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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Estreito de Ormuz: o acirramento da Competição Estratégica entre Estados Unidos e Irã (2003-2013) Jessika Tessaro Rucks 1 Resumo O presente artigo visa analisar o papel do estreito de Ormuz no acirramento da Competição Estratégica estabelecida entre Estados Unidos América e Irã. O estreito de Ormuz, localizado na região do Golfo Pérsico, é um dos principais pontos de estrangulamento marítimo no sistema internacional, devido à sua relevância em termos econômicos, políticos e estratégicos. Em vista disso, pretendem-se examinar o papel do estreito na dinâmica da competição EUA-Irã, entre 2003-2013. Assim, busca-se averiguar quais são os fatores que estabeleceram a competição entre os dois países. Em seguida, o estudo visa analisar os condicionantes que tornam Ormuz um chokepoint. Por fim, visa-se observar como os custos e capacidades de guerra assimétrica inviabilizaram que a competição estratégica fosse conduzida para um contexto de guerra. Espera-se como resultado oferecer uma melhor contextualização e compreensão acerca das dinâmicas do estreito de Ormuz e para o estudo das Relações Internacionais Contemporâneas. Palavras-chave: Estreito de Ormuz; Irã; Estados Unidos; Competição estratégica; Chokepoint. Introdução Desde os tempos longínquos os mares e oceanos desempenham papel protagonista na história mundial. As principais rotas marítimas se estabeleceram a partir do século XV e XVI, quando ocorreu o advento das grandes navegações, resultantes do mercantilismo e da evolução da engenharia naval. Nesse período os mares e oceanos ganharam importância em termos teóricos, com a publicação da obra “The Influence of Sea Power upon History, 1660-1873” de Alfred Thayer Mahan 2 , no qual argumentava que a base do poder das grandes potências estava na sua capacidade de controlar fluxos marítimos, logo, o comércio internacional. Nesse sentido, a obra de Mahan sustentava que “o controle dos mares, e em especial o controle de passagens marítimas de importância estratégica, constituía um elemento crucial para alcançar o status de grande potência.” (apud DOUGHERTY, 2003, p. 204). 1 Mestranda do Programa de Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [email protected] CAPPES. 2 Alfred Thayer Mahan (1840-1914) era um oficial da Marinha americana, suas obras e pensamentos influenciaram diversos políticos e teóricos.

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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Estreito de Ormuz: o acirramento da Competição Estratégica entre Estados

Unidos e Irã (2003-2013)

Jessika Tessaro Rucks1

Resumo

O presente artigo visa analisar o papel do estreito de Ormuz no acirramento da Competição Estratégica estabelecida

entre Estados Unidos América e Irã. O estreito de Ormuz, localizado na região do Golfo Pérsico, é um dos principais

pontos de estrangulamento marítimo no sistema internacional, devido à sua relevância em termos econômicos, políticos

e estratégicos. Em vista disso, pretendem-se examinar o papel do estreito na dinâmica da competição EUA-Irã, entre

2003-2013. Assim, busca-se averiguar quais são os fatores que estabeleceram a competição entre os dois países. Em

seguida, o estudo visa analisar os condicionantes que tornam Ormuz um chokepoint. Por fim, visa-se observar como os

custos e capacidades de guerra assimétrica inviabilizaram que a competição estratégica fosse conduzida para um

contexto de guerra. Espera-se como resultado oferecer uma melhor contextualização e compreensão acerca das

dinâmicas do estreito de Ormuz e para o estudo das Relações Internacionais Contemporâneas.

Palavras-chave: Estreito de Ormuz; Irã; Estados Unidos; Competição estratégica; Chokepoint.

Introdução

Desde os tempos longínquos os mares e oceanos desempenham papel protagonista na

história mundial. As principais rotas marítimas se estabeleceram a partir do século XV e XVI,

quando ocorreu o advento das grandes navegações, resultantes do mercantilismo e da evolução da

engenharia naval. Nesse período os mares e oceanos ganharam importância em termos teóricos,

com a publicação da obra “The Influence of Sea Power upon History, 1660-1873” de Alfred Thayer

Mahan2, no qual argumentava que a base do poder das grandes potências estava na sua capacidade

de controlar fluxos marítimos, logo, o comércio internacional. Nesse sentido, a obra de Mahan

sustentava que “o controle dos mares, e em especial o controle de passagens marítimas de

importância estratégica, constituía um elemento crucial para alcançar o status de grande potência.”

(apud DOUGHERTY, 2003, p. 204).

1Mestranda do Programa de Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [email protected] CAPPES. 2 Alfred Thayer Mahan (1840-1914) era um oficial da Marinha americana, suas obras e pensamentos influenciaram

diversos políticos e teóricos.

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Outra importante obra para compreender as dinâmicas da geopolítica e geoestratégia

marítima é a obra de Julian S. Cobertt3, intitulada “Principles of Maritime Strategic”. Para Cobertt,

as grandes potências, ao perceberem que as Sea Lines of Communication (SLOCs) são sensíveis em

determinados pontos focais - como estreitos, canais e gargalos - passaram a dominar e controlar

essas regiões. Nesse aspecto, a capacidade de um Estado controlar as SLOCs e os fluxos de

comércio internacional é dada pelo poder da sua marinha de guerra, portanto, essa não servirá

apenas para proteger as suas linhas de comunicação, mas também para atacar o inimigo.

Observam-se ainda importantes contribuições do conceito de Rimland4 de Nicholas

Spykman, que defendia uma estratégia intervencionista dos Estados Unidos da América durante o

período entre guerras, para conter a expansão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS). Nesse sentido, Spykman argumentava que "quem controla o Rimland governa Eurásia;

quem governa Eurásia controla os destinos do mundo" (apud, FETTEWIS, 2000, online). Essa

região que circunda a Eurásia servia como um tampão entre o poder marítimo e o poder terrestre, o

que deu relevância estratégica ao Irã.

É válido observar ainda, as contribuições da teoria da contenção, proposta por George

Kennan (GADDIS, 1982, p. 25-53), que argumentava que os EUA e a URSS eram adversários em

razão de questões ideológicas e geoestratégicas, mas que o governo estatunidense não iria tentar

eliminar o regime comunista, por conta dos custos de uma guerra nuclear, mas apostaria suas

estratégias em uma política externa de longa duração focada na conteção do comunismo. Além

disso, realismo ofensivo de John Mearsheimer, em A tragédia da política das grandes potências

(2007), é de grande valia para compreender a projeção de poder das grandes potências na região do

Golfo Pérsico.

As Linhas Marítimas de Comunicação ganharam valor estratégico, sobretudo, a partir da

segunda metade do século XX, devido à expansão do comércio mundial e dos mercados de

hidrocarbonetos, o que Klare (2008) denominou como a geopolítica da energia, e acabou por

constituir verdadeiros chokepoints ao longo das SLOCs. É possível, segundo esse viés, observar a

maximização de poder que abrigam as intenções das grandes potências, que recorrem à ação

ofensiva para aumentar a segurança e garantir sua sobrevivência.

3 Julian S. Cobbertt foi um historiador da Guerra naval e influenciou o debate da estratégia naval até a metade do séc.

XX. 4 Rimland ou anel marítimo é o termo utilizado por Nicholas Spykman para definir a região costeira ou fimbrias

marítimas que circundam a Eurásia. Segundo o autor, controlar a região do Rimland é mais importante que controlar o

Heartland, em referência à teoria do poder terrestre de Halford John Mackinder.

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O presente artigo tem como propósito analisar a importância do estreito de Ormuz na

competição estratégica estabelecida entre os Estados Unidos da América (EUA) e a República

Islâmica do Irã. O estudo parte da constatação que Ormuz é um ponto de estrangulamento

estratégico no sistema internacional, em razão da sua relevância em termos geográficos, políticos e

econômicos. No entanto, para compreender porque Ormuz é considerado um gargalo marítimo

internacional é preciso fazer algumas distinções.

Dessa forma, os estreitos caracterizam-se por serem acidentes geográficos, provocados, por

exemplo, pela ruptura de placas tectônicas, que distanciam razoavelmente duas porções de terra:

dois continentes, duas ilhas, ou um continente e uma ilha. Alguns estreitos são denominados

estreitos internacionais, por terem caráter fundamental para o comércio mundial, a navegação ou a

segurança de seus Estados Costeiros. Nesse aspecto, os chamados estreitos internacionais “não

podem ser compreendidos, do ponto de vista estritamente geográfico, mas, justamente, ganharão

sentido do ponto de vista estratégico, como rotas de passagem, vias de comunicação e de transporte

internacional” (CASELLA, 2009, p. 444). Apesar de alguns autores divergirem sobre a definição e

a quantidade de estreitos internacionais, MARTÍN (2010, p. 44) assinala a existência de três

elementos que constituem uma espécie de “Santíssima Trindade” para distinguir os estreitos

utilizados para a navegação internacional: a geografia, o componente legal e a funcionalidade.

Nessa ordem, o componente geográfico estabelece a questão física, ou seja, as propriedades

que compõem qualquer estreito e que, portanto, deve ser uma passagem natural que separe duas

porções de terra e una duas porções marítimas. Já o componente legal determina que a largura do

estreito em algum ponto ou em toda a sua extensão não pode ultrapassar 24 milhas (44 km),5 ou

seja, a soma do mar territorial de cada Estado costeiro - 12 milhas (22km). Por fim, elemento

funcional de cada estreito é bastante variável, de acordo com Brüel (apud MARTÍN, 2010, p. 53-

54) para reconhecer um estreito como estreito internacional é necessário examinar quantos navios

passam pelo estreito, o total de tonelagem, o valor da carga e quantas nações utilizam essa rota.

Alguns desses estreitos internacionais são denominados de pontos de estrangulamento, ou

chokepoints, devido a sua relevância geoestratégica e geoeconômica. Cabe frisar, entretanto, os

estreitos são acidentes geográficos, já os chokepoints referem-se a um conceito teórico utilizado nos

estudos de segurança internacional e se aplica apenas a alguns estreitos com relevância estratégica.

Os chokepoints, de acordo com Alexander Lewis (1992, p. 503-509), possuem três características

5 1 milha náutica equivale a 1,852km.

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basilares: Primeiro, é um corredor que pode ser facilmente bloqueado, tanto para fins militares

quanto comerciais. Segundo, não deve existir uma rota prontamente disponível em caso de bloqueio

do estreito. E, por último, os chokepoints devem deter valor crucial para vários Estados.

Na definição e distinção dos chokepoints o comprimento dos estreitos e canais não

corresponde a um elemento determinador, ao contrário das ilhas e plataformas que são vistas como

entraves à navegação internacional. Além disso, a capacidade física do estreito torna-se um

elemento importante, sobretudo porque mais próximo do limite estiver a sua capacidade de

operação, mais instável é a navegação, mais tensa é a situação política, mais esforços são

necessários para manter a segurança do tráfego (RODRIGUE, 2004, p. 360). Logo, esses

condicionantes podem transformar um gargalo marítimo em um chokepoint do sistema

internacional.

Dada à contextualização, a delimitação do estudo é feita a partir de critérios analíticos,

cronológicos e geográficos. Assim, de forma introdutória o artigo pretende operacionalizar o

conceito de “Chokepoint”. Quanto aos critérios cronológicos, o estudo terá como marco o período

situado entre 2003 e 2013, o qual compreende o desaparecimento do Iraque como ator regional, e o

acirramento da Competição Estratégica entre EUA e Irã. Logo, é natural que a delimitação

geográfica dar-se-á pelo próprio posicionamento do estreito de Ormuz e sua projeção sobre o Golfo

Pérsico.

O estudo tem como base analisar o papel do estreito de Ormuz na competição estratégica

estabelecida entre Estados Unidos e Irã. Partindo desse pressuposto inicial, observa-se que a

Competição Estratégica é uma disputa entre potências, que podem ter capacidades assimétricas, e

que essa competição torna-se possível em virtude de um estreito com caráter internacional. Esse

panorama propõe a assertiva de que os chamados chokepoints dispõem de relevância que

transcende a região ao seu entorno.

Logo, o artigo foi divido em três seções, procurando fazer um resgate teórico qualitativo

sobre o tema. Primeiramente, propõem-se averiguar os eventos que promoveram a ruptura das

relações, e que posteriormente acirraram a competição estratégica entre EUA e Irã. Já a segunda

seção do trabalho visa examinar a relevância estratégica de Ormuz, procurando observar porque o

estreito é considerando um chokepoint do sistema internacional. Posto isso, a última seção pretende

analisar os desafios militares no estreito, atentando para as capacidades assimétricas iranianas,

assim como para o pocionamento dos Estados Unidos diante das estratégias A2/AD (Anti-

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Access/Area Denial) do Irã. Desse modo, objetiva-se averiguar como o estreito de Ormuz tem sido

um fator de barganha e contenção na competição estratégica. Por fim, são apresentadas as

considerações finais.

1. A competição estratégica entre Estados Unidos e Irã

A configuração do estreito de Ormuz em um chokepoint é um elemento importante na

Competição Estratégica existente entre os Estados Unidos e o Irã. Essa competição estratégica, de

acordo com Anthony Cordesman (2011), abrange os setores da energia, da economia, comércio, das

sanções impostas pelo ocidente em razão do programa nuclear iraniano, cruzando ainda com

questões de âmbito bilateral e multilateral formando um complexo eixo de competição entre os dois

países. Nessa perspectiva, Cordesman (2011, p. 6-10) assinala que a competição estratégica entre

Estados Unidos e Irã envolve tipos e níveis distintos de competição, tais como: Ideologia, religião e

sistema político; Terrorismo, extremismos, ações paramilitares; Energia, sanções, e impactos

econômicos globais; Exportações, importações e controle de armas; Diplomacia; e Competição

Militar.

Dentre esses, a competição militar é a que implica em maiores riscos, tencionando as

relações e a dinâmica do Golfo Pérsico. Contudo, esses níveis de concorrência são intrínsecos um

ao outro, e vem moldando a competição entre os dois países ao longo de quase quatro décadas. Para

compreender as razões que estabeleceram um cenário de competição entre Irã e Estados Unidos,

bem como o seu acirramento a partir de 2003, é preciso retroceder até primeira metade do século

XX, quando os dois países ainda desenvolviam relações amistosas.

Na primeira metade do século XX o Irã ganhou relevância no sistema internacional tanto em

termos geopolíticos quanto geoestratégicos. Com a revolução dos transportes6 o petróleo tornou-se

o principal produto estratégico no mundo moderno. Nesse período, mais precisamente entre 1908 e

1950, as grandes potências e sobretudo grandes empresas petrolíferas agiam com total autonomia

dentro do Irã, priorizando seus interesses e pagando mínimas taxas para a exploração do petróleo.

Além disso, com o surgimento da Guerra Fria, a posição geográfica do Irã tornou-se estratégica

para política norte-americana de contenção à expansão da influência da ex-União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas, que também buscou controlar a exploração de petróleo no Irã (PECEQUILO,

6 Entre o final do século XIX e início do século XX ocorreu o advento da indústria automobilística, da engenharia naval

e aeronáutica.

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2009, p. 140). Assim, de acordo com Brzezinsk, os Estados Unidos deveriam fortalecer suas

relações com o Irã, que era um estado-pino para conter a penetração dos soviéticos (1987, p. 271-

283).

Após o golpe em 1953, o Xá Reza Pahlevi governou como um ditador, respaldado pelo

SAVAK (polícia secreta do Xá), submetendo o parlamento a papel secundário, mas promoveu um

programa de modernização acelerada, baseado na industrialização e urbanização que no fim

acentuaram os desequilíbrios econômicos e sociais, a corrupção e a especulação no país

(MASSOULIÉ,1996, p. 116). A partir de 1953, com o contexto da Guerra Fria, as relações entre os

dois governos iam muito além de relações comerciais, haja vista que os Estados Unidos

influenciavam nas decisões internas, desde golpes até políticas adotadas do Estado iraniano.

Segundo Karmal (2007, p. 262), se estabeleceu uma espécie de regime clientelista do Irã para com

os Estados Unidos, entre as décadas de 1960 e 1970, o que foi extremamente importante para a

estratégia dos Estados Unidos de segurar reservas de petróleo na região do Golfo Pérsico. Em

paralelo, o governo dos Estados Unidos incentivou o Irã a se tornar uma potência regional no

Oriente Médio, facilitando a compra de armamento bélico norte-americano, além de dispôr seus

agentes de inteligência para treinar as forças armadas iranianas.

A competição estratégica entre Estados Unidos e Irã tem sua origem na perda do controle

ocidental sobre o Estado iraniano, a partir da Revolução Iraniana (1979) e da Guerra Irã-Iraque

(1980-88) colocando os até então aliados em lados opostos. Contudo, de acordo com Cordesman

(2011, p. 2), ainda na década de 1960 os Estados Unidos já percebiam que o Irã representaria um

desafio para os seus interesses no Golfo Pérsico. Com a retirada em 1968 das tropas da Grã-

Bretanha instaladas no Golfo, o Xá Reza Pahlevi, aliado dos EUA, tinha pretensões de tornar o Irã

uma potência regional, investiu no programa nuclear, e sob pretextos históricos passou a reivindicar

soberania sobre o Bahrein (HOURANI, 1994, p. 414).

Quando Jimmy Carter chegou ao poder em 1977 (até 1981) o Irã já sofria internamente uma

forte crise política, e as medidas de liberalização exigidas pelo governo de Carter, somadas a

repressão interna e a corrupção, na qual os iranianos acreditavam que estava diretamente vinculada

aos EUA, promoveram um ambiente propício para a Revolução Iraniana em 1979. A partir da Crise

de reféns (1979-1981) o governo norte-americano passou a exercer pressões econômicas e

diplomáticas contra o Irã. Os Estados Unidos pararam de importar petróleo iraniano, romperam suas

relações comerciais com o Irã, congelaram os ativos financeiros do país em bancos dos norte-

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americanos, com exceção de bens pessoais (TRAUMANN, 2010, p. 12). Ademais, a Revolução

Iraniana foi uma grade perda para a estratégia norte-americana na região, visto que o Irã possuía o

maior, mais bem treinado e equipado exército do Oriente Médio, situava-se estrategicamente entre a

fronteira soviética e o Golfo Pérsico, possuía grande riqueza petrolífera e era o aliado mais

importante dos EUA na região, a peça básica de seu esquema militar e gendarme mais confiável

(VIZENTINI, 2012, p. 50).

A Guerra do Golfo (Irã-Iraque) entre 1980 e 1988 reafirmou o estabelecimento da

competição. O Iraque, liderado por Saddam Hussein, e respaldado pelo apoio dos Estados Unidos,

atacou o Irã de surpresa, buscando tirar aproveito do caos interno que o país vivia, em razão da

revolução (SCHILLING, 2003, p. 180). Em contrapartida o Irã procurou afirmar sua supremacia

naval no Golfo Pérsico, atacando embarcações petrolíferas iraquianas a fim de prejudicar suas

exportações de petróleo. A Guerra entre Irã e Iraque se prolongou por oito anos, mas foi somente

em 1988, após o bombardeiro iraniano sobre o Golfo, que a potências ocidentais perceberam o

desequilíbrio que essa guerra poderia causar na economia mundial. O governo norte-americano,

aliado até então do Iraque, lançou então a Operação Praying Mantis como resposta a ofensiva

iraniana no Golfo. A Guerra entre Irã e Iraque deixou aproximadamente um milhão de mortos nos

dois países, sendo suas perdas comparadas à época da Primeira Guerra Mundial.

Após o fim da Guerra, o Irã buscou promover um ambicioso programa de reestruturação das

suas capacidades militares, a fim de assegurar-se como potência regional. Entretanto, as perdas da

guerra somada às sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos impactaram profundamente

na economia iraniana, e consequentemente sobre a reestruturação das suas forças armadas. Apesar

do certo isolamento ocasionado por esses dois eventos ao longo de quase quatro décadas o governo

iraniano manteve cooperação econômica com o mundo capitalista, particularmente com alguns

países da Europa Ocidental e o Japão, e cooperação militar com a Coréia do Norte (VIZENTINI,

2012, p. 55).

A partir de 1989, Ali Khameni7 assumiu como novo Líder Supremo, e o novo presidente

iraniano, Akbar Rafsanjanni (1989-1997) pode implementar diversas políticas de liberalização da

economia, tais como: a privatização de algumas empresas estatais, medidas de atração do capital

externo, a redução dos gastos com defesa, e outros (ABRHAMIAN, 2008, p. 183-184). Em 1997 foi

eleito o presidente Mohammed Khatami, que pregava uma política mais liberal e detinha boas

7 Antes se de tornar Líder Supremo, Ali Khameni foi presidente do Irã entre 1981 a 1989.

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relações com o Ocidente, ao passo de reestabelecer suas relações diplomáticas com a Grã-Bretanha,

e amenizar o embargo econômico durante o governo de Bill Clinton (1993-2001).

No entanto, esse quadro não reestabeleceu as relações entre Estados Unidos e Irã. Na

verdade, após a queda do Xá Reza Pahlevi e da fundação da República Islâmica, o governo norte-

americano passou a ver o Irã como um Estado antiamericano, que ameaçava os seus interesses na

região do Golfo Pérsico. O Irã representaria também uma ameaça à existência de Israel. Além do

mais, o governo iraniano é visto ainda pelo EUA como um exportador de terrorismo, responsável

por financiar armas para as forças insurgentes no Afeganistão e no Iraque (CORDESMAN, 2011, p.

7). Essas percepções somadas, a busca pelo desenvolvimento do programa nuclear e o constante

estabelecimento de forças assimétricas que ameaçam o fluxo das exportações do Golfo através do

estreito de Ormuz, provocaram o acirramento dessa competição nos anos 2000.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, a Doutrina Bush promoveu uma ofensiva

ambiciosa na chamada “guerra ao terror”. E, países como Afeganistão, Iraque, Coréia do Norte,

Líbia, Síria, e o Irã, foram definidos pelo então presidente dos EUA, George W. Bush como “Eixo

do Mal” (FUSER, 2006, p. 12). O governo iraniano, que havia condenado os atentados do 11 de

setembro, e extraditado os membros da Al-Qaeda instalados no Irã, viu a possibilidade de uma

reaproximação com o ocidente fracassar.

A queda do regime de Saddam Hussein no Iraque e do Taleban no Afeganistão, tradicionais

ameaças ao governo iraniano foi substituída pela presença militar dos Estados Unidos, no Iraque, no

Afeganistão e nas águas que banham o Golfo Pérsico, representando um novo desafio ao Irã (IISS,

2011, p. 296). Desse modo,

O Irã ficou cercado, pois a leste o Paquistão e o novo regime afegão eram

aliados dos EUA (que neles mantinha tropas e bases) e ao norte o

Turcomenistão e o Azerbaijão firmaram acordos com a OTAN e receberam

assessores e instalações de vigilância eletrônica americanas. A oeste havia a

Turquia, que é membro da OTAN e possui bases aéreas americanas, e o

Iraque, sob ocupação direta. Finalmente, ao sul os estados do Conselho de

Cooperação do Golfo são inimigos de longa data do Irã e nas pequenas

petromonarquias há bases norte-americanas, enquanto a presença da

marinha dos EUA no Golfo Árabe, alegadamente para defender essa

importante rota de petróleos, representa uma ameaça direta ao país

(VIZENTINI, 2012, p. 112).

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A competição entre Estados Unidos e Irã, como mencionado anteriormente, é composta por

diversos setores, formando um complexo eixo de competição entre os dois países. A partir de 2003,

a competição passou a envolver também de forma mais contundente o programa nuclear iraniano,

que teve suas origens ainda no período do Xá Reza Pahlevi, e contava com apoio norte-americano

(Cordesman, 2011, p. 99). Em 2003, a Agência internacional de Energia Atômica (AEIA, 2015,

online), emitiu um relatório, apontando que o Irã havia ocultado por 18 anos o desenvolvimento de

pesquisas paralelas às reveladas pelo governo, descumprindo as medidas previstas pelo Tratado de

Não Proliferação Nuclear (TNP), da qual o Irã é signatário. Em meio às pressões internacionais, o

governo iraniano comprometeu-se a cooperar com as salvaguardas propostas pela AIEA, mas não o

fez de forma integral, o que ocasionou novas desconfianças e críticas ao país.

Desse modo, o Irã se deparou com a possibilidade de um ataque preventivo contras as suas

instalações nucleares, o que forçou o governo iraniano a repensar suas estratégias de defesa

nacional. Concomitantemente a isso, já se desejava internamente uma resposta ao cerco militar feito

pelos Estados Unidos. A eleição em 2005 do conservador Mahmoud Ahmadinejad revelou uma

nova postura das relações do país com o mundo. O novo presidente adotou uma política de caráter

mais nacionalista, além do que, procurou se aproximar da Rússia e da China, e diferentemente do

seu antecessor, promoveu duras críticas ao Ocidente, particularmente contra os Estados Unidos e

também a Israel.

Logo ao assumir, Ahmadinejad, que após aplicações de sanções, em 2006, proibiu novas

inspeções da AEIA (2015, online), buscou fomentar o programa nuclear iraniano, e defendeu a ideia

de autonomia do país na condução tanto do programa quanto no enriquecimento de urânio. Em

contrapartida, o governo norte-americano afirmava que a condução do programa nuclear sem a

supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica, representava uma ameaça, e que o Irã

tinha por objetivos a construção de armamento nuclear. Portanto, o programa nuclear representa o

pretexto perfeito para uma polarização e até o desencadeamento de uma guerra preventiva

(VIZENTINI, 2012, p. 160).

O governo iraniano procurou maneiras de amenizar a dependência da indústria do petróleo,

a economia iraniana continuou a crescer de forma moderada, o PIB (produto interno bruto) chegou

a crescer 6% em 2006. O Irã buscou ampliar suas relações econômicas, especialmente novos

investidores do setor petrolífero na China e no Japão. Adicionalmente, o presidente do Irã reforçou

os laços com grupos aliados a seus interesses no Afeganistão e no Iraque, além do Hezbollah, do

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Hamas e da parceria com a Síria (CORDESMAN, 2013, p. 25). O governo iraniano também

procurou reforçar suas relações com China e Rússia, tendo em vista que o Irã é considerado o

melhor caminho para o escoamento rentável e seguro do petróleo e do gás da Ásia central

(VIZENTINI, 2012, p. 112).

O debate sobre o programa nuclear iraniano sofreu avanços e retrocessos até meados de

2013. Com sucessivas negativas iranianas de paralisar o enriquecimento de urânio, o Conselho de

Segurança da ONU aprovou pacotes de sanções econômicas, iniciando em dezembro de 2006,

depois em março de 2007, em março de 2008. Entre as medidas, por exemplo, estava a proibição de

vendas de armamento ao Irã. Essa medida teve impactos sobre a capacidade iraniana de modernizar

suas forças armadas. Desde 2007, as sanções se estenderam a entidades econômicas e congelaram a

cooperação financeira em âmbito internacional do país.

As sanções econômicas refletiram-se internamente, diminuindo as taxas de emprego e

piorando a economia. Mesmo com a eleição do presidente democrata Barack Obama, em 2009, que

se propôs a abrir uma frente de dialogo com o Irã, os impasses continuaram. Em 2009, os EUA,

Reino Unido e França acusaram o Irã de construir clandestinamente uma nova usina nuclear, com

finalidades militares. Em outubro daquele ano, EUA, França e Rússia apresentaram uma proposta a

fim de colocar fim ao problema. A proposta feita ao Irã versava sobre o envio de 75% das reservas

de urânio iraniano de baixo enriquecimento para ser enriquecido até 20% em usinas russas,

posteriormente, seriam novamente remetidas ao Irã para uso médico. Assim, o baixo percentual que

ficaria no Irã, inviabilizaria a construção de bombas atômicas. Contudo, novamente o Irã recusou a

proposta e em 2010 afirmou que passaria a enriquecer Urânio a 20%.

No mesmo ano a União Europeia anunciou que adotaria sanções adicionais ao Irã,

particularmente no que se referia ao mercado de hidrocarbonetos. Em 2011, um relatório da AIEA,

afirmava que o governo iraniano havia realizado testes para o desenvolvimento de um dispositivo

nuclear. Em resposta os Estados Unidos e o Reino Unido afirmaram que fariam novas pressões por

meio de sanções mais severas, que atingissem o setor energético e financeiro. Em resposta as

sanções econômicas feitas pelo ocidente, o Irã ameaçou bloquear o estreito de Ormuz por diversas

vezes. Em 2011, foi finalizada a construção de uma usina de energia nuclear em conjunto com a

Rússia em Bushehr, sendo essa considerada a Primeira usina nuclear civil no Oriente Médio

(VIZENTINI, 2012, p. 169).

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A competição entre Estados Unidos e Irã tem ainda como plano de fundo o Estado de Israel.

A tensão entre os dois países envolve o apoio dos EUA a Israel, assim como o apoio iraniano ao

Hezbollah e ao Hamass. Ademais, as declarações do ex-presidente Ahmadinejad sobre os judeus e o

Holocausto, e do projeto nuclear, fomentam essa rivalidade. Dado, não se pode esquecer que com o

desaparecimento, do Iraque como ator regional em 2003, a concorrência existente entre Irã e os

países do Golfo Pérsico aprofundou-se, particularmente com a Arábia Saudita.

2. Ormuz: naturalmente um chokepoint

O estreito de Ormuz é uma das rotas marítimas mais importantes do sistema internacional,

em razão da sua relevância em termos econômicos, políticos e estratégicos. O estreito está

localizado entre Emirados Árabes Unidos e Omã, na costa sul, e com o Irã na costa ao norte. O seu

ponto mais estreito tem aproximadamente 38 km, entre o Irã e a Península de Musandam, que

pertence a Omã. O estreito de Ormuz possui oito ilhas ao longo dos seus 210 km de comprimento,

sendo que sete delas pertencem ao Irã. Os Emirados Árabes Unidos reivindicam a soberania de três

delas - Abu Musa, Greater Tunb Island, e Lesser Tunb - desde o tempo que o Xá Reza Phalevi

gorvernava o Irã. No entanto, após a retirada britânica do Golfo Pérsico no início da segunda

metade do século XX, o governo iraniano passou a manter presença militar no estreito

(CORDESMAN, 2007, p. 3).

Ilustração I – Visão detalhada do estreito de Ormuz

Fonte: HAGEL (2013, online).

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O Irã possui vantagem estratégica em comparação aos demais países costeiros, no que se

refere o controle do estreito de Ormuz, pois possui uma grande faixa costeira, em sua maior parte

montanhosa, que vai desde o Golfo Pérsico até o Golfo de Omã. Adicionalmente, o controle das

ilhas e a extensa costa tornam-se um entrave para as rotas comerciais marítimas, ao passo que ao

longo delas encontram-se as principais bases navais iranianas (CORDESMAN, 2007, p. 2).

O estreito possui uma profundidade média de 90 metros, o que não implica em grandes

riscos para a navegação, no entanto, antes da Revolução Iraniana em 1979, o tráfego ocorria

basicamente na região costeira aos Estados, onde a profundidade é maior. No presente, o tráfego de

embarcações flui num Esquema de Separação de Tráfego (EST), reconhecido pela Organização

Marítima Internacional. O Esquema de Separação de Tráfego determinou que grandes cargueiros e

petroleiros utilizassem os corredores que tem largura de 6 milhas (11 km), incluindo uma pista de

entrada e saída de petroleiros, cada uma com 2 milhas náuticas (3,7km) de largura, que são

separadas por 2 milhas, servindo como uma zona tampão. Logo, as embarcações comerciais ou

militares possuem pouca capacidade de manobra.

O estreito de Ormuz é considerado naturalmente um chokepoint, pois forma uma ligação

estratégica entre os campos de petróleo do Golfo Pérsico, que é uma via marítima sem saída, e o

Oceano Índico. (RODRIGUE, 2015, online). Os chokepoints, configuram-se por ser uma pequena

passagem litorânea, na qual é impossível de ser circunavegável, de forma imediata, devido à

inexistência de uma rota alternativa, ou em razão da inviabilidade em termos de tempo e custos

(HUBER, 2003, p. 4). Assim, o termo chokepoint segundo Charles Emmerson e Paul Stevens

(2012, p. 2-3), descende da estratégia militar que identifica alguns pontos geográficos, como pontos

de estrangulamento, no qual obriga as forças militares a tomar uma forma mais fechada, de tal

modo que diminui a sua capacidade de combate. Nessa perspectiva, segundo Till (2009, p. 182)

quem controla o chokepoint detém vantagem estratégica sobre o inimigo.

Além do fator geográfico apontado acima, Ormuz também se constitui em um chokepoint

devido à dependência mundial de hidrocarbonetos, haja vista que os maiores exportadores de

petróleo encontram-se na região do Golfo Pérsico. Particularmente, desde 1908 com a descoberta de

lençóis petrolíferos no Irã e em outros países da região, o estreito de Ormuz tem sido a principal

rota utilizada até os mercados consumidores. Segundo dados da Energy Information Administration

(EIA), em 2009 trafegavam pelo estreito aproximadamente 15.5 milhões de barris por dia (bbl /d),

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mas desde 2011, a média tem sido em torno de 17 milhões bbl /d. Logo, esse chokepoint assume

papel crucial para o mercado de energia global, uma vez que esses números representam cerca de

um terço de todo o petróleo negociado por via marítima e quase 20% do total de petróleo produzido

globalmente. Nesse sentido, é valido destacar que em 2010, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes

Unidos e o Iraque foram responsáveis por 658 milhões de toneladas de petróleo bruto exportado no

mundo, sendo que quase 16 milhões de b/d de petróleo trafegaram através desse choke point.

O mercado de gás natural liquefeito (GNL) também sofre com as dinâmicas do estreito de

Ormuz, haja vista que cerca de um terço do gás produzido mundialmente é proveniente da região do

Golfo Pérsico, particularmente do Qatar. Em 2013, aproximadamente 3,9 TCF (trilhões de pés

cúbicos) de GNL passaram pelo estreito de Ormuz. Embora a Arábia Saudita possa utilizar o

oleoduto entre Abqaiq, perto do Golfo Pérsico, até Yanbu, próximo ao Mar Vermelho, e transportar

Gás Natural Liquefeito (GNL) através de outro oleoduto paralelo, essas rotas já operam

praticamente em capacidade máxima. Mesmo com o término antecipado do oleoduto em construção

ligando o campo petrolífero Habshan em Abu Dhabi ao terminal principal em Fujairah na costa

leste dos Emirados Árabes Unidos, ainda assim aproximadamente 75 % da produção atual de

hidrocarboneto da região do Golfo Pérsico não seriam escoados. Logo, em vista da limitadas

alternativas para escoamento de petróleo e gás o estreito torna-se vital para o abastecimento de

energia mundial. Nesse aspecto, a capacidade física do estreito torna-se um elemento importante,

sobretudo porque mais próximo do limite estiver a sua capacidade de operação, mais instável é a

navegação, mais tensa é a situação política, mais esforços são necessários para manter a segurança

do tráfego (RODRIGUE, 2004, p. 360).

Ademais, o estreito é fundamental para as importações e exportações dos países do Golfo. O

porto de Dubai, que só pode ser acessado via Ormuz, é um dos mais movimentados do mundo, ao

passo que em 2010 foi classificado como 9º maior porto do mundo com um tráfego superior a

11.600 mil TEU8. O crecimento da região o tornou o maior centro de transbordo que liga a Ásia, o

Oriente Médio e as rotas de comércio da África Oriental. (RODRIGUE, 2015, online).

Compete destacar ainda, que o Irã possui a quarta maior reserva de petróleo e a segunda

maior de gás natural do mundo, consolidando-se como um dos maiores produtores de

hidrocarbonetos. Em 2013, o Irã produziu cerca de 3,2 milhões de barris por dia (bbl / d) de

8 Cada TEU (Twent-Feet Equivalent Unit) representa um contêiner aproximadamente de 8 x 8 x 20m (Largura x altura

x comprimento). Essa medida serve para contar quantos contêineres cabe nas embarcações. É preciso destacar, que essa

não é uma medida oficial, entretanto é bastante utilizada na área de transporte marítimo de carga.

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petróleo e outros líquidos e mais de 5,6 trilhões de pés cúbicos (Tcf) de gás natural em 2012.

Entretanto, apesar de abundantes reservas do país, a produção desses hidrocarbonetos tem

diminuído consideravelmente nos últimos anos. Esse quadro de diminuição das capacidades de

produção deve-se às sanções internacionais, particularmente norte-americanas, impostas ao Irã após

a Revolução Iraniana, mas, sobretudo após 2003, quando se dá o acirramento da competição

estabelecida entre Irã e Estados Unidos.

Logo, a livre navegação nesse chokepoint é crucial para o mercado de energia global, uma

vez que 20% do petróleo bruto comercializado mundialmente trafega pelo estreito de Ormuz. Essa

quantidade está relacionada ao fato de que os maiores exportadores de petróleo encontram-se no

Golfo Pérsico. A maior parte do petróleo da região do Golfo tem como destino os mercados

europeus e asiáticos, particularmente a China. Nesse sentido, a relevância do estreito de Ormuz para

os Estados Unidos está no controle sobre as dinâmicas de oferta do petróleo. Assim,

[...] embora os Estados Unidos não sejam grandes consumidores de petróleo

da região, eles necessitam controlar o fluxo, como forma de influir na

quantidade e preço que chega ao mercado para, assim, contingenciar o ritmo

do desenvolvimento chinês e a formação de um espaço eurasiano.

(VIZENTINI, 2012, p. 115).

O estreito é uma das vias mais importantes para o transporte mundial de energia, quaisquer

incidentes podem acarretar impactos significativos sobre a economia mundial, pois se refletem

diretamente na volatilidade do preço do petróleo. As ameaças feitas pelos Estados Unidos para

embargar o programa nuclear iraniano refletem-se sobre Ormuz, uma vez que o governo iraniano

sabe o peso do chokepoint na dinâmica mundial. Nesse contexto, o estreito de Ormuz cria um

ambiente de tensão nas dinâmicas regionais do Golfo e na competição estratégica entre Estados

Unidos e Irã. Outrossim, o Irã também é vulnerável a ataques em suas plataformas de petróleo e

portos comerciais, assim como os demais Estados do Golfo Pérsico. A inexistência de rotas

alternativas a Ormuz também é um fator que tenciona a competição estratégica entre os dois países.

3. As capacidades militares iranianas: o custo como um fator de contenção

O estreito de Ormuz, como mencionado anteriormente, é naturalmente um chokepoint do

sistema internacional, devido à sua importância em termos econômicos, políticos e estratégicos. Em

vista disso, e em resposta às sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e

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as pressões ocidentais a respeito do seu programa nuclear, o Irã ameaçou por diversas vezes

bloquear o estreito a fim de garantir sua autonomia. Destarte, o valor estratégico do estreito para o

mercado mundial de hidrocarbonetos, as dinâmicas em Ormuz passaram a ser um ponto de tensão

não apenas da competição entre Irã e EUA, mas também regional.

O governo iraniano, particularmente em 2011, promoveu uma série de atividades militares

no estreito, como forma de demonstração de força. O Irã, segundo Guzansky (et al., 2011, p.12)

pretendia enviar uma mensagem clara aos Estados Unidos, no qual enxergam o estreito como seu

quintal estratégico, posto que qualquer bloqueio, mesmo que por tempo limitado, causaria sérios

danos à economia, devido à grande demanda de petróleo da região. Ademais, o Irã tem plena

ciência da importância desse ponto de estrangulamento, dada a escassez de rotas alternativas para o

escoamento de petróleo.

Como já observado, ao fim da Guerra Irã-Iraque, o Irã percebeu que seus inimigos estavam

ao entorno do Golfo Pérsico. Tendo em vista que a Quinta Frota dos Estados Unidos estava sediada

no Bahrein, o Irã precisava reconsiderar suas estratégias militares, particularmente suas capacidades

navais, a fim de garantir sua soberania e o domínio sobre o estreito de Ormuz. Assim, o governo

iraniano buscou desenvolver estratégias de anti-acesso e negação de área (em inglês, anti-acess and

area-denial (A2/AD)), ou seja, estratégias de defesa. Essas medidas estratégicas visam, sobretudo,

impedir e/ou retardar possíveis ações militares dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. Assim, a

aquisição de armas equipamentos que podem negar o acesso ao Golfo, o controle do tráfego no

estreito, e a influência iraniana sob alguns países do Oriente Médio foram alguns dos

condicionantes para o acirramento da competição estratégica.

Atualmente, as forças militares iranianas são estruturadas em 3 eixos: Forças Armadas

regulares do Irã, composto pelo Exército, Marinha e Aeronáutica; a Força de Resistência Basij,

responsável por assegurar os preceitos do Islã dentro da sociedade iraniana; e, o Corpo da Guarda

Revolucionária Islâmica (IRGC) que opera no Mar Cáspio, no Golfo de Omã e também no Golfo

Pérsico. Desde 1992 o Irã estabeleceu um escritório único para abrigar as três forças.

De acordo com dados divulgados pelo The International Institute for Strategic Studies

(IISS), estima-se que o Irã tenha em torno de 545 mil homens ativos nas forças do país e um

adicional de cerca de 350 mil de reserva, dos quais 18 mil pertencem à Marinha, 350 mil ao

exército, aproximadamente 35 mil da força aérea e 40 mil de forças paramilitares. Contudo,

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acredita-se que essa última pode mobilizar por meio da Resistência Força Basij mais de 1 milhão de

homens.

Após a Guerra Irã-Iraque, o governo iraniano percebeu suas limitações militares, uma vez

que o envolvimento dos Estados Unidos levou a guerra para um patamar de assimetria das forças.

Assim, com o fim da Guerra em 1988, e o Irã buscou modernizar suas forças, mas o acirramento da

competição estratégica a partir de 2003 e os embargos econômicos feitos pelo ocidente dificultaram

esse processo. Para conseguir modernizar suas Forças Armadas, o Irã fomentou o desenvolvimento

de uma indústria nacional, apesar de suas capacidades de produção ainda serem baixas (IISS, 2011,

p. 297).

O Irã possui um orçamento de defesa em torno de 10 bilhões de dólares, esse valor não

abriga os custos com financiamento de atores não-estatais estrangeiros, nem programas de mísseis,

gastos com indústria de defesa, capacidade nuclear e atividades de inteligência. Assim, de acordo

com IISS (2011, p. 297), provavelmente o valor do orçamento deve girar em torno de US$ 12

bilhões a 14 bilhões, o que é aproximadamente de 30% a menos que os gastos com defesa da Arábia

Saudita, tradicional inimigo do Irã no Golfo.

Tendo em vista que as capacidades iranianas não são organizadas ou treinadas para projetar

poder significativo em todo o Golfo, suas forças terrestres não estão estruturadas para projetar poder

profundamente em um estado vizinho, como o Iraque, ou para lidar com as capacidades AirSea

Battle dos EUA (CORDESMAN, 2015, online). O Irã passou assim a investir em capacidades

militares específicas, tais como: marinha, mísseis balísticos e armas não-convencionais. E, o que

não conseguia produzir internamente, adquiriu de países asiáticos como a Rússia, China e Coréia do

Norte.

No presente, a Marinha iraniana conta com 4 fragatas e 3 corvetas da época do Xá Reza

Pahlevi. No entanto, a Marinha conseguiu adquirir 3 submarinos russos da categoria Kilo, que são

capazes de colocar minas e disparar torpedos teleguiados de longo alcance. A Marinha também

possui aeronaves para o patrulhamento do mar, como Falcon. Além disso, o governo iraniano

adquiriu também submarinos e mísseis da Coreia do Norte (CORDESMAN, 2014, p.37-38).

Apesar da pouca modernização, a Guarda Revolucionária Islâmica possui capacidades de

promover grandes problemas a qualquer país invasor, travando uma guerra irregular. Assim, tendo

em vista que as forças armadas iranianas possuem mísseis de longo alcance, a falta de clareza sobre

as dimensões do seu programa nuclear e ainda sua ligação com atores não estatais, como o

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Hezbollah e o Hamas, são um contrapeso das suas limitadas capacidades convencionais de guerra.

Portanto, o Irã teria a capacidade de combinar suas forças convencionais juntamente com forças não

convencionais e projetar-se sobre o Golfo Pérsico, atacando alvos de forma discriminada, ou

indiscriminada, e minar os canais do estreito de Ormuz, para bloquear o mesmo.

Além disso, o IRGC possui ainda minas de fabricação nacional e chinesa que podem ser

colocadas ao longo do estreito para bloquear a passagem de embarcações inimigas. O Irã possui

também baterias de mísseis anti-navio em solo iraniano, da categoria HY-2, que possui alcance de

100 km, que podem ser uma opção para atacar aeronaves. Segundo relatório do IISS (2011), O Irã

teria condições de atacar navios norte-americanos como mísseis C-701, C-801 e C-802, localizados

em suas ilhas ao longo do estreito ou mesmo da costa. Desse modo, como pode-se visualizar na

Ilustração III, o Irã poderia atacar, por meio de seus mísseis balísticos, os aliados norte-americanos

no Golfo e também suas bases militares e plataformas petrolíferas.

Ademais, tendo em vista que o Irã tem domínio das 7 ilhas do estreito e a maior extensão

costeira, desde o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã, a Marinha iraniana poderia formar uma rede de

operações para colocar minas ao longo do estreito. Logo, o Irã poderia valer-se dos cerca de 100

barcos de patrulha que possui, e que por serem pequenos muitas vezes escapam do radar, para

colocar minas. Em sua maioria, esses barcos de patrulhamento são armados com mísseis anti-navio

e torpedos de curto alcance.

Desse modo, a Marinha iraniana poderia atacar diversas instalações offshore no Golfo, como

plataformas de petróleo, bases militares e ainda embarcações comerciais, como ocorreu durante a

Guerra Irã-Iraque. Nesse sentido, o Irã operaria seus mísseis balísticos em conjunto com suas forças

assimétricas para bloquear o tráfego no estreito. Entretanto, o Irã não possui condições de fechar o

estreito por longo tempo. Segundo estimativas apontadas por Cordesman (2015, online) o Irã teria

condições de fechar o estreito por cerca de 10 dias, contudo, esse bloqueio poderia impactar de

forma significativa sobre a economia mundial. Logo, a aposta iraniana estaria em suportar o

máximo possível o conflito, por meio de suas capacidades assimétricas e irregulares, forçando e

elevandos custos materiais aos inimigos ao ponto do Irã conquistar uma vitória política do conflito.

Logo, a condição estável do trafego nos canais de Ormuz, assume caráter vital para o

sistema de distribuição de hidrocarbonetos. Vale lembrar que Iraque, Kuawait, Bahrein e Qatar

dependem da estabilidade do Golfo para o transporte de petróleo. A Arábia Saudita apesar de ter

portos no Mar Vemelho, faz uso em grande medida dos seus portos no Golfo. Já Omã e Emirados

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Árabes Unidos possuem portos no Oceano Índico. Nesse aspecto, é pertinente ressaltar que os

Estados Unidos e as grandes potências ocidentais buscam forjar rotas alternativas a Ormuz desde a

Guerra Irã-Iraque (Gibson, 2012, online).

Os interesses dos Estados Unidos no Golfo Pérsico estão diretamente vinculados à

importância geoestratégica do estreito. Após o acirramento da competição estratégica, os Estados

Unidos passaram a implementar juntamente com seus aliados do Conselho de Cooperação dos

Estados Árabes do Golfo (CCG), uma série Medidas de Capacitação Marítima (MCMs) a fim de

garantir a livre circulação dos petroleiros e cargueiros. Dentre as medidas pode-se destacar: o envio

de 4 navios norte-americanos, duplicando a frota de patrulha em 2013. Um ano antes foram

enviados quatro helicópteros MH53-E Sea Dragon para o Bahrain com objetivo de detectar minas.

Além disso, foram enviados alguns submarinos não-tripuláveis e um navio de comando da quinta

frota dos Estados Unidos.

Estimativas apontam que o Oriente Médio recebeu 28% de todas as exportações de armas

dos Estados Unidos entre o período de 2009 a 2013, sendo a Arábia Saudita responsável quase 30%

da pauta. Os países que compõem o CCG (Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia

Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait) recebem grande quantidade desses equipamentos. Contudo, por

vezes, as divergências políticas entre esses países acabam limitando a interoperabilidade e a

integração dos sistemas de vigilância e defesa do Golfo Pérsico.

Os Estados Unidos dispõem de recursos, tanto em quantidade quanto em qualidade,

superiores aos iranianos. Num cenário hipotético de conflito, os EUA podem valer-se, por exemplo,

do seu poder aéreo para bombardear pontos-chave das forças armadas iranianas e também da

infraestrutura imputando sérios danos ao Irã. Além disso, os Estados Unidos buscaram desenvolver

medidas para conter o avanço das estratégias A2/AD. Nesse âmbito, segundo Tol ((et all), 2010, p.

9) o AirSea Battle (ABS) que não se caracteriza por uma doutrina, mas medidas que visam

contrapor as estratégias A2/AD desenvolvidas pelos Irã nos últimos anos. De acordo com Tol o

AirSea Battle tem como objetivo a combinação das capacidades operacionais e a diminuição dos

custos. Nesse aspecto, em caso de bloqueio no estreito de Ormuz, essa estratégia visaria derrotar o

inimigo, por meio de operações coordenadas envolvendo mar, terra, ar, espaço e ciberespaço.

Assim, os Estados Unidos fariam uso das melhores capacidades militares, como: submarinos, caças,

porta-aviões e armas de longo alcance para impedir ou desbloquear o estreito o mais rápido

possível.

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Considerações Finais

As considerações apresentadas no decorrer do estudo tem por objetivo central analisar o

papel do estreito de Ormuz na competição estratégica entre Estados Unidos e Irã, especialmente a

partir de 2003 quando se dá o acirramento dessa competição. Dado isso, evidencia-se a relevância

do estreito em termos geoestratégicos e geopolíticos, uma vez que esse gargalo é umas rotas

marítimas mais importantes no atual contexto internacional.

Posto isso, a contextualização do percurso histórico das relações entre os dois países,

corroboram para compreensão do papel chave desempenhado pelo Irã no Oriente Médio. A análise

histórica permite ainda entender as dinâmicas e os fatores envolvidos no estabelecimento da

competição estratégica, assim como o acirramento desta a partir de 2003. Nesse sentido, compete

ressaltar que dois eventos marcam o estabelecimento da competição estratégica: o primeiro deles foi

a Revolução Iraniana, que derrubou o governo do Xá Reza Pahlevi, pró- Estados Unidos, em 1979.

O segundo evento que consolidou a competição foi a Guerra Irã-Iraque entre 1980-1988. Desde

então, particularmente após 2003, ocorreu o acirramento dessa competição envolvendo novos eixos

e níveis de disputa.

Os dois países promoveram na década de 1990 um relaxamento da competição. No entanto,

após os atentados de Onze de setembro de 2001, a política ofensiva adotada pelos Estados Unidos

que enquadrou o Irã no chamado “Eixo do Mal”, em conjunto com a invasão norte-americana no

Iraque em 2003 e o repúdio internacional ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano

impulsionaram o acirramento da competição estratégica. Pode-se dizer, portanto, que o plano de

fundo histórico da competição estratégica é resultante das tensões políticas entre dois países. Dentro

dessa perspectiva, o Irã vê a competição impulsionada pelos esforços dos Estados Unidos em

projetar poder na região do Oriente Médio, mais particularmente no Golfo Pérsico. Em

contrapartida os Estados Unidos temem que o Irã se torne uma potência regional dominante.

Os dois países promoveram o aceleramento da competição militar a partir de 2003,

particularmente na região do estreito de Ormuz. Mesmo com as sanções econômicas impostas pelo

Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o Irã procurou desenvolver seu

programa nuclear e modernizar suas capacidades militares. Para isso, buscou parceiros asiáticos

como a Coréia do Norte, China e Rússia. Sendo o Irã uma rota segura para o petróleo e gás da Ásia

Central, a aproximação entre Teerã, Pequim e Moscou é vista como uma ameaça aos interesses

norte-americanos na região. Ademais, as sanções forçaram o Irã a desenvolver uma indústria

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nacional, que apesar de pequena, tem conseguido desenvolver equipamentos importantes, tais como

mísseis balísticos, minas, e embarcações leves.

O Irã buscou desenvolver suas capacidades de guerra assimétrica, utilizando o estreito como

epicentro para o desenvolvimento de suas estratégias de defesa. Nesse âmbito, a Marinha dentro das

forças convencionais iranianas é a que apresenta melhores capacidades de travar uma guerra

assimétrica. Embora o Irã não disponha de recursos para bloquear o estreito por um longo período, a

coação e os custos em caso de bloqueio possibilitaram ao Irã dissuadir e conter o poder inimigo. Em

contrapartida, os Estados Unidos procuraram forjar uma nova concepção estratégica para inibir as

forças A2/AD iranianas. Assim, ainda que recente, o AirSea Battle procurar estabelecer uma

estratégia de manutenção do estreito por meio da combinação das forças militares norte-americanas.

Pode-se dizer ainda, que durante o período que vai de 1979 a 2013 os Estados Unidos adotaram a

estratégia da contenção, mas em determinados momentos estabelecendo o isolamento do Irã, e em

outros promovendo o acirramento da competição estratégica.

Compete ressaltar, que o fato de Ormuz ser um choke point do sistema internacional, devido

sua relevância para o mercado de hidrocarbonetos, os custos e prejuízos gerados por um bloqueio

inviabilizaram o conflito direto. Nessa perspectiva, o estreito de Ormuz desempenhou um

importante papel dentro da competição estratégica entre o período de 2003-2013, sendo um ponto

de tensão e inflexão da competição.

Por fim, recentes desdobramentos na região apontam para um novo quadro de competição

estratégica, mas agora envolvendo atores regionais. O aprofundamento da Guerra Civil na Síria e

acensão do grupo jihadistas Estado Islâmico e, em sequência as negociações entorno do programa

nuclear iraniano entre o P5 +1 (China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e Alemanha) e

Irã, abrem caminho para uma reaproximação. Nesse contexto, de acordo com Cordesman (2015,

online) as divisões entre os Estados árabes tendem a aumentar a influência iraniana sobre o Iêmen,

Iraque, Síria, Libano e Bahrein. Haja vista a importância do Irã em termos regionais, recomenda-se

para análises futuras o estudo dos recursos e capacidades dos países do CCG, particularmente da

Árabia Saudita, que é tradicional inimigo do Irã na região.

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