunha Minhas Senhoras e meus Senhores,

Quando A A.P.P.C. - Associação Portuguesa de Peritos Contabilistas recebeu o amável convite da Comissão Organizadora deste evento que aqui e agora nos congrega, foi-me entregue a incumbência de proferir algumas palavras a ele alusivas, o que, devo confessar, faço com imensa satisfação. A este acto de homenagem ao Senhor Prof. Joaquim Cunha, por motivo do início de um novo ciclo da sua vida pessoal e profissional, não podia a A.P.P.C. deixar de estar presente para lhe testemunhar o alto apreço em que tem as suas qualidades humanas, docentes e, particularmente, de líder de uma escola que desde há muito se vem afirmando no panorama do ensino da Contabilidade em Portugal. De facto, fazendo uma retrospectiva do percurso que conheço da vida profissional do Senhor Prof. Joaquim Cunha, desde a docência no antigo Instituto Comercial do Porto (hoje I.S.C.A.P.) até à oportuna e feliz vinda para a cidade de Aveiro, sempre pautou a sua vida por um enorme entusiasmo em tudo a quanto meteu ombros, de que é flagrante exemplo a projecção que conseguiu para o Instituto Superior de Contabilidade e Administração, onde desenvolveu notável actividade em prol do seu engrandecimento. E não se pense que foram fáceis os êxitos alcançados. Bem pelo contrário. Resultaram, isso sim, de um empenho perseverante, de uma boa escolha dos colaboradores e de uma visão correcta e futurista dos interesses dos alunos, a par de uma notável capacidade de relacionamento com quem tinha que decidir, procurando sempre propugnar por uma escola moderna, que dotasse os alunos das ferramentas para a vida activa e em constante

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actualização, numa incessante busca de um nível de ensino cada vez mais próximo daqueles países que levam o facho nesta área. Por isso, o Senhor Prof. Joaquim Cunha é um exemplo de pioneirismo nos métodos de ensino que estabeleceu, sendo, apesar disso, permanente a insatisfação que patenteava, numa postura proactiva que o levava a querer inovar sempre mais e mais.

Sou também amigo de familiares do Prof. Joaquim Cunha, e, por isso, sinto-me à vontade para salientar igualmente a faceta da sua vida familiar, irrepreensível, recheada de grande afecto e concórdia, com princípios que, hoje, infelizmente, muitos abandonam ou põem em causa. Permitam-me, agora, que fale das relações que se foram sedimentando entre o I.S.C.A. e a A.P.P.C, que aqui represento. Começo por dizer que o Senhor Prof. Joaquim Cunha nunca regateou esforços para conseguir uma consonância entre os objectivos da escola e os da A.P.P.C. E isto porque para a escola a A.P.P.C, como entidade de classe dos peritos contabilistas, poderia dar contributos para a melhoria incessante do ensino da Contabilidade em Portugal. Seria naturalmente uma colaboração proveitosa para ambas as entidades. E foi assim que, por um lado, o Prof. Joaquim Cunha aderiu a várias das nossas iniciativas - aliás não podemos deixar de registar com orgulho que tem sido uma presença habitual nas comemorações dos nossos aniversários - e por outro, a A.P.P.C. também deu sempre a sua adesão aos convites que nos dirigiu. De passagem relembro que a realização do 25° Aniversário da A.P.P.C. se vai realizar em Aveiro, no próximo dia 25, precisamente porque há cerca de dois anos o Senhor Prof. Joaquim Cunha nos lançou o repto nesse sentido, pelo que temos muita satisfação em salientar tal facto, que atesta as boas relações que atrás referi. A experiência de vida do Senhor Prof. Joaquim Cunha é muito grande, facto que nos leva a ter esperança de que a A.P.P.C. continue a receber os seus conselhos, sempre muito valiosos. Não me esqueço que num dos jantares-convívio apontava o futuro a trilhar pela A.P.P.C. em

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Alocuções

várias vertentes, uma das quais era a da sua internacionalização. Tinha inteira razão! E é isso, felizmente, que está a acontecer. Também não posso olvidar o convite que nos fez para integrar o Conselho Consultivo, que aceitámos com muito gosto, e a forma como procurava sempre recolher os contributos de todos aqueles que o poderiam fazer, independentemente das ideias determinadas que possuía para a evolução indispensável da escola e para o que entendia dever ser o exercício da profissão de perito contabilista. E não esqueço também com que entusiasmo um dia me serviu de cicerone para apresentar os últimos métodos adoptados no Instituto para levar os alunos a aplicarem os conhecimentos adquiridos, através de uma simulação com perfeita aderência à realidade, de forma a favorecer e facilitar a entrada no mercado do trabalho dos seus alunos, dotando-os com as ferramentas indispensáveis para vencerem. Posso afirmar que fui um arauto desses métodos, apresentando-os como um exemplo extremamente válido, projectando a imagem do I.S.C.A. e realçando as qualidades de dinamismo do seu Presidente do Conselho Directivo. Naturalmente que para a projecção da escola, o Senhor Prof. Joaquim Cunha, soube também escolher colaboradores de excelente nível que em muito a dignificaram e - assim o espero - o continuem a fazer, pois com isso saem beneficiados os alunos e o País. Muitos desses professores são nossos amigos também, o que registo com natural agrado. Não é por acaso que o I.S.C.A., agora com outra designação, desde que foi integrado na Universidade de Aveiro, desfruta de inexcedível credibilidade, como corolário de todo um esforço persistente de melhoria permanente do ensino que ministra, mas também dos meios instrumentais e das instalações, factores que igualmente conduzem inevitavelmente para bons resultados, tanto por parte dos alunos como dos docentes. Vou terminar estas singelas palavras, não sem antes dizer ao Senhor Prof. Joaquim Cunha que no historial da A.P.P.C. o Senhor é, por tudo

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quanto acabei de referir, um grande amigo, muito respeitado e prestimoso. No seu novo ciclo de vida, eu próprio e a A.P.P.C. desejamos-lhe muitas felicidades

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PALAVRAS PROFERIDAS pelo

P A T R I C K B A T I S T A G O M E S *

Presidente da Associação de Estudantes do I.S.C.A.A.

Queria desejar boas tardes a todos.

Venho aqui em representação da Associação de Estudantes do I.S.C.A.A. e de todos os alunos que passaram pelo Instituto e que são no fundo o resultado do trabalho do nosso homenageado de hoje, o Dr. Joaquim José da Cunha.

A minha missão não é fácil porque tenho que falar em nome de mesmo muita gente - contas por alto serão cerca de uns dez mil.

O Dr. Cunha é para nós o símbolo da escola onde estudámos -no fundo o I.S.C.A.A. é o produto do trabalho deste homem que ao longo da curta convivência mais directa que tive com ele (cerca de três anos), me deu a entender que o seu esforço pessoal se destinou àquela instituição, e consequentemente, aos alunos que por lá passaram. Sempre mostrou uma grande abertura para os problemas que tocavam à classe discente da escola, muito em especial, quero evidenciar o forte apoio que deu à Associação de Estudantes.

Sempre teve, como foi já aqui falado, a sensibilidade para nos momentos mais oportunos, fazer-nos entender quando é que estávamos certos e/ou quando é que estávamos errados - e, por muitas vezes, apesar de estarmos certos, convencia-nos do contrário. Recordo-me, das situações em que o conflito espreitava, e a solução teria que surgir nas famosas reuniões no gabinete do Dr. Cunha, ao sabor do fumo do seu também famoso cachimbo. No final das

* Bacharel em contabilidade e administração; Presidente da Direcção da Associação de Estudantes do I.S.C.A.A.(1998-2000); Membro da Assembleia de Representantes do I.S.C.A.A. (1997-1999)

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mesmas, muitas vezes, comentávamos, eu os meus colegas, algo que sempre admirei neste homem, a sua capacidade diplomática.

Este homem é acima de tudo um lutador - não sei se deve aos anos de serviço militar que cumpriu - nos três anos em que eu estive na Associação de Estudantes como Presidente sempre notei que o Dr. Cunha nunca parava: sempre que alcançava um objectivo já tinha mais alguns em mente - uma pessoa de grande visão que teve e tem a capacidade de definir o rumo que a escola deveria seguir, que não abandonou sem deixar esse caminho preparado.

Não poderei excluir uma curiosidade de âmbito pessoal que há momentos atrás me recordei - não obstante o facto de nunca ter frequentado as disciplinas leccionadas pelo Dr. Cunha, sempre o tratei por "Professor" nas conversas que travávamos. De facto, apreendi muito ao longo dos tempos que lidei com ele, razão pela qual a minha mente porventura induz este tratamento - terá sido de facto uma mais valia trabalhar a par com o Dr. Cunha.

Facilmente nos apercebemos que é uma pessoa activa que demonstra vontade de trabalhar, pelo que eu não consigo imaginá-lo em casa com um cobertor em cima das pernas a ver televisão. De facto, não consigo imaginá-lo assim, pois a sua capacidade para desenvolver trabalho ainda não terminou e ainda bem - tudo me leva a crer que a sua missão não está concluída, nem no I.S.C.A.A., nem no ensino.

A Associação de Estudantes entendeu que o Dr. Cunha merecia que lhe fosse atribuído o título de sócio honorário: trata-se de um título nunca atribuído na história da Associação de Estudantes do I.S.C.A.A. e que pelo nosso entender, deveria ser utilizado num caso de merecida excepção - é óbvio que deverá ser o Dr. Cunha o primeiro a recebê-la. Querendo aproveitar esta ocasião, muito embora o protocolo exija que a forma de instituição desse título seja efectuado em Assembleia Geral de Alunos, considerou-se também por bem, face à presente homenagem, que fosse neste local o anúncio da atribuição deste título simbolizado por este gabão, próprio do traje dos alunos do I.S.C.A.A.

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Alocuções

É assim que eu termino esta minha intervenção, chamando aqui junto de mim o Dr. Joaquim Cunha, e deixando votos no sentido de que ao longo dos tempos que se seguem continuemos a ver o Dr. Cunha pelos corredores do Instituto.

Muito obrigado.

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PALAVRAS PROFERIDAS pelo

P R O F . D R . J O A Q U I M J O S É D A C U N H A

Meus caros Amigos

Platão fez a apologia de Sócrates e, hoje, vocês estão aqui a fazer a minha apologia. Agradeço a vossa presença e a generosidade do vosso julgamento. Só que, de tanta generosidade eu até posso ser levado a acreditar que fui um grande professor, quando, na realidade fui um professor como os demais e, disso, tenho plena consciência.

Eu vou começar pelo fim, porque no improviso não quero esquecer os alunos. Há pouco, este facto aconteceu e não devia ter acontecido. Peço desculpa pelo acontecido.

Agradeço aos actuais e aos ex-alunos a gentileza da vossa presença nesta festa de despedida da minha actividade docente.

Aos actuais alunos exorto-os a que façam da vossa escola uma comunidade de professores e de alunos onde o corpo dos funcionários seja uma peça fundamental para que essa comunidade de professores e alunos possa vingar e ser grande.

Fiquei muito sensibilizado com esta grande participação de ex-alunos e graduados pela Escola. Agradeço a vossa presença desinteressada. Se me for permitido um conselho, quero dizer-vos que o vosso diploma não atesta que saibais tudo para o exercício da vossa profissão. Atesta, sim, que Escola e diplomado, nada sabem de certo e que, por isso, estais aptos a continuar os vossos estudos sozinhos e a regressar à Escola para tomar contacto com os novos saberes que a Escola, entretanto, desenvolveu.

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Meu caro Amigo, Doutor Júlio Pedrosa, Reitor da Universidade de Aveiro.

À frente vou referir o trabalho comum que, ao longo destes anos, tivemos em estreita cooperação e amizade sem precedentes e sem mácula. E mais. Soubemos entender os desígnios e os desafios que se nos colocavam e, a partir deste entendimento, conseguimos que as duas instituições, agora uma, saíssem incólumes do processo, cada uma mais engrandecida para fazer face à necessidade de diversificar a oferta de formação.

Maria Armanda,

O antigo Instituto de Comércio foi a razão de estarmos hoje aqui. Estudamos na mesma Universidade. Fomos colegas de turma, Mas foi o Instituto do Comércio de Aveiro que juntou o nosso caminho profissional. As suas palavras de amizade dão razão ao tema da minha lição de hoje. É que, já nessa altura, entendia que, para as instituições se desenvolverem não era preciso provocar desemprego. Foi precisamente à custa do nicho de docentes do ser antigo Instituto de Comércio que fizemos a Escola de hoje. Sei que diz bem e escreve com elegância. Agradeço as palavras amigas que me emocionaram pela alegria de as ouvir. Eu sou rotário, e tenho aqui companheiros rotários do meu clube. O actual presidente, companheiro Afonso Amaral, também tem alguma coisa a ver com esta Escola. Há anos, na Administração Pública, criou-se uma burocracia bloqueadora da aquisição de computadores. O meu companheiro Afonso Amaral, nessa altura, ofereceu à Escola 4 computadores. Muito obrigado pela vossa presença.

O meu querido Amigo Prof. Dr. António de Almeida Costa foi muito generoso para comigo. Prometo não desmerecer a sua amizade. A A.P.P.C. (Associação Portuguesa dos Peritos Contabilistas) é uma organização que agrega a classe dos peritos contabilistas e integra o Conselho Consultivo desta escola. Ao longo de mais de 25 anos muito temos trabalhado para dignificar a profissão de Contabilista. Agradeço

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Alocuções

a vossa presença. Gostaria que não fosse uma despedida. A Contabilidade, em Portugal, e no mundo, ainda tem um grande caminho a percorrer.

Ao Joaquim Azevedo, que tive o privilégio de cumprimentar de manhã, peço que a C.T.O.C. promova uma acreditação justa e adequada dos profissionais de contabilidade. Há um longo caminho a percorrer. As escolas de contabilidade poderão ajudar na formação daqueles profissionais de contabilidade que não dispõem de habilitações académicas mas que estão dentro do sistema.

Até ao ano 2020, por imperativo demográfico, as Escolas verão diminuída a procura na formação inicial. É altura de, aproveitando instalações como pessoal, lançar cursos de formação recorrente que, em conjunto com a prática de trabalho, permitam créditos para prosseguir a formação formal.

No I.S.C.A. Aveiro, possivelmente dentro de dois ou três anos lançaremos este sistema de formação, que incluirá, também, a forma de formação à distância.

Todos os tempos de acreditação da contabilidade em Portugal foram tempos muito complicados. Quero dizer-vos que, a primeira atribuição de grau de licenciado em contabilidade, foi feita, de forma muito ardilosa. As nossas Escolas concediam um diploma de estudos especializados, os célebres D.E.S.E. Nestes estudos, integramos um trabalho de fim de curso que tinha de ser orientado e discutido e que, em Aveiro, constituíram autênticas teses de mestrado. É que, em Aveiro, tínhamos uma equipa de professores universitários de que não posso esquecer o contributo que deram para o prestígio dos cursos de especialização ministrados na Escola. Professores como Rogério Ferreira, aqui presente, Cimourdain de Oliveira, Manuel Porto, Amílcar Gonçalves e o saudoso Prof. Fernandes Pena fizeram destes C.E.S.E.'s as licenciaturas de hoje. Durante muitos anos, os trabalhos de fim de curso, foram arguidos por professores universitários, daí a exigência da qualidade, a que nos habituamos na Escola.

A todos e, no encanto desta festa de despedida, deixo o meu muito obrigado. O vosso trabalho e as vossas orientações muito contribuíram para a exigência que porfiadamente tentamos introduzir

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nos cursos ministrados. E, curioso, os estudantes vão atrás dessa exigência.

Hoje estou a ser alvo de uma homenagem. É o fruto de quem é velho. O que foi feito deve-se à generosidade de todos. Deve-se às sucessivas equipas que passaram pelo Conselho Directivo, ao civismo e à cooperação dos estudantes. Não referir a dedicação dos funcionários seria falta imperdoável. Para estes não havia horas, havia a Escola e o trabalho. Até nisso fizemos Escola. Até chegarmos a estas instalações, que têm apenas doze anos, vivemos, outros dezassete anos em vários andares espalhados pela cidade. Os ex-estudantes recordam-se disso. Até havia uma coisa engraçada, porque quando queríamos falar com um professor dizia-se... está no edifício A, está no edifício B, está no edifício C e, de certo, não estava em nenhum.

Hoje, as actuais instalações são frequentadas por mais de mil e quinhentos alunos e, no entretanto, continuam tão limpas como quase há doze anos. Isto não é acção de uma só pessoa. É acção de todos, com ênfase nos alunos que, por serem mais, seriam os que mais podiam sujar e são aqueles que ajudam a ter a Escola limpa. São os nossos estudantes que, ciclicamente, em cada ano, fazem a integração dos caloiros. E este ciclo repete-se, em cada ano por forma que cada estudante que chega tem um tutor para o acompanhar. Gostaria que este tutor; doravante também acompanhasse o estudante nos estudos, rumo a níveis de aproveitamento de excelência que um dia havemos de alcançar.

Meus Amigos

Quero dizer-vos que nesta Escola fui muito feliz e que não fiz nada com sacrifício. Fiz de cada dia um dia novo. Contudo há um tempo para tudo. O meu tempo no Conselho Directivo chegou ao fim. A Escola para progredir precisa de uma ruptura e não de continuidade. Eu já não tenho tempo para provocar esta ruptura. A Escola precisa de atrair novos públicos e de desenvolver programas de investigação. Deixo este trabalho ciclópico aos mais novos. O meu tempo passou e, falar do passado, nunca me entusiasmou. Nunca foi o passado que me fez andar. O passado é coisa para fazer a história das instituições.

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Cometi muitos erros; e sabem uma coisa? Não tenho nostalgia dos erros cometidos. É que, nunca tive medo de cometer erros porque sempre estive disposto a corrigi-los e corrigi-os com a ajuda de todos. Nas vossas vidas não tenham medo de cometer erros, desde que, estejam disponíveis para os corrigir porque, só assim, faz sentido dizer-se que errar é humano. Se não houver predisposição para corrigir os erros, então, meus caros amigos, há que não os cometer.

Como disse, é o futuro que me faz andar. Como viram, as instalações onde hoje estiveram estão

entaipadas, significa que ali há obras. Em Maio próximo será inaugurado um edifício destinado ao Projecto Profissional. Como prova de que levamos muito a sério a disciplina do projecto profissional, digo-vos que os valores envolvidos neste edifício ultrapassam mais de duzentos mil contos. E, continuando o projecto para o centro de casos e de investigação em áreas socio-económicas, fiscais e empresariais, há que dotar o "campus" com um terceiro e último edifício, onde teremos de investir qualquer coisa que se aproxima de um milhão de contos, razão pela qual, meu caro Doutor Júlio Pedrosa, já não será o I.S.C.A. a arcar sozinho com tamanho encargo. A Universidade vai ter de sensibilizar a tutela para a necessidade desta estrutura física rumo à Escola de excelência que projectamos para o ano de 2003.

Também naquele edifício os estudantes, vão, finalmente, passar a ter espaços lúdicos de qualidade, o centro de convívio, o bar, a sala de leitura e a sala de jogos. Portanto, os nossos estudantes, que neste momento, já têm residências de qualidade, vão passar a ter espaços lúdicos de qualidade.

Meus caros estudantes

Maio é já amanhã.

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Meu caro Reitor Júlio Pedrosa

Recusei algumas ofertas de trabalho na nova situação de aposentado. E recusei porquê? Recusei porque acredito que um dia, poderei dar algum contributo à minha Universidade, quer seja no combate ao insucesso escolar, quer seja na formação de profissionais não habilitados com a formação académica correspondente à sua actividade profissional, quer seja no lançamento de pós-graduações adequadas às ciências empresariais, quer seja no esforço de rendibilizar a capacidade tecnológica instalada. Hoje, esta Escola tem capacidade de rede e de meios informáticos bastantes e poderosos. E vai ter mais porque, com a integração na Universidade e a ligação ao seu centro de cálculo, passará a dispor de meios informáticos poderosíssimos, de maneira que, nós, muito bem podemos vir a ser uma escola piloto.

Eu quero dizer-vos que a Universidade de Aveiro passou, desde o início deste ano, a diversificar a sua oferta de formação. Oferece formação universitária e formação politécnica. Esta Universidade, hoje, está organizada em unidades orgânicas universitárias e unidades orgânicas politécnicas. Significa que vamos aproveitar todas as sinergias para que o desenvolvimento do todo seja profundamente eficaz.

Em Aveiro, a Universidade fez estudos muito bem elaborados no que respeita ao grau de atracção de estudantes. Eu quero dizer-vos que até 2020 haverá um acentuado decréscimo de procura de estudantes no Ensino Superior, porque, Portugal está a perder população jovem no nível etário 18-25 anos. Portanto, temos de estar preparados para o decréscimo da população escolar, quer no sistema universitário quer no sistema politécnico. Em Aveiro, não faria sentido que Universidade e Politécnico ficassem separados. A Universidade ficaria com nove mil estudantes, o Politécnico com três, quatro mil. Que sentido faria ter estruturas duplicadas, dois reitores, serviços sociais distintos? Uma burrice. O que fizemos? Universidade e Politécnico começaram a namorar..., um namoro pela positiva. Um

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namoro que garantiu a identidade a cada instituição e que acabou em casamento.

Hoje, a comunidade do Ensino superior, em Aveiro, ultrapassa os doze mil estudantes. É que não fazia qualquer sentido estarmos aqui tão perto e, tão longe. Não faria sentido estarmos apenas separados por uma estrada e termos estruturas desportivas separadas, estruturas sociais separadas e cantinas separadas. E as competências? Até neste aspecto haveria uma incalculável perda de recursos. A opção de, em Aveiro, a Universidade diversificar formação superior inicial é uma óptima solução. A solução de Aveiro abriu caminho para que as instituições do ensino politécnico, também elas, possam ter unidades universitárias. É evidente que isto pressupõe exigências, quais sejam as das competências, dos doutoramentos, não em áreas soltas mas em todas as áreas do saber afectas à unidade orgânica. Este é um problema que o C.R.U.P., o C.C.I.S.P. e a Tutela terão que resolver. Seria bom que não se andasse de costas viradas porque isso levaria que cada um ficasse mais distante. Portanto, eu recomendo ao C.C.I.S.P. e ao C.R.U.P. que, a este respeito, possam vir a entender-se. E, mais uma vez, à semelhança do que se passa com a Universidade do Algarve, reitero o pedido de que a Universidade de Aveiro passe a integrar o C.C.S.I.S.P.

Ao contrário da Ciência, em Política, não pode haver verdades solitárias. Em Política, uma ideia só é verdadeira pelo número de cabeças que acreditam nela. E, sobre esta integração, não houve votos contrários. Significa isto que todos acreditamos nela. Contudo, esta integração terá de viver do acordo ou será efémera sem ele. Ficou suspenso um ponto: é que numa universidade com unidades politécnicas integradas, um docente oriundo das unidades orgânicas politécnicas, nunca pode ser reitor da universidade.

Esta questão, sendo de cidadania, tem que ser resolvida. Perguntarão se tal questão fez, ou não, parte das conversas de

integração. Fez. Aliás bastará consultar as actas do Senado da Universidade

para se saber que o princípio foi defendido. Embora o princípio não fosse de pouca valia, tínhamos consciência de que não se deveria

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travar o processo de integração, havendo a promessa de se ouvir o Conselho de Reitores para se propor a necessária alteração legal. Caberá agora, à minha sucessora, Prof.a Dr.a Elda Guimarães não deixar morrer o princípio de que um docente oriundo do politécnico, professor coordenador com agregação, também possa ser reitor da universidade.

Meus caros Amigos

A todos agradeço a presença nesta festa que o Conselho Directivo do I.S.CA.Aveiro me preparou.

Termino como comecei. Tenho consciência que a não mereço. Quem esteve comigo este tempo todo, os professores, ao funcionários e os estudantes é que são merecedores desta homenagem. Sendo eu parte da roda, o cuidado que tive, foi nunca ter partido nenhum dente dessa roda. Espero que esta festa não seja o fim da minha cooperação à Escola que ajudei a criar.

Muito obrigado.

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ARTIGOS

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

INTENSIDADE FUNCIONAL EFICAZ E CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS

ANTÓNIO LOPES DE SÁ [email protected],br

PRESIDENTE DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS, REITOR DO CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CONTABILIDADE DO CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DE MINAS GERAIS, PRESIDENTE DO INSTITUTO DE PESQUISAS AUGUSTO TOMELINDO CENTRO UNIVERSITÁRIO DA U.N.A.

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SUMÁRIO

FATOS FUTUROS DA RIQUEZA CONHECIMENTO SOBRE A CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS FATORES BÁSICOS DA CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS CONCEITOS DE INTENSIDADE FUNCIONAL PATRIMONIAL EFICAZ FUTURO DA EFICÁCIA E PRESENTE DA INTENSIDADE FUNCIONAL POTENCIALIDADE E INTENSIDADE BIBLIOGRAFIA

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Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

"Existem seres que se tornam inesquecíveis pela luminosidade de suas ações, pelo que constróem na intensidade de suas presenças, antecipando o futuro; é a um destes que dedico este trabalho - ou seja, ao amigo Prof. Joaquim José da Cunha".

♦ :♦

A informação contábil nasceu para guardar memória dos fatos passados, mas, hoje, mais que nunca, ela avança ousadamente em direção ao futuro, na busca de antecipar-se a decisões e visando a resguardar riscos eminentes. Só na matéria genuinamente cientifica pode-se realmente encontrar segurança para determinar os fatores que geram opiniões racionais e a doutrina contábil neopatrimonialista acha-se deveras preocupada com a pesquisa e a implantação de metodologias que reduzam as margens de insegurança. O estudo aprofundado da intensidade funcional eficaz da riqueza parece ser o campo que melhor oferece bases para modelos prospectivos e o que merece a maior atenção dos estudiosos para análises da continuidade dos empreendimentos. O importante é construir uma metodologia que possa no estudo da continuidade reduzir os riscos de opiniões que possam produzir conclusões defeituosas.

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Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

FATOS FUTUROS DA RIQUEZA

A velocidade com a qual a tecnologia eletrônica introduziu mudanças na informação contábil facilitou não só o manuseio de dados atuais, mas, também, avanços no sentido de uma Contabilidade Prospectiva de melhor qualidade.

A previsão sempre preocupou a dirigentes e os contadores foram sempre os encarregados de faze-las; sobre isto podemos encontrar provas nas civilizações mais antigas, como a egípcia, embora os recursos pertinentes à matéria fossem parcos naquela época.

O emérito e saudoso professor da Universidade de Florença, Federigo Melis, em sua monumental obra sobre a História da Contabilidade, apresenta-nos um exemplo de registros de previsões gravados há mais de 3.000 anos, no tempo de Ramsés III e que ainda se encontram inscritas nas paredes do templo mortuário de Madinat--Habu.

Trata-se da prospeção de rendas feitas sobre a produção agrícola de grãos para a fabricação de pães e de cerveja.

A antiguidade do interesse sobre o futuro da riqueza parece ter sido algo perene nas civilizações, mas só alcançou importância doutrinária de relevo quando a Contabilidade passou de sua fase empírica para aquela científica.

Assim é que obra de Francesco Villa, de 1840, evidenciando tal realidade, ampliou valorosamente a importância relativa a esta matéria, o mesmo ocorrendo com os trabalhos de Fábio Besta, Cerboni e Rossi, no início do século XX.

Obras editadas em diversos países dedicaram-se especificamente ao assunto mas foi a partir da década de 40 do século XIX que aquelas se intensificaram igualmente em várias partes do mundo.

Em nossos dias algumas tecnologias apresentadas como recentes têm surgido sobre a questão, embora a elas como "novas" só possamos atribuir as formas de apresentação e alguns poucos detalhes condizentes com os maiores recursos dos quais hoje dispomos.

Se compararmos os denominados "métodos dos cenários" (tão bem apresentado, com competência, pela Dra. Fernanda Cristina

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Alberto, em brilhante artigo no J.T.C.E. de Lisboa) com os escritos doutrinários de Masi, Ceccherelli e Onida, para citar apenas alguns poucos exemplos, veremos que na essência nada ou pouquíssimo foi tangido.

Não é possível, todavia, deixar desapercebida a influência que tais estudos causaram no pretérito, mas, no presente, podemos afirmar que a questão merece sensível ampliação em matéria doutrinária.

A doutrina neopatrimonialista apresenta razões de rara qualidade para a observação dos fatos futuros ligados à continuidade dos empreendimentos e aos estudos analíticos da "intensidade funcional eficaz"; a eficácia é a base da nova metodologia dessa nova corrente científica doutrinária e que defende a prosperidade como meta da aplicação dos estudos contábeis.

CONHECIMENTO SOBRE A CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS

A rapidez com que se realizam hoje os investimentos e aquela com a qual os capitais se deslocam já não mais permitem a omissão quanto a previsões que tenham um maior grau de aproximação com aquela da realização dos fatos futuros.

Tal exigência, hoje feita a auditores em seus pareceres (como ocorre na Comunidade Europeia), requer dos profissionais conhecimentos que não se limitam a simples aspectos empíricos e práticos, mas, sim, exigem um embasamento em competente formação doutrinária sobre o assunto.

Conhecer sobre a possibilidade de uma empresa continuar a existir e em que condição esta existirá é uma exigência que se impõe aos profissionais.

Os recursos teóricos são racionais enunciados que se derivam das observações práticas, mas, com a vantagem de serem de aplicação geral.

É a observação dos fenómenos em cada empresa, em cada instituição que ajuda a analisar como as coisas acontecem, mas, o científico exige mais que isto, ou seja, só admite aceitar o universal

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Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

como verdade, ou seja, o que ocorre em todos os lugares e em todos os tempos sempre da mesma forma.

Cada empresa tem a sua própria vida e as suas características pertinentes, mas, nenhuma delas escapa às leis universais que regem o comportamento da riqueza.

A indagação analítica sobre a sobrevivência dos empreendimentos exige o científico, o estabelecimento de relações entre fatos sob a luz de metodologia específica.

Toda a ciência baseia-se no estabelecimento de relações e todas elas ensejam previsões, pois, estas são condições essenciais para caracterizar o conhecimento científico.

FATORES BÁSICOS DA CONTINUIDADE DOS EMPREENDIMENTOS

Existem acontecimentos básicos a serem considerados para que se possa conhecer a realidade sobre a continuidade dos empreendimentos e estes parecem ser os alusivos aos fatores: "intensidade funcional" e "necessidade operacional".

Ou ainda, a relação "intensidade de utilização da riqueza" e "eficácia a ser conseguida", parecem ser os aspectos primordiais de uma observação.

Cientificamente, pois, no campo da Contabilidade, necessário se faz desenvolver uma série de raciocínios que permitam uma opinião em face dos dados que se possam colher nas empresas e instituições.

A sobrevivência depende da vitalidade operacional e dos recursos que se vertem na satisfação das necessidades diante das pressões que os entornes da riqueza possam sobre esta exercer (esta a óptica do neopatrimonialismo).

Partindo-se desta consideração fundamental é possível concluir sobre alguns aspectos relevantes que devem guiar a cognição sobre a situação patrimonial futura, ensejando emissão de opiniões competentes.

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Não pode haver continuidade se a eficácia não se operar e tudo também indica que esta dependa da intensidade funcional com a qual se realizam as utilizações dos meios patrimoniais.

Requerida é, pois, uma intensidade funcional eficaz para que se possa conseguir a continuidade conveniente a um empreendimento.

Portanto, a meta das prospeções deve ser a que se fundamenta nesta realidade de relatividades e correlações.

Como o conceito de continuidade é global em relação à célula social (seja empresa, seja instituição) o enfoque de tal fenómeno requer abrangência.

CONCEITO DE INTENSIDADE FUNCIONAL PATRIMONIAL EFICAZ

O conceito de função é usado em muitos ramos do conhecimento humano e em cada um tem a sua conotação específica (na Química molecular, por exemplo, significa um comportamento determinado em uma classe de substâncias agrupadas, nas matemáticas significa o correspondente entre dois ou mais conjuntos etc. etc.).

Em tese, contabilmente, para a doutrina neopatrimonialista, tudo o que movimenta o patrimônio é relativo a uma função desempenhada por um componente da riqueza ou por agentes dos entornes desta.

Básica, mas, não exclusivamente, a função é a utilidade exercida visando a suprir a necessidade de um empreendimento definido.

Medir, pois, o que representa uma função em seu desempenho é basicamente buscar avaliar o que ela representa em face da finalidade que a produziu.

Como o patrimônio é um prodigioso conjunto, só por abstração ou excepção se pode admitir a existência de uma função isolada.

A intensidade funcional eficaz é, portanto, uma relação percentual entre a multiplicidade do exercício dos meios patrimoniais e as das satisfações das necessidades por aqueles a serem providas.

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Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

Ou ainda, quanto mais o exercício da riqueza se aproximar do que é necessário conseguir e tanto mais intensa será a função patrimonial.

Um meio patrimonial ou um conjunto deles pode, em exercício, em função, ser intenso, mas, é necessário que ocorram condições similares de intensidade em outros para que a continuidade, como um todo, possa ser conseguida.

Assim, por exemplo, um estoque de mercadorias, terá tanto mais intensidade funcional em relação ao resultado quanto maior velocidade tiver e quanto melhor for a margem lucrativa que se derivar de tal movimento.

O quantitativo do movimento e o qualitativo da margem são determinantes para colimar a eficácia.

Se a tendência das vendas é crescente e se isto se opera cada vez mais em relação ao aumento do giro dos produtos, pode-se dizer que mais intensa se torna a participação dos bens de venda na eficácia e tanto mais probabilidade existirá de sobrevivência.

A continuidade da atividade empresarial, todavia, repito, não depende só das vendas, mas, de todo um complexo de eficácias em outros sistemas de funções; portanto, o exemplificado denunciará uma intensidade funcional relativa e parcial, mas, não a global.

Se, todavia, a empresa, ainda no caso citado, em vez de conservar o equilíbrio de seus investimentos, desviar recursos para imobilizações muito altas, com absorção excessiva do capital de giro, poderá haver compromisso do equilíbrio e o sistema da estabilidade deixará de ser eficaz.

Como a estabilidade é um sistema básico, fundamental, responsável pelas funções de equilíbrio, a ineficácia neste agregado é forte indício de não continuidade ou pelo menos de ameaça a esta.

A intensidade funcional, pois, em um só sistema patrimonial de funções ou mesmo em alguns poucos, por si só, não representa uma condição positiva de sobrevivência.

Não deixará, no caso do exemplo, de haver uma intensidade funcional relativa, mas, a intensidade para que seja um conceito abrangente, global, repito, é preciso que represente uma

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multiplicidade de atos que envolvam a todos os sistemas básicos de funções patrimoniais.

FUTURO DA EFICÁCIA E PRESENTE DA INTENSIDADE FUNCIONAL

A prospeção da eficácia é a evidência de uma necessidade futura que se tem a satisfazer.

As previsões em geral se fundamentam em hipóteses racionais de acontecimentos; hipóteses porque são conjecturas e racionais porque se fundamentam em elementos decorrentes de razões sustentáveis em estudos e experiências.

O futuro da eficácia, todavia, não só justifica, mas, também faz exigível a medida da intensidade funcional.

Pode-se, portanto, admitir, como teorema o enunciado seguinte:

Quanto mais se potencializar uma eficácia admitida como finalidade e mais deve proporcionalmente a intensidade funcional dela avizinhar-se para que ocorram condições favoráveis para a continuidade dos empreendimentos.

É possível, pois, estabelecer-se um grau de intensidade funcional a partir de uma potencialização fixada para a eficácia.

Isto porque é a proporcionalidade da distância entre a função de um meio patrimonial e a eficácia a que indica o grau a ser considerado.

A intensidade é, pois, a parcela de contribuição que uma função realiza em face da satisfação da necessidade.

Quanto maior for a distância da necessidade (calculada por previsão em relação ao tempo de efetivação desta) e mais intensidade será requerida da multiplicação das funções.

Outro enunciado parece sustentar outro teorema em face desses eventos:

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Intensidade funcional eficaz e continuidade dos empreendimentos

O fluxo do fenómeno contábil deve ser tão mais intenso quanto mais o for o da necessidade patrimonial projetada.

Isto porque a intensidade funcional (If) se mede pela proximidade que a função contábil (f) tem, em suas multiplicações, em relação à consecução da eficácia (Ea).

Como a mensuração exige a expressão quantitativa de valor (Qn) disto resulta:

]f = (OaU .Qnfy)D

(Ea)n

Como a intensidade é um fenómeno presente, mas em curso ou fluindo para o futuro e como a eficácia do futuro é uma posição projetada em forma de estática, quanto mais o fluxo tiver velocidade e quanto mais intenso for e tanto mais se avizinhará do objetivo traçado como de eficácia.

É a transformação patrimonial eficaz veloz que tem condições de produzir a intensidade funcional de maior proporcionalidade

Esta a forma de observar e raciocinar nos estudos da análise da continuidade de vida das empresas e instituições e que parece ser a que conduz a menores riscos de falhas em opiniões.

POTENCIALIDADE E INTENSIDADE

O presente de uma empresa pode denunciar potencialidades aceleradoras de intensidades.

Tais elementos são de ordem imaterial, não estão ostensivamente evidenciados nas demonstrações contábeis, mas representam uma força agente competente para se materializar em riqueza.

São exemplos as empresas prestadoras de serviços que possuem programas de informática, as que realizam pesquisas e já possuem conquistas aptas a ganharem mercado, merecendo até cotações especiais em índices em bolsas de valores.

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Neste caso, a intensidade pode ser de tal ordem, que quando materializada a intangibilidade, a vizinhança de objetivos futuros pode ocorrer com proximidades não previstas, ou seja, muito antes dos prazos tomados como finalidades.

Portanto pode-se formular a proposição lógica seguinte:

Quando os fatores de aceleração da intensidade funcional são competentes para produzirem uma participação eficaz mais que proporcional a da estabelecida para a consecução do objetivo orçado, o grau de vizinhança se potencializa e pode precipitar a consecução da eficácia prospectada a ponto de antecipar a colimação dos objetivos futuros antes dos prazos estabelecidos.

Isto significa que a continuidade pode ser alcançada por potencialidades que não são as evidenciadas em informações tradicionais contabilmente expressas segundo normas e convenções.

O curso, pois, da intensidade pode alterar-se se também se alteram os fatores que promovem os elementos agentes da riqueza patrimonial porque a vizinhança dos objetivos pode ter o subsídio de elementos cujas ações só se manifestam "a posteriori" e que não se manifestaram em evidências em momentos pretéritos.

O desenvolvimento doutrinário da matéria relativa a intensidade funcional ainda não se operou dentro dos limites desejáveis, mas, representa um grande e importante assunto na produção de proposições lógicas que visem a construção de comportamento da riqueza.

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BALANCED SCORECARD --SISTEMA DE INFORMAÇÃO VS SISTEMA DE GESTÃO

CARLA MANUELA TEIXEIRA DE CARVALHO carla,[email protected],pt

GRAÇA MARIA DO CARMO AZEVEDO graça. [email protected],pt

ASSISTENTES DO I.S.C.A.A.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO II. BALANCED SCORECARD (QUADRO DE COMANDO INTEGRAL) 1. ORIGEM DO BSC 2. CARACTERIZAÇÃO DO BSC 3. VANTAGENS DO BSC 4. O BSC COMO SISTEMA DE INFORMAÇÃO 5. O BSC COMO SISTEMA DE GESTÃO 6. A VINCULAÇÃO DO BSC COM A ESTRATÉGIA III. CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

I. INTRODUÇÃO

Actualmente as empresas necessitam de informação relevante, histórica e previsional, para tomar decisões que permitam obter vantagens competitivas.

Para as empresas da era da informação, os activos de natureza intangível passaram a ser factores críticos de sucesso, nomeadamente, o nível de qualidade de produtos e serviços, motivação e competência dos empregados, a capacidade de resposta e eficiência dos processos internos, a satisfação e lealdade dos clientes, não sendo estes activos valorizados na Contabilidade Financeira.

A avaliação da rentabilidade dos activos tangíveis e da actuação passada da gestão são insuficientes.

A necessidade de criar um sistema de medição integral das variáveis estratégicas da empresa, mantendo o equilíbrio entre os indicadores de curto e longo-prazo, financeiros e não financeiros, internos e externos, levou ao aparecimento do Balanced Scorecard (BSC).

O BSC evolui de uma síntese de indicadores de gestão melhorado, para converter-se num sistema de gestão estratégica. Os indicadores do BSC constituem uma série de relações de causa-efeito, que considerados colectivamente, descrevem a estratégia da organização.

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II. B A L A N C E D S C O R E C A R D ( Q U A D R O D E C O M A N D O

INTEGRAL)

1. ORIGEM DO BSC

■ Do "Tableaux de Bord " dos anos 50 Os gestores das empresas sempre desejaram possuir um sistema

de indicadores que lhes permitisse ter uma visão resumida do que de significativo ocorre na empresa, avaliar o seu desempenho e evolução, por forma a tomar as decisões necessárias.

O Tableaux de Bord, conforme refere Marti (1999, p.49), constituíam um quadro "enciclopédico", onde se incluía um elevado número de indicadores (de variáveis) de tudo o que pudesse ser importante para a empresa. A principal prioridade implícita era que a variável fosse medida de forma objectiva. Ou seja, o que importava era compreender todo o funcionamento da empresa (perspectiva interna) desde as matériasprimas, produtos, pessoas e instalações, de forma a rentabilizálos o mais possível.

Em França, as empresas utilizaram e desenvolveram, durante mais de duas décadas, o Tableaux de Bord, que consistia num quadro de comando de indicadores chave de êxito da empresa. "O tableaux de bord fora desenhado para ajudar os empregados a «pilotar» a organização, graças à identificação de factores chave de êxito, especialmente aqueles que podem medir-se como variáveis físicas (M. Lebas) .

Nesta época, já os norteamericanos se preocupavam mais com indicadoresresumo concretos, admitindo que deveriam ser poucos, já que um número elevado poderia provocar saturação de informação pelos gestores e até perda de tempo na sua leitura, que era exaustiva e conduzia a tomadas de decisão fora de tempo.

'Citado por Kaplan (1997, p.43).

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Balanced Scorecard Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

■ Ao Balanced Scorecard de Kaplan e Norton Em 1990, o Nolan Norton Institute, patrocinou um estudo sobre

"A medição dos resultados das empresas do futuro", envolvendo diversas empresas, com a duração de um ano. Este estudo foi motivado pelo facto de se considerar que os indicadores utilizados para medir a actuação das empresas estavam a ficar obsoletos e dependiam quase exclusivamente de informações da Contabilidade Financeira.

Representantes de 10 grandes empresas, reuniramse bimestralmente, para desenharem um novo modelo de medida da actuação da gestão. Depois de diversas experiências realizadas em empresas, desenvolveram o BSC, considerado como um sistema de medição equilibrado e aquele que melhor respondia às suas necessidades.

As descobertas do grupo de estudo foram publicadas pela primeira vez sob o título, "O Quadro de Comando Integral", na revista "Harvard Business Review" (Janeiro/Fevereiro de 1992).

Durante os estudos que se seguiram deste modelo, definiramse indicadores baseados no êxito estratégico. Este novo avanço, levou os autores a publicar novo artigo "Como pôr a funcionar o BSC", em 1993.

Várias experiências demonstraram que o BSC era utilizado pelas empresas não só para clarificar e comunicar a estratégia, sendo também visto como um verdadeiro sistema de gestão estratégica. Este facto leva os autores, em 1996, a escrever um novo artigo "A utilização do BSC como um sistema de gestão estratégica".

O BSC evolui de uma síntese de indicadores de gestão melhorado, para converterse num sistema de gestão estratégica. Os indicadores do BSC constituem uma série de relações de causaefeito, que considerados colectivamente, descrevem e orientam a estratégia da organização.

Apesar de ser um tema relativamente recente, são já vários os autores que se debruçaram sobre o estudo do BSC.

Para López (1998, p.37), o BSC "representa um modelo de medida da actuação da empresa que equilibra os aspectos financeiros

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e não financeiros na gestão e planificação estratégica da organização. É um quadro de comando coerente e multidimensional que supera as medidas tradicionais da contabilidade".

"O BSC é como um sistema de informação para a direcção constituindo-se, já de facto, na ferramenta por excelência de apoio ao processo de tomada de decisão de gestão" (Vinegla, 2000, p.216).

Para Kaplan e Norton (1997), "o BSC proporciona aos executivos um amplo sistema que traduz a visão e a estratégia de uma empresa, através de um conjunto de indicadores de actuação"..."O BSC mais que um sistema de medição, é um sistema de gestão que pode canalizar as energias, habilidades e conhecimentos específicos de todos os colaboradores, para a consecução dos objectivos estratégicos de longo prazo ".

De facto, o BSC é composto por um conjunto de objectivos, indicadores, metas e iniciativas, em quatro perspectivas, que devidamente interrelacionadas, por relações de causa-efeito, conseguem comunicar a própria estratégia da empresa, indicando não só os fins a atingir mas também os indutores de actuação desses objectivos.

Veja-se que o próprio termo Balanced Scorecard, reflecte o equilíbrio entre os objectivos de curto e longo prazo, entre indicadores financeiros e não financeiros (clientes, processos internos), entre indicadores externos (dirigidos aos accionistas e clientes) e indicadores internos (dos processos críticos para o negócio: a inovação, aprendizagem e crescimento), as metas a atingir (indicadores de resultados - de acontecimentos passados) e os indutores desses resultados (indicadores causa - de actuação futura).

2. CARACTERIZAÇÃO DO BSC

Podemos caracterizar o BSC da seguinte forma: - Transforma a missão e a estratégia em objectivos e

indicadores organizados em 4 perspectivas diferentes. Os objectivos e indicadores do BSC derivam da visão e estratégia da organização e contemplam a actuação da organização em quatro

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

perspectivas equilibradas: financeira, dos clientes, dos processos internos e da aprendizagem e crescimento;

- Proporciona uma estrutura e uma linguagem para comunicar a missão e a estratégia. O BSC proporciona uma estrutura para transformar uma estratégia em termos operativos. Os gestores de uma empresa conseguem agora medir a forma como as suas unidades de negócio criam valor para os seus clientes, presentes e futuros, a forma como devem potenciar as capacidades internas e os investimentos no pessoal, para melhorar a sua actuação futura. Ou seja, concentra-se em factores que criam valor a longo prazo.

- Utiliza os indicadores para informar os empregados sobre as causas do êxito presente e futuro. Ao articular os resultados que a organização deseja com os indutores desses resultados, os gestores esperam canalizar as energias, as capacidades e o conhecimento de todo o pessoal da organização para a consecução dos objectivos de longo prazo.

- Dá ênfase à persecução dos objectivos financeiros, mas também inclui os indutores de acção para alcançar esses objectivos. As empresas podem seguir o caminho dos resultados financeiros, ao mesmo tempo que observam os progressos na formação de pessoas e a aquisição dos bens intangíveis (inovação, formação, motivação) essencial para um crescimento sustentado de longo prazo. Ou seja, os resultados financeiros são a consequência ou reflexo dos investimentos nas restantes perspectivas.

- O BSC complementa os indicadores financeiros da actuação passada com os indutores da actuação futura.

A análise exclusiva dos indicadores financeiros não permite definir uma visão estratégica da empresa e logo o desempenho a longo prazo, mas sim uma visão curta, do presente.

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3. VANTAGENS DO BSC

Para Marti (1999, p.20) as vantagens do modelo de Kaplan e Norton, sobre os anteriores quadros de comando e os tableaux de bord franceses são:

- os anteriores incluíam de forma exaustiva variáveis económico-financeiras, enquanto este inclui outro tipo de variáveis, relacionadas com a situação competitiva, capacidade de inovação;

- os indicadores utilizados e as variáveis a analisar são mais globais, são para a empresa no seu conjunto, avaliando quer o meio interno quer o meio externo. Por exemplo, procuram conhecer a satisfação dos clientes (e não os detalhes sobre as existências), a capacidade de inovação (e não detalhes de utilização da máquina).

López (1998, p.39-40) aponta ainda outras vantagens: - para além das medidas financeiras fornecidas pela

contabilidade, utiliza outra informação financeira, do tipo quantitativo e qualitativo ;

- equilíbrio e adequada ponderação entre as medidas financeiras e não financeiras. Ao actuar sobre as não financeiras, pode-se corrigir a tempo a performance da empresa e melhorar os resultados evidenciados nas medidas financeiras;

- interrelaciona todas as perspectivas: cada uma condiciona e ao mesmo tempo depende das restantes. Pretende-se a satisfação do cliente, como meio para melhorar os resultados, através de empregados motivados e tecnologias adequadas à empresa. Estas duas últimas, constituem a infra-estrutura necessária para a satisfação e fidelização dos clientes e

2 A consideração exclusiva dos aspectos quantitativos, impediria por exemplo, de analisar a longo prazo, o impacto que teria no pessoal de um departamento a decisão de cancelar um projecto no qual tinham estado a trabalhar à vários meses.

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

consequentemente a melhoria da competitividade e aumento da rentabilidade final.

As vantagens defendidas por Kaplan e Norton, serão objecto de estudo no decorrer deste trabalho, nomeadamente quando se refere que o BSC é um sistema integrado de gestão, que reflecte a estratégia da empresa, estando os objectivos e indicadores interligados por relações de causa-efeito.

4. O BSC COMO SISTEMA DE INFORMAÇÃO

O BSC foi desenvolvido com vista a comunicar os objectivos das empresas, dada a sua necessidade de informação relevante para a tomada de decisões que permitam obter vantagens competitivas. Como instrumento de trabalho, a Contabilidade de Direcção Estratégica baseia-se num sistema de informação integral e equilibrado que incorpora informações internas e externas à organização. Esta informação pode ser de natureza financeira e não financeira, qualitativa e quantitativa, que através de um processo de análise e interpretação procura a informação relevante para cada unidade estratégica de forma a obter vantagens competitivas.

Kaplan e Norton, recomendam que as organizações devem procurar articular os seus principais objectivos em 4 perspectivas e posteriormente traduzi-las em indicadores específicos. Cabe a cada organização definir os indicadores críticos, contudo, haverá sempre uma mutabilidade dos mesmos ao longo do tempo, pois o dinamismo da estratégia assim obriga.

Por forma a minimizar o excesso de informação, cada perspectiva deve ser resumida num número limitado de indicadores, os autores sugerem 3 a 5.

Devido à especificidade de cada organização, os objectivos e medidas de performance nunca poderão ser generalizadas. Cada organização definirá os seus objectivos e adoptará as medidas que melhor clarifiquem e exprimam a estratégia em cada perspectiva.

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1 - Perspectiva Financeira Os indicadores financeiros integrados no BSC representam os

objectivos de longo prazo. São a tradução numérica dos resultados económicos de longo prazo, consequência das acções de gestão nas restantes perspectivas. Permitem-nos identificar se as estratégias definidas pela empresa estão ou não a ser implementadas e se estão a contribuir para o seu crescimento e rentabilidade.

Os objectivos e respectivos indicadores variam, de empresa para empresa, de acordo com a estratégia adoptada, que se encontra normalmente relacionada com a evolução da empresa e dos próprios produtos. Assim numa fase de crescimento, um dos objectivos será o aumento do volume de vendas, enquanto que numa fase de maturidade o objectivo será a rentabilidade económica (quer das vendas, quer do capital investido). Na fase de declínio um dos objectivos poderá ser o cash-flow gerado pela actividade.

Indicadores normalmente utilizados nesta perspectiva: rentabilidade do investimento, EVA (Economic Value Added), Resultados Líquidos.

Deveriam eliminar-se os indicadores financeiros? Existem autores que criticam a utilização dos indicadores

financeiros para avaliar a performance da empresa, uma vez que já se utilizam os indicadores não financeiros. Para aqueles autores, num mercado de grande competitividade, os gestores devem centrar-se na melhoria da satisfação do cliente, qualidade e motivação dos empregados. Assim, à medida que as empresas vão melhorando operacionalmente, os indicadores financeiros reflectirão essa evolução, ou seja, constituem uma consequência lógica dos indicadores operacionais de curto-prazo.

Porém, nem todas as empresas são capazes de transformar os investimentos na qualidade e satisfação de clientes em resultados financeiros, num mínimo aceitável ou pelo menos a curto prazo. Ou seja, nem sempre existe uma correlação estreita e com impacto imediato entre indicadores operacionais e financeiros.

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Kaplan e Norton (1997) defendem que, os indicadores financeiros terão um papel muito importante na hora de recordar os gestores que a melhoria da qualidade, dos tempos de resposta e desenvolvimento de novos produtos, são meios para atingir um fim e não um fim em si mesmo.

2 - Perspectiva do Cliente Os gestores devem identificar os segmentos de clientes e de

mercados em que lhes interessará actuar, bem como as medidas de actuação da empresa perante esses segmentos.

Nesta perspectiva, deve atender-se a um conjunto de critérios de exigência definidos pelos clientes (principalmente aqueles que são mais importantes para a empresa) e que podem constituir factores de sucesso, tais como: prazos de entrega curtos, produtos e serviços inovadores, novos produtos que satisfaçam novas necessidades. Para satisfazer os clientes deve-se não só reduzir custos mas também melhorar a qualidade e prazos de entrega.

A perspectiva do cliente permite aos gestores articular a sua estratégia com os interesses do cliente, proporcionando rendimentos financeiros futuros reflectidos nos indicadores financeiros.

As medidas de avaliação podem agrupar-se em três classes de atributos:

- características do produto ou serviço (funcionalidade, qualidade e preço);

- relação com o cliente (prazo); - imagem e reputação.

3 - Perspectiva do Processo Interno Nesta perspectiva identificam-se os processos internos críticos

para a estratégia, a fim de os melhorar, diminuir os desperdícios, reduzir custos para satisfazer os clientes e aumentar a rentabilidade da empresa3.

A cadeia de valor da empresa está formada por processos que são a fonte de vantagens competitivas concentrando maior impacto na

3López(1998,p.37).

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satisfação do cliente e no alcance dos objectivos financeiros. Kaplan e Norton identificam 3 processos internos principais:

1) Processo de Inovação: identifica-se primeiro as necessidades dos clientes, depois identificam-se novos mercados e potenciais clientes, desenvolvendo por fim novos produtos para satisfação daquelas necessidades. Indicadores: percentagem de novos produtos, tempo de desenvolvimento de novas linhas de produtos.

2) Processo Operacional: inicia-se com a chegada da encomenda do cliente e termina com a entrega do produto ou serviço. O objectivo deste processo é fornecer eficientemente, de forma consistente e atempada, os produtos e serviços existentes a clientes. Indicadores: tempo do ciclo, nível de qualidade, valor dos custos.

3) Processo Pós-Venda: compreende os serviços de apoio ao cliente (garantia, actividades de reparação, tratamento de defeitos) contribuindo para a total satisfação das necessidades dos clientes. Indicador: tempo de resposta.

Para além de melhorar e criar processos internos para produtos existentes, as empresas devem inovar, ou seja, criar novos produtos e serviços que satisfaçam as necessidades emergentes dos actuais e futuros clientes e consequentemente inovar em todos os processos.

Kaplan e Norton (1997) defendem mesmo que os processos de inovação, que designam de onda larga, da criação do valor são um indutor importante da actuação financeira futura, mais que o ciclo de curto prazo, designado de onda curta.

4 Kaplan e Norton utilizam este termo para se referirem à criação de valor de curto prazo, que consiste na recepção do pedido do cliente já existente, que solicita um produto ou serviço já existente, e termina com a sua entrega ao cliente. Não há inovação e os resultados são de curto prazo.

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4 - Perspectiva de Aprendizagem e Crescimento Proporcionam a infra-estrutura necessária para que as restantes

três perspectivas alcancem os seus objectivos, permitindo o crescimento a médio prazo.

A perspectiva do cliente e do processo interno constituem os factores mais críticos para o êxito futuro. No entanto, é pouco provável que consigam atingir os seus objectivos, utilizando as mesmas tecnologias e capacidades actuais. Será então necessário formar os meios humanos e investir em tecnologias e informação.

A aprendizagem e crescimento de uma organização centra-se em três elementos principais:

- Recursos Humanos - as medidas utilizadas podem ser de resultados genéricos: normalmente são a satisfação dos colaboradores, sua retenção e produtividade. Poderá também integrar medidas mais específicas que permitam avaliar os conhecimentos concretos de cada um. Indicadores utilizados: percentagem anual de saída de empregados, número de empregados com formação, motivação.

- Sistemas de informação: a eficiência num mercado competitivo depende da excelência da informação sobre clientes e processos internos. A informação em tempo real é importante a todos os níveis. As capacidades destes sistemas podem medir-se através da disponibilidade em tempo real da informação fiável, sobre clientes e processos internos, e sua adequação à empresa;

- Motivação, empowerment e coordenação: examinam a coerência dos incentivos aos empregados com os factores de êxito geral da organização e sua evolução ou progresso. Os indutores individuais e organizacionais devem estar coordenados. Um indicador será a percentagem de trabalhadores que possuem objectivos profissionais em consonância com o BSC e a percentagem de colaboradores que atingiram esses objectivos.

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■ Quatro perspectivas são suficientes ? Kaplan e Norton (1997) defendem que sim. As 4 perspectivas do

BSC têm demonstrado ser válidas, prova disso são as diversas experiências bem sucedidas numa grande variedade de empresas e sectores. No entanto as 4 perspectivas do BSC são consideradas apenas como um modelo, não são obrigatórias e únicas. Segundo Kaplan (1998)5 não existem teoremas matemáticos que suportem a tese de que as 4 perspectivas são necessárias e suficientes. Existem empresas que pela sua especificidade, do sector ou da própria estratégia, necessitam de mais perspectivas.

5. O BSC COMO SISTEMA DE GESTÃO

O BSC é mais que um sistema de medição operativo. O BSC traduz a missão e a estratégia de uma organização num

amplo conjunto de indicadores de actuação integrados, que proporcionam a estrutura necessária para um sistema de gestão e medição.

O BSC deve canalizar as energias e conhecimentos de todos os colaboradores da organização para a persecução dos objectivos estratégicos a longo prazo e assim cumprir a missão da empresa.

Segundo Kaplan e Norton (1997, p.23) existem empresas que estão a utilizar o BSC para concretizarem processos de gestão decisivos (Figura 1):

5 Citado por Madeira (20C0, p.52).

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

Figura 1 - 0 BSC como um Sistema de Gestão Figura 1 -

Clarificar e traduzir a missão e a estratégia £\

Figura 1 -

| < /

Figura 1 -

Balanced Scorecard

Comunicação Balanced Scorecard

— Formação e feedback estratégico

ta Balanced Scorecard

ta 1 S) ta Planificação e definição de objectivos Cr/ ta

Fonte: Traduzido e adaptado de Kaplan, R., Norton, D. (1997, p.24)

1. Clarificar e traduzir a missão e a estratégia - o processo do BSC começa quando a equipa da alta direcção procura traduzir a missão da sua organização em objectivos estratégicos específicos e indicadores que reflictam a estratégia (indicadores de actuação e de resultados).

Para fixar os objectivos financeiros, a equipa tem de definir muito bem se dão prioridade, por exemplo, ao crescimento do mercado ou a gerar cash-flows. Na perspectiva do cliente, deve estar explícito em que segmentos de clientes e de mercados se pretende actuar. Depois de identificados os objectivos financeiros e de clientes, a organização identifica os objectivos e indicadores para o seu processo interno. Esta identificação representa uma das inovações e

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vantagens do BSC : destaca os processos que são mais decisivos e importantes para alcançar uma boa performance perante os clientes e accionistas. A vinculação final com os objectivos de aprendizagem e crescimento revelam a razão principal para realizar investimentos na formação dos empregados, em tecnologias e sistemas de informação.

O consenso total sobre os objectivos estratégicos, é no entanto, difícil de alcançar por diversos motivos: história e cultura da própria organização e interesses específicos de cada indivíduo. No entanto, se se transmitir adequadamente os objectivos e os indutores de acção para os alcançar, bem como as medidas de avaliação, de compensação e incentivo, por áreas compartimentadas (departamentos, secções), as pessoas vão-se sentir integradas na missão da empresa, e os objectivos da empresa convertem-se em objectivos individuais, fomentando desta forma o consenso e o trabalho em equipa.

2. Comunicação - os objectivos e indicadores estratégicos do BSC são comunicados a toda a organização, por diversos meios: boletins internos, vídeos, etc. Esta comunicação serve para informar todos os empregados, sobre quais os objectivos fundamentais a alcançar para que a estratégia da organização tenha sucesso.

Algumas organizações decompõem os indicadores estratégicos, de alto nível da organização, em indicadores concretos de nível operativo, estabelecendo-se objectivos locais que apoiem a estratégia global da organização. Cada departamento irá determinar os seus indicadores e construir o seu próprio BSC das sub-áreas, respeitando a missão geral da empresa, conseguindo-se o compromisso dos executivos operativos com a estratégia da organização.

Por último, de referir que o sistema de incentivos e recompensas deve ser comunicado e definido em função dos indicadores e objectivos a atingir.

Os sistemas tradicionais de medição da actuação, incluindo os que utilizam indicadores não financeiros, centram-se normalmente na diminuição dos custos, aumento da qualidade e prazos de entrega.

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3. Planificação e definição de objectivos: Devem-se estabelecer objectivos e orçamentos para os indicadores do BSC, de 3 a 5 anos.

Os objectivos devem representar uma descontinuidade da actuação da empresa. A partir do momento em que uma empresa estabelece os objectivos para o longo prazo, para as medidas estratégicas, também deve estabelecer objectivos, para cada indicador, para o curto prazo (trimestre, semestre, ano). Estes objectivos de curto prazo, proporcionam a análise da evolução ou progressão em tempo real da trajectória da estratégia. O processo de planificação e definição dos objectivos permite à organização:

- quantificar os resultados a longo prazo que deseja alcançar; - identificar os mecanismos e proporcionar os recursos

necessários para alcançar esses resultados; - estabelecer metas a curto prazo para indicadores

financeiros e não financeiros.

4. Formação e feedback estratégico: Kaplan e Norton (1997) consideram que este processo é o mais inovador e mais importante de todo o processo de gestão do BSC. Através do feedback recebido, os gestores podem vigiar e ajustar as acções da sua estratégia e, se necessário, fazer alterações fundamentais na própria estratégia. Fazem-se revisões do passado e aprende-se a actuar para o futuro. Discute-se não só como se conseguiram os resultados passados, mas também se as suas expectativas para o futuro seguem no bom caminho. O BSC não mede apenas a mudança dos indicadores, também favorece a mudança.

Para se determinar qual o plano e acção a tomar mais adequado em cada situação específica, é necessário informação relevante, captada na maioria das vezes de fora da empresa. E, o êxito dessa decisão, depende da correcta medição da actuação empresarial, que revele se a estratégia adoptada produz os resultados previstos, se permite adaptação ao meio, se há outras oportunidades a aproveitar

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e/ou implementar medidas correctivas na estratégia ou mudar mesmo de estratégia.

O processo de feedback estratégico alimenta o seguinte processo de gestão: os objectivos das diversas perspectivas são revistos, alterados e melhorados de acordo com a visão mais actual dos resultados estratégicos, assim como os indutores da actuação para os períodos seguintes.

Gostaríamos ainda de referir que o BSC pode ser utilizado não só por empresas privadas mas também por entidades públicas, governamentais e entidades sem fins lucrativos. A estrutura deste modelo aplica-se perfeitamente a entidades sem fins lucrativos. Nestas entidades é a missão, e não os objectivos financeiros ou dos accionistas, que conduz a estratégia da organização .

6. A VINCULAÇÃO DO BSC COM A ESTRATÉGIA

Kaplan e Norton (1997, p.43) defendem que os melhores BSC são algo mais que uma colecção de indicadores críticos ou factores chave de sucesso. Um BSC devidamente construído deve incorporar um conjunto de relações de causa-efeito, entre variáveis-chave, expressas em indicadores. O feedback recebido ajuda a descrever a trajectória da estratégia.

Relações de causa-efeito: Kaplan e Norton (1997, p.44) definem a estratégia como sendo

"um conjunto de hipóteses sobre a causa e o efeito. O sistema de medição deve estabelecer de forma explícita as relações (hipóteses) entre os objectivos (e medidas) nas diversas perspectivas, afim de que possam ser geridas e validadas. A cadeia de causa-efeito deve estar presente nas quatro perspectivas, sem excepção. "

7López(1998). 8 O BSC já foi utilizado, por exemplo, na gestão de uma cidade: Cidade de Charlotte (Kaplan, 1997).

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

Um quadro de comando devidamente elaborado deve contar a estratégia da organização. Deve identificar e explicar muito bem a sequência das hipóteses e suas relações de causa-efeito, entre os indicadores dos resultados e os indutores da actuação desses resultados (causa).

Cada indicador deve ser uma unidade da cadeia de relações de causa-efeito e comunicar o significado da estratégia da organização, para que ao ser transmitida, todas as pessoas envolvidas se sintam responsabilizadas e percebam os reflexos que, uma atitude menos correcta ou desobediência a uma das hipóteses, pode colocar em causa toda a estratégia face às relações existentes.

Indutores da actuação: Um adequado BSC deve incluir um conjunto de indicadores de

resultados e indutores de actuação10 da estratégia da empresa. Se incluirmos apenas medidas de resultados, não se demonstra

como os iremos atingir, por outro lado, se só incluirmos indutores, sem medidas de resultados, não sabemos se atingimos os resultados ou os objectivos pretendidos.

Com base num exemplo de Kaplan e Norton (1997), vamos exemplificar de que forma estão presentes as relações de causa-efeito e os indutores da actuação.

Exemplo: Uma empresa definiu como objectivo aumentar o resultado financeiro e seleccionou como medida (de resultados) para a perspectiva financeira, a rentabilidade dos capitais investidos.

Um indicador desta medida pode ser as vendas repetidas aos clientes, que se alcançará com a conquista da lealdade do cliente. Assim a lealdade (indutor) inclui-se na perspectiva do cliente pois prevê-se que influencie positivamente os resultados.

São indicadores efeito pois verificam se os esforços aplicados conduziram ou não aos resultados desejados.

São indicadores causa pois identificam o que todos os participantes da organização devem fazer para criar valor no futuro e alcançar os objectivos estabelecidos (analisados pelos indicadores efeito).

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Como conseguir fidelidade dos clientes? Numa análise interna da empresa, pode-se concluir que os clientes dão importância aos prazos de entrega dos pedidos (assim os prazos de entrega também se incorporam na perspectiva do cliente). Espera-se que, encurtando os prazos de entrega aos clientes, se obtenha uma maior fidelidade e consequentemente o aumento da rentabilidade (relação causa-efeito).

Que processos internos permitem a entrega pontual aos clientes? Pode ser através da diminuição dos ciclos temporais do processo interno e aumento da qualidade dos produtos. Estes enquadram-se na perspectiva dos processos internos.

Como conseguir reduzir os ciclos e aumentar a qualidade? Com a formação e conhecimentos dos empregados. Este objectivo iria para a perspectiva da aprendizagem e formação.

Podemos visualizar esta cadeia de relações de causa-efeito através do seguinte gráfico {Figura 2):

IA

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

F igura 2 - Relações de Causa-Efeito

Financeira

Clientes

Rentabilidade dos Capitais Investidos

Financeira

Clientes A

Financeira

Clientes Fidelidade dos Clientes (indutor)

Indicador de Resultados:

Vendas repetidas a clientes

Financeira

Clientes

A

Financeira

Clientes

Entrega pontual de encomendas

(indutor)

Indicador de Resultados:

Prazo de entrega

Financeira

Clientes

+ Processos

Internos

Indicador de Resultados:

Devoluções

Qualidade do Processo (indutor)

Ciclo temporal do processo (indutor)

Tempo do Ciclo

à k A

Aprendizagem e

Crescimento 1 Aprendizagem e

Crescimento Formação dos Empregados (indutor)

Fonte: Traduzido e adaptado de Kaplan, R., Norton, D. (1997, p:45)

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Em síntese, o BSC deve traduzir a estratégia num conjunto de medidas que definam tanto os objectivos a atingir, como os indutores para os alcançar.

III. CONCLUSÃO

As empresas de hoje reconhecem o impacto que as medidas de performance têm na sua gestão, no entanto muitas delas raramente pensam nestas medidas como parte das suas estratégias. Continuam a utilizar os mesmos indicadores de curto prazo, tais como, o crescimento das vendas, margem operacional, retorno do investimento. Não têm em conta o novo contexto organizacional e não questionam a validade das suas velhas metodologias para o cumprimento das suas iniciativas.

As medidas de desempenho devem ser uma parte integrante dos processos, pois fornecem aos gestores uma estrutura compreensiva que se traduz nos objectivos estratégicos da empresa dentro de um conjunto coerente de indicadores. Muito mais que uma fórmula matemática, aquelas medidas fazem parte do sistema de informação de gestão e podem motivar melhorias nos processos, produtos, serviços ao cliente e desenvolvimento do mercado, entre outros.

É neste contexto que surge o BSC, constituindo um novo instrumento de gestão para passar da estratégia à acção. Complementa os indicadores financeiros (dos antigos tableaux de bord) com três novas dimensões (clientes, processos e aprendizagem) para a avaliação de desempenho.

As medidas de desempenho não são receitas que se podem aplicar da mesma maneira nas diversas empresas, nem em forma de papel químico. Existem diferentes condições de mercado, estratégias de produtos, ambientes competitivos. Cada caso requer diferentes tipos de indicadores.

Também o BSC não deve ser copiado. Os melhores scorecards resultam da definição de medidas de avaliação orientadas para uma estratégia específica, definida para uma organização num determinado ambiente competitivo, que servem segmentos de mercado específicos

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Balanced Scorecard - Sistema de Informação VS Sistema de Gestão

e que apresentam um conjunto de competências próprias. Não existem remédios mágicos e nenhuma solução é perfeita, caso contrário não existia evolução.

Como refere Marti (1999, p.21), quando tratamos de problemas de organizações humanas, a solução de qualquer uma passa por questões humanas que dependem das circunstâncias concretas e excedem os limites de métodos e técnicas. Assim numa organização com excelente motivação, boa liderança, em que os objectivos das pessoas se identificam com os das empresas, qualquer técnica pode funcionar correctamente. No entanto, se tal não acontecer, qualquer técnica por melhor que seja não terá sucesso: as pessoas encarregar-se-ão para que não funcione.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS - ÚLTIMOS DESENVOLVIMENTOS

CECÍLIA MARGARITA RENDEIRO DO CARMO [email protected]

A S S I S T E N T E D O I.S.C.A. A.

AUGUSTA DA CONCEIÇÃO SANTOS FERREIRA augusta, ferreira @ i sca.ua.pt

E Q U I P , A P R O F . A D J U N T A D O I . S . C A. A.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. ABORDAGEM AOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

1.1. NOÇÃO E CLASSIFICAÇÃO 1.1.1. ACTIVOS FINANCEIROS 1.1.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO

1.2. VALORIMETRIA DE ACORDO COM O IASC - BREVE RESENHA

1.2.1. O POSICIONAMENTO DA NIC 25 1.2.2.0 POSICIONAMENTO DA NIC 39 1.2.3. O POSICIONAMENTO DA NIC 40 2. VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

2.1. ACTIVOS FINANCEIROS

2.1.1. MENSURAÇÃO INICIAL

2.1.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE 2.1.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O JUSTO VALOR DOS ACTIVOS FINANCEIROS 2.1.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR 2.1.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO AMORTIZADO 2.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO 2.2.1. MENSURAÇÃO INICIAL 2.2.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE 2.2.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O JUSTO VALOR DAS PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO 2.2.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR 2.2.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO

CONCLUSÕES

BIBLIOGRAFIA

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Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

INTRODUÇÃO

A crescente dinamização dos mercados de capitais tem proporcionado às empresas uma fonte de investimento e de financiamento poderosa que, a ser devidamente considerada na estratégia da empresa, pode vir a proporcionar a obtenção de claras vantagens competitivas. Como tal, os investimentos financeiros têm vindo a assumir um papel cada vez mais relevante na gestão estratégica das empresas.

As razões que levam as empresas a deter investimentos financeiros podem estar relacionadas: com a avaliação do seu desempenho (quando uma boa parte das operações da mesma estão relacionadas com a actividade financeira); com a aplicação de fundos excedentários e com a tentativa de consolidar uma relação comercial ou mesmo de estabelecer uma vantagem comercial.

Neste contexto, têm vindo a ser desenvolvidos esforços tanto ao nível internacional no sentido de harmonização de conceitos e de procedimentos contabilísticos que permitam às empresas relatar da melhor forma possível as operações e os resultados relacionados com tais investimentos financeiros, como ao nível nacional no sentido de normalizar e de, na medida do possível, acatar o que ao nível internacional tem vindo a ser desenvolvido.

As preocupações ao nível internacional no tratamento contabilístico dos investimentos financeiros poderão ser encontradas nos trabalhos que há muito têm vindo a ser desenvolvidos pelo "International Accounting Standards Committee"1 (IASC) nos quais iremos centrar a nossa análise. A razão de ser desta opção prende-se, por um lado, com o facto de ser o organismo normalizador de maior aceitação ao nível internacional, senão vejamos os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos com a IOSCO e com a União Europeia (UE) e, por outro lado, com o facto das normas emanadas pelo IASC

Conjuntamente com outros organismos como o "Canadian Institute of Chartered Accountants" (CICA) e o "International Organization of Securities Commission" (IOSCO).

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terem recolhido o consenso da "Comissão de Normalização Contabilística" (CNC).

A extensão do tema não permite, num trabalho desta índole, abordar, com a devida conveniência, todos os aspectos relacionados com investimentos financeiros. Assim, delimitamos a sua análise a uma perspectiva essencialmente normalizadora aplicada apenas aos activos financeiros primários e às propriedades de investimento.

As preocupações do IASC, em matéria de investimentos financeiros, estendem-se à sua mensuração e reconhecimento. Tratando-se de normalização recente na qual se verifica uma tendência clara para a adopção do modelo do justo valor, consideramos ser importante tecer algumas considerações sobre a aplicação de tal modelo aos investimentos financeiros, nomeadamente no que respeita à sua aplicação e razoabilidade em mercados ainda pouco líquidos.

Após justificar a pertinência do tema, procedemos, no capítulo 1, a uma abordagem genérica aos investimentos financeiros onde apresentamos a sua noção e classificação e expomos, de uma forma breve, a evolução, em termos normativos, dos critérios de valorimetria preconizados pelo IASC.

No capítulo 2, desenvolvemos a valorimetria dos activos financeiros e das propriedades de investimento.

Terminamos a exposição com um conjunto de reflexões.

l. ABORDAGEM AOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

Presentemente podemos encontrar orientação acerca do tratamento contabilístico dos investimentos financeiros nas seguintes normas internacionais de contabilidade (NIC) do IASC:

• 22 - "Concentração de Actividades Empresariais", emitida em 1983, última revisão em 1998; • 25 - "Contabilização dos Investimentos Financeiros", emitida em 1986, reformatada em 1994;

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Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• 27 - "Demonstrações Financeiras Consolidadas e Contabilização dos Investimentos em Subsidiárias", emitida em 1989, reformatada em 1994; • 28 - "Contabilização dos Investimentos em Associadas", emitida em 1989, última revisão em 1998; • 31 - "Relato Financeiro de Interesses em Empreendimentos Conjuntos", emitida em 1990, última revisão em 1998; • 32 - "Instrumentos Financeiros: Divulgação e Apresentação", emitida em 1995, última revisão em 1998; • 38 - "Activos Intangíveis", emitida em 1998; • 39 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração", emitida em 1998; • 40 - "Propriedades de Investimento", emitida em 2000. A introdução à NIC 39 é elucidativa quanto ao tempo, ao rigor e

à extensão que o IASC deu ao tratamento dos investimentos financeiros, neste caso, com especial relevo para os instrumentos financeiros.

Ao nível nacional tem-se assistido a um esforço de aproximação às NIC, mantendo a conformidade com as directivas da Comunidade Económica Europeia (CEE), consubstanciado nas directrizes contabilísticas (DC). No que concerne à contabilização dos investimentos financeiros podemos encontrar orientação nas seguintes fontes de normalização nacional:

• Plano Oficial de Contabilidade (POC); • DC 1 - "Tratamento Contabilístico de Concentrações de Actividades Empresariais" de 1992; • DC 9 - "Contabilização nas Contas Individuais da Detentora, de Partes de Capital em Filiais e Associadas" de 1993; • DC 17 - "Tratamento Contabilístico dos Contratos de Futuros" de 1997; • DC 24 - "Empreendimentos Conjuntos" de 1998. Tal como prevê a DC 18 - "Objectivos das Demonstrações

Financeiras e Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites", para os aspectos não previstos naquela normalização dever-se-á recorrer às NIC, o que previsivelmente poderá acontecer relativamente aos

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investimentos em intangíveis, em instrumentos financeiros e em investimentos em imóveis tratados, respectivamente, nas NIC 38, 39 e 40.

1.1. NOÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Por investimento financeiro entende-se todo e qualquer investimento da empresa que não esteja relacionado com a sua actividade de exploração e que tenha por finalidade o aumento da riqueza por via da distribuição; a valorização do capital ou ainda outros benefícios, nomeadamente nas relações comerciais2. É um conceito que toma claramente em consideração o destino das aplicações independentemente da sua natureza.

Da análise da normalização anteriormente enunciada consideramos que os investimentos financeiros se poderão classificar em:

• activos financeiros; • propriedades de investimento; • investimentos em intangíveis; • outros, nomeadamente, obras de arte.

1.1.1. ACTIVOS FINANCEIROS

A NIC 32 - "Instrumentos Financeiros: Divulgação e Apresentação" (§ 5) define instrumentos financeiros como "qualquer contrato que dê origem quer a um activo financeiro de uma empresa quer a um passivo financeiro ou a um instrumento de capital próprio de uma outra empresa" .

A mesma norma define: • activo financeiro como "qualquer activo que seja: dinheiro; um direito contratual de receber dinheiro ou outro activo financeiro de uma outra empresa; um direito contratual de trocar instrumentos financeiros com uma outra empresa em condições

Este entendimento está claramente expresso na NIC 25. 3 A mesma definição é dada pela DC 17.

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que sejam potencialmente favoráveis; um instrumento de capital próprio de uma outra empresa"; • passivo financeiro como "qualquer passivo que seja uma obrigação contratual: de entregar dinheiro ou outro activo financeiro a uma outra empresa; ou, de trocar instrumentos financeiros com uma empresa em condições que sejam potencialmente desfavoráveis"; • instrumento de capital próprio como "qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos activos de uma empresa após dedução de todos os seus passivos". Refere também que, para efeitos de apresentação, qualquer

destes instrumentos financeiros deve ser classificado de acordo com o princípio da substância sobre a forma, ou seja, atendendo à substância económica e não somente à sua forma jurídica. A este respeito clarifica ainda que os instrumentos financeiros compostos deverão ser apresentados subdivididos de acordo com a sua substância económica. No âmbito desta norma (§ 1) não estão contemplados:

• os instrumentos financeiros que tenham o tratamento contabilístico preconizado noutra NIC; • obrigações de empregadores relacionadas com planos de distribuição de acções e de compra de acções para os empregados; e • obrigações relacionadas com contrato de seguros. A NIC 39 - "Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e

Mensuração" adopta as definições anteriormente dadas de acordo com a NIC 32. No entanto, por ser de âmbito mais alargado, apresenta, entre outras, a definição de derivado .

4 "é um instrumento financeiro: a) cujo valor se altera em resposta à alteração numa especificada taxa de juro, preço do título, preço de mercadoria, taxa de câmbio, índice de preços ou de taxas, uma notação de crédito ou índice de crédito, ou variável similar (algumas vezes chamado o "subjacente"); b) que não exige investimento líquido inicial ou pequeno investimento líquido inicial relativo a outros tipos de contratos que tenham uma resposta similar a alterações nas condições de mercado; e c) que seja liquidado numa data futura".

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Para efeitos de mensuração dos activos financeiros, a NIC 39 (§ 10) exige que os mesmos sejam enquadrados numa de quatro categorias:

• detidos para negociação, quando "liquidado ou incorrido principalmente com a finalidade de gerar um lucro a partir de flutuações de curto prazo no preço ou na margem do negociador"; • detidos até à maturidade, quando se tratem de "activos financeiros com pagamentos fixados ou determináveis e maturidade fixada que uma empresa tem intenção positiva e a capacidade de deter até à maturidade"; • empréstimos concedidos e contas a receber originadas pela empresa, quando "são criados pela empresa ao fornecer dinheiro, bens ou serviços a um devedor, que não sejam originados com a intenção de ser imediatamente ou no curto prazo vendidos, que devam ser classificados como detidos para negociação"; • disponíveis para venda, quando "não sejam (a) empréstimos concedidos e contas a receber originadas pela empresa, (b) investimentos detidos até à maturidade, ou (c) activos financeiros detidos para negociação".

Quanto ao âmbito, a norma (§ 1) especifica que deve ser aplicada por todas as empresas a todos os instrumentos financeiros, excepto:

• os que tiverem tratamento contabilístico preconizado noutra NIC; • direitos e obrigações relacionadas com contrato de seguros desde que não estejam relacionados com derivados incorporados em contratos de seguros; • instrumentos de capital próprio emitidos pela empresa que relata que sejam considerados como capital próprio dos accionistas dessa empresa (porém aos detentores de tais instrumentos exige-se que se lhes aplique esta norma);

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Valorimetria dos Investimentos Financeiros - Últimos Desenvolvimentos.

• contratos de retribuição contingente numa concentração de actividades empresariais; • contratos que exijam um pagamento baseado em variáveis climáticas, geológicas ou outras variáveis físicas, excepto a outros tipos de derivados que estejam embutidos em tais contratos. Tratando a NIC 39 do reconhecimento e mensurarão dos

instrumentos financeiros e dado o seu âmbito de aplicação ser alargado por força da definição de instrumento financeiro, facilmente se compreende o forte impacte que tal norma irá ter em termos de valorimetria tanto no reconhecimento inicial como na mensuração subsequente dos investimentos em activos financeiros. Impacte este que, forçosamente, se irá reflectir na qualidade da informação financeira.

1.1.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO

A NIC 40 - "Propriedades de Investimento" prescreve o tratamento contabilístico a dar às propriedades de investimento, bem como os respectivos requisitos de divulgação.

De acordo com esta norma (§ 4 e 5), as propriedades de investimento consistem em terrenos ou edifícios, parte de um edifício, ou ambos, detidos pelo proprietário ou por um locatário segundo uma locação financeira , com a finalidade de obtenção de rendas ou de valorização do capital ou ambos. Por isso, geram fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos por uma empresa6,

5 A NIC 40 trata da mensuração nas demonstrações financeiras de um locatário de propriedades de investimento detidas sob uma locação financeira e da mensuração nas demonstrações financeiras de um locador de propriedades de investimento locadas sob uma locação operacional.

No entanto, nem sempre o objectivo com que é detida a propriedade é pacificamente determinável, sendo necessário um julgamento adequado de acordo com as definições e requisitos da norma, sendo de divulgar os critérios seguidos na classificação da propriedade. Um exemplo é o caso de propriedades que incluem uma parte detida com carácter de investimento financeiro e uma outra para uso nas actividades operacionais e administrativas. Neste caso, a norma prevê que se as

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Revista Estudos do l.S.C.A.A.

o que constitui a característica que distingue propriedades de investimento de outros activos destinados a serem:

• usados na produção ou fornecimento de bens e serviços ou usados para fins administrativos; ou • vendidos no curso ordinário dos negócios. • No § 1 a NIC 40 refere expressamente o seu âmbito de aplicação excluindo dele: • os activos objecto de tratamento contabilístico segundo outra NIC; • assuntos cobertos pela NIC 17 - "Locações"; • propriedades que estão a ser construídas ou desenvolvidas para usos futuros como propriedades de investimento, às quais se aplica a NIC 16 - "Activos Fixos Tangíveis" até que estejam concluídas, momento em que passam a constituir uma propriedade de investimento e se tornam objecto da NIC 40. Porém, a NIC 40 aplica-se a propriedades de investimento existentes como tal e que estejam a ser redesenvolvidas para uso futuro continuado nessa condição; • florestas e recursos naturais regenerativos semelhantes; e • direitos minerais, pesquisa e desenvolvimento de minerais, petróleo, gás natural e recursos naturais não regenerativos semelhantes.

1.2. VALORIMETRIA DE ACORDO COM O IASC - BREVE RESENHA

A valorimetria dos investimentos financeiros que consistam em activos financeiros e propriedades de investimento é, actualmente, regulada, respectivamente, nas NIC 39 e 40, normas relativamente

partes puderem ser vendidas ou locadas separadamente sob uma locação financeira, a empresa contabiliza as mesmas separadamente como propriedade de investimento e como activo fixo tangível. Caso contrário, apenas se trata de uma propriedade de investimento se a parte detida para uso nas actividades operacionais e administrativas não for significativa.

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recentes e que vieram esvaziar de conteúdo a NIC 25 -"Contabilização dos Investimentos Financeiros". Por tal facto, e pelo tratamento da valorimetria vir a merecer um desenvolvimento mais detalhado no seguimento deste trabalho, entendemos pertinente salientar aqui apenas os aspectos que constituem, em termos de filosofia, um posicionamento claramente distinto ao anteriormente preconizado na NIC 25.

1.2.1.0 POSICIONAMENTO DA NIC 25

A NIC 25 preconizava a valorização inicial dos investimentos financeiros ao custo, permitindo que na valorização subsequente fossem introduzidas algumas correcções a esse custo estabelecendo as condições em que a sua revisão era possível. Esta lógica de correcção assentava, no essencial, no princípio da prudência.

Para efeitos de mensuração subsequente, a NIC 25 previa também uma classificação para os investimentos financeiros (correntes e de longo prazo) que poderia coincidir com o critério de apresentação desses mesmos activos no balanço.

No que diz respeito a investimentos classificados como correntes, a valorização subsequente permitida era a do valor de mercado ou o mais baixo do custo ou do valor de mercado.

Relativamente a investimentos classificados como de longo prazo, a valorização subsequente permitida era o custo, a quantia reavaliada ou, no caso de títulos de capital negociáveis, o mais baixo do custo ou do mercado com base numa carteira agregada.

Quanto aos investimentos em propriedades, a norma permitia que fossem tratados como investimentos financeiros de longo prazo ou como activos fixos tangíveis de acordo com a NIC 16. Daqui resultava uma variedade de critérios para a contabilização deste tipo de investimentos financeiros, concretamente:

• custo depreciado, segundo o tratamento de referência da NIC 16; • revalorização com depreciação, segundo o tratamento alternativo da NIC 16;

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• custo menos imparidade, segundo a NIC 25; ou • quantias reavaliadas, segundo NIC 25. Posteriormente, a NIC 36 - "Imparidade de Activos" introduz as

condições em que pode ser reconhecida uma perda por imparidade relativamente aos investimentos financeiros.

1.2.2.0 POSICIONAMENTO DA NIC 39

A NIC 39 veio alterar substancialmente o preconizado pela NIC 25, não só como decorre do exposto quanto à classificação dos investimentos financeiros7, como também relativamente à sua valorimetria.

A mudança em termos de valorimetria decorre do posicionamento da norma assentar na utilização mais generalizada do justo valor como princípio geral de mensuração dos investimentos financeiros.

O justo valor é definido como "a quantia pela qual um activo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras, dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre elas" (sem considerar custos com uma possível transacção futura).

Esta mudança de posicionamento justifica-se, em grande medida, pela necessidade de informação mais consistente e relevante para os utilizadores das demonstrações financeiras.

A NIC 39 altera a prática assente na NIC 25 ao exigir a utilização do justo valor para:

• todos os títulos de dívida, de capital próprio e outros activos financeiros detidos para negociação (como vimos no ponto anterior, a NIC 25 permitia tratamentos alternativos, entre os quais o justo valor, sendo a prática mista);

7 Note-se que quer a classificação da NIC 25 quer a classificação da NIC 39 tem por finalidade preconizar a valorimetria de activos com determinadas características, não se tratando de uma classificação para fins de apresentação (este aspecto é objecto da NIC 1 - "Apresentação das Demonstrações Financeiras").

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• todos os títulos de dívida, de capital próprio e outros activos financeiros que não sejam detidos para negociação; investimentos financeiros com maturidade fixada que a empresa não designe como tal e empréstimos comprados e contas a receber não designados como detidos até à maturidade (como vimos no ponto anterior, a NIC 25 permitia tratamentos alternativos entre os quais o justo valor, mas a prática resultou, essencialmente, na contabilização ao custo).

As classes de activos financeiros que permanecem contabilizados ao custo são:

• empréstimos concedidos e outras contas a receber originadas pela empresa e não detidos para negociação; • investimentos com maturidade fixada e que a empresa está em condições de manter até à maturidade; e • instrumentos de capital próprio não cotados cujo justo valor não possa ser estimado com fiabilidade.

Apesar de se privilegiar o justo valor para a maioria das classes de instrumentos financeiros, a norma ainda assim se caracteriza por uma certa precaução, como iremos ver no capítulo seguinte de uma forma mais desenvolvida. Esta precaução passa pela definição da forma como deve ser encontrado o justo valor para cada uma das classes de instrumentos financeiros, pela opção pelo custo quando não é possível apurar com fiabilidade o justo valor e pela inclusão de resultados não realizados nos capitais próprios.

Em nosso entender, o grau de precaução considerado na norma é perfeitamente plausível uma vez que se assim não fosse deixaria uma porta aberta para uma maior manipulação dos resultados. Ainda assim, numa fase inicial (em que o preparador das demonstrações financeiras se tem que adaptar à nova realidade; em que, apesar dos esforços incluídos na própria norma, não estão claramente definidos os modelos de cálculo do justo valor mais adequados a cada um dos instrumentos financeiros, nem as alternativas possíveis para o seu cálculo) as demonstrações financeiras poderão apresentar algumas

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distorções e só a prática dirá se tais são preferíveis àquelas introduzidas pelos princípios do custo histórico e da prudência.

1.2.3 .0 POSICIONAMENTO DA NIC 40

A NIC 40 vem revogar a NIC 25 no que respeita à contabilização das propriedades de investimento. A norma permite que as empresas, na valorização subsequente ao reconhecimento inicial, escolham entre:

• a mensuração das propriedades de investimento ao justo valor, com as alterações no justo valor a serem reconhecidas na demonstração dos resultados; ou • a mensuração das propriedades de investimento de acordo com o tratamento de referência da NIC 16, ou seja, pelo custo depreciado menos quaisquer perdas por imparidade acumuladas, devendo o justo valor das mesmas ser divulgado.

O modelo do justo valor proposto não coincide com o critério de revalorização já permitido para certos tipos de activos não financeiros. De facto, enquanto este critério contempla o reconhecimento dos excedentes de revalorização nos capitais próprios, o modelo do justo valor prevê o reconhecimento de todas as alterações no justo valor na demonstração dos resultados.

Trata-se do primeiro passo na introdução do modelo do justo valor pelo IASC na valorização de activos não financeiros e, embora tenha sido bem acolhido por uns, as reservas quer conceptuais, quer práticas existem. Alguns crêem que certos mercados de propriedades de investimento ainda não estão suficientemente amadurecidos para que o modelo funcione satisfatoriamente. Outros julgam ser impossível criar uma definição rigorosa de propriedade de investimento tornando o modelo impraticável por agora.

2. VALORIMETRIA DOS INVESTIMENTOS FINANCEIROS

Uma vez que a valorimetria dos investimentos financeiros está intimamente relacionada com o tipo e características de cada

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investimento financeiro, trataremos separadamente os activos financeiros e as propriedades de investimento.

2.1. ACTIVOS FINANCEIROS

2.1.1. MENSURAÇÃO INICIAL

No reconhecimento inicial os activos financeiros devem ser mensurados pelo seu custo, que é o justo valor da retribuição dada, incluindo os custos de transacção.

O justo valor da retribuição dada é, geralmente, determinável com base no preço da transacção ou noutros preços de mercado. Quando esses preços não forem determináveis com fiabilidade, o justo valor da retribuição será a soma de todos os pagamentos futuros (descontados, se o efeito da taxa for materialmente relevante).

2.1.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE

Como já foi referido, para fins de mensuração subsequente ao reconhecimento inicial a NIC 39 prevê a classificação dos activos financeiros em quatro categorias: activos detidos para negociação; investimentos detidos até à maturidade; empréstimos concedidos e contas a receber originadas pela empresa e não detidas para negociação; e activos financeiros disponíveis para venda.

O justo valor é considerado como o critério de mensuração mais apropriado para os activos financeiros, com as seguintes excepções às quais se aplicará o custo amortizado (§ 69 e 84):

• empréstimos concedidos e contas a receber originados pela empresa e não detidos para negociação; • instrumentos detidos até à maturidade; e • qualquer activo financeiro que não tenha um preço cotado num mercado activo e para o qual não existam outros métodos de estimar fiavelmente o seu justo valor. O custo amortizado é a quantia pela qual o activo financeiro foi

mensurado no momento do reconhecimento inicial, menos os

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reembolsos de capital, mais ou menos a amortização de qualquer diferença entre a quantia inicial e a quantia na maturidade, e menos qualquer redução por imparidade ou incobrabilidade (§ 10).

Todos os activos financeiros, independentemente do critério adoptado, estão sujeitos a um teste de imparidade à data do balanço que exige, antes de mais, a avaliação de evidência que permita concluir se o activo se encontra em imparidade. Um activo está em imparidade se a sua quantia assentada for superior à sua quantia recuperável estimada.

2.1.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE o JUSTO VALOR DOS ACTIVOS FINANCEIROS

A definição de justo valor (que apresentamos no ponto 1.2.2) pressupõe a continuidade da empresa, ou seja, que esta não tem a intenção ou necessidade de liquidar, reduzir de forma materialmente relevante o âmbito das suas operações ou empreender uma transacção em condições adversas. Daqui resulta que o justo valor não será a quantia que uma empresa receberia ou pagaria numa transacção forçada ou involuntária ou numa liquidação ou venda por qualquer preço.

A evidência acerca da possibilidade de estimar com fiabilidade o justo valor de um instrumento financeiro é dada, nomeadamente, pela existência de (§ 96):

• uma cotação de preço para esse instrumento, publicado num mercado activo de títulos; • uma notação, para o caso de um instrumento de dívida, efectuada por uma agência de notação independente e cujos fluxos de caixa possam ser razoavelmente estimados; ou • um modelo de valorização, para esse instrumento financeiro, apropriado e relativamente ao qual os inputs de dados possam ser mensurados fiavelmente porque provêm de mercados activos. O justo valor de um instrumento financeiro é fiavelmente

mensurável se:

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• a variabilidade no intervalo de estimativas razoáveis do justo valor não for significativa para esse instrumento; ou • as probabilidades de várias estimativas dentro do intervalo possam ser razoavelmente avaliadas e usadas para estimar o justo valor. De uma forma geral, considera-se que a empresa estará em

condições de fazer uma estimativa suficientemente fiável do justo valor do instrumento financeiro. No entanto, ocasionalmente poderá acontecer que a variabilidade da série de estimativas do justo valor é tão grande e as probabilidades dos vários desfechos tão difíceis de avaliar que a utilidade de uma única estimativa do justo valor é negada.

Relativamente aos activos financeiros classificados como disponíveis para venda ou detidos para negociação existe a presunção de que geralmente o justo valor pode ser determinado de forma fiável. No entanto, aquela presunção pode ser refutada nos casos de investimentos em instrumentos de capital próprio para os quais não exista um preço cotado num mercado activo, nem outro método de estimar o justo valor de forma fiável (§ 70).

2.1.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR

A adopção do justo valor levanta o problema do reconhecimento de ganhos e perdas não realizados, daí a apresentação de dois tratamentos para as alterações do justo valor que revelam, essencialmente, a necessidade de alguma prudência na utilização de tal medida.

Os ganhos e perdas provenientes da remensuração para o justo valor de activos financeiros (que não sejam parte de um relacionamento de cobertura) poderão ser:

• incluídos no resultado do período em que surgem, se se tratar de um activo financeiro detido para negociação ou de um activo financeiro disponível para venda; ou • reconhecidos directamente no capital próprio através da demonstração de alterações no capital próprio, no caso dos

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activos financeiros disponíveis para venda. Os ganhos e perdas acumulados no capital próprio serão incluídos nos resultados quando se considerem realizados, ou seja, quando o activo é alienado ou se encontre em imparidade. No caso dos activos disponíveis para venda, a empresa deve

adoptar uma daquelas políticas contabilísticas de forma consistente (§ 104) e qualquer alteração de política contabilística só deve ser efectuada se resultar numa apresentação mais apropriada da realidade económica nas demonstrações financeiras. A NIC 39 (§ 105) defende que passar do reconhecimento nos resultados líquidos dos ganhos e perdas de remensuração para o reconhecimento dos mesmos na demonstração de alterações nos capitais próprios, provavelmente não resultará numa apresentação mais apropriada.

A mensuração ao justo valor pode deixar de ser apropriada, nomeadamente, quando ocorra uma alteração da intenção ou da capacidade da empresa na detenção do activo (e, consequentemente, na sua classificação para efeitos de mensuração), ou nas raras circunstâncias em que uma medida fiável do justo valor deixa de estar disponível.

Quando tal acontece, a empresa deve passar a mensurar tais activos pelo custo ou custo amortizado, sendo o justo valor nessa data o novo custo ou custo amortizado. Qualquer ganho ou perda que tenha sido anteriormente reconhecido no capital próprio deverá ser (§ 92):

• amortizado durante a vida útil remanescente do investimento, quando o activo financeiro seja detido até à maturidade e esta esteja fixada8; ou • deixado no capital próprio até que o activo seja alienado, momento em que será incluído nos resultados do período, quando se trate de um activo financeiro sem maturidade fixada.

Qualquer diferença entre o novo custo amortizado e a quantia à maturidade deve ser amortizado durante a vida útil remanescente do activo financeiro como um ajustamento do rendimento, similarmente à amortização do prémio ou desconto.

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2.1.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO AMORTIZADO

Os activos financeiros que, de acordo com a NIC 39 e expressamente referidos no ponto 2.1.2., sejam excluídos da mensuração ao justo valor e cuja maturidade esteja fixada deverão ser mensurados ao custo amortizado usando o método da taxa de juro efectiva9. Quando tais activos não tenham maturidade fixada deverão ser mensurados ao custo (§ 73).

A mensuração ao custo não isenta a empresa do esforço de determinar o justo valor dos instrumentos financeiros em causa, uma vez que a NIC 32 (§ 77) exige que a empresa divulgue "para cada classe de activo financeiro e de passivo financeiro, quer reconhecidos ou não reconhecidos, informação acerca do justo valor". E quando "não seja praticável, adentro de restrições de tempestividade ou custo, determinar o justo valor de um activo financeiro ou de um passivo financeiro com suficiente fiabilidade, esse facto deve ser divulgado juntamente com informação acerca das características principais do instrumento financeiro subjacente que seja pertinente ao seu justo valor."

Em virtude de uma alteração da intenção ou da capacidade da empresa, pode deixar de ser apropriado mensurar um investimento detido até à maturidade ao custo amortizado, pelo que a empresa deverá ajustar o mesmo para o justo valor e a diferença daí resultante deve ser tratada de acordo com o previsto para a nova categoria de activos. O mesmo acontece quando uma medida fiável do justo valor fica disponível para um activo financeiro relativamente ao qual tal medida não existia (§ 90 e 91).

O método da taxa de juro efectiva consiste em controlar a amortização do activo financeiro usando a taxa que desconta exactamente a corrente esperada de pagamentos futuros de dinheiro, até à maturidade ou até à próxima data de reapreçamento com base no mercado, para a quantia líquida assentada (§ 10).

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2.2. PROPRIEDADES DE INVESTIMENTO

2.2.1. MENSURAÇÃO INICIAL

As propriedades de investimento deverão ser inicialmente mensuradas pelo custo de produção ou de aquisição (§ 17).

Entende-se por custo de aquisição o preço de compra da propriedade adicionado de qualquer dispêndio atribuível e de quaisquer custos de transacção (§ 18).

O custo de produção aplica-se quando as propriedades de investimento são construídas ou desenvolvidas pela própria empresa e é o custo no momento em que a construção ou desenvolvimento tenha terminado (§ 19). Tal custo obtém-se pela aplicação da NIC 16 -"Activos Fixos Tangíveis" que é, aliás, a norma que orienta o tratamento contabilístico destes activos até ao momento em que se encontrem concluídos.

Uma vez terminada a construção, a propriedade torna-se numa propriedade de investimento mensurada ao custo de produção e passa a ser objecto do tratamento contabilístico da NIC 40, o que implica que, caso venha a ser utilizado o justo valor, a empresa ajuste de seguida o custo para o justo valor reconhecendo nos resultados do período as diferenças daí resultantes (§ 51 e) e 59).

Pode suceder ainda que o reconhecimento de uma propriedade de investimento surja na sequência da alteração no uso dado a uma propriedade classificada como activo fixo tangível ou como existências. Neste caso, a quantia a considerar para efeitos de mensuração inicial depende do critério de valorimetria que a empresa venha a adoptar, ou seja:

• se for adoptado o custo, a propriedade de investimento é mensurada pela quantia pela qual o activo já se encontrava contabilizado, não originando qualquer resultado; • se for adoptado o justo valor, a propriedade de investimento deve ser já mensurada pelo justo valor nesse momento. Assim,

10 A título de exemplo, as remunerações de profissionais por serviços legais e os impostos de transferência de propriedade.

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os activos fixos tangíveis têm que ser remensurados de acordo com a NIC 16 antes da sua transferência para propriedades de investimento. A transferência de existências é tratada como uma alienação, sendo os ganhos ou perdas derivados das diferenças entre o valor contabilístico do activo e o seu justo valor reconhecidos nos resultados desse período (§ 51, 55 e 57).

2.2.2. MENSURAÇÃO SUBSEQUENTE

Após o reconhecimento inicial a empresa adoptará um de dois modelos de mensuração - o justo valor ou o custo - que deverá aplicar a todas as propriedades de investimento.

Tal como prevê a NIC 8 - "Resultados do Período, Erros Fundamentais e Alterações de Políticas Contabilísticas", será possível uma alteração posterior da política contabilística adoptada desde que a mesma conduza a uma apresentação mais apropriada da informação financeira. No entanto, a NIC 40 (§ 25) adianta que é "altamente improvável que uma alteração do modelo justo valor para o modelo do custo resulte numa apresentação mais apropriada " o que revela a preferência pelo justo valor e a tendência de evolução no sentido do abandono do custo.

Esta tendência é reforçada ainda pela exigência de divulgação do justo valor das propriedades de investimento quando tenha sido adoptado o modelo do custo. Por outras palavras, a empresa terá sempre que efectuar o esforço de determinação do justo valor das suas propriedades para fins de mensuração (caso use o modelo do justo valor) ou para fins de divulgação (se optar pelo modelo do custo), o que revela a intenção do IASC em prosseguir com a utilização do justo valor em activos não financeiros.

2.2.2.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE o JUSTO VALOR DAS PROPRD2DADES DE INVESTIMENTO

No caso das propriedades de investimento, a NIC 40 considera que o justo valor é, geralmente, o seu valor de mercado, ou seja, o preço mais provável razoavelmente obtível à data do balanço, num

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mercado activo de propriedades semelhantes (situadas no mesmo local, com as mesma condições e sujeitas a locações e outros contratos idênticos). Quaisquer diferenças de natureza, local, condição ou nos contratos relacionados com a propriedade deverão ser considerados (§ 29, 30 e 39).

A data a que se refere o justo valor (a data do balanço) é indissociável do valor obtido pois o justo valor deve reflectir o estado do mercado nesse momento e não noutro (§ 31 e 32).

A definição de justo valor pressupõe a troca simultânea e a conclusão do contrato sem qualquer variação de preço, entre entidades conhecedoras e dispostas a isso numa transacção em que nenhum relacionamento existisse entre elas (§ 32), ou seja, pressupõe que as partes intervenientes no contrato estejam informadas11, dispostas a proceder à transacção12 e que sejam completamente independentes e sem relacionamento particular ou especial entre si que torne os preços não característicos do mercado (§ 38)13.

Quando não estejam disponíveis preços correntes num mercado activo de propriedades semelhantes, a empresa considera informação proveniente de fontes como (§ 40):

• preços correntes num mercado activo de propriedades de natureza, condição ou localização diferente, ou sujeitas a contratos diferentes, ajustados para reflectir essas diferenças;

As partes consideram-se informadas se conhecem a natureza e as características da propriedade de investimento, os seus usos reais e potenciais e o estado do mercado à data do balanço (§ 34). 12

Um comprador "disposto" deve estar motivado mas não compelido a comprar, pelo que não comprará por um preço superior ao que o mercado exija (§ 35). Um vendedor "disposto" não está ansioso nem forçado a vender, logo não venderá a um preço abaixo do que é considerado razoável pelo mercado (§ 36 e 37).

Nesta linha, pode-se acrescentar que o justo valor não será um preço inflacionado ou deflacionado por condições ou circunstâncias especiais tais como financiamento atípico, acordos de venda e relocação, considerações especiais ou concessões de alguém associado com a venda (§ 29).

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• preços recentes em mercados menos activos, ajustados para reflectir quaisquer alterações nas condições económicas desde a data das últimas transacções efectuadas a esses preços; e • projecções de fluxos de caixa futuros: • determinados com base em estimativas fiáveis associadas a qualquer locação ou contrato existente e, se possível, considerando também evidência externa tal como rendas correntes de mercado de propriedades semelhantes no mesmo local e condição; e • descontados usando taxas que reflictam avaliações correntes de mercado acerca da incerteza na quantia e tempestividade dos fluxos de caixa. Nas situações em que as fontes enumeradas anteriormente

conduzam a conclusões diferentes quanto ao justo valor de uma propriedade de investimento, a empresa deve considerar as razões dessas diferenças a fim de chegar à estimativa mais fiável do justo valor dentro de uma escala estreita de estimativas razoáveis (§ 41).

O justo valor difere do valor de uso (definido na NIC 36 -"Imparidade de Activos") pois enquanto o primeiro reflecte as estimativas, o conhecimento e outros factores relevantes para os participantes no mercado, o segundo reflecte o conhecimento, as estimativas e factores que possam ser específicos da empresa e não aplicáveis às empresas em geral. Assim, o justo valor das propriedades de investimento não reflectirá (§ 43):

• qualquer valor adicional derivado da criação de uma carteira de propriedades em diferentes localizações; • sinergias entre propriedades de investimento e outros activos; • direitos ou restrições legais que sejam específicas ao possuidor actual; e • benefícios de impostos ou encargos fiscais específicos ao possuidor actual.

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2.2.2.2. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR

Após o reconhecimento inicial, se a empresa optar pelo modelo do justo valor deve ajustar as quantias escrituradas das propriedades de investimento para o justo valor, reconhecendo os ganhos e perdas daí resultantes nos resultados líquidos do período em que surjam (§ 27 e28).

Em regra, a empresa deverá ser capaz de determinar o justo valor das suas propriedades de investimento de forma fiável e continuada. No entanto, se para uma determinada propriedade tal não acontecer deverá adoptar o modelo do custo, assumindo o valor residual zero para essa propriedade e manter o justo valor para as restantes (§ 47 e 48).

Uma vez adoptado o modelo do justo valor como critério de mensuração subsequente das propriedades de investimento, a empresa deverá man tê-lo até que a propriedade seja alienada ou deixe de revestir as características de propriedade de investimento, mesmo que transacções de mercado comparáveis se tornem menos frequentes ou os preços de mercado se tornem menos rapidamente disponíveis (§ 49).

Nas transferências de propriedades de investimento mensuradas ao justo valor para activos fixos tangíveis ou para existências, em virtude da alteração do seu uso, o custo para efeitos de mensuração inicial de acordo com a NIC 16 - "Activos Fixos Tangíveis" ou a NIC 2 - "Inventários" será o justo valor à data da alteração do uso.

2.2.2.3. MENSURAÇÃO PELO CUSTO

A mensuração das propriedades de investimento pelo custo consiste no tratamento de referência da NIC 16, ou seja, no custo depreciado menos quaisquer perdas por imparidade acumuladas. Se a

A evidência de que a empresa não conseguirá determinar numa base fiável e continuada o justo valor é obtida quando, e apenas quando, são infrequentes as transacções de mercado comparáveis e estimativas alternativas de justo valor não estejam disponíveis.

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empresa optar por este modelo deve aplicá-lo a todas as propriedades de investimento e, para todas elas, divulgar o justo valor (§ 50 e 26).

Quando o modelo do custo seja aplicado a uma propriedade de investimento em virtude de não ser possível determinar para a mesma o justo valor, fiavelmente, numa base continuada, dever-se-á divulgar uma descrição da propriedade, uma justificação acerca da impossibilidade de se determinar o seu justo valor e, se possível, uma escala de valores estimados e prováveis para o justo valor das propriedades (§ 69 e)).

A quantia pela qual deverão ser mensuradas inicialmente as propriedades de investimento que, em resultado da alteração do seu uso, sejam transferidas para activos fixos tangíveis ou para existências, passando a ser tratadas contabilisticamente no âmbito da NIC 16 ou da NIC 2, será a quantia pela qual a propriedade se encontrava contabilizada à data da alteração do uso.

CONCLUSÕES

A valorimetria dos investimentos financeiros preconizada pelo IASC sofreu, recentemente, uma alteração profunda no sentido da adopção do justo valor para quase todas as categorias de investimentos financeiros. As NIC 39 e 40 são a prova do esforço desenvolvido nesse sentido e vêm praticamente esvaziar de conteúdo a NIC 25 que, actualmente, só tem aplicação residual aos investimentos financeiros não contemplados por outra norma, como sejam, os investimentos em obras de arte.

A evolução no sentido da avaliação ao justo valor enquadra-se num contexto de procura de informação relevante e comparável. Nesta linha, considera-se que o justo valor traduz melhor o valor económico dos activos financeiros do que o custo histórico ou qualquer outra medida que resulte da aplicação de critérios de valorimetria alternativos como seja, por exemplo, o mais baixo do custo ou do mercado e, nesse sentido, é mais relevante e mais consistente.

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Resolvidas as questões da relevância e da consistência levanta-se agora o problema da fiabilidade que, como sabemos, pressupõe, nomeadamente, neutralidade, verificabilidade, plenitude e prudência.

Em nosso entender a prudência não é totalmente incompatível com a avaliação ao justo valor. Se o fim último do princípio da prudência é defender a empresa da distribuição de resultados não realizados e da consequente descapitalização, esse fim pode ser alcançado se o reconhecimento dos resultados que derivam da avaliação ao justo valor forem tratados, por exemplo, como é proposto na NIC 39, na demonstração das alterações nos capitais próprios.

A este propósito, a NIC 40 afasta-se claramente da NIC 39 ao preconizar o reconhecimento de tais resultados directamente nos resultados do exercício. E aqui é pertinente questionar se este critério aplicado a activos cujo justo valor pode variar significativamente não introduzirá volatilidade nos resultados? Não abrirá mais uma porta para que seja possível manobrar os resultados procedendo inclusivamente à sua distribuição?

Neste contexto, será o justo valor obtido de acordo com alguns procedimentos propostos pelas normas analisadas realmente fiável? Resultará daí uma maior utilidade da informação financeira?

Talvez porque a resposta a estas questões não seja fácil, e porque não existe ainda informação histórica que permita avaliar a bondade de tais opções, a IOSCO ainda não aceitou a NIC 40. A União Europeia, na proposta de revisão das IV e VII Directivas da CEE, introduz também a possibilidade de adopção do justo valor na valorimetria dos instrumentos financeiros mas, apenas com respeito a determinadas categorias de activos e passivos financeiros para as quais não seja questionável a realização dos resultados obtidos pela avaliação ao justo valor, ou seja, para aqueles detidos com a intenção de especulação.

Por último, ainda outra reflexão: a avaliação ao justo valor, quando não exista um preço de mercado para o investimento financeiro, exige a intervenção de avaliadores independentes e experientes, bem como a aplicação de métodos de avaliação. Será fácil encontrar avaliadores experientes? E quais os métodos de avaliação a

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adoptar? Na falta de indicação clara dos métodos de avaliação a adoptar haverá sempre que questionar a relevância e a fiabilidade da avaliação ao justo valor.

BIBLIOGRAFIA

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

PROJECTO PROFISSIONAL -- UM REFORÇO DE COMPETÊNCIAS

ELEUTÉRIO MACHADO, HELENA INÁCIO, [email protected] [email protected]

JOÃO FORTES E JOÃO SOUSA naia.fortes @ isca.ua.pt [email protected]

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DO PROJECTO PROFISSIONAL

(DOCENTES DO I.S.C.A.A.)

Palestra integrada na Sessão de Apresentação do PROJECTO PROFISSIONAL 2001, no Auditório Joaquim José da Cunha, no I.S.C.A. de Aveiro, em 13 de Dezembro de 2000, preparada pelos docentes da Comissão de Coordenação do Projecto Profissional Eleutério Machado, Helena Inácio, João Naia Fortes e João Sousa.

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SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO II. UM PROJECTO ORIENTADO PARA O REFORÇO DE COMPETÊNCIAS 2.1. ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO 2.2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO 2.3. CONTRIBUTOS PARA A FORMULAÇÃO DE UM MODELO 2.3.1. Os PILARES DO MODELO 2.3.2. Os PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FUNCIONAMENTO 2.3.3. A ADAPTABILIDADE DO MODELO III. BREVE BALANÇO DE TRÊS ANOS DE EXPERIMENTAÇÃO IV. CONCLUSÃO

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"A Comissão de Coordenação do Projecto Profissional presta homenagem ao Dr. Joaquim José da Cunha pelo inegável empenhamento com que, desde a primeira hora, apadrinhou e apoiou a ideia do PROJECTO PROFISSIONAL e pela visão que demonstrou ao providenciar todos os meios materiais e humanos que permitiram colocar no terreno esta iniciativa."

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I. INTRODUÇÃO

São frequentes as críticas quer ao sistema de ensino superior em geral, sobretudo pelo seu imobilismo e desfasamento em relação ao mundo empresarial, quer aos professores porque não ensinam o que deviam, quer aos estudantes que não se empenham o suficiente.

Por isso as escolas não podem alhear-se dos debates cada vez mais frequentes em torno da falta de qualidade do ensino superior, em particular sobre as qualificações e competências que deve proporcionar e sobre o elevado insucesso escolar, cujas culpas não poderão recair só sobre os estudantes.

E não podem também ficar indiferentes ao elevado número de jovens licenciados que, após concluírem os seus cursos, continuam no desemprego ou não se ajustam profissionalmente, parecendo por vezes existir um divórcio completo entre o ensino e a sociedade, com uma proliferação de cursos inadequados e incapazes de fornecer as qualificações e as competências necessárias para a inserção no mercado do trabalho.

Numa intervenção durante o Seminário realizado em Novembro último no Porto sob o tema "Ensino superior e competitividade", Belmiro de Azevedo proferiu algumas críticas contundentes para o sistema de ensino superior, atingindo-o exactamente nesta área das relações ensino/sociedade:

"Falta nas universidades uma capacidade efectiva de interagir com o mundo empresarial. "

"O sistema de ensino reage ainda muito lentamente aos estímulos do mercado. Muita coisa que se ensina nas universidades serve apenas às nomenclaturas instaladas e ao corporativismo do professorado. Não à sociedade civil. "

Retirando a carga mais radical destas declarações, há que reconhecer, pelo menos, que elas traduzirão algum sentimento de desencanto por parte da "sociedade civil" (leia-se empresa e empregadores) em relação às competências do "produto" (leia-se

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diplomados) que lhe é fornecido pelas universidades e outras escolas de ensino superior.

Como dizia também o Professor Luís Soares, Presidente do Instituto Politécnico do Porto, numa intervenção no seminário atrás referido:

"Sem prejuízo da aquisição de conhecimentos fundamentais necessários ao desenvolvimento de futuras aprendizagens, a formação no ensino politécnico deve manter como linha orientadora distintiva o saber fazer, aliado ao saber aprender e às competências pessoais e sociais que permitam uma inserção rápida e eficaz no mercado. "

É sabido que existe uma concorrência crescente entre as diversas instituições de ensino, quer público quer privado, procurando cada uma delas atrair o maior número possível de alunos, de um universo cada vez mais exíguo e com tendência para continuar a diminuir nos próximos anos.

A qualidade do ensino politécnico, em especial, deve continuar a orientar-se no sentido do saber fazer, sem, contudo, deixar de ter nas suas preocupações uma boa formação cientifica de base, que facilite continuar a aprender e que confira competências para enfrentar com êxito a mudança e inserção rápida dos seus alunos no mercado de trabalho.

Mas para isso torna-se necessário investir sem demora na inovação e na diversificação, quer nos conteúdos curriculares, quer nos novos modelos e soluções metodológicas que permitam aproximar a escola do saber fazer e das competências exigidas pela sociedade.

Foi neste sentido e com estes objectivos que o ISCA de Aveiro, entre muitas outras apostas na qualificação dos seus diplomados, enveredou há três anos por esta via de experimentação de uma nova solução de ensino, que a seguir procuramos descrever.

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II. U M PROJECTO ORIENTADO PARA O REFORÇO DE COMPETÊNCIAS

2.1. ENQUADRAMENTO PEDAGÓGICO

Toda a formação deverá incluir nos seus objectivos a criação ou o desenvolvimento de determinadas competências, sejam de carácter puramente científico ou técnico, sejam de carácter pessoal ou social.

No plano do ensino superior é crucial ter em conta a questão das competências, qualificações ou capacidades dos alunos no momento em que entram no mundo do trabalho, munidos de um diploma de bacharel ou licenciado.

São essas competências que irão determinar o processo, quase sempre traumático, da transição da "carreira escolar" para a "carreira profissional". Quanto mais as competências adquiridas ou desenvolvidas, sobretudo na parte final da carreira escolar, a que corresponde o ensino superior, estiverem próximas das expectativas e das necessidades efectivas das empresas e dos empregadores, mais facilitada estará a inserção do diplomado, melhor a imagem pública da escola que o formou e maior a satisfação do empregador.

O ensino da Contabilidade, a que o I.S.C.A. de Aveiro se dedica há mais de 30 anos, não é questão que escape a esta problemática. Muito pelo contrário.

Na realidade as especiais características da profissão contabilística, em particular quando exercida em ambiente de PME's, como é o nosso panorama dominante, requerem dos diplomados um perfil de largo espectro em termos de competências, as mais variadas.

Basta pensar que os nossos diplomados em Contabilidade, além das funções específicas, são quase sempre chamados a executar ou apoiar a gestão, os serviços administrativos, os departamentos de pessoal, os departamentos comerciais e até a resolver um vasto conjunto de questões fiscais, jurídicas, de logística, etc.

Definir as competências adequadas para estes diplomados e encontrar as soluções mais eficazes para as integrar nos planos curriculares, são preocupações que há muito faziam parte das preocupações estratégicas do ISCA de Aveiro. E o facto de estar há

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muito alertado para esta realidade, pensamos poder atribuir-se a três conjuntos de razões:

- por um lado, a larga tradição de ligação ao mundo empresarial através dos alunos trabalhadores e dos ex-alunos, regressados para os CESE ou Licenciaturas;

- as ligações profissionais e empresariais de muitos dos seus docentes;

- uma equipa jovem, virada para a inovação e ainda não instalada numa carreira estabilizada.

Por isso a questão das competências foi identificada bastante cedo, tornando-se evidente que era necessário avançar para a busca de soluções.

Para tanto havia que definir dois ou três objectivos simples e de concretização assegurada, no contexto do ensino em sala e no âmbito curricular dos vários cursos de Contabilidade ministrados.

E havia ainda que buscar processos de avaliação capazes de responder com eficácia num enquadramento de ensino/aprendizagem de cariz não estruturado, integrador, interactivo e profissionalizante.

Os objectivos globais iniciais da experiência podem considerar-se definidos dentro de três grandes linhas pedagógicas, que pareciam corresponder à questão de fundo, o reforço das competências dos diplomados no momento de abandonar a escola:

- Complementar e integrar os conhecimentos curriculares anteriores

- Proporcionar a aplicação de conhecimentos numa perspectiva profissional

- Aproximar os futuros diplomados ao contexto empresarial e dos negócios

Com o desenrolar da experiência acabaram por se mostrar importantes outros objectivos, direccionados uns para a vertente profissionalizante e outros para as áreas das competências pessoais, ainda que aparentemente fora do contexto da área contabilística, mas fundamentais para a integração laboral, como por exemplo:

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- Capacidade de trabalhar em grupo interactivo - Adaptação ao trabalho em ambiente de pressão - Reacção eficaz às mudanças na envolvente - Capacidade de expressão escrita e oral

O dinamismo interno da experiência tem ultrapassado de algum modo as perspectivas iniciais e o grande objectivo global do reforço das competências profissionais e outras tem vindo a resultar sobretudo por força desta relação interactiva entre objectivos e processo de avaliação.

Daí que nos pareça relevante pôr em destaque desde já este aspecto da experiência adquirida no processo, pois estamos convencidos que, sem uma atenção muito grande a este aspecto, os resultados não teriam sido os mesmos.

2.2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Neste ponto pode pôr-se a questão das metodologias adequadas para enveredar por novas vertentes pedagógicas, para mais ainda pouco conhecidas e experimentadas.

Logo à partida tornou-se óbvio que as metodologias pedagógicas tradicionais deixariam de constituir o elemento dominante, para passarem a ser complementares e instrumentais, em função dos objectivos e do processo de avaliação, que são os vectores determinantes do processo.

Para além de que certos conceitos tradicionais de posicionamento e de relação professor/aluno são logo à partida subvertidos pela dinâmica interna definida para o processo. O que não deixa de constituir uma dificuldade adicional.

Tudo isto tem conduzido à necessidade de pensar também em actuar com urgência ao nível da formação de docentes a envolver de futuro no desenvolvimento desta experiência pedagógica ou de outras do mesmo tipo. E uma das formas mais eficazes seria pô-los em contacto com outras experiências e modelos que pudessem dar

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contributos para a consolidação e aperfeiçoamento do trabalho já realizado.

Neste caso isso veio a acontecer graças ao aproveitamento de sinergias decorrentes do processo de integração na Universidade de Aveiro. Assim, foi possível aos docentes que vinham conduzindo esta experiência tomar contacto, ainda que indirecto, com dois modelos que se podem considerar muito próximos e que a seguir se descrevem de forma sintética.

Vejamos então em síntese como se caracterizam e funcionam os dois modelos abordados durante os dois Work Shops realizados pela UA

O modelo de ensino orientado a projectos (project based model ou Aalborg model)

O primeiro contacto com este modelo teve lugar durante um Work Shop realizado na Universidade de Aveiro em Maio de 2000, orientado pela professoras Anette Kolmos e Lise Kofoed da Universidade de Aalborg, na Dinamarca.

Tratou-se de uma experiência marcante, pela possibilidade de conhecer novas metodologias próximas da que vinham experimentando há mais de dois anos sem qualquer suporte teórico ou de experiências alheias similares.

Vejamos em síntese como parece caracterizar-se genericamente: - Desenvolve-se sempre em equipa ou grupo, podendo a

dimensão deste variar muito consoante os objectivos e o patamar curricular;

- Baseia-se numa estrutura formativa que se desenrola integralmente em torno de projectos, sendo todas as restantes componentes curriculares organizadas em função e na dependência muito directa dos projectos e da sua implementação; no entanto é admissível que a componente "projecto" tenha um menor peso específico no início dos cursos, sendo dominante na parte final;

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- Privilegia largamente a auto-aprendizagem, individual e de grupo, em relação ao ensino de tipo magistral, muito embora não deixe de estar sempre presente a figura do "supervisor" ou "tutor" do grupo;

- Fomenta a aprendizagem pela via da resolução de problemas, sendo que estes deverão surgir sobretudo na formulação ou na implementação do projecto;

- Naturalmente, é um ensino de caracter interdisciplinar porque os projectos devem envolver sempre matérias de diferentes áreas disciplinares; o maior ou menor grau de interdisciplinaridade depende bastante do tipo e complexidade dos projectos;

- Visa uma gradual e progressiva especialização ao longo do curso, resultante de idêntica tendência dos projectos.

Quem conhece em profundidade este modelo poderá achar esta caracterização demasiado simplista e talvez pouco rigorosa.

Mas efectivamente ainda não tivemos oportunidade de ver o modelo em funcionamento efectivo e por isso a aproximação que dele temos é ainda muito teórica e, possivelmente, algo imprecisa.

No entanto deste contacto ficaram-nos a nós, que vínhamos de uma experiência vivida, algumas primeiras impressões importantes, de que destacamos:

Io- Se a experiência do Projecto Profissional do ISCA fosse considerada extensiva, por exemplo, a 4 ou 5 dos 6 semestres que constituem o Bacharelato em Contabilidade, com as necessárias alaterações curriculares, em vez de se desenvolver apenas no 6o semestre (e para mais acumulando com uma carga de mais 5 disciplinas autónomas) estaríamos muito próximos do "modelo de Aalborg";

2o - Pelas descrições do funcionamento efectivo pareceu transparecer alguma dificuldade de implementação do modelo nas áreas das ciências sociais e humanísticas, talvez devido ao tipo de projectos que seria necessário desenvolver;

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3o - Não pareceu ter muita força neste modelo a integração de conhecimentos como objectivo fundamental, apesar de estar sempre presente a interdisciplinaridade;

4o - Também não aparece evidente o grau de possível interactividade entre os grupos de trabalho, que poderia contribuir para maior dinamização do modelo;

5o - Finalmente, não se percebe se o modelo poderá desenvolver algumas competências não técnicas ou científicas importantes para a integração profissional e laboral.

O modelo baseado em problemas (problem based model)

Num outro Work Shop realizado em Junho/Julho de 2000 na Universidade de Aveiro sob a orientação do Professor Jonh Cowan, da Escócia, ligado a várias universidades da Europa, foi possível tomar conhecimento de outras perspectivas metodológicas para objectivos de certo modo similares aos visados pelo modelo anterior.

O modelo pode considerar-se, em termos simplistas, baseado na formulação de problemas e na busca de ferramentas e conhecimentos para a sua resolução entre matérias leccionadas em períodos curriculares anteriores ou não; o professor desempenha mais um papel de tutor do que de mestre e as actividades pedagógicas desenrolam-se essencialmente em trabalho de grupo.

Poderia parecer à primeira vista tratar-se apenas de um modelo misto, situado entre o conceito de "projecto" e de "caso estruturado".

Mas o que nos atraiu mais no modelo, tal como foi exposto pelo Professor John Cowan, não foram tanto os aspectos formais, mas foram sobretudo os dois aspectos apresentados como fundamentais e diferenciadores na implementação desta metodologia:

- A definição dos objectivos - A interacção entre a avaliação e os objectivos Embora numa primeira aproximação nos tenha parecido de certo

modo frágil a ligação possível deste modelo com o Projecto Profissional, neste momento consideramos que os ensinamentos

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obtidos neste contacto representaram uma forte mais valia para a formulação do modelo que a seguir se procura descrever.

2.3. CONTRIBUTOS PARA A FORMULAÇÃO DE UM MODELO

Como vimos atrás, os atributos e competências para um bom desempenho da profissão não se limitam ao nível de conhecimentos adquiridos, que, podendo ser excelentes, se mostram insuficientes se o aluno não tiver outro tipo de argumentos como, por exemplo, a capacidade de expressão oral, a capacidade de decisão e a capacidade de trabalho em equipa.

Temos vindo a trabalhar no sentido de encaixar na disciplina de Projecto Profissional o reforço destes atributos e competências da forma mais adequada possível e como o principal objectivo a atingir.

A este exercício pedagógico, à adaptação das metodologias utilizadas e à introdução de processos de avaliação muito diversificados já quase nos atrevemos, neste momento, a chamar esboço de modelo, o qual assentaria em dois pilares fundamentais:

o simulação empresarial o interactividade

e em três princípios básicos de funcionamento: •S A avaliação por objectivos; S O ensino acompanhado; •S A interdisciplinaridade.

2.3.1. Os PILARES DO MODELO

Para que o objectivo global possa ser atingido é necessário que se crie um ambiente onde os alunos desempenhem as funções e tarefas que irão desenvolver quando ingressarem no mundo do trabalho. Os pilares que consubstanciam o modelo e os traços vitais do seu funcionamento são a:

■ Simulação empresarial, criando um mundo de negócios virtual que tenha as mesmas exigências legais, comerciais e administrativas do mercado real;

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■ Interactividade, num mercado que, sendo interactuante, faz com que o objectivo seja atingido de forma não estruturada.

A Simulação empresarial, é obtida através da criação de um mercado virtual, que se pretende próximo da realidade, e que cria uma maior ou menor interactividade consoante o número de empresas envolvidas.

O segundo pilar de suporte do modelo é a interactividade que se assume como característica inovadora aliada à simulação empresarial e que se apresenta altamente motivadora para alunos e docentes.

A interactividade ao tornar o processo não estruturado, provoca situações que não ocorrem de acordo com um guião prédeterminado, permitindo que os alunos negoceiem entre si, aproximandoos da realidade e conferindo alguma dose de competitividade, que adequadamente administrada e eticamente controlada, só contribui para a motivação de todos.

2.3.2. Os PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FUNCIONAMENTO

O funcionamento do modelo, por forma à persecução do objectivo global, leva à definição clara e objectiva de um conjunto de princípios básicos, indispensáveis à sua afirmação:

■ A Avaliação por objectivos: onde são definidos um conjunto de objectivos a atingir que servem de base a todo o sistema de avaliação

■ O Ensino acompanhado, onde são nomeados docentes que funcionam como tutores, competindo contudo ao aluno a direcção do seu próprio trabalho

■ A Interdisciplinaridade, onde várias são as disciplinas e áreas do curso que são aplicadas de forma integrada, simulando a realidade da vida profissional

Apesar de simples na formulação, a tarefa de definição clara dos objectivos, é extremamente complexa. Num modelo desta natureza em que se pretende simular a realidade, devemos tentar aproximar os

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objectivos das expectativas dos empregadores, quando colocam um diplomado a desempenhar determinada função.

Assim, atendendo ao objectivo global do modelo e todas as considerações anteriormente expressas, podemos apontar os seguintes objectivos a avaliar:

■ Objectivo 1 Aplicação integrada dos conhecimentos adquiridos nas restantes disciplinas do curso. Neste item, deve avaliarse o conteúdo do trabalho efectuado pelos alunos atendendo a toda a interdisciplinaridade associada ao mesmo;

■ Objectivo 2 Elaboração de relatórios; permitindo avaliar a capacidade de expor, escrita e oralmente, de inovar, e de organizar.

■ Objectivo 3 Trabalho em equipa; pretendendose avaliar a capacidade dos alunos repartirem tarefas e encontrarem soluções comuns.

■ Objectivo 4 Trabalho sob pressão; avaliandose a capacidade dos alunos conseguirem cumprir atempadamente e com qualidade, todas as tarefas a que estão obrigados; avaliandose a capacidade que os alunos têm de, apesar da pressão de tempo, se adaptarem a novas situações, e de conseguirem ultrapassar os diferentes tipos de dificuldades que vão surgindo.

■ Objectivo 5 Vivência ética na profissão; pretendese avaliar o comportamento dos alunos no mercado em termos de relações comerciais, mas também o seu adequado comportamento ético em termos contabilísticos e fiscais.

■ Objectivo 6 Capacidade de exposição oral; pretendendose avaliar a capacidade que os alunos têm de defender oralmente as soluções pelas quais optaram no desenrolar normal do projecto profissional.

Dada a diversidade dos objectivos de avaliação identificados, foi desenvolvido um processo complexo, em que o sistema de avaliação é misto, com diferentes componentes de carácter pontual e um vasto

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conjunto de factores de carácter contínuo, tendo estes componentes da avaliação um peso importantíssimo no modelo.

Outro dos princípios de funcionamento do modelo relaciona-se com a Metodologia de Ensino, entendendo-se esta, não pelo ensino tout cour, mas pela capacidade evidenciada de apoiar a aprendizagem. No ensino tradicional de tipo magistral o professor tem o papel de transmitir um conjunto de conteúdos programáticos, que à posteriori os alunos em geral só estudam para responder adequadamente às questões colocadas no processo de avaliação.

No modelo de ensino em simulação interactiva os papeis invertem-se, pois à medida que o mercado se vai desenvolvendo as situações vão-se colocando aos alunos e são eles que procuram as informações que precisam em bibliografia adequada e em legislação diversa, ou recorrendo aos seus professores orientadores.

Finalmente, a Interdisciplinaridade, princípio que deveria estar subjacente a qualquer tipo de ensino, e que o exercício de uma qualquer profissão considera fundamental, pois o inter-relacionamento dos conhecimentos é vital para o seu exercício pleno.

Num percurso escolar tradicional, por muitos esforços que se façam, os alunos acabam em geral por ver, incorrectamente, cada uma das matérias leccionadas como um conhecimento delimitado e estanque.

2.3.3. A ADAPTABILIDADE DO MODELO

Temos consciência de que este modelo está ainda a dar os seus primeiros passos, podendo e devendo ser melhorado e consolidado.

Por enquanto, a experiência desenvolvida no ISCA de Aveiro concentra-se na sua utilização para matérias essencialmente ligadas às áreas de contabilidade, fiscalidade, gestão e direito comercial, no entanto parece relativamente simples alargar o âmbito de actuação para outros campos, nomeadamente a auditoria, gestão, a administração de empresas, a administração pública e autárquica, etc.

Igualmente nos parece simples utilizá-lo, com pequenas adaptações, a processos de formação complementar e extra-curricular de grande aplicação imediata na nossa área, tais como:

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S em cursos de reciclagem e actualização para antigos diplomados;

S em processos inovadores de leccionação de novos tratamentos contabilísticos e fiscais em áreas específicas da contabilidade.

S em cursos de formação de curta duração (três a seis meses) de técnicos em contabilidade.

III.BREVE BALANÇO DE TRÊS ANOS DE EXPERIMENTAÇÃO

♦ salto no escuro (1997/1998)

Uma das lacunas detectadas aquando da vigência do antigo plano curricular, prendiase com a falta de confiança evidenciada pelos nossos bacharéis quando, após terminarem o seu plano de estudos, enfrentavam o mercado do trabalho. Essa evidência, foi contemplada na nova estrutura curricular, com a integração de uma disciplina de Projecto Profissional, a ser leccionada em regime presencial no 2o Semestre do 3o ano, disciplina essa detentora de características próprias e objectivos ousados, e que visava primordialmente uma plena integração de conhecimentos dos estudantes em fim de ciclo de estudos.

A inserção dessa disciplina no plano curricular de estudos assentava em ideias ousadas nas intenções mas débeis na sistematização, por não terem sido suficientemente trabalhadas, por imponderáveis vários, no semestre que antecedeu o inicio do primeiro Projecto Profissional realizado no ano lectivo de 1997/1998.

Perante um cenário em que tudo era novo para professores e alunos, foi a análise fria dos problemas e a procura cuidada das soluções, substituída, por uma labuta diária e constante, de interacção diária professor/aluno, extremamente desgastante mas extraordinariamente motivadora. Se os professores que embarcaram nesta missão, se assumiram como zelosos defensores da ideia que encarnava o Projecto Profissional, tiveram os alunos um papel de extrema importância, pois a sua postura critica e actuante veio

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permitir a ultrapassagem de alguns erros de juventude e a melhoria de um projecto que era de todos.

Foi um salto no escuro, que nos permitiu levantar exaustivamente os erros de um projecto lançado em tão curto espaço de tempo, mas uma escuridão que no fim do semestre, nos permitiu vislumbar o sol radioso que iria iluminar o futuro.

♦ A grande aposta na interactividade (1998/1999)

O trabalho entretanto desenvolvido, conduziu inicialmente a todo um processo de regulamentação, com a elaboração pormenorizada de normativos, seja o Regulamento Especifico de funcionamento do Projecto Profissional, onde eram estabelecidas regras de comportamento dos grupos, regras de comportamento no mercado, regras de avaliação, métodos e prazos de avaliação; bem como regulamentos de funcionamento parcelar das diversas centrais de apoio, nomeadamente as Centrais Pública, de Fornecimentos e Serviços e a Central Financeira. De uma realização que navegava à vista, passouse para um projecto estruturado, regulamentado e ambicioso, onde as diversas situações e eventos já estavam previstos e planificados.

Procurouse o não aparecimento de uma parafernália de actividades, que a irreverência e o sentido critico dos alunos proporciona, e onde até chegou a aparecer um pedido de constituição de uma agência funerária.

Constatado o facto, restringiuse a liberdade de escolha do ramo de actividade económica, e desenvolveramse esforços para a implementação de um mercado próprio, preparado previamente, e que tinha o sector da construção civil como núcleo central, à volta do qual gravitavam empresas de comércio e serviços dos mais diversos ramos.

Regulamentado o funcionamento, criado o mercado, e preparada toda a documentação impulsionadora do trabalho dos diversos grupos, foi preocupação seguinte a disponibilização dos meios logísticos e informáticos que permitissem a montagem de um projecto com este fôlego.

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Novamente a experiência adquirida foi boa conselheira, e conhecedores dos problemas sentidos com o software disponibilizado no ano lectivo anterior, foi decidido encetar contactos com software houses da região, no sentido da escolha de programas que satisfizessem plenamente os utilizadores. Essa preocupação foi atingida, os programas instaladas em tempo oportuno, bem como foram contratados para monitorarem logística e operacionalmente os alunos envolvidos no projecto, quatro encarregados de trabalho, alunos do Io ano do 2o ciclo de estudos, que foram peças fulcrais no normal desenvolvimento de todo o processo, nomeadamente no processo formativo prévio dos alunos no software adquirido.

Várias foram as inovações mas o traço marcante do Projecto profissional no ano lectivo de 1998/1999, para alem do cariz marcadamente organizado que esta acção demonstrou, prendeuse coma grande conquista que foi conseguida: a interactividade entre todos os grupos participantes.

Fruto dos equipamentos informáticos instalados e dos programas disponíveis, foi possível criar, fruto de uma preparação prévia de fichas de trabalho distribuídas a cada grupo, uma completa interactividade entre setenta e sete empresas que participavam no Projecto Profissional. Elas negociaram entre si de uma maneira simulada, mas que se assemelhava perfeitamente à realidade: compraram, venderam, pagaram, receberam, endividaramse, assumiram compromissos, cumpriram prazos, discutiram, e o mais importante de tudo, embrenharamse numa tarefa que os deixou cansados de prazer, por fazerem aquilo que, se inseridos no mundo profissional, lhes provocaria de certeza, canseiras, insónias e tremendas dores de cabeça.

♦ A aposta na avaliação e no software (1999/2000)

Foi decidido apostar seriamente num processo de avaliação continua, que se assumiu como a característica mais importante e traço marcante do Projecto Profissional 1999/2000.

Se em projectos anteriores o processo de avaliação compreendia quatro momentos distintos, um PréProjecto, um Relatório Intermédio,

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um Relatório Final e uma Apresentação Oral, limitando-se a esses momentos a obrigação dos docentes de proceder à respectiva avaliação, a análise critica realizada, detectou ser da maior importância para o incremento da qualidade da acção a implementação de um processo de avaliação continua, que pedagogicamente era manifestamente motivador para os docentes e extremamente benéfico para os alunos, se bem que extremamente desgastante para ambas as partes.

Os benefícios foram extremamente positivos, e de um processo de avaliação em quatro momentos, passou-se a um processo de avaliação constante, com a realização de auditorias programadas e surpresa, controles pontuais e avaliação em sala, que colocaram os alunos sobre pressão, não deram descanso aos professores, mas permitiram mais justiça no processo sempre controverso da avaliação.

Outro dos pontos fracos detectados, prendeu-se com alguma demora na resposta dada às necessidades dos grupos envolvidos, nas suas relações com a Central de Fornecimentos e Serviços e a Central Financeira. No anterior projecto as relações documentais Centrais/Grupos eram desenvolvidas de uma forma arcaica, não sendo a emissão da documentação um sinal de celeridade, pese a boa vontade dos professores envolvidos na gestão das citadas Centrais.

Assim, foi decidido pelos responsáveis envidar esforços junto de uma software house no sentido de desenvolverem programas informáticos que dessem resposta rápida ás solicitações dos alunos. Foram então desenvolvidos dois programas, baptizados de Telebanking e Televendas, que integraram os meios informáticos disponibilizados. Genericamente, o Telebanking permitia que cada grupo tivesse no computador que lhe estava destinado uma Caixa Multibanco onde poderia efectuar todas as operações bancárias necessárias; e o Televendas, onde cada grupo fazia as suas compras à respectiva Central, emitindo imediatamente a respectiva factura.

Concluindo poder-se-á dizer em relação a todo este processo jovem de quatro anos, citando Fernando Pessoa, vulto incontornável da poesia portuguesa e patrono dos contabilistas:

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Projecto Profissional - um reforço de competências

"Deus quer, o homem sonha e a obra nasce"

IV. CONCLUSÃO

Com este trabalho procurámos contribuir para a divulgação de uma experiência que o I.S.C.A. de Aveiro iniciou há três anos, que tem merecido juízos favoráveis de vários sectores e que algumas outras escolas já manifestaram interesse em conhecer melhor.

Não somos especialistas em modelos de ensino e por isso limitámo-nos a descrever em palavras simples o que foi esta nossa vivência na fase crucial da implementação do PROJECTO PROFISSIONAL.

Com isso pretendemos apenas dar o nosso contributo para o debate, que nos parece urgente, em torno do eventual desfasamento entre o ensino superior e o mundo empresarial.

E se nos forem permitidas conclusões, mesmo nesta fase incipiente da nossa experiência, tiraríamos as seguintes:

- Ia - É possível atingir um reforço substancial das competências profissionais e pessoais mesmo no contexto curricular de muitos cursos, indo de encontro às expectativas da sociedade civil;

- 2a - Mas para isso é indispensável um grande esforço de inovação;

- 3a - E talvez romper com algumas práticas pedagógicos.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

A INFLUÊNCIA DO CONTEÚDO INFORMATIVO NA POLÍTICA DE DIVIDENDOS

ELISABETE FÁTIMA SIMÕES VIEIRA [email protected]

EQUIP, A PROF. ADJUNTA DO I.S.C.A.A.

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RESUMO

Dada a sua relevância no mundo das finanças empresariais, a política de dividendos foi uma das primeiras áreas de investigação a ser levada a cabo por académicos, tanto numa perspectiva teórica como empírica, com o intuito de obter algumas conclusões acerca da influência dos dividendos no valor das empresas.

Contudo, esta está longe de ser uma matéria pacífica no contexto das finanças empresariais, não existindo ainda uma teoria consensualmente aceite, que torne possível a determinação do nível óptimo de distribuição dos resultados, podendo apenas serem indicados factores que contribuem, favorável ou desfavoravelmente, para a distribuição de dividendos. Um dos argumentos que oferece alguma resposta à decisão dos dividendos a distribuir está associado ao carácter de sinalização destes, já que a informação contida nos dividendos modificará as expectativas dos investidores quanto ao valor das acções das empresas. Neste artigo, procedemos à análise de um dos vários factores que influenciam a determinação da política de dividendos: o conteúdo informativo dos dividendos, bem como das principais conclusões de estudos recentemente levados a cabo, com o intuito de clarificar qual a influência do conteúdo informativo na política de dividendos, bem como no valor das empresas.

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A influência do conteúdo informativo na política de dividendos

l. INTRODUÇÃO

A política de dividendos diz respeito ao conjunto de decisões financeiras relacionadas com a remuneração dos investidores de capital próprio das empresas, podendo esta estar dividida em dois componentes: ganhos de capital e dividendos. A política de dividendos define assim a proporção dos resultados que irão ser distribuídos aos accionistas e aquela que ficará retida na empresa como autofinanciamento, para reinvestimento.

Dada a sua importância no mundo das finanças empresariais, esta foi uma das primeiras áreas de investigação a ser levada a cabo por académicos, tanto através de modelos teóricos, como de aplicações empíricas. Contudo, as investigações empíricas realizadas nos últimos anos não são conclusivas, dado que algumas são claramente contraditórias, não existindo ainda uma teoria que seja consensualmente aceite neste domínio das finanças empresariais.

Existem vários modelos que explicam a relação existente entre a política de dividendos e o valor de mercado das empresas, conduzindo assim a factores que contribuem para uma política de dividendos alta ou baixa. Um dos argumentos que contribui favoravelmente para a distribuição de resultados aos investidores de capital próprio das empresas é o denominado conteúdo informativo dos dividendos, que está associado ao facto da política de dividendos transmitir informação relevante para o mercado, funcionando como um mecanismo de sinalização para o exterior da empresa, sobre a capacidade desta gerar fluxos de caixa futuros.

Neste contexto, propomo-nos analisar o conteúdo informativo dos dividendos, fazendo uma abordagem a vários estudos realizados com o intuito de verificar o efeito deste factor na política de dividendos, averiguando em que sentido caminham as conclusões destes estudos.

O presente trabalho encontra-se estruturado do seguinte modo: na secção 2 apresentamos uma breve revisão bibliográfica sobre os trabalhos já efectuados acerca da política de dividendos, nomeadamente analisando a posição defendida por Miller e

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Modigliani (1961), que conduz à irrelevância da política de dividendos. Posteriormente, na secção 3, passamos a analisar os vários trabalhos levados a cabo com o intuito de analisarem o conteúdo informativo dos dividendos. Finalmente, na secção 4, procuramos sintetizar as principais conclusões resultantes deste trabalho.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Lintner (1956) foi dos primeiros autores a desenvolver um modelo que procura explicar o valor dos dividendos pagos em função dos lucros e dos dividendos anteriores das empresas. Após o seu estudo empírico, o autor chegou às seguintes conclusões: (1) as empresas têm objectivos a longo prazo para o rácio de distribuição de dividendos; (2) os gestores dão mais importância às alterações dos dividendos do que aos níveis absolutos; (3) as alterações dos dividendos seguem a lógica do longo prazo dos lucros sustentáveis e (4) os gestores mostram relutância em proceder a alterações dos dividendos que possam ser reversíveis.

De acordo com Brealey e Myers (1998), cuja opinião é consistente com a de Lintner, o modo como os dividendos são determinados pode resumir-se a quatro factores1: (1) cada empresa tem um objectivo de longo prazo para o rácio de distribuição de dividendos; (2) os gestores dão maior importância às variações dos dividendos do que aos seus níveis absolutos; (3) as alterações dos dividendos procuram acompanhar as modificações dos lucros que sejam sustentáveis a longo prazo, de modo a que os dividendos não tenham oscilações temporárias e (4) os gestores mostram relutância em proceder a alterações dos dividendos que possam ter de ser revertidos, preocupando-se igualmente com a possibilidade de terem de cancelar um aumento de dividendos.

A teoria da irrelevância dos dividendos refere que a política de dividendos não afecta o valor da empresa ou o seu custo de capital. Os

Esta questão é abordada de uma forma genérica, não atendendo aos vários factores de influência da política de dividendos de uma forma isolada.

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proponentes desta teoria são Miller e Modigliani (MM). O trabalho de MM (1961), baseado num contexto de mercado perfeito, prova que os investidores são indiferentes aos dividendos, reflectindo a não existência de uma política de dividendos óptima, porque esta não afecta o valor da empresa. Esta opinião é partilhada por Rao (1987, pp. 490) que afirma "In the simplified world of perfect markets it can be argued that dividends will have no impact on stock prices. "

Tendo como base os pressupostos de um mercado de capitais perfeito, e de acordo com os autores referidos, a política de dividendos é irrelevante. Mas existem determinadas variáveis presentes no mercado real, como sejam os impostos, a assimetria de informação e os custos de transacção, entre outros, que podem alterar esta situação, afectando, favorável ou desfavoravelmente, a política de dividendos. De facto, quando se introduz a questão dos impostos, a teoria sugere que seria melhor para os accionistas a não distribuição de dividendos, pela desvantagem fiscal destes face aos ganhos de capital.

Vários autores analisaram a relação existente entre as rendibilidades esperadas antes de imposto e as taxas de dividendo, chegando, contudo, a resultados contraditórios. Enquanto Black e Scholes (1974) e Miller e Scholes (1982) não observaram qualquer relação entre ambos os factores, Brennan (1970) e Litzenberger e Ramaswamy (1979, 1982) obtiveram nos seus estudos uma associação positiva entre estes. Por exemplo, os estudos de Litzenberger e Ramaswamy (1979, 1982) verificaram que quanto mais elevado o dividend yield, mais elevada era a taxa de rendibilidade exigida pelos investidores para os compensar da desvantagem fiscal do pagamento de dividendos.

Testes empíricos realizados por Pettit (1977) e Lewellen, Stanley, Lease e Schlarbaum (1978) mostram evidência de que as taxas de dividendo das carteiras dos investidores estão relacionadas com as suas taxas de imposto. Os investidores com taxas marginais de imposto mais elevadas, tendem a seleccionar acções que distribuem dividendos baixos, preferindo ganhos de capital a dividendos porque pagam menos impostos, excepto os accionistas que preferem liquidez

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ou os investidores isentos de impostos. Os investidores com taxas baixas ou nulas, tendem a seleccionar acções que distribuem elevados montantes de dividendos. Com o crédito de imposto, as empresas que investem em capitais de outras preferem dividendos, pois a sua taxa de imposto sobre os dividendos fica mais baixa que a dos ganhos de capital.

Buckley, Ross, Westerfield e Jaffe (1998) argumentam que um gestor deve evitar os dividendos somente se o uso alternativo desse recurso for menos oneroso, ao contrário de alguns autores que afirmam que o imposto sobre os particulares significa que as empresas não deveriam distribuir dividendos.

Resumindo, o efeito fiscal é o argumento mais forte a favor do pagamento de dividendos baixos. Contudo, um artigo de Miller e Scholes (1978) mostra que mesmo com taxas de imposto sobre dividendos superiores a taxas sobre os ganhos de capital, muitos investidores individuais não necessitam de pagar mais do que a taxa de ganhos de capital sobre os dividendos. Isto implica que os investidores serão indiferentes entre pagamentos na forma de dividendos ou ganhos de capital. Assim, o valor da empresa pode não estar relacionado com a sua política de dividendos, mesmo num mundo com impostos.

A política de dividendos pode ainda associar-se a fenómenos como o efeito clientela, que, como veremos, está de algum modo associado aos impostos. Como alguns grupos de investidores preferem elevados dividendos, e outros baixos dividendos, o efeito clientela suporta a ideia de que a política de dividendos responde às necessidades dos accionistas. Isto reduz o impacte da política de dividendos no preço de mercado das empresas.

O efeito clientela foi originalmente sugerido por MM (1961) tendo estes defendido que cada empresa tenderá a atrair para si a sua própria "clientela", que consiste nos investidores que preferem o seu rácio particular de pagamento de dividendos. Este efeito é uma possível explicação para a relutância por parte da gestão em alterar os rácios de dividendos porque esta alteração pode causar aos accionistas

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a ocorrência de custos de transacção indesejáveis. Elton e Gruber (1970), através de um trabalho empírico,

concluíram que as evidências do seu modelo sugerem que MM estavam certos quando colocaram a hipótese do efeito de clientela. Adicionalmente, também Pettit (1977) e Harris, Roenfeldt e Cooley (1983) encontraram nos seus estudos evidência de que existe efeito de clientela. Contudo, Lewellen, Stanley, Lease e Schlarbaum (1978), que utilizaram no seu estudo a mesma amostra que foi utilizada no estudo de Pettit, chegaram à conclusão que os resultados apenas sugeriam um fraco efeito de clientela, conclusões estas consistentes com as de Koski e Sruggs (1998), que apenas encontraram pouca evidência do efeito de clientela.

Dois factores adicionais que são frequentemente mencionados para favorecimento de uma distribuição elevada de dividendos são a preferência dos investidores por rendimento corrente e a resolução de incertezas. Muitos autores que defendem elevados rácios de distribuição de dividendos, baseiam-se em argumentos como o facto dos dividendos serem dinheiro seguro, enquanto as mais-valias são potenciais.

Os investidores acreditam que os dividendos são menos arriscados do que os ganhos de capital e, numa visão tradicional, preferem dividendos elevados a dividendos baixos. Este facto resume-se à falácia de "um pássaro na mão", conhecida no mundo das finanças empresariais como "bird-in-the-hand fallacy". Por causa da relação entre risco e rendibilidade, quem prefere dividendos aceita uma rendibilidade mais baixa do que quem prefere ganhos de capital. Os dividendos são correntes, enquanto os ganhos de capital são futuros e potenciais, envolvendo risco.

Graham, Dodd e Cottle (1962) argumentam que as empresas geralmente devem apresentar um payout de dividendos elevado, baseando-se no facto do valor actual dos dividendos mais próximos ser superior ao dos dividendos mais afastados e também no facto do preço de venda das acções de uma empresa semelhante a outra mas que distribua mais dividendos ser superior àquela que não os distribui.

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Gordon (1961) argumentou que as empresas com uma política de dividendos elevada favorecem os accionistas porque lhes resolvem, ou pelo menos, diminuem a incerteza. Adicionalmente, Lintner (1962) e Gordon (1963) argumentam que os investidores preferem receber dividendos correntes a ganhos futuros de capital, dado que os dividendos são mais valorizados que os ganhos de capital, por serem menos arriscados. Também o teste de Long (1978) permitiu chegar à conclusão de que os accionistas desejam dividendos, concluindo que "claims to cash dividends have, if anything, commanded a slight premium in the market to claim to equal amounts (before taxes) of capital gains".

Resumindo o que foi entretanto analisado, poderemos dizer que o efeito fiscal é o argumento mais forte a favor do pagamento de dividendos baixos, enquanto a preferência por rendimentos correntes é o que mais contribui para a defesa de dividendos elevados. Contudo, os testes empíricos não conseguiram ainda determinar qual destes efeitos predomina sobre o outro.

Outro dos factores que contribui para a distribuição de resultados, que passamos a analisar na secção seguinte, é o conteúdo informativo dos dividendos, baseado na ideia de que os dividendos revelam as expectativas dos gestores das empresas sobre a evolução futura da empresa.

3. CONTEÚDO INFORMATIVO DOS DIVIDENDOS

O pagamento de dividendos e a variação do seu montante representam sinais importantes de que os gestores das empresas enviam informações para o mercado, sendo este fenómeno conhecido por conteúdo informativo dos dividendos. Quando consideramos que a informação não está livremente disponível e é onerosa, a forma mais barata de a obter é através da política de dividendos: uma ferramenta importante que pode ser usada para beneficiar os accionistas. As alterações dos dividendos podem afectar o preço das acções se os investidores acreditarem que essas alterações convergem informação

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útil. De facto, o preço da acção eleva-se frequentemente em resposta a um anúncio de aumento de dividendos, e tende a diminuir quando os dividendos decrescem.

As alterações nos dividendos serão sinais importantes para os investidores, reflectindo a mudança de expectativas dos gestores quanto aos resultados futuros. Geralmente, as empresas gerem os seus dividendos de maneira a que as suas alterações sejam consistentes com as perspectivas de resultados futuros, pelo que um aumento de dividendos é o sinal dado pela gestão ao mercado de que se espera um bom desempenho da empresa, sinalizando o desempenho corrente e futuro da empresa aos investidores, o que implica um aumento no preço das acções. Segundo Ross, Westerfield e Jordan (1998), este aumento deve-se não ao acréscimo propriamente dito dos dividendos, mas sim às expectativas de maiores dividendos futuros.

Os dividendos estáveis e previsíveis implicam mais certeza do que os dividendos variáveis, nomeadamente pelo efeito do conteúdo informativo dos dividendos e porque muitos investidores recorrem aos dividendos para consumo corrente. De facto, Lintner (1956) encontrou evidência da preferência por parte das empresas em manterem os seus dividendos estáveis. Igualmente, os investidores preferem dividendos estáveis e pagam um prémio por isso, conclusão obtida por Home e Wachowicz (1998) no seu recente estudo.

Fama e Babiak (1968) investigam vários modelos para tentarem explicar o comportamento dos dividendos. Usaram uma amostra de 201 empresas, com dados que cobrem um período de 17 anos. Encontraram evidência de que as empresas aumentam os dividendos somente quando têm alguma certeza da possibilidade de os manter permanentemente, até ao próximo acréscimo.

Watts (1973) encontrou um efeito positivo entre o anúncio de acréscimo de dividendos e o preço das acções, mas concluiu que o conteúdo informativo não tem significado económico porque não permite a obtenção de rendibilidades anormais depois de considerados os custos de transacção, no caso dos investidores terem acesso monopolístico à informação.

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Por outro lado, Pettit (1972) encontrou um suporte claro para a proposição de que o mercado utiliza os anúncios dos dividendos como informação para lançar os valores dos títulos, concluindo que muita informação é transmitida pelo anúncio de alterações dos dividendos. Contudo, os seus resultados foram criticados por vários autores por este ter recorrido às alterações dos dividendos observadas, em vez de recorrerem às alterações não esperadas dos dividendos. Kwan (1981) aperfeiçoou o trabalho de Pettit (1972) construindo carteiras baseadas em alterações inesperadas de dividendos, encontrando evidência estatisticamente significativa de rendibilidades anormais quando as empresas anunciavam alterações de dividendos não esperadas. Brickley (1983) estudou o efeito do anúncio dos dividendos extraordinários. Os seus resultados suportam a conclusão de que o mercado reage positivamente ao conteúdo da informação dos dividendos especiais, mas que os dividendos regulares proporcionam um maior efeito informativo dos dividendos.

Ross (1977) argumenta que um aumento no rácio de dividendo é uma mensagem inequívoca porque: (1) não pode ser levada a cabo por empresas que não antecipem ganhos mais elevados e (2) a gestão tem um incentivo para "contar a verdade". Segundo o artigo de Bhattacharya (1979), as empresas com maior qualidade assinalam informação para o mercado, pagando um montante mais elevado de dividendos, defendendo o autor a ideia de que os dividendos podem actuar como um indício sobre a qualidade das empresas, reflectindo assim a ideia de conteúdo informativo dos dividendos.

Vários estudos foram levados a cabo com o intuito de verificar se de facto o anúncio de alterações dos dividendos afecta o valor das acções. Aharony e S wary (1980) encontraram suporte para a hipótese de que alterações nos dividendos trimestrais providenciam informação útil que afecta a valorização dos títulos. Encontraram evidência de que as variações dos dividendos fornecem informação relevante para o mercado. Os resultados empíricos de Kane, Lee e Marcus (1984) confirmam os testes anteriores que encontraram evidência de que o anúncio dos dividendos tem um efeito significativo no preço das

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acções. Woolridge (1983) analisou o efeito dos anúncios dos dividendos

em obrigações e acções não convertíveis. Os seus resultados suportam a evidência da hipótese do conteúdo informativo dos dividendos. Handjiinicolaou e Kalay (1984) descobriram que, para uma amostra de 255 obrigações não convertíveis, os preços não eram afectados por aumentos inesperados de dividendos, mas reagiam negativamente às reduções de dividendos. Os autores interpretaram este comportamento de preços como consistentes com a hipótese de conteúdo informativo dos dividendos. O trabalho de Lang e Litzenberger (1989) indicia a existência de uma maior efeito de conteúdo informativo no caso de variações negativas de dividendos do que variações positivas.

Asquith e Mullins (1983) e Richardson, Sefcik e Thompson (1986) estudaram o efeito do anúncio do primeiro dividendo na riqueza dos accionistas. Ambos os estudos encontraram forte evidência do efeito dos anúncios dos dividendos nas rendibilidades dos títulos. Asquith e Mullins (1983) concluíram que o anúncio de dividendos, não só revela expectativas quanto à evolução futura das empresas, como também são uma forma de incentivar a gestão a ser mais eficiente, evitando sinalizações negativas, associadas a diminuições nos dividendos e eventuais necessidades de emissão de novas acções, argumento igualmente utilizado por Jensen (1986). Adicionalmente, Richardson, Sefcik e Thompson encontraram evidência estatisticamente significativa do aumento do volume de transacções durante a semana do anúncio, que está relacionado com o efeito do conteúdo informativo dos dividendos e ainda encontraram suporte, se bem que fraco, do efeito de clientela.

Babin (1997) construiu uma matriz com o crescimento dos dividendos de 30 empresas, ao longo de 10 anos, ordenando posteriormente as acções de acordo com a amplitude do crescimento entretanto observada. A análise dos dados sugere uma forte associação entre o crescimento dos dividendos e o desempenho das acções respectivas no mercado. As empresas com dividendos irregulares estão associadas a desempenhos menores, enquanto aquelas que tiveram

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dividendos estáveis ou com um crescimento regular, estavam associadas a melhores desempenhos. Das 30 empresas em análise, somente quatro reduziram os seus dividendos no período respeitante à amostra. Deixar de ter capacidade para aumentar os dividendos é um sinal de alerta, funcionando como um aviso para o mercado, o que se pode associar ao conteúdo informativo dos dividendos.

Amihud e Murgia (1997) sugerem o efeito do conteúdo informativo dos dividendos para explicar a distribuição de dividendos por parte das empresas, tendo por base o seu estudo, realizado no mercado alemão.

Brook, Charlton e Hendershott (1998) concluíram que os investidores parecem interpretar as alterações na política de dividendos das empresas como sinais acerca das rendibilidades futuras esperadas pelos seus gestores. De facto, ao elaborarem um teste empírico, encontraram evidência de que a política de dividendos é utilizada como um meio de sinalizar para o mercado aumentos de fluxos de caixa futuros. Concluíram igualmente que as empresas tendem apenas a comunicar boas notícias, o que é consistente com os resultados obtidos por DeAngelo, De Angelo e Skinner (1996) que encontraram evidência de que os gestores não assinalam inversões no crescimento dos resultados de longo prazo.

Howe e Shen (1998) examinaram até que ponto é que o início da distribuição de dividendos está associado a resultados não esperados subsequentes. Encontraram evidência clara que os dividendos não esperados são mais favoráveis para as empresas que estão a começar a distribuir dividendos do que para uma amostra de empresas que não escolheu distribuir dividendos. Utilizaram a metodologia aplicada por DeAngelo, De Angelo e Skinner (1996). Contrariamente aos resultados destes autores, que não encontraram diferenças entre empresas que diminuem os dividendos e aquelas que não os diminuem, a sua análise providencia evidência de que os dividendos assinalam perspectivas futuras relativamente favoráveis, concluindo que os dividendos assinalam diferenças no desempenho das empresas, contrariamente aos autores anteriormente citados. Os resultados

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sugerem igualmente que os gestores não iniciam a distribuição de dividendos até terem a certeza de que os conseguem sustentar no futuro, através dos resultados. Estes resultados suportam a ideia de que os dividendos têm um caracter de sinalização.

Lara, Esteban e Pérez (1999) analisaram o efeito do conteúdo informativo dos dividendos no mercado de capitais espanhol, um dos factores associados à explicação da política de dividendos. De facto, a política de dividendos pode ser um veículo de transmissão de informação para o mercado, onde existem assimetrias de informação. A informação transmitida para o exterior pode alterar as expectativas dos investidores no que diz respeito ao valor das acções das empresas, desde que essa informação seja vista como significativa. Para o efeito, Lara, Esteban e Pérez (1999) analisaram a reacção dos preços das acções referentes a 50 empresas cotadas na Bolsa de Madrid, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro de 1997, após o anúncio da distribuição de dividendos. Os resultados encontrados permitem confirmar a relevância da política de dividendos, dado que se verificou a existência de rendibilidades anormais estatisticamente significativas para o período em análise, tanto para o sector bancário (analisado separadamente), como para as outras empresas. Os resultados encontrados sugerem que o anúncio dos dividendos fornece informação relevante para o mercado, ou seja, de que existe conteúdo informativo nos dividendos.

Fernandez e Larran (1999) elaboraram um trabalho empírico com o objectivo de analisar o contributo das informações transmitidas pela política de dividendos na valorização das empresas, por parte dos investidores, baseando-se no modelo de Felthman e Ohlson (1995). O estudo recaiu sobre as empresas não financeiras cotadas na Bolsa de Londres, no período compreendido entre 1991 e 1996. Os resultados empíricos obtidos permitem fundamentar a relevância da política de dividendos para o mercado. Os autores chegaram, entre outras, às seguintes conclusões: (1) os dividendos são relevantes na valorização das acções, ao contrário do que afirma a teoria da irrelevância dos dividendos, sustentada por MM (1961); (2) os sinais transmitidos

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pelos dividendos são mais significativos no caso de aumento de dividendos do que na diminuição destes, ao contrário dos resultados obtidos por outros autores, como Lang e Litzenberger (1989) e (3) a política de dividendos é sensível à dimensão das empresas. Quanto menor a dimensão das empresas, mais expectativas de ganhos futuros são transmitidas para o exterior quando se anuncia a distribuição de resultados, por cada unidade monetária distribuída. Resumidamente, concluíram que o rácio de pagamento de dividendos reforça a sinalização transmitida pelos dividendos, consistente com a hipótese do conteúdo informativo dos dividendos, já confirmado por vários autores.

Silva (1999) elaborou um estudo com o intuito de analisar a política de dividendos das empresas com títulos admitidos à cotação no Mercado de Cotações Oficiais (MCO) da Bolsa de Valores de Lisboa (BVL), para o período compreendido entre 1990 e 1994. Constatou que os factores mais significativos para a política de dividendos são a estabilidade destes e a satisfação dos accionistas. Encontrou igualmente evidência do efeito de clientela fiscal e dos efeitos de sinalização. De facto, embora tenha chegado à conclusão que os gestores determinam a política de dividendos numa base residual, estes preocupam-se com a sinalização transmitida com os dividendos, bem como com a estabilidade dos dividendos.

Assim, a evidência que suporta o efeito do conteúdo informativo dos dividendos continua a verificar-se. As alterações nos dividendos fornecem informação ao mercado sobre os fluxos de caixa futuros. Segundo opinião de Copeland e Weston (1992), uma das importantes implicações do argumento do conteúdo informativo dos dividendos é que este sugere a possibilidade de uma política de dividendos óptima. Os benefícios retirados da comunicação da distribuição de dividendos devem ser confrontados com as desvantagens fiscais da distribuição de dividendos, no sentido de encontrar um rácio de distribuição de dividendos óptimo.

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4. CONCLUSÃO Inicialmente, MM desenvolveram um modelo que conclui que a

política de dividendos é irrelevante. Contudo, as hipóteses subjacentes ao modelo tornam-no dificilmente aplicável, já que as suas condições são limitativas, como seja a existência de um mercado de capitais perfeitos e a não existência de impostos, um dos factores mais apontados como limitativo no modelo de MM por vários autores.

De entre os factores que influenciam a política de dividendos, como sejam os impostos, a relação existente entre os dividendos e a política de financiamento e investimento, e o efeito clientela, analisamos neste artigo contribuições de vários autores que visam esclarecer qual o efeito do conteúdo informativo dos dividendos nas empresas.

Em termos gerais, os resultados dos trabalhos empíricos analisados sugerem que o anúncio de dividendos fornece informação relevante para o mercado, o que nos permite concluir que os dividendos incorporam conteúdo informativo. De facto, encontramos suporte em vários estudos para a hipótese de que o anúncio de alteração nos dividendos afecta o valor das acções das empresas, encontrando assim evidência para o conteúdo informativo dos dividendos, confirmado por vários autores, nomeadamente por Pettit (1972), Ross (1977), Asquith e Mullins (1983), Lang e Litzenberger (1989) e Lara, Esteban e Pérez (1999). Contudo, enquanto uns autores encontraram evidência de um maior efeito de conteúdo informativo no caso de variações negativas dos dividendos, como seja Lang e Litzenberger (1989), outros chegaram à conclusão contrária. De facto, Fernandez e Larran (1999)encontraram evidência de que os sinais transmitidos pelos dividendos são mais significativos no caso de aumento de dividendos. Alguns estudos encontraram igualmente evidência de que as empresas tendem a comunicar apenas as boas notícias, não assinalando inversões no crescimento dos resultados de longo prazo, como sejam os trabalhos levados a cabo por DeAngelo, DeAngelo e Skinner (1996) e Brook, Charlton e Hendershott (1998).

Podemos concluir que as empresas utilizam o anúncio de

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dividendos como um suporte da informação a ser transmitida para o exterior, já que os dividendos, através do conteúdo informativo, alteram o valor da empresa. Assim, este factor incentiva a distribuição de resultados, ou seja, contribui favoravelmente para a distribuição destes.

Copeland e Weston (1992) deixam transparecer a possibilidade da existência de uma política óptima de dividendos. Mas, se o fenómeno do conteúdo informativo conduz a uma política de distribuição de dividendos elevados, outros factores existem, como o caso dos impostos, que contribuem em sentido inverso. Assim, apesar da intensa investigação sobre a política de dividendos, os testes empíricos continuam a não ser conclusivos, continuando este tema a ser um puzzle no mundo das finanças empresariais, palavras que Black (1976) referiu no seu estudo, e que julgamos continuarem válidas nos dias de hoje.

Uma possível via para trabalhos futuros, seria elaborar testes empíricos em diferentes mercados, analisando em que sentido caminham os seus resultados, bem como explorar a relação existente entre a política de dividendos e questões afins, nomeadamente analisando a relação existente entre a política de dividendos e a teoria da agência, questão que tem vindo a ser explorada recentemente.

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ANÁLISE DA EFICIÊNCIA PRODUTIVA: CONTRIBUTO PARA UMA REVISÃO DE LITERATURA

FRANCISCO NUNO ROCHA GONÇALVES francisco. goncalves @ isca.ua.pt

A SSISTENTE DOI.S.Ç.A.A.

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ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO II. EFICIÊNCIA PRODUTIVA E METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA: REVISÃO DE LITERATURA 1. EFICIÊNCIA PRODUTIVA 2. A METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA 3. VARIÁVEIS AMBIENTAIS III. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

I. INTRODUÇÃO

O presente artigo1 tem por objectivo fundamental apresentar uma metodologia de análise da eficiência produtiva de unidades económicas de produção, bem como alguns conceitos relacionados. Tipicamente, na literatura, estas unidades são quaisquer organizações com uma actividade susceptível de ser analisada numa óptica económica2. Por exemplo, são sucursais de um banco, lojas de uma cadeia de retalho, unidades de saúde ou escolas. Existem ainda aplicações empíricas em que as unidades são sujeitos individuais, que são analisados enquanto observações independentes (ex.: Chilingerian, 1995).

Uma metodologia relativamente mais divulgada compreende os métodos econométricos. De facto, os elementos de uma determinada amostra podem ser comparados entre si e assim avaliados, por recurso à estatística. Contudo, normalmente, a estrutura de produção de cada unidade é desconhecida (ex.: não são conhecidas as suas verdadeiras curvas de custo) e este é o argumento fundamental para a adopção de um método não-paramétrico para gerar os índices de eficiência de cada unidade. O método Data Envelopment Analysis (DEA) é um método não-paramétrico que permite gerar índices de eficiência, não impondo uma forma funcional paramétrica para a tecnologia de produção.

1 Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho mais vasto, materializado nas provas de Mestrado (Mestrado em Economia, ramo de Economia Industrial e da Empresa) do seu autor, decorridas em Maio de 2000, na Faculdade de Economia do Porto. 2 Independentemente da natureza do bem ou serviço aí produzido, procura comparar-se o desempenho de unidades funcionalmente autónomas de gestão de detrminados recursos, com vista à produção desse bem ou serviço. As unidades deverão ter uma independência razoável, em matéria de capacidade de decisão sobre níveis de produção e afectação de recursos. Consequentemente, há inúmeras possibilidades para os objectos de estudo, do ponto de vista do seu desempenho económico.

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II. EFICIÊNCIA PRODUTIVA E METODOLOGIA N Ã O PARAMÉTRICA: REVISÃO DE LITERATURA

De seguida, apresenta-se o conceito de eficiência produtiva e a respectiva decomposição em eficiência técnica pura, eficiência de congestão, eficiência de escala e eficiência alocativa. Descreve-se também uma metodologia não-paramétrica, o Data Envelopment Analysis. A secção final deste capítulo releva o papel das forças ambientais.

1. EFICIÊNCIA PRODUTIVA

Os trabalhos pioneiros sobre a medição da eficiência produtiva devem-se a Koopmans (1951) e a Debreu (1951), tendo a abordagem destes autores sido posteriormente aprofundada por Farrell (1957). Um contributo fundamental de Koopmans (1951), referido em Fãre, Grosskopf and Lovell (1994, p. 7), foi a proposta de uma definição de eficiência, actualmente designada de eficiência técnica, segundo a qual "um vector de outputs {inputs) é tecnicamente eficiente se e só se o aumento de um output (a diminuição de um input) for possível apenas com a diminuição de um outro output (o aumento de outro input)". Este conceito de eficiência permite distinguir, para uma dada tecnologia de produção, entre combinações de outputs ou inputs eficientes e não eficientes.

Contudo, a definição de Koopmans não permite determinar o grau de eficiência de um vector de outputs ou inputs ou identificar o conjunto de vectores eficientes que sirva como conjunto de referência de um vector ineficiente. Farrell (1957, p. 255), quando explora o trabalho de Koopmans, refere que a definição de eficiência técnica de Koopmans deve ser interpretada como uma medida relativa, ou seja, a eficiência técnica de um vector de outputs ou inputs deve ser determinada relativamente a um conjunto de referência.

Debreu (1951) desenvolveu uma medida concreta de eficiência técnica. O "coeficiente de utilização de recursos" proposto por Debreu (1951) permite identificar os vectores de inputs tecnicamente

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

eficientes e medir o grau de eficiência técnica desses vectores. O coeficiente de utilização de recursos é calculado como 1 (um) menos a redução equiproporcional máxima de todos os inputs, mantendo-se constante a quantidade inicial do(s) output(s) (Lovell, 1993, p. 10). Se o coeficiente for igual a um, então o vector dos inputs é tecnicamente eficiente, dado que não é possível diminuir os inputs, sem diminuir a quantidade de pelo menos um output. Um coeficiente inferior à unidade indica ineficiência técnica.

A medida de eficiência técnica de Debreu (1951) é radial. Uma medida de eficiência técnica radial implica que a procura do maior (menor) vector de outputs (inputs) possível (isto é, eficiente) está restringida por uma regra de equiproporcionalidade. Um vector de inputs ou outputs tecnicamente eficiente de acordo com a medida de Debreu, não é necessariamente tecnicamente eficiente de acordo com a definição de Koopmans (1951). Contudo, um vector de inputs ou outputs que seja tecnicamente eficiente de acordo com a definição de Koopmans (1951) é considerado tecnicamente eficiente pela medida de Debreu (1951). A localização de um vector de inputs ou outputs na fronteira de produção é condição suficiente para que esse vector seja considerado tecnicamente eficiente utilizando a medida de Debreu (1951), todavia não é condição suficiente de acordo com a definição de Koopmans (1951). Neste caso, dado um vector de inputs ou outputs localizado na fronteira de produção, pode ainda ser possível reduzir (aumentar) a quantidade de pelo menos um input (output).

A medida radial de eficiência técnica apresenta algumas vantagens. Por um lado, é uma medida independente das unidades de medida dos inputs ou dos outputs. Por outro lado, possibilita uma interpretação simples das variações dos inputs ou dos outputs.

Na sequência dos trabalhos de Debreu e Koopmans, Farrell (1957) desenvolveu o conceito de eficiência alocativa, que reflecte a capacidade de uma unidade de produção para seleccionar correctamente o vector de inputs tecnicamente eficiente, dados os preços dos inputs. Partindo do pressuposto de que uma unidade de produção tem como objectivo a minimização do custo, Farrell (1957) define a medida de eficiência produtiva (ou global) como o produto da

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medida de eficiência técnica e da medida de eficiência alocativa. A figura 2.1 ilustra as medidas de eficiência técnica e alocativa

de Farrell (1957). Pressupondo rendimentos constantes à escala, a isoquanta s representa a isoquanta unitária, e os eixos representam as quantidades necessárias de xj e X2 para produzir uma unidade de output.

Figura 2.1. Medidas de Eficiência de Farrell

Fonte: Adaptado de Farrell (1957)

Seja P o vector das quantidades de inputs (xj^) utilizado por uma unidade de produção para produzir uma unidade de output. Por definição, qualquer combinação de factores na isoquanta3 s é considerado tecnicamente eficiente. Sendo a medida de eficiência técnica radial, a combinação de factores P é comparada com a combinação Q, que resulta da intersecção da isoquanta s com a linha recta que parte da origem e passa pelo ponto P. Então, a medida de eficiência técnica é dada pelo rácio por OQIOP < 1.

Seja o preço relativo dos factores dado pela inclinação da recta a. Se o nível de produção desejado é uma unidade de output, a combinação Q' representa o vector de factores óptimo. Q e Q' são combinações tecnicamente eficientes, contudo, dados os preços relativos dos factores, Q não é alocativamente eficiente. Dado que o

De momento, não se discute se a isoquanta é conhecida, ou como foi obtida. Esta é uma discussão importante, mas que será introduzida apenas na próxima secção.

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

custo da combinação R é igual ao custo da combinação Q', a medida de eficiência alocativa do vector P é dada pelo rácio OR/OQ < 1. Por fim, a medida de eficiência global (ou produtiva) da combinação P é dada pelo rácio OR/OP.

Como referimos, a medida de eficiência produtiva é igual ao produto da medida de eficiência técnica e da medida de eficiência alocativa:

OR OQ OR = — ^ X (2.1)

OP OP OQ

Farrell (1957) pressupõe na sua análise que a unidade de produção tem como objectivo a minimização do custo e assume uma tecnologia de produção com rendimentos constantes à escala. Pressupondo a minimização do custo, Fare, Grosskopf and Lovell (1985, 1994) apresentam medidas de eficiência produtiva para tecnologias de produção menos restritivas, em que se assume diferentes hipóteses quanto aos rendimentos à escala e quanto à monotonicidade. Existem outras hipóteses comportamentais que podem ser consideradas na análise da eficiência produtiva. Fáre, Grosskopf and Lovell (1985, 1994) também desenvolvem medidas de eficiência produtiva no contexto da maximização da receita e do lucro. Pressupondo a maximização da receita (lucro), a medida de eficiência produtiva e as respectivas componentes são definidas no espaço dos outputs (outputs-inputs). As propriedades das várias medidas de eficiência produtiva e respectivas componentes são desenvolvidas e demonstradas formalmente em Fáre, Grosskopf and Lovell (1985, 1994).

Fáre, Grosskopf and Lovell (1983) desenvolveram uma decomposição da medida de eficiência técnica. A principal motivação para esta decomposição reside na identificação das fontes mais importantes da ineficiência técnica observada e ainda na quantificação das diferenças de desempenho entre observações (Fáre, Grosskopf and Lovell, 1983). Esta decomposição é também apresentada em Fáre, Grosskopf and Lovell (1985, 1994). Nestes trabalhos, Fáre, Grosskopf

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and Lovell (1985, 1994) incluem quer as medidas radiais, quer as medidas não-radiais4.

Dada a decomposição da eficiência técnica, a medida de eficiência produtiva é igual ao produto de quatro medidas de eficiência (Fare, Grosskopf and Lovell (1983, 1985, 1994)). Estas medidas possuem "significado económico e são mutuamente exclusivas e exaustivas" (Fãre, Grosskopf and Lovell, 1985, p. 188). Pressupondo que a unidade de produção tem como objectivo a minimização do custo, a medida de eficiência produtiva é dada por:

EP(x,y,w) = ETP(x,y) x EC(x,y) x ES(x,y) x EA(x,y,w) (2.2)

em que: EP(x,y) = medida de eficiência produtiva; ETP(x,y) = medida de eficiência técnica pura; EC(x,y) - medida de eficiência de congestão; ES(x,y) = medida de eficiência de escala; EA(x,y) = medida de eficiência alocativa; x = vector dos inputs; y = vector dos outputs; w = vector dos preços dos inputs.

A análise de cada uma destas medidas de eficiência é feita por recurso à figura 2.2.

4 Neste artigo, optou-se apenas pela recensão e utilização das medidas radiais. Deste modo, os desenvolvimentos, que se seguem, referem-se a medidas radiais de eficiência.

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

Figura 2.2. Medida Radial de Eficiência dos Inputs

My) / L»(y)

Fonte: adaptado de Fare, Grosskopf and Lovell (1985, p. 189)

Sejam V a combinação de inputs utilizada por uma unidade de produção para produzir y e PP a isocusto cuja inclinação representa os preços relativos dos inputs. A curva LLP(y) representa a fronteira do conjunto de necessidades de factores, pressupondo-se rendimentos constantes à escala e monotonicidade forte. Esta fronteira representa o conjunto eficiente de longo prazo.

A medida de eficiência técnica, como já referimos, é obtida através da máxima contracção radial das quantidades utilizadas de todos os inputs, de modo a que ainda seja possível produzir a mesma quantidade de output. Dada a fronteira LLP(y), a combinação S

IP e L (y) é uma combinação tecnicamente eficiente e está localizada sobre o raio OV. A medida de eficiência técnica da combinação V é dada pelo rácio OS/OV.

Dado o preço relativo dos factores, Wé uma combinação técnica e alocativamente eficiente. Sendo o custo da combinação T igual ao custo da combinação W, a medida de eficiência alocativa do vector V é dada pelo rácio OT/OS. Este rácio relaciona o custo mínimo de produção de y (aferido em W ou 7) com o custo de um vector

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tecnicamente eficiente (combinação S). De acordo com a definição de eficiência produtiva (global) de

Farrell (1957), a combinação Wé a combinação globalmente eficiente. A localização em W implica quer a redução equiproporcional das quantidades de ambos os inputs para se atingir um ponto tecnicamente eficiente, quer a alteração das proporções das quantidades destes inputs para se atingir um ponto alocativamente eficiente. A medida de eficiência global da combinação V é dada pelo rácio OT/OV.

A ineficiência de escala ocorre sempre que a unidade de produção não está a operar na escala de operações consistente com o equilíbrio concorrencial de longo prazo, ou seja, num ponto consistente com rendimentos constantes à escala (Fare, Grosskopf and Lovell, 1985, p. 190). A medida de eficiência de escala de uma combinação de inputs é calculada através do rácio da medida de eficiência técnica dessa combinação, avaliada em relação a um conjunto eficiente que pressupõe rendimentos constantes à escala, e a medida de eficiência técnica obtida em relação a um conjunto eficiente que pressupõe rendimentos variáveis à escala. A curva L(y) representa a fronteira do conjunto de necessidades de factores, pressupondo rendimentos variáveis à escala e monotonicidade forte. Dados L(y) e LLP(y), a medida de eficiência de escala da combinação de inputs V é dada por OS/OR.

A medida de eficiência técnica pura de uma combinação de inputs é uma medida de eficiência técnica avaliada em relação a um conjunto eficiente que não impõe a propriedade da monotonicidade forte, Lw(y). No caso da combinação de inputs V, a medida de eficiência técnica pura é dada pelo rácio OQ/OV.

O conceito de eficiência de congestão, ou eficiência estrutural, foi introduzido por Fáre and Svensson (1980). Este conceito é consistente com a noção de que a congestão de inputs ocorre sempre que o aumento de algum(ns) input(s) implica uma diminuição do output ou quando o decréscimo de um ou vários inputs implica um aumento do output (Fáre, Grosskopf and Lovell, 1985).

A ineficiência estrutural ou de congestão resulta da produção numa região não económica em que o produto marginal é negativo

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

(Fáre, Grosskopf and Lovell, 1985). A medida de eficiência estrutural da combinação V é dada pelo rácio OR/OQ. Esta medida é obtida pelo rácio da medida de eficiência técnica de V calculada relativamente a L(y) (conjunto eficiente com monotonicidade forte) e a medida de eficiência técnica desta combinação avaliada relativamente a Lw(y) (conjunto eficiente pressupondo a não monotonicidade forte).

A tabela 2.1 apresenta a decomposição da medida de eficiência produtiva obtida com base nos dados da figura 2.2.

Tabela 2.1. Decomposição da Medida de Eficiência Produtiva

Medidas de Eficiência Rácios Produtiva (ou Global) OT/OV

Alocativa OT/OS Técnica OS/OV

Escala OS/OR Congestão OR/OQ Técnica Pura OQ/OV

Existem vários trabalhos empíricos na área dos cuidados de saúde, que apresentam a decomposição da medida de eficiência produtiva, ou global. Exemplos desses trabalhos são Banker, Conrad and Strauss (1986), Byrnes and Valdmanis (1995), Ferrier and Valdmanis (1996) e Mobley and Magnussen (1998).

2. A METODOLOGIA NÃO-PARAMÉTRICA

Na literatura existem duas abordagens à análise da eficiência que foram sendo desenvolvidas e aplicadas em paralelo ao longo do tempo: a abordagem paramétrica e a abordagem não-paramétrica. A principal diferença entre estas duas abordagens reside na especificação ou não especificação de uma forma funcional paramétrica para a tecnologia de produção.

Dado que este artigo apresenta a metodologia não-paramétrica, procurar-se-á nesta secção apresentar a essência desta abordagem e

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referir as contribuições mais relevantes que foram feitas ao longo do tempo.

A abordagem nãoparamétrica é frequentemente designada por Data Envelopment Analysis (DEA), visto que gera a fronteira de produção como uma curva envelope das observações. A fronteira de produção é constituída por combinações lineares das observações extremas, resultando uma fronteira formada por segmentos de recta lineares. A figura 2.3 ilustra como é gerada a curva envelope das observações para uma amostra hipotética.

Figura 2.3. Curva Envelope Gerada por DEA

/ *—* * r * *

/ ♦ ♦ / ♦ T 1 1 1 1

Input

A fronteira de produção nãoparamétrica é utilizada como a tecnologia de referência para medir a eficiência produtiva de um dado vector de outputs ou inputs. A eficiência de um vector de inputs {outputs) é medida pela distância deste vector relativamente à fronteira de produção nãoparamétrica, sendo esta distância dada pela redução (expansão) radial máxima possível do vector. Este procedimento é consistente com as medidas de eficiência de Debreu (1951) e Farrell (1957) (Fare, Grosskopf and Lovell, 1985, 1994).

O método nãoparamétrico foi inicialmente utilizado por Farrell (1957) e Farrell and Fieldhouse (1962), que construíram uma tecnologia de produção nãoparamétrica pressupondo hipóteses muito restritivas quanto aos rendimentos à escala. Afriat (1972) demonstrou como se podia gerar uma fronteira de produção nãoparamétrica

o, 3 O

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Análise da Eficiência Produtiva: Contributo para uma Revisão de Literatura

eliminando a restrição de rendimentos constantes à escala. Chames, Cooper and Rhodes (1978) generalizaram a medida de

eficiência técnica de Farrell no contexto de múltiplos inputs e outputs, utilizando a abordagem DEA. A fronteira não-paramétrica em Chames, Cooper and Rhodes (1978) pressupunha rendimentos constantes à escala. Banker, Chames and Cooper (1984) geram medidas de eficiência técnica e de escala no contexto de vários inputs e outputs, identificando se os rendimentos à escala são crescentes, decrescentes ou constantes. Pressupondo diferentes hipóteses quanto aos rendimentos à escala e quanto à monotonicidade da tecnologia de produção, Fare, Grosskopf and Lovell (1985, 1994) geram várias fronteiras de produção não-paramétricas no contexto de múltiplos inputs e outputs.

A figura 2.3 ilustra simplificadamente três tecnologias de produção com diferentes rendimentos à escala. Esta ilustração contempla apenas um output e um input.

Figura 2.3. Tipos de Rendimentos à Escala

Output

Input

O segmento de recta (a) representa uma tecnologia com rendimentos constantes à escala, em que é constante a relação input/output. A tecnologia de produção com rendimentos crescentes à escala é dada pela curva (c), visto que o aumento de quantidade de input implica um acréscimo mais que proporcional da quantidade do output. Por fim, se o acréscimo de input produzisse um aumento menos que proporcional de output, estaríamos na presença de

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rendimentos decrescentes à escala, como na curva (b). Pressupondo um output e um input, consideramos a figura 2.5,

em que cada ponto A, B, C, e D representa uma observação diferente.

Figura 2.5. Rendimentos à Escala no Método DEA

Fonte: Adaptado de Fare, Grosskopf and Lovell (1985)

Uma medida simples de eficiência é o rácio do output por unidade de input. Dado que em B este rácio é máximo, a curva envolvente das observações é [OB]. O ponto A não está nesta fronteira e o grau de (in)eficiência técnica é dado por XAIIxA (<1). Nesta análise, pressupõem-se rendimentos constantes à escala.

As medidas de eficiência, apresentadas na secção anterior, podem ser geradas pressupondo que a tecnologia de produção exibe rendimentos não crescentes à escala ou rendimentos variáveis à escala. Assumindo rendimentos não crescentes à escala (rendimentos variáveis à escala), a curva envelope das observações seria [OBC] ([xAABC]).

Em relação à observação D, o índice de ineficiência técnica é igual a XDI/XD, pressupondo rendimentos não crescentes ou rendimentos constantes à escala. No caso de rendimentos variáveis à escala, o índice de ineficiência técnica é igual a X^/XD-

Chames et ai. (1982, 1983) desenvolvem um tipo de modelos de DEA, designados de modelos multiplicativos, que implicam uma

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alteração na geometria habitual das curvas envelope. Estes modelos geram curvas envelope constituídas por segmentos de recta não lineares, do tipo log-lin ou Cobb-Douglas.

Os modelos aditivos de DEA, propostos por Chames et ai. (1985), geram fronteiras do tipo linear e permitem considerar múltiplos inputs e outputs, bem como rendimentos à escala variáveis.

Os modelos DEA foram, adicionalmente, aperfeiçoados após o reconhecimento da presença de variáveis de input ou output não discricionárias (fora do controlo da unidade de produção). Banker and Morey (1986a) apresentam uma aplicação empírica que contempla variáveis de input não discricionárias.

A introdução de variáveis dummy ou discretas nos modelos DEA é sugerida e apresentada em Banker and Morey (1986b). Chames et ai. (1995, p. 53) sugerem um modelo DEA com múltiplas variáveis não contínuas.

Chames et ai. (1995, p. 55) referem algumas técnicas para incorporar informação prévia na análise. Nos modelos DEA não existem restrições para o peso relativo de cada input e output, para além da restrição de não-negatividade. A imposição de algumas restrições evitará que a solução proponha quantidades de input ou output excessivamente baixas ou elevadas, tomando a solução pouco verosímil.

Lovell (1993) refere a introdução de propriedades estatísticas no DEA como um objecto de investigação importante, embora reconheça que não existe experiência empírica suficiente para avaliar a confiança dos modelos existentes. A generalidade dos modelos e aplicações de DEA são determinísticos, impossibilitando a inferência estatística. Esta é a maior crítica à metodologia não-paramétrica e o desenvolvimento do DEA estocástico pode vir a permitir ultrapassá-la.

Fare, Grosskopf and Lovell (1985, p. 193) referem algumas vantagens e desvantagens às características da abordagem não-paramétrica à análise da eficiência produtiva. Em primeiro lugar, é uma abordagem flexível que permite o cálculo de medidas de eficiência na perspectiva quer dos inputs, quer dos outputs. Em segundo lugar, os índices de eficiência calculados por este método são

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o limite superior do grau de eficiência de uma dada observação, dado que são derivados por referência à curva envelope do conjunto de todos os dados da amostra. Por fim, qualquer desvio em relação à curva envelope é interpretado como sendo ineficiência. Porém, a ineficiência pode ser apenas parte da verdadeira explicação, devido ao papel de factores exógenos, a diferenças de qualidade ou a outros factores não contemplados na análise (Fare, Grosskopf and Lovell, 1985).

Em suma, as desvantagens do método DEA determinístico são a impossibilidade de exercer inferência estatística sobre as estimativas e ainda o facto de a fronteira envelope ser calculada a partir de um subconjunto de observações extremas, sendo por isso, muito sensível a erros de medida e à presença de outliers. Porém, a utilização de fronteiras paramétricas estocásticas também é sensível a outliers.

3. VARIÁVEIS AMBIENTAIS

As unidades de produção, independentemente da sua natureza, são influenciadas pelo ambiente em que se inserem. As contingências ambientais podem englobar um conjunto vasto de factores como, por exemplo, a estrutura da propriedade (pública ou privada), a localização geográfica, o poder dos sindicatos e condicionamentos legais específicos. Note-se que estes factores estão, em geral, fora do controlo da gestão das unidades de produção e podem explicar diferenças no grau de eficiência das unidades de produção.

Coelli, Rao and Battese (1997, p. 166) apresentam quatro técnicas que podem ser utilizadas para explicar as diferenças observadas nos índices de eficiência, calculados para cada observação de uma amostra.

Na primeira técnica, selecciona-se uma variável que distingue as observações de uma amostra (e.g., localização geográfica). Tendo em conta esta variável, hierarquizam-se as observações e geram-se índices de eficiência para cada observação, em que o seu conjunto de referência é composto apenas pelas observações com a mesma localização geográfica ou por observações com localizações mais

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desfavorecidas. Por exemplo, na análise da eficiência produtiva de unidades comerciais localizadas numa área suburbana vs. no centro da cidade, não seria correcto gerar índices de eficiência para as unidades suburbanas, considerando no seu conjunto de referência as unidades localizadas no centro da cidade. Em termos de desvantagens, esta técnica não permite que se considere mais do que uma variável de cada vez, e obriga a que se defina a priori o sentido de influência desta variável no grau de eficiência.

A segunda técnica aplica-se a casos em que o factor ambiental não permite a ordenação das observações (e.g., tutela pública ou privada). Nestas condições, divide-se a amostra inicial em várias sub amostras, de acordo com a variável ambiental, e geram-se índices de eficiência para cada observação de cada sub amostra. De seguida, comparam-se os índices de eficiência das várias sub amostras. Esta técnica não permite que se considere mais do que uma variável ambiental.

Na terceira técnica, as variáveis ambientais são consideradas como inputs ou outputs da unidade de produção e, consequentemente, são incluídas no cálculo dos índices de eficiência. Coelli, Rao and Battese (1997) referem que, apesar deste método ser preferível aos anteriores, continua a ser necessário conhecer a priori o sentido de influência destas variáveis sobre o grau de eficiência, o que nem sempre é possível.

A quarta técnica consiste numa abordagem bi-etápica. Na primeira etapa da análise, são gerados os índices de eficiência para cada observação da amostra. Na segunda etapa, os índices de eficiência são relacionados com as variáveis ambientais seleccionadas, através de um modelo econométrico de variável dependente limitada (e.g., Tobit ou Probit). As vantagens do método bi-etápico são a simplicidade na estimação econométrica (Lovell, 1993, p. 53), a par da não imposição de um sentido de influência das variáveis ambientais sobre o grau de eficiência (Coelli, Rao and Battese, 1997, p. 168).

Existem vários estudos empíricos que utilizaram a abordagem bi-etápica e o método DEA na análise da eficiência produtiva das instituições hospitalares (e.g., Kooreman, 1994; Ferrier and

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Valdmanis, 1996; Burgess and Wilson, 1998).

III. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

Neste artigo apresentou-se um método de análise da eficiência produtiva. Os resultados empíricos, resultantes da aplicação das metodologias descritas, indicam a proporção de unidades económicas que é eficiente, de acordo com cada conceito de eficiência.

Apresentou-se o conceito de eficiência produtiva (ou económica ou custo, se na perspectiva da minimização do custo5). A ineficiência global resulta da existência de ineficiência técnica e ineficiência alocativa. Assim, obtêm-se resultados (por virtude das decomposições possíveis) para os índices de eficiência alocativa e para os índices de eficiência técnica. Os meios concretos para melhorar a eficiência das observações podem ser vários e a sua escolha deverá ser feita através de um estudo individualizado de cada caso. É ainda possível investigar as fontes de ineficiência alocativa das unidades observadas.

O índice de eficiência de escala para além de permitir hierarquizar as unidades económicas, possibilita a identificação do tipo de rendimentos à escala presentes em cada unidade.

Apesar de não ser um procedimento consensual é possível relacionar cada um dos índices de eficiência com várias variáveis explicativas, caracterizadoras do ambiente de inserção das unidades produtivas.

As limitações dos estudos que empregam estes métodos são várias e resultam, essencialmente, da indisponibilidade de alguns dados relevantes, da qualidade dos dados disponíveis e das desvantagens inerentes ao método DEA.

O método DEA gera a fronteira de produção como uma curva envolvente das observações da amostra, sem especificar uma forma funcional paramétrica para a tecnologia de produção. O desconhecimento da tecnologia de produção de cada unidade e da sua

E possível trabalhar na perspectiva da produção ou do custo. Basta atender à dualidade entre estas duas funções.

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estrutura (e.g., rendimentos à escala) é a razão fundamental da adopção de um método não-paramétrico para gerar os índices de eficiência. Contudo, a metodologia DEA apresenta alguns problemas. Dado que o DEA é um método não estocástico, não é possível conduzir testes de hipóteses sobre a significância estatística dos índices de eficiência e todos os desvios relativamente à fronteira de produção são considerados como ineficiência. Assim, a investigação tem avançado no sentido do desenvolvimento do método DEA estocástico.

Tendo em conta que a fronteira de produção é gerada como uma curva envolvente das observações da amostra, este método é sensível à presença de outliers.

Apesar das limitações apontadas, conclui-se que a utilização do DEA na análise da eficiência de unidades produtivas, proporciona informações valiosas para a melhoria das respectivas actividades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O REGIME DE ACESSO À ADVOCACIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

GONÇALO NUNO CA. AVELÃS NUNES [email protected]

MESTRE EM DIREITO DOCENTE UNIVERSITÁRIO

ADVOGADO

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 1. NOTA PRÉVIA 2. DELIMITAÇÃO DO TEMA 3. INTRODUÇÃO. A ORDEM DOS ADVOGADOS (OA) COMO

ASSOCIAÇÃO PÚBLICA 4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA REGRA

DA OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NA O A - ART. .53° D O E O A

5. A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 156, N° 1 A) D O E O A : A "CLÁUSULA DA IDONEIDADE MORAL"

6. A CONSTITUCIONALIDADE DOS REQUISITOS PARA A INSCRIÇÃO COMO ADVOGADO PREVISTO NO ART. 170° DO EOA E NORMATIVOS ANEXOS - O ESTÁGIO DE ADVOCACIA

7. CONCLUSÃO PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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APRESENTAÇÃO:

Publico o texto nos exactos termos em que o terminei e entreguei em 12.04.99, no contexto da disciplina de Direito Administrativo do Curso de Mestrado de Direito Público da FDUC 1998/2000, daí que as referências bibliográficas e o projecto de Estatuto por mim apreciado se reportem a essa data.

No momento em que procedo a esta publicação, não poderia deixar de referir que estranhamente a direcção da Revista da Ordem dos Advogados recusou a sua publicação por entender que o tema, a própria Ordem dos Advogados e o seu enquadramento jurídico, não cabe na temática da mesma .

1 Este mesmo tema foi e tem sido objecto de alguns artigos publicados pela ROA antes e depois do meu ter sido proposto, curiosamente todos os publicados defendem a perspectiva oficial da OA.

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O Regime de Acesso à Advocacia à luz da Constituição da República Portuguesa

1. NOTA PRÉVIA

Dentro da temática proposta pelo Prof. Doutor Vital Moreira para a disciplina de Direito Administrativo do curso de mestrado, de Direito Público da FDUC 1998/2000 optei por abordar o regime de acesso à advocacia porque, enquanto estudante de direito e advogado estagiário, estas matérias suscitaram o meu empenho sem que no entanto tivesse tido tempo nem porventura preparação para na altura fazer uma abordagem mais "científica "das mesmas.

Para a compreensão do estudo que elaborei, gostaria de fazer uma breve referência às etapas dessa experiência que começou em 1990/91 quando, ainda como estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), fiz parte da comissão ad-hoc que em conjunto com a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) de então dinamizou a contestação a nível nacional à entrada em vigor do Regulamento dos Centros Distritais de Estágio (RCDE) aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA) em 21.09.9o\

Posteriormente, em 1992, enquanto membro da DG/AAC e no seguimento de um movimento de contestação ao referido RCDE, iniciado pela recém criada Associação Nacional de Advogados Estagiários (ANAE), acompanhei de perto a sua acção e coordenei o apoio das associações de estudantes a essas reivindicações que incidiram sobre : - a existência, legalidade e legitimidade dos exames de cariz eliminatório nos finais dos dois períodos de estágio; - vários aspectos de funcionamento dos mesmos; - a constitucionalidade do art. 156°, n° Io, a) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) -cláusula da idoneidade moral . Esse movimento culminou com o

2 Devo referir que os órgãos da OA de então se recusaram a dialogar com as associações de estudante, já que não lhes reconheciam legitimidade para discutir "um assunto interno da Ordem" (apesar de constituir uma das principais saídas profissionais dos estudantes de direito e colidir com direitos fundamentais como se irá ver).

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boicote por parte dos advogados estagiários aos referidos exames nas matérias extra deontológicas.

Por fim em 1993, enquanto frequentei o estágio de advocacia, fiz parte da direcção da ANAE que impulsionou um novo movimento de contestação ao EOA e ao RCDE, invocando as mesmas razões dos colegas do ano anterior. Utilizando a mesma forma de contestação, alcançou apenas a alteração de pequenos pormenores de funcionamento do próprio curso de estágio. Hoje apesar de ser advogado inscrito na OA, em pleno exercício dos meus direitos, a atitude desta face ao estágio e aos recém licenciados, que em grande número saem das inúmeras faculdades de direito, continua a preocupar-me (porventura com maior razão como se irá constatar), motivo que me levou a tentar uma abordagem mais "científica" destas questões.

2. DELIMITAÇÃO DO TEMA

Do vasto leque de problemas que suscitam as ordens profissionais em geral e a OA em especial, três deles têm suscitado a minha atenção especial. São eles: o regime de acesso à advocacia em Portugal; as limitações à publicidade por parte dos advogados; o não reconhecimento por parte da O A das especialidades. No entanto tendo em conta as limitações de tempo e a complexidade inerente a cada um desses assuntos, optei por fazer uma abordagem apenas do primeiro tema indicado.

Dentro deste era minha pretensão poder apresentar, juntamente com a análise da situação interna, uma breve perspectiva comparada das soluções nos países que juridicamente nos estão mais próximos. Devido à dificuldade de em tempo útil conseguir ter acesso a fontes actualizadas sobre estes problemas, essa hipótese teve que ser posta de lado.

A terminar devo precisar que a minha análise vai apenas incidir sobre as soluções normativas posteriores a 1982 - Ia revisão constitucional (que como se sabe introduziu o n° 3 do art. 268° de então, actual art. 267°, n° 4 da CRP ). Com efeito antes dela (i.é.

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perante o texto originário da CRP), as associações públicas, ou pelo menos aspectos importantes da sua estrutura, tais como a obrigatoriedade de inscrição à luz do princípio da liberdade de associação - art. 46° da CRP) seriam inconstitucionais. Esta é a opinião sustentada por Gomes Canotilho&Vital Moreira (1978:128 nota V ao art. 46o)3 com a qual estou inteiramente de acordo .

Questão prévia esta que poria inteiramente em causa a lógica de qualquer abordagem que se debruçasse sobre a regulamentação de aspectos dessas mesmas figuras, que em si seriam inconstitucionais.

Neste contexto, a minha análise vai incidir sobre duas questões em particular:

A. A constitucionalidade do art. 156°, n° 1, a) do EOA: "a cláusula da idoneidade moral";

B. A constitucionalidade dos requisitos para a inscrição como advogado na OA previstos no art. 170° do EOA e normativos anexos: o Estágio de Advocacia .

Em relação a este segundo tema e dentro do período de tempo por mim acabado de definir, identifico quatro momentos a analisar:

1. O período compreendido entre a aprovação do DL 84/84 até à aprovação do RCDE em 21.09.90;

2. O período de tempo em que o RCDE , aprovado pelo Conselho Geral da OA, esteve em vigor sem que se tenha procedido à alteração do EOA (Setembro 1990 a Setembro 1994);

3. O enquadramento normativo actual com a nova redacção do EOA e do RCDE -2;

4. As propostas de alteração do EOA em discussão na própria OA.

3 Ver neste sentido Vital Moreira (1997a:422ss) e também António da Silva Leal (1979:338). 4 Posição esta que não era unanimemente acolhida. V. por ex. Parecer 2/78 da Comissão Constitucional, J Miranda (1993:32), Mário Raposo (1977:431), Leonor Beleza&Teixeira de Sousa (1979:181), que fundamentavam a legitimidade constitucional das associações publicas essencialmente nos princípios da descentralização democrática e da participação na administração pública, art. 6o da CRP:

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3. INTRODUÇÃO: A ORDEM DOS ADVOGADOS (OA) COMO ASSOCIAÇÃO PÚBLICA.

Nesta introdução vou sucintamente caracterizar a Ordem dos Advogados (OA) hoje em Portugal. A OA é uma associação pública profissional - uma das espécies dentro da figura mais ampla da administração autónoma não territorial5 - art. 267°, n° 4 da CRP - nas palavras de Freitas do Amaral (1994:400) a pessoa colectiva pública de tipo associativo criada para assegurar a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam para a sua prossecução. É portanto a associação pública que em Portugal agrega os licenciados em direito que exercem advocacia - art. Io, n° 1 do EOA.

Tal como todas as outras associações públicas profissionais, a OA congrega um conjunto de elementos essenciais típicos dessas organizações. Assim e em primeiro lugar é constituída por um conjunto homogéneo de pessoas que prosseguem interesses e objectivos comuns - art. 3o, n° 1 d) e e), etc. do EOA -: como já referi os licenciados em direito que exercem advocacia .

Foi criada por acto público (acto esse que pode ser coetâneo com a sua criação ou então posterior quando atribui essa qualidade a uma associação privada já existente), neste caso o Decreto 11.715 de 12.06.26, tendo posteriormente sido integrada no Estatuto Judiciário aprovado pelo Decreto 13.809 de 22.06.1927 (sujeito a alterações posteriores), cuja última redacção constava dos art.s 538° a 672° do referido Estatuto Judiciário aprovado pelo DL n.° 44.278 de 14 de Abril de 1962.

Hoje está instituída pelo DL 84/84 de 16 de Março de 1984 (ao abrigo da lei de autorização n° 1/84 de 15 de Fevereiro de 1984), diploma que lhe atribuiu o status público e definiu as funções públicas que ela exerce - art. 3o, n° 1 a), b) e f) do EOA.

A OA, como qualquer corporação pública, detém poder de auto governo exercido pelos seus órgãos legitimamente eleitos - art. 7o do EOA - e não está sujeita a qualquer poder de instrução ou de direcção 5 V. Vital Moreira (1997a:369ss).

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por parte de nenhum órgão da administração, podendo assim dizer-se que goza também de autodeterminação. Por força do art. 199° d) da CRP e como qualquer órgão da administração autónoma, está unicamente sujeita ao poder de tutela por parte do governo . Por último, a OA possui uma estrutura interna baseada nos seus membros e obedece ao princípio da democraticidade na formação dos seus órgãos - art. 267°, n° 4 in fine da CRP 7.

A OA, além das funções públicas supra referidas, exerce ainda funções que correspondem a interesses privados dos seus membros -art 3o alíneas c), d), e), i) do EOA. Esta característica da dualidade de interesses que a OA prossegue é comum a todas as ordens profissionais e permite distingui-las, quer dos outros órgãos do estado, quer dos particulares, justificando assim que muitos grupos profissionais almejem este enquadramento institucional.

Ambivalência que no entanto levanta dúvidas a alguns autores que questionam a legitimidade de certos sectores profissionais gozarem do privilégio de se organizarem em forma de entidade pública e, paralelamente ser-lhes facultada a possibilidade de poderem exercer funções privadas .

Tais dúvidas, numa perspectiva constitucionalmente adequada, são ultrapassadas ao definir-se que a prossecução de interesses

6 Poder esse que no entanto não tem sido exercido em Portugal, o que acarreta uma inconstitucionalidade face ao teor do art. 267°, n° 4 da CRP v. Vital Moreira (1997c:21). 7 Princípio democrático que é hoje um princípio fundamental no regime jurídico-constitucional das associações públicas e a da sua própria noção. Essa importância afere-se a dois níveis: ao nível da legitimidade democrática da sua génese - a administração autónoma não existe por autógenese, só existe por determinação constitucional ou por reconhecimento legislativo; e ao nível do aqui referido funcionamento democrático e organização interna. Sobre estas questões e os problemas de legitimação e da adequação entre o interesse geral e os interesses particulares dos grupos organizados em associações publicas, v. Vital Moreira (1997a:222ss). 8 Ver neste sentido Vital Moreira (1997a:389). Pode ver-se aqui também referências às teses publicistas e às teses associativistas. 9 Em termos de conformação destas figuras com o princípio da igualdade ver Vital Moreira (1997a:232).

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privativos dos grupos é legítima se estes tiverem sido convertidos em interesses públicos ou então, quando a prossecução desses interesses privativos do grupo não prejudicar a prossecução dos interesses públicos e aqueles que estiverem reservados a entidades particulares -art. 267°, n° 4 da CRP. Em último termo, no caso de conflito, deve optar-se sempre pelo princípio de que uma associação pública como a OA, não poderá prosseguir interesses particulares que sejam incompatíveis com os interesses públicos que ela prossegue .

Esta dualidade constitui em si uma vantagem para ambas as partes, para o estado porque se liberta da necessidade de regulamentar e fiscalizar o exercício de profissões que considera importantes mas que devido à sua natural independência e especificidade técnica,11 são por natureza difíceis de controlar; para os grupos profissionais assim organizados, porque são eles próprios que regulamentam e fiscalizam o exercício da sua actividade e por outro lado permite-lhes potenciar a defesa dos seus interesses particulares.

O EOA obedece também a outros princípios: a regra da unicidade - art. Io do EOA (só existe uma associação pública de advogados em Portugal podendo no entanto haver outras associações privadas de advogados); a obrigatoriedade de inscrição para o exercício da advocacia12 - art. 53° do EOA ; a autonomia normativa13 -art. Io, n° 2 do EOA. Segundo Vital Moreira (1997a:385) estes elementos já não podem ser considerados elementos necessários para a definição das associações públicas profissionais, apesar de serem muito comuns às mesmas14.

Para terminar esta breve caracterização devo acrescentar que a OA prossegue as quatro funções típicas de qualquer associação pública profissional (Vital Moreira: 1997c:6ss) a saber: representação e defesa da profissão face ao exterior - art. 3o, n°ld) do EOA; apoio

V. sobre esta problemática Vital Moreira (1997a:388ss; 1997b:265; 1997c:9,10). 11 Aquelas profissões a que Jorge Miranda (1993:45) chama profissões livres e não já só as profissões liberais. 1 V. sobre este aspecto ponto 4 deste trabalho.

Sobre o poder regulamentar da administração autónoma e seus limites v. ponto 5 deste trabalho e Vital Moreira ( 1997a: 180ss.)

Em sentido contrário, considerando-os elementos essenciais, R. Soares (1991:164).

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aos seus membros - art. .3°, n° lc) e e) do EOA.; regulação e disciplina da profissão - art. 3o b) e f) do EOA); outras funções administrativas que lhe sejam atribuídas - art. 3o, n°l, g) e h) infine do EOA.

Em resumo e segundo aquele autor (1997a:382) a OA é uma pessoa colectiva de direito público, de natureza associativa, criada como tal por acto do poder público, que desempenha tarefas administrativas próprias relacionadas com os interesses dos seus próprios membros, e que, se governa a si mesma mediante órgãos próprios que emanam da colectividade dos seus membros, sem dependência de ordens ou orientações governamentais, embora normalmente sujeitos a uma tutela estadual.

4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA REGRA DA OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO NA OA -A R T . 5 3 O DO EOA.

Começarei por abordar a questão da obrigatoriedade de inscrição - art. 53° do EOA - já que esta define o enquadramento das outras questões que me proponho aqui analisar.

Esta problemática15 foi e é ainda objecto de grande discussão. Em termos constitucionais tem a ver com o conteúdo do direito da liberdade de associação - art. 46° da CRP - e com a aceitação da tese segundo a qual as associações públicas estavam abrangidas por esse direito ou, pelo contrário de se defender que por serem públicas e tendo em conta o seu regime essas figuras estão fora do âmbito de protecção do referido direito.

Direito de liberdade de associação16 que, como se sabe, abrange fundamentalmente três vertentes: a liberdade positiva de associação, ou seja o direito de livremente se constituírem associações, e a liberdade de filiação em associações já existentes; a liberdade da associação autonomamente se organizar e prosseguir os seus fins; a

15 Nesta abordagem irei seguir de perto (mais uma vez) Vital Moreira (1997a:447ss). 16 V. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:255ss); Vital Moreira (1997a:427ss), Leonor Beleza &Teixeira de Sousa (1979:164ss.).

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liberdade negativa de associação, ou seja, o direito de não se fazer parte de uma associação e de se sair dela livremente.

Tendo em conta as características das associações públicas e o conteúdo (sucintamente definido) do referido direito de liberdade de associação, existem várias perspectivas de enquadramento da questão da inscrição obrigatória nas associações públicas: para a primeira, as associações públicas não são associações, assim a questão não se põe ao nível da liberdade de associação; na segunda, para as associações públicas fica totalmente excluída a liberdade positiva e negativa de associação já que para a prossecução desses fins não pode haver liberdade privada de associação; uma terceira perspectiva defende que só se poderia falar de liberdade negativa de associação havendo liberdade positiva de associação, como nas associações públicas esta não existe não fará sentido colocar a questão da liberdade negativa de associação neste contexto.

Como se pode constatar, qualquer uma destas perspectivas nem sequer questiona a conformidade da inscrição obrigatória - todas a aceitam - já que defendem que essa questão quando referida às associações públicas, não releva para efeitos de direito de liberdade de associação, nomeadamente da liberdade negativa de associação e portanto, é perfeitamente legítimo que em sede de associações públicas o legislador institua essa regra.

A minha perspectiva, acompanhando de perto Gomes Canotilho &Vital Moreira (1993:260), é totalmente oposta. Assim e num primeiro momento lógico, parto do pressuposto de que as associações públicas não deixam de ser associações, não estando à margem da liberdade de associação - Vital Moreira (1997a:456ss) n. É sempre

17 Como se percebe adopta-se aqui a perspectiva de Vital Moreira (1997a:427ss, 433ss) em relação ao problema prévio a este que se coloca, que é o da relação entre as associações públicas e o direito da liberdade de associação, nomeadamente a questão da existência e limites da criação estadual de associações públicas. Segundo Vital Moreira (obra e loc. cit.) A criação de associações públicas traduz-se portanto numa ingerência do Estado na liberdade de associação dos particulares, pelo que carece de adequada justificação constitucional, não apenas quanto à própria possibilidade de criação de associações públicas, mas também quanto aos limites decorrentes das regras constitucionais que consentem a limitação de direitos

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necessário que a filiação obrigatória se revele como uma medida necessária e proporcional à consecução do referido objectivo e ela só é admissível quando se revele indispensável para alcançar um fim público relevante, que sem ela não poderia ser conseguido ou só poderia ser com muito maiores dificuldades. Em resumo a filiação obrigatória é portanto sempre uma restrição da liberdade negativa de associação, que de resto se traduz reflexamente numa restrição da liberdade positiva de associação (autor e loc. cit.).

Em relação à questão concreta que aqui me ocupa, constata-se que o legislador optou por tornar obrigatória a inscrição na OA, para se poder exercer advocacia, e fê-lo não porque teria que ser assim, mas porque ponderando os interesses em causa, considerou que tal era necessário para a prossecução dos interesses públicos relevantes, nomeadamente a boa administração da justiça e defesa dos direitos dos cidadãos.

Tais interesses determinam que a advocacia, profissão livre e independente por excelência (que assim deve continuar), deva ser enquadrada numa associação pública, que por ser de inscrição obrigatória, permite um melhor controle dos seus membros, assegurando uma melhor e mais adequada prossecução dos fins pretendidos, sem ser necessário a sua publicização enquanto profissão.

Em resumo, a inscrição obrigatória é já ela mesma uma restrição ao direito de liberdade negativa de associação de qualquer pessoa que pretenda exercer advocacia em Portugal.

Por outro lado é hoje perfeitamente aceite pela doutrina que a filiação obrigatória, se por um lado constitui um dever e um ónus, por outro atribui também um direito à filiação, ou seja, a associação pública criada pelo estado e à qual este atribuiu (nos casos em que tal se justifique) a característica da filiação obrigatória, como é o caso da OA, não pode recusar a inscrição, salvo por razões previstas na lei e constitucionalmente autorizadas.

fundamentais.. No mesmo sentido v. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:260), percepção que não é seguida pela maior parte da doutrina em Portugal, v .R. Soares (1991:164), Freitas do Amaral (1994,411), J. Miranda (1986:70).

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Neste sentido e nas palavras de J. Miranda (1994:233), para os profissionais colegiados não se trata apenas de um dever (ou ónus) de inscrição. Trata-se também de um verdadeiro direito. Eis as duas faces da mesma realidade - a obrigação (ou ónus) e o direito - pois que, se, para se poder desenvolver licitamente a actividade profissional é preciso estar inscrito na ordem ou câmara, em compensação todo aquele que reúna as condições legais tem o direito de dela fazer parte. O art. 47°, n° 1 da Constituição é hoje o título constitucional de um e outro aspecto. Quer dizer que estamos perante aquilo a que Vital Moreira (1997a:461) chama o princípio de porta aberta e que ele próprio define nos seguintes termos: Isso (direito à filiação) decorre tanto do direito à associação face a um regime de monopólio associativo, como da liberdade de profissão ou outra liberdade implicada (se só se pode exercer uma profissão estando inscrito, então têm direito a inscrever-se todos os que tiverem os pressupostos do exercício da profissão).

5. A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 156°, N°1 A) DE EOA: A "CLÁUSULA DA IDONEIDADE M O R A L " .

O art. 156. n° Io a) do EOA aprovado pelo DL 84/84 de 16 de Março estatui, como requisito para inscrição na OA, uma avaliação prévia da idoneidade moral do candidato.

Como já referi, não ponho em causa a constitucionalidade da obrigatoriedade de inscrição na OA como condição necessária para se exercer a profissão de advogado em Portugal. O que está agora em causa é saber se a "cláusula da idoneidade moral" viola ou não o direito à liberdade de escolha de profissão art. 47° da CRP

Está-se portanto perante um problema de confrontação de um diploma legal com um preceito constitucional consagrador de um direito fundamental, mais especificamente de um Direito Liberdade e Garantia (DLG) - art.s 17° e ss da CRP .

Assim sendo, e para se proceder a uma correcta análise desta questão, ter-se-á de recorrer à problemática do regime jurídico 18 Parênteses meu.

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constitucional dos direitos fundamentais em geral e mais precisamente ao regime especial dos DLG, já que em relação ao direito à liberdade de escolha de profissão, pela sua inserção sistemática na CRP - Título II-, não há dúvida alguma que constitui um direito fundamental ao qual a constituição atribuiu o estatuto de DLG.

Seguindo de perto Gomes Canotilho (1998:347ss, 1117ss), dentro de uma metódica correcta de direitos fundamentais, analisarei a constitucionalidade do art. 156°, n° 1 a) do EOA face ao art. 47° da CRP 19.

Para o efeito ter-se-á que definir primeiro qual o âmbito de protecção da norma do art. 47°, ou seja qual o conteúdo do direito de liberdade de escolha de profissão.

Segundo Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:260ss) este direito abrange duas componentes : - uma negativa que determina que ninguém pode ser forçado a escolher ou exercer qualquer profissão, nem ser impedido de escolher e exercer uma profissão desde que preencha os requisitos necessários; - uma positiva em que este abrange o direito à obtenção dos requisitos legalmente exigíveis para o exercício de determinada profissão e o direito às condições de acesso em situação de igualdade em qualquer profissão.

Como resulta deste enunciado, o direito em questão abrange vários níveis de realização a saber: - o direito à obtenção das habilitações necessárias para o seu exercício; - o direito de ingresso na profissão; - o direito ao exercício da profissão; - o direito à progressão na carreira profissional. É portanto um direito de natureza complexa que abrange várias componentes.

A maioria da doutrina21 aceita no entanto que este direito não consagra uma garantia institucional das profissões livres ou seja e para que isso fique claro que não é inconstitucional nem a atribuição de um estatuto público a certas profissões, nem muito menos, a submissão de certas profissões a um estatuto mais ou menos

V. sobre o regime específico dos DLG, Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:139ss); ou dos mesmos autores (1991:93ss). 20 Neste mesmo sentido pode ver-se também J. Miranda (1988:155ss). 21 Ver também neste sentido J. Miranda ( 1993:50,nota 62).

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publicamente condicionado ou vinculado (advocacia, medicina, etc.) através das ordens profissionais (Gomes Canotilho&Vital Moreira 1993:262).

Não há duvida portanto que o facto de existir a OA e a necessidade de se ser nela inscrito para se poder exercer advocacia, só por si não viola o direito à liberdade de escolha da profissão. Porém ,já pode existir violação da constituição se os requisitos para a inscrição não respeitarem o regime jurídico, constitucionalmente definido para as restrições aos DLG.

Para terminar a definição (ainda que sucinta) do conteúdo do art. 47, será necessário acrescentar que estamos perante um DLG que é constitucionalmente definido, é certo mas sob reserva de lei

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restritiva ou seja, existe uma autorização legal de restrição que visa a protecção de bens ou interesses constitucionalmente protegidos neste caso enquadráveis na expressão da própria CRP pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade - art. 47°, n° 1 in fine.

Será portanto nesta sede que se terá de avaliar a conformidade da "cláusula da idoneidade moral" com os requisitos materiais e formais das normas legais restritivas em casos de DLG sob reserva de lei restritiva.

Antes no entanto será necessário referir que como defendem Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263) a liberdade de conformação do legislador depende porém do nível em que a restrição se verificar e no presente caso estáse ao nível do direito de inscrição ou de ingresso na OA,23 que por sua vez constitui condição necessária para exercer a profissão de advogado.

A este nível, como reconhecem todos os autores,24 é legítimo estabelecer requisitos de ordem subjectiva tais como licenciatura em

Gomes Canotilho & Vital Moreira (1993:263). Ver Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263); J. Miranda (1988:154). Ver Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:263); J. Miranda (1988:155, 156).

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direito,25 idade mínima, etc., mas todos eles têm sempre que ser constitucionalmente justificados.

Tendo consciência que a liberdade de profissão atinge o seu máximo de intensidade nas chamadas profissões livres ou profissões cujo exercício implica a liberdade individual e colectiva concernente ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente elevadas (J. Miranda, 1988:157), ter-se-ão que identificar os valores e bens constitucionalmente protegidos que tornam necessária esta restrição.

Neste caso e perante o teor do art. 47° in fine, seria a necessidade de evitar que pessoas com menos boa formação moral tivessem acesso a uma profissão que, pelas razões apontadas assume grande importância no próprio plano do funcionamento do estado de direito.

Só que isto não basta, já que essas restrições têm também que obedecer ao principio da proporcionalidade em sentido amplo ou princípio da proibição do excesso - art. 18°, n° 2 da CRP - ou seja, devem ser adequadas ou apropriadas à prossecução desse fim; devem ser necessárias ou exigíveis no sentido de não existir outro meio para atingir o objectivo pretendido; e proporcionais em sentido estrito, estabelecidas na justa medida.

Parece-me não ser o caso. O legislador ao criar a "cláusula da idoneidade moral" não respeitou o supra referido princípio da proibição do excesso, já que, perante o direito à inscrição supra descrito, tal cláusula viola de forma desproporcionada o direito de liberdade de escolha de profissão, atingindo a extensão e o alcance do

25A necessidade de se possuir uma licenciatura em cursos jurídicos por qualquer das universidades portuguesas autorizadas oficialmente a conceder licenciaturas (art. 161°. n° 1 do EOA), constitui um requisito de natureza subjectiva, mas em que a OA se limita a administrativamente conferir a veracidade do título apresentado pelo candidato. Este requisito consiste numa restrição adequada, necessária e proporcional para salvaguarda dos valores em causa, garantindo que quem vai exercer a actividade de advogado, considerada importante para o bom funcionamento de mecanismos essenciais de um estado de direito, possui a formação técnica especializada para poder desenvolver de forma independente e autónoma a profissão de advogado. Neste sentido v. Pacheco de Amorim (1992:42ss).

Sobre a diferença entre profissões livres e profissões liberais v. J. Miranda (1993:45).

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conteúdo essencial do preceito constitucional - art. 18°, n° 3 da CRP -, tanto mais quando tal solução não é necessária já que dispõe de outros meios para atingir de forma adequada e justa esse mesmo fim.

Tais meios criou-os já o próprio legislador quando definiu um conjunto de sanções aplicáveis aos advogados (incluindo os estagiários), pela prática de infracções. Algumas delas tipificam factos que em si evidenciam (eles sim e não nenhum discricionário e apriorístico juízo de valor) a falta de idoneidade moral do advogado ou advogado estagiário. Esses factos quando provados, acarretam a aplicação de sanções (por parte da OA) adequadas a salvaguardarem os interesses em causa.

Apesar de ser perfeitamente admissível que a lei27 fixe requisitos subjectivos para o deferimento do direito à inscrição, estes, não obstante terem que ver com a pessoa do candidato, não podem atribuir a qualquer órgão da administração e por maioria de razão no presente caso a um órgão da OA, o poder de levar a cabo uma avaliação absolutamente subjectiva - em clara violação do princípio da adequação - como seja aquela que permitiria determinar que um candidato não possui "idoneidade moral" (o que quer que isso seja!) para ser advogado28.

E que, entenda-se, quando se fala em requisitos subjectivos quer-se dizer que têm a ver com a pessoa do candidato mas que em si mesmos têm que ser passíveis de uma avaliação totalmente objectiva ou, nas palavras de J. Miranda (1988:161), quanto às «restrições inerentes à sua própria capacidade», têm de ser restrições objectivas a um duplo título: como restrições traçadas não em razão de certa e determinada pessoa, mas em razão de uma pluralidade indefinida de

Já que e como se disse só a lei pode definir essas restrições, ou nas palavras de J. Miranda (1988:160) as restrições têm de ser legais, não podem der instituídas por via regulamentaria ou por acto administrativo. 8 É de lembrar que mesmo em relação ao poder regulamentar das Ordens

confrontado com direitos fundamentais e DLG, a posição dos autores é clara na definição dos seus limites ao não admitirem regulamentos autónomos nessas matérias v por ex. Gomes Canotilho&Vital Moreira (1993:154, nota V). Sobre este assunto v. infra pp.25 e ss.

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pessoas; e como restrições apuradas, segundo padrões igualmente objectivos, por órgãos ou agentes independentes.

Neste sentido, as normas legais definidoras das restrições constitucionalmente admitidas em sede de liberdade de escolha de profissão, com a qual neste caso colide a necessidade de inscrição na OA - lembre-se que existe aqui um verdadeiro direito à inscrição - não podem conceder qualquer poder discricionário ao órgão da administração ou, ainda nas palavras de J. Miranda (1994:233, II b)29

a inexistência de poder discricionário (da OA) de recusar a inscrição por parte das ordens profissionais, é conteúdo necessário do direito de pertencer à OA que por sua vez é incindível do dever de inscrição.

Mais evidente se torna este juízo quando se constata que com a aprovação do RCDE de 1990 e posteriormente com o RCDE-2 de 1994, a apreciação dessa "idoneidade moral" caberá num primeiro momento ao patrono, que para tal deve atestá-la num relatório da sua competência - art.s 10°, n° 2 e 14° do RCDE; art.s 10°, n° 2 e 14° do RCDE-2.

Está-se na presença de uma norma legal que remete a definição de um requisito fundamental para o exercício do direito à liberdade de escolha de profissão (o direito à inscrição na associação pública OA já que, como se viu, vigora aqui o regime de inscrição obrigatória), para um juízo totalmente subjectivo a levar a cabo por uma única pessoa -o patrono (potencial concorrente) - que tem como única habilitação para tal o facto de exercer advocacia há pelo menos cinco anos.

Como resulta do que acabei de expor, entendo que o art. 156°, n°l a) do D.L. 84/84 de 16 de Março de 1984 é inconstitucional por violar o regime dos DLG previsto no art. 18°, n° 2 e 47° da CRP, nomeadamente porque não respeita o princípio da proibição de excesso e porque utiliza conceitos indeterminados, absolutamente subjectivos, que delegam no órgão administrativo um poder

' Do mesmo autor e no mesmo sentido v. 1993:51; 1986:87. Ou o parecer da Comissão Constitucional 2/78, ppl79, in Pareceres da Comissão Constitucional, 4o

Vol, INCM 1979. 30 Parênteses meu.

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discricionário violador do regime constitucional dos DLG, desrespeitando assim neste último sentido o princípio da reserva de lei em sede de DLG - art.s 18°, n° 2 e 165, n° 1 b).

O art. 156°, n° 1 a) do EOA sofre portanto de um vício de inconstitucionalidade material por violação dos referidos art.s 18°, n° 2, 47° e 165°, n° 1 a) da CRP.

6. A CONSTITUCIONALIDADE DOS REQUISITOS PARA A INSCRIÇÃO COMO ADVOGADO PREVISTOS NO A R T . 170° DO EOA E NORMATIVOS ANEXOS - O ESTÁGIO DE ADVOCACIA.

Passo agora à análise da segunda questão que me propus abordar ou seja, a constitucionalidade dos requisitos para a inscrição como advogado previstos no art. 170° do EOA e normativos anexos - o estágio de advocacia.

Como supra referi, irei abordar esta temática em relação a quatro períodos de tempo distintos, já que as realidades normativas foram evoluindo importando assim diferentes abordagens.

a) Período compreendido entre a aprovação do DL 84/84 e a aprovação do RCDE em 21.09.90.

Durante este período de tempo o estágio da advocacia como requisito para o deferimento do pedido de inscrição na OA estava regulado, nos seus aspectos essenciais, pelo art. 170° do EOA que por sua vez remetia para os art.s 165° e 166° do mesmo diploma, e pelo Regulamento da Inscrição de Advogados e Candidatos aprovado pelo Conselho Geral em 07.01.1943 (RIAC) e posteriormente pelo Regulamento de Inscrição de Advogados e de Advogados estagiários aprovado pelo Conselho Geral da OA em 07.07.1989 (RIAA).

Destes preceitos resultava um modelo de estágio cujas linhas fundamentais passo a definir

O estágio tinha a duração de 18 meses e compreendia dois períodos distintos.

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O primeiro de três meses, a desenvolver essencialmente junto dos centros distritais de estágio, tendo como objectivo um aprofundamento de natureza essencialmente prática dos estudos ministrados nas universidades e o relacionamento com as matérias directamente ligadas à prática da advocacia - art. 163°, n° 2 EOA; esses objectivos seriam alcançados através da frequência de seminários de natureza prática relacionados com as matérias directamente ligadas à advocacia - art. 165°, n° 1 EOA , seminários esses que poderiam ser de presença obrigatória ou facultativa e davam lugar à redacção de relatórios por parte do estagiário31.

O segundo período de estágio, com a duração de quinze meses -art. 163°, n° 1 do EOA , a decorrer essencialmente no escritório do patrono (continuando no entanto a orientação geral a caber aos serviços de estágio) tinha como objectivo uma apreensão da vivência da advocacia através do contacto pessoal com o normal funcionamento de um escritório - art. 163°, n° 3 do EOA. Na prática consistia no exercício de actos forenses por parte do estagiário, de acordo com a sua competência específica - art. 166°, n° 1 a) e 164° do EOA; na participação nos processos para que tenha sido nomeado defensor oficioso32- art. 166°, n° 1, b) e 167° e 168° do EOA. Competia igualmente ao estagiário a redacção de uma alegação de recurso, a enviar mensalmente para o serviço de estágio respectivo -art. 166°, n° 1, c) do EOA - e apresentar até ao final do segundo período uma dissertação sobre deontologia profissional - art. 166°, n° 1, d) do EOA.

Era um estágio de índole essencialmente informativa, com o objectivo de familiarizar o advogado com os actos mais usuais da prática forense e bem assim, inteirá-lo dos direitos e deveres dos advogados - art. 163°, n° 4 do EOA, que de acordo com o art. 170° fazia depender o deferimento do pedido de inscrição - art. 3o, n° 5 do

31 Os regulamentos dos diferentes centros distritais de estágio definiam o número de presenças obrigatórias para se ter aproveitamento.

Nomeações essas organizadas pelos serviços de estágio, tendo os referidos regulamentos instituído um número mínimo de diligências judiciais por parte do advogado estagiário, incluindo as oficiosas como requisito de aproveitamento.

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RIAA e art. 3o e 5o do RIAC - da prática de um conjunto de actos objectivamente avaliáveis e a um controlo de presenças e empenhamento no mesmo.

Na sua estrutura e objectivos este modelo de estágio constituía uma restrição ao direito de inscrição na associação publica OA. Mas uma restrição que se afigurava perfeitamente compatível com os normativos constitucionais relevantes. Acompanhamos a este respeito Pacheco de Amorim (1992:56) quando defende que o legislador estabeleceu um procedimento administrativo da instrução de estágio adequado, necessário e proporcional ao interesse público em jogo, limitado a um controlo de presença ou de frequência do estagiário no primeiro período, e a uma simples verificação do efectivo exercício da sua competência especifica no segundo período.

b) O período de tempo em que o RCDE, aprovado pelo conselho Geral da OA, esteve em vigor sem que se tenha procedido à alteração do EOA ( Setembro de 1990 a Setembro de 1994).

Dentro do quadro legal acabado de definir que como se viu estatuía um estágio de advocacia conforme à constituição (salvo a cláusula de idoneidade moral aqui já analisada, que no entanto é independente do estágio em si), a OA aprovou em sessão do Conselho Geral de 21-09-90 um regulamento que intitulou Regulamento dos Centros Distritais de Estágio - RCDE -(aparentemente fê-lo ao abrigo do art. 42°, n° 1, e) do EOA, já que o mesmo não faz menção de qual o diploma legal em se fundamenta, violando assim o princípio da precedência da lei art. 112°, n° 8 da CRP)

Nesse regulamento a OA procedeu a profundas alterações ao regime de estágio que se concretizaram no seguinte (mantendo no entanto os outros aspectos já por mim referidos na alínea anterior):

- o objectivo do estágio passou a ser ministrar ao advogado estagiário formação adequada ao exercício da actividade profissional, de modo a que a possa desempenhar de forma

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competente e responsável (art. 3o do RCDE), enunciado que está em contradição com o art. 163°, n° 4 do EOA;

- introduziu um teste escrito obrigatório, no final do primeiro período de estágio, sujeito a classificação de zero a vinte sem o qual se considerará prejudicada a frequência do curso de estágio e impedido o acesso ao segundo período de formação (art. 7o, n° 1 do RCDE);

- instituiu a figura de um relatório, parecer e atestado (Sic!) da responsabilidade do patrono, em que este apreciará a idoneidade moral, ética e deontológica do estagiário para o exercício da profissão (art.s 10°, n° 2 e 14° do RCDE) e a sua aptidão para o exercício da mesma, constituindo esse relatório um dos elementos a considerar para a informação final nos termos do art. 16° do RCDE;

- criou a prova final de estágio, que consiste numa entrevista pessoal aos advogados estagiários a efectuar por uma comissão (composta por três advogados nomeados anualmente pelo Conselho Distrital), destinada a esclarecer eventuais questões surgidas pelos trabalhos apresentados pelo estagiário e ocorrências e a apurar a preparação do estagiário para o exercício da profissão, numa perspectiva de conhecimento das regras deontológicas que a regem (art. 16° do RCDE).

Dá-se portanto uma alteração total da lógica, estrutura e funções do estágio33.

Ao introduzir uma avaliação eliminatória por teste escrito a OA, criou um conjunto de requisitos subjectivos a preencher pelo candidato que, ao contrário dos definidos pelo EOA (que recorde-se é um decreto-lei) não são de avaliação objectiva mas antes susceptíveis de uma avaliação totalmente subjectiva e discricionária (por parte do patrono ou por parte da comissão final de avaliação).

A OA partiu do pressuposto discutível mas assumido de que a licenciatura em Direito, só por si, não chega, para se poder exercer responsavelmente a advocacia (Io

parágrafo preâmbulo do RCDE). Perspectiva esta que já há algum tempo era defendida por alguns responsáveis da OA, v A. Arnaut (1992:101, nota 2 ao art. 170a)

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A OA criou um estágio de advocacia que, enquanto requisito para a inscrição na ordem, deixou de ser informativo para ser eliminatório.

É um regulamento que, de per si, contrariando e desrespeitando preceitos legais, vem definir restrições a um DLG - o direito à liberdade de escolha de profissão - que como referi, em sede de associações públicas com regime de inscrição obrigatória, como é a OA, se traduz mesmo num verdadeiro direito à inscrição (como contrapartida da obrigatoriedade da inscrição para o legal exercício da actividade de advogado).

Independentemente do respeito ou não pelos limites materiais das normas restritivas de um DLG sob reserva de lei restritiva (assunto que se irá desenvolver na alínea seguinte, referindo-me aí a normas formalmente distintas mas materialmente muito idênticas) importa desde já analisar uma questão prévia e que é esta: pode a OA através de um regulamento do seu Conselho Geral estabelecer normas restritivas de um direito liberdade e garantia, independentemente da existência de uma norma legal precedente e mesmo contra ela? Ou, por outras palavras poderão existir regulamentos autónomos em sede de DLG 34?

A minha resposta é clara e em sentido negativo, acompanhando aliás toda a doutrina que em sede de regime de restrições aos DLG previsto no art. 18°, n° 2 da CRP, defende que é aos actos legislativos que compete estabelecer uma regulamentação suficiente determinada e densa, incidente sobre os aspectos essenciais das restrições, ficando excluída a possibilidade de regulamentos independentes ou autónomos, Gomes Canotilho (1998:1145), também nas palavras de Vital Moreira (1997a: 189), com efeito, uma interpretação conjugada dos art.s 164° e 165° com o art. 112° da CRP não consente outra interpretação que não seja a de que em matéria de reserva de lei ou de competência legislativa não há lugar para "regulamentos autorizados", nem a favor do governo nem a favor de autarquias locais ou institucionais ou ainda nas palavras de Gomes

34 Sobre a problemática da admissibilidade dos regulamentos autónomos em geral, questão muito controversa, v. Gomes Canotilho (1998:735ss).

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Canotilho&Vital Moreira (1993:154, nota V) garante-se assim que os direitos, liberdades e garantias não ficam à disposição do poder regulamentar da administração e que o seu regime há-de ser definido pelo próprio órgão representativo, e não pelo governo (salvo autorização) e muito menos, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais, ou pelas entidades públicas dotadas de poder de auto-regulação. Em matéria de direitos, liberdades e garantias não há lugar para regulamentos autónomos.

Como se pode constatar, o RCDE é em si mesmo inconstitucional por força da violação das normas constitucionais consagradoras do regime de restrição dos DLG - art. 18°, n°s.2 e 3 e art. 165°, n° 1, b) da CRP - que apenas permitem que tais restrições quando adequadas, necessárias e proporcionais sejam definidas por lei ou DL autorizado - princípio da reserva de lei restritiva - havendo lugar quando muito a regulamentos executivos .

Poderá mesmo acrescentar-se que por maioria de razões em sede de associações públicas, essa reserva de lei deve ser ainda mais respeitada, já que e mais uma vez nas palavras de Vital Moreira (1997a: 190) no caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é justamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral contra o perigo de uma regulamentação corporativista, como parece ser precisamente o caso.

Em conclusão e independentemente de qualquer apreciação em termos de adequação de regime definido no RCDE com a CRP, e mesmo com o EOA, as razões apontadas não deixavam dúvidas quanto à inconstitucionalidade das alterações introduzidas pelo RCDE. Um pouco a custo36 é verdade, e algo tardiamente, a própria O A assumiu isso mesmo já que promoveu alterações no EOA nesse sentido, como se irá ver.

35 A esta mesma conclusão já tinha chegado Pacheco de Amorim (1992:71ss.). 36 Já que uma das razões invocadas em 1992 pela ANAE era precisamente a inconstitucionalidade do RCDE.

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c) O enquadramento normativo actual com a nova redacção doEOA edoRCDE-2.

Em Setembro de 1994 por iniciativa da OA, a Assembleia da República aprovou a Lei 33/94 que veio alterar (naquilo que aqui me interessa) : o art. 170° do EOA, passando a ter a seguinte redacção: a inscrição como advogado depende do cumprimento das obrigações de estágio com a classificação positiva nos termos do regulamento dos Centros Distritais de Estágio; o art. 42°, e) referente às competências regulamentares do Conselho Geral da OA.

Em relação às normas do EOA referentes ao estágio, sua estrutura, fins e objectivos, nada mais foi alterado mantendo-se em vigor os art.s 165° e 166° do EOA .

No entanto (confirmando as objecções levantadas na alínea anterior) a Lei 33/94 aprovou ela própria o Regulamento dos Centros Distritais de Estágio da Ordem dos Advogados (RCDE-2)37 38.

Este regulamento, que assume agora a forma de lei, consagrou todas as principais alterações que já constavam do RCDE aprovado pelo Conselho Geral da OA de 1990 (v. alínea anterior) com algumas nuances no entanto:

7 É de realçar no entanto que, durante o período decorrido entre Outubro de 1990 e Setembro de 1994 a OA, na minha opinião em clara violação da CRP (os factos posteriores falam por si), aplicou o RCDE e com fundamento nele recusou a inscrição definitiva a vários advogados estagiários o que para uma associação pública, constituída ela própria por juristas e que tem como um dos principais fins Defender o Estado de direito e os direitos e garantias individuais e colaborar na administração da justiça (art. 3o, n°l a) do EOA) é no mínimo estranho, tanto mais que já em 1992 a ANAE tinha colocado precisamente esta questão perante os órgãos legítimos da OA.

Se me é permitido um desabafo, penso que foi por ter consciência disto mesmo que a OA não recusou a inscrição definitiva das dezenas de advogados estagiários que, nos cursos de estágio de 1992 e 1993, por se recusarem a responder às questões que não tinham a ver com a deontologia profissional nos exames de final do primeiro período de estágio tiveram na melhor das hipóteses quatro valores (cotação das perguntas sobre deontologia profissional) em vinte.

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- ao nível dos objectivos de estágio, o actual art. 3o do RCDE -2 tem a mesma redacção do anterior ou seja ministrar ao advogado estagiário formação adequada ao exercício da actividade profissional, de modo a que a possa desempenhar de forma competente e responsável (art. 3o do RCDE, art. 3o do RCDE-2) artigo que está em contradição com o art. 163°, n° 4 do EOA;

- introduziu um teste escrito obrigatório sujeito a classificação de Muito bom, Bom, Suficiente e Medíocre, a efectuar no final do primeiro período de estágio, em que se assume abertamente que a falta ao teste ou a classificação de Medíocre, global ou apenas na área de deontologia, impedem o acesso ao segundo período de formação - art. 7o, n°s 1 e 3 do RCDE-2;

- manteve a figura do relatório, parecer e atestado (Sic !) a elaborar pelo patrono em que este apreciará a idoneidade moral, ética e deontológica do estagiário para o exercício da profissão (art.s 10°, n°2 e 14° do RCDE-2) e a sua aptidão para o exercício da mesma como elemento a considerar para a informação final nos termos do art. 14° do RCDE-2;

- criou a figura da prova final de agregação perante um júri (composto por três advogados nomeados anualmente pelo Conselho distrital, podendo incluir juristas de reconhecido mérito) que fará uma apreciação global do relatório e trabalhos de estágio e avaliará uma exposição oral a cabo do advogado estagiário dentro de várias áreas jurídicas - art. 17° do RCDE-2 -, classificando essa prova com Muito bom, Bom, Suficiente e Medíocre. Classificação esta que integrará a informação final de estágio - art. 19° RCDE-2.

Está-se perante um modelo de estágio assumidamente eliminatório, em que se vão avaliar e classificar em dois momentos diferentes os conhecimentos científicos do candidato - art. T e 17° e 18°, n° 4 do RCDE-2.

Paralelamente, foi mantido o relatório - arts 10°. n° 2 e 14° RCDE-2 - do patrono na área da aptidão do estagiário para o exercício da advocacia (em relação à questão da avaliação da "idoneidade moral " penso já ter esclarecido a minha perspectiva, v. ponto 5; as soluções aí defendidas aplicam-se ipsis verbis a este novo regulamento, já que o

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regime dos DLG se aplica de igual forma, independentemente da restrição ser definida por lei ou DL).

Está hoje em vigor, portanto uma lei que, ao aprovar o RCDE-2, definiu o regime legal de restrição do DLG - liberdade de escolha de profissão - art. 47° da CRP.

Resta-me portanto confrontar este regime legal com os requisitos constitucionalmente definidos para as normas legais de restrição de DLG sob reserva de lei restritiva que, como já referi, é o presente caso - art. 47°, n° 1 in fine da CRP.

Posso afirmar que neste novo quadro normativo não restam dúvidas de que o primeiro requisito - o formal - está preenchido, as restrições estão agora definidas numa norma com valor de lei, uma lei da A.R. A este nível não se colocam as objecções da alínea anterior.

Problema bem diferente é o de saber se estes preceitos legais respeitam os limites e requisitos materiais das normas legais restritivas de DLG, mesmo nos casos de DLG sob reserva de lei.

Reafirmando aqui o que já foi referido nos pontos 4 e 5 deste trabalho, começarei por definir o âmbito de protecção da norma do art. 47° e, escusando-me de repetir o que aí defendi, relembro apenas que concluí que: o direito à liberdade de escolha de profissão em sede de associações públicas, com regime de inscrição obrigatória, como é o caso da OA (art. 53° do EOA), atribui um verdadeiro direito à filiação aos interessados, direito esse que não pode ser recusado salvo por razões previstas na lei e constitucionalmente autorizadas e conformes.

Recordando J. Miranda (1988:157), a liberdade de profissão atinge o seu máximo de intensidade nas chamadas profissões livres ou profissões cujo exercício implica a liberdade individual e colectiva concernente ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente elevadas. Assim será necessário identificar quais são os valores a salvaguardar com essas restrições. Neste caso, a própria constituição os refere e são eles o interesse colectivo e razões inerentes à sua própria capacidade - art. 47°, n° 1 in fine da CRP.

Em sede de OA, não nos podemos esquecer que, para essa salvaguarda, já foi instituída a obrigatoriedade de possuir licenciatura

39 Mais uma vez se segue de perto Gomes Canotilho (1998: 437ss,1121ss).

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em direito como requisito de inscrição40 - art. 161° do EOA. Este requisito - que em si é já uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão - como se concluiu respeita o princípio da proibição do excesso - art. 18°, n° 2 da CRP - já que a OA aí se limita a conferir os documentos apresentados pelo candidato (v. nota 24, página 14).

Entendo assim não ser necessário, para a salvaguarda desses mesmos interesses, restringir uma segunda vez o mesmo DLG.

A acrescer a esta consideração, devo referir que o meio encontrado pelo legislador não é adequado nem proporcional. Ao introduzir a possibilidade de a OA (que, não se esqueça, é um órgão da administração) poder reavaliar41 (sem que para tal esteja técnica, institucional e cientificamente preparada) as aptidões científicas dos candidatos , o legislador está a violar o princípio da proibição do excesso.

Por outro lado ao atribuir um poder discricionário à administração, que como se analisou é em si mesmo inconstitucional, viola também o princípio da reserva de lei restritiva em sede de DLG - art.s 18°, n°2 e 165°, n° 1, a) da CRP.

Menos necessário se torna esta restrição, quando existem outros meios mais conformes com o direito de inscrição (em último termo, com o próprio direito à liberdade de escolha de profissão), já consagrados pelo legislador e que, com maior proporcionalidade e adequação, permitem salvaguardar essas situações.

São eles o poder disciplinar atribuído à OA de, perante actos praticados pelos estagiários, evidenciadores dessas insuficiências

Não esquecendo nunca que o dever de inscrição obrigatória é já uma restrição a um DLG, v ponto 4.

Classificando os advogados estagiários e impedindo a sua inscrição, caso tenham nota negativa, art.s T e 19° do RCDE-2:

Tais habilitações já lhes foram concedidas pelas instituições universitárias do estado (ou as por ele reconhecidas), estas sim intrinsecamente adequadas para ministrarem os referidos conhecimentos e os avaliarem com legitimidade científica e técnica. 43 Em último, termo dá-se o caso de um órgão do estado pôr em causa um acto de outro órgão do estado.

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inerentes à sua própria capacidade, tomar as medidas adequadas à sua salvaguarda44.

Neste mesmo sentido entendo que estrutura do próprio estágio, nomeadamente o curto período de três meses (primeiro período de formação), preenchido pela frequência de alguns seminários de cariz essencialmente prático (como é enfatizado pela própria OA), ministrados por juristas, 46 não é o meio adequado a suprir eventuais insuficiências de formação. E muito menos a ponto de a lei atribuir à OA o poder de avaliar (com possibilidade de eliminação, recusando assim a sua inscrição) candidatos que durante pelo menos cinco anos frequentaram instituições de ensino para cientificamente estarem habilitados a exercerem uma profissão jurídica.

De igual modo, o segundo período de estágio - 15 meses a desenvolver a actividade forense47 - não consubstancia o enquadramento idóneo à elaboração de uma (ainda que pequena) dissertação sobre um qualquer tema jurídico, a avaliar nas provas de agregação, que são eliminatórias .

44 Pode mesmo questionar-se porque é que a OA, perante as grandes reformas que sistema jurídico sofreu, nomeadamente no pós 1974, mas principalmente a partir da segunda metade da década de 80 (exs. C.Penal, C.P.Penal, C.P.Civil, C.P.Tributário, C.Procedimento Administrativo; etc.) só se preocupa com a insuficiente preparação dos advogados estagiários (que na maioria dos casos e por terem frequentado os cursos há menos tempo estão "actualizados") e já não com outros que exercem há muitos anos, deparando-se com estas "novidades". 45 Cursos estes de formação generalista (v. o número de disciplinas ministradas) quando cada vez mais se impõe, pelas exigências naturais de um sistema jurídico complexo, um novo modelo de advogado altamente especializado, integrado numa sociedade de advogados, essa sim com condições de ser multidisciplinar e prestar os serviços jurídicos exigidos. Tal especialização, apesar de não ser reconhecida pela OA existe de facto. No entanto e contraditoriamente, a ordem reconhece como especialistas os seus formadores. 46 Juristas estes cuja especial habilitação para o efeito é exercerem advocacia há 5 anos. 47 Actividade resultante das nomeações oficiosas, do acompanhamento do patrono ou daquelas que ele próprio consiga contratar ou lhe sejam propiciadas pelo patrono. 48 Avaliação levada a cabo por juristas cuja especial habilitação ( volto a repeti-lo) é exercerem advocacia há x anos e que são potenciais concorrentes no mercado de trabalho, logo também interessados no resultado da avaliação que fazem.

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Entendo portanto que o RCDE-2 viola gritantemente o princípio da proibição do excesso e o princípio da reserva de lei restritiva em sede de DLG - art. s 18° , n° 2 e 165°, n° 1, b) da CRP - incorrendo assim numa clara inconstitucionalidade4 .

Em último termo, creio mesmo poder afirmar que estamos perante um daqueles casos em que o legislador, tendo em conta o quadro legal mencionado, põe em causa a salvaguarda do alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art. 18°, n° 3 da CRP) do direito à liberdade de escolha da profissão5 .

d) Breve nota sobre a proposta de alteração ao EOA em discussão na própria OA.

Uma última referência às linhas de orientação da OA para o futuro, que se depreendem da proposta de alteração do EOA em discussão no seio daquela. .

Em matéria de requisitos de inscrição, a proposta da OA pretende ir mais longe já que, deseja que lhe seja atribuído o poder de "acreditar" quais os cursos em direito idóneos para o acesso à profissão. Na minha opinião e apesar de ter consciência de que algumas situações análogas já existem na nossa ordem jurídica, considero esta solução como totalmente desproporcionada e muito perigosa, já que instituiria um maltusianismo profissional .

A concepção do estágio manter-se-ia igual à anterior -eliminatório, discricionário e restritivo - com algumas alterações porém ao nível da sua estrutura interna.

V. as preocupações algo coincidentes com esta conclusão em Vital Moreira (1997c:21, alíneas 1) em)) . 50A conclusão idêntica já tinha chegado Pacheco de Amorim (1992:66) em relação ao RCDE, diploma normativo muito semelhante ao actual mas menos gravoso em alguns aspectos. 51 A proposta na qual me baseei para as considerações seguintes foi aprovada em Conselho Geral da OA e está agora a ser sujeita a discussão interna, podendo obviamente vir ainda a sofrer alterações. Daí a relatividade dos comentários que apresento. 52 V. neste mesmo sentido Vital Moreira (1997c:21).

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O primeiro período passaria a ter a duração de seis meses cujo objectivo seria agora a formação profissional teórica (o que me parece um contra-senso, abandonando a propalada necessidade de ministrar os conhecimentos práticos, tão necessários e não apreendidos nas faculdades), ministrada pelos formadores, seguindo-se um exame eliminatório.

O segundo período, agora de doze meses, manteria as mesmas características culminando com as provas de agregação.

Ao nível institucional prevêem-se algumas alterações, com a criação no seio da OA de um Instituto Coordenador do Acesso à Profissão responsável pelo estágio, e de Centros de Formação Profissional ao nível dos Centros Distritais da OA .

Quanto à questão da cláusula de idoneidade moral, como requisito prévio de inscrição, mantém-se tal condição apesar de uma pequena nuance (no sentido aliás das objecções por mim colocadas no ponto 5 deste trabalho): a sua verificação far-se-á em processo próprio que seguirá os termos do processo disciplinar, com as necessárias adaptações. Esta alteração constitui um passo no bom caminho, mas continuo a considerar que a referida cláusula é inconstitucional. A solução será, a meu ver, dentro do regime já existente, que as situações relevantes neste contexto sejam unicamente avaliadas em sede de processo disciplinar por eventual infracção cometida por parte do advogado estagiário (e não através de uma avaliação prévia, hipotética ou intencional).

Em resumo, tendo em conta as alterações propostas, a situação tende a evoluir para um quadro normativo ainda mais dúbio em termos de conformação constitucional.

7. CONCLUSÃO

Termino, citando Vital Moreira (1997c: 1), no século XVIII os advogados de Nova York decidiram não admitir mais estagiários durante 14 anos, excepto os seus próprios filhos.

53 Prevê-se mesmo a hipótese de a OA, poder autorizar Faculdades de Direito a ministrar cursos de formação profissional (Sic!).,

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À porta do século XXI os advogados portugueses, organizados na associação pública Ordem dos Advogados, com a conivência activa e/ou passiva do legislador e dos outros órgãos do estado, perante o excesso de licenciados (nunca invocado e referido) e as condições do mercado de trabalho, pretendem que lhes seja atribuído, em absoluto, o poder discricionário de definir quem pode ser advogado. Porque são advogados, sentem-se legitimados (só por esse facto) e com capacidade para aferir as qualidades morais e científicas dos jovens licenciados em direito ( nos cursos credenciados pela OA).

A meu ver esta é uma situação que não se pode aceitar-se. Não se esqueça que existe uma relação ambivalente entre a administração autónoma e os direitos fundamentais. Por uma lado, a administração autónoma pode ser instrumento de realização de direitos fundamentais, como sucede por exemplo com a autonomia das universidades, que constitui uma garantia de liberdade de ensino e de investigação. Por outro lado, porém, os direitos fundamentais podem ser uma garantia individual contra os poderes das instâncias de administração autónoma; por exemplo, a liberdade de profissão e liberdade económica contra as ordens profissionais ou câmaras de comércio e indústria (Vital Moreira, 1997a:231).

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O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS: PERSPECTIVA HISTÓRICA E ACTUAL

JOAQUIM ALBERTO NEIVA DOS SANTOS joaquim,[email protected]

PAULO JORGE FREITAS DA NAIA paulo,naia@isca,ua.pt

ASSISTENTES DO I. S. C.A.A.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 2. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS 2.1. A EVOLUÇÃO DAS NORMAS DE RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS 2.2. A SITUAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA 2.2.1. O S.F.A.S. N.° 14, "FINANCIAL REPORTING FOR SEGMENTS OF A BUSINESS ENTERPRISE" 2.2.2. O S.F.A.S. N.° 131, "DISCLOSURES ABOUT SEGMENTS OF AN ENTERPRISE AND RELATED INFORMATION" 2.3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS NO JAPÃO 2.4. O CONTRIBUTO DO INTERNATIONAL ACCOUNTTNG STANDARDS COMMITTEE 2.4.1. A N.I.C. 14, "O RELATO DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA POR SEGMENTOS", DE AGOSTO DE 1981 2.4.2. A N.I.C. 14, "RELATO POR SEGMENTOS", REVISTA EM 1997 2.5. A SnuAÇÃo NA EUROPA 2.5.1. As DiRECTrvAS DA UNIÃO EUROPEIA 2.5.2. O REINO UNIDO 2.6. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS EM PORTUGAL 3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS E A CONTABILIDADE DE GESTÃO 4. NOTAS RECAPITULATE/AS E DE CONCLUSÕES BIBLIOGRAFIA

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

1. INTRODUÇÃO

O relato financeiro por segmentos e a divulgação de informação sobre diferentes produtos ou serviços e sobre diferentes áreas geográficas exploradas por uma entidade são um desenvolvimento recente no âmbito da contabilidade financeira.

Durante a década de 60 ocorreram diversas concentrações de actividades empresariais, as quais originaram empresas de grande dimensão e com negócios diversificados. Algumas destas empresas, na tentativa de informar com maior grau de segurança e de credibilidade os diversos utilizadores da informação financeira produzida, nomeadamente os efectivos e os potenciais detentores de capital, passaram a divulgar, nos seus relatórios anuais, informação financeira por segmentos. Tal facto ocasionou o despontar do problema que mereceu de imediato o interesse dos organismos nacionais de normalização contabilística, essencialmente nos países anglo-americanos onde as questões relacionadas com a contabilidade e a auditoria se encontravam bastante desenvolvidas, e do International Accounting Standards Committee (I.A.S.C).

O presente estudo visa analisar as questões relacionadas com o relato financeiro por segmentos nos seus aspectos mais actuais, através da análise das normas mais recentes nesta matéria emitidas por alguns dos organismos de normalização e de harmonização contabilística mais representativos a nível internacional, bem como pelo organismo normalizador português - a Comissão de Normalização Contabilística (C.N.C.).

2 . 0 RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS

Algumas empresas de grande dimensão têm vindo a passar, desde a década de 60 até à década actual, por processos complexos de diversificação, tanto em termos de produtos ou de serviços, como em termos geográficos. As concentrações de actividades empresariais estão na ordem do dia, e se apesar de, em Portugal, a sua importância

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ser reduzida, face à existência de poucas empresas com dimensão interessante, a nível internacional a situação é completamente diferente. As fusões por absorção ou por constituição de novas empresas, bem como as aquisições de partes de capital em filiais, têm originado o aparecimento de empresas e de grupos multinacionais. Nestas entidades colocam-se problemas de transparência e de adequabilidade das demonstrações financeiras, pois as respectivas actividades estão associadas a diferentes produtos ou serviços e a diferentes áreas geográficas com retornos, riscos e perspectivas de crescimento diferentes. Deste modo, torna-se importante a divulgação de informação financeira por segmentos com o objectivo de fornecer, aos detentores de capital e aos outros utilizadores da informação financeira, bases de suporte para as suas tomadas de decisão.

2.1. A EVOLUÇÃO DAS NORMAS DE RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS

Para Radebaugh (Choi, 1996: pág. 19-2), quando estamos perante uma empresa ou um grupo multinacional, existe uma grande variedade de grupos de interesse e de pressões que influenciam de alguma forma a gestão e as necessidades de divulgação de informação financeira de tal entidade. Esses grupos de interesse podem ser observados na figura abaixo.

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

Figura 1: Grupos de interesse e pressões sobre a divulgação de informação financeira das multinacionais.

Organizações internacionais de comércio

Organizações internacionais inter-governamentais

PAIS de ORIGEM: Influências nacionais

Organizações internacionais de negócio, bancárias e

financeiras

Fonte: Radebaugh, em Choi, 1996: pág. 19-2.

PAÍSES ESTRANGEIROS: Influências nacionais

Organizações internacionais de profissionais de contabilidade

Investidores internacionais, analistas financeiros e mercados

de capitais

Apesar de existirem grupos de interesse diferentes que influenciam o nível de divulgação de informação financeira das empresas ou dos grupos multinacionais, o certo é que existem dois deles que se revelam como sendo mais influentes - os investidores e os governos.

O maior ímpeto na divulgação de informação financeira por segmentos verificou-se essencialmente pelas crescentes exigências de informação por parte dos mercados de capitais. Durante as décadas de 50 e de 60, os analistas financeiros começaram a experimentar necessidades crescentes de informação sobre as empresas em análise sempre que estas adquiriam áreas de negócio diferentes relativamente ao seu negócio original ou à medida que se internacionalizavam. Para suprir tal lacuna aconselhava-se como conveniente a desagregação da informação financeira pelas diferentes áreas de negócio, pois permitia aos investidores predizer, com maior segurança, o retorno e o risco das empresas.

Por sua vez, os governos têm assumido, nesta matéria, influências variadas. Em países com economias altamente desenvolvidas e em que abundam as empresas de dimensão global, como por exemplo os Estados Unidos da América (E.U.A.), os

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governos, a par dos organismos profissionais, têm emitido normas no sentido de regular a forma como deve ser divulgada a informação financeira produzida por aquelas empresas. Por outro lado, os governos influenciaram organizações supranacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (O.N.U.) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (O.C.D.E.), a debruçar-se e a emitir normas sobre esta matéria.

Nos E.U.A., o movimento tendente à desagregação da informação financeira com vista à sua divulgação por segmentos experimentou um crescimento acelerado a partir da década de 60, como já referimos. Nessa época, com várias concentrações de actividades empresariais em curso, verificou-se uma grande discussão sobre a inadequabilidade das demonstrações financeiras existentes e das respectivas normas de preparação face à situação então vivida e às crescentes necessidades de informação por parte dos mercados de capitais. Assim, foram desenvolvidas consultas por parte do governo e dos organismos profissionais no sentido de determinar qual o tipo de informação financeira necessária para avaliar o desempenho das empresas originadas pelas concentrações de actividades empresariais. Paralelamente, desenvolveram-se estudos sobre a mesma matéria por parte de instituições privadas. Neste âmbito tiveram especial relevância os estudos de R. Mautz1 e de M. Backer e R. McFarland2. Ambos os estudos foram efectuados com o objectivo de determinar as vantagens e as desvantagens associadas à divulgação de informação financeira por segmentos, tendo sido supervisionados por bancos, analistas e consultores financeiros. Estes estudos formaram a base empírica para a discussão sobre as normas reguladoras desta matéria.

A globalização crescente da economia conduziu a que, de igual forma, os governos e diversas organizações supranacionais sentissem necessidade deste tipo de informação financeira tendo em vista a

Publicado em 1968 pela Financial Executives Research Foundation com o título "Financial Reporting by Diversified Companies".

Publicado em 1968 pelo Institute of Management Accountants com o título "External Reporting for Segments of a Business".

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tomada de decisões numa base racional. Deste modo, a O.N.U., a O.C.D.E. e a União Europeia (U.E.) passaram a interessar-se por esta matéria. A preocupação destas organizações resulta do impacto provocado nas economias de diversos países pelas actividades das empresas e dos grupos multinacionais. Tais actividades podem ter efeitos a vários níveis, designadamente, na balança de pagamentos de cada um dos países, no crescimento económico dos mesmos e no respectivo nível de emprego. Sabemos, também, que o fluxo de trocas de mercadorias ocorre através das exportações e das importações, enquanto que o fluxo de capitais deriva dos investimentos e dos retornos por estes proporcionados, nomeadamente, pela via de dividendos e de lucros, de "royalties" e de honorários. Todas estas questões levaram os governos e as organizações supranacionais a ver com bons olhos a divulgação de informação financeira por segmentos, essencialmente, por parte das empresas e dos grupos multinacionais, pois esta informação permite obter dados relevantes para a sustentação ou para a modificação de políticas económicas.

2.2. A SITUAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Em 1967, o Accounting Principles Board (A.P.B.) Statement n.° 2, "Disclosure of Supplemental Financial Information by Diversified Companies", do American Institute of Certified Public Accountants (A.I.C.P.A.), recomendava a divulgação voluntária de informação financeira por segmentos. Em 1969, uma norma da Securities and Exchange Commission (S.E.C.)3, aplicável às empresas com títulos

3 As funções básicas da S.E.C, são as seguintes: - estabelecimento de regras para o cumprimento das leis federais relativas à

emissão e à circulação de títulos, fazendo uso da delegação conferida pelo Congresso a este respeito;

- interpretação e execução dos aspectos informativos das "securities laws" em duas direcções importantes: estabelecendo declarações normalizadoras (Accounting Series Releases (A.S.R.)) para a preparação e a apresentação de demonstrações financeiras despachando de forma institucionalizada as consultas que possam ser realizadas pelos interessados e que sejam relativas às competências da S.E.C.;

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cotados, previa a divulgação de informação financeira para todos os negócios que, nos cinco anos mais recentes, tivessem representado pelo menos 10% das vendas ou do resultado antes de impostos e do resultado extraordinário da respectiva empresa. Em 1973 surgiram novas pressões sobre a necessidade deste tipo de informação e em 1974, por imposição da New York Stock Exchange (N.Y.S.E.), a informação financeira por segmentos passou a ser divulgada nas demonstrações financeiras anuais das empresas. Nessa época, o Financial Accounting Standards Board (F.A.S.B.) iniciou os estudos preparatórios relativos a esta matéria que conduziram à emissão, em Dezembro de 1976, do Statement of Financial Accounting Standards (S.F.A.S.) n.° 14, "Financial Reporting for Segments of a Business Enterprise".

2.2.1. O S.F.A.S. N.° 14, "FINANCIAL REPORTING FOR SEGMENTS OF A BUSINESS ENTERPRISE"

Esta norma aplicava-se a todas as empresas com títulos cotados, ou seja, a todas as empresas que estivessem sujeitas a preparar e a divulgar a informação financeira de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites nos E.U.A.

De acordo com esta norma, as demonstrações financeiras das empresas deviam divulgar informação sobre:

- operações em diferentes indústrias; - operações com o exterior e exportações; e - maiores clientes.

A referida norma, no ponto lO.a, definia como segmento industrial qualquer componente da empresa que se ocupasse de um produto ou de um serviço ou de um grupo de produtos ou de serviços relacionados destinados principalmente a clientes que não fossem

- investigação das possíveis violações das leis e das suas regras de aplicação; e

- início dos processos formais contra a fraude ou contra as violações indicadas.

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filiais da empresa e que contribuíssem para o seu resultado. Para determinar os segmentos relatáveis podiam ser utilizados os

seguintes factores:

- a natureza dos produtos; - a natureza dos processos produtivos; - os mercados; e - os processos de "marketing" utilizados.

Para seleccionar os segmentos relatáveis, esta norma fixava como requisito prévio que a maioria do rédito do segmento fosse obtida através de vendas efectuadas a clientes que não fossem filiais da empresa. Para isso estabelecia os seguintes testes alternativos:

- o rédito do segmento (incluindo as vendas entre segmentos) devia ser pelo menos igual a 10% do rédito total; ou

- a quantia absoluta do resultado operacional do segmento devia ser pelo menos igual a 10% da quantia absoluta mais elevada: - do lucro operacional de todos os segmentos com lucros; ou - do prejuízo operacional de todos os segmentos com prejuízos; ou

- os activos do segmento deviam ser pelo menos iguais a 10% dos activos totais.

Uma vez identificados os segmentos relatáveis, realizar-se-ia um teste adicional. Este teste consistia em verificar se a soma dos réditos obtidos com as vendas efectuadas a clientes que não fossem filiais da empresa em todos os segmentos considerados correspondiam a pelo menos 75% dos réditos análogos totais. Caso tal não acontecesse, identificar-se-iam outros segmentos até aquela percentagem ser atingida. Ainda que não existisse um limite para o número de segmentos relatáveis, o S.F.A.S. n.° 14 sugeria que não fossem identificados mais de dez segmentos.

No que respeita à informação financeira por segmentos geográficos, esta era prestada por origem. Para determinar os

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segmentos relatáveis podiam ser utilizados os seguintes factores: - semelhança de condições económicas e políticas; - proximidade; - afinidades económicas; - semelhança no ambiente envolvente da actividade empresarial;

e - natureza, escala e grau das relações entre unidades

operacionais actuando em diferentes países.

Para seleccionar os segmentos relatáveis, esta norma estabelecia os seguintes testes:

- o rédito do segmento (excluindo as vendas entre segmentos) devia ser pelo menos igual a 10% do rédito consolidado; ou

- os activos do segmento deviam representar pelo menos 10% dos activos consolidados.

Relativamente à informação sobre os maiores clientes, a norma apontava para que se pelo menos 10% do rédito da empresa derivasse de vendas efectuadas a um cliente, a um conjunto de agências governamentais nacionais ou a um conjunto de entidades governamentais estrangeiras, a empresa devia divulgar esses clientes bem como os réditos gerados com os mesmos.

Em 1996 encontrava-se em estudo uma nova norma com o objectivo de melhorar a informação financeira por segmentos. Tal estudo conduziu à emissão, em Junho de 1997, do S.F.A.S. n.° 131, "Disclosures about Segments of an Enterprise and Related Information".

2.2.2. O S.F.A.S. N." 131, "DISCLOSURES ABOUT SEGMENTS OF AN ENTERPRISE AND RELATED INFORMATION"

O S.F.A.S. n.° 131 aplica-se a todas as empresas com títulos cotados, mas é suficiente apresentar a informação financeira por segmentos no âmbito das demonstrações financeiras consolidadas.

Esta norma apresenta uma mudança significativa no que se

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refere ao modo como devem ser reconhecidos os segmentos, pois impõe que a segmentação se concretize de acordo com uma base única seguindo a estrutura organizacional interna da empresa definida pelo órgão de gestão de modo a tomar as decisões operacionais. Este procedimento de identificação dos segmentos configura aquilo que a norma designa de segmentos operacionais, devendo a empresa prestar, sobre eles, determinadas informações.

Um segmento operacional é uma área da empresa que se caracteriza por:

- estar envolvida em actividades das quais obtém proveitos e incorre em custos, incluindo vendas com outras áreas da empresa;

- o seu resultado ser regularmente supervisionado pelo responsável pela atribuição de recursos ao segmento; e

- dispor de informação financeira.

Assim, nem todas as áreas da empresa devem ser consideradas como segmentos operacionais. Para efeitos de preparação e de apresentação de informação financeira por segmentos é permitida a agregação de duas ou mais áreas num só segmento sempre que se cumpram determinados requisitos. Do mesmo modo, as três características anteriores podem determinar que toda a empresa seja considerada como um único segmento.

Para seleccionar os segmentos relatáveis, a norma estabelece testes de materialidade semelhantes aos previstos no S.F.A.S. n.° 14 para os segmentos industriais.

Para cada segmento operacional devem ser divulgadas as seguintes informações:

- informação geral que descreva os factores utilizados para a sua selecção bem como os produtos e os serviços que geram os seus proveitos;

- informação sobre o resultado e os activos do segmento; e - reconciliação dos proveitos, do resultado, dos activos e de

qualquer outra informação significativa do segmento com os

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valores totais.

As divulgações abrangem igualmente: - os proveitos derivados de vendas a clientes que não sejam

filiais da empresa por cada tipo de produtos, de serviços ou grupos afins; e

- os proveitos derivados de vendas a clientes que não sejam filiais da empresa por mercados interno e externo.

Tal como o S.F.A.S. n.° 14, esta norma exige informação sobre os maiores clientes.

2.3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS NO JAPÃO

Embora as empresas japonesas possuam características muito próprias ao nível da gestão e do mercado de capitais, as mesmas são muito dinâmicas no que respeita à internacionalização das suas actividades. Este facto leva-nos a referir o posicionamento deste país nesta matéria.

O organismo normalizador japonês - o Business Accounting Deliberation Council (B.A.D.C.) - emitiu, em 1988, uma norma sobre relato financeiro por segmentos que começou a produzir efeitos a partir de 1990.

Esta norma exige a divulgação das vendas e das prestações de serviços de cada segmento, bem como do respectivo resultado.

Os segmentos relatáveis podem ser segmentos de negócio ou geográficos. À semelhança do que acontece nos E.U.A. ou no Reino Unido4, cada segmento relatável representa pelo menos 10% da actividade. Ao contrário das normas norte-americanas ou britânicas, a norma japonesa não exige informação sobre os activos de cada segmento relatável.

A situação no Reino Unido será abordada no ponto 2.5.2..

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

2.4. O CONTRIBUTO DO INTERNATIONAL ACCOUNTING STANDARDS COMMITTEE

O I.A.S.C., na sua função de organismo supranacional de harmonização contabilística, emitiu, em Agosto de 1981, a Norma Internacional de Contabilidade (N.I.C.) 14, "O Relato da Informação Financeira por Segmentos". Apesar de reformatada em 1994, as evoluções e as necessidades recentes impuseram alterações a esta norma. Deste modo, o I.A.S.C. emitiu, em 1994 e 1995, "Exposure Drafts" que culminaram, em 1997, com a publicação da N.I.C. 14 revista, "Relato por Segmentos".

2.4.1. A N.I.C. 14, "O RELATO DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA POR SEGMENTOS", DE AGOSTO DE 1981

Esta norma era aplicada no relato de informação financeira por segmentos de uma empresa, tendo em atenção os diferentes sectores e as diferentes áreas geográficas em que aquela operava. Os seus destinatários eram as empresas cujos títulos fossem publicamente negociados e outras entidades economicamente significativas, incluindo as suas filiais. Tais entidades correspondiam àquelas cujos níveis de proveitos, de lucros, de activos ou de emprego eram significativos nos países, a partir dos quais, eram conduzidas as suas principais operações. Quando se apresentassem, para além das demonstrações financeiras da empresa-mãe, as demonstrações financeiras consolidadas, a informação financeira por segmentos necessitava apenas de ser apresentada ao nível das demonstrações financeiras consolidadas.

Os tipos de segmentos preconizados nesta norma eram os segmentos sectoriais e os segmentos geográficos. Os segmentos sectoriais eram "os componentes distinguíveis de uma empresa cada um deles empenhado em proporcionar um serviço ou produto diferente, ou um grupo diferente de produtos ou serviços relacionados, predominantemente a clientes fora da empresa" (I.A.S.C, 1981: parágrafo 5). Por outro lado, os segmentos

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geográficos eram "os componentes distinguíveis de uma empresa empenhada em operações em regiões individualmente consideradas, ou consideradas em grupo dentro de áreas geográficas particulares tal como se determine ser apropriado nas particulares circunstâncias de uma empresa" (I.A.S.C, 1981: parágrafo 5).

Para seleccionar os segmentos relatáveis existiam três directrizes relevantes em termos de materialidade que eram as seguintes:

- o segmento devia originar 10% do rédito consolidado; ou - o segmento devia proporcionar 10% do resultado operacional;

ou - o segmento devia utilizar 10% dos activos totais.

A empresa podia, no entanto, estabelecer outros factores na selecção de segmentos relatáveis.

A informação financeira a divulgar por cada segmento era a seguinte:

- vendas e outros réditos operacionais, com distinção entre rédito proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente de outros segmentos;

- resultado; - activos utilizados, expressos quer em quantias monetárias ou

como percentagem dos totais consolidados; e - bases utilizadas para a fixação dos preços inter-segmentos (tal

como justo valor de mercado, custo ou preço de mercado menos um desconto).

O resultado do segmento correspondia à diferença entre o rédito do segmento e o gasto do mesmo e reflectia, geralmente, o resultado operacional. Os juros obtidos e os juros incorridos não eram normalmente incluídos no resultado do segmento a menos que as operações do mesmo fossem primordialmente de natureza financeira. As rubricas extraordinárias, os interesses minoritários e os impostos sobre os lucros não eram, também, incluídos no resultado do segmento. Quando os réditos e os gastos não fossem directamente

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

atribuíveis a um segmento, mas existisse uma base adequada para a sua imputação, podiam ser imputados aos segmentos de acordo com essa base.

A divulgação dos activos do segmento dava uma indicação dos recursos utilizados para gerar o resultado operacional do segmento. Tais activos incluíam todos os activos tangíveis e intangíveis do segmento. Os activos partilhados entre segmentos podiam ser imputados aos mesmos se existisse uma base adequada para proceder à sua imputação. No entanto, os passivos não eram geralmente imputados, quer porque se relacionavam globalmente com a empresa, quer porque eram vistos como dando origem a um resultado considerado mais como financeiro do que como operacional.

A empresa devia fornecer reconciliações entre o total da informação por segmentos individuais e a informação agregada nas demonstrações financeiras.

As alterações na selecção de segmentos e as alterações nas práticas contabilísticas usadas no relato de informação financeira por segmentos que tivessem um efeito materialmente relevante na informação de um segmento deviam ser divulgadas. A divulgação devia incluir uma descrição da natureza da alteração, uma explanação das razões para a alteração e os efeitos de tal alteração.

2.4.2. A N.I.C. 14, "RELATO POR SEGMENTOS", REVISTA EM 1997

Esta norma substituiu a N.I.C. 14 original, "O Relato da Informação Financeira por Segmentos" e tornou-se eficaz para os períodos contabilísticos que tenham começado em, ou após, 1 de Julho de 1998.

A N.I.C. 14 revista aplica-se a empresas cujos títulos de capital próprio ou de dívida sejam publicamente negociados, incluindo empresas em processo de emissão de títulos de capital próprio ou de dívida num mercado bolsista, mas não é aplicável a outras entidades economicamente significativas.

A N.I.C. 14 original exigia que a informação financeira fosse relatada por segmentos sectoriais e por segmentos geográficos e

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proporcionava, apenas, orientação geral para a identificação de segmentos sectoriais e de segmentos geográficos. Sugeria que os agrupamentos organizacionais internos podiam proporcionar uma base para determinar segmentos relatáveis, ou que estes podiam originar a reclassificação de dados. A N.I.C. 14 revista exige que seja relatada informação financeira sobre segmentos de negócio e segmentos geográficos. Um segmento de negócio é "um componente distinguível de uma empresa que esteja comprometido em fornecer um produto ou serviço individual ou um grupo de produtos ou serviços relacionados e que esteja sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes dos de outros segmentos de negócio" (I.A.S.C., 1997: parágrafo 9). Por outro lado, um componente geográfico é "um componente distinguível de uma empresa que esteja comprometido em prover produtos ou serviços dentro de um ambiente económico particular e que esteja sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes dos componentes que operam em outros ambientes económicos" (I.A.S.C., 1997: parágrafo 9).

No que respeita aos segmentos de negócio, os factores que devem ser considerados na determinação de se os produtos ou os serviços estão relacionados são os seguintes:

- a natureza dos produtos ou dos serviços; - a natureza dos processos de produção; - o tipo ou a classe de cliente dos produtos ou dos serviços; - os métodos usados para distribuir os produtos ou proporcionar

os serviços; e - se aplicável, a natureza do ambiente regulador, como por

exemplo, a banca, os seguros ou os serviços públicos.

Por sua vez, os factores que devem ser considerados na identificação de segmentos geográficos incluem:

- similitude de condições económicas e políticas; - relacionamentos entre unidades operacionais em diferentes

áreas geográficas; - proximidade das unidades operacionais;

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

- riscos especiais associados com unidades operacionais numa área particular;

- regulamentos de controlo cambiais; e - riscos de moeda subjacentes.

Um segmento de negócio não inclui produtos e serviços com retornos e riscos bastante diferenciados. Nesta perspectiva, os produtos e serviços incluídos num segmento de negócio devem ser semelhantes relativamente à maioria dos factores que condicionam a sua relação.

Do mesmo modo, um segmento geográfico não inclui unidades operacionais em ambientes económicos com retornos e riscos significativamente diferenciados. Um segmento geográfico pode ser um único país, um grupo de dois ou mais países ou uma região dentro de um país.

A N.I.C. 14 revista proporciona orientação mais pormenorizada para identificar segmentos de negócio e segmentos geográficos. Exige que a empresa se debruce sobre a sua estrutura organizacional interna e sobre o seu sistema de relato interno com a finalidade de identificar esses segmentos.

A origem e a natureza dominantes dos riscos e dos retornos da empresa devem condicionar o seu formato de relato financeiro por segmentos, uma vez que condicionam, igualmente, a forma como a empresa é organizada e gerida. Assim, se os riscos e as taxas de retorno da empresa são predominantemente afectados por diferenças nos produtos e nos serviços que ela produz e presta, o seu formato principal para relatar informação financeira por segmentos deve estar orientado para segmentos de negócio com informação secundária relatada geograficamente. Semelhantemente, se os riscos e as taxas de retorno da empresa forem predominantemente afectados pelo facto de ela operar em países diferentes ou noutras áreas geográficas, o seu formato principal para relatar informação financeira por segmentos deve estar orientado para segmentos geográficos com informação secundária relatada por grupos de produtos e de serviços relacionados.

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A N.I.C. 14 revista é omissa quanto à possibilidade de uma divulgação combinada em que ambos os tipos de segmentos5 sejam considerados como principais.

No que respeita aos segmentos geográficos, a empresa deve ter em consideração que os seus riscos e retornos são influenciados tanto pela localização geográfica das suas unidades operacionais (onde os seus produtos são produzidos ou onde as suas actividades de entrega de serviços estão baseadas), como pela localização dos seus mercados (onde os seus produtos são vendidos ou onde os seus serviços são prestados). Nesta perspectiva, os segmentos geográficos são baseados:

- quer na localização das instalações e outros activos de produção ou de serviços da empresa;

- quer na localização dos seus mercados e clientes.

Se os segmentos internos não forem baseados nem em grupos de produtos e de serviços relacionados nem na geografia, a empresa deve debruçar-se sobre o próximo nível mais baixo de segmentação interna para identificar os seus segmentos relatáveis.

A N.I.C. 14 revista aponta para a combinação entre dois ou mais segmentos de negócio ou geográficos. Desta combinação resulta apenas um só segmento de negócio ou um só segmento geográfico. A combinação entre segmentos de negócio ou geográficos apenas é possível se os segmentos em causa:

- mostrarem desempenho financeiro semelhante a longo prazo; e - forem semelhantes em todos os factores determinantes na

relação entre produtos e serviços ou na determinação de segmentos geográficos.

Para considerar um segmento de negócio ou um segmento geográfico como um segmento relatável exige-se, como condição prévia, que a maioria dos seus réditos seja obtida através de vendas efectuadas a clientes externos e que:

- os seus réditos de vendas a clientes externos à empresa e de

5 De negócio e geográficos.

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

transacções com outros segmentos sejam 10% ou mais do rédito total de todos os segmentos; ou

- a quantia absoluta do seu resultado - lucro ou prejuízo - seja 10% ou mais do resultado combinado de todos os segmentos com lucro ou do resultado combinado de todos os segmentos com prejuízo, das duas quantias absolutas a mais elevada; ou

- os seus activos sejam 10% ou mais dos activos totais de todos os segmentos.

Se os réditos totais externos atribuíveis a segmentos relatáveis constituírem menos de 75% dos réditos totais da empresa ou do grupo, a N.I.C. 14 revista aponta para que sejam identificados novos segmentos relatáveis de modo a perfazer pelo menos aquela percentagem.

A N.I.C. 14 original exigia quatro rubricas principais de informação, quer para segmentos sectoriais, quer para segmentos geográficos:

- vendas e outros réditos operacionais, com distinção entre rédito proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente de outros segmentos;

- resultado; - activos utilizados, expressos quer em quantias monetárias ou

como percentagem dos totais consolidados; e - bases utilizadas para a fixação dos preços inter-segmentos.

Por sua vez, a N.I.C. 14 revista exige, para os segmentos principais, aquelas quatro rubricas de informação, mais:

- passivos do segmento; - custo dos activos fixos tangíveis e intangíveis adquiridos

durante o exercício; - gastos de depreciações e de amortizações; - gastos não desembolsáveis que não correspondam a

depreciações e a amortizações; e - a parte da empresa no resultado líquido de uma associada,

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

empreendimento conjunto ou outro investimento contabilizado pelo método da equivalência patrimonial se substancialmente todas as operações da participada em causa estiverem somente dentro daquele segmento, bem como a quantia do investimento relacionado.

No que respeita aos segmentos secundários, a N.I.C. 14 revista deixa cair a exigência da N.I.C. 14 original quanto ao resultado do segmento substituindo-a pelo custo dos activos fixos tangíveis e intangíveis adquiridos durante o exercício.

Na mesma linha de orientação da N.I.C. 14 original, a informação financeira por segmentos deve ser reconciliada com a informação financeira consolidada.

A N.I.C. 14 original era omissa sobre se a informação financeira por segmentos precisava ou não de ser preparada usando as mesmas políticas contabilísticas adoptadas nas demonstrações financeiras individuais ou consolidadas da empresa. No entanto, a N.I.C. 14 revista exige que sejam seguidas as mesmas políticas contabilísticas.

A N.I.C. 14 original permitia diferenças na definição de resultado do segmento entre empresas. Por sua vez, a N.I.C. 14 revista proporciona orientação mais pormenorizada e normalizada quanto a rubricas especificas de réditos e de gastos que devam ser incluídas ou excluídas dos réditos e dos gastos do segmento e exige "simetria" na inclusão de rubricas no resultado e nos activos do segmento6.

2.5. A SITUAÇÃO NA EUROPA

Na Europa, esta matéria é, na maior parte dos países, deficientemente tratada. Os países anglo-saxónicos apresentam maior detalhe e mais preocupações com esta matéria. A nível europeu, vamos analisar as Directivas da U.E. e a situação no Reino Unido.

Se, por exemplo, o resultado do segmento reflectir gastos de depreciação, o activo depreciável deve ser incluído nos activos do segmento.

224

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

2.5.1. As DIRECTIVAS DA UNIÃO EUROPEU

A informação financeira por segmentos é abordada nas 4.a e 7.a

Directivas do Conselho da U.E.7, ainda que de uma forma ténue relativamente àquilo que se verifica nos E.U.A..

Ambos os documentos não definem o que é um segmento sectorial (ou de negócio) ou o que é um segmento geográfico. Nesta perspectiva, também não fazem referência aos factores considerados na identificação de segmentos sectoriais (ou de negócio) e geográficos e aos testes de materialidade considerados na selecção de segmentos relatáveis.

O art.0 43.° da 4.a Directiva refere que o anexo deve comportar, pelo menos, indicações sobre a ventilação do montante líquido das vendas e das prestações de serviços por categorias de actividade, assim como por mercados geográficos, na medida em que, do ponto de vista da empresa que vende e que presta serviços, esta informação corresponda às suas actividades normais e as categorias e os mercados difiram entre si de forma considerável.

Por sua vez, o art.° 34.° da 7.a Directiva refere que o anexo deve incluir, pelo menos, indicações sobre a repartição do montante líquido do volume de negócios consolidado por categorias de actividade, bem como por mercados geográficos, na medida em que, do ponto de vista do grupo, esta informação corresponda às actividades normais do conjunto das empresas compreendidas na consolidação e as categorias e os mercados sejam muito diferentes entre si.

Ambos os documentos prevêem a omissão justificada da divulgação da informação relativa às vendas e às prestações de serviços por categorias de actividades e por mercados geográficos. As empresas que apresentam informação financeira sintética e abreviada não estão obrigadas a proceder à divulgação daquela informação.

7 A 4.a Directiva do Conselho (78/660/C.E.E.), de 25 de Julho de 1978, é relativa às contas anuais de certas formas de sociedades. Por sua vez, a 7.a Directiva do Conselho (83/349/C.E.E.), de 13 de Junho de 1983, é relativa às contas consolidadas.

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2.5.2. O REINO UNIDO

O Accounting Standards Committee (A.S.C.) emitiu, em 1990, o Statement of Standard Accounting Practice (S.SA.P.) 25, "Segmental Reporting".

Esta norma é aplicável às empresas cujos títulos são publicamente negociados ou que possuam uma filial cujos títulos se encontrem cotados, bem como às empresas dos sectores bancário e segurador. Quando se apresentem, para além das demonstrações financeiras da empresa-mãe, as demonstrações financeiras consolidadas, a informação financeira por segmentos necessita de ser divulgada ao nível das demonstrações financeiras consolidadas. A informação financeira por segmentos do grupo deve incluir a informação financeira análoga relativa às filiais.

Os tipos de segmentos considerados são os segmentos de actividade e os segmentos geográficos. Um segmento de actividade é uma área identificável da empresa que transacciona um produto ou um serviço, ou um grupo de produtos ou de serviços afins. Por sua vez, um segmento geográfico é uma área que compreende um país ou um grupo de países nos quais a empresa opera ou onde transacciona os seus produtos ou serviços. Contempla tanto os segmentos geográficos por origem, em função da localização das áreas onde a empresa realiza as suas operações, como os segmentos geográficos por destino, segundo a localização dos mercados de intervenção da empresa.

Os testes de materialidade considerados na selecção de segmentos relatáveis são semelhantes aos contemplados na N.I.C. 14 revista.

Relativamente a cada segmento de actividade ou geográfico deve ser divulgada informação sobre:

- vendas e prestações de serviços, com distinção entre rédito proveniente de clientes externos à empresa e rédito proveniente de outros segmentos;

- resultado; e - activos utilizados.

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

O resultado deve ser calculado antes de resultados extraordinários, interesses minoritários, impostos sobre os lucros e resultados financeiros excepto quando estes últimos representem uma parte significativa das actividades da empresa.

2.6. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS EM PORTUGAL

O Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C.), aprovado pelo Dec-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, exige que as empresas divulguem, na nota 44 do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados , a repartição do valor líquido das vendas e das prestações de serviços por actividades e por mercados interno e externo, na medida em que tais actividades e mercados sejam consideravelmente diferentes.

Em 1991, através do Dec.-Lei n.° 238/91, de 2 de Julho, o P.O.C, foi alterado de modo a acolher a transposição para o direito interno das normas de consolidação de contas estabelecidas na 7.a

Directiva do Conselho da U.E.. Deste modo, o P.O.C, exige que a nota 36 do anexo ao balanço e

à demonstração dos resultados consolidados evidencie a repartição do valor líquido consolidado das vendas e das prestações de serviços, por categorias de actividades e mercados geográficos, na medida em que, do ponto de vista da organização de venda dos produtos e da prestação de serviços correspondentes às actividades correntes do conjunto das empresas incluídas na consolidação, estas categorias e mercados difiram substancialmente uns dos outros.

De acordo com o n.° 1 do art." 3.° do Dec.-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, esta exigência é feita às empresas individuais reguladas pelo Código Comercial, aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, às sociedades por quotas, às sociedades anónimas e às cooperativas que, à data do encerramento das contas, tenham ultrapassado dois dos três limites referidos no art.° 262.° do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.). As restantes empresas poderão apresentar somente os modelos menos desenvolvidos de demonstrações financeiras indicados no P.O.C.. O modelo menos desenvolvido do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados não prevê a divulgação do valor líquido das vendas e das prestações de serviços por actividades e por mercados interno e externo.

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A Directriz Contabilística (D.C.) n.° 14, "Demonstração dos Fluxos de Caixa", de Julho de 1993, refere que deve ser divulgado "o montante dos fluxos de caixa originados pelas actividades operacionais, de investimento e de financiamento, separado por ramos de actividade e por zonas geográficas" (C.N.C., 1993: Ponto 6.10. IV) e exige que na nota 4 do anexo à demonstração dos fluxos de caixa seja efectuada a "repartição do fluxo de caixa por ramos de actividade e zonas geográficas, caso tenha sido adoptada a mesma divisão segmentada nas demais peças das demonstrações financeiras'" (C.N.C., 1993: Ponto 8).

A C.N.C, aprovou, em Junho de 2000, a D.C. n.° 27, "Relato por Segmentos", que ainda não foi objecto de homologação por parte do Ministro das Finanças. Na preparação desta D.C. foram tomados em consideração os aspectos essenciais da N.I.C. 14 revista.

A D.C. n.° 27 aplica-se às entidades com valores mobiliários negociados em bolsas de valores e àquelas que se preparam para o processo de admissão dos seus valores mobiliários à negociação em bolsas de valores.

Esta norma considera dois tipos de segmentos: os segmentos de negócio e os segmentos geográficos. Um segmento de negócio "e um componente distinguível de uma entidade, destinado a proporcionar produtos ou serviços individualizados ou um grupo de produtos ou serviços relacionados sujeito a riscos e retornos que sejam diferentes dos de outros segmentos de negócio" (C.N.C., 2000: ponto 4), enquanto que um segmento geográfico "é um componente distinguível de uma entidade, destinado a fornecer produtos ou serviços num espaço económico específico, sujeito a riscos e retornos diferentes dos componentes que operem noutros espaços económicos" (C.N.C., 2000: ponto 4).

A empresa deve considerar os seguintes factores de modo a determinar quais os produtos e os serviços que estão relacionados:

- a natureza dos produtos ou dos serviços; - a natureza dos processos produtivos; - o tipo ou a classe de clientes de produtos ou de serviços;

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

- os métodos usados para distribuir os produtos ou fornecer os serviços; e

- se aplicável, a natureza do enquadramento regulador, como, por exemplo, a banca, os seguros ou os serviços de utilidade pública.

De igual modo, a empresa deverá considerar os seguintes factores na identificação de segmentos geográficos:

- semelhança de condições económicas e políticas; - relações entre unidades operacionais actuando em diferentes

áreas geográficas; - proximidade de unidades operacionais; - riscos especiais associados a unidades operacionais actuando

numa determinada área; - regulamentação do controlo de divisas; e - riscos subjacentes a moedas.

À semelhança da N.I.C. 14 revista, a D.C. n.° 27 prevê que a empresa se debruce sobre a sua estrutura organizacional interna e sobre o seu sistema de relato interno com a finalidade de identificar os segmentos principais e os segmentos secundários. A origem e a natureza dominantes dos riscos e dos retornos da empresa devem condicionar o seu formato de relato financeiro por segmentos, uma vez que condicionam, igualmente, a forma como a empresa é organizada e gerida. Dentro desta linha de orientação, a empresa deve ter presente que:

- se os riscos e as taxas de retorno forem fortemente afectados quer por diferenças nos produtos e nos serviços que produz, quer por diferenças nas áreas geográficas em que opera , deverá adoptar como principal o segmento de negócio e como secundário o segmento geográfico; e

- se a sua estrutura de organização interna e de gestão e o seu

9 O que pode ser evidenciado por uma abordagem matricial da gestão da empresa e do seu relato interno.

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sistema de relato financeiro interno não forem baseados nem nos produtos ou serviços individuais ou grupos de produtos e serviços relacionados, nem em áreas geográficas, caberá ao órgão de gestão determinar se os riscos e as taxas de retorno estão mais relacionados com os produtos e os serviços que ela produz ou com as áreas geográficas em que opera e, consequentemente, seleccionar qual o segmento a considerar como principal.

Dois ou mais segmentos de negócio ou geográficos, que sejam substancialmente similares, podem ser agregados como um único segmento de negócio ou segmento geográfico. Os segmentos consideram-se substancialmente similares quando:

- possam apresentar desempenho financeiro semelhante a longo prazo;e

- forem similares em todos os factores determinantes na relação entre produtos e serviços ou na determinação de segmentos geográficos.

Qualquer segmento de negócio ou segmento geográfico deve ser identificado como segmento relatável se a maioria dos seus réditos resultar das vendas efectuadas a clientes externos e:

- se o rédito dessas vendas e das operações com outros segmentos representar pelo menos 10% do rédito total, interno e externo, de todos os segmentos; ou

- se o resultado do segmento - lucro ou prejuízo - representar pelo menos 10% do resultado agregado de todos os segmentos lucrativos ou do resultado agregado de todos os segmentos que apresentem prejuízos, dos dois o maior em valor absoluto; ou

- se os seus activos representarem pelo menos 10% dos activos totais de todos os segmentos.

Do mesmo modo que a N.I.C. 14 revista, a D.C. n.° 27 prevê que sempre que o rédito externo total atribuível a segmentos relatáveis

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O Relato Financeiro por Segmentos: Perspectiva Histórica e Actual

constitua menos do que 75% do total da empresa ou do total consolidado, devem ser identificados segmentos adicionais como segmentos relatáveis, mesmo que não satisfaçam os limites de 10% referidos, por forma a atingir, pelo menos, os mencionados 75%.

Para que a informação financeira da empresa seja comparável, esta deve ter em atenção que:

- se um segmento for identificado como relatável no exercício precedente, porque satisfez os limites relevantes de 10%, deve ser relatado no exercício corrente mesmo que não tenha atingido aqueles limites; e

- se um segmento for identificado como relatável no exercício corrente, porque passou a satisfazer os limites relevantes de 10%, os dados segmentais do exercício precedente devem ser reajustados.

A empresa deve divulgar na nota 44 do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados toda a informação financeira por segmentos.

As divulgações respeitantes a cada um dos segmentos principais são as seguintes:

- os réditos do segmento, evidenciando separadamente os provenientes de vendas a clientes externos e os provenientes de operações com outros segmentos;

- o resultado líquido; - a quantia líquida do activo; - a quantia do passivo; - o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas e

incorpóreas; - as amortizações do imobilizado respeitantes ao exercício; - a quantia total dos gastos significativos que não impliquem

desembolsos, com exclusão das amortizações; - a parcela do resultado líquido que respeite à quota-parte da

empresa em associadas, empreendimentos conjuntos ou outros investimentos contabilizados segundo o método da

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equivalência patrimonial, se substancialmente todas as operações dessas participadas estiverem dentro desse segmento;

- verificando-se a situação anterior, os investimentos nessas participadas devem também ser divulgados; e

- a natureza e a quantia de quaisquer rubricas de réditos e de gastos cuja dimensão, natureza ou incidência sejam relevantes para explicar o desempenho do segmento no exercício.

A empresa deve apresentar uma reconciliação entre a informação divulgada por segmentos relatáveis e a informação agregada nas demonstrações financeiras individuais ou consolidadas.

As divulgações respeitantes a cada um dos segmentos secundários devem ter em consideração os seguintes aspectos:

- se o segmento relatável principal for de negócio, a empresa deve também divulgar por cada segmento: - os réditos relativos a clientes externos por segmento

geográfico segundo a localização desses clientes, desde que em cada um desses segmentos geográficos os réditos das vendas a tais clientes representem pelo menos 10% dos réditos totais da empresa relativos a vendas para clientes externos;

- a quantia total dos activos segundo a sua localização geográfica, para cada segmento geográfico cujos activos representem pelo menos 10% dos activos totais da empresa; e

- o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas e incorpóreas, por localização geográfica dos activos, desde que os activos de cada segmento geográfico representem pelo menos 10% dos activos totais da empresa;

- se o segmento relatável principal for geográfico (quer baseado na localização de activos, quer na localização de clientes), a empresa deve também divulgar por cada segmento geográfico a seguinte informação relativa aos segmentos de negócio cujos

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réditos de vendas relativos a clientes externos representem pelo menos 10% dos réditos totais da empresa provenientes de vendas a clientes externos ou cujos activos representem pelo menos 10% dos activos totais da empresa: - os réditos do segmento provenientes de clientes externos; - a quantia líquida do activo do segmento; e - os investimentos feitos no exercício em imobilizações

corpóreas e incorpóreas;

- se o segmento relatável principal for geográfico e baseado na localização dos activos e se a localização dos seus clientes for diferente da localização dos seus activos, então a empresa deve divulgar também os réditos provenientes das vendas a clientes externos, por cada segmento geográfico baseado na localização dos clientes, cujos réditos provenientes dessas vendas representem pelo menos 10% dos réditos totais da empresa derivados das vendas a todos os clientes externos;

- se o segmento relatável principal for geográfico e baseado na localização dos clientes e se os activos da empresa estiverem localizados em áreas geográficas diferentes das dos seus clientes, então a empresa deve divulgar também a informação segmental a seguir indicada, por cada segmento geográfico baseado na localização dos activos, cujos réditos das vendas a clientes externos ou activos do segmento representem pelo menos 10% das quantias relacionadas consolidadas ou do total da empresa: - a quantia líquida do activo segmentai, por localização

geográfica dos activos; e - o investimento feito no exercício em imobilizações corpóreas

e incorpóreas, por localização dos activos.

A informação financeira por segmentos deve ser preparada em conformidade com as políticas contabilísticas adoptadas para preparar

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e apresentar as demonstrações financeiras individuais ou consolidadas. As alterações nas políticas contabilísticas adoptadas para relato financeiro por segmentos, que tenham um efeito materialmente relevante na informação financeira dos mesmos, devem ser divulgadas e a informação financeira análoga do exercício anterior deve ser reajustada, a menos que seja impraticável fazê-lo. Tais divulgações devem incluir uma descrição da natureza e as razões da alteração, a indicação da informação comparativa ter sido reajustada ou as razões da sua impossibilidade, e o efeito financeiro da alteração, se for razoavelmente determinável. A empresa deve indicar os tipos de produtos e de serviços incluídos em cada segmento de negócio relatado bem como a composição de cada segmento geográfico relatado, quer principal quer secundário.

3. O RELATO FINANCEIRO POR SEGMENTOS E A CONTABILIDADE DE GESTÃO

A informação financeira por segmentos não deve ser apenas analisada à luz da contabilidade financeira e dos utilizadores externos da informação financeira.

A demonstração dos resultados por naturezas bem como a generalidade das demonstrações dos resultados por funções não permitem responder às seguintes perguntas:

- Qual dos produtos ou das famílias de produtos que a empresa fabrica apresenta maior rendibilidade?

- Se a empresa tiver previsto um determinado resultado líquido, a redução do mesmo poderá ser interpretada como um indicador de má gestão?

- Qual é a margem de contribuição de cada produto por mercado, zona geográfica ou tipo de cliente?

- Que produto gera um maior valor acrescentado para a empresa?

- É mais rentável produzir ou subcontratar a curto prazo?

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Para Blanco Ibarra (1998: pág. 429 e 430), estas perguntas e o dinamismo empresarial contribuem para a existência de informação por segmentos completamente diferente daquela que é concebida pela contabilidade financeira. No entanto, esta informação deve integrar o conteúdo do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados. Para este autor, a empresa deve divulgar a seguinte informação:

- unidades vendidas por produto, zona geográfica ou tipo de cliente;

- unidades produzidas por objecto de custo; - custos por actividade reais e potenciais; - unidades de obra utilizadas; - preços de transferência seguidos e avaliação dos conflitos

gerados pela utilização dos mesmos; - margens de contribuição por objecto de custo, zona geográfica

ou tipo de cliente; - distorção observada entre o custo incorrido e o desembolso de

tesouraria; - análise custo benefício das diferentes opções aceites e

rejeitadas; e - informação sobre a necessidade de efectuar alterações à

estratégia assumida.

Em nossa opinião, e apesar dos recentes desenvolvimentos verificados na matéria, persistem, ainda, algumas lacunas que desejavelmente devem ser objecto de tratamento na informação financeira por segmentos. Deste modo, as empresas e os grupos, que apresentem informação financeira por segmentos, podem e devem divulgar, nas suas demonstrações financeiras, informação de carácter interno respeitante a cada um dos segmentos relatáveis. A divulgação de informação de carácter interno possibilita enriquecer as demonstrações financeiras e promove o intercâmbio entre a contabilidade financeira e a contabilidade de gestão.

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4. NOTAS RECAPITULATIVAS E DE CONCLUSÕES

O relato financeiro por segmentos e a divulgação de informação sobre diferentes produtos ou serviços e sobre diferentes áreas geográficas exploradas por uma entidade são um desenvolvimento recente no âmbito da contabilidade financeira.

Algumas empresas de grande dimensão têm vindo a passar, desde a década de 60 até à década actual, por processos complexos de diversificação, tanto em termos de produtos ou de serviços, como em termos geográficos. As fusões por absorção ou por constituição de novas empresas, bem como as aquisições de partes de capital em filiais, têm originado o aparecimento de empresas e de grupos multinacionais. Nestas entidades colocam-se problemas de transparência e de adequabilidade das demonstrações financeiras, pois as respectivas actividades estão associadas a diferentes produtos ou serviços e a diferentes áreas geográficas com retornos, riscos e perspectivas de crescimento diferentes. Deste modo, torna-se importante a divulgação de informação financeira por segmentos com o objectivo de fornecer, aos detentores de capital e aos outros utilizadores da informação financeira, bases de suporte para as suas tomadas de decisão.

O maior ímpeto na divulgação de informação financeira por segmentos verificou-se essencialmente pelas crescentes exigências de informação por parte dos mercados de capitais. Durante as décadas de 50 e de 60, os analistas financeiros começaram a experimentar necessidades crescentes de informação sobre as empresas em análise sempre que estas adquiriam áreas de negócio diferentes relativamente ao seu negócio original ou à medida que se internacionalizavam.

Por sua vez, os governos têm assumido, nesta matéria, influências variadas. Em países com economias altamente desenvolvidas e em que abundam as empresas de dimensão global, como por exemplo os E.U.A., os governos, a par dos organismos profissionais, têm emitido normas no sentido de regular a forma como deve ser divulgada a informação financeira produzida por aquelas

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empresas. Por outro lado, os governos influenciaram organizações supranacionais, tais como a O.N.U. e a O.C.D.E., a debruçar-se e a emitir normas sobre esta matéria.

Em 1967, o A.P.B. Statement n.° 2, "Disclosure of Supplemental Financial Information by Diversified Companies", do A.I.C.P.A., recomendava a divulgação voluntária de informação financeira por segmentos. Em 1969, uma norma da S.E.C., aplicável às empresas com títulos cotados, previa a divulgação de informação financeira para todos os negócios que, nos cinco anos mais recentes, tivessem representado pelo menos 10% das vendas ou do resultado antes de impostos e do resultado extraordinário da respectiva empresa. Em 1973 surgiram novas pressões sobre a necessidade deste tipo de informação e em 1974, por imposição da N.Y.S.E., a informação financeira por segmentos passou a ser divulgada nas demonstrações financeiras anuais das empresas.

Na mesma altura, o F.A.S.B. iniciou os estudos preparatórios relativos a esta matéria que conduziram à emissão, em Dezembro de 1976, do S.F.A.S. n.° 14, "Financial Reporting for Segments of a Business Enterprise". Esta norma aplicava-se a todas as empresas com títulos cotados, ou seja, a todas as empresas que estivessem sujeitas a preparar e a divulgar a informação financeira de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites nos E.U.A.. De acordo com esta norma, as demonstrações financeiras das empresas deviam divulgar informação sobre operações em diferentes indústrias, operações com o exterior e exportações e operações com os maiores clientes.

Em 1996 encontrava-se em estudo uma nova norma com o objectivo de melhorar a informação financeira por segmentos. Tal estudo conduziu à emissão, em Junho de 1997, do S.F.A.S. n.° 131, "Disclosures about Segments of an Enterprise and Related Information". Tal como a norma anterior, o S.F.A.S. n.° 131 aplica-se a todas as empresas com títulos cotados. No entanto, é suficiente apresentar a informação financeira por segmentos no âmbito das demonstrações financeiras consolidadas. Esta norma apresenta uma

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mudança significativa no que se refere ao modo como devem ser reconhecidos os segmentos, pois impõe que a segmentação se concretize de acordo com uma base única seguindo a estrutura organizacional interna da empresa definida pelo órgão de gestão de modo a tomar as decisões operacionais. Este procedimento de identificação dos segmentos configura aquilo que a norma designa de segmentos operacionais, devendo a empresa prestar, sobre eles, determinadas informações.

Ao acompanhar os desenvolvimentos desta matéria, o organismo normalizador japonês - o B.A.D.C. - emitiu, em 1988, uma norma sobre relato financeiro por segmentos que começou a produzir efeitos a partir de 1990. Esta norma exige a divulgação das vendas e das prestações de serviços de cada segmento, bem como do respectivo resultado. Os segmentos relatáveis podem ser segmentos de negócio ou geográficos.

O I.A.S.C, na sua função de organismo supranacional de harmonização contabilística, emitiu, em Agosto de 1981, a N.I.C. 14, "O Relato da Informação Financeira por Segmentos". Apesar de reformatada em 1994, as evoluções e as necessidades recentes impuseram alterações a esta norma. Deste modo, o I.A.S.C. emitiu, em 1994 e 1995, "Exposure Drafts" que culminaram, em 1997, com a publicação da N.I.C. 14 revista, "Relato por Segmentos".

A N.I.C. 14 original exigia que a informação financeira fosse relatada por segmentos sectoriais e por segmentos geográficos e proporcionava, apenas, orientação geral para a identificação de segmentos sectoriais e de segmentos geográficos. A N.I.C. 14 revista exige que seja relatada informação financeira sobre segmentos de negócio e segmentos geográficos.

A informação financeira por segmentos é abordada nas 4.a e 7.a

Directivas do Conselho da U.E., ainda que de uma forma ténue relativamente àquilo que se verifica nos E.U.A.. Ambos os documentos não definem o que é um segmento sectorial (ou de negócio) ou o que é um segmento geográfico; no entanto, referem que o anexo deve incluir, pelo menos, indicações sobre a ventilação do

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montante líquido das vendas e das prestações de serviços por categorias de actividade, assim como por mercados geográficos.

No Reino Unido, o A.S.C, emitiu, em 1990, o S.S.A.P. 25, "Segmental Reporting". Esta norma é aplicável às empresas cujos títulos são publicamente negociados ou que possuam uma filial cujos títulos se encontrem cotados, bem como às empresas dos sectores bancário e segurador. Quando se apresentem, para além das demonstrações financeiras da empresa-mãe, as demonstrações financeiras consolidadas, a informação financeira por segmentos necessita de ser divulgada ao nível das demonstrações financeiras consolidadas. Os tipos de segmentos considerados são os segmentos de actividade e os segmentos geográficos.

Em Portugal, a C.N.C, aprovou, em Junho de 2000, a D.C. n.° 27, "Relato por Segmentos", que ainda não foi objecto de homologação por parte do Ministro das Finanças. Na preparação desta D.C. foram tomados em consideração os aspectos essenciais da N.I.C. 14 revista. A D.C. n.° 27 aplica-se às entidades com valores mobiliários negociados em bolsas de valores e àquelas que se preparam para o processo de admissão dos seus valores mobiliários à negociação em bolsas de valores. Esta norma considera dois tipos de segmentos: os segmentos de negócio e os segmentos geográficos.

Em suma, a divulgação de informação financeira por segmentos implica tomar decisões sobre:

- tipos de segmentos a considerar (por exemplo: segmentos de negócio e segmentos geográficos);

- segmentos principais e segmentos secundários; - testes de materialidade a utilizar na selecção de segmentos

relatáveis; e - informação a divulgar em cada segmento relatável.

As normas mais recentes evidenciam uma tendência clara para aprofundar alguns aspectos relacionados com esta matéria, pois estabelecem critérios mais claros e precisos para identificar os segmentos relatáveis e exigem mais informação para cada um desses

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segmentos. Tal facto irá, por certo, permitir um maior rigor na informação prestada e uma base de sustentação alargada para as tomadas de decisão.

A informação financeira por segmentos não deve ser apenas analisada à luz da contabilidade financeira e dos utilizadores externos da informação financeira. As empresas e os grupos, que apresentem informação financeira por segmentos, podem e devem divulgar, nas suas demonstrações financeiras, informação de carácter interno respeitante a cada um dos segmentos relatáveis. A divulgação de informação de carácter interno possibilita enriquecer as demonstrações financeiras e promove o intercâmbio entre a contabilidade financeira e a contabilidade de gestão.

Em Portugal, o relato financeiro por segmentos não reveste, ainda, a importância desejada atendendo à dimensão e ao nível de internacionalização das nossas empresas. No entanto, saúdam-se as preocupações da C.N.C, nesta matéria que levaram à aprovação da D.C. n.° 27. Esta norma constitui um passo importante no âmbito da aproximação às N.I.C. do I.A.S.C..

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Livros e revistas

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., II Série, 6/7 (2000/2001)

O I.S.C.A. DE AVEIRO: AS VICISSITUDES DE UMA ESCOLA DE CONTABILIDADE

JOSÉ FERNANDES DE SOUSA [email protected]

PROF. ADJUNTO DO I.S.C.A.A.

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1. A PROMISSORA «BATALHA DA EDUCAÇÃO» 2. O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 3. GÉNESE DO ENSINO SUPERIOR EM AVEIRO 3.1.0 INSTITUTO MÉDIO DE COMÉRCIO PARTICULAR 3.2. A SECÇÃO DO INSTITUTO COMERCIAL DO PORTO 3.3.0 INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO 3.4. O INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMTNISTRAÇÃO DE AVEIRO 3.5. OI.S.CA. EAUNTVERSIDADEDEAVEIRO 4. O REGRESSO DO ENSPNO SUPERIOR POLITÉCNICO 4.1.0 ENSINO SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO 4.2. O ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO 4.3. O REGRESSO DO I.S.C.A.A. À UNIVERSIDADE 5. A CONSOLIDAÇÃO DOS I.S.C.A. 'S E DO ENSPNO SUPERIOR POLITÉCNICO 5.1. O PESSOAL DOCENTE: DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS 5.2.0 ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE 5.3. O PESSOAL NÃO DOCENTE 5.4. Os I.S.C.A.'s RUMO À AUTONOMIA: UMA NOVA ORGÂNICA 6. A CONSAGRAÇÃO DO ENSDSTO SUPERIOR POLITÉCNICO 6.1.0 TRRJNFO DO SISTEMA BPNÁRIO 6.2. O I.S.C.A.DE AVEIRO 6.3. A SOLUÇÃO FINAL 7. O FUTURO DO I.S.C.A.A. E DA CONTABILIDADE CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA ANEXO: PROPOSTA DOS TERMOS DE REFERÊNCIA ACORDADOS PARA EFEITOS DA INTEGRAÇÃO DO I.S.C.A.A. NA UNIVERSIDADE DE AVEHIO

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INTRODUÇÃO

A questão que nos propomos abordar, centrada essencialmente na evolução que transparece das sucessivas molduras legais, enlaça-se de forma insofismável com a política educativa, que, por sua vez, reflecte a dinâmica da sociedade portuguesa ao longo de três décadas.

Na década de 70 emerge a reforma educativa de 1973, cuja relação com o processo histórico em curso nos países industrializados lhe empresta, apesar da ruptura revolucionária, o vigor de matriz inspiradora da diversificação e da expansão do ensino, sendo esta transformada em "ilusão optimista" capaz de "realizar o ideal de igualdade de oportunidades sociais"1.

A candência revolucionária, que revolve as funduras da sociedade portuguesa e acende a fogueira de incontidas aspirações sociais, desencadeia uma nova fase da política educativa - 1974-1976 - , marcada pela instabilidade de uma sociedade provisória, onde progride a ideia heróica de construir uma Escola "democrática e socialista"2, tendo como ruído de fundo o som cavo das botas e o desembainhar das espadas fora dos quartéis.

Em 1976, com a tomada de posse do I Governo constitucional, arranca um período de progressiva estabilidade e de algumas mudanças educativas, que antecipam a fórmula estrutural acolhida na Lei de Bases de 19863, cujos desenvolvimentos configuram a quarta e última fase da política educativa ao longo de 30 anos.

O nosso propósito visa acompanhar as mais significativas vicissitudes institucionais do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, enquanto escola de ensino da Contabilidade, es-candidas ao ritmo das transformações sociais e da política educativa, ocorridas no âmbito do ensino de carácter tecnico-profissional pós se-

1 Sérgio Grácio, Ensinos Técnicos e Política em Portugal, 1910-1999, (1992, data do trabalho académico), Lisboa, Instituto Piaget, Estudos e Documentos, 1998, p. 157. 2 Decreto Lei n.° 363/75, de 11 de Julho. 3 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro.

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cundário, que se consolidaria com a denominação de Ensino Superior Politécnico.

1. A PROMISSORA «BATALHA DA EDUCAÇÃO»

O sistema educativo na década de 70 sofre a pressão de vários grupos sociais que, dentro e fora do regime, lhe diagnosticam distorções e disfunções susceptíveis de obstaculizar o desenvolvimento do país. Os impulsos de mudança sobem da crise académica de 69, onde ecoa o Maio de 68, articulam-se com a doutrina da O.C.D.E., cujos estudos consideram a valorização dos recursos humanos um vector estratégico do desenvolvimento económico nacional, reforçam-se no clima modernizador dos sistemas educativos que alastra pela Europa, e configura-se na reforma democratizante de 1973, 16 de Janeiro -"Projecto do Sistema Escolar e Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior", que tenta uma alargada base de apoio das forças sociais4.

O pensamento que anima a pretendida reforma global do ensino acolhe ao nível do discurso educativo dois conceitos de forte sentido modernizador: a gestão participativa do ensino superior e a democratização do ensino. Esta ousadia, com sinais evidentes de ruptura, não poderia conviver com a ténue abertura da ideologia dominante que, privilegiando a continuidade, se refrescava com as ideias menos mobilizadoras de "renovação" ou de "evolução".

O Reitor da Universidade de Lourenço Marques, tornado Ministro, abandona a temática da gestão participativa no ensino superior -que, aliás, o próprio Marcelo Caetano timidamente ensaiara, num «Conselho académico», aberto aos dirigentes associativos. As convulsões académicas forçam-no a mudar de ideias e a recusar, como presi-

Teresa Ambrósio, O Sistema Educativo: Ruptura, Desestabilização e Desafios Europeus, apud António Reis (Dir. de), Portugal Contemporâneo, Vol. 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1996, pp. 665-674.

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dente do Conselho de Ministros, a participação dos estudantes nos órgãos de gestão das Escolas, «enquanto existisse agitação académica»5

A ideia de democratização do ensino, uma linha de força da oposição, torna-se vulgar, após a crise académica de 69, no discurso do regime, embora com a pobreza semântica que a restringe à proposta liberal de privilegiar o mérito, através da criação de condições de igualdade de acesso ao ensino assentes no apoio social. O vocábulo que sugeria a necessidade de dar ao ensino "uma dimensão política", reclamada por diversos e crescentes sectores da sociedade, não cabe na Primavera marcelista, incapaz de romper com o situacionismo mais conservador, demasiado incomodado com a turbulência académica, onde aflora, de forma crítica e sublevadora, a recorrente questão da guerra colonial, um dos mais fracturantes sulcos da sociedade portuguesa, que largos sectores da juventude académica consideram, de forma crescente, uma ameaça inaceitável ao seu futuro.

Contudo, a tentativa do ministro V. Simão de transformar o projecto de reforma global num eixo aglutinador de consensos e mobilizador de toda a sociedade portuguesa, exala persistentes redolên-cias primaveris. A metodologia que propõe no lançamento do projecto é inovadora : faz apelo a «todos os que queiram ajudar construindo», «independentemente das suas ideias políticas», para que a «decisiva» «batalha da educação» possa ser travada em «diálogo aberto e franco», criticada «livre e responsavelmente» e avaliada «nos seus méritos e defeitos».

Esta ideia de uma discussão pública alargada da reforma projectada, assume uma importância fundamental: ao mesmo tempo que insinua uma consciência aguda do valor estratégico da educação, cujo desenvolvimento tonifica «a vida da liberdade responsável», transporta a matriz ideológica de uma nova cidadania voltada para «a participação activa no progresso nacional».

5 Marcelo Caetano, Depoimento, 1974, in Rui Grácio, A Expansão do Sistema de Ensino e a Movimentação Estudantil, apud António Reis (Dir. de), Portugal Contemporâneo, Vol. 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1996, pp. 221-258, p.252-253.

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O sentido da mudança animada por Veiga Simão esteia-se na realização de dois objectivos nucleares: o da «a normalização» da vida escolar, através de um conjunto de medidas tendentes a aliviar as tensões existentes na academia e a desmobilizar os protestos académicos, e o reforço da «eficiência» do ensino, adequando às necessidades de desenvolvimento do país, através de um triplo processo, que envolve a «diversificação», a «expansão» e a «regionalização».6

Estas linhas de força estruturam a "Reforma do Sistema Educativo"7, que se propõe assegurar a realização dos objectivos do ensino superior através das "Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas Normais Superiores e outros estabelecimentos equiparados"8, de cujas instituições se espera capacidade para "intensificar a cooperação mútua e a coordenação do ensino superior no âmbito regional e de alcançar uma mais eficiente utilização de meios humanos e do equipamento educacional e de investigação".9

A criação dos Institutos Politécnicos, que conferem o grau de Bacharel, com a duração de 3 anos,10 recupera uma tradição esquecida desde oitocentos11, enquanto a sua regulamentação os transforma em "centros de formação tecnico-profissional, aos quais compete especialmente ministrar o ensino superior de curta duração, orientado de forma a dar predominância aos problemas concretos e de aplicação prática, e a promover a investigação aplicada e o desenvolvimento ex-

6 Rui Grácio, A Expansão do Sistema de Ensino e a Movimentação Estudantil, apud António Reis (Dir. de), Portugal Contemporâneo, Vol. 3, Lisboa, Publicações Alfa, 1996, pp. 221-258, p.252-253. 7 Lei 5/73, de 25 de Julho: Lei de Reforma do Sistema Educativo.

Lei 5/73, de 25 de Julho: Lei de Reforma do Sistema Educativo, Base XIII, n.° 3. 9 Decreto-Lei n.° 402/73, de 11 de Agosto, Art." 7o. 10 Lei n.° 5/73, de 25 de Julho, Base XV, n.°2 e Base XVI, n.° 1. 1 António de Sousa, Sobre a Génese do Ensino Politécnico, in Millenium, n.° 13,

Janeiro, 1999, p .8.

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perimental, tendo em conta as necessidades no domínio tecnológico e no sector dos serviços, particularmente as de carácter regional"12.

2. O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO

A Revolução de Abril trouxe à educação e ao interior das Escolas um movimento democratizante imbuído de frenético voluntarismo, que fora inviável no seio do anterior regime.

A gestão das Universidades e das Escolas Superiores aparecem confiadas pelo M.E.C, a comissões democraticamente eleitas'3, abertas à participação de todos os corpos da escola, que rendem os "substitutos legais" das gestões exoneradas pela Revolução.14

As diferentes fórmulas encontradas pelas Instituições de Ensino Superior são uniformizadas, ainda no ano da revolução, por disposição legal que institucionaliza a "democratização dos estabelecimentos de ensino superior"15, sendo criados os diversos órgãos16 e respectivas funções: Assembleia de Escola, Conselho Directivo, Conselho Pedagógico e Conselho Científico.

Em Junho de 1975, Conselho da Revolução emana as "Bases Programáticas da Reforma Socialista do Ensino Superior", que reservam aos representantes dos trabalhadores, dos interesses nacionais e regionais uma presença efectiva nas estruturas de decisão das escolas superiores, com o duplo objectivo de adequar os seus "planos de actividades" ao "projecto político global" e de dar "à autonomia universitária um conteúdo inovador e progressista".17. Por outro lado, fixa ao

12 Decreto-Lei n°. 402/73, de 11 de Agosto, que cria novas Universidades, como de Aveiro, Institutos Politécnicos e Escolas Normais Superiores, regime de instalação, etc. 13 Decreto-Lei n°. 221/74, de 27 de Maio, Art." 1, n.° 2 e n.° 3. 14 Decreto-Lei n°. 176/74, de 29 de Abril. 15 Decreto-Lei n°.806/74, de 31 de Dezembro, preâmbulo. 16 Decreto-Lei n°.806/74, de 31 de Dezembro, Art.° 1 e passim. 17 Decreto-Lei n°. 363/75, de lide Junho, Preâmbulo.

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ensino de todos os graus um objectivo revolucionário, "a construção de uma sociedade democrática e socialista18.

Em 1975, um Despacho da Secretaria de Estado do Ensino Superior cria o ano zero, concebido para acolher, no ano escolar de 75/76, os alunos aprovados no l°ano das Secções Preparatórias para os Institutos Comerciais, "em vias de se transformarem em Institutos Superiores de Comércio e Administração", onde os alunos aprovados nesse ano inicial terão "prioridade absoluta" no acesso ao Bacharelato19.

Em 1976, sob a "liderança politicamente forte"20 de Mário Sotto Mayor Cardia, é possível fazer um balanço da experiência revolucionária nas Escolas. As reflexões preambulares da nova disposição legislativa assumem uma visão negativa, bem patente nas acusações de ter conduzido à "demagogia", facilitado, por via da "manipulação" e da "coacção", "a supremacia de minorias activistas", atentado contra o "pluralismo ideológico", prejudicado a competente gestão das escolas e instalado formas corporativas de carácter "anarco-populista".

O novo ordenamento relativo à gestão democrática dos estabelecimentos de Ensino Superior procura adequar "a organização e funcionamento democrático" das escolas a objectivos considerados essenciais: autêntica democraticidade interna, qualidade científica e pedagógica e eficaz gestão orçamental, em consonância com as exigências do "socialismo democrático".

O Governo das Escolas Superiores passa a integrar um conjunto de Órgãos de gestão - Assembleia Geral de Escola, Assembleia de Representantes, Conselho Directivo, Conselho Pedagógico, Conselho Científico e Conselho Disciplinar -, definindo o documento em questão o processo eleitoral, funções e composição. Esta obedecendo ao

18 Decreto-Lei n°. 363/75, de 11 de Julho, Base I e Base II. 19 Despacho n° 51/75, de 8 de Novembro, assinado por António Brotas. 20 E. Marçal Grilo, O Sistema Educativo, in Portugal, 20 Anos de Democracia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp.406-435, p. 409.

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princípio de que a "responsabilidade" deve ser confiada a quem "disponha de competência", ficando os estudantes apenas fora do Conselho Científico21.

3. GÉNESE DO ENSINO SUPERIOR EM AVEIRO 3.1.0 INSTITUTO MÉDIO DE COMÉRCIO PARTICULAR

A criação, em Aveiro, na década de sessenta - ano lectivo de 1965-1966 - de uma Escola tecnico-profissional pós-secundária, voltada para o ensino da Contabilidade, demonstra mais uma vez que as elites Aveirenses, fiéis a uma tradição22 de luta pela valorização da sua cidade, atentas às exigências do tecido empresarial e às mal contidas aspirações profissionais da sua juventude, se esforçam por integrar no crescimento económico em curso a expansão regional do ensino, de acordo com o já denominado "modelo de adesão tendencial à procura"23.

As dificuldades que a Escola teve de enfrentar exigiu grande determinação das personalidades envolvidas na iniciativa da sua criação e na diuturna tarefa de gestão.

Nos anos cruciais de 1968-1971, assume especial relevo o apoio concedido pela Câmara Municipal de Aveiro, sob a presidência de Artur Moreira24.

21 Decreto-Lei n°. 781-A/76, de 28 de Outubro, Preâmbulo. 22 José Fernandes de Sousa, A Associação Comercial de Aveiro - contributo para uma história de 130 anos, in Estudos do I.S.CA.A., Aveiro, II Série, n.° 2, I.S.C.A.A., 1996, pp. 21-76; Manuel Ferreira Rodrigues, As Elites Locais e a Escola Industrial e Comercial de Aveiro, 1893-1924, in Boletim Municipal de Aveiro, Aveiro, Ano XIV, n.° 28, Câmara Municipal de Aveiro, Dezembro de 1996, pp. 9-46. 23 Sérgio Grácio, Ensinos Técnicos e Política em Portugal, 1910-1999, (1992, data do trabalho académico), Lisboa, Inst. Piaget, Estudos e Documentos, 1998, p. 281. 24 A sua primeira directora, Maria Armanda Simões Dias, assinala, nas páginas desta revista, outras personalidades empenhadas neste projecto: Orlando de Oliveira, reitor do Liceu de Aveiro, e António de Almeida, do Colégio de Oliveira de Azeméis.

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3.2. A SECÇÃO DO INSTITUTO COMERCIAL DO PORTO

No início do ano lectivo de 1971, o Instituto Comercial do Porto recebe do Governo a incumbência de promover em Aveiro, "enquanto se aguarda que sejam definidas as linhas gerais da reforma em estudo", a criação de uma Secção do velho Instituto. Esta decisão oficializa a Escola particular existente, apoiada pelo Município, e permite-lhe leccionar dois cursos - o de Contabilidade e o de Preparatórios para o Ensino Superior de Economia e Finanças25.

A intervenção do Estado, que dá "continuidade à acção do Município", ocorre em momento oportuno, pois ao mesmo tempo que promete para a "região de Aveiro", em "futuro não distante", o Ensino Médio pós secundário revigora uma Escola em dificuldades devido à ambiguidade da sua natureza - particular, apoiada pelo Município - , que fica definitivamente esclarecida ao nível da validação oficial dos seus diplomas26.

A Escola Média de Aveiro assume, "nos seus aspectos técnicos, pedagógicos e disciplinares"27, o carácter de Instituto Comercial: o subdirector, nomeado pelo Ministério, sob proposta do Director28, tor-na-se "vogal nato" do Conselho escolar e do Conselho de Curso de Contabilista do Instituto29; o desenvolvimento das actividades escolares processa-se de acordo com as orientações do Conselho Escolar e do Conselho de Professores - convocado e presidido pelo subdirector30

-, cujas funções ficam bem definidas31.

Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Preâmbulo e Art.°l.° 26 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Preâmbulo. 27 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 4.°, n.°l. 28 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.°2° n.° 1. 29 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 2.°, n.° 2. 30 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art.° 4o, n.° 1 e n.° 2. 31 Decreto n° 38.231, de 23 de Abril de 1951, Art.° 25°, alíneas c), d), f), h),i), e m) do, desde que diga respeito à Secção.

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O Quadro de pessoal do Instituto Comercial do Porto é acrescentado de vários lugares - 13 professores, sete ordinários e seis auxiliares e 8 funcionários, 4 administrativos e 4 auxiliares - cujos titulares têm, em princípio, de prestar serviço na Escola de Aveiro32.

3.3.0 INSTITUTO SUPERIOR DE COMÉRCIO

A candência revolucionária, acesa pela explosão de atávicas aspirações sociais, e o processo de democratização da Escola e da sociedade portuguesas desencadeiam a recomposição de novos equilíbrios sociais protagonizados por agentes tradicionalmente menos intervenientes, mas, agora, dispostos a reivindicar a correcção de injustiças agudizadas no seio de uma sociedade aberta, mas, desde há muito, na agenda reivindicativa de inúmeros grupos profissionais, como os Contabilistas33.

A ideia de converter os Institutos Médios em Institutos Superiores progride no interior do torrentoso movimento revolucionário de Abril dinamizado por alunos, professores e forças locais. Sob o signo da primordial vaga revolucionária da "democratização do ensino", surgem as primeiras conversões de estabelecimentos de Ensino Médio, os Institutos Industriais, que, considerados símbolo de uma estrutura escolar "hierarquizada, antidemocrática e imobilista", são convertidos em Institutos Superiores de Engenharia e os seus diplomados equiparados a Bacharéis, deixando antever o rumo das estruturas escolares adentro das transformações sociais em curso.34

A mobilidade ascensional dos Institutos Comerciais, inserida no processo revolucionário de desenvolvimento económico e social do país, é o resultado de uma ampla convergência de forças sociais, onde os profissionais da Contabilidade e as Escolas assumem papel relevante.

32 Decreto Lei n.° 440/71, de 22 de Outubro, Art." 5o, n.° 2. 33 José Fernandes de Sousa, O Estado Novo e a Contabilidade, in Estudos do I.S.C.A.A., II Série, nos 3/4,1.S.C.A.A., 1998, pp. 114-170. 34 Decreto-Lei 830/74, de 31 de Dezembro, Preâmbulo.

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O Governo revolucionário de Vasco Gonçalves considera que os Institutos Comerciais, desde que dotados de "novos planos de estudo /.../ cuidadosamente elaborados e perfeitamente integrados nos planos globais da acção educativa do Ensino Superior", podem formar "técnicos qualificados"; por outro lado, a meta revolucionária da democratização da sociedade portuguesa exige a "abolição de todas as discriminações injustas", como aquela de que tem sido vítimas os diplomados dos Institutos Comerciais, dado que tendo "um programa de estudos correspondente, na prática, a um Bacharelato", partem para a vida profissional sem os créditos e o valor simbólico desse grau académico35.

Estas considerações desembocam num conjunto de medidas transitórias, mas significativas: por um lado, enquanto se não processa a "integração definitiva dos Institutos Comerciais no Ensino Superior" corrige-se a reconhecida injustiça com a "equiparação dos diplomados do Institutos Comerciais e outros cursos de Contabilidade a bacharéis"36, cujo grau lhes permite acesso ao estágio de professores do 6o

grupo do ensino técnico profissional37; por outro lado, inicia-se uma estratégia de conversão anunciada, tornando os Institutos Comerciais de Coimbra, Lisboa, Porto e a Secção de Aveiro do Instituto Comercial do Porto dependentes da Direcção Geral do Ensino Superior38.

A Secção de Aveiro do Instituto Comercial do Porto merece uma atenção especial: embora até à sua "definitiva conversão /.../ em estabelecimento de ensino superior" se mantenham os laços administrativos e financeiros com escola do Porto, a Secção passa a denomi-nar-se Instituto Comercial de Aveiro e entra em processo de autonomização, sendo os seus "planos e regimes de estudos de nível supe-

Decreto Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Preâmbulo. Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Preâmbulo. Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.° 4o. Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.°l, n° 1 e n.° 2.

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rior" aprovados pelo M.E.C.. - como, aliás, se determina para todas os outros Institutos Comerciais durante o período de transição39.

3.4. O INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DE AVEIRO

Em Maio de 1976, chega ao fim o período transitório: os Institutos Comerciais são convertidos em Institutos Superiores de Contabilidade e Administração. Agora, as novas escolas, dotados de "personalidade jurídica e autonomia administrativa e pedagógica, podem conferir todos graus académicos existentes: bacharelato, licenciatura e doutoramento.40

O dispositivo legal, em termos de graus, centra as suas preocupações na Licenciatura e avança duas vias possíveis para a obter, após o Bacharelato. Uma, a mais tradicional, através de um programa de estudos de dois anos, podendo exigir-se ou não o exercício da actividade profissional ou a frequência de um estágio, entre o fim do Bacharelato e o início da Licenciatura; a outra, a mais inovadora, prevê a elaboração de um plano individual de estudos, que poderá incluir exames ad hoc, discussão de trabalhos executados no âmbito da profissão, perante um júri de especialistas, isto é, várias modalidades de apreciação da qualidade dos trabalhos e da actividade profissional. O plano de estudos, em qualquer destas modalidades, se bem que da responsabilidade dos Institutos de Contabilidade e Administração, poderia ser cumprido total ou parcialmente noutras escolas.41

O ensino do Bacharelato e da Licenciatura será organizado por especialidades ao ritmo das necessidades do país, reservando-se a Secretaria de Estado da Administração Pública o direito de as definir em relação ao sector que tutela42.

39 Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Junho, Art.° Io, n.° 2, n.° 3 e n.° 4; Art.° 2o. 40 Decreto-Lei n.°. 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo; Art.° Io; Art." 2o, n.°.l e n.° 2. 41 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 8o. 42 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 6.° e 7o.

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O projecto educativo que envolve os i.s.C.A.'s fixa-lhes o mesmo regime de acesso e comete-lhes todas as tarefas tradicionais das escolas de ensino superior - de ensino, de investigação e profissionais43. Esta tripla missão assinala, de forma inequívoca, o lugar estratégico que estas escolas devem assumir no contexto das transformações revolucionárias da sociedade portuguesa na avançada década de 70.

O Governo de Pinheiro de Azevedo espera que os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração continuem a privilegiar uma "orientação realista" no ensino da Contabilidade e na formação dos técnicos destinados a exercer importantes funções indispensáveis à dinamização do sector público administrativo e empresarial, tais como controle orçamental, gestão de recursos humanos, "administração e controle da gestão financeira", a organização e o tratamento da informação, etc., de cuja eficácia se espera o "desenvolvimento democrático do País"; a "investigação e os estudos avançados", tarefas das novas escolas, devem apoiar as transformações em curso na sociedade portuguesa, inspiradas nos ideais revolucionários; e o carácter profissionalizante da sua acção pedagógica deve aprofundar-se na criação de condições para a formação inicial e recorrente dos trabalhadores - dos "técnicos" ligados ao mundo do trabalho - que é, afinal, a via mais segura da democratização do ensino, um dos anseios ínsitos nos ideais de Abril44.

O Decreto da conversão dos I.S.C.A's realça no seu passado as condições favoráveis à satisfação das "necessidades regionais", nomeadamente ao nível de profissionais qualificados, através de iniciativas de ensino ou de "extensão cultural" susceptíveis de melhorar "o nível de conhecimentos gerais e técnicos dos diversos estratos e organizações profissionais"45.

Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo e Art." 5°. Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo. Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 3o.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

Esta convicção, que radica no reconhecimento da tradicional missão profissionalizante dos Institutos Comerciais, patente no seu compromisso pedagógico com a vida e o mundo do trabalho, parece empurrá-los para o seio da Universidade como escolas "particularmente indicadas para uma ligação entre a Universidade e a Administração Pública"46.

A qualidade do ensino e a credibilidade dos graus que poderão conferir são acauteladas: o quadro de docentes contempla um corpo de catedráticos - 6, em Aveiro, 6, em Coimbra, 12, em Lisboa e 10 no Porto47; as disposições transitórias asseguram a continuidade dos docentes com provas dadas; e o recrutamento de pessoal docente passa a obedecer às normas aplicadas para o ensino superior48, isto é, apenas permite acesso aos melhores de entre os licenciados, sendo autorizada a contratação de bacharéis ou equiparados "de reconhecidos méritos profissionais /.../ em campos da sua especialidade"49.

A competência do pessoal técnico administrativo e auxiliar50, não é descurada: o chefe de secção, que chefia os serviços administrativos, tem de possuir diploma "de curso superior adequado", embora dele sejam dispensados os primeiros oficiais dos quadros "com, pelo menos, três anos de bom e efectivo serviço nessa categoria".51.

Assim se compreende que os Bacharéis, diplomados pelos I.S.C.A.'s, e os legalmente equiparados52 possam, no plano académico, ter acesso a outras Escolas de Ensino Superior para completar a Licenciatura 53 e, no plano profissional, ostentar os respectivos títulos pro-

46 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Preâmbulo. 47 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 12°. 48 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 14°. 49 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.0 16°. 50 Pessoal técnico, administrativo e auxiliar, por esta ordem: 4 para cada um dos ISCA's; 12 e 20, Aveiro; 13 e 22, Coimbra; 20 e 33, Lisboa; 19 e 33, Porto. 51 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 12°. 52 Decreto-Lei n.° 313/75, de 26 de Julho, nomeadamente o seu Art.° 3o. 53 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 10°.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

fissionais - o de Contabilista, para os de Contabilidade, e o de Técnico de Administração, para os de Contabilidade e Administração54.

O estudo dos problemas relacionados com o funcionamento, desenvolvimento e aperfeiçoamento dos I.S.C.A.'s fica a cargo de uma "Comissão consultiva permanente de âmbito nacional", regida por normas emitidas pela Secretaria de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica, com parecer favorável da Secretaria de Estado da Administração pública. A sua composição - onde entram representantes as duas Secretarias de Estado, dos Institutos de Contabilidade e Administração, das associações profissionais dos cursos de base dos I.S.C.A.'s, designados por estas Escolas55, e por outros elementos designados pela própria comissão - permite esperar um competente exercício das funções consignadas na lei, tais como cooperar com os órgãos dos Institutos em todas as solicitações, sugerir ao M.E.I.. as medidas consideradas indispensáveis e promover a troca de experiências pedagógicas dos Institutos entre si e a sociedade56.

As disposições transitórias acautelam a continuidade de direitos e deveres das novas escolas relativamente às instalações e equipamento. O quadro de pessoal merece especial atenção, podendo nele ser providos os actuais docentes e funcionários: os docentes, dentro de certas condições de categoria e de tempo de serviço, são providos como professores auxiliares ou assistentes, ficando os restantes, fora do quadro, como assistentes, assistentes eventuais ou na mesma catego-

34 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 9o. Não deixa de ser estranho que se retire às associações profissionais a possibilidade

de designar os seus representantes. Contudo, é desta forma que o Ministério tenta resolver uma questão difícil para as dispersas associações, permitindo aos I.S.C.A.'s uma escolha adequada às funções cometidas à Comissão. 56 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 4o.

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O I.S.CA. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

ria57, enquanto os funcionários têm os seu direitos igualmente garantidos, de acordo com as suas habilitações e tempo de serviço58.

3.5. O I.S.C.A.A. E A UNIVERSIDADE DE AVEIRO

Em 1976, o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro é integrado na Universidade local59, enquanto os de Coimbra, Lisboa e Porto "podem ser integrados nas Universidades por acordo de ambas as partes"60.

A sua integração na Universidade de Aveiro acarreta um dispositivo legal saído da Secretaria de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica, um despacho assinado por António Brotas, que fixa o quadro de relações do I.S.C.A.A. com a Comissão Instaladora da Universidade de Aveiro61.

As fronteiras à actuação da Universidade definem-se pelas "questões internas" do Instituto, que, dotado de "personalidade jurídica e autonomia administrativa e pedagógica", deve ser representado e dirigido pelos seus órgãos democráticos; contudo, as duas entidades não poderão ficar de costas voltadas, devendo manter correntes de informação recíproca de forma a tornar possível "soluções bem articuladas e de conjunto" em vários domínios; a criação de novos cursos deve respeitar a especificidade do I.S.C.A.A., não só em relação à Contabilidade e Administração, mas igualmente aos futuros projectos de desenvolvimento, devendo a Universidade consultar o Instituto face à hipótese de organizar cursos afins; as duas instituições devem articular o planeamento e a coordenação pedagógica, através de relações frequentes entre os seus conselhos científicos e pedagógicos, e promover a racionalização de recursos humanos, a serem recrutados separadamente.

57 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.0 17° e ss. 58 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 24° e ss. 59 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 2o, n.° 3. 60 Decreto-Lei n.° 327/76, de 6 Maio, Art.° 2o, n.° 4. 61 Despacho n.° 67/76, de 20 de Julho.

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

Os projectos de orçamento, elaborados por cada uma das entidade^ e as propostas de contratação de docentes e funcionários do I.S.C.A.A. - a partir de Setembro - serão enviados, através da Reitoria da Universidade de Aveiro, à Direcção Geral do Ensino Superior.

O modelo institucional de relações que A. Brotas pretende consagrar entre a Universidade e o I.S.C.A.A. inspira-se no da Universidade Técnica de Lisboa62, constituída por várias escolas, que, apesar da sua ampla autonomia, se integram no universo escolar.

4 . 0 REGRESSO DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO 4.1. O ENSINO SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO

A Revolução de Abril interrompe a Reforma de Ensino em curso, cujas Bases foram lançadas em 1973.

A abordagem pós revolucionária do Ensino Politécnico desenca-deia-se em 1976: o esforço de democratização dos Institutos, nomeadamente daqueles que estão em regime de instalação, é acompanhado da integração dos mesmos "num conjunto único que é a Universidade Portuguesa", podendo atribuir o grau de licenciatura e doutoramento, embora este em ligação com a Universidade ou Instituto Universitário63.

Em 1977, em fase de estabilização da democracia, o Governo de Mário Soares/Sottomayor Cardia, inconformado com o desaparecimento do ensino médio64 e a sua conversão em escolas com "formação teórica", análoga à universitária, promove a criação de escolas, denominadas de acordo com os cursos professados, destinadas a colmatar a ausência de formação de técnicos adaptados às necessidades produti-

Despacho n.° 67/76, de 20 de Julho. 63 Decreto-Lei n° 649/76, de 31 de Julho, Preâmbulo; Art.° 2o, n.° 1 e n.° 2.

O ensino médio torna-se superior em resultado da aplicação dos Decretos-Leis 830/74, de 31 de Dezembro - o industrial -, 316/76, 29 de Abril - o agrícola - e 327/76, de 6 de Maio - comercial.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

vas e sociais do país65. Aparece, assim, o ensino superior de curta duração - de 4 a 6 semestres - , a ministrar em escolas superiores técnicas e escolas superiores de educação de "natureza essencialmente prática, voltada para a formação de técnicos qualificados de nível superior intermédio, com um estatuto próprio e uma designação profissional correspondente, de forma que seja pela capacidade produtiva que se hierarquizem os valores pessoais de produção e não apenas pelo título académico"66.

O "novo modelo de ensino superior", inspirado em realizações já ensaiadas no exterior, persegue o escopo de diversificar a oferta cada vez mais adequada ao mercado de trabalho, através da formação de um novo tipo de diplomados, dotados de uma mentalidade que escape ao deslumbramento dos títulos académicos e privilegie a "formação vincadamente prática, especializada e profissionalizante"67.

O ensino superior de curta duração - o quadro legal é claro - assume "carácter nacional ou regional", mas a sua articulação à realidade envolvente fica patente na obrigação de criar em todas as escolas um "conselho consultivo", aberto à representação das actividades sociais, económicas e "culturais"68, "através das estruturas nacionais ou regionais responsáveis ou interessadas"69; por outro lado, e apontando no mesmo sentido, estas escolas "poderão integrar unidades de prestação de serviços"70 à comunidade no âmbito da sua especialidade.

A iniciativa da Assembleia da República promove alterações significativas relativas ao novo tipo de ensino: os seus diplomados deixam de ser "técnicos especialistas e de educação a nível superior intermédio" para receberem uma "formação de técnicos e profissionais

65 Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Preâmbulo. 66 Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art." 5o; Art.0 2°; n.° 1 e Preâmbulo. 67 Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Preâmbulo. 68 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, que ratifica com emendas várias o D.L. 427-B/77, de 14 de Outubro. Aqui, o Art." 10° acrescenta mais um tipo de representação. 69Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.0 10°. 70 Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.0 3°, n.° 3.

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de educação de nível superior"71, isto é, de "profissionais qualificados de nível superior"72 nos seus diversos domínios; pondera a possibilidade de as escolas de enfermagem se transformarem em escolas superiores de enfermagem73; e, finalmente, acrescenta uma finalidade inovadora ao ensino superior curto - a investigação científica e tecnológica 74ou "educacional"75, de acordo com a natureza das escolas.

O quadro legislativo que nos serve de referência calendariza a conversão dos Institutos Superiores de Contabilidade e Administração e as Escolas de Regentes Agrícolas (ano lectivo de 79-80), as que darão origem às Escolas Superiores de Educação e os Institutos Superiores de Engenharia (ano lectivo de 81-82)76.

4.2.0 ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO

Decorridos dois anos, em Dezembro de 1979, aparece um novo quadro legal desenhado pelo o Governo de Maria de Lurdes Pintasil-go, que substitui o conceito de Ensino Superior de Curta Duração pelo de Ensino Superior Politécnico77 com os habituais protestos de que a este se "pretende conferir uma dignidade idêntica ao Universitário", embora, em nome da "real diversificação" do ensino, se reserve para cada um deles, apesar das recomendadas formas de associação e articulação de ambos, um ensino de carácter distinto: de "tónica vincadamente profissionalizante", o Ensino Superior Politécnico, e "de características mais conceptuais e teóricas", o Ensino Superior Universitário78.

71 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° Io. 72 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.0 3o, al.a a). 73 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 2o, n.° 3. 74 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 3o, ai. c). 75 Lei n.° 61/78, de 28 de Julho, Art.° 4o, ai. c). 76 Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro, Art.° 2o, n° 2, n.° 3 e n.° 4. 77 Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Preâmbulo, n° 1 e Art.° Io. 78 Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Preâmbulo, n.° 1 e n.° 2; e Art.0 3o

e4°.

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O l.s.c.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

O Ensino Superior Politécnico recebe a incumbência de realizar tarefas no âmbito do ensino e da educação permanente, da investigação e desenvolvimento e da extensão, nomeadamente a promoção cultural das regiões e a solução dos seus problemas79, sendo-lhes permitido, desde Agosto de 1980, conferir o grau de Bacharel80.

4.3.0 REGRESSO DO I.S.C.A.A. À UNIVERSIDADE

Os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração, cuja conversão aparece no âmbito da recorrente criação de uma vasta rede nacional de Escolas Superiores de Educação, de Escolas Superiores Técnicas orientadas para cursos de produção, de tecnologias da alimentação e da saúde, de gestão, de jornalismo, etc., são agrupadas, por localidades, em Institutos Superiores Politécnicos81.

A nova sementeira, invocando as necessidades de desenvolvimento regional, com suas características específicas, anuncia a criação de Escolas Superiores de Gestão e Contabilidade por conversão dos Institutos Superiores de Contabilidade e Administração, que deixam de caminhar em direcção à Universidade e são integradas nos recém criados Institutos Politécnicos das respectivas cidades - Porto, Coimbra e Lisboa.

O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, desintegrado da Universidade82, transforma-se na solitária Escola Superior de Gestão e Contabilidade de Aveiro, embora aguarde, como, aliás, todas as outras instituições, o decreto-lei que concretizará a sua conversão.

79 Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Art." 2o. 80 Decreto-Lei n.° 303/80, de 16 de Agosto, Art.° 5o: "os estudos professados no Institutos Politécnicos conferem o grau de Bacharel". 81 Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro. 82 Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, Art.0 23°, al." c). 83 Decreto-Lei n.°513-T/79, de 26 de Dezembro, Art.° 20°.

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Revista Estudos do 1.S.CA.A.

A Assembleia da República, com Sá Carneiro no Governo, não se conforma com o destino destas Escolas e ratifica, com emendas, o recente Decreto-Lei n.° 513-T/79, de 26 de Dezembro, sobre o Ensino Superior Politécnico: os i.S.C.A.A.'s - Coimbra, Lisboa e Porto - podem inflectir, de novo, em direcção à Universidade local, enquanto o I.S.C.A.A., com a sua denominação tradicional, regressa à Universidade de Aveiro84.

5. A CONSOLIDAÇÃO DOS I . S . C . A . ' S E DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO

5.1. O PESSOAL DOCENTE: DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Em Maio de 1980, o Governo de Sá Carneiro reformula alguns aspectos do regime jurídico do pessoal docente dos I.S.C.A.A.'S, - como acontecera com os I.S.E.'S, quase sempre envolvidos análogas disposições legais85 - e permite que os Conselhos Científicos dessas escolas convidem, como professores auxiliares, os docentes que, em 06.05.76, tivessem mais 6 anos de serviço docente, dois deles na categoria de ordinários provisórios, nas Escolas de Ensino Médio, que deram origem aos I.S.C.A.'s86.

Em 1982, o Governo de Pinto Balsemão, ainda antes de uma definição clara dos Institutos de Contabilidade e Administração e dos Institutos de Engenharia no sistema de Ensino, faz uma nova abordagem transitória do regime jurídico e remuneratório dos docentes destas Escolas, evocando como razões da sua intervenção a "complexidade da situação", a existência de "casos cujo tratamento legal resulta relativamente injusto e inadequado"87.

O novo documento legal cria nos I.S.C.A.'s e nos LS.E.'s um quadro transitório de professores auxiliares e de assistentes , cujos lugares

Lei n.° 29/80, de 28 de Julho, Art." 2o. Decreto-Lei n.° 217/79, de 16 de Julho. Decreto-Lei n.° 133/80, de 17 de Maio. Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Preâmbulo, Art." Io, n° 2 e n.° 4.

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O i.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

são extintos à medida que vagarem88, no qual poderão ser providos os actuais docentes, desde que satisfaçam certas condições gerais e específicas, nomeadamente serem docentes à data da conversão das Escolas Médias em Escolas de Ensino Superior, contarem determinado tempo de serviço e obterem uma opinião favorável do Conselho Científico, consubstanciada numa "proposta fundamentada".

Assim, podem ser designados como professores auxiliares, os actuais docentes que se encontrem em qualquer das seguintes condições: a) aprovação, com mérito absoluto, em concurso de provas públicas para professor ordinário ou professor auxiliar das escolas Ensino Médio de onde derivam os i.S.C.A.'s e os i.S.E.'s, ou, em alternativa, b) contarem, pelo menos, 6 anos de serviço docente nos estabelecimentos de Ensino Médio antecedente ou nos de Ensino Superior89.

Mais tarde, em 1984, com o Governo de Mário Soares/José Augusto Seabra, a possibilidade de ser provido como professor auxiliar alargou-se a todos os docentes que "possuíssem à data da sua admissão, em regime de comissão de serviço, requisição ou destacamento, curso de licenciatura adequada e aprovação em Exame de Estado para o ensino profissional", como forma de lhes permitir optar pela continuidade do exercício de funções, sem perda de direitos, nas escolas convertidas90.

Os docentes, que não cumpram as condições fixadas, ou cum-prindo-as não sejam propostos para professores auxiliares, poderão ser providos no quadro transitório de assistentes, desde que, naturalmente, se encontrem ao abrigo das condições gerais para o efeito91.

88 Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art." 5o. 89 Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art." 5o. 90 Decreto-Lei n.° 309/84, de 25 de Setembro. 91 Decreto-Lei n.° 90/82, de 20 de Março, Art.0 Io e Art.0 2° O artigo n.° 5 salvaguarda os direitos dos docentes em serviço militar obrigatório.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

5.2. O ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE

Em Julho de 1981, o Governo de Pinto Balsemão define o estatuto da carreira do pessoal docente do Ensino Superior Politécnico92.

A definição do conteúdo funcional das diferentes categorias de docentes compagina-se com as finalidades a prosseguir pelo E.S.P.: compete aos docentes - assistentes, professores adjuntos e professores coordenadores - desempenhar, embora com graus de diferente responsabilidade, actividades pedagógicas, científicas e de investigação e desenvolvimento experimental93.

A progressão na carreira faz-se com base na apreciação da capacidade de desempenho no âmbito dessa trilogia de actividades, que ritmam a vida profissional dos docente do Ensino Superior Politécnico e constituem o núcleo duro do seu "curriculum vitae", cuja ponderação está presente em todos os concursos.

O concurso para professor adjunto integra a "discussão de dois temas estritamente relacionados com a área de ensino" da sua especialidade e de "um estudo /.../ que constitua uma actualização de conhecimentos técnicos ou uma análise crítica original"; o candidato a professor coordenador presta provas através de "uma lição sobre tema /.../ no âmbito de uma disciplina ou área científica" e de "uma dissertação, de concepção pessoal /.../ reveladora de capacidade para a investigação e que patenteie perspectivas de progresso" no domínio da sua especialidade94.

A nomeação definitiva, um momento significativo da carreira profissional dos docentes, ocorre após apreciação positiva pelo conselho científico de "um relatório pormenorizado da actividade pedagógica, científica e de investigação", cuja realização tenha ocorrido ao longo do prévio triénio de nomeação provisória95.

Decreto-Lei n° 185/81, de 1 de Julho de 1981. Decreto-Lei n° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.0 3o. Decreto-Lei. n° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.0 25° e Art.° 26° . Decreto-Lei n.° 185/81, de 1 de Julho de 1981, Art.° 11°, n.° 1.

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O I.S.CA. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

5.3.0 PESSOAL NÃO DOCENTE

O quadro de pessoal não docente dos Institutos é estruturado por um novo instrumento legal, cujas disposições obedecem a uma tripla orientação: "as actuais necessidades de serviço, nomeadamente as resultantes da forte expansão escolar", a premência de articular o regime jurídico do pessoal dos i.S.C.A.'s com o fixado para as carreiras da função pública e as condições de integração do actual pessoal no quadro das respectivas escolas96.

O recrutamento regula-se por normas gerais e os estatutos profissionais respectivos, com algumas excepções, que, apesar de tudo, apontam no sentido da exigência: o recrutamento do chefe de repartição "será efectuado de entre os chefes de secção, com, pelo menos, três anos de bom e efectivo serviço na categoria, ou de entre diplomados com curso superior e experiência adequada"97.

5.4. Os I.S.C.A.'s RUMO À AUTONOMIA: UMA NOVA ORGÂNICA

Em 1985, o Governo de Mário Soares/ João de Deus Pinheiro propõe-se avançar, com o "processo de regularização" dos I.S.C.A. s de forma a superar a gravosa "indefinição", que afecta negativamente todos os interesses em presença.98

O novo quadro legal consagra a plena autonomia dos I.S.C.A.'s, facto consubstanciado no reconhecimento da sua personalidade jurídica, na possibilidade de definir os seus estatutos e símbolos, embora sujeitos à homologação do M.E., e na outorga de ampla autonomia -administrativa, técnica, científica e pedagógica - , que assegura o exercício livre de toda da sua actividade, nomeadamente o processo de ensino aprendizagem, onde se pretende ver reflectida não apenas "a plu-

Decreto-Lei n.° 444/85, de 24 de Outubro, Preâmbulo e passim. Decreto-Lei n.° 444/85, de 24 de Outubro, Art.° 5o. Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro.

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Revista Estudos do l.S.C.A.A.

ralidade de doutrinas e métodos", mas igualmente "a liberdade de ensinar e aprender"99.

A filosofia da acção que deve presidir a estas escolas aparece impressa nas finalidades que lhe são atribuídas no âmbito da sua actividade: qualificação de técnicos de nível superior, a investigação experimental ligada às actividades produtivas e sociais, a prestação de serviços e o apoio à resolução de problemas, o desenvolvimento cultural, a formação e actualização profissionais, tudo com carácter e sentido eminentemente regional.

Os Cursos a ministrar pelos Institutos, cujos planos de estudos são aprovados pelo M.E., sob proposta do Conselho Científico, conduzem à obtenção do Bacharelato - 3 anos - e do diploma de estudos superiores especializados - 18 a 24 meses - uma autêntica Licenciatura para efeitos académicos e profissionais. O acesso a estes cursos -em funcionamento diurno e/ou nocturno, desde que o número de alunos o justifique, podendo neste caso a sua duração ser alargada - obedece às normas do ensino superior, sendo o curso de estudos superiores especializados abrangido pelo regime de "numerus clausus"100.

O quadro legislativo, talhado em 1985, mantém, ao nível dos órgãos de gestão, um Conselho consultivo, com diferente constituição e funções: passa a acolher os presidentes dos conselhos directivos e dos Conselhos científicos dos Institutos e outros elementos não especificados, a designar pela tutela, sob proposta das Escolas, e compete-lhe aconselhar o M.E. em todas as escolhas relativas ao ensino secundário e pós-secundário da contabilidade e acompanhar o desenvolvimento das acções programadas101.

Os serviços foram dotados de novos meios materiais e humanos: a Secretaria passa a ser dirigida por um secretário com a categoria de chefe de divisão; é criado o centro de documentação científica e técnica, coordenado por um docente, que integra a Biblioteca e o Centro de

Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° Io, Art." 2o e Art.° 3o. 1 Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.0 4o e Art.° 8o. 1 Decreto-Lei n°. 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 9o.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

Reprografia, e constitui-se um Gabinete de Informática igualmente coordenado por um docente102.

Os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração são dotados de um novo quadro de pessoal docente, constituído por professores adjuntos, 10 em Aveiro, e professores coordenadores, 6 em Aveiro, enquanto permanece um quadro transitório de professores auxiliares e de assistentes, que, em Aveiro, é de 4 e 12, respectivamente103.

As disposições transitórias relativas ao pessoal docente tendem para a manutenção da situação funcional anterior. Contudo, os assistentes e professores auxiliares do quadro transitório podem requerer ao M.E.. uma apreciação curricular com vista ao provimento na categoria, respectivamente, de professores adjuntos e de professores coordenadores. Os professores auxiliares não promovidos podem, em futuros concursos, previstos no estatuto da carreira docente, ser opositores ao concurso de provas públicas para professor coordenador104, enquanto os actuais assistentes passam a assistentes do 2o triénio105.

As anteriores disposições relativas à concessão de graus e à organização do Bacharelato e da Licenciatura são, finalmente, revogadas e o novo quadro legal106 perfila-se como o verdadeiro estatuto destas escolas, cuja linha directriz é acolhida por duas futuras leis fundamentais: a das Bases do Sistema Educativo e a do Estatuto da Autonomia dos estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico107.

,0 / Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art." 1 Io e Art.° 12°. 103 Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 15°, Quadro I e Art.° n° 17°; Q. II. 104 Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 18°. 105 Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro, Art.° 19°. 106 Decreto-Lei n.° 443/85, de 24 de Outubro. 107 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro e Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro.

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

6. A CONSAGRAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO 6.1. O TRIUNFO DO SISTEMA BINÁRIO

Em 1986, um extenso documento - Lei de Bases do Sistema Educativo -, subscrito por Mário Soares e Cavaco Silva, configura um novo "quadro geral do sistema educativo'"08.

O novo referencial do sistema de ensino estabelece que "o ensino superior compreende o ensino universitário e o ensino politécnico"109.

Os dois tipos de ensino ficam comprometidos com objectivos comuns, que visam, entre outros, os seguintes: "a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo"; a formação de técnicos aptos a inserir-se nas diferentes tarefas profissionais e a promover o desenvolvimento da sociedade portuguesa e a sua formação contínua; e "a pesquisa e a investigação científica" tendente a desenvolver os instrumentos científicos tecnológicos e culturais indispensáveis a um melhor relacionamento do homem com o meio.

Contudo, há a preocupação de distinguir a especificidade de cada um dos ensinos: o universitário visa objectivos natureza científica, cultural e técnica, agilizadores do desempenho de actividades profissionais e culturais, e "o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de análise crítica", enquanto ao politécnico se confia a consecução de "uma sólida formação cultural e técnica", a missão de transmitir "conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de actividades profissionais" e a incumbência de desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica110.

A concessão de graus separa igualmente os dois ensinos: o universitário, para além de outros certificados, diplomas ou formação

Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." Io, n.° 1. Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 1 Io, n.° 1. Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 1 Io, n.° 2, n.° 3 e n.° 4.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

de educadores de infância e professores do ensino básico e secundário, em unidades próprias, confere os graus de licenciado, mestre e doutor111; o politécnico, para além de certificados ou diplomas de curta duração e do diploma de estudos superiores especializados, equivalente à licenciatura "para efeitos profissionais e académicos""2, apenas confere o grau de Bacharel113. Contudo, fica aberta a possibilidade de os cursos de estudos superiores especializados poderem conduzir à Licenciatura, desde que formem "um conjunto coerente com um curso de Bacharelato precedente"114.

O ano de 1990 trouxe a publicação do Estatuto de Autonomia dos estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico115, instituições que podem assumir duas formas distintas: os Institutos Politécnicos, constituídos por agrupamentos de Escolas da mesma região - duas ou mais - e, eventualmente, por "unidades orgânicas" votadas à realização dos mesmos objectivos, que se configuram como "pessoas colectivas de direito público dotados de autonomia estatutária, administrativa, financeira, e patrimonial"116, com órgãos directivos próprios - Presidente, Conselho Geral e Conselho Administrativo 117; e o de Escolas não integradas que, tal como as integradas, têm órgãos próprios de gestão - Director ou Conselho Directivo, Conselho Cientifico-pedagógico (podendo existir dois conselhos separados), Conselho Consultivo e Conselho Administrativo"8 - e gozam de uma mais ampla autonomia - científica, pedagógica, administrativa e financeira -, podendo mesmo elaborar os próprios estatutos119.

111 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.° 13°, n.° 2 e Art." 31°, n.° 1. 112 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.° 13°, n.° 6. 113 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art." 13°, n.° 4. 114 Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro, Art.0 13°, n° 7. 115 Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro. 116 Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.0 Io, n.° 1, n.° 2 e n.° 3. 117 Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.0 17°. 118 Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art." 28°. 119 Lei n.° 54/90, de 5 de Setembro, Art.° 42°.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

O Governo socialista, que, em 1997, altera a Lei de Bases do Sistema de Ensino, baliza a futura legislação relativa ao acesso e ingresso no ensino superior com uma série de princípios orientadores, entre os quais se destaca a "democraticidade, equidade e igualdade de oportunidades", a "objectividade de critérios" de selecção e seriação dos candidatos, as regras universais para os dois subsistemas, a valorização do trajecto educativo do candidato, etc.120

O mesmo documento explicita a vontade política de eliminar o "numerus clausus", "as restrições quantitativas de carácter global no acesso ao ensino superior", sem perder de vista as amplas razões em que deve assentar a implantação dos cursos, cuja existência se justifica desde que, assegurada a qualidade do ensino, "correspondam globalmente às necessidades em quadros qualificados, às aspirações individuais e à elevação do nível educativo, cultural e científico do País"121.

Esta alteração da Lei de Bases, que reforça o sentido democrati-zante do Ensino Superior, permite, finalmente, sem rodeios, que o Ensino Superior Politécnico possa, para além do Bacharelato, conferir o grau de Licenciado122.

A valorização do subsistema do politécnico ressalta na abordagem da mobilidade entre os dois tipos de ensino, cuja disposição legislativa perde anteriores minudências para dilucidar que deve ser "assegurada com base no princípio do reconhecimento mútuo do valor da formação e das competências adquiridas"123.

6.2. O I.S.C.A. DE AVEIRO

O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Aveiro, ao abrigo da Lei de Bases, propõe a criação de um curso conferente de "Diploma de Estudos Superiores Especializados em Auditoria",

1ZU Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art.0 12°, n.° 2. 121 Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art." 12°, n.° 4. 122 Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art." 13°, n.° 3. 123 Lei n.° 115/97, de 19 de Setembro, Art.° 13°, n.° 8.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

cujas condições de acesso, critérios de selecção, plano de estudos, funcionamento, avaliação, classificação final e diploma aparecem definidos em Portaria124.

A Escola de Aveiro, que se antecipara na criação do Curso de Estudos Superiores Especializados em Auditoria vê conferir ao seu Curso o grau Licenciatura, dado que se lhe reconhece constituir "um conjunto coerente" com o Bacharelato anterior125 - duas conquistas de funcionalidade endógena ao nível da formação de alguns dos seus docentes. Apesar disso - ou talvez por isso - entra em ruptura com os outros Institutos, pois aceita cordatamente, em defesa da continuação do Bacharelato, a sua integração no Politécnico126.

Os diplomados pelo recente Curso de Estudos Superiores Especializados em Auditoria, detentores de um Bacharelato em Contabilidade e Administração, são os primeiros a ser contemplados com o grau de Licenciado concedido pelos I.S.C.A.'S , que só mais tarde será consagrado ao nível do E.S.P.

O Governo de Cavaco Silva, com Roberto Carneiro no M.E., integra os I.S.C.A.'S, - Aveiro, Coimbra, Lisboa e Porto -, com base nos objectivos do seu ensino e no plano dos cursos, na rede de estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico127: os três últimos integrados nos Institutos Politécnicos das respectivas cidades128, ficando o I.S.C.A.A. como Escola autónoma129.

124 Portaria n.° 686/86, de 14 Novembro. Esta portaria é assinada pelo Secretário de Estado do Ensino Superior, Fernando Nunes Ferreira Real, 15 de Outubro de 1986. 125 Portaria n.° 229/88, de 14 de Abril, Preâmbulo. A Portaria, saída da Secretaria de Estado do Ensino Superior, assinada por Alberto José Nunes Correia Ralha, é redigida de forma apressada, pois confunde dois decretos: onde se lê D.L. 69/88 deve ler-se Decreto-Lei n.° 70/88. 126 A Assembleia Geral de alunos, realizada 09.03.88, decide a favor por larga maioria dos presentes - 204 dos 218. Ver, por todos, Jornal de Notícias e Diário de Aveiro nas suas edições de 11.03.88. 127 Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Preâmbulo e Art." Io. 128 Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Art.° Io Esta rede de estabelecimentos do E.S.P. foi criada pelo Decreto-Lei n.° 46/85, de 22 de Novembro, Art." 8o. 129 Decreto-Lei n.° 70/88, de 3 de Março, Art.0 3o.

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Este novo quadro legal permite que o I.S.C.A. de Aveiro possa viver um dos momento mais significativo da sua história: após um longo processo de feição democrática, vê homologados, publicados130

os seus estatutos - um extenso documento que, contemplando todos os aspectos que se prendem com a caracterização, a organização e o funcionamento, consagra a plena autonomia131 e culmina o processo de dignificação de uma Escola do Ensino Superior Politécnico.

O Governo de Cavaco/Manuela Ferreira Leite, em 1994, promove o alargamento da rede do Ensino Superior Politécnico, ao qual reconhece "especial aptidão para satisfazer as necessidades de formação científica, técnica e profissional das estruturas produtivas", indispensáveis ao desenvolvimento regional.

A criação de novos institutos e escolas superiores politécnicas, que aparece, confessadamente, como "uma das prioridades da política educativa", contempla a região de Aveiro: nasce o Instituto Politécnico de Aveiro, configurado, apenas na lei, com a criação da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, em Águeda, e a integração do Instituto de Contabilidade e Administração de Aveiro132.

Ao longo da década de 90 - 1994-1999 - , o i.s.c.A.A. relaciona-se com a Universidade Aberta para, através de um protocolo de cooperação, promover um Mestrado em Contabilidade e Finanças Empresariais, com o duplo objectivo de continuar a formação dos seus docentes e de quadros da administração pública e empresarial.

Homologação: Despacho n.° 330-C/ M:E:/92; publicação: Diário da República, II série, de 2 de Fevereiro de 1993.

Que, como é evidente - ou talvez não - é exercida, como fixam os próprios estatutos, "com respeito pelos princípios da legalidade, da não discriminação e das demais garantias constitucionais" ( Art.° 2°, n.° 3). 132 Decreto-Lei n.° 304/94, de 19 de Dezembro, Preâmbulo e Art.° Io.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

6.3. A SOLUÇÃO FINAL

Desde 1994, o i.s.c.A.A partilha, com a E.S.T.G.A. - Escola Superior de Tecnologia e Gestão - de Águeda, o I.P.A. - Instituto Politécnico de Aveiro. O i.s.C.A.A. não pára, mas a estrutura escolar que o integra e a E.S.T.G.A. permanecem congelados no marasmo dos equilíbrios político-partidários, dando lugar a peripécias que - sem falar de bastidores - , "contado ninguém acredita"133.

Em 1996, o M.E., indo ao encontro da "vontade"134 da Universidade de Aveiro, comete-lhe a tarefa de implantar a Escola de Águeda, facto consumado com a sua abertura em Outubro de 1997, que deixa adivinhar o destino do I.P.A.

O I.S.C.A.A. fica isolado no seio de uma estrutura escolar esvaziada, tendo ao lado a Universidade de Aveiro, cuja disposição é a de absorver o I.P.A. A Escola de Contabilidade e Administração de Aveiro, que, desde a década de 70, fizera um percurso de boa vizinhança com a universidade local, inicia um diálogo rumo à integração, sob o signo de uma ideia já ensaiada, em ruptura com a tradicional concepção do sistema binário implantado no Ensino Superior.

O resultado das conversações ficou plasmado na "Proposta dos Termos de Referência Acordados para Efeitos da Integração do I.S.C.A.A. na universidade de Aveiro" 135, assinada pelos representantes das duas instituições, em meados de 1999 - 23 de Junho -, cuja filosofia inspira a moldura legal que coloca no ninho do grifo hipostasiado de águia o caduceu de academia profissional, com um estatuto que poderá ser análogo ao das escolas integradas em Institutos Politécnicos.

A nova configuração preserva a "individualidade" da Escola e garante o "respeito integral pela natureza e objectivos do ensino superior politécnico"136, mas o regime de integração faz-se de acordo com

133 Entrevista com... Prof. Edmundo Fonseca, in Folha Informativa, Aveiro, Ano 6, n.°7, U. A. - Serviços de Relações Externas, Julho /Agosto de 2001, pp. 9-11, p. 9. 134 Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Preâmbulo. 135 «^ Proposta dos Termos de Referência..." é publicada em anexo. 136 Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Preâmbulo.

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os estatutos da u.A137. A "Proposta dos Termos de Referência ...", ao mesmo tempo que consagra uma reserva de autonomia indispensável à manutenção da individualidade do I.S.C.A.A., atenua essa determinação, deixando presumir uma alteração dos estatutos da u.A., que dê adequada representatividade ao I.S.C.A.A. nos órgãos de governo da Universidade.

7. O FUTURO DO I.S.C.A.A. E DA CONTABILIDADE

A individualidade, que o I.S.C.A.A. pretende preservar, aflora nas vivências do passado e na concepção que tende a forjar do seu futuro -esse tempo primordial da mudança. A Universidade - apostada em vivificar a diversidade - deixa-nos essa lição, cuja pedagogia, se for autêntica - e ninguém ousará afirmar o contrário - reforçará um dos valores intrínsecos à própria origem e constituição do Instituto.

O i.s.C.A. - e os I.S.C.A.'s - promoveram a dignidade da Contabilidade e dos Contabilistas e tornaram-se cúmplices de uma luta longamente travada em terrenos difíceis. Seria inglório que, face às actuais conquistas da Contabilidade e dos Contabilistas, se deixasse arder o I.S.C.A. em qualquer pira a caminho da Universidade de Aveiro.

A Contabilidade, como sucedeu com todas as outras ciências, tende a seguir uma via de autonomização em relação aos saberes contíguos, como a Economia e a Gestão, etc. Este processo de especialização favorece o refinamento dos domínios científicos da Contabilidade, em prejuízo de uma "visão holística", embora, como reconhece Lopes de Sá a partir da experiência brasileira, tenha contribuído para a autonomia da profissão, com "benefícios expressivos à evolução cultural"138.

Contudo, mesmo que esse aparente isolamento obedeça a uma inevitabilidade histórica de autonomização das ciências, a Contabili-

Decreto-Lei n.° 530/99, de 10 de Dezembro, Art." 3o. Sá, António Lopes de Sá, História Geral e das Doutrinas de Contabilidade, S.

Paulo, Ed. Atlas S.A., 1997, p. 170.

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dade tem de reatar os laços de convivialidade interdisciplinar com os saberes conexos, de cujas sinergias dependem os novos desenvolvimentos.

O acesso da Contabilidade ao estatuto de unidade autónoma no seio da Universidade e ao de área de investigação139 vai permitir, através de pós-Graduações, Mestrados e Doutoramentos nos seus diferentes domínios científicos, a criação de uma elite de construtores do saber apostada em prosseguir a elevação do nível científico e cultural da sua disciplina, com reflexos no ensino, na investigação e na vida profissional - que constitui um amplo laboratório onde se cruzam todos os desafios científicos, técnicos e culturais.

CONCLUSÃO

O I.S.C.A. de Aveiro adopta uma estratégia de objectivos claros, ecos de uma luta social com resultados adiados pelas travagens inerentes a uma "sociedade fechada", pouco propensa à construção de competências sociais.

Esses objectivos, prosseguidos e articulados com força distinta e consciência diversa do seu alcance ao longo de todo o processo, cons-telam-se em torno da organização e consolidação de uma Escola mais ambiciosa nos fins que nos meios, apostada na valorização do curso de contabilista, na dignificação da contabilidade e na satisfação das aspirações dos seus profissionais.

A consecução destes objectivos fez-se, mesmo em período de convulsões sociais, em clima de estabilidade, com pessoal dirigente endógeno, em relação à escola e ao meio, sem recurso a Comissões instaladoras, mas com a mesma consciência de que o progresso da Escola dependia da articulação dos seus objectivos com os interesses locais. A continuidade, em exercício de funções, do seu pessoal diri-

139 Decisão da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Universidade, em 3 de Março de 2001.

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gente140 confere-lhe uma profunda experiência dos processos institucionais em curso - formais e informais - que lhe permitem orientar escolhas e ritmos de mudança, em conformidade com uma interpretação "pragmática" dos sucessivos quadros jurídicos da política educativa que, apesar do limitado potencial para exprimirem os diferentes níveis da realidade e a complexidade institucional de uma escola, deixam traços impressivos da vida do i.s.c.A. e sugerem novos territórios de pesquisa.

BIBLIOGRAFIA:

A bibliografia essencial - assim como as fontes - aparece referenciada em rodapé.

ANEXO:

PROPOSTA DOS TERMOS DE REFERÊNCIA ACORDADOS PARA EFEITOS DA INTEGRAÇÃO DO I.S.C.A.A. NA UNIVERSIDADE DE AVEIRO

I - ASPECTOS ADMINISTRATIVOS E FINANCEIROS

1. Após a integração, o I.S.C.A.A. conservará a autonomia administrativa e financeira própria de Escolas integradas em Institutos Politécnicos, sendo as competências destes exercidas pela Universidade de Aveiro.

2. Esta autonomia vigorará por um período de três anos, decorrido o qual será obrigatoriamente avaliada e, eventualmente, revista, após acordo entre os órgãos de gestão do I.S.C.A.A, como unidade or-

Esta continuidade foi assegurada, ao longo de três décadas, pelo Prof. Dr. Joaquim José da Cunha.

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O I.S.C.A. de Aveiro: as Vicissitudes de uma Escola de Contabilidade

gânica da U.A., e os órgãos de governo da Universidade para o efeito competentes.

3. No exercício dessa autonomia, o I.S.C.A.A. respeitará as orientações em matéria administrativa e financeira emanadas do Senado da Universidade.

4. A dotação orçamental do I.S.C.A.A. terá inscrição própria no Orçamento do Estado, incluída no orçamento da Universidade, e corresponderá ao montante antecipadamente fixado pelo Senado.

5. Uma vez definido o orçamento da Universidade, será este a geri-lo, podendo como tal promover a realização dos actos tendentes à aquisição de bens e serviços e autorizar despesas, respeitando as orientações gerais dos órgãos de governo da Universidade.

6. A Biblioteca do I.S.C.A.A. passará a integrar os Serviços de Documentação da Universidade como unidade autónoma no que se refere à instalação física e à aquisição de fundos bibliográficos.

7. O I.S.C.A.A. mantém quadros próprios de pessoal docente e não docente.

II - ESTATUTO DO PESSOAL DOCENTE

1. O pessoal docente do I.S.C.A.A. continua a reger-se pelo disposto no Estatuto da Carreira docente do Ensino Superior Politécnico.

III - ARTICULAÇÃO COM O CONSELHO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE

Admitindo que, aquando da integração do I.S.C.A.A. na Universidade de Aveiro, poderá ainda não ter ocorrido uma revisão estatutária que permita assegurar ao I.S.C.A.A. uma representação no Conselho Científico da Universidade em termos paritários com a das outras unidades orgânicas e reflectindo adequadamente a sua dimensão relativa, será aconselhável prever-se um regime transitório de articulação das competências dos Conselhos Científicos do I.S.C.A.A. e da Universidade, a vigorar até que venha a concretizar-se aquela revisão.

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Tendo em conta que com os actuais estatutos da Universidade o I.S.C.A.A. não teria qualquer representante no Conselho Científico da Universidade, importará reservar ao Conselho Científico do I.S.C.A.A., até à revisão estatutária acima referida, um leque de competências substancialmente alargado, sob pena de "não ter voto" em matérias essenciais para a vida da escola.

Assim, continuam a caberão Conselho Científico do I.S.C.A.A. as seguintes competências:

1. Distribuir a assistentes serviço docente idêntico ao dos professores adjuntos, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.

2. Aprovar a contratação do pessoal especialmente contratado, por convite, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.

3. Propor a renovação dos contratos com os assistentes, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.

4. Apreciar os relatórios quinquenais dos professores de nomeação definitiva.

5. Instruir e deliberar sobre o processo de nomeação definitiva dos professores.

6. Propor a renovação dos contratos dos docentes especialmente contratados.

7. Designar o júri para os concursos documentais de assistentes e professores adjuntos, a homologar pelo Reitor, após parecer favorável da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Universidade.

8. Propor o júri dos concursos de provas públicas para professores adjuntos e para professores coordenadores, a homologar pelo Reitor, após parecer favorável da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Universidade.

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9. Promover a publicação dos programas e divulgar a estrutura e funcionamento dos cursos.

10. Conceder dispensa de serviço docente e apreciar o relatório dos beneficiários, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade e dando conhecimento ao Conselho Científico da Universidade.

11. Designar os orientadores dos assistentes, com comunicação ao Conselho Científico da Universidade.

12. Distribuir o serviço docente, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.

13. Pronunciar-se sobre pedidos de autorização para leccionar em instituição diferente, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade, com comunicação ao Conselho Científico da Universidade.

14. Propor a contratação de docentes aposentados para pós-graduações, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade, com comunicação ao Conselho Científico da Universidade.

15. Dar parecer sobre aquisição de equipamento científico e bibliográfico.

16. Elaborar as propostas de planos de estudo para cada curso e definir o número máximo de matrículas, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade, submetendo-as à apreciação do Conselho Científico da Universidade que, após aprovação, as remeterá ao Senado.

17. Definir as linhas orientadoras das políticas a prosseguir pela escola, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade.

18. Promover a celebração de convénios ou acordos de cooperação no domínio do ensino da contabilidade, da administração e da organização empresarial com outras instituições, públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, e promover a sua concretização, respeitando as políticas gerais definidas pelos órgãos da Universidade para o efeito

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

competentes, cabendo a assinatura dos mesmos ao Reitor da Universidade.

19. Coordenar, em colaboração com o Conselho Pedagógico, todos os trabalhos académicos.

20. Exercer, respeitando as políticas gerais definidas pelo Conselho Científico e pelo Senado da Universidade, as actuais competências previstas no Art.° 73°, n.° 1 dos Estatutos do I.S.C.A.A., ou seja, impulsionar, orientar e coordenar as actividades de investigação científica; propor ao Conselho Directivo a designação dos professores encarregados da biblioteca; desenvolver a investigação científica interdisciplinar; e promover a publicação de uma revista.

21. Pronunciar-se sobre a contratação de investigadores não docentes e de pessoal técnico adstrito a actividades científicas e à biblioteca do I.S.C.A.A., bem como sobre a renovação ou prorrogação dos respectivos contratos, ou sobre o seu provimento definitivo.

Serão transferidos para o Conselho Científico da Universidade as seguintes competências:

22. A partir do ano lectivo 2000/01 (ano lectivo seguinte à integração), aprovar os regulamentos de frequência, avaliação, transição de ano e precedências, no quadro da legislação em vigor.

23. Com efeitos imediatos a partir da integração, decidir sobre a equivalência e reconhecimento de graus, diplomas, cursos e componentes de cursos, após parecer do Conselho Científico do I.S.C.A.A. relativamente aos cursos que ministra, nos termos da lei em vigor.

IV - ARTICULAÇÃO PEDAGÓGICA

24. O I.S.C.A.A. continuará a dispor, nos termos do Art.° 37 da Lei n.° 54/90, de um Conselho Pedagógico próprio, a ser constituído por representantes dos professores, assistentes e estudantes, eleitos pelos respectivos corpos, nos termos dos seus estatutos.

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25. A presidência do Conselho Pedagógico do I.S.C.A.A. poderá caber a professor coordenador ou professor adjunto, adaptando-se nesse sentido os estatutos da Universidade.

26. A partir do ano lectivo de 2000/01, na composição do Conselho Pedagógico do I.S.C.A.A. passará a existir paridade entre o número de docentes e estudantes.

27. As competências que continuarão no Conselho Pedagógico do I.S.C.A.A. são as enumeradas no Art.° 82° do Estatuto do Instituto.

V - FORMALIZAÇÃO DA INTEGRAÇÃO

1. O presente documento será rubricado pelo Reitor da Universidade e pelo Presidente do Conselho Directivo do I.S.C.A.A., que o submeterão a aprovação, respectivamente, do Senado da Universidade e da Assembleia de Representantes do I.S.C.A.A.

2. A deliberação do Senado da Universidade, para aprovação do presente documento, será tomada e para efeitos do disposto no n.° 3 do Art.° 5o dos respectivos Estatutos, estabelecendo as particularidades do estatuto e regime aplicáveis ao I.S.C.A.A. como unidade orgânica da Universidade.

3. Uma vez adoptadas as deliberações acima referidas, será o presente documento remetido ao Governo, em ofício conjunto do Reitor da Universidade e do Presidente do Conselho Directivo do I.S.C.A.A., solicitando a autorização prevista no n.° 3, in fine, do Art.° 14° da Lei de Bases do Sistema Educativo.

4. Publicado que seja o Decreto-Lei de autorização, a integração do I.S.C.A.A. na Universidade torna-se efectiva em 1 de Janeiro de 2000.

Aveiro, 23 de Junho de 1999

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

STRUCTURE, PROBLEMS AND PERSPECTIVES OF THE A ATHENS STOCK EXCHANGE (ASE)

PANTELIS F. KYRMIZOGLOU [email protected]

ASSOCIATE PROFESSOR HEAD OF THE DEPARTMENT OF ACCOUNTING

TEI OF THESSALONIKI

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Revista Estudos do Í.S.C.A.A.

ABSTRACT

1. THE LONG LASTING MISPLACED ROLE OF THE ASE 2. THE CURRENT DEVELOPMENTS IN THE ASE 3. THE MODERN STRUCTURE OF THE ASE 4. LISTING REQUIREMENTS FOR THE MAIN AND THE PARALLEL

MARKETS 5. PERSPECTIVES OF THE ASE

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Structure, poblems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

l. T H E LONG LASTING MISPLACED R O L E OF THE ASE

The Athens Stock Exchange (A.S.E.) was established in 1876, as a self-regulated public institution, supervised by the Ministry of National Economy. Despite the long history of the ASE, its role towards the growth of the Greek economy, was misplaced due to many reasons. The most important of them in our opinion were the following:

• dividend yields were very low, compared with the rates of interest of bank deposits and bonds. That was due to the oppressive taxation policy of the governments, or the tight dividend policy and very often the poor results of the firms. Therefore the wide public was not encouraged to approach the stock exchange;

• the existence of exchange restrictions for many years, discouraged the foreign investors;

• commercial and investment banks were restricted by themselves in giving long-term loans instead of launching new kinds of services like underwriting. This practice led the firms to a deterioration of the leverage ratios;

• the compulsory blocking of a certain percentage of deposits, for the financing of public enterprises with low rates of interest. In this way the state used cheap available funds instead of proceeding to privatisations;

• the delay of the various governments in introducing a modern institutional framework with transparency in the function of brokerage firms. This lack of transparency combined with the lack of fundamental knowledge about the function of the A.S.E. and the evaluation of shares, made the wide public hesitate to approach the stock exchange;

• the delay in a substantial involvement of the institutional investors; Although Mutual Funds and Portfolio Investment Companies were enacted in 1970, they started playing an important role, only by the end of 80's. Even now Pension Funds refrain

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from investing in the stock exchange due to the lack of the relative legislative regulation;

• the impulsive character of the Greek people, led many times to an unjustified rise or fall of the general index, and consequently to the disappointment of potential investors;

• the lack of political stability for long periods of time, combined with the lack of consistency and continuity in the exercised economic policy. Very frequent changes of governments and ministers, and very frequent changes in the institutional framework of the A.S.E. were not the best conditions for the smooth functioning of the stock exchange;

• finally the family character of a big number of firms, averted them from being interested in enlistment in the A.S.E., because of the fear of inability for the effective management of a bigger firm.

2. THE CURRENT DEVELOPMENTS IN THE ASE

As many of the above mentioned reasons ceased to exist or at least don't continue to exist in the same extent during the last few years, we have seen a blooming of the A.S.E. The blooming was due mainly to the involvement of thousands of small investors. This involvement is attributed to the significant fall in the rates of interest, the "discounted" perspective for the country's admission in the Economic and Monetary Union, the overall improvement in terms of macroeconomics and to factors which can be interpreted by psychology and sociology.

Although such and involvement is welcome, it created many problems, because it took place very rapidly. The vast majority of the new investors were not familiar with the philosophy of the stock exchange and therefore their enthusiasm - as the general index was increasing - led them to an irrational behaviour, as the new investors were buying "any share at any price".

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Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

In September 1999 the general index of the ASE reached the record level of 6.355 points compared with 933 points in 1996, 1480 points in 1997 and 2737 points in 1998.

What followed was a dramatic fall of prices below 5.000 points (March-April 2000). This fall created the so called "trapped investors" who bought shares at very high prices and they were not able to get rid of them.

The fall started in September 1999 when the general director of the central bank of Greece gave an interview, warning the investors that many share prices were extremely high. This warning and the statements made by various politicians were taken into account very seriously by the investors and led them to massive sales.

Although we agree with the warning of the general director of the Bank of Greece and we believe that it led to more reasonable price levels, it is doubted if the timing of the warning was the appropriate one. If these statements were made earlier they could anticipate many losses of the "trapped investors". In capital markets like the Greek one, which are not mature enough, we believe that some kind of intervention is necessary in order to protect the big number of unexperienced investors.

In order to have a more clear picture of the A.S.E. we quote some ratios and we compare them with the respective ratios in other stock exchanges.

At the end of 1999 the A.S.E. was considered an overvaluated stock exchange (the situation was even worse in September 1999 as we mentioned above). The average P/E was 54,47 compared with 26,5 in Germany, 24,5 in Britain, 14,4 in Brazil and 30 in U.S.A.

Another evidence of overvaluation was that the P/BV ratio was 9,44 compared with 3,7 in Germany and Britain, 1 in Brazil and 5,6 in U.S.A.

The dividend yield in the ASE was 0,54%, when it was 2% in Germany, 2,4% in Britain, 3,5% in Brazil and 1,2% in U.S.A.

The market capitalisation /GNP ratio was also very high for the A.S.E. It reached 176% when it was 45% in Germany, 164% in Britain, 20% in Brazil and 181% in U.S.A.

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In order to have a better understanding of the recent crisis in the ASE we need to know some more details. In December 1999 there were 294 companies enlisted in the ASE, compared with 264 companies in Milan, 233 companies in Amsterdam, 127 in Lisbon and 96 in Vienna. (Source: FESE/VIMA 27-2-00). In the same time another 180 companies are waiting in the queue for enlistment in the main or the parallel market. To some extent these big numbers constitute evidence of the lack of mergers and acquisitions in the Greek economy. In the same time the need for higher listing requirements becomes obvious.

The huge increase of the capital raised by listed companies and by new listing, combined with the split of the existing shares, led to an incredibly big number of shares in the A.S.E.

It is estimated that the number of shares in the A.S.E. has been increased by 140% in 1999, compared with an average 26% increase in the stock exchanges of the European Union.1

To some extent the current crisis (April 2000) with the dramatic fall of the prices of shares, is attributed to the plethora of shares, combined with the excessive absorption of funds available for investment in the A.S.E.

Serious problems have arisen from the very rapid increase in the numbers of ELDE (companies dealing with receiving orders from the public and transferring them to the brokerage firms). The very low requirements in terms of capital and mainly in terms of the qualifications of the people involved, resulted in a situation where non-specialists act as consultants of the public, although they are not allowed to do it, by law. More than 1000 ELDE operate throughout the country (there were about 50 in 1997 and 250 in 19982). The role of these companies was obvious in both the unexpected rapid rise and the fall of the composite share price index.

1 T. Tsiros Economia - Kyriakatiki Eleftherotypia, 12/3/2000, p. 14. 2 Capital Market Commission, Annual Report 1998, p.35.

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Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

3. T H E MODERN STRUCTURE OF THE ASE

Since 1995 the A.S.E has been transformed into a joint stock company supervised by the Ministry of National Economy. Shareholders of this company are the Greek state (60,3%), the Banks (22,7%), the listed companies (5,5%), the A.S.E members (3,1%), the pension funds (3%), the Mutual funds (2,4%), the Insurance companies (1.6%), the Portfolio Investment Companies (1,4%).

The ASE is administered by the Board of Directors which is appointed for a three year period. It is responsible for all issues regarding the administration of the stock exchange, the management of its property and the pursuit of its objectives. It represents the stock exchange judicially and extra judicially, and sees to the proper performance of the exchange's operations. The Board of Directors provides authorisation to investment firms to trade in the A.S.E and grants them membership to the market.

The composition of the Board ensures the participation of all market participants in the decision making process.

There are two supervisory bodies: the Capital Markets Commission (C.M.C.) and the Government Supervisor.

The Capital Markets Commission is an independent public entity, operating under the auspices of the Ministry of National Economy. It is the body, primary responsible to ensure investors' protection and the compliance of all market participants with stock exchange legislation.

The responsibilities of the Capital Markets Commission are summarised as follows:

• approves prospectuses for the listing of companies on the A.S.E.;

• temporarily suspends trading or decides for the delisting of listed shares in cases of violation of the stock exchange legislation;

• authorises investment firms; • audits investment firms, mutual funds, portfolio investment

companies and members of the A.S.E.;

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• advises the Minister of National Economy on capital marker issues;

• imposes all sanctions and disciplinary penalties, anticipated by legislation.

C.M.C. consists of a seven members Board of Directors and a three members' Executive Committee. The majority of the members is appointed by the government but market participants are also represented.

The Government Supervisor is appointed by the Ministry of National Economy. He sees to the compliance of all trading parties with the existing rules and regulations. He is always present in the trading sessions.

Investors' protection is ensured by the daily surveillance of transactions by the Ministry of National Economy. A.S.E. member firms are not allowed to trade without the consent of their customers. By decision of the Capital Markets Commission, the value of all daily trades conducted by the members of the A.S.E., which exceeds the value of their net equity must be covered by bank guarantees, additional capital or the shares themselves which were traded. When the value of total daily trades exceeds by two times the net equity of the member firm, and no additional guarantees have been provided, access to the electronic trading system is refused to that member firm.

The transparency of the market is enhanced mainly by the following provisions:

• immediate disclosure by the listed companies of all price sensitive information related to their shares;

• disclosure within 5 days by the investors of any changes in their participation in a listed company which result in the crossing of the threshold of 10%, 20%, 1\3, 50%, or 2\3 of the total voting rights in this company;

• sanctions against the ASE members who use illegal or misleading means in order to influence stock prices, as well as to those who disseminate misleading information;

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Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

• natural persons are not allowed to participate both to the Board of directors of a listed company and to the Board of a member firm.

Two compensation funds exist in the Greek capital market for the protection of investors: The ASE members Guarantee Fund and the Supplementary Fund.

The first provides guarantees against stock exchange trades. Every ASE member must deposit a specific amount to the Fund prior to the commencement of its operations.

The second Fund's objective is to prevent delays in the settlement process, when there are unsettled trades.

4. LISTING REQUIREMENTS FOR THE M A I N AND THE PARALLEL MARKETS

Companies interested in listing their shares in the main market of the ASE, have to comply with the following conditions:

• they have to operate under the legal form of a joint stock company with a net equity of at least 2 billion GRD;

• they must have published annual accounts audited by certified auditors, for the last 3 years preceding the listing application. The accounts must demonstrate satisfactory operating profits as well as an overall satisfactory financial structure;

• at least 25% of the total shares have to be distributed to at least 2000 investors;

• they have to issue a prospectus prior to the public offering. This prospectus must be approved by the Capital Markets Commission;

• they have to hire an underwriter ( one or more banks and/or brokerage firms having a minimum share capital of 1 billion GRD) who will handle the issue and buy the shares not absorbed by the public.

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Companies interested in listing their shares in the parallel market of the A.S.E. have to comply with the following conditions:

• they have to operate under the legal form of a joins stock company with a net equity of at least 500million GRD;

• they must have published annual accounts audited by certified auditors, for the last 3 years preceding the listing application. The accounts must demonstrate satisfactory operating profits and an overall satisfactory financial structure;

• the profits of the last accounting period have to be so high as to be enough for a dividend at least as much as 6% on the share's price;

• decision for the listing of the shares in the parallel market, is taken with an increased majority of the 3/5 of the members of the Board of directors of the ASE. Of course the approval of the Capital Markets Commission is also required;

• as in the case of the main market, the issuing companies need to issue a prospectus and hire an underwriter.

A company can be transferred from the parallel to the main market of the ASE if the following conditions are fulfilled:

• the company's shares should have been trading in the Parallel market for at least 2 years after its admission therein;

• the company must have realized satisfactory operating profits during its period of trading in the Parallel market and should have exhibited an overall good profile towards the Stock Exchange and the investors;

• the company's shares must have efficient marketability and dispersion;

• there should be statements revealing that the company has used in the best possible way the capital raised in the parallel market through the initial public offering.

Following the recommendation of the ASE Board of Directors, the Capital Market Commission will take the final decision.

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Structure, problems and perspectives of the Athens stock exchange (ASE)

5. PERSPECTIVES OF THE A.S.E.

Although the P/E of the A.S.E. is now one of the lowest in the Europe, and the PEG ratio is now even lower (due to the higher rate of growth of the profits per share), it is widely acceptable that the A.S.E. has a serious problem of reliability.

The wide range of share price fluctuations which have been taking place since August 1999, show that it will take some time for the ASE to be included in the mature markets.

On the other hand, there are certain factors which are expected to play a decisive role in the course of the A.S.E. The most important among them will be:

• greece's admission in the economic and monetary union; • , the further improvement of the macroeconomic environment

(reduction of the rate of inflation and the rates of interest); • the expected upgrading of the ASE in the mature capital

markets by international investment houses; • the expectation for significant improvement of the results of

the enlisted companies; • the commitments of the main shareholders and the taxation

incentives given to small investors for holding shares for longer periods;

• the degree of stability in the international capital markets.

The presence of Institutional Investors in the A.S.E. is limited. As the Greek capital market was so far characterised as an emerging market, but now it is in a transitional period towards becoming a mature market, Institutional Investors which prefer emerging markets are leaving A.S.E., as they find higher returns in other Stock Exchanges.

On the other hand, Institutional Investors which prefer mature markets, have not come yet. They are waiting for more structural changes in the Greek economy, more privatizations, liberalisation of markets (for example, abolishment of the state monopoly in energy and telecommunications), more flexibility in the labour market and

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possibly some small changes in the institutional framework of the ASE ( for example: The recent introduction of concepts like margin account and market making, and the expected enrichment of the derivatives market with new services will contribute to the positive perspectives of the A.S.E. )

When there will be sufficient evidence that the Greek economy moves towards such a direction, it is expected that the interest for the Greek capital market will grow, and then small investors after a period of disappointment will start again being interested and contribute to the required liquidity.

Measures like the introduction of book building for the new listings and the underwriters' price guarantee for a short period after the new listings, are also expected to play a very important role in restoring the investors' confidence in the A.S.E.

Finally we consider the role of financial press, very important both in making the wide public more familiar with the philosophy of Stock Exchange, and avoiding the misinforming of all the parts who might be interested. The standardization in the calculation of the most important ratios is an example of the steps that have to be made towards a more objective and valid briefing in the frame of the rules of the journalistic ethical conduct.

REFERENCES BRENNAN, M. - HUGHES, P. "Stock Prices and the Supply of Information", Journal of Finance, Vol. 46 , 1991, pp.1665-1691. Capital Market Commission, Annual Report 1998. CHRISTODOULAKIS, N. "Modernization of the Greek Capital Market", HB A January-March, 1999. MYLONAS, N. "Greek Mutual Funds, Theory and Practice" Sakkoulas, 1999. RUTTERFORD, J. "Introduction to Stock Exchange Investment " The Macmillon Press Ltd., 1994. THEODOROPOULOS, T. "Stock Exchange Investments" Stamoulis, 1999. THOMADAKIS, S. - XANTHAKIS, M. "Money and Capital Markets", Sakkoulas, 1990. THOMOPOULOS, T. "Conclusions from the fluctuations and the developments in the financial markets", HBA, January-March, 1999. Tsiros T. Economia - Kyriakatiki Eleftherotipia, 12\3\2000, p. 14.

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RELATO FINANCEIRO: O Novo PARADIGMA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO1

PAULO ALEXANDRE PIMENTA ALVES [email protected]

PAULA ALEXANDRA GOMES DA SILVA [email protected]

ASSISTENTES DO I.S. CA.A.

1 Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no XI Encontro da Associação de Docentes de Contabilidade do Ensino Superior realizado em Viseu, nos dias 27 e 28 de Outubro. Introduzimos algumas alterações em resultado dos comentários recebidos durante e após o Encontro, os quais desde já agradecemos.

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Revista Estudos do 1SCAA

RESUMO

A sociedade em que vivemos é, inquestionavelmente, caracterizada pelos desenvolvimentos tecnológicos em redor da Internet, cujo crescimento foi sustentado e fomentado pela sua imensurável capacidade para divulgar informação. O potencial da Internet não passou despercebido às empresas. A divulgação de informação financeira surge como o seguimento natural de uma primeira etapa caracterizada pela disponibilização de publicidade e alguns serviços.

Envoltos na sua característica mais marcante - a incerteza - os desenvolvimentos futuros não são passíveis de serem apresentados de forma definitiva. Contudo, apresentamos uma perspectiva sobre os desenvolvimentos e algumas tendências futuras do relato financeiro face ao novo paradigma das novas tecnologias da informação, que veio para colocar termo ao paradigma do suporte de papel, rompendo com as suas limitações e criando um ambiente de relato que tem de ser compreendido.

Palavras chave: Relato Financeiro; Informação Financeira; Internet; Tecnologias da Informação.

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

1. INTRODUÇÃO

É já um lugar comum dizer que a Internet alterou profundamente a sociedade em que vivemos. As alterações, de forma mais ou menos profunda, podem ser observadas em quase todas as áreas do saber, desde a medicina às artes. Encontrar uma área não influenciada pelos desenvolvimentos tecnológicos em redor da Internet revela-se uma tarefa quase, senão mesmo, impossível.

A contabilidade foi, também, afectada, embora as consequências ainda não sejam muito perceptíveis. Estamos agora a descobrir as vantagens das novas ferramentas que a inovação tecnológica colocou à disposição de contabilistas, auditores e docentes, que afectarão profundamente as metodologias de trabalho, ensino e investigação.

No presente estudo temos por objectivo apresentar algumas reflexões sobre a evolução e tendências futuras da utilização da Internet como ambiente de relato financeiro, focando com especial ênfase o impacto das novas tecnologias da informação.

Convém clarificarmos o que entendemos por Relato Financeiro na Internet. O conceito, bastante simples, resulta da alteração do ambiente através do qual a informação financeira é disseminada. Desta forma, podemos entender o conceito relato financeiro na Internet como a disseminação de informação financeira através da World Wide Web ou qualquer outro meio de comunicação baseado em tecnologias semelhantes baseadas na Internet.

2. INGREDIENTES DA MUDANÇA

"Information technology (IT) is changing everything. It represents a new, post-industrial paradigm of wealth creation that is replacing the industrial paradigm and is profoundly changing the way business is done. (...) If the purpose of accounting information is to support business decision-making, and management's decision types are changing, then it is natural to expect accounting to change — both internal and external accounting." (Robert Elliot cit in IASC 1999, 3)

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Revista Estudos do ISCAA

Os números sobre a Internet são bastante esclarecedores, se calhar até mesmo incompreensíveis, tamanha é a sua grandeza. Estima-se que actualmente existam aproximadamente 850 milhões de páginas indexadas, 73 milhões de servidores, 350 milhões de acessos e o trafego de informação duplica a cada 100 dias, sendo avassalador o potencial de crescimento evidenciado. A Internet é suficientemente grande para merecer a nossa atenção como profissionais, investigadores ou docentes.

Uma das principais razões subjacentes ao desenvolvimento da Internet foi a imensurável capacidade para divulgar informação, tendo a comunidade académica sido uma das primeiras a perceber as vantagens deste novo meio de comunicação. O mundo académico volta a liderar os mais recentes desenvolvimentos na Internet, designadamente ao projecto Internet2.

Também as empresas rapidamente se aperceberam das potencialidade económicas da Internet e rapidamente começaram a explorar o seu potencial de formas nunca antes imaginadas. Conceitos como, por exemplo, eBusiness, eCommerce, eEconomy e eMarketing são característicos de uma nova vaga económica, que se começa a impor e que transformará radicalmente a forma como hoje pensamos a economia, a gestão, a contabilidade e, consequentemente, o relato financeiro.

Para além da publicidade e disponibilização de serviços, as empresas já começaram a colocar informação financeira na Internet.2 No presente capítulo procuramos justificar a utilização da Internet no relato financeiro, salientando que se trata de uma evolução natural, que acompanha os mais recentes desenvolvimentos tecnológicos e que permite responder a algumas necessidades, ou dificuldades, sentidas, quer pelos utentes, quer pelas empresas. A Internet apresenta potencial para se assumir como um ambiente de relato financeiro completa-

Quando nos referimos a informação financeira estamo-nos a referir à informação que geralmente é incluída no relatório de contas tradicional, admitindo que na divulgação na Internet o conteúdo informativo seja alargado.

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

mente novo, podendo representar muito mais do que uma simples versão electrónica dos relatórios em suporte papel.

De acordo com a teoria dos mercados eficientes, os preços reagem de forma rápida e não enviesada ao relato de informação útil. Gray e Roberts (cit in Craven e Marston 1999, 323) apontam alguns objectivos inerentes ao relato voluntário de informação, nomeadamente:

> reforçar a imagem e reputação da empresa; > melhorar as decisões de investimento do investidor; > evidenciar a responsabilidade para com os accionistas; > permitir uma maior precisão na avaliação do risco por parte

dos investidores; e > contribuir para a determinação de um valor de mercado mais

justo.

As razões que podem justificar a mudança são fáceis de compreender, quer para o preparador da informação financeira, quer para o utente. Em primeiro lugar, a divulgação da informação pela Internet é incomparavelmente mais barata do que as tradicionais cópias em suporte de papel. Segundo, o valor temporal da informação financeira é reduzido. Terceiro, apesar do seu valor temporal ser reduzido, esta informação pode ser reutilizada em análises e estudos diversos. Quarto, a Internet, como meio de divulgação de informação, permite uma interacção nessa divulgação, impossível de alcançar no suporte de papel. (IASC 1999, 5)

Também o Financial Accounting Standards Board (FASB) procurou compreender as razões da mudança e, face aos resultados obtidos, apresenta cinco potenciais motivos que podem justificar a disponibilização da informação financeira na Internet (FASB 2000, 1):

3 Podemos extrapolar estes objectivos, se entendermos que, na maioria dos países, o relato financeiro na Internet não reveste carácter obrigatório.

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Revista Estudos do ISCAA

> reduzir o custo e tempo na distribuição da informação; > comunicar com um maior número de utilizadores; > superar as tradicionais práticas de relato; > aumentar a quantidade e tipo de informação a relatar; e > facilitar o acesso de potenciais investidores a empresas de pe

quena dimensão.

Mas talvez o melhor indicador da importância do relato financeiro na Internet seja reflectido pelo crescente número de investidores que utilizam a Internet para efectuar as suas operações. Assistimos à digitalização do mercado. Esta mudança é essencial para a compreensão da importância do relato financeiro na Internet. Verificamos uma alteração do local onde o investidor toma as suas decisões de investimento e, consequentemente, do local onde ele procura a informação necessária para o seu processo decisório.

Também a tendência económica da globalização, ou desnacionalização, dos agentes económicos torna natural que as empresas sintam a necessidade de prestar informação financeira que possa estar disponível a qualquer investidor, actual ou potencial, em qualquer parte do globo.

Assistimos ao abandono do paradigma da utilização do suporte de papel no relato financeiro, sendo a mudança benéfica quer para o utente, quer para as empresas. É ainda cedo para avaliarmos o impacto, e muito provavelmente nunca conseguiremos, pois os reflexos da mudança serão assimilados de forma natural e gradual, acompanhando os desenvolvimentos tecnológicos.

3. EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS FUTURAS DO RELATO FINANCEIRO NA INTERNET

O número de empresas que utiliza a Internet para o relato de informação financeira começa a ser significativo, mesmo entre nós. Rodrigues e Menezes (2000, 12) revelam que, das 82 empresas com títulos cotados no mercado contínuo e no segundo mercado, 35 utilizam

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

a Internet para a divulgação da informação financeira. Contudo, e apesar do ritmo de adesão das empresas a esta forma de relato, a verdade é que ainda estamos numa fase bastante embrionária, onde, salvo raras excepções, continuam a prevalecer as grandes empresas.

A análise da evolução da utilização da Internet como meio de divulgação da informação financeira, permitirá uma base mais sólida para a compreensão dos objectivos e tendências futuras desta prática, essencial à percepção do seu impacto.

Num estudo efectuado sobre a realidade sueca, Hedlin (1999, 374) estabelece três etapas de desenvolvimento:

> estabelecer presença; > utilização da Internet para comunicar informação; e > tomar partido das características e possibilidades únicas da

Internet enquanto meio de relato. O mesmo autor refere, que, na realidade sueca, as empresas en-

contram-se na segunda etapa, com tendência para que rapidamente a Internet se assuma como principal suporte para a divulgação da informação financeira.

As etapas apresentadas são, com ligeiras diferenças, comuns também ao FASB (2000, 39)4 e IASC (1999a, 48). Por exemplo, este último apresenta três estádios de desenvolvimento:

> duplicação electrónica da versão tradicional em suporte papel;

> utilização de ferramentas de edição específicas para a Internet e possibilidade de efectuar o download da informação; e

4 O FASB também identificou três objectivos subjacentes ao relato financeiro na Internet

> complementar a informação em suporte de papel; > substituir a informação em suporte de papel; e > inovar com novas ofertas e ferramentas.

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> utilização de capacidades que não podem ser utilizadas no formato tradicional, permitindo inúmeros formatos alternativos de apresentação da informação e a utilização de ferramentas de análise financeira.

A tabela n° 1 (FASB 2000, 40) sintetiza as principais características de cada etapa da evolução do relato financeiro na Internet.

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Tabela n° 1 - Companies' Goals for Electronic Business Reporting

"Complement" "Substitute" Group "Innovate" Group Group

Distribution • Increase availabil • Same goals as • Same as Compleity of information Complement ment and Substipreviously pro group. tute groups. vided only in • Proactively en • Maximize use of printed form. courage the use of the company's

• Increase speed of the Web as a sub Web capabilities distribution. stitute for the to:

company's distri - Expand the bution of printed audience, material. -Generate more

usage, and - Provide data in

easier- to- use formats.

Content • Standard financial • Same as Comple • Widest range of reports. ment group, plus data.

• Press releases. some additional • May include: • Other investor data (e. g., stock - Conference call

information. price history). (audio or tran• May also include scripts)

stock quotes. -Management presentations

- E- mail alerts.

Audience • Primarily individ • Same as Comple • Same as Substitute ual investors, ment group, plus group, plus addishareholders, and some analysts. tional use by anaemployees. lysts.

Notable • "We can't run • "We want to speed • "We want to anCompany with the big dogs up delivery time swer all questions Comment so we stay on the and lower our before asked...

porch." costs." everything is at the click of your mouse."

Se os dois primeiros estádios de evolução são caracterizados por uma quase mera digitalização do relatório em suporte de papel, o terceiro estádio é revelador de uma completa transposição das barreiras

305

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Revista Estudos do ISCAA

do relato tradicional, estilhaçando por completo algumas das suas tradicionais limitações.

Como um dos melhores exemplos das potencialidades do relato financeiro na Internet, podemos apresentar o site da Microsoft5 Há muito que acompanhamos a evolução deste site e não foi com surpresa que o vimos referido no relatório do IASC (1999a, 20).

Mais do que relatar a informação financeira em diversos idiomas (alemão, francês, inglês e japonês), a Microsoft relata a informação de acordo com diferentes quadros normativos (alemão, americano, australiano, canadiano, francês, inglês e japonês). Conforme se pode observar na figura n° 1, é possível com o simples clique de um botão visualizar a informação financeira da empresa como se esta tivesse sido preparada de acordo com qualquer um dos quadros normativos disponíveis. Numa etapa intermédia da globalização das normas contabilísticas esta é uma solução que visa tornar global a informação financeira da Microsoft. Contudo, este também pode ser um caminho perigoso, podendo provocar confusão entre os utentes da informação financeira, que dispõem de informação diversa sobre uma mesma realidade económica.

5 http://www.microsoft.com/msft/

306

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

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Figura n" 1 - Quadros normativos disponíveis

O site da Microsoft dispõe ainda de um vasto leque de ferramentas de análise financeira que podem ser utilizados no conforto do lar, ou em qualquer outra parte em que exista uma ligação à Internet. De entre as ferramentas disponíveis destacamos a possibilidade do utente poder estabelecer projecções futuras com base nas suas previsões, bastando para tal indicar a variabilidade desejada, conforme mostram as figuras n° 2 e 3.

1 http://www.microsoft.com/msft/

307

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Revista Estudos do ISCAA

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Input percents as ",xx" and millions of dollars as "xxx". For example, 5% = ,05 and $320 million = 320. Move using the Tab key.

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Figura n" 2 - Quadro para indicação das expectativas do utilizador7

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12.211 10.498 Operating income 6.414

9 819 9.929

12.211 10.498 e%

Investment income ^ 1.80.3 2.000 1 1 % Gains on sales 1*30

: 156

Income before income taxes 5,31 4 7.117 1 i .831 12.654 e-% Provision for income taxes 1.360 2 827 4.106 2.531 Net income - 3.434 4.450 7 7S5 Î 10.123 Sfj'A Diluted earnings per share * : $ 0,68 Ï 0,84 ■ % I 42 $ 1,69 .:.-. Weighted average shares outstanding ■ 5,244 5.462 C 000

Figura n" 3 - Demonstração dos resultados prospectiva de acordo com mação fornecida pelo utilizador

8 a infor-

7 http://www.microsoft.com/msft/ http://www.microsoft.com/msft/

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

A crescente disseminação da informação através da Internet, com todas as vantagens inerentes, começa a questionar as razões para que o relato financeiro continue a ter o seu suporte privilegiado no papel. O exemplo da Microsoft evidencia claramente as limitações do suporte de papel e potencialidades do suporte digital, o que nos leva a questionar a sua utilização.

As tecnologias utilizadas são as mais diversas, contudo, actualmente as mais frequentes são a Hypertext Markup Language (HTML) ou o Adobe Portable Document Format (PDF). Estes formatos apresentam algumas desvantagens incompatíveis com os objectivos da disseminação da informação financeira pela Internet, como por exemplo a rigidez do formato e a dificuldade em manusear a informação disponibilizada,10 deixando antever o desenvolvimento de uma nova tecnologia muito mais acessível para os utentes, que quebre esta barreira tecnológica.

Para além das empresas terem de fornecer informação financeira de diversas formas a diversos utilizadores, estes continuam a ter que despender recursos na sua filtragem, tratamento e análise.

De forma bastante sintética, na figura n° 4 apresentamos os principais canais de distribuição, evidenciando as principais diferenças entre os dois paradigmas, no que respeita aos canais, acesso e custo. Infelizmente o esquema não nos permite evidenciar uma outra diferen-

9 Sobre esta matéria consulte Business Reporting on the Internet (IASC 1999, capítulo 2). 10 Algumas das limitações destas ferramentas podem ser observadas na forma como a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) disponibiliza em formato electrónico a informação financeira das empresas com títulos admitidos à cotação (http://www.cmvm.pt). O esforço da CMVM é de louvar, estando a desempenhar uma tarefa que não é da sua responsabilidade. Contudo parece-nos que seria desejável que a informação apresentada fosse completa e não apenas parcial, não se vislumbrando qualquer justificação para a ausência de demonstrações financeiras fundamentais à compreensão da posição financeira, desempenho e fluxos de caixa.

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Revista Estudos do ISCAA

ça, igualmente importante - a diferença de velocidade na disponibilização da informação em cada um dos paradigmas.

Informação Canai e suportes de disseminação Acesso/Custo

Internet Acesso rápido, ilimitado e fácil

manuseamento

Internet W

Acesso rápido, ilimitado e fácil

manuseamento > Organismos

reguladores

Acesso rápido, ilimitado e fácil

manuseamento

> Acesso público Custo

reduzido > Mercados financeiros

Custo reduzido

Informação financeira

> Mercados financeiros

Custo reduzido

Informação financeira Informação financeira > Papel Acesso lento,

limitado e difícil

manuseamento

Acesso lento, limitado e difícil

manuseamento

Custo elevado -*> Relatórios

publicados

Custo elevado Relatórios

publicados

Custo elevado

Figura n° 4 - Modos de disseminação da informação financeira

Sem nos querermos prender com desenvolvimentos sobre matérias tecnológicas, não podemos deixar de apresentar um conceito que está a ter um forte impacto nos sistemas de informação na área financeira. Um conjunto de empresas e organismos11 criaram um consórcio para o desenvolvimento de uma nova plataforma para o relato financeiro - extensible Business Reporting Language (XBRL).12 O XRBL, uma extensão da extensible Markup Language (XML), poderá ser o

Entre os quais destacamos: American Institute of Certified Public Accountants; Arthur Andersen, LLP; Canadian Institute of Chartered Accountants; Deloitte & Touche, LLP; Ernst & Young, LLP; IBM; Institute of Chartered Accountants in Australia; Institute of Chartered Accountants in England and Wales; Institute of Management Accountants; International Accounting Standards Committee; KPMG, LLP; Microsoft Corporation; e PricewaterhouseCoopers, LLP.

Para mais informação consulte o site http://www.xbrl.org.

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

elemento que falta, para que a distribuição da informação financeira seja possível de forma fácil, rápida e eficiente.

Actualmente não existe um formato único para a divulgação da informação financeira através de redes digitais como a Internet ou Intranets, o que obriga a que, para além do esforço na sua preparação, esta tenha de ser importada através de um processo normalmente lento e dispendioso.

Contrastando com o esquema apresentado na figura n° 4, o XBRL permite que esta informação seja trocada entre diversos sistemas de informação sem qualquer necessidade de despender esforços adicionais. A sua adopção permitirá às empresas a criação de relatórios electrónicos abrangentes, e altamente personalizados a um custo bastante reduzido e num protocolo compatível com a maioria das aplicações financeiras, sem qualquer obstáculo entre o preparador da informação financeira e os seus utentes, conforme pode ser observado na figura n° 5.

Devido à sua simplicidade e eficiência não é de estranhar o interesse das empresas ligadas ao desenvolvimento de aplicações para sistemas de informação financeira. Admitimos que num futuro próximo iremos assistir a desenvolvimentos significativos nesta área, assu-mindo-se o XBRL como uma referência obrigatória no relato financeiro, através de redes digitais.

311

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Revista Estudos do ISCAA

Figura n" 5 - Funcionalidades do XBRL (Watson, McGuire e Cohen 2000, 3)

O XBRL permitirá aos utentes e preparadores da informação financeira, nomeadamente:

> reduzir o tempo e o custo de acesso e de preparação; > aumentar o acesso e a distribuição da informação financeira; > utilizar software de agentes inteligentes (tecnologia que abor

daremos adiante); > adoptar modelos valorimétricos alternativos; > relatar a informação utilizando taxinomias desenvolvidas es

pecificamente para diferentes quadros normativos; > relatar informação de caracter dinâmico; e > aumentar e melhorar a análise da informação financeira.

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Mais especificamente para os auditores, o XBRL permitirá: > facilitar o acesso à informação; > aumentar a fidedignidade da transferência da informação en

tre o cliente e o auditor; > maximizar a transparência da informação; e > utilizar técnicas mais sofisticadas no desenrolar da auditoria,

designadamente, no processo de selecção e amostragem.

Não podemos deixar de referir que não estamos a falar de nenhuma nova norma contabilística, mas apenas de um protocolo ou linguagem de comunicação para transferência de informação financeira, de forma rápida, clara, eficiente e sem barreiras tecnológicas. Em nossa opinião, competirá ao profissional da Contabilidade assumir a liderança dos sistemas de informação financeira.

"In the future, the winners will be those that can best leverage XBRL. Financial information availability may soon determine which companies benefit from financial reporting efficiency and market insight -and which are hurt by market ignorance. Therefore, high-powered financial reporting will be a necessity." (Watson, McGuire e Cohen 2000, 3)

Outra ferramenta que começa a ser aplicada ao relato financeiro são os Intelligent Internet Agents. Baldwin e Williams (1999, 306) procuram definir estes agentes pela extrapolação dos conceitos da teoria da agência. Uma relação de agência consiste num acordo em que o principal (utilizador) acorda com o agente {software) o desenvolvimento de determinadas tarefas, em sua representação, delegando para o efeito capacidade de decisão ao agente. Neste sentido, um software agent é um software funcional capaz de executar, com autonomia, tarefas predefinidas e que reage perante determinados estados do seu ambiente, de acordo com a informação adquirida, preferências e conhecimentos predefinidos.

313

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Revista Estudos do ISCAA

Wooldridge e Jennings (cit in Baldwin e Williams 1999, 307) a-presentam quatro características que um agente inteligente deve possuir:

> autonomia - capacidade de agir sem intervenção do utilizador, com a possibilidade de controlar as suas acções e estados internos;

> capacidade social - capacidade de interagir com outros agentes;

> capacidade de reacção - possibilidade de compreender e de reagir às alterações no seu ambiente; e

> pro-actividade - capacidade não só de reagir, mas também de apresentar um comportamento orientado por objectivos.

Para além destas características o agente será mais forte quanto maior forem as suas características humanas. Estamos a falar de uma área ainda desconhecida - a inteligência artificial, mas com um futuro fortemente promissor.13 Um agente inteligente da Internet, não é mais do que um agente inteligente que tem como meio ambiente a Internet, onde desenvolve as suas acções.

Tratando-se de uma área tecnológica com um futuro promissor, mas ainda em desenvolvimento, começam a surgir algumas aplicações deste género. Especificamente relacionados com a área da contabilidade encontram-se em desenvolvimento o FRAANK,15 o EDGARSCAN16 e o WARREN,17 que visam apresentar as potencialidades deste tipo de aplicações.

Na área da contabilidade, a American Accounting Association possui uma secção dedicada ao estudo da inteligência artificial e novas tecnologias - Artificial Intelligence/Emerging Technologies. 14 Pode encontrar uma lista de exemplos no artigo de Baldwin e Williams (1999, 312). 15 http://lark.cc.ukans.edu/cgiwrap/sirvasta/agent.cgi 16 http://edgarscan.pwc.com

314

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

As figuras n° 6, 7 e 8 apresentam algumas das etapas de um pe

queno teste que efectuámos sobre o EDGARSCAN, que para além da capacidade abrangente e velocidade, permite a importação da informa

ção para o computador do utilizador.

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Assets Cash, $ 21.205,000 tlTãJMÕd 18,902,000 17,236,000 21,761,000 19,237,000 17,242,000 1 Receivables, $ 2,902.000 3,284,000 2.207.000 2.245.000 1.689.000 2.029,000 1.153.000 Inventory, $ 0 0 Other Current Assets, $ 1.110.000 893.000 854.000 752.000 608,000 543,000 569,000 Current Assets, $ 25.217.000 22.020.000 21.963.000 20.233.000 24.058.000 21.809.000 18.964.000 1 Net Property Plant & Equipment, $ 1,835,000 1.739.000 1.657.000 1.611.000 1.445.000 1.495.000 1.466.000 Total Assets, $ 50,895,000 45,093,000 39.672.000 37.156,000 33.561.000 30.049.000 25,569,000 ;■

Liabilities Accounts Payable. S 1,073,000 1.233.000 997.000 874.000 1.016,000 989.000 845.000 _J

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Figura n° 6 - Detalhe da evolução trimestral da posição financeira da Microsoft1*

http://www.cs.cmu.edu/~softagents/warren/ ' http://edgarscan.pwc.com

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Revista Estudos do ISCAA

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MICROSOFT CORP 10-Q for Q2 ending 1999-12-31

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Cash ,| 1,233,000,000

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[Current Liabilities 110,504,000,000

Ratio Value iAccounts Payables Days COGS | 148.92 | 148.92

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Current Ratio 1 2.10 1 2.10 IDavs Sales Outstanding DSO 1 49.06 [Days in Accounts Payable

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Figura n° 7 - Alguns rácios disponíveis 19

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

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20 Figura n° 8 - Evolução dos proveitos operacionais da Microsoft

O aproveitamento mais imediato dos agentes inteligentes poderá passar pela sua utilização na pesquisa, recolha, comparação, acompa

nhamento, ou mesmo análise de informação de cariz financeiro espa

lhada desordenadamente na Internet. Alguns autores, como por exemplo Sloman e Lanier (cit in

Baldwin e Williams 1999, 315), apontam alguns problemas relaciona

dos com a utilização de agentes inteligentes. O primeiro prendese com a dificuldade em avaliar o seu desempenho e exactidão dos re

sultados apresentados, conquanto não nos podemos esquecer que es

tamos perante um software que tem por função procurar informação numa base de dados imensurável a Internet. Outro problema poderá resultar do utilizador acreditar que o agente é capaz de desenvolver as

http://edgarscan.pwc.com

317

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Revista Estudos do ISCAA

tarefas de forma mais eficiente, pois apesar de apresentar algumas das mais modernas tecnologias, jamais poderá aplicar características tipicamente humanas, que resultam da própria evolução da espécie, como por exemplo a intuição perante o risco e a incerteza, onde tantas vezes a lógica falha. Por último, e independentemente das funções que lhes são atribuídas, os agentes alimentam-se de informação, podendo ocorrer duas situações, igualmente perigosas: o poderem ser enganados pela disponibilização, de forma anónima, de informação não fidedigna; e a possibilidade de quebrar leis relacionadas com a privacidade, pesquisando dados confidenciais, aos quais apenas teve acesso por uma falha de segurança.

Da síntese apresentada devemos reter o enorme potencial de crescimento da Internet como meio de disseminação da informação financeira. As duas ferramentas apresentadas, apesar de ainda se encontrarem em desenvolvimento, deixam antever um potencial impressionante e cujo impacto na profissão de contabilista é ainda uma incógnita, que apenas será revelada pela sua adopção. Apesar de admitirmos que por vezes pode ser difícil a compreensão das suas vantagens e objectivos, a verdade é que temos de aprender a compreende-las e a utilizá-las. Nada nos garante que as ferramentas apresentadas venham a ser bem sucedidas, estamos certos porém que, caso estas ferramentas não sejam adoptadas, outras serão surgirão e muito provavelmente com mais potencialidades.

4. CONCLUSÕES

A Internet já nos mostrou que, no que respeita à sua capacidade de evolução e inovação, nunca devemos dizer nunca. Por mais fértil que seja a nossa imaginação estaremos sempre longe de poder prever o futuro, quanto muito podemos traçar alguns cenários possíveis, mas mesmo estes são difíceis sobre algo tão dinâmico e volátil como a Internet.

A intensificação do uso da Internet como veículo privilegiado para a disseminação da informação financeira tem vindo a alterar pro-

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fundamente a forma e o conteúdo da informação financeira relatada, sendo de admitir que num futuro relativamente próximo, com o desenvolvimento de novas tecnologias e adaptação dos utentes, continuemos a assistir a uma contínua migração dos relatórios para a Internet, e muito provavelmente ao fim dos relatórios em suporte de papel.

Nalguns países como, por exemplo, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália e Alemanha, os organismos reguladores do mercado ou as próprias bolsas obrigam, ou pelo menos incentivam, a que a informação financeira seja fornecida em suporte electrónico para depois

21

ser colocada à disposição de interessados.

Em forma de síntese lembramos algumas das vantagens da Internet no que se refere ao relato financeiros. Lymer (1997, 2) destaca as seguintes:

> oferece uma solução de baixo custo; > permite o acesso imediato à informação; > permite um meio de comunicação de grande abrangência

geográfica para os relatórios; > possui um potencial de actualização dinâmica; > possui menos restrições na forma de apresentação; > permite aceder a um maior volume de informação; > facilita maior flexibilidade nos modelos de informação forne

cidos; > apresenta capacidade de entrega hipermédia; e > possibilita a exportação de informação para posterior trata

mento por parte do utilizador.

21 O exemplo de maior sucesso talvez seja o da SEC e do seu serviço Electronic Data Gathering and Reporting (EDGAR). As empresas norte-americanas têm de entregar a sua informação em suporte informático (texto e Standard Generalized Markup Language), que será imediatamente disponibilizada no EDGAR, onde pode ser utilizada interactivamente pelos utilizadores, graças à adopção do SGML e de tags que identificam a informação relevante, (http://www.sec.gov/edgar)

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Revista Estudos do ISCAA

Mas esta forma de relato financeiro também apresenta alguns riscos potenciais, nomeadamente, no que respeita aos efeitos na auditoria, às questões legais que levanta e à divergência de práticas. Sobre esta última, podemos com relativa facilidade encontrar empresas que não relatam qualquer tipo de informação financeira, ou empresas que, para além da informação contida no relatório em suporte papel, relatam informação adicional e/ou disponibilizam ferramentas e outras facilidades impossíveis no suporte tradicional. O FASB concluiu que o uso da Internet (FASB 2000, ix) permite observar e avaliar as diferenças entre as empresas.

Mas o utente não se serve apenas das relatório apresentado pela empresa, num processo dinâmico procura toda a informação útil que está ao seu alcance, tarefa que será sem dúvida facilitada pela utilização quer do XBRL, quer de agentes inteligentes.

Por mais difícil que nos seja compreender a importância desta viragem, temos de aceitar que caminhamos irreversivelmente para uma nova era, marcada por desenvolvimentos tecnológicos com os quais se calhar ainda não sonhamos. Compete-nos a nós enquanto profissionais assegurar um nível de excelência para a profissão, não só adaptando-nos às mudanças, mas também aprendendo a anteve-las e a liderar o ambiente em que ocorrem.

Compete-nos a nós como docentes preparar as gerações futuras com um forte desenvolvimento teórico, que lhes permita encarar o futuro com uma forte capacidade de raciocínio, sem dúvida a melhor ferramenta que um profissional pode, em qualquer circunstância, dispor. Compete-nos preparar os futuros profissionais para agirem num ambiente moldado pelas novas tecnologias, onde ensinar o que se fazia à cinco anos atrás é manifestamente insuficiente, onde ignorar a necessidade dos alunos se direcionarem para as áreas dos sistemas de informação e tomada de decisão contribuirá para o seu insucesso ou, pelo menos, para dificuldades acrescidas na sua afirmação profissional e onde a incapacidade para antecipar o futuro pode revelar-se um sinónimo de ultrapassado.

320

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Relato financeiro: O novo paradigma das tecnologias da informação

Não podemos deixar de referir que, em nossa opinião, os desenvolvimentos tecnológicos jamais questionarão o mérito científico dos docentes. No entanto, estes devem adaptar-se rapidamente às novas tecnologias, que indubitavelmente irão ter impacto na forma de transmissão dos conhecimentos e no futuro da profissão.

No seguimento da nossa posição, para terminar deixam-se as palavras de Warren Allen - Director da Comissão para a Educação do International Federation of Accountants:

"There is an urgent need (...) to include far more IT related topics into the accounting curriculum. (...) We are experiencing a most undesirable feature in many countries at present were a majority of the students have far greater knowledge (predominantly self-taught) of IT matters than their teachers. (...) My experience is that several tertiary institutions are eliminating the technical accounting subjects such as taxation or auditing and stating these skills, if required, can be obtained post-tertiary study. This process will need to be accelerated in the future as topics are dropped to enable more appropriate ones (as determined by our stakeholders) to be included. (Allen 1999, 3 e 5)

BIBLIOGRAFIA

ALLEN, Warren. 1999. The future of accounting education. Pacific Accounting Review (Palmerston North) 11, n° 2 (Dezembro-Janeiro): 1-7. BALDWIN, A. A., e S. L. M. Williams. 1999. The future of intelligent Internet agents in European financial reporting. The European Accounting Review (Londres) 8, n° 2: 303-319. CRAVEN, B. M., e MARSTON, C. L. 1999. Financial reporting on the Internet by leading UK companies. The European Accounting Review (Londres) 8, n° 2: 321-333. FASB. 2000. Business reporting research project: Electronic distribution of business reporting information. Connecticut: FASB. HEDLIN, Pontus. 1999. The Internet as a vehicle for investor relations: the Swedish case. The European Accounting Review (Londres) 8, n° 2: 373-381. IASC. 1999a. Business reporting on the Internet. Londres: IASC. LYMER, Andrew. 1997. The use of the Internet for Corporate Reporting - a discussion of the issues and survey of current usage in the UK. Journal of Financial Information Systems, (Dezembro).

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Revista Estudos do ISCAA

RODRIGUES, Lúcia L., e MENEZES, Carlos A. 2000. Relato financeiro na Internet: estudo do caso português. Apresentado em congresso. VIII Congresso de Contabilidade e Auditoria, Maio, Aveiro. WATSON, Liv. A., M C G U I R E , Brian L. e COHEN, Eric E. 2000. The emerging electronic business reporting language 'XBRL' has the potential to revolutionize the world of business, http://www.xbrl.org (20/09/2000).

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

O LUCRO E A TRIBUTAÇÃO

ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA PROF. CATEDRÁTICO DO I.S.E.G.

* Este reestudo é reformulação de outros anteriores e parcelares. Dedico-o ao Amigo Professor Joaquim Cunha, com a estima de sempre e a admiração pela sua grandeza de alma que lhe granjeou amigos nos que com ele colaboraram ou simplesmente cruzaram na vida.

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SUMÁRIO

1. CONCEITOS DE LUCRO 2. DIFERENTES ACEPÇÕES TÉCNICAS DE LUCRO 3. EVOLUÇÃO; SÍNTESE CRÍTICA 4. DISSONÂNCIA ENTRE LUCRO CONTABILÍSTICO E LUCRO FISCAL (SÍNTESE) 5. A PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS 5.1. TERÁ A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS DE ASSENTAR EM LUCROS? 5.2. CONFRONTOS ENTRE A TRIBUTAÇÃO DA EMPRESA NA BASE DO LUCRO OU NA BASE DA PRODUÇÃO OU VALOR ACRESCENTADO 5.3. DIFICULDADES DE TRIBUTAÇÃO DO LUCRO PERANTE A SUA VARIABILIDADE E MANIPULAÇÃO 5.4. A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO LUCRO É UTOPIA? DONDE, MENOS JUSTA? 5.5. ABANDONAR A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO? OU ACOMPANHÁ-LA DE OPÇÃO SUPLETIVA? 5.6. A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO E A TRIBUTAÇÃO POR OUTROS INDICADORES

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1. CONCEITOS DE LUCRO

A palavra lucro, cujo étimo latino é lucrum, significa, correntemente, ganho, benefício, interesse, utilidade.

Tempos houve em que se combateu e anatematizou-se o lucro. Invocava-se que ele resultava de uma apropriação indevida por parte dos titulares do capital, da mais-valia que os trabalhadores incorporavam nos produtos que as empresas colocavam no mercado.

Hoje, claramente, aceita-se, no campo da economia, que o lucro é a remuneração do empresário. Explicar, todavia, com certo rigor analítico, o lucro e a sua fundamentação não se tem revelado tarefa fácil. Um espírito inquieto, um moralista, um teólogo, um cientista, um profissional de direito ou de economia que procure dar resposta à interrogação - o que é o lucro ? - depara com dificuldades.

Nas disciplinas de Gestão quando se fala de lucro quere-se designar o acréscimo de valor operado no património da "entidade" que se encontra no exercício de dada actividade económica; ou de outro modo equivalente: lucro é o acréscimo, expresso em termos monetários, após a realização de determinados actos económicos que implicaram dada soma de custos, propiciando correspondentes proveitos (se, pelo contrário, surge decréscimo, ter-se-á prejuízo, em vez de lucro).

No exercício de qualquer actividade económica há que realizar inúmeras operações (compra, produção, venda,...) que logicamente ocasionam acções gestivas, variações patrimoniais e inerentes relevações contabilísticas. Numa gestão continuada, sob constrangimentos diversos, inclusive normatividade legal, impõem-se juízos económicos que hão-de ser suficientemente criteriosos, de modo a poder informar-se, validamente, sobre o lucro alcançado.

Quando o valor atribuído aos bens alcançados pelas acções ou operações desenvolvidas excede o dos bens com as mesmas despendido alcança-se um lucro. Esta enunciação revela-se lógica e, aritmeticamente, estará exacta. Porém, assenta nas valorizações

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atribuídas aos elementos que geraram a soma algébrica que operacionalmente constituirá o lucro.

Utilizam-se capitais próprios e ou alheios e realizam-se as sucessivas operações de gestão directamente ou através de outrem (quadros, consultores, trabalhadores). Pode, assim, suceder que o excedente (lucro) desapareça ou se reduza se acaso o empresário, considerando condicionalismos, nomeadamente legais, entender que a sua actividade deve ser contabilizada não a título de lucro (excedente) mas de salário ou entender que os capitais sejam postos a render juros na empresa como se fossem de terceiros (configurando-os como capitais de terceiros). Também pode entender-se que certos riscos dos negócios se configurem como custos a título de prémios a pagar a seguradores que assumam tais riscos, e quanto a meios de produção pode decidir-se utilizar bens de terceiros a quem se pagarão rendas, alugueres e royalties ...

Teoricamente, é tão admissível contabilizar a título de custos uma pré-remuneração ao capital (capital e reservas) como ratear de vários modos ou por vários entes (fisco, dirigentes, trabalhadores, clientes (!), etc.) o excedente dos proveitos sobre os custos.

Prosseguindo considerações indica-se que o lucro tem tendências para fragmentações novas. A figura tradicional do empresário hoje revela-se cindida. Apareceram gestores-tecnocratas que coordenam os meios de gestão das empresas. Quase sempre não são titulares dos capitais pelo que não assumem assim riscos inerentes. Aliás, os riscos, actualmente, estão restringidos por modalidades jurídicas da sociedade de responsabilidade limitada sob as quais se movem a maior parte das empresas.

Também as possibilidades de formulação de contratos de seguro conduzem a transferir riscos. É certo que com seguros tradicionais e agora com as "opções" e os "futuros" os empresários podem minimizar seus riscos, eventualmente aumentando seus custos e reduzindo o lucro líquido.

Preocupações inversas de minimização de custos também ocorrem. Por exemplo, tenta-se reduzir empates de capital, derivando

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daí menores custos financeiros, efectivos ou figurativos. Busca-se aumentar vendas a dinheiro ou mobilizar os créditos de vendas efectuadas. Ou, então, reduzem-se saldos de dívidas a receber transferindo para outrem mais especializado as operações de processamento de cobranças. Outro campo de actuação respeita à redução de stocks (stock zero; just in time). Outra opção é não adquirir imobilizações, utilizando bens em locação - aluguer e arrendamento.

Com tudo isto, o activo das respectivas empresas tende para zero. Daí também o passivo e o capital próprio tenderem igualmente para zero.

A banca hoje assume maior papel no financiamento das empresas não pelo crédito que directamente lhes concede mas pela intervenção na criação de meios de lhes fazer chegar o crédito necessário, com base em esquemas de mobilização dos activos das empresas e da utilização de poupanças de outros a quem confere direitos a esses activos (titularização dos créditos, ...).

Os Estados, frequentemente, chamam a si, a título de impostos, parte dos excedentes gerados nas empresas, sendo, obviamente, afectados em casos de ocorrência de prejuízos. E atribuem prémios, subsídios, incentivos fiscais, etc. .

2. DIFERENTES ACEPÇÕES TÉCNICAS DE LUCRO

O lucro que em regra se determina em cada período de gestão (lucro contabilístico) corresponde à subtracção aos proveitos dos custos relativos aos "consumos" ou gastos imputáveis a esse período, quer provenientes de dispêndios nele efectuados, quer relativos a quotas de custos plurianuais.

Em muitos cálculos económicos, de acordo com critérios pre-definidos, incluem-se em custos não só despesas já processadas e consumos de bens utilizados mas também despesas futuras de ocorrência provável e, porventura, remunerações figurativamente arbitradas quer a título de «juros» ao capital próprio investido quer como «salário» devido ao papel de direcção e de coordenação

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empresarial (lucro puro). Por vezes, o lucro é calculado com base em definições legais e

até em cláusulas estatutárias. É frequente estipular retiradas ao lucro líquido do exercício. As verbas respectivas suscitam dúvidas se, em substância, são de encarar como «retiradas de lucros» ou, inversamente, como «custos de exercício».

Hoje pretende-se que a normalização das regras de contabilidade seja feita por especialistas, de modo a evitar formalizações legais fora de sãos princípios contabilísticos. Todavia, a doutrina contabilística tradicional repudia toda e qualquer inclusão de gastos figurativos (que são custos de oportunidade) nos cálculos de custos. Ora, para uma apreciação conveniente dos problemas dos preços e custos (e lucros) não deve deixar de se ter em conta juros do capital próprio, pois, de contrário, poder-se-á chegar a conclusões diferentes da realidade ao comparar "custos completos" de empresas congéneres dispondo de diferente estrutura de financiamento. E a mesma disparidade surgirá ao comparar custos de empresas onde os proprietários-empresários têm remuneração (de trabalho) específica e custos de empresas onde os empresários só beneficiam de ganhos decorrentes do resultado do exercício.

Para conveniente formulação de diferenciações entre possíveis configurações de cálculos feitos por economistas e contabilistas1, vamos encarar diferentes casos possíveis de lucros (ou prejuízos), com base nos seguintes modelos esquemáticos:

i) Preço de venda efectivo > Preço normal de venda (o que permite ao empresário recuperar todos os gastos efectivos com carácter normal, isto é, o chamado custo económico-técnico).

Com isto não quer dizer-se que os economistas não são contabilistas ou vice-versa e muito menos que se justificam essas diferenciações profissionais. Apenas se quer anotar o que usualmente temos encontrado nas nossas vivências profissionais. Aliás, é aceitável falar de "economistas de empresa" e de "economistas teóricos". É difícil teorizar aspectos tão pragmáticos ...

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O Lucro e a Tributação

Os "economistas" dirão que há um lucro puro.

P.v. eject. - c. econ. técn = lucro puro.

Os "contabilistas" preferirão dizer que há lucro elevado, anormal.

ii) Preço de venda efectivo = Preço de venda normal:

Economistas - não há lucro.

P.v. eject. - c. econ. técnico = 0.

Contabilistas - lucro normal.

P.v. eject. - c. comercial lucro ejectivo normal.

(Lucro suficiente para remunerar devidamente o empresário)

iii) Preço de venda efectivo < Preço de venda normal:

Economistas - há prejuízo.

P.v. eject - c. econ. técnico < 0.

Contabilistas - encaram o resultado mais discriminadamente. Assim, apreciam as seguintes hipóteses:

P.v. ejectivo - c. comercial > 0

Lucro reduzido, insuficiente para uma remuneração adequada do trabalho despendido pelo empresário, capital

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empatado e risco do empreendimento.

P. v. efectivo - c. comercial = 0

Não há lucro nem prejuízo.

P. v. efectivo - c. comercial < 0

Há prejuízo; o resultado efectivo da actividade é negativo. Ainda assim, neste caso, pode ser preferível a empresa continuar a produzir e a vender aguardando alterações da conjuntura. Interessa observar se há ou não cobertura de gastos fixos (custo total = gastos fixos + gastos variáveis).

Ter-se-á então ou:

P. v. efectivo - c. variável> 0

(a empresa perde, mas cobre parte dos custos fixos, pelo que terá momentaneamente, mais interesse em trabalhar do que em estar parada), ou:

P.v. efectivo - c. variável= 0

(a empresa, mesmo trabalhando, não cobre qualquer parcela dos custos fixos. A menos que espere qualquer modificação da conjuntura, deverá parar a produção), ou:

P.v. efectivo -c. variável < 0

(a empresa perde mais mantendo-se em actividade do que estando parada. Deve cessar imediatamente a produção a fim de evitar a acumulação de prejuízos (terá de reorganizar-se, mudar de produção ou, se não houver outra

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alternativa, caminhar para a liquidação)).

Convém também chamar particularmente a atenção para o facto de frequentemente se usar em similitude as noções de margem bruta e lucro bruto e de margem líquida e lucro líquido. Ora, deve ter-se presente que as noções lucro bruto e lucro líquido surgem de esquema de contabilização a "custos totais".

Quando se processam esquemas de contabilização a «custos variáveis» já deve falar-se, preferivelmente, de margens e não de lucros. A propósito, acentua-se que a margem líquida global de idêntico período só corresponderá ao lucro líquido global do mesmo período se não passarem stocks de produtos de um período a outro ou se houver coincidência entre as quantidades físicas das produções no início e fim de cada período de gestão, mantendo-se constantes as despesas que geram custos, o que são coincidências difíceis de ocorrer.

O lucro bruto é dado pela diferença entre o montante das vendas e um custo total, embora incompleto (custo total industrial = custo das matérias, mão-de-obra e gastos gerais de fabrico).

0 lucro líquido é a diferença entre as vendas e o custo total comercial ou complexivo, englobando-se neste, além do custo industrial, todos os gastos de venda e os gastos gerais administrativos.

Entre os conceitos extremos de lucro bruto e de lucro líquido depara-se com muitos outros (fala-se de lucro ilíquido de despesas de venda, de lucro de exploração, de lucro bruto deduzido ou não de gastos gerais departamentais, de lucro líquido ante e pós-impostos, etc.).

3. EVOLUÇÃO; SÍNTESE CRÍTICA

Em nossa dissertação de doutoramento, sob o título Normalização Contabilística2, já então se acentuava que as matérias contabilísticas em geral deveriam encarar-se na sua

2 Ed. Livraria Arnado, 1984.

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multidimensionalidade. Com efeito, depara-se com a necessidade de o lucro se apurar de modos multifacetados que se revelem úteis - brutos ou líquidos, previsionais ou históricos, departamentais, de período, de actividade, de área, de produto, etc., etc .

E igualmente temos assinalado que os princípios contabilísticos, critérios de valorimetria e métodos de custeio geralmente apresentados, designadamente no POC, seguem orientações de cunho predominantemente patrimonialista, opção que não é de aplaudir. Isto porque se os princípios e critérios estão subordinados às finalidades do balanço aparecerão subalternizados nos apuramentos dos custos e proveitos de exercício.

Na verdade, há que proceder a estudos de normalização que corrijam e desenvolvam princípios básicos relativos ao apuramento dos resultados, de modo a impedir demasiada fluidez nos respectivos cálculos e, ao mesmo tempo, acentuar a complementaridade dos sucessivos exercícios económicos. Importaria considerar a temática dos princípios relativos aos resultados, predefinindo mesmo o conceito de lucro.

Explicamos essas necessidades e tratamos esses assuntos em numerosos trabalhos nossos.

Há também que questionar se o lucro contabilístico geralmente apurado é um lucro real e um lucro conceitualmente correcto e também se um lucro apelidado de fiscal será um lucro em sentido próprio do termo. Por um lado, porque a fiscalidade procura assentar no lucro contabilístico e, por outro, porque, contraditoriamente, afasta--se dele.

O Código do IRC no artigo 17° indica que "o lucro tributável ... (é) determinado com base na contabilidade e eventualmente corrigido nos termos do Código". Porém, o artigo 41° do mesmo Código contrapõe, entre o mais, que 20% de custos a título de ajudas de custo são parcela de lucro e que despesas de representação e encargos relacionados com viaturas ligeiras... são tributadas autonomamente a uma taxa de 6,4% ... . E, em contrário, opta-se também por regras a beneficiar empresas que praticam certos tipos de custos, aceitando se

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deduzam, fiscalmente, custos em montante superior ao dispendido e contabilizado - citam-se os casos de numerosos donativos que são aceitas em 150, 140, 130, 120, 110% do gasto envolvido (cf. agora, Estatuto do Mecenato). Nestes termos, tem de concluir-se que o lucro fiscal é algo que quantitativa e qualitativamente se afasta do lucro que pelas regras de contabilidade se terá apurado previamente.

De outro modo, também convirá observar que o lucro contabilístico que se apura por exercícios económicos e de acordo com princípios convencionalmente estabelecidos poderá conter erros. E pode até apresentar-se com expressão inadequada. É que, além de assentar em princípios convencionais e alguns em contraposição aos outros, utiliza critérios que, mesmo quando legalmente estabelecidos, não se configuram sempre como únicos e sim como alternativos.

O princípio da prudência é um exemplo acabado de ilogismo contabilístico, com fundamentos empíricos inspirados em ideias conservadoras; o princípio do custo histórico, por seu turno, é objecto de fortes contestações, umas invocando as frequentes variações nos preços e do próprio padrão monetário e outras acentuando valores reais aparecidos não por aquisições e sim fruto de critérios de gestão. A boa produção ou serviço, a reputação de marcas, o crescimento da clientela, a coesão da equipa da gestão, etc., etc. são exemplos de valores que cada vez mais se querem meter nos patrimónios e nos apuramentos directos ou indirectos de custos e proveitos.

Se bem que actuais opções se filiem em propósitos justificáveis resultam, todavia, muitas vezes, de acções de oportunismo ou opções interesseiras.

O princípio da uniformidade é frequentemente ressalvado com argumentos assentes em particularismos pontuais, com invocações de modernidade ou particularismos circunstanciais; por último, notar-se-á que os princípios da substância sobre a forma e da materialidade estão consignados no POC mas podiam não estar pois o bom-senso e a boa-fé não favoreceriam opções diferentes, considerando que forma falseada não invalida a substância real.

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Até o próprio princípio da especialização dos exercícios começa a apresentar-se sob práticas menos consistentes. Cada vez repugna menos aos técnicos de contabilidade tomar prejuízos como activos. É o caso de insucessos e erros, que muitos vêm sublinhando como formas primeiras e úteis de encontrar os bons caminhos. Há teses no sentido de considerar como Activo (Imposto Diferido Activo) parcelas de perdas sofridas, sob o pressuposto de que por isso em anos futuros se pagará menos imposto.

Encontram-se critérios orientados por regras aprioristicamente reputadas adequadas (sãos princípios) mas, em contrário, há quem conclua que os técnicos da contabilidade devem perfilhar aqueles comportamentos ou práticas que geralmente são os adoptados (princípios geralmente aceites).

Assim, seguem-se comummente procedimentos ("princípios geralmente aceites) que se afastam dos "sãos princípios". É o caso das já típicas reavaliações livres, das contabilizações a justo valor, dos apuramentos de impostos diferidos (activos e passivos). Tudo isto a acrescer diversidades, algo confusamente, algo contraditoriamente.

Receia-se, assim, que por interesses ou vantagens fundadas em maus motivos se estejam a gerar abandonos dos chamados "sãos e tradicionais princípios", conduzindo à integração contabilística de elementos que dantes não se aceitariam, quer nos cômputos dos custos, proveitos e resultados, quer nos do património.

Na verdade, há teorias modernas a propugnar que, por exemplo, se conte hoje com valores que dantes se encaravam como meras potencialidades. Estas tendências actuais correlacionam-se com a relevância que passou a ter o virtual perante o real. Assim, predominam agora nos activos das empresas, virtualidades ou valores futuros, diferenças entre custos de bens adquiridos e valores que com eles se poderão obter, calculando probabilidades dessas obtenções.

Se a formulação de juízos tradicionais pessimistas não era científica, a tendência actual inversa também não o será. Qual o melhor? Qual terá menos efeitos futuros perversos?

Questões como as afloradas suscitam-nos interrogações quando

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se vê a persistência com que se pretende tributar as empresas na base do lucro, sabendo-se que esse "lucro fiscal" está manifestamente longe da realidade.

4. DISSONÂNCIA ENTRE LUCRO CONTABILÍSTICO E LUCRO FISCAL (SÍNTESE)

Como se explica em 3. supra, pretende-se tributar as empresas pelo lucro, mas o que fiscalmente é tomado como lucro não traduz a realidade.

Como lucros ou juntamente com os lucros estão a tributar-se parcelas que não o são - casos de custos efectivamente suportados (e até de proveitos alcançados) e não aceites fiscalmente. Por outro lado, verifica-se que o lucro que, conceitualmente, corresponde à diferença entre proveitos e custos deixou de ser real na medida em que no seu cômputo se omitem proveitos (e ou ganhos) e, subtractivamente, configuram-se custos (e ou perdas) que não são verdadeiros.

Comprovado assim que o lucro declarado para efeitos fiscais não é muitas vezes o "real", surgem de novo vozes a sugerir métodos de tributação que divergem do baseado no lucro declarado. Nós próprios perfilhamos propostas de tributação das empresas em base distinta da dos lucros, ou, preferivelmente, propostas que mantenham a tributação pelo lucro mas com alternativa de imposto (mínimo), se lucro não houver ou for diminuto.

A fluidez do lucro, as dificuldades do seu cômputo, a sua insuficiente expressividade e natureza residual, a fácil manipulação e sujeição a flutuações e a desvios erráticos levam a algum cepticismo. A agravar, no caso português, existe ainda uma questão essencial: a Constituição da República, estabelece (na revisão de 1997 mas aliás como dantes) que "a tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real" (cf. art. 104° n° 2).

O certo é que uma tributação dita do rendimento real não equivale a uma tributação do rendimento declarado na medida em que é frequente a não coincidência entre o real e o que os contribuintes

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declaram. E assim favorecem-se os contribuintes que optam por declarar rendimentos líquidos inferiores ao real.

Toda a gente sabe que essas declarações inexactas são muito comuns, patenteando-se riqueza e nível de vida em notória incompatibilidade com rendimentos declarados.

Em face de movimentos de integração económica internacional, reconhece-se que actualmente são maiores as dificuldades de recurso a soluções tributárias novas. Não podem minimizar-se efeitos de acordos bilaterais celebrados, de directrizes comunitárias, de regras normalizadoras. Há que acompanhar opções assumidas em outros países.

O sistema fiscal português vem assimilando o dos demais países de economia do tipo, digamos, ocidental. Vive-se num mundo cheio de complexas teias de tal modo e como já temos dito a fiscalidade possível não será a desejável, ou seja, a que melhor satisfaria o anseio de justiça social e da dotação do Estado com as receitas convenientes.

5. A PROBLEMÁTICA DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS

5.1. TERÁ A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS DE ASSENTAR EM LUCROS?

Há quem responda afirmativamente e de modo irreticente invocando que a Constituição da República se opõe a que se possa optar diferentemente.

Colocamo-nos noutro plano - a Constituição da República é feita pelo Povo (através dos seus representantes eleitos) e para o Povo (através das mensagens que são transmitidas aos seus eleitos e de acordo com as formas de captação que estes fazem das ditas mensagens e pelas formas com que as fazem realizar).

Refere a Constituição da República que no povo reside a soberania e ele a exerce segundo as formas nela previstas (cf. seu art. 3o n° 1). E a própria Constituição prevê a sua revisão, actualização nos termos que dispõe nos artigos 284° e segs.

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Posto isto, irá prosseguir-se assinalando mais o seguinte: conceitualmente as empresas não são entes fruidores de rendimento e sim unidades de produção de bens e prestação de serviços, nele participam dirigentes e colaboradores e se congregam capitais, equipamentos, tecnologias e outros recursos e aprovisionamentos, com vista à satisfação de necessidades de seus clientes.

As empresas surgem assim como entes intermediários que, ao cumprirem a sua missão e objectivos de produção e venda de bens e serviços, vão gerar impactes sobre pessoas, entidades diversas e a sociedade em geral.

Ao dizer que as empresas são entes intermédios quere-se relevar em especial que por detrás das empresas estão sempre pessoas, ou seja, as empresas são entes sem fins próprios últimos, os quais estão nas pessoas físicas que detêm o poder empresarial. Porém, juridicamente, as empresas personificam-se. E, sociologicamente, também são encaradas como entes reais, dotados de querer e com objecto próprio.

Porém, no fundo, as empresas não passam de conjuntos de pessoas em relações diversas, umas, actuando internamente, no seio das empresas, outras, actuando no interior e no exterior, sujeitas a constrangimentos advindos de outros agentes internos e também do meio onde a empresa se insere e actua.

Usando linguagem da teoria sistémica, dir-se-á que na entidade empresa umas pessoas interagem dentro do subsistema da empresa (sistema fechado) e outras actuam dentro e fora desse subsistema, em inter-relação com outros subsistemas e sistema geral.

Prosseguindo estas ordens de ideias, conclui-se que, sendo a empresa uma unidade com objectivos de produção, onde se congregam pessoas que a elas prestam capitais, direcção, trabalho, equipamentos, materiais, tecnologias, know-how, etc., resultará, da actividade da empresa, ou seja, do conjunto de inputs e outputs, nela ocorridos, a maximização do seu próprio valor ou, eventualmente, redução de valor, não desejável.

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A teoria financeira actual refere que o objectivo da empresa é a maximização do valor para os sócios, o que se considera visão acanhada, embora não se deva, todavia, deixar de estar de acordo quanto à ideia de que na empresa se maximizam valores, isto é, geram-se ganhos, ganhos não propriamente para a empresa (ente intermédio) e sim para os destinatários últimos de tais ganhos.

Assim entendendo, aos que objectam que a empresa nem sempre distribui (todos os) lucros que apura, referir-se-á que, ainda assim, a maximização do valor que ocorre na empresa não significa, de facto, que tal acréscimo seja desde logo entregue aos destinatários eleitos para o receber. Mas há-de-o ser, acaso não se perca ... Porém, mesmo não estando o valor maximizado entregue (a sócios e outros), os acréscimos de valor gerados revertem a favor dessas pessoas.

Obviamente que enquanto os acréscimos de valor não forem totalmente atribuídos, esses acréscimos não podem ou não devem ser tributados nas pessoas que virão a beneficiar das ditas valorizações, enquanto a elas não forem atribuídos, enquanto não se evidenciarem como rendimentos, de categorias diversas possíveis, incluindo mais--valias (realizadas). Explicando casos especiais - de mais-valias e outros eventuais ganhos realizados - anote-se: se um dado sócio cede posição social e aufere ganho nessa cedência (mais-valia) deve haver aí competente tributação; se um dirigente ou um trabalhador cessa sua colaboração e vem auferir ganho por essa cessação, surge aí mais um rendimento susceptível de consideração para efeitos do imposto.

Com o que atrás se expõe não se pretende retirar à empresa a sua categoria de sujeito do imposto. Longe disso. Entende-se mesmo que a empresa é um ente tributário por excelência. Aliás, não só como contribuinte mas também por ser centro de eventos fiscais diversos. Mas não se pretende ver a empresa tributada em rendimentos porque ela é, sobretudo, uma entidade de produção que aufere o valor da sua produção, isto é, em rigor, o seu valor acrescentado. Diz-se que não aufere rendimentos porque não os frui e tal fruição não se compatibiliza com seu objectivo. Quem frui rendimentos são os "participantes" na empresa a quem ela atribui os ditos rendimentos ou

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gera valorizações que se verterão, mais tarde ou mais cedo, em ganhos. Ora, em imposto sobre o rendimento os entes a tributar serão os efectivos fruidores do dito rendimento.

Das empresas advirão numerosas prestações de declarações para efeitos fiscais e retenções na fonte. Sem as empresas e seus colaboradores a Administração Fiscal dificilmente atinge seus objectivos de obtenção de receita. Perderia controlos, eficácia e eficiência.

As empresas realizam transacções - compras, vendas, prestações de serviços - e atribuem remunerações pelos factores de produção que dirigentes, trabalhadores, financiadores lhes propiciam. Nas empresas geram-se fluxos de entradas e saídas de bens ou valores diversos - matérias, produtos, mercadorias, custos, proveitos, receitas, despesas, recebimentos e pagamentos.

A empresa deve ser sujeito de imposto, não de imposto sobre o rendimento, pois não frui este, e, sim, de outros impostos, em resultado de suas actividades:

- impostos sobre transacções como é o caso do IVA e dos impostos sobre consumos específicos em que as empresas serão sujeitos passivos mas não contribuintes de facto, dado que se trata de impostos repercutíveis.

- impostos sobre a sua produção ou valor acrescentado (e não imposto sobre o rendimento) e .

- imposto geral sobre o património; os patrimónios hoje aparecem quase todos integrados, de um modo ou de outro, nas empresas; as dificuldades que actualmente se levantam ao imposto sucessório e a outros impostos tradicionais relacionados com o património, conduzem a sugestões de

3 Considerando que os fruidores dos rendimentos são as entidades a quem as empresas remuneram - os titulares dos factores trabalho, direcção, capital, etc. (as unidades de consumo). 4 Aliás, em Portugal e demais países da União Europeia e ainda em outros há, como se sabe, tributação relativa ao valor acrescentado, mas como imposto indirecto e repercutível nos consumidores dos bens. O caminho de tributação de valor acrescentado que se aponta é diferente.

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tributação na base dos patrimónios constantes da contabilidade das empresas.

- imposto anti-poluição ou taxas anti-poluição: a acuidade desta questão tem de ser urgentemente ponderada na perspectiva fiscal.

Nos começos de década de setenta defendíamos já estas posições. Considera-se que hoje haverá mais amadurecimento para eventual meditação sobre estas perspectivas de doutrinação fiscal. Não se crê, todavia, que seja fácil a viabilização do exposto nem se pensa que estas ideias tenham adesão suficiente. As soluções fiscais a aconselhar devem ser realistas, isto é, possíveis de realizar e operacionalizar.

5.2. CONFRONTOS ENTRE A TRIBUTAÇÃO DA EMPRESA NA BASE DO LUCRO OU NA BASE DA PRODUÇÃO OU VALOR ACRESCENTADO

São as empresas entes sociais e jurídicos que congregam capitais, trabalho, esforço de direcção, transformando matérias, comercializando mercadorias, prestando serviços.

Por detrás das empresas estão as pessoas físicas que as constituem e se bem que juridicamente se formulem diferenciações, em última análise, são os detentores dos meios de acção da empresa -capital, direcção e trabalho - os beneficiários dos seus sucessos (ou dos seus insucessos, em caso de inadequada ou infeliz actuação).

A empresa, em especial a societária, constitui uma realidade social juridicamente diferenciada das pessoas que dela detêm a propriedade ou o capital social ou que nela trabalham. É a empresa um ente dotado de personalidade jurídica e de capacidade para agir autónoma e independentemente, com património, personalidade, vontade, nome próprio, etc.

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Não obstante, há quem acentue que o aparecimento do ente intermédio "empresa" acarreta tributações sucessivas ou duplicadas dos mesmos ganhos, das mesmas realidades económicas.

E, em seguimento, concluem que a solução da tributação do ganho na empresa societária e depois nos sócios (quando distribuídos) não é equitativa5 , considerando que há situações de exclusão de tributação ou de inexistência do ente intermediário "empresa societária".

Claro que a estas ordens de ideias se podem contrapor outras, designadamente:

- a da distinta personalidade jurídica da sociedade e dos sócios; - o facto de os impostos sobre os lucros das sociedades se

contabilizarem nestas como mais um encargo que nelas se difunde ou traslada, algo imprecisamente, por clientes, trabalhadores, sócios, financiadores, fornecedores, etc.;

- o lucro ser realidade com autonomia formal e conceituai, realidade que, embora residual, surge devido à existência de organização, quer específica da empresa, quer do meio económico, político e social em que a mesma actua, tudo a gerar fundamentação para a tributação do lucro empresarial.

Acontece que os impostos sobre os lucros das sociedades têm atingido tal monta que dificilmente se poderia prescindir deles nos actuais orçamentos do Estado e autarquias locais. O abandono desta tributação haveria que ocasionar o aparecimento de imposto substitutivo. Ademais, a tributação das empresas tem contribuído para o aperfeiçoamento do controlo da Administração Fiscal e é fonte de informação estatística útil, favorecendo instrumentalidade gestiva.

A existência do imposto sobre os lucros e dos seus meios de controlo específicos tornou mais fácil ao Estado controlar, liquidar e arrecadar os demais impostos sobre outras categorias de rendimentos ou sobre despesas, transacções ou transmissões de patrimónios.

5 Entende-se não dever falar de "dupla tributação" pois os sujeitos jurídicos são distintos - há assim apenas tributação repetida (em sujeitos distintos).

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A tributação sucessiva na sociedade e nos sócios não é fenómeno negligenciável, não só no campo dos princípios mas também no da política e técnica fiscal. Por isso, convirá apreciar conjuntamente a tributação das empresas pela obtenção de lucros e a dos sócios pela atribuição dos dividendos. Ora, no Sistema Fiscal Português, ponderada a existência da tributação sucessiva, procura-se minorar os seus efeitos. Assim, há tributação menor - nos sócios -sobre as atribuições de dividendos em relação às atribuições de juros a sócios. E, no caso de sociedades de gestão de títulos próprios, há deduções específicas que visam evitar ou atenuar as tributações derivadas de participações financeiras sucessivas.

Nas actividades comerciais ou industriais, a forma societária impõe-se não só porque é a mais exigente da actuações conjugadas, de coesão de esforços e de maior abundância de capitais, como também é aquela em que o carácter institucional mais se justifica (até porque a obtenção de compensações para os capitais utilizados e esforços dispendidos exigem geralmente prazos mais longos). Nessas actividades é onde mais abundam gastos plurianuais sem corporizações e onde mais frequentemente se trabalha com equipamentos de utilização por sucessivos anos, onde a consolidação da clientela, da experiência, do "know-how" ao longo dos anos tem mais relevo.

No caso de se pretenderem formular comparações da tributação nos diversos países, há que ponderar as diferenciações existentes nas formas de tributação dos ganhos das sociedades, designadamente as derivadas de diferentes estruturas e regimes. De contrário, adulteram--se quaisquer comparações.

Basta pensar nos esquemas de tratamento dos custos e proveitos do exercício, diferentes de país para país. Os benefícios ao reinvestimento, as quotas e os critérios de amortização dos imobilizados, das aceitações a título de custos e em termos de acção social, donativos, provisões, a valorimetria dos stocks, as práticas ou não de fraude, etc. Esquemas e regras, procedimentos e comportamentos divergem de país para país.

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Todos estes factores alteram, na prática, as taxas nominais de imposto indicadas nos textos legais.

Por outro lado, as contraprestações que genericamente em cada Estado são asseguradas aos contribuintes também divergem de um país para outro. Uma empresa que actue em país mais desenvolvido aufere as vantagens da melhor preparação cultural e maiores aptidões dos cidadãos, usufrui dos benefícios da maior eficiência e melhor funcionamento das instituições existentes e dos investimentos públicos que nesses países existem. Um país que suporta gravames ou encargos por virtude de situações de insegurança ou de guerras está desfavorecido, pois assim as receitas fiscais terão de ser mais elevadas.

Embora considerando a impossibilidade de se prescindir em Portugal dos impostos sobre os lucros das empresas, seria, porventura, vantajoso que os estudiosos da Fiscalidade ponderassem as consequências, os prós e contras da substituição daquela fórmula tributária por outra, por exemplo, com base na sua produção ou valor acrescentado.

Acontece, porém, que hoje em dia, em face dos movimentos de integração económica internacional, a ocorrência de diferenciações tributárias considera-se fonte de perturbação, concorrência desleal. Pensa-se que a globalização empurrará para a busca de harmonizações, estabelecendo-se convenções, directivas comunitárias e acordos internacionais no referido sentido.

5.3. DIFICULDADES DE TRIBUTAÇÃO DO LUCRO PERANTE A SUA VARIABILIDADE E MANIPULAÇÃO 6

A tributação com base no lucro tem contra si o facto de a grandeza "lucro" se manifestar extremamente flexível, podendo variar em função de factores dos mais variados, entre os quais se podem destacar os seguintes:

6 Compilações de estudo apresentado pela primeira vez in A TRIBUTAÇÃO DO LUCRO REAL, Ia ed., Ática, 1965.

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1) próprio conceito de lucro (e a sua evolução, de acordo com as correntes de pensamento económico e social); a natureza cada vez mais residual que assume a grandeza lucro 7.

2) As variedades de noções e de significados económicos e contabilísticos de lucro. - lucro bruto, lucro líquido. Lucro puro, lucro de tesouraria;

lucro por função - compras, fabrico, vendas; lucro por produto, lucro por sector; lucro orgânico e lucros inorgânicos; lucros ordinários e lucros extraordinários, acidentais, conjunturais; lucro de gestão e lucro de capital ou mais-valias; lucro normal e lucro não normal (v.g. resultados de empresas que actuam em condições deficientes ou em regime de privilégios); lucro expurgado de custos de inactividade;

3) A possível inconstância do lucro perante as sucessivas conjunturas e as mudanças de carácter estrutural ou de institutos jurídicos relacionados com o lucro.

4) A natureza periódica do cálculo do lucro, contrastante com a natureza continuada da gestão ou da actividade lucrativa exercida; nem sempre se faz (e nem sempre é possível fazer, dada a íntima conexão dos diversos exercícios) uma perfeita periodização do custo e proveitos. E frequente, especialmente nas empresas de maior dimensão, complexidade ou volume de operações, surgirem para registo em dado exercício encargos e rendimentos que, em rigor, deveriam movimentar-se em exercícios anteriores ou posteriores. Não se consegue realismo e comparatividade entre resultados de períodos sucessivos, em virtude de aparecerem encargos acidentais, riscos não previstos nem

Além de residual, a grandeza lucro é dependente das formas e proporções em que os diversos factores produtivos são remunerados.

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imputados (ou mal imputados) ou então haver custos já imputados que competiriam a exercícios futuros.

5) As oscilações, no tempo, do padrão monetário que mede o lucro; a nominalidade dos valores dos bens que são objecto ou instrumento da gestão; as variações de valor intrínsecas aos próprios bens: - empresas com meios patrimoniais hipoavaliados ou hiper-

avaliados; influência dessas menos ou mais-valias no cálculo das quotas de amortização e, consequentemente, nos custos e nos resultados; mais-valias nominais e mais-valias reais, mais-valias efectivas e mais-valias potenciais; problema das reavaliações e das suas consequências nas determinações posteriores de resultados.

6) A variabilidade do lucro em função de circunstâncias ou factores extrínsecos à empresa: - acréscimo ou decréscimo populacional, guerras, catástrofes,

inovação tecnológica, instabilidade social, etc. 7) A variabilidade do lucro em função de circunstâncias ou

factores intrínsecos à empresa: - inclusão ou exclusão nos custos de produção de gastos

excessivos, extraordinários e anormais; níveis de remunerações dos quadros directivos e do pessoal;

- consideração ou não de provisões; - insuficiências dos critérios de valorização dos stocks no

cálculo dos resultados; valorimetria a custos de aquisição, a preços de venda ou a preços de reposição; uso de custos de aquisição ou de custos de substituição na contabilização das entradas de matérias e mercadorias; variedade dos critérios de cálculo de custo das produções; contabilização a custos totais ou a custos variáveis; custos históricos ou custos teóricos e/ou padrões; subcritérios de contabilização possíveis para registo das saídas das matérias, produtos ou mercadorias; custo originário, custo médio do stock, custo

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cronológico directo (FIFO), custo cronológico inverso (LIFO), etc.

8) Discutibilidade das regras relativas aos valores sobre que podem incidir as amortizações (l.s.), seus métodos, quotas e taxas: - valor de aquisição (há compras em boas e compras em más

condições; em virtude de práticas defeituosas muitas empresas desconhecem os verdadeiros valores de aquisição de certas parcelas do seu imobilizado);

- valor de substituição ou custo actual (quase sempre de difícil determinação, pois dão-se desvalorizações monetárias mais ou menos acentuadas, oscilações de preços e câmbios, inovações técnicas ou variações nos modelos construídos que complicam as comparações de preços de bens de equipamento diferentes);

- métodos e quotas de amortização; contemplação do período futuro de vida útil; fixação de valores residuais e custos de derrube e desmontagem; quotas constantes, crescentes, decrescentes; amortizações aceleradas, cíclicas, variáveis, em função dos lucros; reflexos das amortizações nos custos, na liquidez, no autofinanciamento;

- taxas de amortização; variáveis consoante a natureza e qualidade do imobilizado, irregularidade ou constância da sua utilização, intensidade desta, tipo de exploração, localização, conservação, obsolescência, duração física, período de vida legal, usura económica, etc.

9) Dificuldades peculiares do cálculo de custos; nos casos de produções conjuntas, complementares, por fases, por encomenda, em regime contínuo, etc.; custos de inactividade; cálculos de economicidade ou de eficiência dos diversos sectores ou departamentos (compras, produção, vendas).

10) Propósitos dos detentores do comando real da empresa; circunstâncias diversas que influenciam as proporções entre capital próprio e alheio e as remunerações dos capitais;

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O Lucro e a Tributação

empresas com suprimentos ao capital e empresas com empréstimos de terceiros; diversidade de taxas de juro; utilização de prédios e equipamentos próprios ou tomados de arrendamento, aluguer ou em novos regimes (leasing, renting) de utilização de bens de terceiros; distinções resultantes de certos empresários arbitrarem remunerações ao seu trabalho, enquanto outros são simplesmente remunerados por força de lucros.

11) Relações de dependência entre as empresas (regimes de participação, associação ou diferenças de poder de contratação), sobressaindo hoje as consequências que no apuramento do lucro reveste a multinacionalidade da empresa e as relações de carácter internacional.

12) Uma questão discutida mais recentemente é a de impostos que sob certos aspectos se podem considerar custos (económicos) de dado exercício sob exame, mas cuja obrigação de liquidação e pagamento surgirá em anos futuros (figuração assim no passivo do balanço8 e, em contra partida, em resultados, nos proveitos). Inversamente, citam-se casos de impostos que no futuro se deixarão de pagar, devido, por exemplo, a eventualidade de deduções fiscais de prejuízos legalmente previstas (proveitos correspondentes a poupanças esperadas em impostos em exercícios futuros).

Os aspectos referidos, obviamente, perturbam ou dificultam quer o significado quer a própria determinação do lucro10. Um esforço de colaboração entre os departamentos do Estado, as escolas, os técnicos, os organismos profissionais e as associações de empresários, poderá

8 A contabilização será, em contas do POC (861 a 241/27). 9 Acerca desta matéria pode ver-se nosso outro estudo Impostos Diferidos. 10 Tudo quanto aqui se escreveu e arrolou, mostra a razão do que afirmámos, em debate na ex-APEC, em 1982, ou seja, que: "as empresas não podem nem sabem apurar lucros reais anuais".

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favorecer a formulação e concretização de mudanças estruturais e ambientais superadoras de dificuldades e anomalias existentes.

Considera-se que a tributação das empresas societárias em Portugal terá, por certo, de subsistir por muito tempo, mas a fácil variabilidade e o carácter residual do lucro, pelas razões e fenómenos atrás expostos, deverá conduzir à pesquisa de formas de tributação das empresas que propiciem maior homogeneidade de matéria colectável e menor flexibilidade da sua grandeza. Sugere-se, nesse sentido, se façam estudos sobre a tributação do valor acrescentado.

5.4. A TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO LUCRO É UTOPIA? DONDE, MENOS JUSTA ?

A tributação sobre lucros pode revelar-se injusta, acaso se estejam a tributar parcelas que a lucros não correspondam. Estarão nessa situação custos efectivamente suportados por uma empresa e não aceites fiscalmente.

Sendo o lucro, conceitualmente, diferença entre proveitos e custos, ele deixa de ser real11 se no cômputo não se englobam, subtractivamente, todos os custos (e ou perdas) ocorridos que o sejam substancialmente.

Assim, o ideal será a legislação relativa à tributação dos lucros assentar no apuramento de um lucro tributável que seja real, onde prevaleça a substância relativamente à forma. Uma tributação em tais termos coaduna-se também com o princípio da capacidade contributiva. As normas de tributação do lucro só deveriam mandar atender à forma em casos em que a segurança ou a certeza do apuramento do lucro o impusesse.

Em conjugação com o indicado, os intérpretes destas questões e a legislação devem ter em vista a busca do lucro real no apuramento do lucro tributável.

O lucro real apresenta-se aos olhos dos economistas como algo ideal, meta a atingir, tal como sucede com a justiça para os técnicos de direito (cf. as nossas Lições de Gestão Financeira, 4a ed., 1976, pág. 430).

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Se lucro não existe e houver custos ou perdas ocorridos não considerados fiscalmente, a tributação torna-se violenta, o imposto adiciona-se à redução do capital próprio já resultante da existência de prejuízos. Estará assim a retirar-se, menos legitimamente, património às empresas e a agudizar a sua situação. Empresas empobrecidas ficam em dificuldades para preencher seus fins. Carecem de esforçar-se mais no desempenho das suas actividades de produção e venda. Acabam por ver suas acções dificultadas com a redução do património derivada da fiscalidade.

Uma empresa que não aufere remuneração de seus contributos para a produção do país onde actua estará a ser descapitalizada, verá comidos ( os seus capitais.

Porém, importa também assinalar que o lucro declarado pode não ser o real. Por um lado, porque o apuramento deste assume dificuldades e exige conhecimentos técnicos suficientes. Por outro lado, podem os intervenientes nas declarações e na elaboração dos apuramentos pretenderem enganar, não desejarem apurar o lucro real. E isto tem sido de tal modo relevante que aparecem sugestões no sentido de a tributação se afastar em tais casos do constante das declarações, recorrendo-se a outros métodos de tributação indirectos ou indiciários, e fixaram-se mesmo colectas mínimas para aqueles contribuintes que apresentem prejuízos ou lucros diminutos. E há especialistas que propugnam inclusive formas de tributação das empresas noutra base que não em relação aos lucros. Estas outras tributações estão aqui a pôr-se em termos de jure condendo, importando observar que a nossa Constituição da República, no presente, consigna, no seu art. 104° n° 2, que "a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real".

(,) Entra-se na história de comer a galinha que põe ovos, passando a não haver ovos -para ninguém.

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5.5. ABANDONAR A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO? OU ACOMPANHÁ-LA DE OPÇÃO SUPLETIVA ?

Sublinhou-se: a fluidez do lucro, as dificuldades do seu cômputo, a sua manipulação e sujeição a flutuações e a desvios erráticos, a sua insuficiente expressividade e natureza residual.

Tudo isto é gerador de cepticismo e conduz inclusive a ponderar se a Constituição da República deve continuar a consignar "a tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real" (cf. art. 104°, n° 2, na revisão de 1997).

Já atrás se referiu que uma tributação dita do rendimento real não pode equivaler a uma tributação do rendimento declarado dadas as frequentes e significativas divergências entre o real e o que os contribuintes declaram. Toda a gente, minimamente esclarecida, sabe que essas declarações inexactas são muito comuns, patenteando-se riqueza e nível de vida em notória incompatibilidade com rendimentos declarados.

Há quem proclame que a situação actual é de descalabro que se criaram na sociedade portuguesa, na vida real das empresas ou nas práticas de profissionais liberais, desvirtuações de princípios proclamados de igualdade e de justiça fiscal.

Com a recente opção tributária de uma colecta mínima a título de pagamento por conta visou-se obter imposto não conseguido através dos rendimentos declarados. Maior coerência se conseguiria se se alterasse a Constituição da República12, admitindo de modo explícito, a tributação das empresas baseada em lucros declarados ou lucros indiciários recorrendo-se, em casos de incompatibilidade entre tais lucros, a indicadores, a seleccionar e aperfeiçoar, bem como suas aplicações concretas.

A Constituição da República é lei mutável - exige, sim, tempos próprios e maiorias qualificadas (cf. art. 2 84° da CRP).

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Acentuámos já que o lucro é realidade extremamente residual, correspondente a pequena diferença, variável. Aleatória, apurada entre custos suportados e proveitos obtidos, sendo discutíveis certas qualificações a título de: custos, retiradas de lucros, erosões monetárias, perdas de capital ou remunerações convencionais (juros a capital próprio, prémios de risco, etc.).

Reconhece-se, em face de movimentos de integração económica internacional, que actualmente são maiores as dificuldades de recurso a soluções tributárias novas. Não podem minimizar-se efeitos de acordos bilaterais celebrados, directrizes comunitárias, regras normalizadoras e acompanhamento de opções assumidas em outros países.

O sistema fiscal português vem assimilando o dos demais países de economia do tipo, digamos, ocidental. Vive-se num mundo cheio de complexas teias e a fiscalidade possível pode não ser a desejável e a que melhor satisfaria anseios de justiça social e de dotação do Estado com as receitas de que carece.

Legislar no sentido de tributar com base em indicadores que não os lucros é opção que admite quem pressuponha que o lucro é forma de tributação a eleger em alternância com outras, eventualmente até melhor estatuídas e fundamentadas. Pode admitir-se não ser de pôr em causa o lucro declarado mas conjugá-lo com outra base, alternativa, em casos justificados.

Pensando assim, considerar-se-ia aceitável, por exemplo, tributar com base em "colecta mínima", se esta desse maior tributo, justificadamente, isto é, sem desbaratar a opção de tributar com base na declaração de lucro tributável, que passa a ser asseverada pelos técnicos oficiais de contas, já o sendo, também, por vezes ou de certos modos, por revisores oficiais de contas.

Há, todavia, que ponderar, tempestivamente, a contradição que pode verificar-se na exigência aos técnicos oficiais de contas da atestação de declarações fiscais dos contribuintes de que os lucros declarados são reais e, ao mesmo tempo, se estabelecem regras legais

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para tributação com base em lucros diferentes dos declarados através dos elementos da contabilidade.

Manter este assunto em contradição será mau começo de regulamentação. Há que evitar conflituação - a bem de uma justa e correcta tributação e a bem da credibilização dos empresários e dos profissionais de contabilidade, estes últimos sujeitos a Estatuto próprio e, dentro de algum tempo, a Código de Conduta.

5.6. A TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO E A TRIBUTAÇÃO POR OUTROS INDICADORES

São frequentes as sugestões de alterações da fiscalidade existente, mas dentro do sistema vigente. Isto porque alterações estruturais (necessárias) não se revelam fáceis.

Porém, mudanças pontuais propostas podem satisfazer o brio profissional de quem as apresenta e a vontade de quem as pressiona mas podem ser perturbadoras e agravar complexidades. Podem acarretar acréscimos de distorções.

Em reacção aparecem sugestões de abandono da tributação com base em rendimentos declarados, verificadas suas ineficácias e, em consequência, suas injustiças.

O lucro das empresas, sabem os especialistas, é realidade residual, uma diferença entre muitas parcelas negativas (custos) e muitas positivas (proveitos), um cálculo extremamente amoldável que varia em função de grande diversidade de factores, conexas com o património, variações no valor deste e nos fluxos anuais de custos e proveitos do exercício.

Nos últimos tempos recrudesceram de novo os debates sobre a verdade do lucro declarado e o seu confronto com outros indicadores tributários menos manipuláveis. Muitos já advogam a tributação das empresas em outros parâmetros - em vez de lucros declarados sugerem-se volumes de negócios, valor acrescentado ou indicadores de mínimos de rendimento presuntivo (garantia de colecta mínima) com "métodos indiciários". Fugindo a esta expressão e procurando

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outro sentido, fala-se agora de métodos indirectos (para atingir, porventura, iguais objectivos mas de modos mais aperfeiçoados).

Os técnicos terão de esforçar-se no sentido da descoberta, melhor, da eliminação de evasões e fraudes e encontro de critérios de tributação mais certeiros. Reflexões laboriosas vão aparecendo. Justiça e eficácia aparecem em contraposição. Rigor de apreciação e dispêndios necessários não é matéria facilmente definível.

Pensou-se a certa altura que fixados que estivessem ditames de normalização contabilística tudo se facilitaria. Porém, a complexidade dos problemas cresce e também isso contribui para que apareça maior profusão de declarações não verdadeiras. Vamos assistindo, de quando em vez, a descobertas de casos de grande número de empresas a utilizar expedientes diversos, incluindo recursos a facturações fictícias. Arreigaram-se hábitos impróprios.

O homem comum não será, agora, diferente, mas opções incorrectas têm crescido. Isso será também devido à inoperância da fiscalização e a certa ausência de sanções. Aparecem problemas de causas e efeitos recíprocos. Porém, a frequência de incumprimentos desfavorece a aplicação de sanções tempestivas.

Também o excesso de leis e os demasiados particularismos existentes aumentam as dificuldades de intervenção correctiva. O processualismo tornou-se complexo, moroso, confuso .

Sem desbaratar a opção de tributar com base no lucro declarado, a asseverar pelos técnicos que elaboram as contas e revisores que as verificam e atestam, pretendeu-se instituir a colecta mínima para conseguir alguma receita de contribuintes que não declaram lucros efectivamente obtidos.

13 A Reforma Fiscal de 1989 considerou desnecessário vincular os técnicos de contas à verdade das contas aprovadas pelas empresas. Agora quer arrepiar-se caminho. Está criada a figura do "técnico oficial de contas", responsável pelas contas declaradas, obrigados à denúncia de crimes públicos, problema que não deixará de ser ponderado nos tempos próximos, em face de dificuldades estruturais advenientes do passado, de hábitos criados, de relações de subordinação, etc.

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Esquemas de tributação por colecta mínima foram propostos por anterior Governo mas foram objecto de forte contestação. Veio a encontrar-se uma plataforma, a opção por outra figura - a do "pagamento especial por conta".

Propiciou-se assim um acréscimo de receitas de algum significado, o que se deveu a ser grande o número de contribuintes que declaram prejuízos ou lucros muito baixos.

A questão, todavia, está em que sendo o referido pagamento um mínimo, grandes defraudadores nada ou pouco sofrem com isso, em face da desproporção entre o mínimo referido e o volume de negócios de empresas de maior dimensão que, porventura, ocultem grandes ganhos.

A opção referida mostra-se menos compatibilizável com outra preocupação paralela que tem sido a de se procurar exigir aos técnicos oficiais de contas que passem a garantes da regularidade das contas apresentadas à Administração Fiscal e também que os revisores oficiais de contas e auditores externos emitam certificação sobre as contas das empresas, indicando que elas são expressão de imagem verdadeira e apropriada da situação financeira e dos resultados alcançados.

Tendo em conta os aspectos descritos, muitas são as vozes que se levantam no sentido da generalização da tributação por métodos não assentes nas declarações dos contribuintes por estas se não considerarem satisfatórias em relação a outras informações recolhidas ou até não assentes nos lucros pondo-se assim em causa já a tributação na base do lucro apurado.

Nós próprios defendemos a tributação na base de um mínimo apurado em relação a um indicador da actividade desenvolvida (volume de negócios, VAB, activo total ou bruto, etc.) em cada ano, mínimo esse que seria por conta quando a tributação pelo lucro declarado lhe fosse superior e seria pagamento mínimo caso a tributação pela via digamos normal desse valor inferior.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A., IIa Série, 6/7 (2000/2001)

PONTO CRÍTICO DAS VENDAS EM EMPRESA MULTIPRODUTO. PROPOSTA DE FORMALIZAÇÃO

Rui MÁRIO MAGALHÃES GOMES MOTA rui.mota@isca,ua.pt

PROF. ADJUNTO DO I.S.C.A.A.

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Revista Estudos do I.S.C.A.A.

RESUMO

Apresentam-se e demonstram-se, no artigo que se segue, fórmulas de determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. A determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto é efectuada - tanto quanto é do nosso conhecimento - somente com base em processos indirectos (ou seja, não formalizados), entre os quais se conta o "método dos agregados". Daí a proposta de formalização que, de seguida, se expõe. Partiremos de uma empresa monoproduto, isto é, que comercializa um tipo de mercadoria, presta um só tipo de serviço ou obtém e vende um tipo único de produto; passamos, depois, a uma empresa multiproduto. Na linha da exposição clássica, deduziremos fórmulas de determinação do ponto crítico tanto em termos de quantidades vendidas como de valores de venda.

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Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

1. Com o presente texto visa-se demonstrar fórmulas proporcionando a determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Partiremos de uma empresa monoproduto, isto é, que comercializa um tipo de mercadoria, presta um só tipo de serviço ou obtém e vende um tipo único de produto; passamos, depois, a uma empresa multiproduto.1 Na linha da exposição clássica, deduziremos fórmulas de determinação do ponto crítico, tanto em termos de quantidades vendidas como de valores de venda.

2. A dedução de fórmulas de determinação do ponto crítico das vendas é, tanto quanto é do nosso conhecimento, apresentada - mesmo em publicações da especialidade - apenas para empresas monoproduto. Não será, porém, ousado afirmar que a empresa monoproduto é realidade pouco frequente: sucederá, quase sempre, que uma mesma empresa comercializa, presta e, ou, obtém e vende tipos variados de mercadorias, serviços ou produtos; ainda que se esteja perante unidade económica centrada em específico ramo de actividade.

3. Daí a nossa surpresa ao verificarmos que a determinação do ponto crítico das vendas em empresa multiproduto é efectuada com base em processos indirectos, entre os quais se conta o "método dos agregados", de cuja aplicação adiante (em anexo) trataremos.

1 A expressão "empresa multiproduto" designa unidades económicas comercializando tipos variados de mercadorias, e, ou, prestando tipos diversos de serviços e, ou, obtendo e vendendo vários tipos de produtos. O que releva não é, porém, a especialização: uma empresa especializada na venda de uma única ferramenta, de dois tipos, A e B, é - para efeitos da nossa análise - multiproduto, se A e B proporcionarem diferentes margens unitárias de contribuição ou diferentes taxas de margem. Com o termo multiproduto referimo-nos, por facilidade de exposição, a tipos vários de bens e, ou, serviços e não apenas a produtos em sentido estrito.

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4. A determinação do ponto crítico das vendas insere-se na análise (de âmbito mais vasto) "custo-volume-resultados"2 e assenta em pressupostos que há que há que ter presentes.

5. Embora com sensíveis diferenças de exposição, as obras da especialidade estabelecem, essencialmente, o seguinte quadro de pressupostos, dentro do qual são válidas a determinação do ponto crítico das vendas e a análise "custo-volume-resultados":3

a) O(s) preço(s) unitário(s) de venda é(são) constante(s); b) Os custos podem, com razoável segurança, ser identificados como fixos ou variáveis; c) Os custos variáveis são proporcionais relativamente ao nível de actividade, isto é, os custos variáveis unitários são constantes; d) Os custos fixos mantêm, no seu total, o mesmo valor; e) A empresa assenta a sua actividade num só tipo de mercadoria, serviço e, ou, produto, ou, alternativamente - isto é, tratando-se de empresa multiproduto -, admite-se que o "mix" das vendas (peso das quantidades vendidas por produto, relativamente à quantidade total das vendas) é previsível;

"Análise custo-volume-resultados" é a tradução consagrada, entre nós, da expressão anglo-americana "cost-volume-profit analysis". A justeza da tradução é, porém, questionável: se o que está em causa é, fundamentalmente, analisar o impacte das variações do volume de actividade nos custos e nos resultados - sendo o volume de actividade a variável independente por excelência -, não deveria antes traduzir-se a expressão por análise "volume-custo-resultados"? 3 Atente-se, entre muitos outros, em: Helmkamp (1990:244); Horngren, Foster e Datar (1994:65); Hansen e Mowen (2000:720). Horngren, Foster e Datar realçam outros pressupostos, por exemplo, a não consideração da variável valor do dinheiro no tempo ("time value of money"); esta explicitação não parece, no entanto, fundamental, tendo presente que a referência ao curto prazo está subjacente ao modelo.

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Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

f) Utiliza-se o sistema de custeio variável, ou, mais precisamente, variável simples.4

6. Pode, portanto, afirmar-se que:

- O quadro de pressupostos admitido conduz a um modelo simplificado de funções lineares de resultados (em consequência de 5.a), 5.c), 5.d) e 5.f)), no qual a produtividade (inverso do custo) é constante e os resultados dependem de uma única variável, isto é, das vendas, em quantidades ou em valores; esta dependência provém, em particular em empresas transformadoras, do pressuposto 5.f); - Como "pano de fundo", viabilizando os pressupostos explicitados, está implícito que a análise refere-se ao curto prazo (atente-se em 5.d)) e que as variações da actividade situam-se dentro de "intervalo relevante" (vide 5.a), 5.c) e 5.d)).

7. No quadro de pressupostos explicitado, a determinação formalizada do ponto crítico das vendas em empresa monoproduto assenta numa das duas seguintes relações:5

4 O custeio variável simples distingue-se do variável evoluído, pelo facto de, neste, o custo dos produtos incluir, para além da componente variável do custo de produção, a componente fixa directa. Recorde-se, por outro lado, que a análise do ponto crítico das vendas também pode ser efectuada - vide, por exemplo, Horngren, Foster e Datar (1994:320) - noutros sistemas de custeio, por exemplo no completo, em modelos de maior complexidade. 5 Atente-se em Matos Carvalho (1995).

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1) Rop = ( Puv - Cvu). Qv - Cf, ou 2) Rop = V . Tm - Cf, em que:

Rop designa os resultados operacionais;6

Puv, o preço unitário de venda; Cvu, o custo variável unitário; Qv, as quantidades vendidas (vendas totais expressas em quantidades); Cf, os custos fixos; V, o valor das vendas (vendas totais expressas em unidades monetárias); Tm, a taxa de margem, isto é, a percentagem representativa da margem de contribuição sobre o valor das vendas; sendo Tm = ( V -Cv ) : V, em que Cv representa os custos variáveis totais, ou, o que dentro dos pressupostos do modelo vale pelo mesmo, Tm = ( Puv -Cvu ) : Puv.

8. Observe-se que:

a) As relações expostas apenas são válidas, em particular em empresas transformadoras, em sistema de custeio variável simples, no qual não há "stockagem" de custos fixos, sendo estes "descarregados", como custos de período, na demonstração dos resultados; b) A segunda relação, Rop = V . Tm - Cf, resulta da primeira; com efeito: Rop = ( Puv - Cvu) . Qv - Cf => Rop = V - Cv - Cf = V . (1 -Cv/V) - Cf = V . Tm - Cf.

6 Na linha de diversos autores, que expressamente se referem, nesta matéria, ao "operating income"- vide, por exemplo, Horngren, Foster e Datar (1994:62) e Hansen e Mowen (2000:706) -, entendemos que a determinação do ponto crítico e a análise "custo-volume-resultados" devem cingir-se aos resultados operacionais. Se se alargar a análise aos resultados correntes, o pressuposto 5.b) perde realismo, dada a dificuldade de previsão, dentro dos custos financeiros, da componente associada às variações da actividade.

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9. Pretedendo-se determinar o ponto crítico, isto é, o nível das vendas para o qual os custos e os proveitos operacionais totais se igualam, ou em que - traduzindo, do nosso ponto de vista, o essencial em termos de análise empresarial daquilo que o modelo transmite - a margem de contribuição total iguala os custos fixos, temos, com base nas relações expostas:

. tomando 7.1) e para Rop = 0, vem: ( Puv - Cvu) . Qv - Cf = 0 => Qv = Cf/Muc, fórmula em que Muc designa a margem unitária de contribuição (Puv - Cvu) e que proporciona a determinação do ponto crítico das vendas em quantidades; . tomando 7.2) e para Rop = 0, vem: V . Tm - Cf = 0 => V = Cf / Tm, fórmula que proporciona a determinação do ponto crítico em termos de valores, ou seja, das vendas expressas em unidades monetárias.

10. Até ao momento, não fizemos, porém, nada mais do que sintetizar o que está exposto em publicações especializadas. Trata-se, agora, de alargar a análise a empresas multiproduto, mantendo-nos no domínio da formalização; seguiremos, como já referimos, a exposição clássica, ou seja, determinaremos o ponto crítico das vendas em termos de quantidades e de valores.

11. Assim sendo, continuando no mesmo quadro de pressupostos e designando por r os factores de "mix", isto é, as percentagens representativas das quantidades vendidas de cada produto, relativamente à quantidade total das vendas,7 vem (tomando, para já, apenas dois artigos P i e P2):

- Qvl = ri . Qv, sendo ri o factor de "mix" de PI; - Qv2 = r2 . Qv, sendo r2 o factor de "mix" de P2; em que:

Poder-se-ia, em alternativa, definir o "mix" em termos do valor das vendas de cada produto relativamente ao valor total das vendas. A análise conduziria, no entanto, a conclusões equivalentes, razão por que assentamos no "mix" com base em quantidades.

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- ri + r2 = 1 ( = 100%) - e Qvl e Qv2 simbolizam as quantidades vendidas de, respectivamente, P i e P2.

12. Resulta, então, tomando a relação 7.1) e tendo presente que os dígitos 1 e 2 significam que os itens a que respeitam referem-se, respectivamente, a PI e P2:

Rop = ( Puvl - Cvul). Qvl + ( Puv2 - Cvu2). Qv2 - Cf, ou: Rop = Mucl . Qvl + Muc2 . Qv2 - Cf

E dado que: Qvl = ri .Qv e Qv2 = r2 . Qv, vem, substituindo:

Rop = Mucl . ri . Qv + Muc2 . r2. Qv - Cf;

Donde, para Rop = 0 e pondo em evidência Qv, resulta:

Mucl .ri + Mucl.rl

Isto é, o ponto crítico das vendas em empresa biproduto é, em termos de quantidades, dado pelo montante dos custos fixos dividido pela soma das margens unitárias de contribuição dos dois produtos, ponderadas pelos respectivos factores de "mix".

13. É claro que o que vale para dois produtos vale para n, sendo n número natural; donde, considerando uma empresa com n produtos, teríamos:

Rop = (Puvl - Cvul).Qvl + ... + (Puvn - Cvun).Qvn - Cf,

pelo que, percorrendo os passos expostos em 11. - ou seja, substituindo Qvi por ri . Qv e pondo em evidência Qv -, viria:

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Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

Cf \Muci.ri 1=1

Isto é, o ponto crítico das vendas em empresa multiproduto é, em termos de quantidades, dado pelo montante dos custos fixos dividido pelo somatório das margens unitárias de contribuição dos n produtos, ponderadas pelos respectivos factores de "mix".

14. Passando à determinação do ponto crítico em termos de valor das vendas e considerando, para já, uma empresa biproduto, podemos partir da fórmula do ponto crítico em quantidades, que é (como acabou de se ver):

Qy-Mucl.rí + Muc2.r2

Com base na qual, decompondo as margens unitárias de contribuição, resulta:

n Cf

Puvl .ri Cvul .ri + Puvl.rl - Cvul.rl

Ora, multiplicando o primeiro e o segundo membros desta relação por (Puvl. ri + Puv2. r2), obtemos:

Cf (Puvl.rl-Y Puvl.rl) Qv. (Puvl.ri + Puvl.rl) = ■

Puvl.rl - Cvul .ri + Puvl.rl Cvul.rl

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Donde, dividindo o numerador e o'denominador do segundo membro por (Puvl . ri + Puv2 . r2), chegamos a, notando que no primeiro membro está o valor das vendas no ponto crítico:

V- c

f Puvl.ri - Cvul.rl + Puvl.rl - Cvu2.r2

Puvl.ri + Puvl.rl

Equivalente a:

V = Cf Puvl.rl + Puvl.rl- Cvul.rl- Cvul.rl

Puvl.rl + Puvl.rl

Equivalente, por seu turno, a:

Cf V =■

Cvul.rl + Cvu2.r2 P uvl.ri + Puvl.rl

Acentuando-se que nesta fórmula o denominador representa a taxa de margem ponderada pelos factores de "mix". Donde: o ponto crítico das vendas em empresa biproduto é, em termos de valores, dado pelo montante dos custos fixos dividido pela taxa de margem dos dois produtos, ponderada pelos respectivos factores de "mix".

15. Pelo que, generalizando, isto é, considerando uma empresa com n produtos (sendo n número natural), teríamos, percorrendo os passos expostos em 14.:

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Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

Cf V= J-n

V Cvui.ri

V Puvi.ri i=i

Deste modo, o ponto crítico das vendas em empresa com n produtos é, em termos de valores, dado pelo montante dos custos fixos dividido pela taxa de margem dos n produtos, ponderada pelos respectivos factores de "mix".

16. Concluindo, sublinhamos que:

a) As fórmulas de determinação do ponto crítico para empresas multiproduto são, em termos de quantidades e de valores, equivalentes às apresentadas para empresas monoproduto: custos fixos divididos ou pela margem unitária de contribuição ou pela taxa de margem, considerando as devidas ponderações pelos factores de "mix";

b) O ponto crítico das vendas em empresas multiproduto é determinável através de relações que resultam da extensão (para empresas multiproduto) das relações de resultados que, dentro do quadro de pressupostos explicitado, são válidas em empresas monoproduto; relações essas que, dentro do mesmo quadro de pressupostos, também são válidas para empresas multiproduto;

c) Na determinação do ponto crítico das vendas em empresas multiproduto, não é necessário recorrer a métodos indirectos, de que o "método dos agregados" constitui exemplo;

d) Pode interessar determinar os efeitos na taxa de margem ponderada de alterações em custos ou em preços de venda, com eventuais reflexos no "mix"; a determinação do ponto crítico das vendas e, mais geralmente, a análise "custo-volume-resultados" a

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partir da taxa de margem ponderada pode, com efeito, evidenciar espectos não salientados através da margem de contribuição ponderada.

ANEXO

Considere-se uma empresa que comercializa três produtos - A, B e C -e admita-se que, em dado período, verificou-se (valores em contos):

Produto A Produto B Produto C Unidades vendidas 12.000 5.000 3.000 Preços unitários de venda 2 2,5 3 Custos variáveis unitários 1,6 1,75 1,95

Suponha-se, também, que os custos fixos totalizaram, no período em causa, 10.000 contos. Dentro dos pressupostos do modelo, apresentam-se os seguintes métodos, entre outros possíveis, de determinação do ponto crítico:

1. Ponto crítico determinado por processos directos

a) Em termos de unidades de venda e tendo em conta os factores de "mix" implícitos no exemplo (0,6, 0,25 e 0,15, respectivamente para A, B e C), vem:

Cf Qy = = 10.000 : (0,4 x 0,6 + 0,75 x 0,25 + 1,05 x 0,15) =

2_,Muci.ri

= 10.000 : 0,585 = 17.094 unidades,

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Ponto crítico das vendas em empresa multiproduto. Proposta de formalização

a que correspondem, desagregadamente, tendo em conta os factores de "mix", 10.256 unidades de A, 4.274 unidades de B e 2.564 unidades de C, pelos valores de venda de, respectivamente, 20.512 c, 10.685 c. e 7.692 c , totalizando 38.889 contos. b) Em valor de vendas e tendo em conta os factores de "mix" implícitos, vem:

V= C± = 10.000 : (1 - 1 ^ ° ' 6 + U 5 * ° ' 2 5 + l95x°>15) = 38.889; ^ . _ . . 2x0,6 + 2,5x0,25 + 3x0,15

1 - T V Puvi.ri

A taxa de margem ponderada é, portanto, 0,25714, situando-se o ponto crítico, em termos de valor, em 38.889 contos; efectuando a desagregação deste valor pelos produtos A, B e C, resulta (sendo o peso do valor das vendas de cada produto no total das vendas, dado por

Puvi.ri : V Puvi.ri) :

Para A: 38.889 x (1,2 : 2,275) = 20.512 c ; Para B: 38.889 x (0,625 : 2,275) = 10.685 c ; Para C: 38.889 x (0,45 : 2,275) = 7.692 c .

Correspondendo a 10.256, 4.274 e 2.564 unidades, de, respectivamente, A, B e C.

2. Ponto crítico determinado por processos indirectos ("método dos agregados"):

Tomando um agregado, isto é, qualquer conjunto representativo dos produtos comercializados pela empresa, reflectindo o "mix" das vendas, vem, para um agregado de 20 unidades (englobando, conforme o "mix", 12 unidades de A, 5 de B e 3 de C):

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a) Em termos de unidades

Margem de contribuição do agregado: 12 x 0,4 + 5 x 0,75 + 3 x 1,05 = 11,7 contos;8

Donde: ponto crítico das vendas em termos de unidades: 10.000:11,7 = 854,7 agregados; logo, como cada agregado engloba 20 unidades, o ponto crítico das vendas em termos de unidades é dado por: 854,7 x 20 = 17.094 unidades; a desagregação por produtos, em unidades e valores, efectuar-se-ia de imediato, nos mesmos termos que em l.a); ou, directamente e com base na composição de cada agregado, far-se--ia, para A: 854,7 x 12 = 10.256 unidades; para B: 854,7 x 5 = 4.274 unidades; para C: 854,7 x 3 = 2.564 unidades, passando-se, depois, a valores.

b) Em termos de valores

Taxa de margem do agregado de 20 unidades = 1 - ( Custo variável do agregado : Valor de venda do agregado) = 1- ((1,6 x 12 + 1,75 x 5 + 1,95 x x 3) : (2 x 12 + 2,5 x 5 + 3 x 3)) = 0,25714; esta taxa iguala a taxa de margem ponderada, determinada em l.b), como teria que suceder, por se terem respeitado os factores de "mix". E dado que a taxa de margem do agregado é a taxa de margem ponderada, resulta que o ponto crítico das vendas em termos de vendas totais (e não do agregado) é dado por: 10.000 : 0,25714 = 38.889 contos. A desagregação por produtos, em valores e unidades, efectuar-se-ia de imediato, nos mesmos termos que em l.b).

11,7 contos correspondentes a vinte vezes a margem unitária de contribuição ponderada, como teria que suceder, visto que o agregado engloba 20 unidades e respeita os factores de "mix". 9 O "método dos agregados" está exposto, entre outros autores, por Margerin e Ausset (1990:295), mas apenas com base na margem de contribuição do agregado, já não na taxa de margem.

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BIBLIOGRAFIA

HANSEN, Don R., MOWEN, Maryanne M, (2000), "Cost Management. Accounting and Control", South-Western College Publishing, Cincinnati, Ohio, 3a

Ed.. HELMKAMP, John G., (1990), "Managerial Accounting", John Wiley & Sons, New York, 2a Ed.. HORNGREN, Charles T., FOSTER, George, DATAR, Srikant M., (1994), "Cost Accounting. A Managerial Emphasis", Prentice Hall International Editions, Englewood Cliffs, New Jersey, 8a Ed.. MARGERIN, Jacques, AUSSET, Gérard, (1990), "Contabilidade Analítica. Utensílio De Gestão - Ajuda À Decisão", Ediprisma, Lisboa. MATOS CARVALHO, José Manuel de, (1995), "O Custeio Variável e a Indústria. Uma Opinião Critica", em Jornal de Contabilidade, Boletim da APOTEC n° 225, Dezembro de 1995.

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SUGESTÕES PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS

1. Os originais podem ser acompanhados por uma nota biográfica que não exceda três linhas. 2. Os textos devem fazer-se acompanhar de um sumário elaborado de acordo com os tópicos do

artigo. 3. Os artigos não podem, em princípio, exceder 25 páginas, marginadas de acordo com os

parâmetros da Revista. As recensões não devem ultrapassar as cinco páginas. 4. Os originais serão acompanhados de registo em diskete, de acordo com as seguintes normas de

processamento de texto: 4.1. Sistema Operatitvo: MS/DOS - ambiente Windows. 4.2. Tipo de Letra: Times New Roman, com o seguinte tamanho: 14 no título, 13 nos capítulos, 12

nos subcapítulos, 10 nas subdivisões menores, tudo em small caps e bold; 12 no texto e 10 nas notas e na bibliografia.

4.3.Alinhamento do texto em centímetros: Top. 5,5; Bot. 6,75; Ins.5,5; Out. 3,5; Head. 1,25; Foot.5,5; Parágr.1,0; espaço entre linhas 1,0 e com opção de páginas par e ímpar.

5. Bibliografia, referências bibliográficas, citações e notas. 5.1. A Bibliografia deve ser ordenada com base no(s) apelido(s) do(s) autor(es) e em small caps:

AMORIM, Jaime Lopes. Se a obra for colectiva, normalmente mais de três autores, refere-se pelo nome do 1." autor e pelo vocábulo latino alii ( ou apenas al.). Ex: AMORIM, Jaime Lopes et al. (ou e o.).

5.2. As referências bibliográficas devem seguir as orientações vulgarmente aceites: rigorosas, precisas e uniformes, respeitando o seu carácter específico.

As monografias devem inserir as seguintes informações: autor, (eventualmente o ano da 1.' ed.), título, volume, edição, local da edição, editor, colecção, ano da edição consultada.

Os artigos das publicações periódicas devem referir: autor, título do artigo, in (título da publicação), local da publicação, série, volume, n.°, data, com referência ao mês(es) e/ou elementos relacionados com a periodicidade - v.g. 1." trimestre, ano, págs (50-75) em que se encontra o artigo.

5.3. As referências bibliográficas coladas às l.as citações devem acrescentar aos campos enunciados em 5.2, a(s) página(s) - p. ou pp. - e, se for caso disso, como nos Dicionários e Jornais, etc. a(s) coluna(s). Ex. Godinho, Vitorino Magalhães, Complexo histórico-geográfico, in Joel Serrão, (Dir. de), Dicionário de História de Portugal, Vol. 1/A-D, Porto, Iniciativas Editoriais/Figueirinhas, p. 645, col. 2. As referências bibliográficas relativas às 2.a! citações colhem a vantagem da sequência das notas: aparecem abreviadas recorrendo aos vocábulos latinos idem (autor), ibidem (obra) e, às vezes, passim (em vez de uma indicação precisa da página). A redução dos campos bibliográficos acontece igualmente quando as referências têm por suporte a bibliografia geral. Ex: Amorim, Jaime Lopes A (ou B); ou simplesmente o ano de publicação: Amorim, 1929, p. 20.

5.4. Localização das referências bibliográficas. 5.4.1. As referências bibliográficas podem aparecer em nota de rodapé, na totalidade ou

articuladas com a bibliografia geral. 5.4.2. Podem igualmente surgir, em alguns casos restritos, no interior do texto, logo a seguir à

citação, seguindo o modelo mais sintético de referência: Amorim, 1947 D, p. 20. 5.4.3. As notas podem também aparecer no final do texto, devendo esta opção prevalecer sempre

que o artigo exige longas notas informativas ou explicativas, que, em rodapé, tornam demasiado pesado o seu desenvolvimento.

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2.2. Os colaboradores naturais da Revista Estudos do I.S.C.A.A. são os Docentes da Escola e seus diplomados, cujas páginas se podem constituir em espaço privilegiado de divulgação dos seus trabalhos académicos, após adaptação ao seu modelo editorial.

2.3. Não sendo uma revista para consagrados, acolherá, com gosto, trabalhos de personalidades com prestígio no mundo da contabilidade e vizinhos domínios científicos - podendo mesmo solicitar a sua colaboração.

2.4. Toda a colaboração não solicitada deverá ser acompanhada de uma síntese do curriculum vitae.

2.5. A colaboração dá direito a seis exemplares da Revista Estudos do I.S.C.A.A., podendo o autor solicitar algumas separatas, sem qualquer encargo adicional para a Revista, cujo número não poderá ultrapassar 10% da edição.

3. RESPONSABILIDADE DOS ARTIGOS

3.1. Os textos publicados são da total responsabilidade dos seus autores. 3.2. A Revista não se responsabiliza pela devolução do material enviado para

publicação.

4. REPRODUÇÃO DOS ARTIGOS

4.1. A reprodução integral ou parcial dos textos publicados fica dependente de autorização da Revista, sendo sempre exigida a indicação da origem.

4.2. Esta limitação não abrange a pequena citação indispensável ao comentário crítico.

4.3. Os autores dos trabalhos não abdicam do natural direito de propriedade em relação aos mesmos, mas a sua publicação pela Revista dispensa esta de lhes solicitar autorização para satisfazer os pedidos abrangidos pelo n°. 4.1. deste Estatuto.

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