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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais Especialização em Relações Internacionais Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 1 Introdução À saída da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a União Soviética encontravam-se numa situação semelhante de isolamento internacional, afastadas do sistema pelas potências vencedoras da Grande Guerra e severamente punidas pelos tratados de paz que se seguiram à sua derrota. Para o objeto deste trabalho, importa localizar as suas perdas na Europa Oriental. A Alemanha, por um lado, viu o seu território nacional ser separado em dois com o estabelecimento de uma Polónia independente e com a criação de um corredor terrestre que lhe dava acesso ao Mar Báltico, o corredor de Danzig. A própria cidade de Danzig, outrora alemã, ficou sob a proteção da Sociedade das Nações como uma cidade semiautónoma. Por outro lado, a União Soviética, ainda Rússia Soviética na altura, perdeu os territórios da Finlândia, Letónia, Estónia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia. À exceção da Ucrânia que integrou em 1922 a União, todos os outros países ganharam a independência com a derrota alemã. A juntar às perdas territoriais, ambos os países não foram convidados a integrarem a recém-criada Sociedade das Nações, confirmando o seu isolamento internacional, isolamento esse que ia para além do plano político e diplomático. O quadro que se apresenta assim é ilustrativo da situação adversa e idêntica que os dois países tiveram de enfrentar à saída da Primeira Guerra Mundial. Não será de estranhar, portanto, que os dois países tenham sentido a necessidade de uma aproximação mútua de modo a poderem abandonar o seu isolamento, ainda que parcialmente. O primeiro grande marco dessa aproximação deu-se com a assinatura do Tratado de Rapallo em 1922, onde as duas partes restabeleceram plenamente as suas relações diplomáticas que tinham sido interrompidas desde 1918, resolveram as pretensões mútuas, assim como marcou o início de um aumento significativo nas trocas comerciais entre os dois países, revestido de maior importância dada a falta de trocas com as potências ocidentais. Estas trocas comerciais mantiveram-se constantes e relevantes até à ascensão ao poder na Alemanha do partido Nazi e de Hitler que ditou uma quebra significativa de qualquer tipo de relações entre a Alemanha e a

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  • Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Cincias Sociais e Humanas

    Mestrado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais Especializao em

    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 1

    Introduo

    sada da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a Unio Sovitica

    encontravam-se numa situao semelhante de isolamento internacional, afastadas do

    sistema pelas potncias vencedoras da Grande Guerra e severamente punidas pelos

    tratados de paz que se seguiram sua derrota. Para o objeto deste trabalho, importa

    localizar as suas perdas na Europa Oriental. A Alemanha, por um lado, viu o seu

    territrio nacional ser separado em dois com o estabelecimento de uma Polnia

    independente e com a criao de um corredor terrestre que lhe dava acesso ao Mar

    Bltico, o corredor de Danzig. A prpria cidade de Danzig, outrora alem, ficou sob a

    proteo da Sociedade das Naes como uma cidade semiautnoma. Por outro lado, a

    Unio Sovitica, ainda Rssia Sovitica na altura, perdeu os territrios da Finlndia,

    Letnia, Estnia, Litunia, Bielorrssia e Ucrnia. exceo da Ucrnia que integrou

    em 1922 a Unio, todos os outros pases ganharam a independncia com a derrota

    alem. A juntar s perdas territoriais, ambos os pases no foram convidados a

    integrarem a recm-criada Sociedade das Naes, confirmando o seu isolamento

    internacional, isolamento esse que ia para alm do plano poltico e diplomtico.

    O quadro que se apresenta assim ilustrativo da situao adversa e idntica

    que os dois pases tiveram de enfrentar sada da Primeira Guerra Mundial. No ser

    de estranhar, portanto, que os dois pases tenham sentido a necessidade de uma

    aproximao mtua de modo a poderem abandonar o seu isolamento, ainda que

    parcialmente. O primeiro grande marco dessa aproximao deu-se com a assinatura

    do Tratado de Rapallo em 1922, onde as duas partes restabeleceram plenamente as

    suas relaes diplomticas que tinham sido interrompidas desde 1918, resolveram as

    pretenses mtuas, assim como marcou o incio de um aumento significativo nas

    trocas comerciais entre os dois pases, revestido de maior importncia dada a falta de

    trocas com as potncias ocidentais. Estas trocas comerciais mantiveram-se constantes

    e relevantes at ascenso ao poder na Alemanha do partido Nazi e de Hitler que

    ditou uma quebra significativa de qualquer tipo de relaes entre a Alemanha e a

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 2

    Unio Sovitica, tanto a nvel econmico como diplomtico. As trocas comerciais

    baixaram para nveis simblicos, quebrando assim a tendncia que se tinha sentido

    durante a dcada de 20 de aproximao diplomtica, econmica e militar, entrando-se

    assim num novo ciclo de relaes frias entre dois pases ideologicamente antagnicos

    que s um realismo poltico verificado nas duas partes, assim como renitncias do

    Reino Unido e Frana, puderam pr fim em 1939.

    Antes de se passar ao relato dos acontecimentos que levaram ao pacto e a uma

    anlise mais profunda das intenes e decises tomadas pelos decisores polticos

    envolvidos em todo o processo, importante deixar apontadas as motivaes dos dois

    mais importantes polticos envolvidos nesta questo. So eles Adolf Hitler, lder e

    fundador da Alemanha Nazi e Josef Estaline, lder da Unio Sovitica.

    Hitler e a ideologia nazi tinham objetivos bastante claros e definidos para a

    poltica externa alem. Um dos principais conceitos era o do Lebensraum, ou a

    necessidade da Alemanha de novos territrios onde a sua crescente populao se

    pudesse instalar, assim como a necessidade das matrias-primas necessrias para o

    desenvolvimento do pas. Associada a essa expanso territorial estava ainda o desejo

    de unir os alemes que no se encontravam na Alemanha, os Auslandsdeutsch, mas

    antes disseminados por uma srie de pases vizinhos, alguns deles com comunidades

    alems significativas. Este conceito do Lebensraum estava intimamente ligado a um

    outro termo, o Drang nach Osten, que significava a necessidade do povo alemo em se

    expandir para Leste, para terras eslavas. Estes conceitos foram usados por Hitler no

    seu livro Mein Kampf onde ele defendia claramente a necessidade de expanso para o

    Leste, nomeadamente para a Rssia, no s pela expanso territorial, mas tambm

    pela grande necessidade de matrias-primas que a Alemanha tinha, matrias-primas

    essas que a Rssia era rica. Outro dos objetivos maiores da poltica externa nazi era a

    necessidade de fazer justia pelas condies impostas Alemanha aps a sua derrota

    na Primeira Guerra Mundial. Hitler considerava que a Alemanha tinha sido humilhada

    pelas potncias vencedoras e pretendia traz-la mais uma vez para a primeira linha das

    naes, no s ao lhe restituir os territrios perdidos, mas em termos de transformar

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 3

    por completo o sistema internacional em vigor que era absolutamente incompatvel

    com seus intentos. Finalmente, associada ideologia nazi estava a luta contra o

    comunismo, que alis era recproca, que Hitler julgava ser uma criao do povo judeu.

    Estaline, por seu lado, estava frente de um pas que, como j foi referido,

    tambm tinha sofrido as suas perdas aps a Primeira Guerra Mundial, mas que se

    encontrava j numa situao interna bastante mais pacificada quando comparada com

    os primeiros anos da revoluo bolchevique. O objetivo mximo de Estaline era a

    segurana das fronteiras da Unio Sovitica. E ele tinha a profunda convico que a

    Unio Sovitica estava absolutamente cercada de inimigos, pelo que s poderia contar

    com ela mesma para assegurar esse objetivo. A ascenso ao poder de Hitler s veio

    aprofundar ainda mais essa noo. Por um lado, as potncias capitalistas ocidentais

    procurariam desestabilizar a Unio Sovitica sempre que houvesse oportunidade, por

    outro lado a Alemanha nazi e o seu profundo dio pelo comunismo no poderia ser

    tolerada. Aos olhos de Estaline, estes dois lados estavam em p de igualdade em

    termos de perigo para a segurana do pas. No entanto, acompanhado desta convico

    de absoluto isolamento internacional e conscincia que a Unio Sovitica s poderia

    contar com ela mesma, estava tambm um lcido pragmatismo. O processo lgico de

    Estaline para a poltica externa no estava toldado por um fundamentalismo

    ideolgico. Na poltica externa sovitica esta convico no se traduzia num

    isolamento da Unio Sovitica ou abstrao do que se passava a nvel internacional. Ao

    invs disso, Estaline interagia com os diferentes lados consoante as mais-valias que

    isso trouxesse para o seu pas de modo a assegurar o mximo de benefcios possvel

    para o seu pas.

    Para a segurana das fronteiras da Unio Sovitica era tambm necessrio dar

    uma especial ateno aos territrios que a circundavam. Na Europa, isso significava

    uma zona territorial que ia desde a Finlndia at Romnia. Como se ver mais

    frente, esta noo da segurana das fronteiras ser o eixo atravs do qual toda a

    poltica externa de Estaline nos anos finais da dcada de 30 seguir. Nomeadamente

    na criao de zonas de influncia e de um permetro de defesa que circundava as

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 4

    fronteiras da Unio Sovitica de modo a que permitissem uma margem de manobra

    maior na defesa do pas afastando o mais possvel o perigo estrangeiro. Enquanto este

    era o objetivo mximo de Estaline, o facto de a Unio Sovitica ter perdido uma parte

    significativa dos seus territrios europeus com a paz separada de Brest-Litovsk de 1918

    tinha tambm um peso nas motivaes de Estaline. A opo de os recuperar no

    estava, de modo nenhum, posta de parte. Se tal se demonstrasse possvel, seria um

    objetivo a ser perseguido.

    Ao longo deste trabalho tentar-se- encontrar a resposta para a questo de se

    a poltica externa sovitica, nos anos que antecederam a assinatura do Pacto Molotov-

    Ribbentrop, respeitou e seguiu os princpios propostos pela teoria do realismo

    ofensivo.

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 5

    O Realismo Ofensivo

    A teoria do realismo ofensivo, uma teoria inserida na escola realista das

    Relaes Internacionais, foi desenvolvida por John Mearsheimer no seu livro The

    Tragedy of Great Power Politics. Como teoria realista que , partilha com o realismo

    clssico diversos elementos, como a assuno de que o sistema internacional

    anrquico, que no h qualquer entidade supranacional que gira os conflitos que

    surgem entre os estados. Contudo diverge em alguns pontos, especificamente nas

    causas que levam as grandes potncias, o alvo focado da teoria por serem as grandes

    potncias que maior capacidade possuem em afetar a poltica internacional e como ela

    se desenvolve, a agir da forma que agem. Uma dessas divergncias a de que o que

    molda a ao dos estados no a natureza humana e a sua inerente vontade de

    poder, como Morgenthau defendeu, mas antes o desejo dos estados em garantirem a

    sua segurana1. E para atingir a sua segurana, os estados agem agressivamente no

    plano internacional, tentando ganhar mais poder s custas de outros estados pois, com

    um aumento de poder, aumenta tambm a sua segurana e aumentam as suas

    hipteses de sobrevivncia.

    O realismo ofensivo afasta-se tambm de outra corrente realista, a do realismo

    defensivo, na medida em que, apesar de considerar, como o realismo defensivo, que o

    objetivo mximo dos estados garantir a sua segurana e sobrevivncia, os meios que

    usam para o atingir so diferentes. O realismo defensivo sustenta que os estados

    procuram manter o equilbrio do poder, sem buscar mais poder para garantir a sua

    segurana, no desestabilizando assim o sistema internacional. O realismo ofensivo,

    por outro lado, defende que o facto de um certo estado ter garantida a sua segurana

    num determinado momento no ser suficiente para travar a sua busca por mais

    poder. O facto de o amanh ser uma incgnita, assim como os desejos dos estados

    com quem partilha a arena internacional, faz com que os estados no se contentem

    com um nvel mnimo de segurana. Como j referido, maior poder significa

    1 MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton &

    Company, 2001 (p.21)

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    Mestrado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais Especializao em

    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 6

    automaticamente uma maior probabilidade de sobrevivncia pelo que estes devem

    lutar sempre por esse poder, se possvel at hegemonia global.

    No entanto, devido barreira fsica que representam grandes massas de gua,

    a probabilidade de algum estado alguma vez vir a atingir a hegemonia global muito

    escassa. Nem mesmo os Estados Unidos, o primeiro hegemnico regional da era

    moderna2, teve intenes de conquistar territrios na sia ou Europa. Dada esta

    impossibilidade, o autor defende que os estados procuram antes atingir o estatuto de

    hegemonia regional e, assim que o conseguem, devem impedir que outros estados

    atinjam igualmente esse estatuto. E para o conseguirem tm sua disposio uma

    srie de estratgias que o autor desenvolve, que mais frente sero abordadas.

    Em segundo lugar, tambm do interesse dos estados maximizar a sua riqueza

    e aumentar o seu peso no total da riqueza mundial3. E fazem-no porque riqueza, ou

    poder econmico, permite-lhe construir umas foras armadas que lhes deem a

    capacidade de perseguir os seus objetivos de poltica externa. Isto significa que eles

    devem procurar eles mesmos aumentar o seu poder econmico, mas tambm evitar

    que os seus adversrios faam o mesmo, ao impedir que estes controlem zonas ricas

    do globo4.

    Em terceiro lugar, os estados procuram aumentar o poder das suas foras

    terrestres, ou exrcitos, assim como a marinha e fora area como suporte a esses

    exrcitos5.

    Em quarto e ltimo lugar, os estados procuram uma vantagem nuclear sobre os

    seus adversrios. Apesar de este requisito ter hoje em dia uma grande importncia na

    poltica internacional, no espao temporal abordado neste trabalho a bomba nuclear

    ainda no tinha sido desenvolvida, pelo que a sua observao no poder ser

    efetuada.

    2 Op. Cit., p.141

    3 Op. Cit., p.143 4 Op. Cit., p.144

    5 Op. Cit., p.145

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 7

    Em resumo, Mearsheimer oferece cinco fundamentos com os quais sistematiza

    o realismo ofensivo6:

    1. O sistema internacional anrquico, isto , o sistema composto por

    estados soberanos que no tm qualquer autoridade central sobre eles.

    No h qualquer organismo supranacional com capacidade de limitar a ao

    dos estados;

    2. As grandes potncias possuem capacidade militar ofensiva que lhes d a

    capacidade de infligir nos outros estados danos, com possibilidade de

    destruio dos mesmos;

    3. Os estados no tm, nem podem ter, a certeza sobre as intenes dos

    outros estados. Mais concretamente, no podem ter a certeza que outro

    estado no use a sua capacidade ofensiva militar contra si. Alm disso, o

    que hoje certo amanh poder deixar de ser, pelo que uma postura

    descontrada relativamente a estados cujos interesses possam ser

    partilhados durante um perodo de tempo, no garanta que se perpetue no

    tempo;

    4. A sua sobrevivncia o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por

    objetivo a integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem

    poltica interna;

    5. As grandes potncias so atores racionais. Agem de uma determinada

    forma, sabendo que a forma como agem afeta o comportamento dos

    outros estados e vice-versa.

    Estes so os cinco princpios basilares da teoria realista ofensiva que, quando

    conjugados, fazem com o que os estados assumam posturas agressivas.

    Enquanto estes princpios se aplicam aos estados em geral, outros conceitos

    importantes ajudam a compreender a poltica de Estaline no perodo de 1933, ano da

    ascenso de Hitler ao poder na Alemanha, at 1939. A Unio Sovitica foi uma grande

    6 Op. Cit., p. 31

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 8

    potncia que durante este perodo, sob a poltica externa de Estaline, foi um bom

    exemplo da ao de um estado numa lgica que se insere no realismo ofensivo. Estes

    outros princpios tornar-se-o claros ao longo das prximas pginas enquanto os

    eventos forem relatados.

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 9

    Estratgia para aumentar o poder

    Segundo o autor, os estados possuem vrios mecanismos ou estratgias para

    aumentar o seu poder relativo. Entre estes encontram-se a guerra, a chantagem, o bait

    and bleed e, por ltimo, o bloodletting que uma variante do bait and bleed.

    Guerra

    A guerra a estratgia principal usada pelos estados para aumentar o seu

    poder, mas tambm a mais controversa devido aos danos no s materiais que

    provoca, mas tambm humanos, sociais, etc.. Mearsheimer ope-se ideia de que a

    guerra no compensa. Segundo ele, esta ideia de que a guerra uma iniciativa que em

    ltima anlise traz aos seus intervenientes mais consequncias negativas do que

    positivas assenta em quatro pressupostos: o primeiro o de que todos os

    intervenientes acabam por perder a guerra. Ele nega-o ao dar vrios exemplos de

    guerras iniciadas por estados que acabaram por ter efeitos positivos ao estado que a

    iniciou. Segundo um estudo referido por si, de 1815 a 1980 foram iniciadas 63 guerras,

    onde em 39 dessas 63 guerras o estado que abriu as hostilidades acabou por vencer7.

    Um desses exemplos que tem ligao direta com o tema deste trabalho a guerra

    iniciada pela Alemanha contra a Polnia em 1939, onde a primeira conseguiu

    conquistar a segunda com enorme sucesso8.

    O segundo pressuposto assenta na ideia de que devido proliferao da bomba

    nuclear, praticamente impossvel grandes potncias iniciarem uma guerra entre si. O

    autor defende que apesar de tornar a guerra entre grandes potncias menos provvel,

    no elimina por completo essa possibilidade9.

    O terceiro e quarto pressupostos aceitam o facto de que as guerras podem ser

    ganhas, mas a grande custo. Quer a nvel econmico, quer a nvel dos benefcios de

    guerra. A nvel econmico argumentado que o preo de criar e manter um imprio 7 Op. Cit., p.39 8 Idem

    9 Op. Cit., p. 147

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 10

    muito alto j que para o atingir necessrio ter nveis elevados de despesa militar o

    que a longo prazo acaba por comprometer a competitividade econmica dos pases. A

    nvel dos benefcios da guerra, estes acabam por ser curtos e o estado vitorioso nunca

    acaba por gozar completamente as suas conquistas a nvel econmico devido aos

    nacionalismos que acabam sempre por existir o que torna a misso de controlar as

    populaes locais muito difcil, especialmente na era da informao. A resposta

    poderia ser a represso, mas isso por sua vez provoca reaes violentas10. A resposta

    de Mearsheimer primeira argumentao a de que, em muitos casos, verdade

    que a diferena entre os custos e os benefcios muito curta, pelo que nesses casos

    iniciar uma guerra no ser aconselhvel. Contudo, h casos histricos que vo contra

    esta argumentao, como o caso dos Estados Unidos da Amrica na primeira metade

    do sc. XIX e da Prssia entre 1862 e 1870. Para alm disso, o facto de um estado

    gastar muitos recursos econmicos em oramentos de defesa significar perda de

    competitividade econmica no necessariamente verdadeiro. Os Estados Unidos

    desde 1940 tm investido grandes quantidades nas suas foras armadas

    continuamente, no obstante, possuem a maior economia mundial. Por outro lado, o

    Reino Unido possuiu durante o sc. XIX um imprio que se estendia globalmente e

    apesar de eventualmente ter perdido competitividade econmica, poucos

    economistas associam esta perda ao investimento militar11. Referindo-se ao caso que

    poder ser mais ilustrativo da correlao direta entre investimento militar excessivo e

    declnio econmico da Unio Sovitica nos finais da dcada de 1980, Mearsheimer

    afirma que no unnime a ideia que as duas coisas esto interligadas.

    Relativamente ao segundo ponto, o dos escassos benefcios proporcionados

    por uma guerra Mearsheimer volta novamente a negar a sua validade. Afirma que a

    riqueza de um territrio pode ser extrada atravs de impostos, confiscao da

    produo fabril ou mesmo das prprias instalaes fabris, dos recursos naturais (como

    petrleo)1213. Referindo-se concretamente ao aspeto da facilidade ao acesso

    10 Op. Cit., p. 148 11

    Op. Cit., p.149 12

    idem

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 11

    informao e rpida expanso desta, Mearsheimer faz referncia a um estudo que

    sustenta que as novas tecnologias apesar de terem um potencial subversivo, tornam a

    coero e represso de movimentos contra a ocupao mais fcil14.

    Mearsheimer, no entanto, refere que mesmo que se aceite a ideia de que a

    conquista de um territrio no lucrativa h trs outras formas de um estado agressor

    vitorioso alterar a balana do poder a seu favor15:

    1. Usar parte da populao do estado ocupado no seu exrcito ou em

    trabalho forado. Casos da Frana Napolenica ou Alemanha Nazi,

    por exemplo;

    2. Conquista de faixas de territrio que possam ser usadas

    estrategicamente. Quer como zonas tampo contra possveis

    agresses ou que serviam como ponto de partida para um futuro

    ataque. Casos como o ataque da Unio Sovitica Finlndia em

    1939-40 ou o ataque Polnia pela Alemanha Nazi em 1939.

    3. Uma guerra pode servir para provocar tantos danos a outro estado

    que lhe retire o estatuto de grande potncia. Por outro lado, o

    estado agressor pode anexar o estado derrotado, desmilitariz-lo,

    desmantelar a sua capacidade produtiva ou dividi-lo em vrios

    outros estados menores.

    Chantagem

    Um segundo meio que os estados tm sua disposio para aumentar o seu

    poder ameaando o uso das foras militares caso as suas reivindicaes no sejam

    acedidas. A vantagem deste meio a de que um estado pode atingir os objetivos a que

    se props sem os custos associados a uma guerra. Contudo, improvvel que o uso

    destas estratgias promova grandes alteraes na balana do poder, j que as grandes

    13 Op. Cit., p.150 14

    idem 15

    idem

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    Mestrado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais Especializao em

    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 12

    potncias tm meio militares de aproximado poderio. Deste modo, esta estratgia

    funcionar apenas com estados de menor poderio16. A ttulo de exemplo, a Alemanha

    Nazi conseguiu com que o Reino Unido e a Frana aceitassem que esta anexasse os

    Sudetas. Segundo o autor, deste caso notou-se uma alterao da balana do poder17.

    Bait and Bleed

    A terceira estratgia disponvel aos estados para aumentarem o seu poder

    consiste num estado x provocar uma guerra prolongada entre dois outros estados

    rivais de modo a que esses estados se desgastem entre si, enquanto o estado x assiste

    ao confronto intacto18. Contudo, esta estratgia tem uma srie de dificuldades. A

    primeira a dificuldade em empurrar dois estados rivais a iniciarem uma guerra entre

    si, especialmente uma guerra que ambos no querem combater. Em segundo lugar, h

    o risco de ambos os estados perceberem que esto a ser empurrados para uma guerra

    entre si por um terceiro estado rival, com todos as complicaes associadas a essa

    descoberta que esse terceiro estado ter. Por ltimo, h tambm a possibilidade de

    um dos estados empurrados para a guerra conseguir vencer a guerra de uma forma

    decisiva e rpida, o que significar que em vez de perder poder, ganhar. Neste caso, o

    estado que os empurrou para uma guerra em primeiro lugar ficar numa posio mais

    fragilizada do que a que tinha partida19.

    16

    Op. Cit., p.152 17 Op. Cit., p.153 18

    Idem 19

    Op. Cit., p. 154

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 13

    Bloodletting

    Por ltimo, a estratgia de bloodletting, como referido atrs, uma variante do

    bait and bleed, o objetivo certificar-se que uma guerra em que um rival, ou mais,

    esteja envolvido se prolongue e lhe custe o mximo possvel. Neste caso, o estado que

    prossegue esta estratgia (o bloodletter) no toma a iniciativa para provocar uma

    guerra no rival, mas certifica-se somente que essa guerra j previamente iniciada

    independentemente se prolonga no tempo.

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    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 14

    Estratgias para suster agressores

    Para alm dos estados seguirem estratgias que lhes permitam aumentar o seu

    poder relativo, de modo a alcanarem o maior poder possvel tm tambm de se

    certificar que os seus rivais no ganham tambm eles poder. Geralmente, os elevados

    oramentos militares das grandes potncias so suficientes para dissuadir outro

    estado a procurar aumentar o seu poder s custas de outras grandes potncias,

    contudo o aparecimento de potncias revisionistas que procuram desestabilizar a

    balana de poder exige uma resposta que pode vir de duas formas: atravs do

    balancing ou atravs do buck-passing20.

    Balancing

    Com esta estratgia os estados tomam para si a responsabilidade de garantir o

    equilbrio do poder impedindo a potncia revisora de o desestabilizar. O estado que

    assume essa responsabilidade tem sua disposio trs formas de garantir o statu

    quo21:

    1. Utilizar todos meios diplomticos sua disposio e tornar claro

    que, se necessrio, entrar em guerra para o garantir. A tnica da

    sua ao passa pela confrontao em vez da conciliao, e faz com

    que fiquem claros os limites at onde evitar entrar em guerra com

    o estado agressor, aps a transgresso destes no se inibir de

    iniciar uma guerra para garantir o statu quo22;

    2. Os estados ameaados podem garantir alianas defensivas que

    garantam uma ao comum contra o potencial estado agressor. Esta

    ao denominada de external balancing23, limitada num sistema

    bipolar j que no existem mais grandes potncias com quem fazer

    20

    Op. Cit., p. 155 21 Op. Cit., p. 156, p. 157 22

    Op. Cit., p. 156 23

    idem

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 15

    alianas, sendo possvel, no entanto fazer alianas com potncias

    menores. O apelo desta estratgia que, com a criao de uma

    aliana, tanto os custos e riscos de contestar as intenes do estado

    agressor so divididos, especialmente em caso de guerra, como

    aumentam a sua capacidade militar relativamente do agressor.

    Contudo, esta estratgia tem os seus contras, nomeadamente a

    lentido e dificuldade que se sente com estas alianas defensivas,

    tanto na sua criao, como na sua aplicao quando necessrias

    dado o natural aparecimento de conflito de interesses entre os

    estados signatrios;

    3. Por ltimo, os estados podem mobilizar recursos prprios para

    aumentarem o seu poder, seja atravs de aumento do oramento de

    defesa ou aumento do recrutamento. Em oposio ao external

    balancing, esta estratgia conhecida como internal balancing24.

    Contudo, o grau de aumento de poder que uma grande potncia

    pode sentir com o internal balancing limitado, uma vez que as

    grandes potncias j despendem elevadas quantias nos seus

    oramentos de defesa.

    Buck-Passing

    Esta estratgia consiste em colocar a responsabilidade de contrariar o estado

    agressor num outro estado, esperando que este o faa individualmente. Deste modo,

    o estado que passa essa responsabilidade pode permanecer numa posio sem risco,

    enquanto o outro corre todos os riscos. Isto pode ser feito de quatro formas25:

    1. O buck-passer26 procura cair nas boas graas do agressor ou, se tal

    no for possvel, no o provocar de modo a que este centre as suas

    atenes noutro estado;

    24 Op. Cit., p. 157 25

    Op. Cit., p. 158 26

    O buck-passer o estado que passa a responsabilidade para um outro, o buck-catcher.

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 16

    2. O buck-passer procura manter uma relao distante com o buck-

    catcher26 de modo a que a sua relao com o estado agressor no

    sofra quaisquer revezes desnecessrios, mas tambm para que no

    seja envolvido numa guerra ao lado do buck-catcher.

    3. Procurando manter um elevado oramento de defesa de modo a

    que os estados olhem para o buck-passer como um adversrio

    poderoso e no como um estado que no teria capacidade de se

    defender de uma forma eficaz, tornando-se assim num apetecvel

    alvo. Por outro lado, aconselhvel um investimento elevado nas

    suas foras armadas de modo a ter condies de se defender caso o

    buck, isto , a responsabilidade de contrariar o estado agressor,

    caia sobre si. Quer sendo o primeiro alvo do agressor, quer sendo

    aps uma vitria decisiva deste sobre o buck-catcher.

    4. Numa aluso ao bait and bleed referido nas estratgias para

    aumentar o prprio poder, a quarta forma pressupe que o buck-

    catcher permita ou promova o aumento do poder do buck-catcher

    de modo a que, caso uma guerra seja iniciada com o estado

    agressor, este tenha boas condies de dividi-la com o agressor e

    portanto prolong-la o mximo tempo possvel.

    O realismo ofensivo de Mearsheimer probe o uso de duas estratgias possveis

    aos estados: o apaziguamento e o bandwagoning27. Isto deve-se ao facto de na base

    destas duas estratgias estar a concesso de poder a um estado agressor28. Na

    estratgia do apaziguamento, o estado ameaado faz concesses ao estado agressor

    que ameaam a balana do poder, nomeadamente territoriais, quer seja parte do

    territrio ou a sua totalidade29. Com isto, o estado ameaado procura apaziguar de tal

    modo o estado agressor que este acabe com os seus intentos expansionistas. Com o

    27 Mearsheimer define bandwagoning da seguinte forma: Bandwagoning happens when a state joins forces with a more powerful opponent, conceding that its formidable new partner will gain a disproportionate share of the spoils they conquer together. Op. Cit., p. 162, 163 28

    Op. Cit., p. 162 29

    Op. Cit., p. 163

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    bandwagoning o estado ameaado procurar aliar-se ao estado agressor mais

    poderoso, procurando com isso recolher alguns dos despojos de guerra27. Nesta

    segunda estratgia de concesso voluntria de poder, o estado no tem qualquer

    inteno de contrariar o estado agressor, ao contrrio do apaziguamento30.

    O termo bandwagon foi popularizado por Kenneth Waltz no seu livro Theory

    of International Politics. Nele, Waltz aplica o termo principalmente para a poltica

    interna num contexto eleitoral, mas no s. Tambm o faz relativamente poltica

    externa dos estados, onde a sua adoo por estes produz os efeitos propostos por

    Mearsheimer, isto , ganhos para estados que, caso se mantivessem afastados das

    maiores potncias, s sairiam a perder: ()bandwagoning is sensible behavior where

    gains are possible even for the loser and where losing does not place their security in

    jeopardy. Externally, states work harder to increase their own strength, or they

    combine with others, if they are falling behind. In a competition for the position of

    leader, balancing is sensible behavior where the victory of one coalition over another

    leaves weaker members of the winning coalition at the mercy of the stronger ones31.

    30

    Unlike the bandwagoner, who makes no effort to contain the aggressor, the appeaser remains committed to checking the threat., op. cit., p. 163 31

    WALTZ, Kenneth Theory of International Politics. Massachusetts. Addison-Wesley Publishing Company, 1979 (p.126)

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    Enquadramento

    Estrutura do poder sovitico

    A subida ao poder de Estaline determinou uma alterao da estrutura poltica

    interna da Unio Sovitica. Estaline trouxe consigo uma forma diferente de tomar

    decises polticas e isso teve reflexo na forma como a Unio Sovitica abordou a

    ameaa nazi e a resposta que lhe deu. De igual maneira, a forma como Estaline

    ascendeu ao poder foi determinante como, nos anos de consolidao do seu poder,

    alterou esta estrutura poltica herdada de Lenine e, assim, transformou a estrutura

    poltica sovitica sua volta e forma que orbitasse sob a sua pessoa.

    O rgo mximo da estrutura poltica sovitica era o Politburo, criado em 1919.

    Os seus membros eram eleitos pelo Comit Central do Partido Comunista da Unio

    Sovitica e reportavam ao Comit Central e ao congresso do Partido, sendo composto

    por dez membros permanentes e trs candidatos. Em 1932, era constitudo pelo

    Secretrio-Geral, Estaline, o presidente do Sovnarkom32, o presidente do TsIK URSS33,

    trs representantes do partidos locais, o diretor do Gosplan34 e os diretores dos

    comissariados da Defesa, Indstria Pesada e Transportes Ferrovirios. A sua ao

    centrava-se em seis reas centrais: poltica externa, defesa, segurana interna,

    indstria pesada, agricultura e transportes.

    A regularidade com que este rgo se reunia em 1923, ano em que Estaline foi

    Secretrio-Geral na totalidade35, era elevada. No total, o Politburo reuniu-se 80 vezes

    nesse ano, o recorde registado durante todo o mandato de Estaline at sua morte,

    tendo decrescido regularmente desde ento. Em 1928, reuniu 53 vezes, em 1933 24

    vezes e em 1939, ano da assinatura do pacto, 2 vezes apenas, com um recorde mnimo

    de decises tomadas, quatro3637. Esta reduo de sesses tem duas razes principais,

    32 Conselho dos Comissariados do Povo. 33 Comit Central Executivo da Unio Sovitica. 34

    rgo responsvel pelos planos quinquenais. 35 Ascendeu a Secretrio-Geral em novembro de 1922. 36

    REES, E. A., The Nature of Stalins Dictatorship: the Politburo, 1924-1953. Hampshire. Palgrave Macmillan. 2004. (p.27)

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    a primeira que em 1933 o Politburo foi transformado num rgo consultivo apenas.

    O esvaziamento do poder do Politburo foi algo que ocorreu gradualmente ao longo das

    dcadas de 1920 e 1930, com diversas alteraes ao seu funcionamento que foi

    sofrendo. Isto deveu-se segunda razo pelas quais o Politburo viu o nmero de

    sesses decrescer: a centralizao do poder na pessoa de Estaline. Molotov justificou a

    violao dos procedimentos democrticos como uma contrapartida para uma rpida

    resoluo dos problemas38. De facto, esta rpida resoluo dos problemas teve frutos

    relativamente ratificao do pacto, tendo esta sido concluda de uma forma muito

    diligente.

    O Orgburo e o Secretariado foram criados igualmente em 1919, como rgos

    equiparados, em termos de poder, ao Politburo. Contudo, este ltimo ganhou

    predominncia sobre os primeiros. O Secretariado era o ramo executivo do Politburo e

    do Ogburo e encarregado de se certificar que as resolues votadas eram aplicadas.

    semelhana do Politburo, as sesses realizadas por este rgo poltico tambm foi

    decrescendo ao longo das dcadas de 20 e 30. Como exemplo, o Ogburo reuniu-se 44

    vezes em 1928, sendo que em 1937 reuniu-se 6 vezes, tendo uma ligeira subida nos

    trs anos seguintes. O Secretariado, por sua vez, sofreu a maior quebra. Em 1928,

    reuniu 43 vezes, tendo deixado de reunir por completo em 1936. De referir tambm

    que, de 1928 a 1940 s por trs vezes Estaline assistiu s reunies do Secretariado39.

    O Comit Central Executivo tinha funes legislativas, de acordo com a

    Constituio. Era usado para conferir legitimidade s decises polticas que emanavam

    dos rgos governamentais, controlados pelo Partido40. O Sovnarkom, o Conselho dos

    Comissariados do Povo, estava intimamente ligado ao Politburo. Este rgo dedicava-

    se aos assuntos econmicos, sociais e administrativos. Contudo, apesar de haver um

    comissariado para a poltica externa, esta era tratada diretamente pelo Politburo.

    Maxim Litvinov, que chefiou a poltica externa de 1930 a 1939 e esteve encarregado de

    37

    Em 1923, foram tomadas 1487 decises. 38 Op. Cit., p.26 39

    Op. Cit., p.32 40

    Op. Cit., p.35

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    conter o expansionismo alemo durante a maior parte da dcada, antes da sua

    substituio por Molotov, sendo comissrio para esse departamento da Unio

    Sovitica pertencia, naturalmente, ao Sovnarkom. Contudo, uma vez que o Politburo

    assumia a responsabilidade direta da poltica externa, a posio de Litvinov estava

    naturalmente muito debilitada, pois tinha sempre de reportar ao Politburo as suas

    decises tendo assim a sua liberdade de ao muito reduzida. Ser muito importante

    ter este facto presente no relato e anlise futuros dos eventos que decorreram antes

    da assinatura do pacto, uma vez que dar uma compreenso mais profunda da relao

    de foras que existia internamente no Ministrio dos Negcios Estrangeiros de Litvinov

    a juntar relao de foras no plano internacional. limitao natural do posto de

    Litvinov, h que juntar ainda o facto de o presidente deste rgo poltico, membro do

    Politburo como j referido, e assim, com direto acesso a Estaline, ser Vyacheslav

    Molotov com quem Litvinov no mantinha uma boa relao ou partilhava de ideais

    semelhantes quanto linha que a poltica externa sovitica deveria seguir. Nada

    menos que o seu sucessor na pasta dos negcios estrangeiros.

    A centralizao do poder por Estaline ocorreu de uma forma progressiva e

    constante. A consolidao do seu poder foi conseguida quer atravs da eliminao

    sucessiva dos seus opositores polticos quer atravs da manuteno de pessoas leais

    sua volta. Em 1924, Estaline isolou a Oposio de Esquerda liderada por Trotsky no

    Comit Central. Em 1926/27, derrotou a Oposio Conjunta, na qual Trotsky tinha

    formado uma aliana com os antigos aliados de Estaline, Zinoviev e Kamenev. Em

    1928/29, avanou contra os direitistas Rykov, Bukarine e Tomsky, derrotando-os. De

    acordo com vrios historiadores, Estaline conseguiu esta centralizao de poder e

    recorrente vitria sobre os seus opositores devido ao seu controlo do Secretariado,

    que lhe permitia controlar as delegaes que participavam os congressos do Partido e,

    assim, controlar as discusses, assim como o processo de eleio do Comit Central41.

    Esta consolidao do poder foi posta prova, assim como a sua liderana, com

    o falhano da poltica da coletivizao e consequente enorme escassez de alimentos 41

    Op. Cit., p.20

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 21

    em 1932/33. Estaline sofreu crticas relativamente sua ao no processo, tendo

    havido opositores que exigiram a demisso do lder sovitico. No entanto, j no

    existiam mecanismos constitucionais para o derrubar42.

    A par dos problemas internos da Unio Sovitico, a ameaa externa tambm

    ajudava Estaline. O crescimento do Japo no Extremo Oriente e ameaa s fronteiras

    orientais soviticas, assim como a subida de Hitler ao poder, em conjugao a crise da

    fome na populao, empurrou os lderes soviticos para um decrscimo de encontros

    nos diferentes rgos polticos. A prtica de expor e justificar polticas perante

    conselhos de responsveis polticos foi sido abandonada, e assim os mecanismos de

    liderana coletiva e accountability coletiva desapareceram43, ao mesmo tempo que

    os membros dos rgos polticos iam sendo povoados por apoiantes de Estaline. Por

    esta altura, o lder sovitico tratava dos assuntos nacionais a partir do seu gabinete,

    com encontros privados com os responsveis dos diferentes departamentos de

    governao, o que lhe dava um controlo incomparavelmente maior do que o que teria

    se tivesse de reunir atravs do Politburo.

    Apoiado pelos seus braos-direitos e homens-fortes, Molotov e Kaganovich,

    Estaline delegava-lhes muitas funes. Contudo, esta delegao de poderes no lhe

    diminua o poder. Como Rees refere de uma forma concisa atravs de quatro pontos44:

    1. Estaline detinha muito mais poder que qualquer de um dos seus braos-

    direitos. Era o principal homem na Unio Sovitica e o seu idelogo;

    2. Estaline tinha criado as suas carreiras, assim como dos restantes

    membros do Politburo;

    3. Pessoalmente, Estaline era muito mais implacvel que os dois, ao

    mesmo tempo que ambos lhes tinham uma grande reverncia. No era

    uma relao entre iguais;

    42 Op. Cit., p.40 43

    Idem 44

    Op. Cit., p. 42

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 22

    4. Estaline possua outras formas de obter informao para alm de

    Molotov e Kaganovich.

    Desta forma, Estaline controlava complemente a poltica interna sovitica, pelo

    que seguro afirmar que tudo que se passou de relevncia durante o perodo tratado

    neste trabalho, foi feito com o seu conhecimento e consentimento.

    Estrutura do poder nazi

    A estrutura poltica da Alemanha Nazi no seguia normas constitucionais bem

    definidas, nem detinha um corpo de rgos polticos que detinham, semelhana de

    outro regime ditatorial como a Unio Sovitica, uma srie de competncias pr-

    definidas e dos quais era esperada uma ao poltica especfica. Pelo contrrio, o

    regime nazi orbitava em volta de um homem, Adolf Hitler, o Fhrer. Ele representava

    sozinho o povo alemo e era esperado dele que liderasse o destino da nao alem

    rumo vitria.

    Uma ideia central da sua aceo do poder era o Fhrerprinzip, no qual ele

    definia a autoridade de cada lder para baixo e responsabilidade para cima45. Este

    princpio baseava-se na averso que Hitler tinha pelo processo democrtico e pela

    deciso coletiva. Ele era defensor da liderana de um homem s, liderana essa que

    todos os inferiores tinham de respeitar e seguir.

    A proliferao de organismos criados durante o reinado de Hitler, criao que o

    prprio apoiava, sem linhas demarcadoras entre si, isto , sem competncias prprias

    bem definidas e separadas, criou dentro do regime uma constante luta de foras entre

    os dirigentes nazis. Jeremy Noakes refere em Nazi Germany, numa citao de um

    membro do regime, que uma caracterstica da administrao Nacional Socialista era

    que cada pessoa que se sentisse suficientemente forte fazia o que quisesse no seu

    setor e no se permitia a estar impedido por qualquer considerao por outras

    45

    CAPLAN, Jane, Nazi Germany. Londres. Oxford University Press. 2008. (p.75)

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    autoridades, competncias, pessoas ou interesses46. Como consequncia desta

    anarquia vivida no regime, vrios problemas internos surgiam como guerras entre

    organismos, o mesmo tipo de trabalho feito vrios vezes, trabalho sem qualquer valor

    ou fim, falta de produtividade, entre outros problemas da mesma natureza.

    Relativamente ao Reichstag, o parlamento alemo, o primeiro objetivo de

    Hitler era assegurar o controlo deste com o maior nmero possvel de deputados

    nacional-socialistas. O meio que ele seguiu para atingir este fim foi atravs da

    convocao de eleies antecipadas para 1933. Durante o perodo eleitoral que se

    seguiu, Hitler, atravs do controlo da comunicao social e atravs de medidas

    excecionais que limitavam a ao dos adversrios polticos atravs do seu posto de

    Chanceler atingiu o sucesso para o seu partido. O resultado foi um aumento de cerca

    de 11% em apenas quatro meses, passando de 33% nas eleies de novembro de

    1932, para 43.9% em maro de 1933. O passo seguinte foi a tentativa de aprovao da

    Lei da Concesso de Plenos Poderes, uma alterao constitucional que reduziria

    grandemente os poderes do parlamento e que permitiria ao Chanceler aprovar leis

    sem consultar o parlamento. Uma vez que o Partido Nazi ainda no possua maioria,

    Hitler procurou a expulso dos deputados comunistas do Reichstag, que foi conseguida

    depois do incndio no Reichstag por um comunista, sob o pretexto de controlar os

    excessos do Partido Comunista da Alemanha, e ainda conseguido os votos do Partido

    do Centro, o que lhe garantia a maioria de dois teros necessria para a alterao

    constitucional. Esta foi conseguida e a lei promulgada.

    Uma outra vertente muito importante do regime nazi eram os braos armados

    do Partido Nazi: as SS e as SA. A organizao que detinha mais poder, as SS, sofreu

    uma evoluo ao longo dos anos em que o Partido Nazi liderou os destinos da

    Alemanha. As SS eram constitudas por um conjunto de instituies, entre elas a

    poltica secreta, a Gestapo. Infiltraram-se em vrios setores das sociedade alem,

    tendo atingido enorme poder dentro da Alemanha. A ttulo de exemplo, possuam

    membros dentro do exrcito, organizavam os territrios conquistados e tomaram 46

    Op. Cit., p. 76

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    controlo dos campos de concentrao, tendo sido responsveis pelo extermnio dos

    judeus e outros alvos do dio nazi.

    semelhana de Estaline, Hitler tambm consolidou o poder interno atravs da

    eliminao dos seus opositores polticos que seguiam a sua ideologia. A clebre Noite

    das Facas Longas marcou o assassinato de vrios militantes nazis que no se alinhavam

    com Hitler, nomeadamente membros das SA, assim como seguidores do Strasserismo,

    uma vertente do nazismo que defendia diferentes formas de continuar a revoluo

    nazi. A partir deste momento, o papel das SA perdeu grande parte da sua importncia,

    tendo sido relegadas para um segundo plano relativamente s SS.

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    Descrio dos eventos antecedentes assinatura do pacto

    Perodo de 1933 a 1938

    A subida ao poder de Hitler deu incio a uma nova era na relao entre a Unio

    Sovitica e a Alemanha. O seu discurso inflamado contra o comunismo e a necessidade

    de uma expanso territorial para este era uma ameaa clara segurana da Unio

    Sovitica. No entanto, Estaline no tomou esta ameaa como sria logo em 1933, ano

    da subida ao poder de Hitler. Ao invs disso, ele acreditava que Hitler estava destinado

    ao fracasso e que a sua eventual sada do poder abriria caminho aos comunistas

    alemes. To convicto estava ele desse desfecho que ordenou ao partido comunista

    alemo e aos seus militantes que votassem no partido nazi47. Mas Estaline estava

    errado quanto fragilidade ou incapacidade de Hitler em manter-se no poder. Ao

    longo dos anos seguintes, Hitler foi consolidando o seu poder pelo que era importante

    agora perceber que tinha vindo para ficar e Estaline tinha de agir em concordncia.

    Como referido na introduo, os objetivos da poltica externa nazi eram claros e

    pblicos, j que Hitler tinha-os enunciado no seu livro Mein Kampf. Entre eles, a

    expanso territorial s custas da Unio Sovitica era bem clara e Estaline estava

    consciente desse facto. Isto era mais perigoso para a segurana da Unio Sovitica

    dado o facto de esta no estar em condies de fazer frente Alemanha sozinha, ainda

    que por vezes Estaline quisesse passar essa imagem. Como Mearsheimer refere, as

    grandes potncias temem-se a elas prprias e olham-se com grande suspeio, sempre

    preocupadas com as intenes perigosas, antecipando perigo, mesmo guerra48. Neste

    caso, este sentimento, por si s j natural entre os estados, era exacerbado em

    Estaline pelo facto das intenes de Hitler em expandir a Alemanha s custas da Unio

    Sovitica estarem claras no livro que escreveu enquanto esteve na priso. Alm desse

    facto, Mearsheimer refere ainda que as grandes potncias no so agressores cegos

    47 FISHER, David, READ, Anthony The Deadly Embrace: Hitler, Stalin, and the Nazi-Soviet Pact 1939-1941. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 1988 (p. 15) 48

    MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33

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    que procuram a destruio de outros estados a todos os custos sem qualquer anlise

    das variantes em jogo. Eles entendem, como Estaline entendeu bem a situao que

    tinha em mos, que s podem ganhar poder s custas dos adversrios quando tm a

    capacidade para o fazer. At l, adiaro uma ao ofensiva, focando os esforos em

    garantir a sua defesa e a defesa da balana de poder de modo a que o estado mais

    poderoso, neste caso a Alemanha, esteja em condies de ser atingido49. Assim sendo,

    a Estaline apresentavam-se trs opes em como agir com este facto:

    1. A procura por matrias-primas para alimentar a crescente populao

    alem, passava pela conquista da Ucrnia e das suas plancies

    frteis. Como tal, a primeira opo seria abdicar da Ucrnia e

    permitir que a Alemanha a ocupasse sem oposio;

    2. O eventual confronto que se avistava no futuro entre a Unio

    Sovitica e a Alemanha e a incapacidade da primeira em fazer frente

    sozinha segunda, significava que era necessria uma aproximao

    s potncias capitalistas liberais, isto , Frana e Reino Unido, e

    assim criar uma frente comum que fizesse frente aos excessos de

    Hitler e s suas pretenses territoriais;

    3. A ltima opo era a de tomar a iniciativa e a dar a Hitler o que ele

    pretendia, as matrias-primas to necessrias para a expanso da

    Alemanha e do seu povo, esperando com isso amenizar os seus

    intentos em levar guerra Unio Sovitica.

    Ficava claro desde a primeira hora que a primeira opo de abdicao da

    Ucrnia estava fora de questo, pelo que seria necessria uma abordagem simultnea

    segunda e terceira hipteses.

    O sistema internacional de Versalhes que saiu da Primeira Guerra Mundial no

    era bem visto pelos comunistas para alm de terem sido excludos da mesma. Assim

    sendo, a ideia da segurana coletiva, um dos princpios basilares da Sociedade das

    49

    MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.37

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 27

    Naes, nunca tinha sido usado como bandeira dos comunistas no plano internacional.

    Acontece que a subida ao poder de Hitler e o perigo que este representava para a

    Unio Sovitica significava uma alterao da estratgia poltica dos comunistas, que se

    viam na necessidade de usar os meios necessrios para travar o avano nazi e o

    fortalecimento alemo. Em termos concretos da poltica externa sovitica, isto

    significou a assinatura de uma srie de tratados de no-agresso com os estados

    vizinhos da Unio Sovitica, nomeadamente Estnia, Letnia, Polnia e Romnia. A

    assinatura destes tratados no era meramente a promessa de no entrar em guerra

    com estes estados, significava tambm o reconhecimento formal da sua existncia e

    das fronteiras criadas aps a Primeira Guerra Mundial. Estaline estava portanto a

    abdicar do direito da Unio Sovitica nestes territrios em troca de uma segurana das

    fronteiras. Para alm destes tratados, Estaline assinou ainda com a Frana um pacto de

    assistncia mtua com a Checoslovquia, onde estes pases se comprometiam a

    prestar assistncia caso a Checoslovquia fosse atacada, mas apenas se a Frana o

    fizesse primeiro. Com este tratado Estaline dava um dos primeiros passos para uma

    cooperao com as potncias capitalistas liberais, mas ainda assim demonstrando uma

    reserva clara quanto ao compromisso dado, garantido que a Unio Sovitica no fosse

    deixada sozinha pela Frana na ajuda Checoslovquia ao garantir a clusula de s o

    fazer caso a Frana o fizesse primeiro.

    O grande passo seguinte na procura de uma frente comum contra Hitler foi a

    entrada em setembro de 1934 da Unio Sovitica na Sociedade das Naes. A partir

    deste momento, a Unio Sovitica tornar-se-ia um dos maiores promotores da

    segurana coletiva, tentando vrias iniciativas junto dos diversos estados europeus

    para travar a Alemanha. A figura de proa desta nova linha de ao era Maxim Litvinov,

    o responsvel da poltica externa sovitica. Este era um homem que no tinha tanta

    desconfiana das potncias capitalistas liberais como Estaline, pelo que a sua linha de

    ao passava por uma aproximao destas em detrimento da Alemanha.

    A unio da Alemanha com a ustria a 12 de maro de 1938, com o Anschluss,

    deu incio expanso territorial alem e confirmou os piores receios dos soviticos. A

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 28

    ideia da procura pelo Lebensraum no era meramente propaganda nazi, era um

    objetivo real que seria perseguido por Hitler. Como tal, os soviticos tinham de agir

    junto dos outros pases, convocando o Reino Unido, Frana e Estados Unidos a 17 de

    maro para uma ao conjunta contra a Alemanha. Esta proposta foi recebida com

    muitas reservas j que os trs pases no queriam ser envolvidos num conflito com

    Hitler. Os Estados Unidos continuavam na sua linha de no interveno nos assuntos

    europeus, a Frana estava preocupada com a crise poltica interna e o Reino Unido,

    pela voz de Chamberlain, no queria confrontar Hitler e considerava a ideia

    impraticvel. Como tal, os esforos soviticos em quebrar a expanso territorial alem

    logo de incio foram interrompidos pelas reservas das maiores potncias que

    advogavam a segurana coletiva.

    O alvo da presso nazi seguinte foi a Checoslovquia, que detinha uma elevada

    populao alem nos Sudetas, populao essa que Hitler queria incorporar na nao

    alem. A presso alem foi aumentando ao longo do ano de 1938 sobre a

    Checoslovquia, no encontrando grande oposio junto das potncias. A

    Checoslovquia encontrava-se isolada, ao mesmo tempo que o Reino Unido, seguindo

    a lgica de apaziguamento de Chamberlain, ia preparando os checoslovacos para

    fazerem concesses s exigncias de Hitler. A Unio Sovitica, por sua vez, continuava

    a sua presso junto da Frana e Reino Unido para a criao de uma frente comum de

    oposio a Hitler. Mais uma vez, estas presses no tinham resposta, j que entre a

    Unio Sovitica e a Frana e Reino Unido havia uma conceo completamente

    diferente de como a questo da expanso alem deveria ser abordada. Enquanto a

    Unio Sovitica fazia todos os esforos possveis para parar Hitler o mais cedo possvel

    na sua expanso territorial e assim evitar que a sua vez chegasse como tanto temia,

    Frana e Reino Unido continuavam convictos na doutrina do apaziguamento,

    acreditando que ao ceder s exigncias de Hitler e ao dar-lhe o que ele queria, ele

    eventualmente pararia e ficar satisfeito.

    As renitncias francesas e britnicas levaram a que os soviticos tomassem

    medidas mais concretas e de um mbito militar junto da Checoslovquia. A 2 de

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 29

    setembro Estaline comunicou ao Presidente checoslovaco Eduard Benes que a Unio

    Sovitica estava disposta a dar assistncia militar ao seu pas caso os alemes o

    atacassem, mesmo que a Frana no o fizesse. Durante o ms de setembro, medida

    que a situao nos Sudetas ia aumentando de conflitualidade ao ponto de a 15, aps

    motins da populao alem na regio e consequente instaurao da lei marcial pelo

    Presidente Benes, os soviticos comeavam a juntar tropas na Ucrnia. No entanto,

    devido ao facto da Unio Sovitica no partilhar fronteiras nem com a Checoslovquia

    nem com a Alemanha, era necessrio que ou a Polnia ou a Romnia permitissem a

    passagem de tropas pelos seus territrios, reivindicaes que no foram aceites.

    Apenas a Romnia permitia a abertura do seu espao areo, o que resultou no envio

    de avies soviticos. A Polnia, por sua vez, continuava irredutvel por duas razes. A

    primeira pelo facto de temerem o facto que, caso tropas soviticas entrassem em

    territrio polaco, estas nunca mais sairiam; a segunda pelo facto de j terem acordado

    com os alemes a receo de territrios pertencentes aos Sudetas com uma minoria

    de habitantes polacos para a Polnia50.

    Chamberlain, por sua vez, continuava a fazer concesses a Hitler margem dos

    checoslovacos. Sempre que era acordado um ponto, Hitler faria uma nova

    reivindicao que ultrapassa o j aceite. Decidido a pr fim questo, Chamberlain

    props uma conferncia conjunta entre o Reino Unido, Alemanha, Itlia, Frana e

    Checoslovquia para decidir o destino dos Sudetas, a ser reunida em Munique a 29 de

    setembro. A Unio Sovitica foi deliberadamente excluda, j que os britnicos tinham

    a convico que a sua presena na conferncia resultaria numa paralisao das

    conferncias dada a sua profunda convico em travar Hitler e a garantir a integridade

    territorial checoslovaca, para alm do facto de no terem confiana nas pretenses

    soviticas. Nessa reunio foi decidida a evacuao total dos Sudetas, tendo os

    checoslovacos que tinham sido afastados das conversaes de abandonar todas as

    instalaes intactas, assim como abandonar no local todos os equipamentos militares,

    assim como bens pessoais da populao. Nenhuma compensao seria paga ao Estado

    50

    FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p.28-29

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    checoslovaco, nem s famlias afetadas. Com esta deciso, a Checoslovquia viu-se

    completamente despida de todas as medidas defensivas que tinha vindo a criar ao

    longo dos anos, nomeadamente a linha defensiva de fortificaes ao longo da

    fronteira, assim como parte importante da sua capacidade militar. Estava portanto

    completamente desprovida de qualquer capacidade de fazer frente a mais concesses

    alems no futuro.

    Quando os soviticos tomaram conhecimento do acordado nos Acordos de

    Munique, o sentimento de total deceo no foi escondido. Potemkin, o Vice-

    Comissrio para os Assuntos Externos da Unio Sovitica disse ao embaixador francs

    em Moscovo: Meu pobre amigo, que fizeram vocs? Para ns no nos resta outra

    alternativa seno uma quarta diviso da Polnia.. Este comentrio demonstra

    perfeitamente como os soviticos encaravam agora a forma de parar Hitler. Os seus

    esforos ao longo de 1938 em espelhar o conceito de segurana coletiva em medidas

    concretas tinham sido mal recebidas pelos lderes ocidentais, que procuravam uma

    diferente abordagem questo alem, e como tal estava claro que essa via no era

    eficaz na garantia da segurana da Unio Sovitica. Estaline tinha agora de abrir

    caminho a uma aproximao Alemanha e comear a encarar de forma mais sria e

    dedicada a terceira hiptese: o apaziguamento de Hitler sua prpria maneira.

    A tentativa de aliana com as potncias capitalistas no estava a ter sucesso. A

    crena de Estaline de que a Unio Sovitica estava completamente sozinha e de que

    dependia somente de si para garantir a sua segurana ganhava cada vez mais fora.

    Como Mearsheimer refere, states cannot depend on others for their own security.

    Each state tends to see itself as vulnerable and alone, and therefore it aims to provide

    for its own survival51. Esta noo de que tanto a Alemanha, como as potncias

    capitalistas liberais procuravam a destruio da Unio Sovitica no era recente.

    Estaline compreendia-o bem e tinha uma suspeio imensa pelos dois lados. A questo

    aqui em causa era a de que uma aliana com as potncias liberais ocidentais afigurava-

    se muito mais provvel de atingir dado o antagonismo ideolgico entre o nazismo e 51

    MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.33

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    comunismo. Contudo o realismo ofensivo defende que alianas so casamentos de

    convenincia temporrios. O que hoje um aliado, amanh ser um inimigo, como o

    contrrio poder suceder52. Nesta lgica, Estaline vai tentar uma aproximao

    Alemanha de modo a precaver-se de um eventual fracasso total de aliana antinazi

    com a Frana e Reino Unido. Mais uma vez, o que movia Estaline nesta aproximao a

    estas ltimas potncias, Sociedade da Naes ou ao conceito de segurana coletiva,

    no era nada mais, nada menos que um meio para atingir um fim: a segurana do seu

    pas.

    Perodo de 1938 a 1939

    O primeiro passo nesse sentido foi dado no final do ano de 1938, quando

    Estaline, pela pessoa do embaixador sovitico na Alemanha, fez saber ao Ministro dos

    Negcios Estrangeiros alemo, Joachim von Ribbentrop, atravs do diretor do

    departamento da poltica econmica alemo, Emil Wiehl, que os soviticos estavam

    prontos a retomar as conversaes de crdito que tinham sido interrompidas em

    maro. Mas no s, os soviticos estavam prontos a abrir uma nova era nas relaes

    germano-soviticas53. Durante todo o ano de 1938, Hermann Gring, como cabea do

    Plano de Quatro Anos, vinha alertando para a necessidade extrema de matrias-

    primas de modo a que o Plano pudesse ser concluindo com sucesso. Durante os

    primeiros meses de 1938, por exemplo, as fbricas de munies s tinham recebido

    um tero da sua quota de ferro e ao. O caminho para as negociaes iniciou-se a 11

    de janeiro de 1939, quando Estaline respondeu ao pedido alemo de retomar as

    negociaes a partir do zero. Nessa resposta Estaline afirma que quer que essas

    negociaes sejam feitas em Moscovo. Isto afirmaria ao mundo o novo estatuto da

    Alemanha para a poltica externa sovitica. Apesar das dvidas de Ribbentrop, a

    necessidade extrema dos bens que a Unio Sovitica estava pronta a comercializar

    com a Alemanha obrigou-o a aceitar a proposta.

    52

    Idem 53

    FISHER, David, READ, Anthony , Op. Cit., idem, p. 47

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 32

    Schnurre, o homem encarregado de liderar as negociaes do lado alemo, iria

    a Moscovo no final do ms secretamente onde trataria dos assuntos em questo. No

    entanto, essa visita foi interrompida quando os jornais franceses e britnicos

    relatavam de forma sensacional a visita de uma comitiva alem a Moscovo para tratar

    de uma aproximao econmica dos dois pases. Ribbentrop, que nesta altura,

    negociava uma aproximao da Alemanha Polnia chamou Schnurre de volta

    Alemanha, onde as negociaes seriam retomadas na embaixada. Esta tomada de

    deciso no agradou a Estaline, que interpretou este acontecimento como uma jogada

    da Alemanha para humilhar a Unio Sovitica internacionalmente. No entanto,

    Estaline estava mais ressentido com a Frana e o Reino Unido, pelo que ele continuava

    dedicado a uma aproximao Alemanha.

    A 27 de janeiro, um artigo no jornal britnico News Chronicle, que seria

    integralmente publicado no jornal sovitico Pravda - assinado por um jornalista que

    tinha ligaes prximas ao embaixador sovitico que usava-o regularmente para

    transmitir as opinies soviticas, declarava que os britnicos e franceses tinham

    ignorado deliberadamente os soviticos, enquanto os alemes e polacos tinham

    iniciado conversaes para acordos comerciais. Nesse artigo, declarava-se ainda que a

    Unio Sovitica no tinha intenes de dar qualquer ajuda ao Reino Unido e Frana

    caso estes entrassem em conflito com a Alemanha e a Itlia. A Unio Sovitica

    concluiria acordos com os seus vizinhos na condio de estes a deixarem em paz.

    Terminava ainda dizendo que do ponto de vista do governo sovitico, no havia

    grandes diferenas entre a Frana e Reino Unido de um lado, e a Alemanha e Itlia do

    outro. O facto de Estaline ter reproduzido o artigo no Pravda indiciava que no estava

    apenas a preparar o mundo para uma alterao de postura nas relaes

    internacionais, mas tambm a preparar a prpria populao da Unio Sovitica para

    uma alterao da poltica que at 1938 vinha sendo seguida.

    A resposta, de Hitler veio trs dias depois, no seu discurso de comemorao do

    sexto aniversrio da sua ascenso ao poder. Ao contrrio dos outros discursos que

    fazia, onde atacava de uma forma prolongada a Unio Sovitica e o comunismo, neste

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    discurso, e pela primeira vez, no inclui qualquer ataque ao comunismo ou Unio

    Sovitica, numa demonstrao de reconhecimento das intenes de uma aproximao

    entre os dois pases.

    Esta aparente disposio de aproximao entre os dois lderes, no parou a

    caminhada de Hitler. Durante o ms de fevereiro, a Alemanha celebrou uma srie de

    acordos com os pases da Europa Oriental, fechando o cerco Unio Sovitica. Hitler

    aumentava a propaganda contra o que restava da Checoslovquia, novos governos

    pr-Alemanha surgiam na Romnia e Jugoslvia, iniciando acordos de vendas de

    armas. A 24 de fevereiro, a Hungria junta-se ao Pacto Anti-Comintern, ao passo que a

    Bulgria demonstrava vontade de se seguir Hungria. No incio do ms de maro, as

    negociaes dos crditos iniciadas no incio do ano tinham chegado a um impasse

    enquanto notcias da chegada de uma delegao britnica a Berlim para negociaes

    sobre comrcio entre os dois pases chegavam a Moscovo. A Unio Sovitica no se

    encontrava numa posio confortvel. Estaline, no seu discurso do 18 Congresso do

    Partido Comunista Sovitico a 10 de maro, reitera as afirmaes feitas em janeiro em

    que condenava o Reino Unido, Frana e Estados Unidos por terem sido incapazes de

    castigar a Alemanha, Japo e Itlia pelos seus atos agressivos. Acusa-os de no se

    comprometerem segurana coletiva apesar de terem condies econmicas e

    militares para o fazerem, ao mesmo tempo que afirma que a Unio Sovitica iria em

    assistncia s vtimas de agresso que viam a sua independncia em risco. Ainda

    relativamente s potncias capitalistas liberais, Estaline acusava-as de, ao intervirem,

    estavam a incentivar os agressores a continuarem com as suas polticas expansionistas,

    dando a entender que ao permitirem que o Japo se envolvesse com a Unio Sovitica,

    ou a Alemanha nos assuntos dos pases europeus, apenas estava a criar condies para

    que estes se enfraquecessem mutuamente, para depois, nos interesses da paz

    imporem as suas condies nos beligerantes enfraquecidos.

    Estaline neste discurso enviava mensagens tanto Frana e Reino Unido, como

    Alemanha. Em primeiro lugar, avisava os primeiros que ao seguirem a poltica de

    no-interveno e ao permitirem Alemanha que seguisse o seu caminho sem

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 34

    oposio, estariam a jogar um jogo perigoso que poderia resultar num duro golpe para

    eles mesmos. Em segundo lugar, fazia notar Alemanha que a Unio Sovitica estava

    disposta a ter relaes de paz e comrcio com todos os pases. Essa era a sua posio e

    permaneceria assim desde que esses pases no atentassem a paz da Unio Sovitica

    ou fossem contra os seus interesses. Estaline deixou ainda a entender que o partido

    deveria ser cuidadoso e no permitir que o nosso pas fosse empurrado para conflitos

    por pases que procuram a guerra e que esto habituados a que os outros tirem as

    castanhas do lume por eles. Esta frase viria a ser bastante a usada no futuro, e fazia

    referncia a uma passagem do Mein Kampf que falava no incmodo da Alemanha em

    ter de tirar as castanhas do lume pela Inglaterra do virar do sculo.

    No final desse ms, Hitler continuava a sua poltica expansionista na Europa,

    sendo o alvo desta vez a Litunia e uma faixa de terra que lhe tinha sido dada aps a

    Primeira Guerra Mundial: Memel e o seu porto. A 20 de maro, cinco dias aps a

    invaso sem qualquer resistncia do que restava da Checoslovquia, Hitler faz um

    ultimato Litunia para cedesse de imediato essa faixa de terra. Sem esperar por uma

    resposta, Hitler inicia viagem pessoalmente para tomar controlo a Memel. Para

    Estaline isto representava um perigo real de Hitler iniciar agora uma expanso para os

    pases blticos, que ele considerava na rbita de influncia da Unio Sovitica, para

    alm do facto de, caso Hitler iniciasse uma anexao destes pases, a Alemanha se

    aproximar demasiado do corao da Rssia, nomeadamente de Leningrado ou mesmo

    de Moscovo.

    Pelo fim do ms, os britnicos tinham finalmente mudado de estratgia e

    assumido o perigo que representava o expansionismo alemo, que teria de ser

    enfrentado e no apaziguado, aps rumores de um ataque iminente alemo Polnia

    e Romnia. A 31 de maro, o Reino Unido e Frana comprometiam-se a garantir por

    completo a independncia da Polnia. Com esta garantia Estaline tinha tido uma

    vitria sem nada ter feito por isso. Isto significava que caso a Alemanha atacasse a

    Polnia, o Reino Unido e Frana teriam de entrar em guerra em defesa da Polnia, o

    que significava que Hitler teria de dedicar as atenes frente ocidental e no Unio

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    Sovitica. Isto daria bastante tempo a Estaline para aumentar as defesas da URSS,

    enquanto se mantinha afastado da guerra. Mas no s, a garantia da independncia da

    Polnia pelas potncias capitalistas liberais significava que a Unio Sovitica era agora

    cobiada pelos dois lados em oposio, j que nenhum destes queria a Unio Sovitica

    contra eles. Os britnicos estavam conscientes deste perigo e consideravam que com

    esta garantia, a posio natural dos soviticos seria ento de se manter afastada.

    Estaline estava portanto numa posio muito confortvel e com uma grande margem

    de manobra para atingir o melhor acordo para a Unio Sovitica. Apesar disso, devido

    personalidade naturalmente desconfiada de Estaline das intenes reais de ambos

    lados, ele ainda temia um acordo final entre o Reino Unido e Alemanha o que

    significaria uma alterao em 180 graus da posio da Unio Sovitica. Enquanto agora

    estava aparentemente numa posio confortvel, caso esse acordo se desse, a

    Alemanha tinha o caminho aberto para uma guerra com a Unio Sovitica e atingir o

    seu objetivo final.

    De modo a evitar que isso acontecesse, a 14 de abril, o embaixador sovitico

    em Londres, Ivan Maisky comunicou a Lord Halifax, o Ministro dos Negcios

    Estrangeiros britnico, que a Unio Sovitica estava pronta a iniciar conversaes para

    fazer parte de uma garantia conjunta da Romnia. Halifax no pretendia algo do

    gnero. Queria antes uma declarao unilateral sovitica de apoio Romnia como

    modo de dissuaso de um ataque alemo a esse pas. Tal era tambm rejeitado pela

    Unio Sovitica que no queria tirar as castanhas do lume aos outros pases. O

    objetivo permanecia o da segurana coletiva.

    O modo de negociao dos soviticos era bastante rgido, no dando qualquer

    mostra de cedncias ao lado contrrio, pelo que Litvinov recomendou que a Unio

    Sovitica comeasse a mostrar algumas cedncias para que um acordo pudesse ser

    alcanado. Por esta altura, no entanto, Litvinov j no se encontrava nas boas graas

    de Estaline e do Politburo, aps as tentativas completamente frustradas da Unio

    Sovitica em transpor o conceito de segurana coletiva para um acordo concreto com

    a Frana e Reino Unido. As propostas de Litvinov tinham ainda de passar por uma

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    avaliao prvia do Politburo antes de serem transmitidas oficialmente. Foi o que se

    passou com a resposta sovitica proposta britnica de 14 de abril. Quatro dias

    depois, dia 18, a resposta foi dada com oito artigos, trs dos quais no negociveis:

    1. Os trs pases teriam de concluir um acordo de 5 a 10 anos onde

    garantiam dar assistncia mtua, incluindo assistncia militar, em caso

    de agresso na Europa contra qualquer um dos trs;

    2. Os trs pases dariam ajuda, assistncia militar includa, aos pases da

    Europa Oriental entre o Bltico e o Mar Negro que fizessem fronteira

    com a Unio Sovitica, em caso de agresso a algum deles;

    3. Os trs pases negociariam e concluiriam o mais brevemente possvel

    um acordo no contedo e forma da assistncia militar a ser dada

    segundo as suas obrigaes.

    Estas propostas no foram recebidas calorosamente pelos britnicos, que,

    como demonstrado no passado, tinham srias dvidas quanto a uma aproximao

    concreta Unio Sovitica. A 29 de abril, onze dias depois, Halifax, numa reunio com

    Maisky, afirmava que ainda no tinham uma resposta s propostas soviticas. Por seu

    lado, os franceses estavam mais recetivos proposta sovitica, exceo da clusula

    relativa aos pases blticos.

    Estaline, no deixava de jogar nos dois campos. Desde os Acordos de Munique

    que as duas opes de aproximao ao Reino Unido e Frana ou Alemanha estavam

    em cima da mesa, pelo que continuava a estudar as duas hipteses. A 21 de abril,

    Estaline pergunta ao seu embaixador em Berlim, Merekalov, se os alemes comearo

    uma guerra ou no com a Unio Sovitica. A resposta dada pelo Merekalov foi mais

    que clara. Os alemes atacariam a Polnia no Outono de 1939, aproximando a

    Alemanha da fronteira sovitica. Os alemes tentariam ento assegurar a neutralidade

    alem enquanto lidavam com a Frana, para depois, quando a Frana estivesse

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    subjugada, iniciariam um ataque Unio Sovitica num espao de dois ou trs anos54.

    A resposta britnica continuava a no chegar, at que na noite de 3 de maio, o

    embaixador britnico em Moscovo, William Seeds, comunicava a Litvinov que o Reino

    Unido ainda no tinha chegado a uma deciso. Assim que a manh chegou, Litvinov foi

    informado que tinha sido afastado do seu cargo. O homem a substituir-lhe seria

    Vyacheslav Molotov, um opositor interno seu.

    O afastamento de Litvinov era uma demonstrao tambm de uma alterao

    de poltica externa no futuro. As tentativas de Litvinov em assegurar uma aliana com

    o Reino Unido e Frana, inseridas numa lgica de segurana coletiva, tinham falhado a

    toda a linha, pelo que se impunha uma mudana de poltica definitivamente. Para

    Anthony Read e David Fisher, o facto de Litvinov ser um forte apoiante de uma aliana

    com as potncias capitalistas liberais, mas tambm o facto de ele ser judeu, era um

    sinal muito forte de Estaline a Hitler que ele estava pronto a aceitar propostas para um

    acordo55. Hitler, por sua vez, compreendeu claramente a mensagem de Estaline. Num

    comentrio mais tarde aos seus generais comentou que o sinal lhe tinha atingido

    como uma bala de canho. A demisso de Litvinov foi decisiva.56. Quando recebeu a

    notcia, Hitler deu ordens a Joseph Goebbels para parar com qualquer propaganda

    contra a Unio Sovitica57. Neste momento, e tal como tinha acontecido aps os

    Acordos de Munique, Estaline estava cada vez mais consciente do perigo que corria ao

    dedicar-se quase exclusivamente aproximao das potncias capitalistas liberais.

    A alterao de comportamento

    Apesar da substituio de Litvinov por Molotov, as negociaes com o Reino

    Unido e a Frana no foram abortadas. Molotov, nos dias seguintes conseguiu com

    que os britnicos e franceses aceitassem a maioria das reivindicaes soviticas. Por

    outro lado, a chegada de Molotov significava tambm um desejo mais vivo de

    54 STEINER, Zara The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford University Press, 2011. p. 881 55 FISHER, David, READ, Anthony Op.Cit., idem. p.75 56

    Ibid. 57

    Ibid.

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    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 38

    aproximao Alemanha. Nesta lgica, Astakhov, conselheiro da embaixada sovitica

    em Berlim, perguntou aos alemes se a demisso de Litvinov causaria alguma

    alterao na sua atitude para com a Unio Sovitica.

    A resposta britnica proposta sovitica veio finalmente no dia 8 de maio, em

    que os britnicos reiteravam o desejo de ver a Unio Sovitica garantir as

    independncias dos pases imagem do que o Reino Unido e Frana tinham feito.

    Bonnet, o responsvel pela diplomacia francesa, fiel sua convico de uma postura

    mais conciliatria com os soviticos tinha dvidas quanto a esta abordagem, j que

    sabia que os soviticos no pretendiam garantir as independncias dos pases vizinhos

    mas sim uma aliana bem definida com o Reino Unido e Frana. Para alm disso, cada

    vez mais sinais chegavam de uma aproximao da Unio Sovitica Alemanha. No dia

    14, os soviticos deram a sua resposta contraproposta britnica. Rejeitavam-na,

    querendo um pacto de assistncia mtua, uma extenso das garantias Estnia,

    Letnia e Finlndia e um acordo militar concreto. Mais uma vez visvel a preocupao

    de Estaline em criar um cordo de segurana volta da Unio Sovitica de modo a

    afastar o mais possvel os alemes das suas fronteiras. A noo da zona de influncia

    sovitica nos pases fronteirios era por esta altura, j bastante evidente.

    No Reino Unido, a oposio posio de Chamberlain ia crescendo, temendo-

    se o cenrio de uma Unio Sovitica neutral em caso de guerra com Alemanha.

    Tambm os jornais britnicos favoreciam uma aliana com os soviticos. Assim, a 24

    de maio, o governo britnico acedeu a iniciar conversaes para uma aliana entre os

    trs pases. No entanto, o governo britnico no tinha, apesar da aceitao em iniciar

    conversaes, acedido por completo s exigncias soviticas, reservando para si ainda

    alguma margem de manobra. Ao iniciar as conversaes, queria que a aliana fosse

    inserida no mbito da Sociedade das Naes, o que no foi aceite por Molotov, que

    referia o facto de qualquer estado-membro poder frustrar as aes da Unio Sovitica.

    Para alm deste facto, a questo dos pases que no queriam uma ajuda sovitica

    ainda no tinha sido resolvida, por temerem o que a entrada de tropas soviticas

    pudesse significar. Os soviticos pretendiam que as suas reivindicaes fossem

  • Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Cincias Sociais e Humanas

    Mestrado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais Especializao em

    Relaes Internacionais

    Manuel Antnio Ferreira de Almeida Porfrio 39

    ignoradas e uma soluo de defesa da Unio Sovitica lhes fosse imposta. Os

    britnicos respondiam que tal no lhes podia ser imposto contra a sua vontade. O que

    esta dialtica demonstrava eram os diferentes objetivos dos dois lados, presentes

    desde o incio da expanso alem em 1938. Os soviticos, conscientes da inevitvel

    guerra com a Alemanha queriam preparar-se para ela, os britnicos queriam evit-la.

    Enquanto as negociaes com os britnicos e franceses decorriam, Estaline

    preparava as aproximaes Alemanha. A 9 de maio, um relatrio chega s mos de

    Estaline que concluia, coincidindo com o relato dado por Merekalov, que os alemes

    preparavam a invaso da Polnia e acreditavam que, dada a incapacidade do Reino

    Unido e Frana em fazer frente ao exrcito alemo, esta guerra acabaria por ser

    localizada. O relatrio falava ainda no desejo de Hitler na Ucrnia e nos estados

    blticos e a sua anexao Alemanha, afastando-os da Unio Sovitica. Durante o ms

    de maio, agentes soviticos do informaes aos alemes dos desenvolvimentos das

    conversaes com o Reino Unido e Frana de modo a faz-los sentir que um acordo

    estava cada vez mais perto de ser atingido. A juntar s preocupaes de Estaline, no

    ms de junho chegaram relatrios da vontade de Hitler em resolver a questo polaca a

    todos os custos, mesmo que isso significasse uma guerra em duas frentes, pelo que

    Hitler no se sentiria inibido por uma aliana entre a Unio Sovitica e Reino Unido.

    Mais: Hitler esperava que os soviticos tomassem a iniciativa para um acordo entre os

    dois pases, j que a Unio Sovitica no tinha qualquer interesse numa guerra com a

    Alemanha nem em defender a integridade territorial do Reino Unido ou Frana.

    Em meados de junho, preocupados com um eventual acordo entre a Unio

    Sovitica e Alemanha, o embaixador alemo Schulenburg comunica a Molotov o

    desejo de Hitler em normalizar as relaes entre os dois pases. Ao mesmo tempo, os

    britnicos do uma resposta aos soviticos que no abordava a questo das garantias

    aos pases que no a queriam. O impasse mantinha-se, enquanto relatos de encontros

    entre soviticos e alemes aumentavam a presso sobre os britnicos, tal e qual como

    acontecia com os alemes. Apesar disso, os britnicos estavam convencidos que a

    alternativa a uma aliana militar entre o Reino Unido e a Unio Sovitica era