rosa maria nº6

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n.º 6 dezembro ‘13 l junho ‘14 Associação Renovar a Mouraria www.renovaramouraria.pt distribuição gratuita jornal da mouraria Vanessa Dias, dançarina e figurante nascida e criada na Mouraria há 26 anos (e o seu amigo Max)

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dez'13 - jun'14

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n.º6dezembro ‘13 l junho ‘14Associação Renovar a Mourariawww.renovaramouraria.ptdistribuição gratuita

jornal da mouraria

Vanessa Dias,

dançarina

e figurante

nascida e criada na Mouraria

há 26 anos(e o seu amigo Max)

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1402

Doze freguesias, muitos trabalhosNasceu, em Setembro, a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. São doze juntas, de cinco bairros, numa só. Fomos ouvir as dúvidas dos moradores e as respostas do presidente da nova junta.

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Onde fica a sede da freguesia de Santa Maria Maior? Vão manter-se os postos de atendimento das antigas juntas? Estas são algumas das perguntas que an-dam na boca de muitos moradores. Têm resposta: a nova sede fica no edifício do elevador do castelo, entre a Rua da Madalena e a Rua dos Fanqueiros, e dos antigos doze postos de atendimento, mantêm-se nove.

Entre os moradores da actual freguesia de Santa Maria Maior, a agregação continua longe de ser pacífica. Maria Teresa Costa, de 76 anos, que nasceu e vive no Castelo numa rua frequentada por turistas e «ruidosos» carrinhos tuk tuk, diz que a medida «é do pior que há». Opinião par-tilhada pelo senhor Daniel, dono da Leitaria São Jorge, no coração do mesmo bairro. «Assim deixa de haver pro-ximidade». Compreende, todavia, que «havia juntas que tinham apenas duzentos eleitores».

Desde as últimas eleições autárquicas, em Setembro, que o centro histórico de Lisboa está em arrumações. Das obras na nova sede da junta, às mudanças entre os vários postos de atendimento, passando por processos como a uniformização de preçários (um atestado de residência custava entre cinco a dois euros em algumas juntas e era grátis noutras) e por imponderáveis burocráticos como a necessidade de encerrar dezassete contas bancárias em nome de extintos titulares para abrir novas… é grande a azáfama.

Esta foi a maior fusão de freguesias a nível nacional, numa reforma administrativa que extinguiu quase um terço das freguesias, reduzindo-as para um total de pouco

mais de três mil. Santa Maria Maior agregou cinco bair-ros. Do Chiado a Alfama, passando pela Baixa, Mouraria e Castelo, Santa Maria Maior tem cerca de 13 mil habitan-tes – soma da população das extintas freguesias do Socor-ro, São Cristóvão/São Lourenço, Mártires, Sacramento, São Nicolau, Madalena, Santa Justa, Castelo, Santiago, Sé, Santo Estevão e São Miguel. No novo mapa administrativo de Lisboa é difícil encontrar tanta diversidade e contras-te numa só unidade. Há bairros como a Mouraria, marca-dos pela pobreza, a população envelhecida e a imigração. E outros como o cosmopolita Chiado que tem o metro quadrado mais caro do país.

PROXIMIDADE, E MAIS PROXIMIDADEA perda de proximidade é um dos maiores receios manifes-tados pela população. «Estes bairros são pequenos espaços comunitários. As pessoas quando tinham algum problema iam falar com a junta. Agora é muito mais difícil», comenta Dina Nunes, 52 anos. Artesã e ceramista com loja na Calça-da da Figueira, em Alfama, trabalha há muitos anos nesta zona e é com tristeza que observa como «o bairro está a ser ocupado por pessoas que compram as casas e, em vez de viverem no bairro, a seguir alugam-nas a estrangeiros que aqui estão apenas uns dias de férias».

Dona Lucília, de risonhos 80 anos, diz estar habituada à junta de Santo Estevão. «Mas não sei se está aberta. Acho que a junta de São Miguel está fechada… Sabe se está ou não?», perguntou ao repórter do Rosa Maria. Resposta: Santo Estevão e São Miguel são dois dos nove postos de atendimento que continuam a funcionar. «Fechámos,

por exemplo, o posto de Santa Justa porque havia mesmo ao lado a antiga junta do Socorro, que continua, e por-que funcionava num edifício muito degradado», explica Miguel Coelho, presidente da Junta de Santa Maria Maior, eleito pelas listas do Partido Socialista, ex-deputado da As-sembleia da República.

ESPERAR PARA VER José Malveiro, barbeiro junto à Rua da Madalena, recor-da que «nunca precisou da antiga junta de freguesia» e compreende a junção das doze freguesias, porque «assim há uma melhor racionalização de meios». Outros dão al-gum benefício da dúvida. O senhor Cunha, proprietário da pastelaria Cunha, em Alfama, é um deles. «Se me pedir informações daqui a mais algum tempo já poderei dizer. Agora não digo nem que sim, nem que não». Margarida Amaral, residente no Castelo, também está «à espera para ver no que dá», mas ressalva: «A nossa freguesia estava bem sozinha».

Na Mouraria, dona Rosa, 68 anos, conhecida como Rosinha de Braga, exclama: «O bairro precisa é de paz e sossego!» A sua preocupação é a saúde e a sobrevivência, por isso um dos seus desejos é que «fizessem uma clínica no bairro para ajudar os velhinhos». O senhor Vimal, 54 anos, comerciante na Rua dos Cavaleiros, diz que «no fu-turo, tudo vai ser pior». Está bastante pessimista. «Não há clientes e não há estacionamento. O parque de estaciona-mento é muito caro. Os clientes queixam-se. A polícia não deixa fazer cargas e descargas e só cria problemas». Já José Monteiro, 57 anos, também comerciante, espera que, com esta mudança, «eventualmente se consigam melhoramen-tos, pois há mais possibilidades de se fazerem estratégias de longo prazo».

reportagem Texto Ana Luísa Rodrigues e Nuno Franco Fotografia Helena Colaço Salazar

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 03ગુલાબ મારીયા

Entrevista a Miguel Coelho Texto Ana Luísa Rodrigues, Marisa Moura e Nuno FrancoFotografia Clara Azevedo

«Temos que valorizar este território»Do apoio ao estudo à estátua de Fernando Maurício, passando pela construção de sanitários públicos, eis alguns dos principais compromissos de Miguel Coelho, recém-eleito presidente da Junta de Santa Maria Maior.

Que questões lhe têm colocado os fregueses? Houve sempre gente a precisar de ajuda alimentar e medicamentos, mas agora estamos a assistir a um boom.

Tornou público o seu telemóvel durante a campanha. Liga-lhe muita gente? Nos postos há sempre bastante gente. Ao telefone não. Talvez as pessoas ainda tenham algum pudor. Mas não é fomentado por mim. Sou o mais acessível e aberto possível.

Sobre o lixo, disse em campanha que equacio-nava aplicar as coimas previstas pela lei. Vamos fazer uma campanha de esclarecimen-to durante cerca de três meses, na qual vamos envolver muitas entidades e comunidades. A partir daí podemos pôr na rua equipas de fiscalização que poderão passar uma multa ou outra, se tiverem de o fazer. Não é para adquirirmos receitas, mas para as pessoas per-ceberem que também têm responsabilidades cívicas no espaço que é de todos.

Haverá mais ecopontos? Sem isso é difícil. Não sei. O que quero é que haja mais eficiên-cia e menos lixo nas ruas.

Quando chove, o tema de conversa no dia se-guinte, aqui na Mouraria, é a chuva dentro da casa de cada um. Como pode a junta intervir?Já estamos a intervir em pequenas obras pon-tuais, através do SOS Lar. A lei permite que a junta faça pequenas intervenções que me-lhorem as condições de habitabilidade. Vamos estabelecer um valor máximo de intervenção que rondará os 700 euros por cada casa. Na-

turalmente, faremos uma análise social prévia da família ou pessoa que vai ser objecto deste apoio. Porque a nossa obrigação é ajudar aqueles que efectivamente mais precisam.

Em questões de segurança defende o reforço da videovigilância. Mas em que moldes?Deve haver mais policiamento de proximi-dade e mais patrulhamento, sobretudo a deter-minadas horas. A videovigilância acarreta problemas que têm que ser bem ponderados. Da informação que tenho, a videovigilância é um bom instrumento dissuasor da criminali-dade. Não deve generalizar-se, mas há alguns eixos que podem preocupar mais as pessoas, nomeadamente na Baixa e, aí, já está aprovado um projecto desses.

E aqui na zona da Mouraria? Aqui na zona da Mouraria eu não colocaria videovigilância para já em lado nenhum. Sob condição de poder vir a mudar de ideia, naturalmente. Poria talvez num ou noutro equipamento público, que envolva crianças, por exemplo.

O que está previsto para apoiar os jovens?A nossa ideia é criar um centro de apoio esco-lar, para as familias que têm jovens em idade escolar e precisam de acompanhamento em áreas mais complicadas. Senti essa necessi-dade vinda de pais, de jovens e até do padre. O centro não tem de funcionar só num sítio. Podemos fazer uma rede e parcerias. É uma ideia ainda em fase de definição.

Lançar um programa de criação de sanitários públicos é um dos seus compromissos. Concre-tamente o que será feito?Vamos ver se conseguimos recuperar o bal-neário da Costa do Castelo e fazer uma rede de casas de banho públicas na Mouraria e em Alfama, que são dois sítios onde se detectam graves insuficiências nessa matéria.

Disse que não ia fechar nenhum centro de saú-de, mas entretanto também está previsto um novo centro médico na Praça Martim Moniz…Esse não tem que ver connosco. Admito abrir uma clínica nossa, aberta a todos, mas em que quem pertence à freguesia paga menos. Com especialidades de estomatologia, ginecologia e oftalmologia que não há nos postos.

E no estacionamento, o que mudará?Já tive uma conversa com o director da Emel. A câmara de Lisboa terá também uma palavra a dizer. O que posso garantir é que estou a tra-balhar por uma solução para termos ruas com menos carros, mas com os residentes a terem sítio para estacionar. Uma hipótese é haver uma zona vermelha em que os residentes não pagam parquímetro, mas que quem estacione o dia inteiro pague caro – uns vinte euros.

Em relação ao fado, há a célebre promessa de uma estátua a Fernando Maurício. Avança?Sim, vamos fazê-la. Assumi o compromisso que seria em 2014. Vou fazer uma análise daquilo que teremos de investir no campo social para saber se mantenho o compromisso para esse ano ou se tenho que adiar para o ano que vem, ou se fazemos isto por etapas. Podemos lançar um concurso de ideias a estudantes de Belas Artes, por exemplo.

Onde ficará a estátua?No Largo da Severa.

Qual o orçamento desta junta, em compara-ção com a soma das anteriores doze? Mantém-se. As nossas receitas rondarão, em 2014, os cinco milhões de euros. Mais de meta-de é aplicada em higiene urbana, uma área que passou da competência da câmara para a da junta. Inclui cerca de cinquenta funcionários aos quais pagaremos agora os ordenados. Este orçamento foi calculado com base naquilo que as juntas recebiam e naquilo que a câmara gastava e que agora passa para a competência das juntas. Ganha-mos, entretanto, uma capacidade muito maior de gerar receita própria porque também fica do nosso lado o licenciamento do espaço público, e temos a vantagem de estarmos mais perto da realidade e podermos decidir melhor. Podem gerar-se receitas destas, até meio milhão de euros, incluindo grandes eventos habituais no Terreiro do Paço e na Praça da Figueira.

Sendo a população da Mouraria mais desfavo-recida do que a média do país, como antevê o seu futuro após esta crise global? Estas pessoas têm uma grande capacidade de sobrevivência e resistência. Portanto temos que potenciar isso. Podemos ter alguma ambição de criar aqui um sistema de economia local, que será sempre limitado e modesto, mas que permita às pessoas viver até um bocadi-nho melhor do que outras noutros pontos da

cidade e do país. Há aqui muita matéria-prima. Um património arquitectónico fantástico. E um património cultural muito rico, na gas-tronomia, religião, música… Temos, antes de mais, que valorizar este território. Os turistas, vejo-os chegar, entrarem no bairro e tirarem umas fotografias, mas não os vejo a gastar aqui o que quer que seja. Depende de nós criar iniciativas que prendam aqui os turistas.

Que garantias pode dar aos moradores de que a Mouraria não se transformará num bairro para turista ver, com valores imobiliários proibitivos para os locais como já aconteceu noutros países?Ninguém responsável e com honestidade intelectual pode dar garantias disso. Vivemos numa cidade de livre iniciativa. Mas acho que, se forem os cidadãos dos bairros a fazerem as coisas, serão eles próprios os reguladores dos preços e da actividade. Isso vai depender mui-to da capacidade de associação e de trabalhar das pessoas.

A Lei das Rendas terá um ponto difícil em 2017, no último ano do seu mandato. Expiram os cinco anos de transição, em vigor, e muitos idosos poderão mesmo ser despejados. Que intervenção poderá ter a junta nisto?Estarei completamente do lado das pessoas, a fazer barricadas com elas para impedir que sejam despejadas, se preciso for. Mesmo en-quanto deputado sempre me bati contra esta lei das rendas. Esta é uma lei odiosa. Tem de ser revogada.

Alfama I – Santo Estevão

Alfama II – São Miguel

Alfama II – Sé

Mouraria I – Socorro

Mouraria II – São Cristóvão/São Lourenço

Chiado I – Sacramento

Chiado II – Mártires

Baixa – São Nicolau

Castelo – Castelo

Tome nota! A sede da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior está no edifício do elevador para o castelo. Além desse espaço mantêm-se nove dos doze postos de atendi-mento das antigas juntas. O presidente da junta aten-de nos nove postos, mediante marcação prévia, entre as 17h e as 20h, todos os dias da semana, excepto às terças-feiras, que é dia de Assembleia Municipal.

Postos: 123456789

Sede:Rua da Madalena, 166, 2.º andar, 1100-324 LisboaTel.: + 351 218 867 475

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FelizEid al-Adha!

Um dos principais feriados do calendário islâmico – sistema lunar com uma diferença superior a quinhentos anos face ao solar – foi bem notado por todos os que passaram pela Praça Martim Moniz na manhã de 15 de Outubro. Foi dia 10 do mês Zil-Hijja, o que significa o arranque de quatro dias de festa. É a Festa do Sacrifício (Eid al-Adha). Ali, ao ar livre – aberto a todas as pessoas de todos os sexos, idades e religiões –, realizou-se a oração que abriu as celebrações.O evento atraiu centenas de fiéis e curiosos, e até a imprensa internacional, com o canal turco TRT Haber a cobrir este evento por todo o mundo, e aqui também. Este feriado ocorre setenta dias após o Ramadão e coinci-de com um outro marco na cultura islâmica que é a peregrinação a Meca (Hajj). Durante quatro dias, convive-se e sacrificam-se animais que são partilhados com os mais po-bres. É uma homenagem ao profeta Abraão que, segundo o Corão, sacrificou o seu filho Ismael por vontade de Deus. Na Mouraria, após a oração, pelas ruas, sucederam-se abra-ços e mais abraços.

Religiões Unidas Líderes de várias religiões estiveram reunidos em fraternidade. Foi o “Fórum Diálogo Inter--religioso: Um contributo para a cidadania em tempos de globalização”, organizado pela Câmara Municipal da Amadora e o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Inter--cultural, na Amadora, a 21 de Novembro. Todos os representantes merecem nomeação, mesmo que numa breve nota como esta. Ei-los: Abdool Vakil (presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa), Francisco Sales Diniz (director da Obra Católica Portuguesa de Migrações), José Oulman Carp (presidente da Comunidade Israelita de Lisboa), Jorge Humberto (presidente da Aliança Evangélica Portuguesa), Nitesh Kumar Trivedi (representante da Comunidade Hindu de Portugal) – todos estes estão na foto, também com a tradutora Sarojben Parshotam no extremo direito e o jornalista da TSF, Manuel Vilas-Boas, no terceiro lugar a contar da esquerda. E ainda: Arsénio Sokolov (da Igreja Ortodoxa Russa), Zohora Pirbhai (da Comunidade Muçulmana Ismaili de Portugal), Ana Zorro (secretária nacional da Comunidade Bahá’i de Portugal), Arcipreste Fernando Santos (da Igreja Lusitana-Comunhão Anglicana) e Paulo Borges (presidente da União Budista Portuguesa).

Acesso à saúde e habitação em debate públicoAté Fevereiro há sessões abertas ao público sobre projectos para a Colina de Santana, organizados pela Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A saúde é o tema do próximo debate, dia 14 de Janeiro, sob o título “Impacto das propostas no acesso da população a cuidados de saúde”, com moderação da presidente da AML, Helena Roseta. O primeiro debate já ocorreu em Dezembro, com a apresentação das propostas em discussão para esta zona da cidade. Haverá mais três: Impacto urbanístico, social e habitacional das propostas (dia 21 de Janeiro), Impacto das propostas na memória e identidade histórica da Colina de Santana (dia 4 de Fevereiro) e Apresentação de conclusões e propostas a submeter à Assembleia Municipal. Sempre às 18 horas no Fórum Lisboa, antigo Cinema Roma, na Avenida de Roma.

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Intendente: Inauguração 3 em 1

Largo Residências, Bike Pop e A Vida Portuguesa. Três espaços estiveram em festa durante três dias, entre 29 de Novembro e 1 de Dezembro, no Largo do Intendente Pina Manique. Foram três inaugurações numa só festa. Dezenas de pessoas, incluindo o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, e o vice-primeiro-ministro de Portugal, Pau-lo Portas (irmão da proprietária d’A Vida Portuguesa, Catarina Portas), estiveram no ar-ranque da festa, numa sexta-feira à noite. Sem faltar os típicos vendedores de castanhas e engraxadores de sapatos.O Largo Residências já lá estava, mas inaugurou nesse dia o Largo Café Estúdio e a Loja do Largo. Assim, além da hospitalidade para artistas em trabalho (ou turistas que lá pernoitam, contribuindo para o financiamento deste projecto de arte e inclusão social), há agora um espaço para a venda das obras dos residentes e informação sobre todo o conceito. E há também um café com eventos, refeições leves e iguarias internacionais confeccionadas por um grupo de cozinheiros de várias nacionalidades. Depois do Largo Residências, chegaram a Bike Pop, da Post – Cooperativa de Acção e Intervenção Cultural, e A Vida Portuguesa. A primeira é um ponto obrigatório para to-dos os que costumam pedalar. Vende bicicletas (incluindo daquelas que se dobram e se transportam facilmente), tem aulas de condução em cidades, oficina e começará, em breve, a instalar postos com ferramentas para reparações em regime self service, em Lisboa, gratuitamente, num projecto financiado pela autarquia.A segunda estreante no Intendente já existe, no Chiado, há seis anos. É a loja dos produtos e marcas tradicionais portugueses. Abriu esta segunda unidade, enorme, no antigo arma-zém dos azulejos Viúva Lamego, e alargou a oferta às loiças e à decoração. A sua própria de-coração vive de mobiliário recuperado de mercearias e fábricas antigas. E assim se recupera o próprio Intendente, esse lugar, por décadas, votado à exclusão. Entretanto, mesmo junto ao largo, e no epicentro do consumo de droga e prostituição, está prestes a abrir o espaço Catch Up. Uma lufada de ar fresco entre os bares mais antigos da Rua do Benformoso, na Mouraria.

Nova investigação sobre palavras portuguesas de origem árabe

Palavras como Fado, Saudade, Atafona e Borratém, os dias da semana ou provérbios como «As paredes têm ouvidos» são alguns exemplos das mais de dezoito mil entradase diversos anexos do Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, lançado em Outubro.

É mais uma obra do arabista Adalberto Alves, também poeta e jurista, galardoado pela Unesco, em 2008, com o Prémio Internacional para a Cultura Árabe (Sharjah).

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 05ગુલાબ મારીયા

Nuncame deixarei apartar do fado

Este texto foi-nos enviado, por e-mail, por Rosa Maria Duarte. «Tenho lido o vosso jornal, que acho muito interessante, pelo carácter informativo e cultural. Claro que o nome me despertou logo a atenção. Curiosamente, o meu nome foi-me dado pelo meu pai, que cantava o fado. Já a minha avó paterna tinha o sobrenome Patrocínio Rosa. Gostava muito que publicassem o poema que dediquei ao fado e que está em anexo. É um poema-pedido de ajuda». Filha de um marinheiro fadista e de uma costureira, Rosa Maria Duarte nasceu em Alcântara há 49 anos. Actualmente é aluna da escola de fado do Grupo Desportivo da Mouraria e reside na Margem Sul onde é professora de por-tuguês, no ensino secundário. Gravou um CD que sairá em Janeiro intitulado O Fado que Cura. Porquê este título? «Na História, o fado tem tido sempre um papel de catarse – das alegrias, mas sobretudo das preocupações».

Vivo numa canseira loucaPois estou encontrando maneira De me aportar residenteNa terra contagiante do fadoSem que o teu ciúme infundadoMe procure estrangular o ar.

Deixa-me assim tão-somenteviver sentida ao teu lado a cantarOs meus fadinhos d’AlcântaraDa Mouraria e da nossa AlfamaO marujo de boina e madeixaLisboa com cheirinho a cravoA teima do amor perdidoA gaivota do céu encantado.

Gosto de ti e dos meninosNum amor belo e grandiosoDe tardia fadista tomadaPela doença fatal dolorida A meio de uma semicheia vidaAlbergue de letra corridaE verso humano consentido.

Não me toldarás a minha veiaVital e determinada guerreiranem que me faças passar Por mulher vaidosa e convencidaEgoísta sórdida malfadadaCom história vulgar e conhecida.

Cantar onde houver guitarrasNão fosse eu mais uma Rosa MariaMarulho poético concha de praiaDiscreta livre na areia lavradaDe amor e som fresco, maresiaTristeza que é som subido Verdadeiro sedutor no fado. Nada nem ninguém de todo nadaMe fará por momentos recuar.Inventa aliados, gestos, disfarcesE olhares de estudada reprovação.

O meu destino está traçado: Cantarei a vida e a morteE o canto do esbelto cisne Amor canção em dor maiorEm homenagem ao meu destino Meu eterno e querido pai, o Fado.

Poema

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Rádio Vozes do Intendente:

más e boas notíciasPrimeiro, a má notícia. Desta vez, a zona da Mouraria não ganhou nenhum projecto no Orçamento Participativo (OP) da Câmara Municipal de Lisboa. O projecto Rádio Vozes do Intendente foi a votos na sexta edição do OP, em Novembro de 2013, entre 208 propos-tas, mas não teve a sorte de candidatos anterio-res – o Centro de Inovação da Mouraria e a Casa da Mobilidade da Mouraria, no ano 2012, e o projecto Há Vida na Mouraria!, em 2011, que receberam tantos votos dos cidadãos que puderam nascer financiados pela autarquia. Agora a boa notícia. A ideia não caiu por terra. «Os tempos próximos serão de maturação de ideias e de procura de financiamento», diz a promotora do projecto Cláudia Henriques, 33 anos, da Amadora, licenciada em História, doutoranda em Ciências da Comunicação e investigadora do Centro de Investigação Media e Jornalismo. Com Ricardo J. Rodrigues (jornalista no Diário de Notícias) e Joana Sousa Ribeiro (doutoranda em Sociologia, com enfoque na mobilidade sócio-profissional de imigrantes), forma o núcleo duro que não desistirá de uma rádio comunitária onde todos tenham voz, em todas as línguas.

Há esperançana Mouraria!Mensagem na Rua das Olarias.

Dia da beleza

Fernanda Romero, de 46 anos, a filha Ana, de 12 (na foto), e a vizinha Gracinda Varela, de 64, chegaram juntas à Igreja Evangélica da Calçada Agostinho de Carvalho. Nunca ali tinham entrado apesar de passarem à porta há anos. Atreveram-se naquele sábado, dia 19 de Outubro: o Dia da Beleza. Havia cabeleireiro grátis. «Viemos ver». Foram as primeiras “clientes” de Yami Schneider, uma cubana imigrada nos Estados Unidos, aqui em missão pontual, para quem a beleza está sobretudo no coração. «O importante é agirmos sempre da melhor forma que nos seja possível», disse Yami, comentando, em concreto, as mulheres islâmicas cuja cultura limita a vivência plena da feminilidade. O dia passou-se entre penteados, massagens, flores, velinhas, música, lanche e união. No fim, houve ainda uma visita ao domicílio para alindar uma vizinha acamada. Cumpriu-se o objectivo dos pastores Jorge e Orquídea Adrião, que organizaram este evento: «Mostrar que não estamos apenas interessados em religião. Temos as portas abertas e amor para dar».

Mouraria à lupa na Gulbenkian

Cerca de cem pessoas participaram no colóquio “Mouraria Zoom in, Zoom out”, realizado na Gulbenkian, nos dias 29 e 30 de Outubro. Na recta final da primeira fase da reabilitação do bairro, iniciada em 2010, escutaram-se os testemunhos de quem está no terreno na Moura-ria, mas também de quem já enfrentou desafios semelhantes em Guimarães (Alexandra Gesta, na foto à direita) e no Porto (Virgínia de Freitas, à esquerda). Foi tempo, também, de recolher ideias para os próximos anos. «Ninguém sai daqui hoje sem contribuir», avisou, informal, João Meneses (na foto ao centro) – coordenador do Gabip Mouraria, o gabinete que reúne elemen-tos das várias organizações envolvidas, desde a Câmara Municipal de Lisboa às associações locais do bairro. A grande conclusão foi: é preci-so inovar. Ou seja: fazer, e bem, tudo aquilo que tiver de ser feito.

Rosa Maria (a fadista)

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1406

... o pórtico manuelino da Rua da Mouraria tem um erro cómico? A fachada de uma das mais antigas fundações de caridade – o Colégio dos Meninos Órfãos, do século XIII – é uma sobrevivente do terramoto de 1755 e alberga, há cem anos, um posto da Polícia de Segurança Pública (PSP). O pórtico é composto por dois pares de colunas decorados com motivos geométricos e cordas entrelaçadas, sustentando um arco que ostenta aquilo que parece ser uma alcachofra, símbolo da regeneração e da ressurreição.

Detalhe: As bases e os capitéis estão invertidos. Na reedificação pós-sis-

mo, os capitéis ficaram na base e as pedras de base no lugar dos capitéis. O “fazer à pressa” não

é só apanágio de hoje.

Tensões familiares sob os holofotes do Teatro São LuizUma mãe que oferece um telemóvel à filha sem lhe perguntar se o aparelho faz parte das suas necessidades prioritárias. Uma filha que decide que o pai, a morar sozinho na aldeia onde sem-pre viveu, deve mudar-se para a cidade, para junto dela, sem o consultar. Em comum nos dois sketches, mostra-se a desconstrução das relações entre as pessoas, sobretudo quando as ligações são familiares. Desconstruir é, aliás, um dos objectivos deste grupo de teatro de intervenção, a trabalhar com pessoas seniores que, amando o teatro, se têm dedicado de corpo e alma à arte da representação.

«O objectivo é colocar o espectador em cena para provocar a reflexão sobre cenas da vida, abordando, assim, temas como a sexualidade, as relações familiares ou as dependências», conta o encenador da peça, Hélder Santos. «Os actores representam uma situação de conflito retira-da da realidade. Durante o espectáculo, o público é convidado a entrar em cena e a substituir os actores para experimentar outras atitudes perante as situações apresentadas. A cena final é um debate em que os participantes podem falar da experiência vivida e assim reflectir sobre os temas abordados. É também avaliada a validade das soluções, de maneira a que tudo o que se construiu seja encarado com um olhar crítico».

Para levar a cabo este trabalho de prevenção, o Holofote actua com grupos pequenos, ex-plica Hélder Santos. É uma solução que «permite estabelecer uma relação pessoal com o pú-blico. As pessoas colocam-se em redor dos actores, numa disposição a que chamamos de arena. Da mesma maneira, o grupo não utiliza adereços nem cenários».

Este grupo desenvolve trabalho desde 1998 baseado na filosofia do Teatro do Oprimido, uma metodologia criada na década de 60 pelo brasileiro Augusto Boal e que aposta nesta arte como uma poderosa ferramenta de transformação social. O Teatro do Oprimido tem fortes alicerces no conceito de solidariedade e utiliza técnicas como as do teatro-fórum, que é esta em que o público e a plateia se fundem. Uma nova peça está já a ser preparada.

Confrontar. Desconstruir. Reflectir. Estes são conceitos intrínsecos à peça apresentada no Teatro São Luiz, em Lisboa, no passado mês de Outubro pelos seniores da Mouraria que fazem parte do grupo de teatro Holofote.

reportagem Texto e FotografiaSandra Bernardo

Sabia que... Texto e Ilustração Nuno Saraiva

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 07ગુલાબ મારીયા

Apenas · apenas-livros.comApenas · apenas-livros.comApenas · apenas-livros.com

Gradiva · gradiva.pt

Boca · boca.pt

com apoio e participação do IELT Instituto de Estudos

de Literatura Tradicional 

Estes trabalhos foram parcialmente financiados por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia 

ielt.org

hábitos Texto Marisa MouraFotografia Helena Colaço Salazar

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Daljit Singh, 17 anos, residente na Mouraria

O mini-turbanteNa Mouraria é habitual cruzarmo-nos com jovens que usam uma bolinha de pano sobre a cabeça. Que bolinha é essa? Chama-se patka. Usam-na os sikhs.

Nunca cortar qualquer pêlo do cor-po é um preceito-chave entre os sikhs, por isso, usam ‘patkas’ enquanto crianças e adolescentes, e depois turbantes – ou lenços, no caso das mulheres. Protegem assim o cabelo que cresce livre como Deus quis. Por usarem barbas longas e turbante, confundem-se amiúde com muçulmanos, mas esses cortam o bigode, por exemplo. O cabelo (kesh) é um dos cinco K’s que pau-tam esta religião. Os outros são: kara (pulsei-

ra de aço no pulso direito usada por homens e mulheres), kanga (um pente de madeira pequeno), kachhehra (espécie de culotes) e kirpan (espada curva), um elemento com origens na Ordem Khalsa, que lutava contra o Império Mughal, islâmico, nos primórdios do sikhismo.

Outra grande marca é o sobrenome co-mum a todos os homens: Singh. É o nome do último dos dez gurus fundadores. Chamava--se Gobind Singh e faleceu em 1708, sem nomear sucessor, alegando que o poder cor-rompe os humanos. As mulheres usam o so-brenome Kaur, princesa, num elogio à igual-dade de género, contrastante com o islão. A reencarnação, típica do hinduísmo e do

budismo, foi desvalorizada pelo fundador do sikhismo, o guru Nanak. É nesta vida que tudo se joga. Por isso, todo o sikh, pelo menos uma vez, vai ao Templo Dourado (Harman-dir Sahib), um santuário construído em ouro em Amritsar, no Punjab, região onde nasceu o sikhismo, no noroeste da Índia, na fronteira com o Paquistão.

O sikhismo nasceu contra os excessos das religiões dominantes na Índia: o milenar hin-duísmo (caracterizado pelo sistema de cas-tas, sem mobilidade social, com os sacerdo-tes no topo, acima de governantes, guerreiros e trabalhadores, e na base os intocáveis, espécie de sub-humanos) e o budismo (na

época, relativamente recente e apologista do vegetarianismo). E também contra a então reinante opressão islâmica.

Os sikhs falam punjabi, como os demais habitantes do Punjab, independentemen-te da fé de cada um. Mas também falam gurmukhi, a língua que funde sânscrito e persa unindo as culturas hindu e islâmica, em guerra no século XV. Na mesma época, os portugueses iniciavam as Descobertas promovendo o cristianismo pelo mundo e desenhava-se também a Reforma Protes-tante na Europa, com o alemão Martinho Lutero a criar, em 1517, uma nova ala den-tro do cristianismo, contra os católicos, com motivações semelhantes às do guru Nanak.

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reportagem Texto Marisa Moura Fotografia Carla Rosado

Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1408

«Eu estou do lado dos feios, dos porcos e dos maus. Essa é a minha gente. E sinto sem-pre a impressão de que a maioria gostava que eles se fossem embora». Palavras de Luís Men-dão no colóquio “Mouraria Zoom in, Zoom out”, na Gulbenkian em Outubro. É o presidente do GAT – Grupo Português de Activistas sobre Tra-tamentos de HIV/Sida, a associação que coor-dena o In-Mouraria, um espaço onde se presta assistência social, médica e logística para redu-zir danos associados ao uso de drogas.

Quem são estas pessoas «feias, porcas e más» (na terminologia da célebre comédia de Ettore Scola)? Como vieram parar à Mou-raria? Comecemos pela Sol – chamemos-lhe assim, como pediu. Uma cicatriz traça-lhe a cara de olho a olho, sobre o nariz. Tem 33 anos e 32 pontos à vista de toda a gente. Foi mãe aos 18 anos e prostitui-se desde os 27 para financiar as dezenas de doses de crack (cocaína base) que fuma diariamente, a cinco euros cada, numa média de 250 euros por dia. Aos treze, «buéda precoce», divertia-se noite dentro na discoteca Alcântara-Mar, estreando--se nos «snifs e pastilhas». Hoje pára na Rua do Benformoso, fronteira da Mouraria com o Intendente, ponto de encontro de cerca de duzentos toxicodependentes, entre os mais de 60 mil existentes em Portugal – que alimentam um negócio mundial anual superior a 500 mil milhões de euros (o triplo do Produto Interno Bruto de Portugal), num total de 27 milhões de dependentes de cocaína ou heroína.

Nas Escadinhas das Olarias cachimba-se nas barbas dos moradores (discrição apenas quando passam crianças). «Eu ali em bai-xo deixo de ser esta transparência e passo a ser, digamos, um bocado antipática. Bad girl. Os acontecimentos da minha vida obriga-

ram-me a ganhar uma protecção. E, olhem, é assim: vamos embora porque vamos levar agora, neste momento, com um balde de água nos cornos (desculpem lá a expressão). Aquela mulher!»

Sol caminha encurvada, mas o discurso é recto. E correcto. Dificilmente se adivinharia que ficou dois anos aquém do 9.º ano, a esco-laridade obrigatória na época em que estudou.

PÍLULA DO AMOR, AFINAL, NÃO EXISTE«Eu não sou assim. Estou a usar bué calão. Es-tou de directa e com uma granda depressão (fases dos casais… de mim já sou nervosa…). Ontem tomei um drunfo. Sabem o que são drunfos?» Sim, antidepressivos. Os portugue-ses são os maiores consumidores de drunfos da União Europeia. Sol não está sozinha aí, nem nas estatísticas da escolaridade obrigató-ria. Portugal só está melhor do que a Turquia e o México no ranking dos países ditos desen-volvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Até o signo da Sol é o mesmo de Portugal: caranguejo. «Umas grandas sentimentalistas, umas choro-nas. Românticas incondicionais. Eternas sofre-doras… Às vezes, confundimos bondade com “otarice”».

O amor. O amor vem sempre à baila, para o bem e para o mal, quer falemos com a Sol, com o seu namorado Miguel («Graças a esta mulher, deixei de me injectar. Ela tem pavor a isso porque o pai dela, toda a vida, esteve nesses movimentos»), com o António, que esteve limpo nove anos e, numa separação, re-caiu… Ou com muitos outros, incluindo o psi-cólogo Américo Nave, responsável da associa-ção Crescer na Maior que tem equipas de rua

diariamente na Mouraria desde 2003, altura em que paravam por aqui oitocentos toxicode-pendentes – a maioria entretanto encaminha-da para tratamento.

«Agarrei-me ao cavalo com o pai do meu filho. A nossa relação estava a descambar e aquilo dava buéda pica para “coiso”. Até que, um dia, não há moca e as coisas não são lindas e maravilhosas. E depois já há ressaca. Prostituir-me estava fora de questão. Ele é que ia roubar, só que, entretanto, vai preso. Come-cei por vender tudo o que tinha. Depois ten-tei vender droga, mas como não quis ir presa, a única maneira… Enfim, estão a ver estas vol-tas todas?» Tinha na altura um filho de dez anos de idade.

A droga também foi usada pelo António para (tentar) substituir o amor. Desportista de 43 anos, há quatro anos era sem-abrigo num grupo de uma dúzia que dormia nas arcadas da Rua Arco Marquês do Alegrete e acorda-va «com a polícia, a chicote e pontapé». Foi o amor. «Começámos a não nos entender e ha-via discussões todos os dias. Comecei a beber e, depois, a fumar (tabaco). Ela saiu de casa e daí até eu começar nas drogas foram uns oito meses». António já tinha sido dependente, na juventude, e estava livre há nove anos.

«Pensei que já estava tudo resolvido, mas acabou por não estar». Era segurança no aero-porto e tinha a vida estável com a namorada. «Quando perdes tudo isso, nada faz sentido. Tenho uma família grande que sempre me apoiou, mas eu, estupidamente, fui-me afas-tando, um pouco por vergonha», conta este «mimado», filho de um serralheiro mecânico encarregado de minas.

A MAGIA DA FRONTALIDADENa recaída, já conhecia os efeitos da heroína e da cocaína, ao contrário da estreia, há vinte anos, quando trabalhava em bares no Algarve e vivia com um grupo de amigos, tendo o 12.º ano, um inglês acima da média e pergaminhos no basquetebol. Porquê repetir o erro? «Ten-ta-se colmatar o vazio que fica na nossa vida. Mesmo sabendo». Na rua andou mais de meio ano a ouvir «as cantigas» da equipa da Crescer na Maior e lá aceitou entrar em tratamento. Após ano e meio na comunidade Ponte, traba-lha há nove meses numa instituição de apoio social e vive em Alfama.

E agora, tens novas ferramentas anti-re-caída? «Sim. Ter conversas. Vais arrastando o lixo por não lidares na frontalidade com algumas questões e perceberes o que está a correr mal. Parece que não, mas tudo isso vai acumulando». No primeiro tratamento não tinhas aprendido isso? «Não. Esse foi numa comunidade onde trabalham mais a parte es-piritual. Não trabalham o problema no íntimo, aquilo que cá vai dentro e nos faz mal».

REGRAS, PRECISA-SEAmor, amor, amor. «O que falta é amor», diz Américo Nave, da Crescer na Maior. «Mas não se pode confundir amor com permissividade. Tem de haver regras. Isso tem de ser ensina-do», sublinha o psicólogo de 42 anos, nestas lides desde os anos 90, quando os então cem mil toxicodependentes do país faziam de Portugal um caso de estudo internacional. «Se calhar, é mais importante ensinar os filhos a perder do que a ganhar», adverte.

Ganhar. Curiosamente, há vários ex-des-portistas profissionais entre os «feios, porcos e maus» da Mouraria, incluindo os que não aparecem nesta reportagem. Gostam de ga-nhar. Miguel, o namorado da Sol, é um deles. Tem 35 anos e esteve preso dos 22 aos 29 por tráfico. «Consumo desde os 13 anos. Só não é visível fisicamente porque sempre fui atleta. Fiz luta greco-romana, fiz parte da selecção portuguesa de luta livre… Sempre estive ligado ao desporto. E alimento-me bem e tal».

Como chegaram as drogas? «Não posso dar isto como desculpa, mas pela perda do meu pai entrei numa de… foi um bocado revolta. Comecei a chegar tarde a casa. Uma criança com 10 ou 11 anos chegar às quatro da manhã a casa é impensável». As regras. É preciso re-gras. «A certa altura, a minha mãe, com toda a razão, chateou-se e disse: “Não te admito que entres em casa a estas horas. Se não estiveres aqui às dez da noite, dormes na rua”. Eu pa-guei para ver. No dia seguinte fui às dez e meia, a testar. Foi a maior estupidez da minha vida!»

As regras não funcionaram com o Miguel. «De quatro irmãos, fui o único que foi pelo mau caminho». Conta tudo isto mesmo ao lado dos polícias que chegaram ao Benfor-moso e se especaram ao nosso lado. Não se intimida. Foi ele, aliás, quem avisou que eles estavam a chegar. Confiante, hoje, mas nem

Feios, porcos e maus?A vizinhança atira-lhes baldes de água, a polícia faz marcação cerrada. Dependem de heroína ou cocaína. A Mouraria é ponto de encontro de mais de duzentos consumidores destas drogas. Viagem ao mundo da droga e do amor.

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 09ગુલાબ મારીયા

Cizenando: «A nossa cabeça está dividida em quantas partes? Três. Neo-córtex, Líbido e Complexo-R»

sempre foi assim. «Naquela altura, no grupo, quem não consumisse era posto de parte. Não havia a informação que há agora e quem fumasse é que era o bom». O Miguel quis ser bom. «Fui segundo cabo de cavalaria, o des-porto… Tive muitas e muitas oportunidades. E, vou-vos dizer: tenho HIV. Soube quando fui preso em 2002».

BERÇOS QUE MARCAMA mãe tentou protegê-lo logo à nascença. «A minha família mora toda na Cova da Mou-ra e no Seis de Maio. A grande maioria trafica. Sempre me disseram: “Nunca toques nisto aqui para teu consumo, que isto é só para fa-zermos dinheiro”. A minha mãe nunca quis que eu fosse para lá viver para não me meter nes-se tipo de situação». Miguel cresceu então em São José, com a mãe. O pai era cozinheiro no Algarve e vinha quando podia. Até que morreu, e este filho, aos nove anos, começou a envere-dar pelo tal «tipo de situação».

A Sol foi ainda mais precoce. Estrou-se nas «mocas» aos «três ou quatro anos», muito an-tes das noitadas no Alcântara aos treze. Jogava o Sporting e um grupo de convivas reuniu-se na Musgueira. «O meu pai e os amigos (que por acaso eram todos tóxicos, mas que no momen-to estavam numa de ganzas) estavam a convi-ver e eu fui esquecida (entre aspas). Andava lá na minha vidinha, a brincar ou não sei. Confor-me eles abrem a porta, desato a correr, mando uma cabeçada num poste e caio para trás. Foi

a moca». E a tua mãe? «É o oposto do meu pai. O meu padrasto é piloto-aviador… Nada a ver. Neste momento, o meu pai está preso, é seropositivo, et cetera. A minha mãe é uma senhora em todos os aspectos». Foram os pais desta senhora que criaram a Sol, no Saldanha. Agora, o filho da Sol é criado pela avó paterna. Aos catorze anos, qual é a relação dele com as drogas? «Tem ideia, no máximo, que isto comigo é cena de ganzas. Tenho muito medo do futuro dele». Já falaram sobre tudo isto? «Hum… Não. Não quero».

NEUROCIÊNCIA: O PODER DA CAROLAA «carola» parece ser o melhor antídoto con-tra as tentações. Criado na Rua das Olarias com uma avó, Cizenando Passos, 44 anos, deixou a heroína graças ao «poder da carola». A mãe e o pai foram assassinados em África, era ele adolescente. «Locutores de rádio, os dois. Depois, o Apartheid… Não quero falar sobre isso». Vieram as drogas. «Não culpo nin-guém. Nem foi a título de curiosidade. Foi só naquela: deixem-me desbundar. Dei na hero-ína muitos anos (nunca me injectei). Não dou já vai para quinze anos (dei umas passinhas, mas isso não conta)». Veio a cadeia. «Estive doze anos preso, mas não matei ninguém».Entretanto veio o álcool, essa substância que os especialistas consideram o maior problema europeu, ao nível social – com destaque para a situação em Portugal, onde 500 mil pessoas dependem dela.

Cizenando passa o dia por ali, no Benfor-moso, por vezes a moldar barro n’Os Amigos do Minho. «Sou minhoto. Nasci em Angola mas o meu pai era de Valença do Minho». Ajudou a subir um forno ao ateliê de cerâmica, e lá con-tinuámos a conversa.

«A nossa cabeça está dividida em quantas partes? Três. Neo-córtex, Líbido e Complexo--R. Tenho o 9.º ano. Sou muita curioso. Tenho filhos. Tenho que ensinar». Ensina a Teoria do Cérebro Trino de Paul MacLean, ligeiramente

adaptada. Perguntamos: Qual dessas par-tes mais intervém na capacidade de resistir, por exemplo, à heroína? «Eia c’um caneco! Que grande questão você me põe! É assim: normalmente, a líbido é, por exemplo, se um homem tem uma mulher à frente… O neo- -córtex é a carola. Inteligência, informação. E depois há a outra... a brutalidade! RRRR. Eu não gosto de ser bruto». E mostra-nos fotogra-fias no telemóvel: o mais novo dos seus cinco filhos e vasos com flores. Coisas mais lindas!

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1410

editorial está bem · está mal

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Todos ligadosEstava aqui eu, Rosa Maria, a ler esta edição do nosso jornal, quando constato: ‘Eles são todos os mesmos, falam todos uns dos outros!’ Há uma pessoa chamada João Meneses, coordenador do Gabip Mouraria, que aparece nuns três artigos. Há o senhor Carlos Capelo sobre o qual se escreve na rubrica Retrato de Família, mas que também é referido no Vox Mourisco por duas das oito pessoas inquiridas sobre compras na Mouraria nesta época natalícia. Depois, surge inúmeras vezes a sigla PDCM relativa ao Programa de Desenvolvi-mento Comunitário da Mouraria ao abrigo do qual se realizaram grandes obras e projectos. Todas estas ligações trouxeram-me à ideia a célebre Lei dos Seis Graus de Separação.

Pense numa pessoa que gostasse de contactar, seja quem for e onde quer que esteja neste planeta com sete mil milhões de habitantes. Segundo esta teoria, para chegar a essa pessoa serão suficientes, no máximo, meia dúzia de intermediários. A ideia foi teorizada, em 1920, pelo húngaro Frigyes Karinthy, no conto Cadeias, e comprovada no terreno, em 1967, numa experiência do psicólogo social Stanley Milgram, em que cerca de duzentos voluntários teriam de fazer chegar uma car-ta, de mão em mão, a um corretor de Bolsa de Boston. Confirmou-se que, na maioria dos casos, a carta chegou ao destinatário envolvendo um máximo de seis pessoas.

Mais recententemente, em 2011, na Universidade de Milão, realizou-se uma nova experiência no âmbito do Facebook, numa altura em que esta rede social tinha perto de 800 milhões de “amigos”. A distância reduz--se para 4,7 pessoas. E diminui se observarmos apenas os aderentes dos Estados Unidos, onde estão registados mais de metade dos cidadãos maiores de 13 anos de ida-de. Aí, a distância no Facebook é de 4,3 pessoas.

Estamos todos ligados. Na Mouraria ainda mais. E não é apenas por ser um bairro e nos bairros as pessoas tenderem a estar próximas. É porque este bairro está, desde 2010, em processo de reabilitação, o que implica muita gente a trabalhar em rede. Cerca de cinquenta entidades cooperam diariamente. Como dizem os afri-canos: estamos juntos!

Num bairro rico em História como a Mouraria, há totens informativos, em português e inglês, distribuídos em pontos de interesse patrimonial que enriquecem moradores e visitantes.

O eléctrico 28, do Martim Moniz para os Prazeres, é uma atracção turística, mas a frequência das carreiras não responde a todas as solicitações e as longas filas inviabilizam o uso aos moradores.

FICHA TÉCNICA · Direcção: Associação Renovar a Mouraria Direcção gráfica: Hugo Henriques Edição: Marisa Moura Redacção (textos, fotografias, infografias e ilustrações): Ana Castro, Ana Luísa Rodrigues, Antònia Tinture, Clara Azevedo, Ernesto Possolo, Hugo Henriques, Joana Rocha, Luísa Rego, Marisa Moura, Nuno Franco, Nuno Saraiva, Paulo Oliveira, Pedro Santa Rita, Rita Pascácio, Rodrigo Barata, Samuel Alemão, Susana Moreira Marques, Susana Simplício, Teresa Teles de Almeida Agradecimento especial a: Ana Filipa Fernandes (agenda cultural), Camilla Watson (fotografia), Dário Branco (fotografia), Inês Andrade (revisão), Joana Chocalhinho (revisão), João Madeira (passatempos), Time Out Lisboa/Joana Freitas (fotografia), Arquivo Municipal de Lisboa – Núcleo Fotográfico, Câmara Municipal da Amadora (fotografia), Turismo de Lisboa (fotografia) Capa: Carla Rosado Propriedade: Associação Renovar a Mouraria Redacção, administração e publicidade: Beco do Rosendo, n.º 8, 1100-460 Lisboa, Tel.: +351 218 885 203, Tm.: +351 922 191 892, [email protected] Impressão: Funchalense – Empresa Gráfica S.A. Distribuição: Associação Renovar a Mouraria Versão digital: www.renovaramouraria.pt Tipos de letra: Atlantica, Lisboa e Tramuntana > Ricardo Santos Depósito legal: 310085/10 Periodicidade: Semestral Tiragem: 10 000 exemplares Número seis, Dezembro 2013

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 11ગુલાબ મારીયા

reportagem Texto Susana Simplício Fotografia Carla Rosado

Preparação do mural de azulejos de Gracinda Candeias

Se é uma das pessoas que utiliza diariamente a estação de metro Martim Moniz, provavel-mente já reparou nos símbolos em painéis de azulejos e nas figuras medievais esculpi-das em mármore. E alguma vez se questionou sobre as histórias que ali se encontram?

Em terra de cegos, quem tem olho é rei, diz o provérbio. O escultor José João de Brito, autor destas esculturas, concluiu então que «o Afonso Henriques, como é rei, tem um olho». Corriam os anos 90 quando, no âmbi-to da remodelação da rede do Metropolitano de Lisboa, este artista e a pintora Gracinda Candeias foram desafiados a registar as suas ideias nas paredes desta estação – então denominada Socorro, como a antiga fregue-sia do bairro da Mouraria.

A nova estação foi inaugurada em 1997 e rebaptizada como Martim Moniz em ho-menagem ao capitão do exército do primeiro

rei de Portugal (Afonso Henriques) e mártir na conquista cristã de Lisboa em 1147, sacri-ficando a vida entre as portas do castelo dos mouros para que as suas tropas pudessem entrar e vencê-los, segundo reza a lenda.

As portas do metro, por vezes, também entalam pessoas e essa foi outra inspiração de José João de Brito, esculpindo um Martim Moniz entalado entre portas. «Quando me falaram em Martim Moniz, eu virei-me para a História de Portugal e para o Norberto de Araújo, cujos livros tenho em casa», explica o artista. «Essas figuras vêm-me de uns desenhos de um livro que me deram para aprender a História de Portugal». Refere-se à História de Portugal para Meninos Preguiço-sos de Olavo D’Eça Leal com ilustrações de Manuel Lapa, editado na ditadura salazarista.

E os azulejos de Gracinda Candeias, o que nos contam? A artista plástica criou três painéis: o português, o africano e o mou-risco. O primeiro é «dedicado, claro, à história da Severa e do conde de Vimioso». Guitar-ras, notas musicais, touros, toureiros e sol são os elementos-rei neste painel inspirado no célebre romance da prostituta da Moura-ria, considerada mãe do fado, e do seu amante marialva. O africano vive de elementos plásti-cos baseados nos tecidos indígenas do sécu-lo XVI e na história da Rainha Nzinga, ícone da resistência angolana à ocupação portugue-sa no século XVII. E o mourisco… O mourisco era suposto ter apenas leitura, em árabe, das palavras “Portugal”, “Lisboa” e “Marrocos”. E tem. Mas tem também outras palavras como “carta”, “livro” e “Deus” que acabaram por ser pintadas apesar de terem sido des-construídas, como tantas outras, de forma a não terem leitura. Quem as descobriu foram os operários que trabalhavam na remodela-ção, muitos deles árabes. «Eles estavam tão entusiasmados porque estavam a ler a língua

deles», recorda Gracinda Candeias. «Tudo isto foi muito prazeroso, tirando os desgos-tos que tive», recorda esta artista nascida em Angola há 66 anos, referindo-se a peripécias que levaram a cortes e alterações sucessivas da sua obra, entre outras de várias ordens.

Ainda assim, em “terra de cegos”, Gracinda Candeias (bem como José João de Brito) teve mais sorte do que Maria Keil, a artista plásti-ca, falecida em 2012, que foi o principal rosto da primeira geração de estações de metro, presente em 21 delas, nesta inclusive. Impe-dida de criar motivos figurativos por Salazar e pelo conselho de administração do Metro, a sua obra foi adaptada para cumprir os re-quisitos impostos pela ditadura, transfor-mando as suas figuras iniciais em formas abstractas geométricas em que os círculos representam as rodas e os traços verticais os carris. Hoje as paredes do Metro contam-nos histórias e estórias que, há quatro décadas, seriam proibidas.

O que contam estas

paredes?

As obras de arte da estação de metro do Martim Moniz ilustram a História de Portugal e têm as suas próprias estórias.

«O Afonso Henriques, como é rei, tem um olho», diz o escultor José João de Brito

[email protected]: +351 218 014 549

Private Rooms & DormsFree InternetFree Breakfast

R. Costa do Castelo, 631100-335 Lisboa

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1412

Fabricar objectos está ao alcance de qualquer um. Abriu um novo fablab em Portugal. Fica perto da Mouraria e pode usar-se gratuitamente alguns dias por semana.

Se é criativo e quer dar largas à imagi-nação, pode fazê-lo no FabLab Lisboa. É um serviço municipal de prototipagem que nasceu em Julho deste ano no Merca-do do Forno do Tijolo, entre a Mouraria e a Penha de França. «Um local onde é possível criar (quase) tudo», é o lema dos fablabs.

Como o nome indica, um fablab é um laboratório onde é possível fabricar. Des-de uma maquete de arquitectura a ob-jectos decorativos, mobiliário, aplicações em vinil, carimbos, robôs ou vestuário, quase tudo pode nascer ali, seja para fins académicos, profissionais ou pessoais.

No FabLab Lisboa, «por agora quem dá mais utilização ao espaço são os estu-dantes, sobretudo de design e arquitec-tura», diz o director Bernardo Gaeiras. Contudo, também há procura na área de engenharia, artes, marketing, moda e até na formação em computadores. Qualquer pessoa pode usar um cen-tro destes. Aprende-se fazendo. Neste, conta-se com a ajuda de seis voluntários,

estudantes que dão apoio especialmente a pessoas como Catarina Oliveira, uma es-treante nesta inovação. O Rosa Maria en-controu-a a trabalhar no seu projecto final do mestrado em Arquitectura: um mode-lo 3D de uma casa.

Outra utilizadora é Rita Sá, douto-randa em Médias Digitais e mais experi-mentada. Ali produziu os módulos para a criação de personagens articuláveis que seriam usados numa animação, ba-seada nos seus desenhos, a apresentar num workshop do festival Future Pla-ces no Porto. «Os fablabs são centros de inovação e de tecnologia onde os utilizadores são a comunidade local»,

refere Bernardo Gaeiras, sublinhando a importância do debate de ideias inerente ao conceito.

«Cada um tem de adaptar-se ao con-texto porque a população e as necessida-des são diferentes», diz o director deste espaço que integra uma rede internacio-nal com cerca de 250 outras unidades – incluindo os outros dois já existentes na zona de Lisboa: o Vitruvius, do ins-tituto universitário ISCTE-IUL, e o Fa-bLab EDP, que foi o primeiro a abrir em Portugal, em 2011, na cidade de Sacavém. «Estamos aqui para dar apoio à comuni-dade e o retorno é qualitativo», afirma Bernardo Gaeiras, considerando mais im-

portante a troca de valores do que a troca monetária. Prova disso é não haver custos às terças e quintas-feiras, «dias abertos», para quem levar os seus próprios ma-teriais. Nos restantes dias o preço varia entre os 5 e os 25 euros por hora, consoan-te o equipamento a usar.

Em qualquer caso é necessário fazer--se registo no site fablablisboa.pt e reserva antecipada das máquinas. Se ainda acha que isto é um bicho-de-sete-cabeças, o FabLab Lisboa funciona de segunda a sexta-feira, das dez às dezoito horas. Por que não pegar naquele projecto que tem na gaveta e ir até lá?

É sempre necessário registo prévioe reserva no site fablablisboa.pt

Poço do Borratém

Todas as ruas têm nomes que vão beber às mais varia-das fontes. Mas poucas devem o seu nome a uma fonte verdadeira, que a necessidade dos homens transformou em poço com o nome árabe de Borratém.

A palavra “borratém” deriva dos termos árabes ber attem e significa “poço da figueira”, num teste-munho da presença árabe e muçulmana em Lisboa. Sobre a figueira, sabemos que terá existido pelo me-nos uma na zona, ou mesmo junto do poço. Mas se

a árvore deixou de existir, a sua memória continua en-tre nós, através da pombalina Praça da Figueira. A par-tir do século XVI, as referências ao Poço do Borratém multiplicam-se.

No Pranto de Maria Parda, Gil Vicente apresenta-nos uma mulher mulata (parda) a percorrer as tabernas de Lisboa, pranteando por uma taça de vinho, num ano em que este escasseava por toda a cidade – uma me-táfora da fome. Após nova tentativa em vão, a taber-neira Branca Leda terá respondido desdenhosamente a Maria Parda: «Muita água há no Borratém e no poço do tinhoso». Na rua, que ficava em terras dos condes de Monsanto, o poço vai ganhando fama, sendo reco-mendado na Polyanthea Medicinal para a cura de comi-chões, impingens, bostelas e achaques do fígado. Com tanta fama, as disputas pelo controlo económico das águas milagrosas multiplicam-se: entre a administra-ção da Irmandade das Almas, que cobrava 80 reis aos aguadeiros, até 1818, e a exploração do poço pela úl-tima companhia de aguadeiros, os preços cobrados pelo recurso natural não paravam de subir. Instala-se a revolta popular obrigando a câmara a intervir através

da posse administrativa do poço em 1849. O poço tor-nou-se público e nunca mais se pagou um vintém pela preciosa água, mesmo quando foi transformado em chafariz, em 1900.

Com o liberalismo e a expulsão da ordem religiosa de São Camilo de Lellis, em 1834, a rua começa a perder o seu aspecto medieval. Convento, igreja e casas da ordem são loteados e vendidos, para dar origem aos ac-tuais quarteirões de prédios de rendimento. Em finais do século XIX, o Chafariz do Borratém acaba dentro de um prédio, separado da rua por um gradeamento e uma porta de ferro, que se abre ao público. Conti-nuou a dar de beber aos lisboetas até aos anos 50 do século passado, enquanto fornece de água o Hotel Peninsular, que lhe fica por cima.

Encerrado o chafariz, por inquinamento das águas, o velho poço prolonga a sua vida enquanto espaço comercial. Na década de 1980 o seu espaço é transformado nos Armazéns do Alegrete. Entre-tanto, depois da grande reabilitação de 1986, integra o Hotel Lisboa-Tejo que cuida dele até agora. Está aber-to a todos os que o queiram visitar.

Quase tudo é possível

Rita Sá, doutoranda em Médias Digitais,a trabalhar nas personagens da sua animação

O FabLab Lisboa, no Mercado do Forno do Tijolo, integra a rede internacional de 250 fablabs

reportagem Texto Susana Simplício Fotografia Carla Rosado

Rua a Rua Texto Pedro Santa RitaFotografia Carla Rosado

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1414

Gabinete da Cidadania

Todas as quartas-feiras, das 14h às 20h, há apoio gratuito para residentes ou trabalhadores no bairro, em processos de legalização, traduções, preenchimento de IRS, arrendamentos, etc.. Na foto, o jurista Vladimir Vaz presta uma das suas sessões de esclarecimento.

Apoio ao estudo

Explicações gratuitas para alunos do quinto ao 12.º ano, residentes no bairro. Na foto, o voluntário Luís Afonso, estudante de medicina, explica matemática à Catarina Guerrinha.

Alfabetização

Na Mouradia, vários adultos já venceram a barreira de não saberem ler nem escrever, rumo a uma maior inclusão social.

Português para estrangeiros

Dezenas de estrangeiros aprenderam língua portuguesa ao longo deste ano, em grupos de diferentes níveis, incluindo preparação para a prova obrigatória em processos de aquisição de nacionalidade. Na foto, uma aula com a professora Joana Chocalhinho.

Saúde para Todos

Consultas de medicina alternativa e psicoterapia a preços acessíveis, ou mediante troca de tempo no caso dos mais desfavorecidos. Na foto, uma consulta com a especialista em medicina tradicional chinesa, Telma Raposo, membro do grupo de terapeutas “Saúde para Todos”, parceiro da ARM.

Jantares vegetarianos e ioga

Todas as quintas-feiras há jantar vegetariano, com uma qualidade de levar à rendição o mais carnívoro dos carnívoros. E de manhã, de terça a quinta, há aulas de ioga, igualmente com a gourmet Vera Sousa.

Guitarra

Miúdos e graúdos aprendem a tocar guitarra com o professor Rui Paiva, às quintas-feiras de manhã, a seguir às aulas de ioga da Vera.

Gastronomia internacional

Qualquer cidadão do bairro pode cozinhar um jantar típico da sua região. Divulga a sua cultura, delicia os convivas e reforça os seus rendimentos. O angolano Aldo Milá, na foto, foi uma das pessoas que já cozinharam na cafetaria – aberta de terça a sábado, para comes e bebes, exibições de filmes, documentários, futebol, festas de aniversário, workshops, exposições e tudo o mais que a imaginação desejar.

A casa que crescecom aMouraria

Chama-se Mouradia – Casa Comunitária da Mouraria e abriu há um ano, no dia 8 de Dezembro de 2012, no Beco do Rosendo, nas portas 8 e 10, no lugar de um edifício em ruínas. É frequentada por tanta gente que já começou a expandir-se às portas vizinhas. É a sede da Associação Renovar a Mouraria (ARM)que nasceu em 2008, e mesmo sem tecto, já produzia, por exemplo, este jornal. Agora, no primeiro aniversário da Mouradia, houve festa rija, com porco assado no espeto para quem quisesse aparecer, e apareceu uma enchente. Houve ainda muita música e a exibição de um slide show com centenas de fotografias que fizeram a história desta casa em doze inacreditáveis meses. Aqui ficam algumas dessas imagens.

Dár

io B

ranc

o

notícias ARM

Page 15: Rosa Maria nº6

Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 15ગુલાબ મારીયા

VisitasguiadasMouraria para Todos Fora da Mouradia também houve inúmeras actividades este ano, desde as Visitas Cantadas (visitas ao bairro acompanhadas por fadistas), passando pelo workshop de ilustração que pôs gente de todas as idades, na rua, a desenhar. E agora há o novo projecto Mouraria para Todos – visitas que não esquecem quem tem necessidades especiais, apoiadas pelo programa EDP Solidária, da Fundação EDP. Instalam-se rampas, para pessoas com mobilidade reduzida. Para invisuais, adaptam--se os percursos privilegiando locais onde os sons, os cheiros e os sabores valorizam a experiência. Para surdos, há intérpretes de língua gestual portuguesa. Os guias receberam formação específica na Mouradia, garantindo--se, assim, a qualidade do serviço prestado aos visitantes e promovendo o emprego local.

Dança

Há ballet para crianças, aos sábados de manhã, e danças latinas, às sextas-feiras à noite, com a professora Dayami Demestre.

Tertúlias

Debater o bairro, o país e o mundo entre petiscos e cantorias. Na foto, um encontro sobre bairros históricos, com Gabriela Carvalho, olisipógrafa, e Ermelinda Brito, nascida e criada na Mouraria e ex-presidente de junta, com moderação de Alexandre Ovídio, actor e apresentador. Há ainda a guitarra de Miguel Veras, e agora também um piano. Sim, um piano! A Mouradia fazia um ano e queria um piano. Teve a lata de pedir um, via Facebook, e, qual milagre, num instante ele apareceu. Foi uma oferta de Maria da Luz, que não lhe dava uso. Aqui ele servirá para tertúlias e aulas de piano.

Mercadinho do Beco

No último sábado de cada mês vende-se, compra-se e troca-se no Beco do Rosendo.

RosendoNão há becos sem saída. Neste, além da casa, nasceu também o Rosendo: a Mouradia sobre-rodas. É um carismático carrinho que circula pelas ruas, a distribuir material informativo, e que serve de stand da Associação em eventos como o Festival Imigrarte, que foi onde o Rosendo se estreou,no passado mês de Novembro.

Page 16: Rosa Maria nº6

Jaim

e D

ias c

omeç

ou a

can

tar

fado

ao

mic

rofo

ne d

os

auto

carr

os d

as e

xcur

sões

de

adol

escê

ncia

. Tra

balh

ou

desd

e os

11

anos

e f

oi f

uteb

olis

ta n

os c

lube

s da

sua

zo

na, e

ntre

o C

asal

Ven

toso

e A

lcân

tara

, ant

es d

ea

Mou

rari

a se

torn

ar n

o se

u ba

irro

“ad

opti

vo”.

Gra

vou

o pr

imei

ro á

lbum

aos

32

anos

: Par

ir é

dor

, cri

ar é

am

or.

Um

dis

co m

arca

do p

elo

fact

o de

Jaim

e se

r o ú

nico

filh

o de

um

a m

ulhe

r que

, por

que

stõe

s eco

nóm

icas

, fez

mai

s de

trin

ta

inte

rrup

ções

de

gr

avid

ez.

Foi

apre

ndiz

de

ou

rive

s, im

pres

sor

de o

ffset

e v

ende

dor

de u

ltra

-con

gela

dos.

Hoj

e, a

os

60 a

nos,

tem

sete

dis

cos g

rava

dos,

cant

a fa

do, é

mot

oris

ta d

a Ju

nta

de F

regu

esia

de

Sant

a M

aria

Mai

or e

pai

ad

opti

vo d

e um

sob

rinh

o. P

rém

ios

são

mui

tos,

desd

e 19

85.

Com

des

taqu

e pa

ra a

G

rand

e N

oite

do

Fado

de

1991

, em

repr

esen

-ta

ção

do G

rupo

Des

port

ivo

da M

oura

ria,

ap

oiad

o pe

lo í

dolo

Fer

nand

o M

aurí

cio,

com

qu

em c

anto

u, d

uran

te c

ator

ze a

nos,

no r

esta

u-ra

nte

Os

Ferr

eira

s. C

anto

u ta

mbé

m c

om A

rgen

-ti

na S

anto

s, na

Par

reir

inha

de

Alfa

ma,

ent

re o

utra

s “m

ecas

” do

fado

, com

o ag

ora

o re

stau

rant

e Sã

o M

igue

l D

’Alfa

ma

ou a

Cas

a da

Sev

era,

na

Mou

rari

a.

pass

eand

o co

m Ja

ime

Dia

sFo

togr

afia

Hel

ena

Cola

ço S

alaz

ar

Dep

oim

ento

reco

lhid

o po

r Mar

isa

Mou

ra

ગુલાબ મારીયા

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

BB

16 Rosa Maria nº 6dezembro ‘13 · junho ’14

17 Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ’1416

Ros

a M

aria

6de

zem

bro

‘13

· jun

ho ’1

4

ગુલાબ મારીયા17

R

osa Maria n.º 6

dezembro ‘13 · junho ’14

Larg

o do

Ter

reir

inho

O re

trat

o de

Jaim

e D

ias e

stá

impr

esso

num

a pa

rede

des

te la

rgo.

É

uma

das d

ezen

as d

e fo

togr

afias

que

trou

xera

m n

ova

vida

à M

oura

ria,

num

pro

ject

o da

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graf

a br

itâni

ca C

amill

a W

atso

n co

m

fadi

stas

e m

orad

ores

, há

quat

ro a

nos.

Qua

ndo

lá p

assa

, faz

por

não

ol

har.

Diz

que

não

gos

ta d

e se

ver

. E o

mai

s cur

ioso

é q

ue ta

mbé

m n

ão

ador

a ou

vir-

se. «

Em d

isco

s com

out

ros,

por e

xem

plo,

che

ga à

min

ha

part

e e

desl

igo»

, con

fess

a es

te fa

dist

a de

exc

elên

cia

reco

nhec

ida.

2/

Cas

a da

Seve

raÉ

pres

ença

hab

itual

na

Cas

a da

Sev

era,

des

de q

ue e

ste

espa

ço in

augu

rou

no

Ver

ão p

assa

do, r

eani

man

do o

sítio

ond

e, n

o sé

culo

XIX

, viv

eu a

mãe

do

fado

, M

aria

Sev

era

Ono

fria

na. J

aim

e D

ias f

oi, a

liás,

uma

das e

stre

las q

ue il

umin

aram

a

noite

de

inau

gura

ção

a 23

de

Julh

o –

tal c

omo

Hél

der M

outin

ho, g

esto

r do

espa

ço q

ue ta

mbé

m

é fa

dist

a (e

irm

ão d

e ou

tros

doi

s fad

ista

s: C

aman

é e

Pedr

o M

outin

ho).

Nes

sa n

oite

, Jai

me

Dia

s viu

ab

rir-

se e

sta

port

a e

não

só. «

Para

o a

no, s

e D

eus q

uise

r, es

tou

no C

aixa

Alfa

ma»

. Ref

ere-

se a

o gr

ande

fest

ival

est

read

o ta

mbé

m e

m 2

013,

org

aniz

ado

pela

Mús

ica

no C

oraç

ão, a

pro

duto

ra q

ue

lanç

ou e

m P

ortu

gal a

febr

e do

s fes

tivai

s de

Ver

ão.

3/

Rua

da G

uia

Aqu

i tev

e co

nvív

ios s

em c

onta

, «na

tasc

a da

Cri

stin

a, q

ue

dant

es e

ra d

o A

lfred

o, p

rim

o do

Fer

nand

o». E

ntre

tant

o,

sonh

a co

m o

dia

em

que

o L

argo

da

Gui

a ad

opte

o n

ome

Fern

ando

M

aurí

cio,

o “r

ei d

o fa

do”,

que

nasc

eu n

a ca

sa e

m fr

ente

à d

a Se

vera

e

fale

ceu

em 2

003.

«O

s doi

s lad

o a

lado

: lar

go d

a Se

vera

e la

rgo

Fern

ando

M

aurí

cio.

Lin

díss

imo!

E, d

epoi

s, co

m a

est

átua

del

e on

de e

stá

o ch

afar

iz,

por e

xem

plo»

. É o

sonh

o da

quel

e qu

e fo

i, ta

lvez

, o m

aior

fã d

e Fe

rnan

do

Mau

ríci

o. «

O h

omem

que

mai

s am

ei n

a vi

da, a

segu

ir a

o m

eu p

ai».

4/

Rua

da M

oura

ria

«Nos

ano

s 80,

nos

meu

s vin

tes,

trin

tas,

ficáv

amos

por

ali.

O F

erna

ndo…

Est

ava

ali o

rei d

o fa

do. N

ão h

avia

o

mam

arra

cho

do c

entr

o co

mer

cial

». N

ão h

avia

ta

mbé

m a

esc

ultu

ra d

a gu

itarr

a em

hom

enag

em

à M

oura

ria

com

o be

rço

do fa

do, i

naug

urad

a em

200

6,

quin

ze a

nos d

epoi

s do

cent

ro. «

Era

outr

a M

oura

ria.

N

ão h

avia

tant

a in

veja

, nem

cin

ism

o, p

orqu

e ér

amos

to

dos p

obre

s. To

dos p

reci

sáva

mos

das

junt

as d

e fr

egue

sia

para

ves

tir, c

alça

r e c

omer

. Dep

ois,

algu

ns

fora

m g

anha

ndo,

com

o os

gal

egos

que

tinh

am o

s co

pos-

ladr

ão, c

om u

ns fu

ndos

fals

os. M

etad

e er

a líq

uido

, met

ade

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vidr

o. E

ass

im g

anha

vam

rios

de

dinh

eiro

. Mas

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mai

s sau

dáve

l. A

s cri

ança

s res

peita

-va

m o

s mai

s vel

hos.

Ago

ra, a

tecn

olog

ia e

stá

a m

atar

--n

os le

ntam

ente

. Há

mui

ta a

bund

ânci

a. A

gora

, não

é

a M

oura

ria.

Eu

cham

o-lh

e o

bair

ro d

as c

omun

idad

es».

5/Igre

ja da

Nos

saSe

nhor

a da

Saú

deEs

te é

um

loca

l de

freq

uênc

ia re

gula

r, no

s mel

hore

s e

pior

es m

omen

tos d

a vi

da. T

em g

rand

e de

voçã

o pe

la

Nos

sa S

enho

ra d

a Sa

úde,

a p

ar d

a N

ossa

Sen

hora

de

Fátim

a. «

Ain

da a

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um

am

igo

foi o

pera

do e

fui l

á pe

dir p

or e

le».

Fal

a de

Ton

y Lo

reti,

o fa

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a qu

e lu

ta

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ra u

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o e

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que

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Car

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e D

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oz d

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1/

Page 17: Rosa Maria nº6

Jaim

e D

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16 Rosa Maria nº 6dezembro ‘13 · junho ’14

17 Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ’1416

Ros

a M

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zem

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‘13

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4

ગુલાબ મારીયા17

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osa Maria n.º 6

dezembro ‘13 · junho ’14

Larg

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Page 18: Rosa Maria nº6

Fonte: Instituto Nacional de Estatística; Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa; PDCM

Largo doIntendente

Largo dosTrigueiros

Espaço Intergerações I

Casada Severa

Ass. Renovar a Mouraria

In Mouraria(centro de reduçãode danos para pessoas que usam drogas)

CozinhaPopular

Escolade Fado

MaisEmprego

Parqueinfantil

Reabilitação da Igreja de S. Lourenço

Oficina da Guitarra Portuguesa

Espaço Intergerações II

Praça da Mouraria, com nova Mesquita

Centro de Inovaçãoda Mouraria

A situação social que importa melhorar

PraçaMartimMoniz

Castelo

Obras realizadas

Zona requalificada

Obras por fazer

Evolução da população(1981-2011)

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% da população como 1.º Ciclo do Básico

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% de prestações sociaisatribuidas em 2009

17%

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Lisboa

Regeneração da Mouraria é revolução ainda em marchaA instalação do gabinete de António Costa no Largo do Intendente, em Abril de 2011, marcou uma inédita operação de reabilitação urbana. Recorrendo a verbas comunitárias e camarárias, totalizando 13,5 milhões de euros, deu vida nova ao bairro situado no coração da cidade. Mas os trabalhos continuam. Há obras por terminar e novos projectos para iniciar.

Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1418

As diferenças são evidentes. Para melhor. Passados cerca de três anos sobre o início da requalificação da Mouraria, é tempo de balanços. Termina a vigência dos dois principais instrumentos de financiamento desta transformação: Programa de Acção do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM).

O contraste com o passado recente evidencia, sobretudo, o estado de degradação a que o bairro havia chegado. Basta so-brepor ao cenário anterior tudo o que foi realizado. Das obras de requalificação dos principais arruamentos à reabilitação e revitalização do Largo do Intendente e à nova vida do Martim Moniz, passando pela casa da Associação Renovar a Mouraria (a Mouradia) e também pelo novo sítio do fado, baptizado de Casa da Severa, sem esquecer as inúmeras actividades sociais e culturais desenvolvidas, a mudança é óbvia.

BETÃO, E NÃO SÓA sensação de mudança é subjectiva mas pode, e deve, ser quantificada até porque corresponde, não só a obras feitas, mas também a iniciativas concretas no âmbito de quatro progra-mas a funcionarem em paralelo. Além dos programas QREN e PDCM, a Mouraria reanimou também através do Programa de Investimento Prioritário em Acções de Reabilitação Urbana (PIPARU) e Programa BIP/ZIP (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária), todos convergindo no objectivo de resgatar do es-quecimento e da decadência esta área do coração da capital. Fo-ram investidos cerca de 13,5 milhões de euros – 2,5 milhões para revitalização social e 11 milhões para a reabilitação urbana (oito milhões em edifícios e três milhões em espaços públicos).

«Fazemos um balanço muito positivo, sobretudo porque se trata de uma intervenção com características pioneiras. Pode-mos apontar para uma taxa de execução na ordem dos 95%», diz o responsável municipal João Meneses. Como coordena-dor do Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Priori-tária (Gabip Mouraria), tem-lhe cabido a liderança do amplo e complexo projecto, iniciado em 2010.

As raízes de toda esta dinâmica regeneradora remontam ao ano de 2009, quando foi apresentada uma candidatura a ver-bas comunitárias – as tais do Programa de Acção do QREN –, para a reabilitação urbana de um eixo compreendido entre o Largo Adelino Amaro da Costa e o Largo do Intendente, acompanhado da realização de um vasto conjunto de projectos. Entre eles estava a criação de dois espaços destinados a actividades com jovens e idosos (no Largo dos Trigueiros e na Rua da Guia), o nascimento do sítio do fado na Casa da Severa (no Largo da Severa) e a criação

de um circuito turístico-cultural no bairro. O plano urbano tinha, sobretudo, uma dimensão de obra física, que incluía também os 36 fogos municipais reabilitados, em seis edifícios, através do PI-PARU. A empreitada foi complementada com uma intervenção social e cultural para que tudo fizesse sentido, para que não fosse apenas betão. Até porque as feridas da Mouraria eram bem mais profundas (veja caixa “A situação social que importa melhorar”).

Em sintonia temporal, houve quem tivesse tido a ideia de apresentar em nome de um consórcio de parceiros uma

candidatura ao Orçamento Participativo de Lisboa 2011, sob a de-signação “Há vida na Mouraria” – no caso, a estudante de antro-pologia Sónia Barradas. A ideia, apadrinhada por duas dezenas de entidades, acabou por vencer a votação desse ano e, desta forma, viu ser-lhe atribuída uma verba de um milhão de euros. Um en-velope financeiro que se materializou no PDCM e se veio juntar à intenção camarária de resgatar da decadência esta área.

O objectivo inicial era «contribuir para a melhoria da qualidade de vida e a diminuição dos fenómenos de pobre-za e exclusão social», como referia o presidente da Câma-ra de Lisboa, António Costa, alguns meses após ter mudado o seu gabinete da Praça do Município para o Largo do Inten-dente, em Abril de 2011. Uma medida de inequívoco simbolismo político, sublinhando a importância da iniciativa em curso.

SEGUNDA FASE: REFORÇO SOCIAL Com o eco desta revitalização na comunicação social nacional e internacional, criou-se um efeito de contágio visível nalguns sinais de ressurgimento comercial e do mercado imobiliário. A zona passou a ser apontada como «o caso de sucesso» da recupe-ração urbana, modelo a seguir noutras áreas da cidade. Faltam cumprir, todavia, os 5% apontados por João Meneses.

Por fazer continua a reabilitação da Igreja de São Lou-renço, no Largo da Rosa, ao abrigo do PIPARU. Também o Espaço Intergerações previsto para a Rua da Guia está pen-dente. «O parceiro EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa) não se portou bem», comenta o coordenador do Gabip Mouraria. Refere-se ao atraso na entrega deste edifí-cio pela empresa municipal que está em processo de extinção após polémicas relacionadas com a transparência das contas

e o nível de endividamento junto da banca. Pendente está também o Centro de Inovação da Mouraria, edifício mul-tifuncional que se localizará no Quarteirão dos Lagares. As obras estão paradas devido à falência do empreiteiro, mas deverão ser retomadas em breve, prevendo-se a sua conclusão para Março de 2014 (veja artigo “Uma casa para inovar no bairro... e no mundo”, na página 19).

Outras duas peças emblemáticas previstas no plano inicial viram o seu começo empurrado por João Meneses para uma «segunda fase» desta vaga regeneradora: uma é

a nova Praça da Mouraria, a nascer da demolição de um edifício situado entre as ruas da Palma e do Benformoso, e a mesquita que nela se instalará; a outra é a Oficina da Guitarra Portuguesa, local de transmissão do saber sobre este instrumento e cuja localização está ainda por definir, após se ter gorado a intenção de a instalar no Beco da Achada. Intervenções que contarão com o financiamento do novo quadro comunitário de apoio, a vigorar até 2020.

Para esta nova etapa, a começar já no início do ano de 2014 – e cujas candidaturas apenas serão abertas no final do primeiro semestre –, Meneses define como objectivo prin-

cipal «privilegiar a parte social, fazendo coisas que não houve oportunidade de fazer na primeira fase». A ideia é aproveitar a dinâmica entretanto gerada para «contagiar positivamente o território, nomeadamente nas ruas adjacentes às que foram alvo de intervenções». Um bom exemplo disso será o alargar da reabilitação do espaço público do Largo do Intendente

ao troço final da Rua dos Anjos, ocupada por um conjunto de bares e estabelecimentos associados à prática da prostituição, e ainda à zona das Olarias e dos Lagares. É que se um dos objecti-vos deste grande projecto é atrair novas pessoas para a Mouraria, outro é «melhorar a qualidade de vida dos que cá vivem».

reportagem Texto Samuel AlemãoInfografia Paulo Oliveira

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Camilla Watson

Helena Colaço Salazar

Page 19: Rosa Maria nº6

Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 19ગુલાબ મારીયા

TextoMarisa Moura

Uma casa para inovar no bairro... e no mundo O que será da Mouraria quando terminar a intervenção municipal que reabilita o bairro desde 2010? Continuará a dinâmica sócio-económica? Sim. Esse é o objectivo da Bairros, a rede de associações locais que se candidata à exploração do CIM – Centro de Inovação da Mouraria.

«O futuro da Mouraria é agora! Va-mos construí-los juntos? CIM». Esta frase nasceu num encontro onde mais de sessenta pessoas debateram o plano de acção para o CIM – Centro de Inova-ção da Mouraria, em Outubro de 2012. Desde então várias surpresas acon-teceram, boas e más. O projecto CIM ganhou um cheque de 400 mil euros no Orçamento Participativo de Lisboa 2012, mas a insolvência da construtora encarregue das obras, a Contrope-Con-gevia, atrasou a abertura prevista para Janeiro de 2014, entretanto adiada em cerca de três meses.

O que será, afinal, o CIM? Um edifício multifuncional que ficará instalado num edifício pré-pombalino em recuperação no quarteirão dos Lagares, previsto pela Câmara Municipal de Lisboa desde que começou a reabilitação da Moura-ria, em 2010. De início, estava pensado para ser uma incubadora empresarial com enfoque na recuperação dos ofícios tradicionais, dotada de um auditório para con-certos, conferências ou outras actividades até cinquenta pessoas. Isso já era bom. Mas o conceito ficou ainda melhor, enriquecido por moradores e trabalhadores, atra-vés de iniciativas da própria autarquia e da rede Bairros, consórcio de associações locais criado em Dezembro de 2012.

A Bairros servirá de plataforma de coordenação, sucedendo à estrutura da au-tarquia que tem cumprido tal papel: o Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária da Mouraria (Gabip Mouraria). A novidade será a actividade empresarial e os eventos estarem sempre imbuídos da filosofia de empreendedorismo social e em ligação internacional a semelhantes projectos, como o Waag Society, na Holan-da, ou o SIP – Social Innovation Park, em Singapura.

QUALIDADE, HISTÓRIA E ACESSIBILIDADE«A tendência natural destes espaços é para se fecharem sobre si mesmos. Após algum tempo atraem públicos homogéneos e trendy», diz o coordenador da Bairros, Mourad Ghanem, um francês de 40 anos que trabalhou em seis países e aterrou em Portugal em 2009 trazendo na bagagem experiência na requalifi-cação de bairros (como os de Nanterre) e na operacionalidade de processos (foi formador nessa área na multinacional de telecomunicações Colt). Para combater o fenómeno do fechamento, a Bairros centra-se numa metodologia holística em que o curto e o longo prazo estão sempre presentes, bem como as esferas individu-ais e colectivas. E aposta numa arma poderosa: qualidade.

«A grande mais-valia do nosso projecto é a programação das actividades no auditório e as infra-estruturas», garante Mourad Ghanem. A sala será equipada com mobiliário sobre-rodas e dobrável que «permite passar-se de uma actividade a outra em cinco minutos», e terá «um especialista que conhece todas as técnicas de animação de grupo». Haverá também uma sala de teleconferência «com um técnico a garantir que tudo funciona, em vez de um Skype falível». Tudo está pen-sado para funcionar, e bem. Por exemplo, tem-se em conta o facto de «as pessoas aqui, em Portugal, falarem alto». Há atenção especial na concepção dos gabinetes individuais (cerca de dez) e nas áreas comuns. E tudo se rentabiliza, inclusive as paredes. Nelas poderá escrever-se como num quadro.

«Num bairro histórico, a três minu-tos do metro», será possível trabalhar ou participar em eventos, seja o lan-çamento de um produto, um espectá-culo, workshops ou qualquer outra ac-tividade, desde que enriqueça o bairro e o mundo. O CIM distingue-se, assim, de projectos semelhantes que fun-cionam no âmbito da rede municipal Incubadoras de Lisboa e de outros im-plantados em espaços maiores, como os da promotora imobiliária Mainside: o LX Factory em Alcântara e o que abri-rá brevemente no desactivado hospital do Desterro, junto à Mouraria.

EMPREGO NO BAIRROA recuperação do edifício – que é do século XV e de solo rico em achados islâmicos – implicou 1,9 milhões de eu-ros, financiados em 60% por fundos

europeus. Entretanto, para já, o CIM tem o cheque de quase meio-milhão de euros do Orçamento Participativo para começar a funcionar. Adiante será auto-suficiente e terá, ainda, a função de recolher fundos para as empresas que ali se instalem, como cabe às incubadoras empresariais.

«Na primeira fase, o CIM será, no mínimo, uma aceleradora», explica o coor-denador da Bairros. Ajudará a fazer crescer as empresas que já tenham obtido financiamento. Depois fará a ponte para fundos de capital de risco e business angels, pequenos investidores que apadrinham empreendedores. Contará também com linhas de apoios (públicas ou privadas, nacionais ou internacionais), com as rendas de quem lá se instale e com as receitas dos eventos do auditório. E «novas formas de financiamento participativo e solidário, como a doação e o empréstimo».

A concessão, todavia, terá ainda de ir a concurso público. Para já, não se conhe-cem outros candidatos, mas antes do concurso, segundo o responsável autárquico do Gabip Mouraria, João Meneses, «não há nenhuma garantia de que seja a Bair-ros». Sendo que falar na Bairros é falar nas entidades que ali se ligam em rede: Associação Renovar a Mouraria (editora deste jornal), Artéria, Cozinha Popular da Mouraria, Crescer na Maior, GAT – Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de HIV/Sida, Largo Residências, SEA – Agência de Empreendedores ou SOU – Movimento e Arte, entre outras. Certo é, diz João Meneses, que o CIM será um centro de «empreededorismo e inovação com soluções de empregabilidade para pessoas do bairro».

O projecto foi desenhado pelo atelier DNSJ.arq. Inclui salas de trabalho e um auditório para 50 pessoas

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1420

O que o trouxe da Índia à Mouraria?Esta é a minha quarta visita a Portugal. Desde 2009 que tenho vindo para estabele-cer uma relação entre Oriyur e Lisboa. Aqui as pessoas não conhecem João de Brito. Nas missas que faço aos domingos (estive na Graça e no Lumiar), falo de como ele é conhecido na Índia. Vim também para recolher fundos. Desta vez vim com um objectivo muito concreto que é fazer um filme sobre João de Brito. Andámos a filmar o sítio onde ele nasceu, onde foi baptizado, onde entrou como noviço. O Colégio de São João de Brito, no Lumiar, a Igreja de São João de Brito em Alvalade...

E a recolha de fundos é para quê? Vamos construir uma nova escola em Oriyur. A escola tem de ser transferida para outro sítio porque funciona no mesmo edifício do santuário. Quando há cerimónias no santuário os alunos são incomodados. E as actividades escolares realizadas no exterior também perturbam as cerimónias. As obras custam 800 mil euros. Na minha província já recolhemos 300 mil.

Na sua opinião, o que explica que os portu-gueses não conheçam São João de Brito? Não sei... É um santo muito importante para Portugal, patrono dos jesuítas. Mas os jesuítas não dão importância. Mesmo no colégio não se fala muito dele. E não há, por exemplo, figuras que as pessoas possam levar para casa como há do Santo António. O padre João Caniço está a tratar da pro-dução dessas figuras. E o vídeo também será uma grande ajuda. Virão, sem dúvida, pere-grinos da Índia conhecer os sítios relaciona-dos com a vida de São João de Brito.

O que é que São João de Brito representa para si do ponto de vista histórico? Foi um homem pela harmonia, pela paz, pelo diálogo entre religiões. No santuário há mais não-religiosos e não-cristãos. Hindus, muçul-manos, cristãos não-católicos. Todos vão ao santuário de São João de Brito. E na escola há crianças de todas as religiões. Os cristãos são uma minoria, há mais hindus. No festival de São João de Brito, a 4 de Fevereiro, todos vêm celebrar.

Consegue imaginar um mundo como o que John Lennon, dos Beatles, cantou na música “Imagine”, sem países, propriedade nem religiões? As religiões têm de manter as suas iden-tidades. Mas, ao mesmo tempo, podemos partilhar coisas boas entre todos. Eu sou um padre católico, mas não devo fechar a porta. Devo estar aberto às outras religiões. Há coisas boas nas outras religiões. Há uma harmonia, uma irmandade.

Quando sonha com um mundo ideal, como é que sonha esse mundo? [risos] O mundo ideal não teria religiões.

Lá está: John Lennon.É o ideal de Jesus também. Chamamos-lhe reino de Deus. O reino de Deus é isso: todos irmãos e irmãs, juntos sem nenhum tipo de descriminações.

Por que razão é que ainda não conseguimos alcançar esse mundo, passados já 2013 anos sobre o nascimento de Cristo?Porque as pessoas são muito fundamentalis-tas, egoístas, sem o sentimento de transcen-dência. Quando temos o elemento da trans-

cendência, vemos além de tudo: das culturas, das línguas e da religião. Vemos apenas seres humanos. É por isso que temos de fazer muitos exercícios dentro de nós. Quando nos educamos, a nossa mente cresce. Qual é hoje o valor predominante no mundo? O dinhei-ro. Se você tem dinheiro, você é respeitado. Mas o dinheiro vem e vai.

Há mais de mil anos que, mesmo dentro da Igreja Católica, tenta combater-se o culto do dinheiro, entre os Franciscanos e muitos outros. Como podemos resolver isso?Agora até está pior. As multinacionais estão a destruir a natureza, o mundo. Em nome da Economia criam inúmeras necessidades. Coisas que não precisamos nas nossas vidas. Cada pessoa tem de mudar dentro de si. No ciclo de vida de cada um há um tempo para a consciencialização. Cada um tem de tomar essa consciência.

Se crê num mundo sem religiões, por que motivo se tornou padre?Como pessoa religiosa eu tenho de estudar de tudo para compreender o mundo e guiar as pessoas. A consciência de nós, dos outros, da natureza e de Deus faz de nós melhores pessoas. Aprendi isso na minha religião, por isso continuo a ser católico, mas aberto às outras religiões.

E porquê católico jesuíta?Fui criado numa família católica e tenho um amor especial por Cristo e pela Igreja. Cristo está para além da religião. Ele ama toda a humanidade, todos e cada um. Escolhi a ordem jesuíta porque eles (nós) estão abertos a novas missões, de acordo com os sinais dos tempos.

Casa de São João de Brito: património em riscoA casa onde nasceu São João de Brito, na Mouraria, degrada-se a cada dia. Há quinze anos que o seu futuro anda de gaveta em gaveta na câmara municipal.

A recuperação do imóvel discute-se desde a presidência autárquica do socialista João Soares. Em causa estão várias portas do Lar-go Rodrigues de Freitas, na Costa do Castelo. «O presidente chegou a ir pessoalmente ao local e pedir um projecto de arquitectura», recorda o jesuíta João Caniço, porta-voz da associação Amigos de São João de Brito – fundada em 1998, durante esse mandato, e promotora de um projecto de reabilitação aprovado em Assem-bleia Municipal em 2005. A ideia era recuperar o imóvel transformando-o em casa-museu, bem como a Igreja ao lado, onde João de Brito foi baptizado (ambas na foto abaixo). E também o próprio largo, que ganharia um busto do santo e o seu nome. Nada aconteceu. Em 2009, a casa integrou o controverso pacote de imóveis apa-laçados que iriam a hasta pública no projecto “Lisboa, capital do charme”, em parceria com a Associação de Turismo de Lisboa, para serem convertidos em hotéis de charme por privados. Chumbada essa via, em 2010 surgiu na própria câmara um projecto que incluía residências para pessoas sem-abrigo. Nada aconteceu.

Questionada sobre as razões do último volte-face, e sobre um ponto de situação, a di-rectora municipal de Habitação e Desenvolvi-mento Social, Marta Sotto-Mayor, respondeu, por e-mail, que a reabilitação do edifício «cons-titui uma das prioridades», mas sobre respostas concretas escreveu: «Considerando a extensão da informação solicitada, o facto de as várias questões que refere se encontrarem a ser resol-vidas pelos vários serviços com as respectivas competências, bem como a recente tomada de posse do novo executivo da Câmara Municipal de Lisboa, não se afigura neste momento possí-vel prestar os esclarecimentos pretendidos de forma inequívoca, na data indicada». O prazo inicial era de uma semana, até 14 de Novembro, sendo alargado até ao dia 27, e depois até 2 de Dezembro. Nada aconteceu.

O jesuíta indiano Anthony Cyril é reitor do Santuário de São João de Brito em Oriyur, o local onde foi decapitado, aos 46 anos, o santo que nasceu na Mouraria em 1647 e que converteu 30 mil hindus ao cristianismo. Eis a entrevista, em Lisboa, no passado mês de Outubro.

“O mundo ideal não teria religiões”

reportagem Texto Marisa Moura Fotografia Helena Colaço Salazar

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 21ગુલાબ મારીયા

Texto Marisa Moura Fotografia José Fernandes

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A história de Badandro tem 22 anos. Passa-se na Mou-raria, desde a infância em que sonhava ser mecâ-nico e brincava ao Dragon Ball na Rua do Capelão,

até hoje, com uma filha de meses num país «sem igualdade» que «nem no futuro dará frutos». E com o fantasma da prisão a ensombrar a família.

«Um fugido, outro preso. E outro que, por pouco, tinha ido». Este é um dos versos de “Histórica Verídica”, uma música sobre os sentimentos da sua mãe – mulher que teve uma filha e três filhos. Um está preso há dois anos, por furtos relativos ao ano 2000, outro anda desaparecido. Badandro é o mais novo. Chama-se Sandro Correia Pessoa. O nome artístico vem do código Badoncali – “badoncali”, segundo o próprio código, significa “calão”.

Começou a escrever músicas em 2008 para exorcizar «rancores», próprios e alheios. «Já vi um amigo a tentar atirar-se da Ponte 25 de Abril. Tudo o que vejo, exprimo. A mensagem é: Toda a gente sofre, mas há que saber apren-der e crescer». Aprendeu, por exemplo, a viver distante do «mundo cor-de-rosa» da infância, nos tempos em que o pai (encarregado dos cinemas Quarteto, agora reformado) lhe deu «sempre tudo», incluindo «mimos», mesmo após ter saído de casa, tinha este filho seis anos.

Gosta de aprender e ensinar – especialmente o sobrinho de sete anos, o «puto Bruno», que tem no YouTube uma músi-ca com o tio e que agora está de castigo. «Não podemos mos-trar-nos moles a uma criança que está a portar-se mal. Tem de aprender o que é certo e errado. Está com más notas, por isso já não grava o videoclip que íamos gravar», conta este jo-vem que apanhou reguadas na escola por recusar-se a escre-

ver, ao ponto de a mãe o defender partindo os óculos à pro-fessora. Com as crianças, «a bater, só piora. O melhor é algo do género: “Não te portas bem? Então ficas sem a consola”. Assim a criança fica a pensar».

Leu tudo quanto pôde de Fernando Pessoa, e livros «para entender as mulheres», nos meses em que trabalhou numa das livrarias Bertrand – «a mais antiga, no Chiado, 1732». Quer ser como o Sam The Kid que «parece que en-goliu um dicionário» e deixar as rimas fáceis como algumas que tem no YouTube e que hoje considera «lixo».

Aos 18 anos, com o 6.º ano de escolaridade, foi estu-dar «para a escrita ser mais sofisticada». Fez um curso de instalador e reparador de computadores que lhe valeu uma equivalência ao 9.º ano. Trabalhava então na Ikea. Depois foi segurança. E adiante esteve desempregado, a viver de biscates desde 2011 até Novembro de 2013, altura em que se tornou comercial na Optimus, a vender internet. Dá alguns concertos e espectáculos de dança, melhora-dos desde que teve aulas com um elemento da banda Makongo.

Canta o drama das falsas amizades, das drogas e das prisões alheias. À conversa, orgulha-se de si próprio. «Eu não sou influenciável. Eu só faço o que eu quero, não o que os outros querem». Um deslize: começou a fumar tabaco há dois anos. «Por causa dos ‘stresses’ caseiros. Ter um objecti-vo e sentir-me preso por me faltar um trabalho para poder seguir a caminhada. Só quero viver dentro dos possíveis. A única coisa que nunca pode faltar-me, vou ser sincero: eu como muito. Posso não ter roupa para vestir, mas comida não pode faltar».

Este é o título de uma das sete faixas trabalhadas por Badandro nos últimos doze meses, para apresentar a editoras.

«São músicas sentidas que me arrepiam a mim próprio», conta este rapper que vota sempre em branco para não eleger «alguém que seja ladrão».

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1422

reportagem Texto Marisa MouraFotografia Carla Rosado

Jantarada p pular Houve a feijoada do chef Cordeiro e o biryani de frango do chef Shafiul Amin. Houve fados, música pimba e modernices. Comeu-se e dançou-se na Mouraria.

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 23ગુલાબ મારીયા

Foi uma enchente na Rua da Guia. Parecia um arraial dos Santos Populares, no Verão, mas não. Estava frio e tinha chovido a potes. Foi no dia 26 de Outubro. Porquê esta festa? «Sempre quis fazer isto», responde Adriana Freire, a fotógrafa que em Novembro de 2012 inaugurou a Cozinha Popular da Mouraria, realizando um sonho antigo: ter um sítio onde «todos comem, todos cozinham». Agora realizou mais este, que já fazia parte do projecto inicial, integrado no Programa de Desenvolvimento Comunitário da Moura-ria, ao abrigo do qual abriu portas na Rua das Olarias. Calhou no dia em que, após as eleições autárquicas, tomaram posse os novos órgãos autárquicos. Foi mera coincidência, segundo Adriana. «Andei semanas a ver a meteoro-logia. Primeiro, no Verão havia as festas populares. Depois era a campanha eleitoral, e depois a chuva». Calhou neste sábado – por acaso, dia de aniver-sário da chef residente da Cozinha Popular, Rita Grifo. Eis os retratos da noite em que este “sonho da Adriana” foi vivido por cerca de quatrocentas pessoas da Mouraria.

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1424

Matinée de Domingo no Grupo Excursionista e Recreativo “Os Amigos do Minho”

Regionalismo

O meu mundo no bairroAmigos do Minho e casas de Gouveia, Covilhã, Lafões e Sertã. São estas as associações regionais que habitam na nova freguesiade Santa Maria Maior, todas vizinhas na Mouraria.

Oferecem aulas de português, ioga, for-ró, tai-chi, piano, teatro, ocasionalmente fados e almoços... além de bailes. O con-vívio é a palavra de ordem e a ‘terrinha’ é agora Lisboa. Em cada uma delas há uma história singular de saudade e amizade.

Antes de descermos a Rua do Benfor-moso, no renovado Largo do Intendente, um prédio de esquina cinzento chama a atenção pela imponência da arquitec-tura que lhe deu um Prémio Valmor. Três lojas activas no rés-do-chão escondem o vazio. Além desses comerciantes, a única inquilina é a Casa do Concelho de Gouveia, que fez 62 anos no passado dia 1 de Dezembro. Longe está a animação de outros tempos, em que serões, tertúlias e bailes animavam o salão nobre com vista privilegiada para o largo.

GOUVEIA: A RENDA QUASE FATALEntre os grandes beneméritos da casa contam-se António Ferreira de Almeida, o visconde de Rio Torto, António Alçada ou mestre Abel Manta. Os serões literários da marquesa de Valverde, nos anos 60 do século passado, deram que falar. E a asso-ciação dinamizou também, durante déca-das, várias modalidades desportivas, como o futsal e o atletismo, responsabilizando-se ainda pelas férias de muitas crianças da região na colónia balnear O Século.

Joaquim Cabral, 74 anos, natural de Nespereira, e o jovem Pedro Almeida são os timoneiros desta associação. Adivinha--se, porém, que ela «tem os dias contados». «O aumento de renda que o senhorio nos impõe é impossível – quase dez vezes mais do que pagamos. E a Câmara Municipal de Gouveia não tem respondido aos nos-sos pedidos de ajuda», afirma o presidente Joaquim Cabral. A casa de Gouveia é um exemplo do ‘canto de cisne’ que se vive no associativismo regional. «As casas regio-nais», explica Joaquim Cabral, «têm hoje pouca força. Vivemos num mundo virtu-al. Criamos eventos no Facebook e toda a gente adere. Dizem que vêm, mas não vêm». Pedro Almeida, vice-presidente, corrobora: «O problema do associativismo é o mesmo da sociedade: as pessoas são incapazes de sair de sua casa. Antes vinham às casas para saber notícias da família, da terra. Hoje não sentem falta disso». Com centena e meia de sócios, me-tade dos quais pagantes regulares da

quota anual de 15 euros, esta casa com cinquenta anos de história foi impe-dida de fechar pelo actual presidente. Segundo Joaquim Cabral, o futuro passará por «um espaço comercial que seja uma montra da Serra da Estrela».

VINDIMA MINHOTA NA CIDADEMeia dúzia de metros depois do Inten-dente, entrando pela Rua do Benformoso, faz-se ouvir a animação de fim-de-sema-na. O Grupo Excursionista e Recreativo “Os Amigos do Minho” é uma das mais antigas associações criadas por minhotos em Lisboa e tem um carácter diferente das outras casas regionais. Nasceu a 8 de Dezembro de 1950 para levar excursio-nistas a conhecerem o verde Minho. Hoje, as portas do n.º 244 da Rua do Benfor-moso abrem-se aos fins-de-semana para receber bailaricos e almoços, sempre mui-to concorridos.

No salão, um conjunto amador toca a tarde inteira de domingo para fazer dan-çar gente de todas as idades: há viúvas que bailam aos pares, casais de idosos, jovens em princípio de relação. Vizinhos e alguns curiosos são o público domingueiro deste ninho de minhotos, que até tem um quin-tal coberto com uma frondosa vinha mo-rangueira – a vindima já foi feita e rendeu uns trezentos litros.

Como um informal mestre-de-cerimó-nias, Zé Ramada orienta o bar e o espaço das refeições onde se juntam os convivas, não necessariamente minhotos de gema. Destes restam poucos. Entre eles está Ben-jamim Esteves, nosso cicerone. Aos do-mingos, além do baile, há almoço. «Somos como uma família e há sempre comer para mais alguém», conta Benjamim, que ainda se recorda do tempo em que havia ali bai-les à sexta-feira à noite, ao sábado à tarde e ao domingo, à tarde e à noite. «Emprestá-vamos as salas aos grupos para ensaiarem, e eles davam um baile de borla».

Benjamim Esteves, 77 anos, natural de São Julião, em Valença do Minho, e ex-comerciante, é o vice-presidente des-ta associação que tem cerca de meia cente-na de sócios, com quota anual de 18 euros. Ele acredita que os tempos são de progres-so para esta casa. «Isto está a expandir-se, e até a câmara já se comprometeu a pôr uma nova fachada de azulejos». Trata-se do pro-jecto Lugar da Cerâmica dinamizado pela

ceramista Maria Caetano com o Largo Re-sidências, ao abrigo do programa munici-pal BIP/ZIP (Bairros e Zonas de Interven-ção Prioritária), com morada precisamente n’Os Amigos do Minho. «Muita gente nova está a fazer-se sócia» e frequenta o espaço que muitas vezes é cedido para reuniões e festas de mais de cem pessoas.

FEIRAS DA COVILHÃ EM RÉPLICANo mesmo lado da rua, o primeiro andar do n.º 150 alberga a Casa da Covilhã. De-pois de, nas décadas de 50 e 60, ter tido um nível de vida muito superior ao de Lis-boa, a cidade serrana já não é a poderosa capital de lanifícios e têxteis. Além disso, com as auto-estradas entretanto criadas, tornou-se menos distante.

António Vicente é o mentor do grupo de covilhenses que se reuniam, às terças, à mesa de um restaurante da Baixa. Saben-

do do marasmo a que ficou votada a casa do concelho em 2010 resolveu, com um grupo de conterrâneos, todos antigos alu-nos de escolas da Covilhã, candidatar-se à direcção para reactivar a herdeira do Grémio Covilhanense.

Os almoços mudaram-se para a Rua do Benformoso e começaram a nascer outras iniciativas: noites de fado, exposições, co-lóquios, lançamentos de livros e tertúlias. «O que podemos dar», diz um dos diri-gentes da Casa da Covilhã, José Rainha, «é boa vontade e espaço para actividades nas nossas instalações, em prol da comu-nidade, e gostávamos que a junta de fre-guesia fizesse essa interligação». Recorda: «O plano de recuperação da Mouraria foi construído aqui com o presidente da câmara, arquitectos e representantes da freguesia».Em Janeiro de 2014, a Casa da Covilhã faz 90 anos. No edifício onde está,

reportagem Texto Luísa RegoFotografia Carla Rosado

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 25ગુલાબ મારીયા

desde 1940, nem gentes com outros hábi-tos e culturas (Índia, China, Bangladesh e Paquistão) ou a prostituição na vizihança, criam distância. Parte dos sócios reside em Lisboa, outra na Covilhã. Uns e outros sabem que podem contar com dois gran-des momentos festivos por ano: as réplicas da Feira de São Miguel, no fim de Setem-bro, e da Feira de São Tiago, no Largo do Intendente, com apresentação de pro-dutos regionais, em Maio.

Apesar de António Vicente dizer que «se o associativismo é difícil nos clubes, ao nível do regionalismo é muito mais», o vice-presidente Carlos Fernandes con-

trapõe: «Com o grão-a-grão que as pessoas dão nas colectividades conseguem fazer--se coisas muito bonitas», como tertúlias temáticas na última terça-feira de cada mês. A casa conta com mais de centena e meia de sócios, entre os quais o mediáti-co político Marcelo Rebelo de Sousa.

IOGA, PIANO, FORRÓ, INTERNET...Do outro lado do Martim Moniz, a Rua da Madalena aloja duas outras casas re-gionais: a da Sertã e a de Lafões. Ao subir a rua, a primeira destas associações re-gionais agrega pessoas «pertencentes aos concelhos de Oleiros, Proença-a-Nova, Sertã e Vila de Rei e freguesias de Amên-doa e Cardigos, do concelho de Mação». Na agenda oficial da sua página na inter-net, durante a semana, as tardes registam actividades de artes performativas (clo-wn) às segundas-feiras, ioga (quatro dias

por semana), piano à quarta-feira, e tango à quinta-feira. Portas acima está a mais antiga e uma das mais dinâmicas casas re-gionais. São Pedro do Sul, Vouzela e Oli-veira de Frades formam os alicerces da Casa de Lafões – instituição de utilidade pública, nascida e criada na Rua da Mada-lena há mais de cem anos. É a única que abre todos os dias, a partir da tarde, para receber várias actividades: aulas de portu-guês para estrangeiros, tai-chi, forró, teatro e os almoços domingueiros, logo no iní-cio de cada mês, que juntam dezenas de associados à volta de iguarias feitas com produtos típicos, como a vitela de Lafões. Às sextas-feiras há baile.

O salão principal chegou a compor-tar duzentas pessoas e ainda tem o piano que animava os serões de outros tempos. Recebe concertos únicos – incluindo uma actuação da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Serviu já, por exemplo, para uma reunião da Assembleia Municipal e outras iniciativas do poder local – jun-ta e câmara –, permitindo eventos que requerem bastante espaço.

O segredo da boa saúde da Casa de Lafões ao longo de tantas décadas, diz Alberto Figueiredo, deve-se «à colónia la-fonense ser muito grande». Há dois anos, a casa tinha novecentos sócios e, apesar do interior ir ficando despovoado, e haver menos ligação à “terra”, gentes de outras latitudes, amantes da Mouraria, criaram laços afectivos com este local.

Alberto Figueiredo, associado há mais de trinta anos e presidente há quinze, foi praticante e árbitro de basquetebol, o que explica o carinho que tem pelas modalidades que se praticaram na Casa de Lafões – basquete, atletismo e modelis-mo, entre outras. É ele que nos apresenta os fundadores, com retratos expostos na

sala do mesmo nome, onde se reúnem também os troféus conquistados, uma biblioteca e o posto público de internet. O propósito que esteve na criação da Casa de Lafões, lembra, foi «congregar num espaço os que se queriam reunir para mi-tigar as saudades da região. Noutros tem-pos, para lá ir saía-se de Lisboa de comboio à meia-noite, para só chegar a meio do dia seguinte. Hoje, pomo-nos lá em duas horas, sem nunca infringir os limites de velocidade». Além disso, recorda Al-berto Figueiredo, a Casa de Lafões tam-bém foi «uma escola de adultos».

LAFÕES: MAIS E MAIS DINÂMICAOs tempos, agora, são outros. A casa «tem de arranjar fundos». Assim, quatro vezes por semana há aulas de forró com um professor que veio do Festival Andanças, tal como já houve tango argentino e espectáculos de

Sérgio Godinho e de outros artistas. A isso, e aos ganhos com o bar e os almoços men-sais, juntam-se as quotas de 85 euros por ano. Todavia, estudam-se novas áreas para dinamizar o espaço, como ténis de mesa, se possível em diálogo com a nova junta de freguesia.

Alberto Figueiredo sente-se em forma e é, aos setenta e alguns anos, o motor desta casa. «A vida está muito diferente», diz ele, que chegou menino (com 13 anos) a Lisboa. «Uma pessoa pega no computador e passa horas sem se deslocar. Não há o espírito de sacrifício a que fomos habituados». Sob a imponente foto de Manuel Rodri-gues de Abreu, sócio n.º 1, o actual pre-sidente vai esperar que termine a aula de forró que anima uma dúzia de bai-larinos, para finalmente fechar as por-tas, como quase sempre, já depois da meia-noite.

Casa de Gouveia: A subida da renda ameaça a continuação neste edifício de arquitectura premiada onde decorreram os animados serões literários da marquesa de Valverde

A Casa de Lafões tem os tradicionais almoços de domingo, mas também danças e várias aulas para todas as idades

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agenda cultural dobra das palavras

Batom. Um “bastão de cor” original-mente vermelha para colorir os lábios, é usado desde a Antiga Mesopotâmia como artifício de embelezamento, e terá mesmo sido proibido pela Igreja na Europa medieval, apelidado de «encarnação do diabo». Os efeitos «perversos» deste cosmético, de fab-rico inicialmente caseiro a partir de pigmentos de algas, iodo, chumbo, sebo e cera de abelhas, ecoam em diferen-tes épocas: na Inglaterra oitocentista o Parlamento chegou a propor a anula-ção de casamentos de mulheres que us-assem cosméticos antes do casamento. A associação deste tom carmim nos lábios com o das faces, pelo uso do rouge (outra palavra que nos ficou de origem francesa), estava conotada com mul-heres pouco respeitáveis e tal estigma só se dissipou com a libertação trazida pelos loucos anos 20. Aí, já o batom era fabricado industrialmente e comercial-izado por uma conhecida marca france-sa ainda hoje no mercado. Atualmente não se dispensa, obrigatório em qual-quer toilette (ou toalete) mais ou me-nos coquet(t)e, ou para simplesmente proteger os lábios das agressões do frio e do calor. Curiosamente, em francês, a denominação do nosso batom é rouge à lèvres (vermelho para lábios).

B.I. Francês

Número de falantes no mundo: 68,5 milhões

Variedades: Faladas nas diferentes regiões, nos diferentes países e continentes (francês canadiano, belga, parisiense...)

Família: Indo-europeia; Itálica; Românica; Galo-Romance. Primo em terceiro grau do português e do castelhano.

Geografia: Língua oficial de mais de 30 países, incluindo República Francesa, Bélgica, Benim, Camarões, Canadá, República Centro-africana, Chade, Comoros, Congos, Djibouti, Guiné Equatorial, Guiné Conacri, Guiana Francesa, Polinésia Francesa, Gabão, Guadalupe, Haiti, Costa do Marfim, Luxemburgo, Madagáscar, Mali, Martinica, Mayotte, Mónaco, Nova Caledónia, Niger, Reunião, Ruanda, Senegal, Seychelles e Suíça

Sistema de escrita: Alfabeto latino

Ranking: 16.ª língua mais falada no mundo

lipstick (inglês)rossetto (italiano)lápiz labial (espanhol)llapis de llavis (catalão)κραγιόν (grego)口紅(mandarim)губная помада (russo)લાલી (gujarati)লিপস্টিক (bengali)

Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1426

descubra as 7 diferenças

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Por João Madeira

MÚSICA

Fado l Casa da Severa Quintas, sextas e sábados, 19h-02h

l Restaurante O Forno Sábados, 13h-15h

l Bar Anos 60 Primeirasquintas-feiras de cada mês, à noite

l Tertúlias Fadistas No segundo sábado de cada mês, a partir de 11 Janeiro de 2014, 21h30 (entrada livre) Grupo Desportivo da Mouraria

l Escola de Fados do Mouraria2 Fevereiro de 2014, domingo, 15h (5€/pessoa) Grupo Desportivo da Mouraria

l Visitas Cantadas Sábados e domingos, Dezembro, às 16h (marcação prévia) Museu do Fado

Concertos/DJ Mercado de Fusão:Ngoma Mozambik e Dj Dupla Beats e News 21 Dezembro, sábado, 16h-17h e 17h-21h Dj John Player Special 22 Dezembro, domingo, 16h-20hDj Lucky 27 Dezembro, sexta, 16h-20h Gapura e Dj Fidel Selecta 28 Dezembro, sábado, 16h-17h e 17h-21h Dj Merry X-mas, Mr Antolin 29 Dezembro, domingo, 16h-20h

Karaoke Karaoke com acompanhamento musical ao vivo, pelo guitarrista João Madeira Quinzenalmente, às sextas, 22h30 Ass. Renovar a Mouraria

Reveillonl DJ Troc’opassos e Trio Latinidade Entrada livre, com oferta de espumante e passas | 31 Dezembro Ass. Renovar a Mouraria

l Jojo Reis, teclista e vocalista, concorrente do concurso Factor X, pelas 22h | Jantar em que cada um traz o seu farnel | Entrada: €7,50/pessoa | 31 Dezembro Grupo Desportivo da Mouraria

TEATROl Gato das Botas, o Herói Contra-Ataca 21 Dezembro, sábado, 16h | Peça Infantil Teatro Bocage

l Performances ao domicílio Projecto de inclusão social com peças criadas especialmente para o espectador, que assiste na sua própria casa | Colectivo de artistas Companhia Limitada, dirigido por Madalena Victorino – Ass. SOU /Largo Residências CINEMAl Ciclo “Vivendo e Aprendendo” – É possível viver sem aprender? Casa da Achada l “Adeus, Mr. Chips”, de Sam Wood, 1968 | 23 Dezembro, segunda, 21h30l “Se…”, de Lindsay Anderson, 1968 | 30 Dezembro, segunda, 21h30

l Noites de Cinema VHSTerças, 21h30 Ass. Renovar a Mouraria

LIVROSl Empréstimo de Livros Biblioteca Pública, Segundas, quintas e sextas às 15h-20h e sábados e domingos às 11h-18h Casa da Achada

l Direis que não é Poesia Com Pedro & Diana e Catarina Barros (organização Casa da Achada) 19 Dezembro, quinta, 20h | Local: Restaurante Alcaide, Rua de São Cristóvão n.º 32

l Livros das Nossas Vidas Cristina Almeida Ribeiro fala da poesia de Paul Éluard | 19 Dezembro, quinta, 18h | Sessões mensais sobre livros e autores referidos por Mário Dionísio Casa da Achada

EXPOSIÇÕESl Mário Dionísio – 50 Anos de tPintura Até 21 Abril de 2014 Casa da Achada

l Álbuns de Família, de Ana Maria Holstein Beck | Até 4 Janeiro de 2014 | De segunda a sábado, 10h-19h Arquivo Municipal de Lisboa – Núcleo Fotográfico

l Ordinários, de Nuno Tomás | Até 27 de Dezembro | De segunda a sábado, 9h30-17h Arquivo Municipal de Lisboa – Núcleo Fotográfico

l Fotografia: Chiaki Fujihara De 18 a 31 Janeiro de 2014 Galeria Colorida l Pintura: Ulisses Marquez, Natalhie Rocha e Elizabeth Saviano | De 18 a 31 Janeiro de 2014 Galeria Colorida

l Há Arte no SocorroExposição dos trabalhos realizados pelos utentes do Centro de Dia do Socorro, nas actividades de Arteterapia | Até 31 de Dezembro Ass. Renovar a Mouraria

WORKSHOPSl Prendas Sou eu Que as Faço 22 Dezembro, 15h30-17h30 | Com Eupremio Scarpa, fazer o que presta a partir do que não presta (a partir dos 6 anos; número máximo de participantes: 10) Casa da Achada

l Feito por Mim | Oficina de Azulejaria 1 Janeiro a 27 de Março 2014 | Terças e quintas, 15h-16h; 17h-18h | Valor: 10€. Informações e reservas: Maria Caetano, [email protected];Tel: 911 552 829

MERCADOSl Feira da Ladra Terças e sábados, das 6h-18h | Campo de Santa Clara | Informações: CML: [email protected] ou 218 170 800

l Feira das Almas Uma vezpor mês, com datas anunciadasno site, 11h-19h | Informações: [email protected] Ass. Taberna das Almas

l Mercadinho do Beco No último sábado de cada mês, 11h-19h | Informações: [email protected] Ass. Renovar a Mouraria

CONTACTOSArquivo Municipal de Lisboa – Núcleo FotográficoR. da Palma, 246, 1100-394 Lisboa Tel.: 218 844 060 arquivomunicipal.cm-lisboa.pt

Ass. Recreativa Taberna das AlmasRegueirão dos Anjos, 68-70, 1150-028 Lisboa Tel.: 965 293 703 | feiradasalmas.org

Ass. Renovar a Mouraria Beco do Rosendo, 8-10, 100-460 Lisboa Tel.: 218 885 203 ou 922 191 892www.renovaramouraria.pt

Casa da Achada/ Centro Mário Dionísio Largo da Achada, 11, r/c, 1100-003 Lisboa Tel.: 218 877 090 www.centromariodionisio.org

Galeria Colorida Costa do Castelo, 63/ Escadinhas Marquês Ponte de Lima, 1-A, 1100-335 Lisboa Tel.: 218 853 347 | www.colorida.biz

Largo ResidênciasLargo do Intendente, 19, 1100-285 LisboaTel.: 218 885 420; 926 235 379 largoresidencias.com

Mercado de FusãoPraça Martim Moniz, 1100-341 Lisboa Tel.: 927 943 671 | www.ncs.pt

Museu do FadoLargo do Chafariz de Dentro 1, 1100-139 Lisboa Tel: 218 823 470 | www.museudofado.pt

Os Amigos do Minho R. do Benformoso, 244, 2º, 1100-086 Lisboa Tel.: 218 862 667 Facebook: Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho

Teatro Bocage R. Manuel Soares Guedes, 13, 1170-206 Tel: 214 788 120 | www.teatrobocage.pt

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 27ગુલાબ મારીયા

«“Ó Ribeiro, não posso cantar com esta luz! Meu querido filho” – era assim que ele me tratava – “Eu não vou cantar, não pode ser. Só consigo cantar de noite!”» Microfones, guitarristas, técnicos, estava tudo a postos para gravar os temas do álbum O Fabu-loso Marceneiro. Mas o fadista não se convencia. O episódio faz parte das histórias da História do fado e passou-se na Mouraria, no Teatro Taborda.

É recordado por Hugo Ribeiro, hoje com 88 anos, que o viveu na primeira pessoa. Técnico de som da Valentim de Carvalho, captou as vozes e os sons de grandes nomes da música, do fado à música erudita ou popular. «Nós tínhamos um problema: não tínhamos guitarristas para gravar de noite porque, de noite, eles tocavam nas casas de fado. Por isso, as gravações tinham que ser de dia», explica Hugo Ribeiro. E a luz do dia, típica de Lisboa e da Costa do Castelo, inundava o teatro, cheio de janelas, algu-mas delas difíceis de tapar.

Nessa altura, anos 50 do século XX, era no velhinho Teatro Taborda que funcionava o estúdio de gravação da Valentim de Carvalho. A empresa alugou o espaço do teatro à Rádio Restauração, uma rádio de onda média. Antes, gravavam no Clube Estefânia – interrompidos pelo barulho dos pavões e pelos jogos de bilhar no andar de cima – e na Rua Nova do Almada, por cima da loja da Valentim de Carvalho. «Era impossível, não podíamos continuar», conta Hugo Ribeiro. «Depois, alguém falou no Teatro Taborda, na Costa do Caste-lo. É capaz de servir para gravar, que tem muito boa acústica. Eu fui lá ver, e o senhor Valentim também».

Entre o palco e um camarote, improvisaram o estúdio de gravação. Mais uma vez, a memória viva do técnico de som: «Vimos que tinha umas frisas de boca, que estão mesmo por cima do palco. Essa frisa, a gente transformou em cabine de som. Fechámos as portas, isolámos tudo e gravava-se no palco». Esse improviso viu nascer vários discos de referência da música portuguesa. Alguns de parto difícil, como O Fabuloso Marceneiro. Porque – e voltamos à história inicial – começaram-se vezes sem conta as gravações dos temas... que não chegavam ao fim.

«Ele dizia: “Eu, com esta luz, tenho lapsos de memória”. E eu respondia: “Ó ti’ Alfredo, não diga isso! Então, agora fica a gravação sem efeito?! Temos cá os guitarristas e tudo”». Era o primeiro álbum de estúdio de Alfredo Marceneiro, que se sen-tia bem nos ambientes obscuros das casas de fado, mas não a cantar para um microfone em pleno dia. Mas os doze temas nasceram após um estratagema inventado pelo técnico de som.

Hugo Ribeiro fala depressa e desfia memórias atrás de me-mórias, nomes atrás de nomes, histórias que se enredam umas nas outras e parecem não ter fim. «Gravei muita coisa e muita gente na Costa do Castelo. Gravei Maria Clara. Lembra-se da Maria Clara? A que cantava A Costureirinha da Sé. E os artistas daquele tempo: Tristão da Silva, Artur Ribeiro, Fernanda Maria, Maria de Lurdes Resende. Gravámos lá também as Melodias de Sempre. E, claro está, a Amália».

Um dia, Amália disse que era Hugo Ribeiro quem lhe captava a voz que sentia ser a dela. O técnico de som acompanhou gran-de parte da carreira da fadista. «A Amália tinha muita confiança em mim, quase não queria gravar com mais ninguém porque ela não gostava de cantar ao microfone», confidencia.

DA AMÁLIA AO TRIO ODEMIRA Foi no palco-estúdio da Costa do Castelo que nasceu um dis-co de culto da História do fado e da música portuguesa. Nada mais, nada menos, do que aquele que ficou conhecido como “o disco do busto”, por ter um busto de Amália na capa – também conhecido por Asas Fechadas, tema que abre o ali-nhamento, ou simplesmente Amália, como se lia na capa. Ali foram gravados temas intemporais, como “Estranha Forma de Vida”, “Povo que Lavas no Rio” ou “Maria Lisboa”. Editado em 1962, marcou uma viragem na carreira da fadista, que iniciava a sólida colaboração com o compositor Alain Oulman. Havia alturas em que o Taborda se transformava também num local de convívio, para criar um ambiente mais aconchegante para a gravação. «O Alain levava sempre umas garrafas de vinho do Dão, muito bom», sorri Hugo Ribeiro.

Também lá gravou Lucília do Carmo os temas do álbum Naquela Azenha Velhinha, de 1958. Mas nem só os grandes nomes do fado gravaram na Costa do Castelo. Também aqui se estreou aos microfones o Trio Odemira, cantando, entre outros temas, “Rio Mira” e “Cartas de Amor”. Temas em que, muitas vezes, foram interrompidas as gravações, por falta de insonorização. Hugo Ribeiro recorda como «aquilo estava tudo muito velho, tudo partido». E como, às vezes, lá se ia o trabalho... «As varinas

passavam e estragavam-me a gravação. E se passasse um avião por cima, ali no Castelo, a mesma coisa». Mas Hugo Ribeiro tem boas lembranças da Mouraria: «Quando passava na rua, ouvia as pessoas dentro de casa a cantarem o fado, e com boas vozes. Por isso achei sempre que a Mouraria era a terra do fado. Foi na altura em que havia também o Arco do Marquês do Alegrete. A Hermínia [Silva] teve um desgosto tão grande, quando aquilo foi abaixo!»

IMPROVISOS HISTÓRICOS A Valentim de Carvalho saiu da Costa do Castelo quando a Rádio Restauração, que lhe arrendava o espaço, fechou. Pouco depois, foi inaugurado o estúdio da Valentim de Carvalho em Paço D’Arcos, construído de raiz para acabar com os anos de casa às costas.

No Taborda, era o improviso que salvava as hostes. «Eu tinha uma campainha para chamar a atenção quando começávamos a gravar». Os truques do técnico tiveram de ser apurados, perante a determinação de Alfredo Marce-neiro. Lembrou-se do lenço que o fadista usava ao pescoço. «“Então, deixe cá ver o seu lenço.” E tirei-lho. Ele perguntou: “Para que é que me estás a tirar o lenço!?” Eu respondi que não era para lho tirar, mas sim para nos salvar. Atei-lho aos olhos. E ele respondeu: “Oh, é ainda melhor do que na casa de fados, não vejo mesmo nada!” Foi assim que O Fabuloso Marceneiro foi gravado. Os doze fados seguidos. Com uma pe-quena pausa ou outra, mas quase sem tempo para os guitar-ristas descansarem. No final, ele disse: “Foi como comer doze pratos de sopa”».

A fabulosa história doTeatro TabordaPelo estúdio da Valentim de Carvalho, improvisado na Costa do Castelo nos anos 50, passaram ícones do fado como Alfredo Marceneiro, Lucília do Carmo, Tristão da Silva e Amália. O técnico de som era Hugo Ribeiro. Hoje, aos 88 anos, recorda memoráveis episódios de bastidores.

Mouraria nas artes Texto Ana Luísa RodriguesFotografia Sandra Bernardo

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Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1428

Texto e Fotografia Ernesto PossoloOntem

e HOJE

Tempos de saudade, vidas difíceis, gran-des esperanças… Poderia ser a letra de um fado, mas são as estórias de vida dos homens da Mouraria que têm em comum os tempos de infância, das brin-cadeiras, da inocência e do convívio, que revivem as memórias, de alegrias e de tris-tezas – o Grupo dos Carneiros.

Mais de setenta anos passaram, tra-zem consigo, as recordações da Mouraria, a partir dos anos 30 do século passa-do. As décadas trágicas, do assassinato do bairro da Mouraria. Um bairro numa Lisboa moderna, desenhado a régua e esquadro, que figuras “iluminadas e futuristas”, dos finais do século XIX, pretendiam ver higiénico, estéril, sem pre-gões e vendedeiras, sem rufias e prostitu-tas, sem fado, sem cinema e teatro, sem tascas, sem o cheiro do vinho, do louro, dos orégãos, dos caracóis, da fava-rica e das iscas.

A Mouraria de Lisboa que os engenhei-ros, arquitectos e políticos, queriam ver arrasada visando a limpeza das memórias e das vontades do povo. Ao longo dos tempos, muitos governantes, políticos, escritores e jornalistas, abominavam e amofinavam a Mouraria que, apesar de enxovalhada, teimosamente resistia. Composta pelas camadas e arbítrios, da natureza e dos homens, tinha no seu compósito e colori-do mosaico a matriz orgânica do edifica-do e do povo de Lisboa. O povo lutador, trabalhador, sobrevivente, da sopa dos pobres, reacionário, revolucionário, nasci-do e criado, migrante, provinciano, anal-fabeto, letrado, rico, remediado e pobre. A Mouraria das artes e ofícios, do sapa-teiro, do tipógrafo, do funileiro, do ser-

ralheiro, do carpinteiro, do aguadeiro, do carvoeiro, do ardina, do engraxador, da apanhadeira, da costureira, da cama-reira, da peixeira, do carteirista, do polí-cia, da beata, do funcionário público, do comerciante, do motorista, do escri-turário, do prestamista, da alcovitei-ra, de muita gente de Lisboa. Justiça

seja feita aos olisipógrafos da época, como Norberto de Araújo, que litera-riamente registaram, explicaram e de-fenderam, a memória física e moral de matriz popular e pitoresca do bairro histórico da Mouraria.

O Grupo dos Carneiros foi fundado a 5 de Outubro de 1984. A sugestão foi

do Fernando Pereira (nascido e criado na Mouraria, emigrado na Alemanha) para os amigos de infância e vizinhos convive-rem, celebrando a amizade e os momen-tos partilhados.

Os fundadores do grupo são sete: António Batista Almeida, José Ferrei-ra, António Valente Pereira, Fernando Pereira, Augusto Santos Duarte, Fer-nando Costa e Vítor de Sousa. A origem do nome, conta-nos Fernando “Ba-guinho” Costa: «Naqueles tempos, ti-nhamos o hábito de imitar o bramir do carneiro – Mééé – espreitando pela porta, dentro da oficina de sapateiro, quando alguém passava, mas sem a intenção de querer faltar ao respeito a quem quer que fosse». E havia também o hábito de cumprimentar os amigos mais chegados assim:

Então ó carneiro!? O almoço de convívio realiza-se na pri-

meira semana de Outubro, mês da funda-ção do grupo. A partir dos anos 90, ficou decidido todos os anos convidarem mais um amigo de infância, tendo o grupo pas-sado de sete para catorze.

Em 1994, o saudoso António Batista Almeida, já falecido, juntou as memórias do grupo num documento policopiado, com o título A Saga dos Carneiros. A partir do início de 2000, as esposas começaram a participar nos almoços. Infelizmen-te, faleceram dois fundadores do grupo e cinco amigos de infância convidados. Entretanto a vida continua, celebram-na e vivem-na como podem, vão recordando saudosamente os amigos que partiram. Para o ano assim continuará caso a vida e a saúde o permitam.

OGrupo dosCarneiros

Em cima: António Batista Almeida, José Ferreira, António Valente Pereira, Fernando Pereira

Em baixo: Augusto Santos Duarte, Fernando Costa e o Vítor de Sousa

O Largo da Rosa foi palco de um evento muito especial em Setembro pas-sado. Houve leitura, música e dança, mas não foi uma festa. Ou, pelo me-nos, uma festa tal como costumamos entender as festas. Foi um “adeus” ao escritor e radialista angolano Artur Arriscado, que viveu na Graça. Falecera seis dias antes no Brasil, aos 69 anos, e nesse dia, 19 de Setembro, foi sepultado em An-gola, onde nasceu e viveu até vir para Portugal nos anos 80 por motivos de saúde, e depois para o outro lado do Atlântico. Na Mouraria realizou-se esta “festa” com os amigos e familiares que não puderam viajar. Porquê no Largo da Rosa? Porque por lá passou incontáveis fins-de-tarde a pintar e a conversar com a amiga Manuela dos Santos, organizadora desta despedida.

Na “festa”, leram-se, claro, excertos das suas obras, com destaque para Tatchi – Força e Sakalumbu – O Contador de Histórias, um registo de memórias sobre as crian-ças angolanas, com grande influência do seu pai minhoto e mãe angolana. «A lin-guagem do Artur era a linguagem do cidadão do mundo. Eu aprendi isso com ele. E se és um cidadão do mundo, tens de entrar na Mouraria, em Alfama, na Graça», conta a amiga-irmã Manuela.

«A sua fabulosa capacidade de recuperação e de manter a força aními-ca desarma qualquer um», escreveu o jornalista Ladislau Silva, no jornal an-golano O País, no dia da sua morte. A doença atacou-o antes dos trinta, mas a vitalidade foi a sua imagem de marca até ao fim. Os amigos chamavam-lhe

Coronel Hoffman, como o personagem de um dos seus livros, de carácter forte e respeitável. Sobreviveu a um longo período de coma e, mesmo sobre próteses, manteve-se «galante, espadaúdo e exímio dançarino», nos adjectivos de Ladislau Silva.

A «sagacidade profissional sempre em evidência» foi destacada pelo Ministério da Comunicação Social angolano na mensagem de condolências. Artur Arris-cado gravou o hino nacio-nal angolano, produziu música infantil, par-ticipou na primeira Antologia da Música Urbana de Angola e foi director técnico da Rádio Nacional de Angola. Falava «a linguagem do respeito».

obituário Texto Marisa MouraIlustração Ernesto Possolo

Artur Arriscado (1944-2013), o cidadão do mundo

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Rosa Maria n.º 6dezembro ’13 · junho ’14 29ગુલાબ મારીયા

voxmourisco

Dificilmente a família Capelo passa des-percebida na Mouraria. O afável senhor Capelo é dono do supermercado Spar na Rua da Mouraria e de mais três lojas, logo ao lado, na Rua do Benformoso, de pronto--a-vestir e acessórios. Todos ali tra-balham. O pai Carlos, a mãe Lurdes e os filhos Paula e João – de 41 e 36 anos, respectivamente.

Tudo começou nos anos 60 quan-do uma fábrica de cintos e braceletes de relógio, transformada depois numa loja de quinquilharias, se instalou na Rua do Capelão. Era o negócio de Manuel Capelo, um homem vindo do Sabugal, zona da Guarda, para fazer a tropa em Lisboa. Aqui casou com uma rapariga da sua terra que, por cá, trabalhava “a servir”: Maria de Lurdes de Jesus. Desse casamento nasceu um rapazinho chamado Carlos Capelo que hoje, aos 63 anos, é dos rostos mais co-nhecidos da Mouraria, sempre aten-cioso com toda a gente, dos clientes aos empregados.

O empreendedorismo está no san-gue deste clã. Carlos estreava-se no trabalho, aos 16 anos, na loja de quin-quilharias do pai, antes de terminar o curso geral de comércio. Depois

trabalhou num escritório que fazia a con-tabilidade da rede holandesa de super-mercados Spar e assim se interessou pe-las mercearias. Começou com uma loja da rede Maxigrula, trocou-a pela Ponto

Fresco e adiante, há quatro anos, pela Spar. Os seus filhos (netos de Ma-nuel) seguem-lhe as pegadas. Paula frequentou o primeiro ano da licen-ciatura de Direito, mas também veio parar às lojas. João, rosto habitual no supermercado, estudou contrabaixo durante dois anos no Conservatório.

A família trabalha junta e vive junta também. São já quatro ge-rações sob o mesmo tecto. Paula tem dois filhos, bisnetos de Maria de Lurdes de Jesus e do patriarca Manuel. Este, todavia, aos 87 anos partiu. Faleceu no passado mês de Novembro. A Mouraria, contudo, não é a morada pessoal dos Capelo. O senhor Carlos nasceu aqui e cá es-teve até aos três anos. Depois a famí-lia mudou-se para o Alto do Pina e, nos anos 70, para a Parede, até hoje. «Mas ainda cá vivemos uns dois anos quando casámos», ressalva Lurdes (Lurdes, como a sogra). Para Carlos não há grandes diferenças. «É como se ainda cá vivesse, passo aqui mais de doze horas, por dia, a trabalhar».

Sim, costumo. Em várias mercearias do bairro e com muito gosto. Tenho orgulho em dizer que temos produtos de qualidade. Em relação à roupa não existe muita oferta, com muita pena minha.> Paula Marques/38 anosEmpregada de balcão Trabalha na Rua do Benformo

Sim, mercearias. E costumo ir ao Madeira comprar malas e carteiras, bijuteria e material de escritório. Na minha opinião fazia falta uma loja de roupa.> Eunice Paula Santos/53 anosEmpregada de escritórioTrabalha na Rua do Benformoso

Não costumo. A minha vida é trabalho-casa e casa-trabalho. Chego ao trabalho por volta das dez da manhã e vou para casa às dez da noite. Quando vivia aqui na Mouraria costumava frequentar o Centro Comercial Mouraria e fazia compras na mercearia do senhor Domingos na Rua São Pedro Mártir.

> António Mateus/43 anos · Empregado no ramo da hotelariaTrabalha na Esplanada da Mouraria há 28 anos

Sim. Alimentação, roupa de casa e vestuário nos armazéns aqui na rua.> Carlos Encarnação/48 anosSapateiroTrabalha na Rua Poço do Borratém

Sim. Na peixaria da Rua do Capelão, frango assado no Largo do Terreirinho, na Farmácia Ferrão… E tomo o pequeno-almoço na Leitaria Moderna na Rua de São Cristóvão.> Sandra Sapage/36 anosComerciante no sector da hotelariaTrabalha na Rua de São Cristóvão

Faço sempre. Sou cliente habitual do Carlos Capelo e só compro produtos nacionais.> Fernando Bilro/69 anos ElectricistaMorador na Rua da Guia

Claro que sim. Mercearias no supermercado Spar, na peixaria do Capelão, frutas no ti’ Jaquim (que fechou agora há dias). Na farmácia... E compro roupa no Centro Comercial Mouraria.> Isilda Alcocide/30 anosCopeiraMoradora na Travessa do Jordão

Sim. Mas geralmente, para grandes compras, vou aos supermercados porque fica mais em conta. Roupa de casa e pijamas costumo comprar na Rua da Palma, no “pequeno comércio”.> Alice Almeida/51 anosComerciante no sector da hotelariaTrabalha na Rua do BenformosoCo

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Sempre juntos

Entrevistas e Fotografia Rodrigo Barata e Joana Rocha

retrato de família Texto Teresa Teles de Almeida Fotografia Carla Rosado

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Arroz da Índia (12 doses)

· 0,5 kg de milho branco

· 1 embalagem de 200g de leite de coco concentrado

· açúcar q.b.

· 1 pitada de sal grosso

Cozer o milho durante duas horas (na panela de pressão, uma hora). Acrescentar o leite de coco, mistu-rar e acrescentar açúcar a gosto e uma pitada de sal. Deixar cozer cerca de 20 minutos. Colocar em recipientes individuais de imedia-to e deixar arrefecer. Preferen-cialmente não levar ao frigorífico e consumir no prazo de dois dias.

Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘1430

«É o único restaurante são-tomense em Lisboa», diz o senhor Adelino, que há quinze anos abriu o seu espaço na Rua das Farinhas. A esposa é a cozinheira e o filho mais novo ajuda sempre que necessário. Os filhos mais velhos também são requisitados quando há mais movimento. O senhor Adelino fala da sua terra com saudade e orgulho, explicando que a maior parte dos ingredientes para confeccionar os pratos típicos de São Tomé não se encontram em Lisboa, sendo necessário encomendar, ou o próprio trazê-los quando vai a São Tomé. Nada como começar uma refeição n’A Cartuxinha – nome herdado do anterior restaurante alentejano que ali existia – , com uns deliciosos pastéis de peixe. A ementa é longa, com opções que incluem pratos angolanos, cabo-verdianos e até portugueses, para agradar a todos. Das opções são-tomenses destaca-se o tradicional Calulú, os pratos vegetarianos e o cozido de banana (com peixe). Como sobremesa, destaque para o Arroz da Índia que curiosamente não leva arroz. Trata-se de uma iguaria levada para São Tomé por um povo da Índia, servida na casca do coco. Estas especialidades têm fidelizado clientes, «que até do Porto vêm», conta o senhor Adelino, que também reconhece que a recente divulgação do bairro da Mouraria tem trazido ao seu restaurante novas pessoas.

Cozido de banana (1 dose)

· 1 peixe (chicharro)

· 3 rodelas de cebola

· 1 dente de alho

· 1 pitada de sal grosso

· azeite q.b.

· 2 rodelas de tomate

· 1 banana pão

· óleo de palma

· piripiriO peixe:Amanha-se o peixe. Corta-se finamente e tritura-se uma rodela de cebola e um dente de alho, com uma pitada de sal grosso. Mistura-se bem até se tornar uma massa, para barrar o peixe por dentro e por fora. Deixar marinar durante trinta minutos. Num tacho, colocar um pouco de água no fundo, colocar o peixe, que não deve ficar submerso, e por cima um fio de azeite, duas rodelas de cebola e outras duas de tomate. Deixar ferver mantendo o lume baixo para a água não evaporar. Cozinhar por uns vinte minutos.

A banana-pão:Descascar a banana-pão, cortar em duas ou três partes e fazer um corte longitudinal em cada uma delas, para cozer mais facilmente. Num tacho, submergi-las em água, deixar ferver e cozer por uns quinze minutos até ficar mais amarela e mole.

Servir colocando primeiro o óleo de palma no fundo do prato com um pouco de piripiri, e depois o peixe com o seu caldo e a banana-pão por cima do óleo.

José Gonçalves Ferreira nasceu a 12 de Outubro de 1940 na freguesia de Cabra-ção, concelho de Ponte de Lima. Criado em meio rural, por entre montanhas onde deambulava o gado caprino, símbolo da junta de freguesia local, veio para Lisboa com 12 anos.

O pai era dono de uma taberna-carvoaria, no Beco dos Surradores, na an-tiga freguesia de São Cristóvão – a dois passos da Baixa. Viviam nas traseiras desta taberna, num anexo. Mais tarde foi para a Póvoa de Santa Iria. Na car-voaria vendia-se também lenha, serradura, petróleo e greda, uma espécie de barro. O pequeno Zé estudou na Escola n.º 10, que funcionava na Calçada do Marquês de Tancos, perto da Igreja de São Cristóvão. Nesse tempo, o Daniel, responsável pela gestão da casa, coadjuvava o pai do Zé na lida do estabelecimento. Foi com ele que Zé aprendeu os segredos do negócio que, já adulto, viria a ser seu.

Casou com Maria Aurora Matos, com quem viveria até à data do seu falecimento. Trabalhavam ambos na casa, ela como cozinheira e ele como gerente. Estava sempre pronto a atender e prestável para com os clientes. De sorriso no rosto.

Começou por ser conhecido como Zé Carvoeiro. Só muitos anos depois, por ter trazido uns cornos que aplicou na casa num lugar de grande visibilidade, os amigos passaram a chamar-lhe Zé dos Cornos.

Contam-se dele episódios bem engraçados. Um morador do bairro e amigo chegado, António Brito, 61 anos, oriundo de Arcos de Valdevez, recorda certa madrugada na altura da revolução de Abril de 1974, em que Zé foi dar um passeio no seu Volkswagen, como era costume, e passa pelo Rádio Clu-

be Português, na Rua Sampaio e Pina, ao Marquês de Pombal. O local era vigiado pelo exército. Zé desafia três amigos soldados, que sabia estarem ali de serviço, a tomarem um copo na taberna.

A farra foi tal que se esqueceram das suas metralhadoras no banco de trás do carro. Nos dias de revolução, no 25 de Abril e no 1.º de Maio, estava tudo fechado em Lisboa, mas o amigo Zé manteve-se aberto e juntou-se aqui muita gente de Lisboa. Era o tempo em que os presuntos eram muitos e estavam pendurados. Havia vinho verde e morangueiro,

e saía todo do barril. O vinho corria e comemorava-se Abril na Mouraria.

obituário Texto Nuno FrancoIlustração Hugo Henriques

Raridade São-Tomense

A CartuxinhaR. das Farinhas, n.º7, Lisboa

9644 972 956

José Ferreira (1940-2013),

O Zé dos Cornos

Texto e Fotografia Rita Pascácio

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A CartuxinhaR. das Farinhas, n.º7, Lisboa

9644 972 956

Page 32: Rosa Maria nº6

banda desenhada Texto e IlustraçãoNuno Saraiva

Rosa Maria n.º 6dezembro ‘13 · junho ‘14

Vanessa Dias integrou a equipa que preparou um jantar popular no passado mês de Outubro, na Rua da Guia

Uma vez, num arraial de Santo António, es-tava a dançar em cima do palco, escorregou, caiu. Para uma criança, ainda mais para uma criança pequenina, era uma distância assus-tadora do palco ao chão. Vanessa magoou-se mas não deixou de dançar. Chegou a dançar na televisão em programas como o “Somos Portugal” depois de ter feito figuração em programas para miúdos como o “Buéréré”. Acaba de participar numa gravação da nove-la da SIC, “Sol de Inverno”.

SONHA SER CABELEIREIRAVanessa Dias é anã e toda a gente gosta de ver uma anã dançar mas, ninguém acredita que possa ter uma carreira a sério. Do que ela mais gostava, no entanto, mais do que ser dançarina ou actriz, era de ser cabeleirei-ra, como a sua mãe, que também é anã. Não sabe se algum dia conseguirá. Acha que não será fácil para ela encontrar emprego porque, em qualquer área, é mais difícil uma pessoa anã conseguir trabalho, sobretudo numa altura em que as filas se alongam no centro de emprego.

As ruas da Mouraria, mesmo as que são frias, mesmo as que estão sujas, até aquelas onde há tantos idosos que Vanessa gostaria de poder ajudar e não pode, são confortáveis para ela. Quando anda nas ruas da Mouraria, ela não é anã; é simplesmente pequena e os outros são grandes. O seu namorado, conta, é grande, veio da Nazaré mas a Mouraria já o adoptou. Querem, ambos, fazer a sua vida na Mouraria.

«Daqui ninguém me tira», diz, senta-da num banco no Largo da Severa, o sol de Outono a reflectir na casa da fadista mítica, pintada de um branco fresco, quase ofus-cante. Vanessa está acompanhada de uma menina de três anos, uma de duas crianças de quem toma conta durante o dia. A rotina dela é feita entre poucas ruas. Leva as miú-das muitas vezes ali ao lado, ao novo parque infantil, com o qual Vanessa não cresceu. A Mouraria daquelas crianças será outra, mas Vanessa, aos 26 anos, ainda é nova para sentir saudosismo. Gosta das mudanças. Gosta de ver os turistas a aventurarem-se para dentro da Mouraria. Sente-se orgulhosa quando os

vê a admirarem o bairro. É precisamente para o parque infantil que elas se afastam. A Va-nessa é apenas um pouco mais alta do que a

criança loura, mas qualquer coisa no rabo-de--cavalo moreno a abanar denuncia que é mu-lher e que tem a irreverência que é preciso.

da capa à contracapa Texto Susana Moreira MarquesFotografia Carla Rosado

p p p p

Vanessa Dias

Daqui ninguém a tira