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1 REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL VIA MERCANTILIZAÇÃO OU DEMOCRATIZAÇÃO FUNDIÁRIA? Francilene Soares de Medeiros Costa Docente/UFPA [email protected] Nuara de Sousa Aguiar Assistente Social - Discente do PPGSS/UFRN [email protected] Resumo Nos primeiros anos da década de 1990, o Brasil começa a sentir com os programas de ajuste estrutural, que impuseram ao país uma maior abertura comercial, reajustes fiscais, liberação sem controle de entrada de capital estrangeiro, privatização de empresas industriais e de prestação de serviços públicos, ainda redução dos investimentos em políticas sociais, tornando o Estado cada vez mais restrito de suas atribuições. Ações que tinham como objetivos, pagar a dívida externa e fortalecer o capital financeiro. Rapidamente uma grande parcela da população brasileira é atingida pelas reformas que ocasionaram o acirramento da questão social no meio urbano e rural, altos níveis de desemprego e subempregos são identificados, a redução de investimentos nas políticas sociais de educação e saúde, por exemplo, agravam as condições de vida da mesma. Políticas compensatórias, como as de transferência de renda direta a população mais pobre (em situação de miséria), entram como um forte instrumento político para mascarar a realidade. 1. Introdução Há pouco mais de uma década o Brasil, como outros países da América Latina, sofrem com os programas de ajuste estrutural e reformas determinadas pelo Banco Mundial e o FMI. Com a crise da dívida externa, vivenciada nos anos 1980, os países periféricos são submetidos às condicionalidades estabelecidas pelos organismos internacionais citados, que argumentavam o resultado do endividamento desses países sendo provocado pelas suas rígidas economias, assim precisavam passar por reformas para se reestruturarem. No entanto, as determinações impostas agravaram ainda mais a situação de pobreza e desigualdade social desses países e de maneira particular o Brasil.

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REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL VIA MERCANTILIZAÇÃO OU

DEMOCRATIZAÇÃO FUNDIÁRIA?

Francilene Soares de Medeiros Costa

Docente/UFPA

[email protected]

Nuara de Sousa Aguiar

Assistente Social - Discente do PPGSS/UFRN

[email protected]

Resumo Nos primeiros anos da década de 1990, o Brasil começa a sentir com os programas de ajuste estrutural, que impuseram ao país uma maior abertura comercial, reajustes fiscais, liberação sem controle de entrada de capital estrangeiro, privatização de empresas industriais e de prestação de serviços públicos, ainda redução dos investimentos em políticas sociais, tornando o Estado cada vez mais restrito de suas atribuições. Ações que tinham como objetivos, pagar a dívida externa e fortalecer o capital financeiro. Rapidamente uma grande parcela da população brasileira é atingida pelas reformas que ocasionaram o acirramento da questão social no meio urbano e rural, altos níveis de desemprego e subempregos são identificados, a redução de investimentos nas políticas sociais de educação e saúde, por exemplo, agravam as condições de vida da mesma. Políticas compensatórias, como as de transferência de renda direta a população mais pobre (em situação de miséria), entram como um forte instrumento político para mascarar a realidade.

1. Introdução

Há pouco mais de uma década o Brasil, como outros países da América Latina,

sofrem com os programas de ajuste estrutural e reformas determinadas pelo Banco

Mundial e o FMI. Com a crise da dívida externa, vivenciada nos anos 1980, os países

periféricos são submetidos às condicionalidades estabelecidas pelos organismos

internacionais citados, que argumentavam o resultado do endividamento desses países

sendo provocado pelas suas rígidas economias, assim precisavam passar por reformas

para se reestruturarem. No entanto, as determinações impostas agravaram ainda mais a

situação de pobreza e desigualdade social desses países e de maneira particular o Brasil.

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Nos primeiros anos da década de 1990, o Brasil começa a sentir com os

programas de ajuste estrutural, que impuseram ao país uma maior abertura comercial,

reajustes fiscais, liberação sem controle de entrada de capital estrangeiro, privatização

de empresas industriais e de prestação de serviços públicos, ainda redução dos

investimentos em políticas sociais, tornando o Estado cada vez mais restrito de suas

atribuições. Ações que tinham como objetivos, pagar a dívida externa e fortalecer o

capital financeiro.

Rapidamente uma grande parcela da população brasileira é atingida pelas

reformas que ocasionaram o acirramento da questão social no meio urbano e rural, altos

níveis de desemprego e subempregos são identificados, a redução de investimentos nas

políticas sociais de educação e saúde, por exemplo, agravam as condições de vida da

mesma. Políticas compensatórias, como as de transferência de renda direta a população

mais pobre (em situação de miséria), entram como um forte instrumento político para

mascarar a realidade.

2. Expressões da questão agrária brasileira

A questão agrária brasileira agrava-se ainda mais por volta de meados dos anos

1980, a crise econômica que pairava no país e a ausência de políticas públicas para a

classe trabalhadora rural foram determinantes. Esse período é confuso e conflitante, já

que o país tinha experimentado um movimento de luta pela redemocratização, por

cidadania, e reformas sociais, como a luta pela reforma agrária. Mendonça (2006, p. 78)

argumenta que a questão agrária pode ser entendida como:

O conjunto de inter-relações e contradições derivado de uma estrutura fundiária altamente concentradora, que também determina e concentra poder econômico, político e simbólico, criando estruturas de sujeição da população rural e uma cultura incompatível com um tipo de exploração racional da terra definido pela fala/prática oficial como a “mais adequada” para o desenvolvimento nacional. [...] essa “dinâmica perversa” não pode se limitar a fatores puramente econômicos ou estritamente técnico-tecnológicos. O problema também é de ordem institucional, ligados a mecanismos jurídicos, políticos e culturais que recentemente se formaram no meio rural, derivados de três processos interligados: a) o alto grau de concentração da propriedade; b) a existência de uma vasta população

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no campo destituída de terra; e c) a chamada “juridiciarização” do “problema agrário”, sobretudo a partir da década de 1980.

Nas últimas seis décadas o Brasil vem passando por um intenso e oneroso (para

a população) processo de modernização do campo, que não podem ser compreendidas

apenas pelas inovações tecnológicas (expansão da área cultivada e a elevação dos

índices de produtividade por hectare), mas, sobretudo pelas estratégias econômicas e

políticas adotadas pela classe burguesa agrária em acordo com o Estado, que vão

beneficiar a agroindústria e a concentração fundiária.

O processo de modernização segundo Pinheiro (2004, p. 48) está relacionado

com a transformação da renda da terra em capital agrário e o aumento do mercado de

mão-de-obra assalariada. Com a expansão do capitalismo no campo, o capital passou a

prevalecer sobre a terra. Enfim, a acumulação passou a ser, predominantemente,

derivada do lucro do capital.

O desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro ocorreu com a

precarização da pequena produção camponesa. À medida que “o capital expandia suas

fronteiras agrícolas, pequenas propriedades eram confiscadas pelos bancos e a grilagem

desalojava posseiros. Restringia-se o acesso à terra e ao crédito rural para os pequenos

produtores, perpetravam-se assassinatos seletivos de camponeses. Essa realidade

aumentava o êxodo rural o que adensou o contingente de desempregados nas cidades”

(PINHEIRO, 2004, p. 49).

Tais mudanças agravaram a questão agrária e urbana no país, acentuando o êxodo

rural, provocando um crescimento acelerado das cidades metropolitanas acarretando em

um contingente crescente de trabalhadores vivendo em condições igualmente precárias,

enquanto isso o capital se fortalece e articula-se para o desenvolvimento de uma

agricultura moderna com a instalação de complexos agroindustriais. O processo de

industrialização impulsionado pelo grande capital divulgou

várias estratégias destinadas a aumentar a produção e a produtividade nos países subdesenvolvidos, através de instituições como a Fundação Rochfeller, Fundação Ford, Banco Mundial e FMI. Entre algumas estratégias, destacamos o uso de máquinas, tratores, fertilizantes, defensivos agrícolas, essa nova forma de produção foi denominada de Revolução Verde. Procurou colheitas recordes e aumento de produtividade com menor numero de variedades vegetais, fazendo uso

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de mecanização, quimificação e genética. Beneficiaram os grandes proprietários rurais, as empresas agropecuárias. (idem, 2004, p. 54)

Diante do exposto pode-se considerar que o processo de modernização do campo

brasileiro se manteve conservadora, em nenhum momento teve intenção de melhorar a

vida do trabalhador rural, a preocupação central era expandir o sistema capitalista,

encontrar novas formas de acumular capital. Essa análise fica ainda mais explicita com

a identificação dos instrumentos utilizados pelos governos para apoiar os latifundiários

e empresários, Mendonça (2006, p.73),

A política de modernização da agricultura brasileira, perpetrada pelos governos militares a partir dos anos de 1960, pautar-se-ia por mais uma diretriz: a farta concessão estatal de créditos e subsídios seletivamente direcionados para a agricultura patronal, tendo em vista disseminar tecnologia e privilegiar os produtos de exportação ou vinculados a programas energéticos.

Ou seja, a modernização no discurso conservador que viria para solucionar a

questão agrária, já que a mesma estaria relacionada com a falta de desenvolvimento

tecnológico no campo, apenas a agrava, pois, trata-se de uma questão que “é estrutural,

e não pode ser resolvida apenas com medidas de política agrícola ou social, já que seus

efeitos, fatalmente, serão destruídos pela estrutura fundiária”. (idem, 2006, p. 79)

Para Mendonça (2004, p. 87-88) um dos importantes frutos da modernização se

dará no estreitamento das relações entre as diversas frações do capital – agrário,

industrial, financeiro – novas formas de organização foram construídas com a

permanência das tradicionais estruturas e mecanismo de dominação/expropriação do

campo. O que muda é a extração socioeconômica dos novos latifúndios, que, na maior

parte dos casos, eram também empresários industriais ou financeiros, no maior número

dos casos fazendo parte de grupos econômicos internacionais.

No entanto, com as denúncias e manifestações da miséria vigente no campo,

aumentam os conflitos por acesso a terra, os trabalhadores rurais almejam por reforma

agrária. Ficando impossível negar a situação precária de vida desses trabalhadores, os

dominantes voltam-se para a constatação da “pobreza” como uma conseqüência

inevitável,

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– ainda que indesejada – da forma através da qual o capitalismo desenvolveu-se no campo brasileiro, a ser superada e eliminada, um dia e automaticamente, pelo mercado, à medida que a modernização tecnológica avançar e o excedente da população rural for absorvido em “outros setores” da economia. Até lá, tal como ocorre no caso da pobreza urbana, é suficiente a intervenção estatal via projetos de assistência social focalizados sobre clientelas especialmente selecionadas (MENDONÇA, 2004, p. 83).

Atrelada às ações pontuais assistencialistas para atender as demandas dos

segmentos sociais que vivem no rural, os mecanismos de violência e o autoritarismo

sempre foram utilizados pelos setores dominantes. Essas práticas irão aparecer nas

políticas agrárias desenvolvidas pelos gestores do país, e que se fortalecem nos anos de

1990.

Questionando os caminhos escolhidos pelos segmentos dominantes do Brasil

para o desenvolvimento do sistema capitalista, Martins (1991, p.41) elucida,

Se em outros países o estabelecimento de restrições à propriedade fundiária e, em consequência, a democratização do acesso a ela aplainou o terreno ao desenvolvimento capitalista, aqui se deu o contrário. Aqui o próprio capital se tornou proprietário de terra e incluiu na sua reprodução, ampliando a irracionalidade da renda fundiária. No meu modo de ver, o nosso capitalismo predatório e anti-social, irresponsável e despreocupado em relação aos problemas sociais que cria, é fruto dessa anomalia histórica. (apud PINHEIRO, 2004, p. 60)

As ações voltadas com o intuito de democratizar o acesso a terra, como por

exemplo, o Estatuto da Terra, 1964, em pleno regime militar, nunca tiveram de fato essa

intenção. O momento que antecede a elaboração do Estatuto da Terra foi marcado pelo

processo de organização do campesinato, com o surgimento das ligas camponesas, de

sindicatos rurais e com atuação da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro.

O movimento que lutava por justiça social no campo e logo após por reforma

agrária assume grandes proporções no início da década de 1960, o que provoca um

clima de tensão por parte do Estado e dos latifundiários. Estes temiam uma revolução

camponesa, de maneira ágil e perversa a classe dominante responde com violência,

tocaias, perseguições, chacinas e repressão, com o movimento praticamente aniquilado,

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e a massa rural amedrontada, em 30 de novembro de 1964, com a lei 4.504 foi criado o

Estatuto da Terra1. Com a promessa de uma reforma agrária foi outra estratégia utilizada

pelos governantes para apaziguar, os camponeses e tranquilizar os grandes proprietários

de terra.

3. Novas configurações da Política de Reforma Agrária no Brasil: O II Plano

Nacional de Reforma Agrária (PNAR)

Com a efervescência dos movimentos de luta pela terra na década de 1980,

como o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o aumento de

conflitos por terra, o Estado aprova o Decreto nº 91766 de 10 de outubro de 1985 que

cria o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), tendo como objetivo efetivar o

Estatuto da Terra. O Plano previa (1985, p. 41),

Promover melhor distribuição de terra, mediante modificações do regime de posse e uso, adequando-o às exigências do desenvolvimento do país através da eliminação progressiva do latifúndio e do minifúndio, de modo a permitir o incremento da produção e da produtividade, atendendo, em consequência, dos princípios de injustiça social, e o de cidadania do trabalhador rural.

Em uma arena de lutas de classes, esse momento histórico presente no país, nos

anos 1980 contextualizado por, Araújo (2004, p.25) é elucidativo,

a questão agrária volta à cena cotidiana face à crescente demanda por terra, expondo a contraface do processo de modernização. [...] A ampliação dos conflitos revela que os mesmos já não são apenas conflitos em torno da terra, da produção ou das condições de trabalho. Trata-se também da construção de obras públicas, da assistência governamental nas situações de calamidade do meio ambiente, da assistência médica, entre outras questões.

1 Acessar: www.senado.gov.br/legislacao/listapublicacoes para ler o texto na integra.

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Mesmo a PNRA2 apresentando-se de modo defasado, comparece como resposta

desse processo acumulativo de forças dos Movimentos Sociais e demais segmentos

democráticos da sociedade civil. Para a efetivação dos objetivos postos no plano era

preciso mais que sua existência, sendo mais uma vez boicotado pela elite ruralista

brasileira, que para unir forças conta a reforma agrária cria a União Democrática

Ruralista (UDR), caracteriza a UDR como “entidade que conjugou métodos de ação

tradicionais no campo em relação às lutas dos trabalhadores e, ao mesmo tempo,

construiu, frente às bases e ao conjunto do empresariado brasileiro, uma imagem

moderna, dinâmica, empresarial” (MEDEIROS,1989 apud ARAÚJO, 2005, p. 26).

Tais forças articuladas e mobilizadas irão interferir diretamente para o retrocesso

e inviabilização da reforma agrária, no momento que na elaboração da Carta Magna de

1988, introduziu a noção de “propriedade produtiva” isenta de desapropriação. Outras

séries de medidas foram tomadas como o esvaziamento do INCRA, a extinção do

Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento, ainda o não direcionamento de

orçamento para a concretização da reforma (ARAÚJO, 2005, p. 26).

Novamente a história se repete, quando através da luta o trabalhador rural

conseguiu ter voz no âmbito político, as respostas foram de formas pontuais e

assistencialistas, na tentativa de não tomar proporções mais amplas aquela

manifestação. Durante o governo Collor a questão agrária foi tratada com violência e

repressão, o que fizeram aumentar os conflitos por terra e agravar a situação das

famílias que viviam no campo.

Outros elementos serão inseridos na relação com o Estado no que diz respeito a

questão agrária durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Até meados da

década de 1990 a questão agrária não ocupava espaço na agenda política do governo,

que desenvolvia apenas ações pontuais de alívio da pobreza rural (como o Programa

Comunidade Solidária no estado do Ceará), sem qualquer intencionalidade de

redistribuição fundiária.

Nesse mesmo período em diversos estados do Brasil eclodem manifestações dos

movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores rurais que reivindicavam por

condições dignas de vida no campo, com acesso a terra e trabalho, a luta pela reforma

agrária. A violência no campo contra o pequeno agricultor e trabalhadores rurais torna-

2 O plano tinha como meta até o ano de 1989 o assentamento de 1,4 milhão de famílias de trabalhadores rurais sem terra ou com terras insuficientes para subsistência, no entanto, apenas 82.689 famílias foram assentadas. Acessar: www.senado.gov.br/legislacao/listapublicacoes

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se mais visível, marcando esse momento histórico os massacres de Corumbiara (RO) e

Eldorado dos Carajás3 (PA), esses tiveram repercussões nacionais e internacionais. Tais

massacres são símbolos do poder dos grandes latifundiários do país e da conivência do

Estado perante essa classe social.

As políticas agrícolas adotadas pelo governo de FHC eram incapazes, segundo

Pereira e Sauer (2008, p. 174) de proteger a massa de agricultores familiares e

camponeses da pressão concentradora e excludente provocada pelo padrão de

desenvolvimento agropecuário dominante, ainda mais agravado pelo modelo econômico

adotado.

No entanto, com as pressões dos trabalhadores rurais o governo é impulsionado

a trazer para o âmbito da esfera pública o tema da reforma agrária. Pactuados com as

classes dominantes e os ideais neoliberais o governo de FHC com um discurso

inovador, propõe a necessidade de reformar a reforma agrária, argumentando que a

mesma, era arcaica, burocrática e onerosa para os cofres da União. Dessa forma lança

um modelo de reforma agrária que estaria pautada no livre mercado, na oferta e procura,

garantindo a eficiência e custos mais concorrentes para o acesso a terra. Em meados da

década de 1990 o Brasil experimenta as primeiras ações desse novo modelo de gerir a

questão agrária, pautado nas orientações do Banco Mundial.

Esse novo modelo faz parte de uma agenda de reformas do Branco Mundial

(BIRD) que é a liberalização dos mercados de terra. Para sua agenda agrária suas ações

se dariam em dois eixos complementares: o estímulo à mercantilização total do acesso à

terra rural, a ser viabilizada por mudanças institucionais e legais, com o objetivo de

elevar a produtividade da terra, favorecer o livre fluxo de força de trabalho no campo,

atrair o capital privado para a economia rural e potencializar a integração subordinada

de parcelas especificas do campesinato pobre ao regime de acumulação comandado pela

burguesia agroindustrial-financeira. Por outro lado, a defesa de um rol de programas

3 Em 17 de abril de 1996 policiais militares promoveram o Massacre de Eldorado de

Carajás, que ganhou repercussão internacional e deixou marca na história do país. Passados 13 anos do massacre no Pará, permanecem soltos os 155 policiais que mataram 19 trabalhadores rurais, deixaram centenas de feridos e 69 mutilados. Entre os 144 incriminados, apenas dois foram condenados depois de três conturbados julgamentos: o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira. Ambos aguardam em liberdade a análise do recurso da sentença, que está sob avaliação da ministra Laurita Vaz, do STJ

(Superior Tribunal de Justiça). Acessar: http://www.mst.org.br/especiais/27/destaque

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“sociais” no meio rural, a fim de aliviar a pobreza de maneira focalizada, especialmente

a “governabilidade” das “democracias de mercado”. (PEREIRA, 2006, p. 17)

Para Borras (2006, p. 133) a reforma agrária de mercado não constitui uma

reforma redistributiva; em termos de processo, ela solapa, ao invés de complementar, a

reforma agrária potencialmente redistributiva conduzida pelo Estado. Segundo o autor,

(idem, p. 153) uma reforma agrária tem de causar, em uma estrutura agrária existente,

uma mudança na propriedade da terra e/ou no controle sobre os recursos fundiários.

Essa mudança deve transferir estritamente a terra dos proprietários para as classes dos

sem-terra e com pouca terra, ou de proprietários ricos para camponeses pobres.

Sauer e Pereira (2006, p. 173) o modelo de reforma agrária de mercado do

Banco Mundial (BIRD) encontrou, no Brasil, a partir de 1996, as condições ideais para

a sua implementação, as quais abarcavam desde a orientação de uma coalizão de poder

interessada em promover uma contrarreforma radical do Estado (diminuindo gastos com

políticas sociais e descentralizando responsabilidades), até a necessidade de criar

políticas governamentais capazes de conter a pressão social advinda das lutas históricas

por acesso à terra.

Para a implementação desse novo modelo o governo de FHC aciona diversas

estratégias estreitamente articulas com os seguintes objetivos, desarticular os

movimentos sociais que lutavam pela reforma agrária e expandir o mercado de terras,

nessa direção utiliza de táticas para criminalizar as ações dos movimentos, acionando a

Polícia Federal para controlar essas ações e ainda utilizando dos órgãos geridos pelo

Estado, como o INCRA e o poder Judiciário no sentido de inviabilizar as

desapropriações.

Cria o projeto piloto de “Reforma Agrária e Alívio da Pobreza” ou “Cédula da

Terra” nos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, Maranhão e norte de Minas Gerais. O

projeto previa financiar a compra de terras por quinze mil famílias em quatro anos, com

o empréstimo feito ao BIRD. Mesmo recebendo fortes criticas dos movimentos sociais

agrários e entidades sindicais foram executados nos períodos de 1997 até 2002.

A região escolhida para iniciar no país o modelo de reforma agrária de mercado

não foi aleatória, o meio rural nordestino, uma das regiões do país que concentra altos

índices de desigualdade social, onde historicamente foi marcada por conflitos de terra,

apresentando grandes latifúndios e relações de trabalho de extrema exploração do

homem. Outro fator considerado pelo governo esta relacionado à presença do BIRD na

região desde os anos de 1970.

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O governo consegue aprovar em 1998, o Projeto de Lei nº 25, que previa a

criação de um fundo público para o financiamento de compra de terras para

camponeses, agricultores familiares e trabalhadores rurais. Tal Projeto de lei institui o

Fundo de Terras ou Banco da Terra, nesse momento a reforma agrária de mercado deixa

de ter um caráter de projeto piloto e assume características de política pública com

dimensões nacionais. (PEREIRA E SAUER, 2006).

Para o funcionamento do Banco da Terra seria direcionado recursos da União e

de empréstimo fornecido pelo Banco Mundial, no entanto, diante da resistência dos

movimentos sociais, os recursos do BIRD somente foram liberados em 2000, sendo

direcionados para outro programa de financiamento à compra de terras, o Crédito

Fundiário de Combate à Pobreza Rural4, negociado com uma das entidades que

participam do Fórum Nacional pela Reforma Agrária de Justiça no Campo5 a CONTAG

(Idem, 2006).

As condições socioeconômicas e conjuntura política do país no período de

implantação desse novo modelo de reforma agrária, para os autores Pereira e Sauer

(2006) podem ter contribuído para a adesão por parte de alguns segmentos organizados

que lutavam pelo acesso a terra. Segundo Buainain (idem, 2006, p. 180)

Essa concepção de acesso à terra, fruto de uma “negociação entre as partes, solidária e sem conflitos” parece ser eficaz em atrair uma camada do público potencial da reforma agrária (...). Na atual conjuntura de mobilização, ao colocar nova opção de acesso à terra, o Cédula da Terra introduz uma disputa política e ideológica com outros movimentos sociais e sem mediadores (...), os quais detém, hoje, a iniciativa política neste campo e defendem o acesso à terra via instituto da desapropriação.

Uma pesquisa realizada pelo Fórum de Reforma Agrária, apontada parcialmente

por Pereira e Sauer (2006) sobre a Cédula da Terra revelam que o caráter de

4 Esse programa foi ampliado no governo Lula, e pretende ser analisado por esse estudo posteriormente. 5 O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA) tem suas origens

na década de 1980, quando nasceu a Campanha Nacional pela Reforma Agrária coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (Ibase) que já aglutinava as diferentes entidades de luta pela terra no Brasil. Lutam pela reforma agrária e pela agricultura familiar que garanta o desenvolvimento sustentável e solidário com trabalho, renda, produção de alimentos para o mercado interno e soberania alimentar.

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redistribuição de terra com mais eficiência, menos custos e transparência do processo

estão distantes da realidade apresentada por esse estudo. Implementado de 1997 a 2002

o Cédula deixa marcas no Nordeste brasileiro.

O cédula foi dividido em dois subcomponentes: aquisição de terra (SAT) e para

investimentos complementares (SIT). O SAT financiava a aquisição de imóveis rurais

com prazo de amortização de 10 anos, com a implantação do Banco da Terra algumas

condições irão modificar em 1999, como a amortização em 20 anos. O SIT provia

recursos a fundo perdido para investimentos comunitários após a compra da terra em

três áreas básicas: infraestrutura (eletrificação, melhoramento de estradas, fornecimento

de água, etc.), social (melhoria de escola ou posto de saúde, centro comunitário, etc.) e

produtiva (irrigação, agroprocessamento em pequena escala, tratores, etc.), (PEREIRA

E SAUER, 2006, p. 182)

Seguindo um modelo de reforma agrária de mercado, o Cédula teve gestão

descentralizada, de tal maneira que em cada um dos cinco estados que desenvolviam o

programa constitui-se um arranjo institucional específico.

De acordo com Buainain, 1999 (Apud PEREIRA E SAUER, 2006), a seleção

dos municípios seguiu critérios como a existência de conflitos agrários latentes ou

explícitos, situação de pobreza mais acentuada, existência de sindicatos de trabalhadores

rurais favoráveis ao projeto, capacidade operacional da unidade técnica e apoio de

prefeituras e lideranças políticas locais. Priorizou áreas conflituosas e segmentos

extremamente pobres em um período de seca e de perdas agrícolas, tendo por base, ao

que parece, arranjos clientelistas com agentes políticos locais.

A pesquisa apontou além de outras irregularidades, desvios de finalidade,

favorecimento e corrupção em inúmeros projetos, como a elaboração de laudos técnicos

fraudulentos, o superfaturamento de imóveis rurais, a compra de várias áreas de uma

mesma empresa ou proprietário, a aquisição de imóveis localizados em Mata Atlântica,

a imposição de procedimentos por políticos locais, o conluio entre prefeituras e

proprietários de terras vendidas e a compra de áreas passiveis de desapropriação.

(PEREIRA E SAUER, 2008, p.190)

Ainda, a aquisição de terras com baixo potencial para a produção o que implicou

diretamente na capacidade de pagamento da divida por parte dos beneficiários,

considerando as irregularidades acima, a pesquisa mostrou que existem problemas na

sustentabilidade dos projetos.

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O projeto piloto Reforma Agrária Solidária, implantado no Ceará foi finalizado

em 1998 e o Cédula da Terra substituído em 2002 pelo programa Crédito Fundiário de

Combate à Pobreza Rural que ganha dimensão nacional. O governo posterior ao de

FHC ganha como legado o modelo de reforma agrária de mercado, mantendo algumas

das iniciativas do governo anterior, Lula manteve o programa Banco da Terra, com um

novo nome Consolidação da Agricultura Familiar e algumas reformulações;

implementou, o projeto Crédito Fundiário de Combate à Pobreza Rural; criou uma linha

de financiamento para jovens agricultores comprarem terra; reformulou o Fundo de

Terras, a fim de fortalecê-lo como instrumento de longo prazo para financiamento de

compra dos e terras; criou o Programa Nacional de Crédito Fundiário, responsável pela

gestão do Fundo de Terras e de todos os programas e projetos nessa área. (idem, 2006,

p. 198)

O governo Lula utilizou de outras estratégias na implementação da reforma

agrária de mercado, essa aparece como metas no Plano Nacional de Reforma Agrária,

colocando a reforma agrária constitucional através da desapropriação (bandeira de luta

dos movimentos sociais) unida a reforma agrária de mercado (proposta pelo Banco

Mundial), ambas caminhando juntas na construção de uma política agrária que

ampliasse o acesso a terra por parte dos trabalhadores rurais sem-terra e pequenos

agricultores, estratégia atrelada a ampliação do diálogo com os movimentos sociais

rurais e demais entidades representativas dos trabalhadores rurais.

O Consolidação da Agricultura Familiar seria implementada apenas nos estados

que não foram incluídos no empréstimo do BIRD para o Programa Crédito Fundiário de

Combate à Pobreza Rural. Os aportes de recursos financeiros para o Fundo de Terras

são exclusivos da União. Em relação ao programa Crédito Fundiário de Combate à

Pobreza Rural iniciou de fato em 2004, e teve mais duas fases aprovadas pelo Banco

Mundial o que significa o prolongamento do projeto até 2012, com metas para financiar

a compra de terras por cerca de 190 mil famílias (idem, 2006, p. 200)

O governo Lula, além de dar continuidade ao modelo de reforma agrária de

mercado, ainda o amplia, com a criação de novas linhas de financiamento, incorporando

e incentivando a participação de outros sujeitos, como os jovens agricultores, com o

programa “Nossa Primeira Terra”, gerando uma expectativa de ser mais fácil ter acesso

a terra. Outra mudança que amplia a atuação do governo foi a reestruturação do Fundo

de Terras, oficializado como a fonte financiadora de todos os programas de “credito

fundiário” em curso, viabilizando a contrapartida nacional aos empréstimos do BIRD.

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Na lógica do atual governo, o Fundo deveria ser organizado para ter

sustentabilidade financeira suficiente para operar durante um longo período. A

existência desse instrumento mostra que os programas governamentais de

financiamento à compra de terras rurais por agentes privados passaram a assumir a

lógica e o status de política de Estado, com um caráter permanente. (Idem, 2006, p. 200)

Nessa ótica, o governo cria o Programa Nacional de Crédito Fundiário6 (PNCF),

unificando as linhas de financiamento citadas e do Fundo de Terras por um único órgão:

a Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA) do MDA.

O Departamento de Crédito Fundiário (DCF) integra a Secretaria de Reordenamento Agrário sendo a instância responsável pela gestão e coordenação do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). Seu papel é de formular, propor e implementar políticas públicas nacionais e diretrizes de crédito fundiário, fortalecendo mecanismos complementares de acesso à terra e de consolidação do desenvolvimento da agricultura familiar no campo. Suas ações visam contribuir com a redução da pobreza no meio rural, com a geração de ocupação produtiva e melhoria da renda e da qualidade de vida dos trabalhadores rurais. (MDA, 2010)

No exercício de 2003-2004, previu-se o financiamento de 37.500 famílias pelas

três linhas de crédito, nesse período foram financiadas apenas 15.707 famílias, desse

total 10.880 foram financiadas pelo programa “Combate a Pobreza Rural”, ou seja,

programa que recebe recursos do Banco Mundial. Os autores Pereira e Sauer (2006)

concluem que o simples fato da existência de aporte de recursos externos estimula a

execução desse tipo de programa, em detrimento de outras modalidades de ação

fundiária.

Atualmente, as principais linhas de financiamento do Programa Nacional de

Crédito Fundiário, são: Combate à Pobreza Rural (CPR) e Consolidação da Agricultura

Familiar (CAF), ambas desde 2009 são financiados com recursos da União, através do

Fundo da Terra. Beneficiam trabalhadores rurais sem-terra, pequenos produtores rurais

e proprietários de minifúndios. Devem residir em regiões com baixo Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH) e nos Territórios da Cidadania7. O programa desde o

ano passado expandiu-se para 21 estados do país.

6 Acessar: www.creditofundiario.gov.br 7 O Territórios da Cidadania tem como objetivos promover o desenvolvimento

econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de

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4. A particularidade do estado do Rio Grande do Norte

Desde meados dos anos 2000, a modalidade adotada pelo Governo Federal, de

reforma agrária de mercado, tem expandido no Rio Grande do Norte, talvez

estrategicamente, em áreas em que os conflitos de terra se fizeram fortemente presentes

em décadas anteriores. No estado o programa é gerido pela Secretaria de Estado de

Assuntos Fundiários e de Apoio à Reforma Agrária – SEARA8.

A ampliação dessa modalidade tem sido alvo de debate por parte de várias

instituições que prestam assessoria técnica a áreas de assentamentos, movimentos

sociais (MST) e sindicatos dos trabalhadores rurais. Alguns desses segmentos

permanecem resistentes a proposta de reforma agrária de mercado adotada pelo

governo, no momento que tem secundarizado e deixado ainda mais distante a realização

de uma reforma agrária redistributiva via desapropriação.

No mapa do estado, podemos identificar que predominavam projetos de

assentamentos rurais provenientes da desapropriação da terra pelo Instituto Nacional de

Colonização da Reforma Agrária – INCRA, a inserção de um novo modelo de reforma

agrária poderá trazer alterações nessa configuração, que se acredita não dar conta do

número de famílias que aguardam por terra no estado. Vejam mapa abaixo.

desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia. Acessar: http://www.territoriosdacidadania.gov.br

8 Acessar :www.seara.rn.gov.br.

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A implantação do II Plano Nacional de Reforma Agrária em 2003 sugere a

ampliação da Reforma Agrária de mercado, ou seja essa modalidade de acesso a terra

via compra de terra para o agricultor familiar passa a fazer parte das diretrizes da

agraria dessa modalidade. No entanto, a proposta seria de complementaridade da

reforma agrária via desapropriação. Como referendado anteriormente o plano serve para

nortear a ação de um governo, mas não é suficiente para sua concretude, outras questões

influenciam diretamente, como as forças políticas envolvidas no processo, e

principalmente a direção econômica adotada pelo Estado.

O Estado do Rio Grande do Norte apresenta características marcadas por sua

complexidade, não diferente de outras regiões do Nordeste, onde no meio rural a maior

ocupação de sua população é a agricultura de subsistência. Sofrem com a falta de água

para consumo e produção, pois, está localizada na região do semiárido, onde as chuvas

são escassas e irregulares, e o período de estiagem dura meses.

Outra questão de relevância incontestável é a concentração de latifúndios na

região, sendo uma das marcas da questão social, no momento em que sua população é

obrigada a se submeter aos acordos estabelecidos com os proprietários de terras para

sobreviver, como são os casos dos meeiros, arrendatários, parceiros, comodatários e

diaristas. Essas relações estabelecidas em torno da propriedade fazem parte de uma

construção histórica no mundo e no país. Para Araújo (2005) “a questão agrária

compreende relações de poder econômico e político-cultural entre diferentes sujeitos

com interesses e perspectivas diferenciadas em torno da propriedade da terra e seus

múltiplos usos no capitalismo”.

Relações que desencadearam conflitos agrários em diversas regiões do estado

nas últimas décadas, culminaram no processo de desapropriação de terras nos anos 1980

e 1990. Essas desapropriações foram marcadas por muita violência por parte dos

proprietários de terra e práticas burocráticas do Estado. Após as desapropriações em

algumas regiões do Rio Grande do Norte, como a região do Mato Grande9,

encontraremos assentamentos desprovidos de qualquer assistência do Estado, faltam

condições mínimas para a sobrevivência.

Observe que além das questões geográficas e climáticas que envolvem a região,

outros fatores dificultam o crescimento sustentável das famílias no campo, como a

carência de políticas de saúde, previdência e assistência social, saneamento básico,

9 Ler Araújo (2005) em, “Assentamentos Rurais: Trajetórias dos trabalhadores assentados e cultura política”.

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qualidade de vida, educação e emprego. A questão cultural e política não podem ser

minimizadas, os períodos eleitorais, por exemplo, têm sido propícios para a

manifestação de relações de favor e de clientelismo, do uso de dinheiro e /ou políticas

públicas em proveito de particulares, ensejando a corrupção eleitoral e a reprodução das

desigualdades. (Araújo, 2005, p.68).

A atividade que mais gera ocupações nas regiões rurais é a agricultura, sendo na

maioria dos estabelecimentos rurais a produção realizada por mão-de-obra familiar. Ou

seja, mão-de-obra não remunerada, agricultores familiares, produzindo culturas de

subsistência. Seguidos dos empregos temporários, vinculados às culturas temporárias.

Os dados do Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) novamente afirmam essa

estatística, no Brasil em um total de 16.414.728 milhões de trabalhadores, cerca de

12.810.591 estão ocupados em estabelecimentos agropecuários onde mantém laços de

parentesco com o produtor. Os outros 3.557.042 milhões são trabalhadores contratados

sem laços de parentesco com o produtor; na região Nordeste prevalece as relações de

ocupação na agricultura familiar, com 6.232.153 de trabalhadores ocupados em

estabelecimentos agropecuários com laços de parentesco; repetindo-se no Rio Grande

do Norte predominam as relações de ocupação da agricultura familiar em 83.364

estabelecimentos agropecuários, ocupando cerca de 198.314 mil trabalhadores rurais, no

momento que 11.334 dos estabelecimentos ocupam em média de 48.890 trabalhadores

contratados.

Note que se encontrando a maior parte da população enquadrada nos dois

primeiros tipos de ocupação a renda familiar é considerada baixa, mantendo a mesma

em situações precárias de sobrevivência, pois, na maioria dos casos não possuem meios

para produção, como a falta de insumos, máquinas e implementos, assistência técnica e

o principal a terra.

A demanda por terra no estado tem aberto espaço para a introdução e expansão

do Crédito Fundiário10, segundo dados do Sistema de Qualificação de Demanda – SQD,

em 11/10/2010, existiam 968 estabelecimentos em negociação, com 6.609 famílias

cadastradas, no entanto, esses dados não são fechados podendo variar no processo de

negociação de compra da terra. No entanto, caracterizam a existência de uma demanda

significativa pelo programa, ou na verdade, uma demanda por terra, por Reforma

10 Informações relacionadas a quantidade de famílias beneficiadas pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário; e estabelecimentos agropecuários estão previstos para serem coletados na SEARA, o acesso a esses dados são restritos para funcionários e técnicos que prestam assistência técnica .

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Agrária. No tocante, que o critério principal para ser beneficiado pelo programa é ser

trabalhador rural sem terra ou aquele que tem terra insuficiente para produção de

práticas agrícolas de subsistência.

3. À guisa de discussão Na busca de analisar as questões inerentes a situação do trabalhador rural no

Brasil, no que diz respeito a sua luta por acesso a terra é indispensável se aproximar de

suas expressões, buscar sua gênese, determinações e previsões. Como visto, o Lócus da

nossa investigação é o Estado do Rio Grande do Norte, que desde 2003 é regido pelo II

Plano Nacional de Reforma Agrária avança na implementação do modelo de reforma

agraria via compra e venda ou de mercado. Contemplando uma segunda etapa do nosso

estudo, realizaremos entrevistas com os gestores e funcionários do INCRA e do

SEARA, órgãos estaduais responsáveis pela implementação do II PNRA; como também

entrevistas com representantes dos movimentos sociais, ONG’s e sindicatos que lutam

pelo acesso a terra no estado. Esses sujeitos históricos são importantes na análise de

uma política pública. Para Behring e Boschetti (2007),

“é imprescindível compreender o papel do Estado e sua relação com os interesses das classes sociais, sobretudo na condução das políticas econômica e social, de maneira a identificar se dá mais ênfase aos investimentos sociais ou privilegia políticas econômicas; se atua na formulação, regulação e ampliação de direitos sociais...; se investe em políticas estruturantes de geração de emprego e renda; se fortalece e respeita a autonomia dos movimentos sociais [...]”

A ausência de uma política agrária que modifique a questão agrária tem

culminado no agravamento da questão social do país, no momento em que os governos

durante a trajetória política do Brasil, optaram em preservar a estrutura fundiária

dominada pelos latifundiários e a expansão do agronegócio em detrimento das

demandas sociais e econômicas postas pela classe trabalhadora rural.

Para Araújo (1997, p. 43) um processo de Reforma Agrária tem “como seus

pilares mais importantes políticas de corte econômico, como a fundiária, a de crédito

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(para financiamento a investimentos fixos ou de custeio), a de oferta de infraestrutura

básica (de transporte e comunicações, por exemplo) a de produção de sementes

selecionadas, a de comercialização e armazenagem, entre outras” (apud ARAÚJO,

2001, p. 109).

Nesse contexto, ao se levar em conta o quadro atual de crise e de grandes

transformações econômicas, políticas e sociais, a multiplicação do número de

assentamentos não se fez acompanhar de outras condições capazes de assegurar a

qualidade dos trabalhadores ali assentados. Urge, portanto, analisar se a reforma agrária

de mercado11 coloca-se no âmbito da complementariedade do processo de

desapropriação de terra ou se o mesmo tem assumido um espaço de sobreposição a

reforma agrária constitucional, ou até mesmo questionar se esse modelo leva a

democratização da terra.

Cabem, nesse sentido, os seguintes questionamentos: A política agrária do atual

governo tem conseguido de alguma forma, alterar a questão agrária? O acesso a terra

tem avançado para diminuir a concentração fundiária12?A reforma agrária via

desapropriação dá conta das metas propostas no II PNRA? Qual a dimensão que ganha a

reforma agrária de mercado? E, ainda, qual a situação do trabalhador rural e agricultor

familiar com pouca terra após a implementação do plano? Essas são perguntas lançadas

para o debate e as quais buscaremos problematizar nos estudos subsequentes.

Bibliografia

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11 A linha de crédito, Combate à Pobreza Rural (CPR), do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), foi ampliado em 2009 deixando de atender de 14 para 21 Estados. Até 2008 era financiado com recurso advindo do Banco Mundial passando a ser desenvolvido exclusivamente com recursos da União. Essa programa sugere a consolidação do mesmo em política pública permanente. (WWW.creditofundiario.gov.br) 12 O Censo Agropecuário 2006 (que comparou dados de 1996 a 2006) aponta que as pequenas propriedades (com menos de 10 hectares) ocupam apenas 2,7% da área ocupada por estabelecimentos rurais. Já as grandes propriedades (com mais de mil hectares) ocupam 43% da área total. Mas em quantidade, as pequenas propriedades representam 47% do total de estabelecimentos rurais no país, enquanto os latifúndios correspondem a apenas 0,91% desse total.

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