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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS WESTEROS E O SISTEMA INTERNACIONAL: A APLICABILIDADE DO REALISMO OFENSIVO EM A GUERRA DOS TRONOS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Julia Pires Santa Maria, RS, Brasil 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

WESTEROS E O SISTEMA INTERNACIONAL: A APLICABILIDADE DO REALISMO OFENSIVO EM

A GUERRA DOS TRONOS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Julia Pires

Santa Maria, RS, Brasil 2015

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WESTEROS E O SISTEMA INTERNACIONAL: A

APLICABILIDADE DO REALISMO OFENSIVO EM A

GUERRA DOS TRONOS

Julia Pires

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Dr. José Renato Ferraz da Silveira

Santa Maria, RS, Brasil 2015

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Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas

Curso de Relações Internacionais

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso

WESTEROS E O SISTEMA INTERNACIONAL: A APLICABILIDADE DO REALISMO OFENSIVO EM A GUERRA

DOS TRONOS

elaborado por Julia Pires

como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais

COMISSÃO EXAMINADORA:

José Renato Ferraz da Silveira, Dr. (Presidente/Orientador)

Arthur Coelho Dornelles Júnior, Dr. (UFSM)

Igor Castellano da Silva, Dr. (UFSM)

Santa Maria, 03 de dezembro de 2015

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, José e Claudia, pelo apoio

incondicional, pelos conselhos, por sempre acreditarem em mim e pelo esforço

realizado que me proporcionou chegar até aqui. Agradeço também meu irmão,

Eduardo, pelo companheirismo e por todas as risadas que me proporcionou

durante essa jornada.

Família, obrigada por todo o incentivo e toda a torcida, não só agora, como

em todos os momentos! Aos meus avós, José Luiz e Dolores, muito obrigada por

servirem de exemplo e por toda a ajuda que cederam para toda a minha

formação.

Aos meus amigos, sem toda a ajuda e o impulso de vocês nas horas mais

complicadas não sei onde eu estaria. Obrigada também por todos os momentos

divertidos, que tornaram o percurso muito mais fácil.

Por fim, muito obrigada aos colegas e professores do curso de Relações

Internacionais, por todos os ensinamentos eu me proporcionaram nesses quatro

anos de curso. Em especial ao professor José Renato, que me orientou neste

trabalho.

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RESUMO

Trabalho de Conclusão de Curso

Curso de Relações Internacionais

Universidade Federal de Santa Maria

WESTEROS E O SISTEMA INTERNACIONAL: A APLICABILIDADE DO

REALISMO OFENSIVO EM A GUERRA DOS TRONOS

AUTORA: JULIA PIRES

ORIENTADOR: JOSÉ RENATO FERRAZ DA SILVEIRA

Data e Local da Defesa: Santa Maria, 03 de dezembro de 2015.

A teoria do realismo ofensivo idealizada por John Mearsheimer

apresentou ideias que buscavam explicar por que os Estados se comportam de

maneira agressiva no sistema internacional, a partir de exemplos retirados da

história. No entanto, sua teoria não se aplica somente às ações dos Estados

nacionais, ela também pode ser utilizada para a análise e compreensão de

universos fantasiosos, como é o caso da obra A Guerra dos Tronos, de George

R. R. Martin. O trabalho, baseando-se na teoria do realismo ofensivo, irá buscar

em quais momentos da obra de Martin e da série de televisão inspirada na

mesma – Game of Thrones – os conceitos elaborados por Mearsheimer, em

especial no que diz respeito ao poder, hegemonia, e desconfiança, podem ser

utilizados para explicar as ações dos atores e o próprio funcionamento do

sistema do continente imaginário de Westeros. De início, será feito um

levantamento das ideias realistas durante os anos, desde os teóricos que

influenciaram essa escola de pensamento – como Tucídides, Maquiavel e

Hobbes – até chegar nas ideias de Mearsheimer, para depois analisar os pontos

em comum entre sua teoria e os acontecimentos de Westeros, primeiramente

utilizando a obra A Guerra dos Tronos como objeto de análise e, em um segundo

momento, baseando-se em Game of Thrones, a série televisiva inspirada no livro

de Martin.

Palavras-chave: Realismo Ofensivo, A Guerra dos Tronos, Poder,

Hegemonia, Desconfiança.

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ABSTRACT

WESTEROS AND THE INTERNATIONAL SYSTEM: THE APPLICABILITY OF

OFFENSIVE REALISM IN A GAME OF THRONES

AUTHOR: JULIA PIRES

ADVISER: JOSÉ RENATO FERRAZ DA SILVEIRA

The theory of offensive realism created by John Mearsheimer has

presented ideas that sought to explain why states behave aggressively in the

international system, through examples from history. However, his theory can

also be used to the analysis and understanding of fictional universes, as it is the

case of the book A Game of Thrones, by George R. R. Martin. This paper, based

on the theory of offensive realism, will search in which moments from Martin’s

book and from Game of Thrones – the television series inspired by his book – the

concepts Mearsheimer elaborated, especially concerning power, hegemony and

distrust, can explain the major actor’s doings and the functioning of the system in

the imaginary continent of Westeros. To begin with, the paper will make a survey

of realism’s ideas through the years, starting from the theorists that influenced

this school of thought – like Thucydides, Machiavelli and Hobbes – until arriving

at Mearsheimer’s ideas, and will later analyze the points in common between his

theory and the events of Westeros. Firstly, the object of analysis will be the book

A Game of Thrones and, at a second moment, the television series of same name

will have that role.

Key words: Offensive Realism, A Game of Thrones, Power, Hegemony,

Distrust.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………….......8

1. TEORIA DO REALISMO OFENSIVO…...……………………......17

1.1. Premissas Realistas ………………………………………...…..........17

1.2. Influências à Teoria Realista …………….........................…………18

1.3. Realismo Clássico ………………………………………....................20

1.4. Realismo Estrutural ou Neorrealismo ..........................................23

1.5. Realismo Neoclássico ………………………………….....................25

1.6. Realismo Defensivo …………………………………….................…27

1.7. Realismo Ofensivo …………………………………................….......28

2. ANÁLISE INTERNA DA OBRA DE GEORGE R. R. MARTIN..36

2.1. Contexto Histórico-Político de Westeros......................................36

2.2. As Similaridades entre o Realismo Ofensivo e A Guerra dos

Tronos..............................................................................................37

3. ANÁLISE DA PRIMEIRA TEMPORADA DA SÉRIE DE TV

GAME OF THRONES................................................................52

3.1. Personagens e diálogos que influenciam a temática realista......52

3.2. Levantamento dos episódios da primeira temporada de Game of

Thrones............................................................................................61

CONCLUSÃO..................................................................................71

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................76

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INTRODUÇÃO

Uma das frases mais marcantes do livro A Guerra dos Tronos de George

R. R. Martin é “quando se joga o jogo dos tronos, ganha-se ou morre. Não existe

meio termo” (MARTIN, 2010, p. 346). O contexto que envolve tal frase é o de

sete reinos cujos principais personagens lutam de maneira incessante para ou

perpetuarem sua posição no poder, ou ampliarem seu poder para conseguir,

dessa forma, ter maior influência nas decisões tomadas, não se importando com

os meios necessários para atingir esse fim.

Muitas vezes, obras de ficção abordam, por meio de um universo

fantasioso, algumas questões que se apresentam nos debates de política,

segurança, direito e economia. E o livro de George R. R. Martin é um grande

exemplo disso. Se analisado por meio de um enfoque de relações internacionais

e suas teorias, percebe-se que tal contexto apresenta muitas semelhanças com

as teorias realistas de relações internacionais, em especial com a teoria do

realismo ofensivo de John Mearsheimer.

Além disso, a primeira temporada da série homônima ao livro de Martin,

Game of Thrones, trouxe mais pontos do contexto político já estabelecido pelo

autor que podem ser analisados por meio do prisma das relações internacionais.

Tanto no livro como na série, questões abordadas pela teoria de

Mearsheimer se fazem presente, exibindo um mundo no qual a luta pelo poder

sempre está presente, Grandes Casas – que se comparam aos Estados

modernos – sentem-se ameaçadas o tempo todo pela possível dominação ou

ataque por meio de outras, e, portanto, têm como objetivo principal a sua

sobrevivência diante às demais.

Desde a Segunda Guerra Mundial, a perspectiva realista buscou explicar

os acontecimentos da ordem internacional destacando a primazia do Estado,

cujo objetivo central é garantir a sua sobrevivência dentro da anarquia do sistema

internacional, podendo ser garantida tanto de forma individual, como por meio

de alianças. No entanto, esses pressupostos, básicos para a teoria realista, já

começaram a ser pensados anteriormente na história.

Na Grécia Antiga, Tucídides relatou os acontecimentos da Guerra do

Peloponeso e, ao fazê-lo, acabou tratando de um dos assuntos centrais ao

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estudo das Relações Internacionais: a guerra. Tentando compreender os

motivos que levaram à guerra, escreveu que:

Na minha visão a real razão, verdadeira mas não reconhecida, que forçou a guerra foi o crescimento do poder ateniense, e o medo por parte de Esparta. (THUCYDIDES, 2009, p. 13)1

Complementando isso, de acordo com Nogueira e Messari (2005, p. 22),

a partir de uma leitura realista da obra de Tucídides é possível destacar três

pontos importantes: em primeiro lugar, a presença do conceito que, na teoria

realista, passaria a ser chamado de anarquia internacional - falta de autoridade

soberana a nível internacional; em segundo lugar, a luta pela sobrevivência das

Cidades-Estado durante a Guerra, situação que acontece também com os

Estados modernos, e a pouca estima por parte dos Estados por valores morais

e justiça nas suas relações.

Não só Tucídides que influenciou o pensamento realista. Maquiavel e

Hobbes também tiveram forte participação na construção de preceitos básicos

importantes para todos os teóricos realistas.

Maquiavel é importante para a teoria realista ao passo que apresentou

“argumentos básicos para a secularização do Estado enquanto poder político

centralizado, garantido pela força de um exército próprio, bem treinado,

disciplinado e preparado, que possui o monopólio legítimo da violência”

(OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p. 29). Além disso, quanto a questão da

guerra – conceito importante para os realistas – o próprio Maquiavel afirma na

obra O Príncipe:

Deve o príncipe, portanto, não desviar um momento sequer o seu pensamento do exercício da guerra, o que pode fazer por dois modos: um com a ação, o outro com a mente. Quanto à ação, além de manter bem organizadas e exercitadas as suas tropas, deve estar sempre em caçadas para acostumar o corpo às fadigas e, em parte, para conhecer a natureza dos lugares (...). Esses conhecimentos são úteis por duas razões: primeiro, aprende-se a conhecer o próprio país e pode-se melhor identificar as defesas que ele oferece; depois, (...), com facilidade poderá entender qualquer outra região que venha a ter de observar, (...) de forma que, do conhecimento do terreno de uma província, se pode

1 In my view the real reason, true but unacknowledged, which forced the war was the growth of Athenian power and Spartan fear of it.

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passar facilmente ao de outras. (MAQUIAVEL, 2010, p. 54)

Quanto à influência de Thomas Hobbes ao pensamento realista de

relações internacionais, o autor foi o responsável por conceitualizar o Estado de

natureza e soberania, este último sendo essencial para o Estado garantir as

condições mínimas de segurança e sobrevivência de sua sociedade. Nas

palavras do próprio Hobbes,

Pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade (em latim Civitas), que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado. E no qual a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro; os magistrados e outros funcionários judiciais ou executivos, juntas artificiais; a recompensa e o castigo (pelos quais, ligados ao trono da soberania, todas as juntas e membros são levados a cumprir seu dever) são os nervos, que fazem o mesmo no corpo natural; a riqueza e prosperidade de todos os membros individuais são a força; Salus Populi (a segurança do povo) é seu objetivo; os conselheiros, através dos quais todas as coisas que necessita saber lhe são sugeridas, são a memória; a justiça e as leis, uma razão e uma vontade artificiais; a concórdia é a saúde; a sedição é a doença; e a guerra civil é a morte. (HOBBES, 2003, p. 9)

A partir das ideias iniciais trazidas por esses autores, a teoria do realismo

nas relações internacionais foi construída, sendo Edward Hallett Carr

considerado o precursor dessa teoria. Em 1939, Carr publicou o livro Vinte Anos

de Crise, e nele afirma que o realismo estudava o mundo como realmente era,

por meio de uma visão menos utópica, mais sintonizada com o poder e interesse

que estão presentes na política internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.

4). Diferenciando o realismo das tendências utópicas que eram utilizadas para

tratar do cenário internacional no período entre guerras, Carr afirma que

(...) O realismo está sujeito a assumir um aspecto crítico e, de certo modo, cínico. No campo do pensamento, coloca sua ênfase na aceitação dos fatos e na análise de suas causas e consequências. Tende a depreciar o papel do objetivo, e a sustentar, explícita ou implicitamente, que a função do pensamento é estudar a sequência dos eventos que ele não tem o poder de influenciar ou alterar. No campo da ação, o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das forças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, e a insistir em que a mais alta sabedoria reside em aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas. (CARR, 2001, p. 14)

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Além de Carr, Hans Morgenthau também foi de extrema importância para

o desenvolvimento do pensamento realista. Foi a partir da publicação de sua

obra, A Política Entre as Nações, que o pensamento realista consolidou-se como

teoria influente da política internacional, tanto como instrumento de análise

quanto de formulação de política externa ((OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p.

52). Para tanto, Morgenthau estabeleceu seis princípios que seriam

fundamentais para a teoria realista. Esses princípios seriam o que diferem a

escola realista de todas as demais (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 33).

Especificamente, os seis princípios básicos da teoria realista, de acordo com

Morgenthau, são:

1) O realismo político acredita que a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana; 2) A principal sinalização que ajuda o realismo político a situar-se em meio à paisagem da política internacional é o conceito de interesse definido em termos de poder. Esse conceito fornece-nos um elo entre a razão que busca compreender a política internacional e os fatos a serem compreendidos; 3) O realismo parte do princípio de que seu conceito-chave de interesse definido como poder constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida, mas não outorga a esse conceito um significado fixo e permanente. A noção de interesse faz parte realmente da essência da política, motivo por que não se vê afetada pelas circunstâncias de tempo e lugar; 4) O realismo político é consciente da significação moral da ação política, como o é igualmente da tensão inevitável existente entre o mandamento moral e as exigências de uma ação política de êxito. E ele não se dispõe a encobrir ou suprimir essa tensão, de modo a confundir a questão moral e política (...); 5) O realismo político recusa-se a identificar as aspirações morais de uma determinada nação com as leis morais que governam o universo; 6) É real e profunda a diferença existente entre o realismo político e outras escolas de pensamento. Por mais que a teoria do realismo político tenha sido mal compreendida e mal interpretada, não há como negar sua singular atitude intelectual e moral com respeito a matérias ligadas à política. Intelectualmente, o realista político sustenta a autonomia da esfera política. (MORGENTHAU, p. 4-22)

Apesar da inicial primazia da teoria realista dentro dos estudos de política

internacional, a partir dos anos de 1970 uma grande onda de críticas destinou-

se à esta escola, devido ao surgimento de novos atores com importância na

esfera internacional. Diante essas críticas, alguns autores buscaram reformular

o realismo, originando assim uma nova forma de realismo, o neorrealismo.

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Um dos expoentes do neorrealismo é Kenneth Waltz, com o livro Teoria

das Relações Internacionais. Waltz, por meio de seu livro - que se tornou o novo

standard do pensamento realista (JATOBÁ, 2013, p. 27) - apresentou a teoria do

realismo estrutural, divergindo do realismo clássico, visto que Waltz defende um

modelo sistêmico de teoria aplicada à política internacional, que, de acordo com

o autor, é a única forma capaz de explicar as leis existentes na política

internacional opondo-se às teorias reducionistas anteriores, que “concentram as

causas no nível internacional ou individual” (WALTZ, 2002, p. 35). Ele afirma que

Temos de recuperar a revolução copérnica que outros clamaram e mostrar quantas das ações e interações dos Estados e quantos dos resultados produzidos pelas suas ações e interações podem ser explicados pelas forças que operam ao nível de sistema, e não ao nível das unidades. (WALTZ, 2002, p. 100)

A partir de sua definição de uma estrutura em três partes, Waltz conclui

que “as mudanças ocorrem apenas em termos de distribuição de poder,

conforme o número de grandes potências que caracterizam a polaridade do

sistema internacional em um dado momento” (JATOBÁ, 2013, p. 29).

Outro teórico de extrema importância para o realismo - e neorrealismo -

atualmente, é John Mearsheimer. Integrando o realismo estrutural mas ao

mesmo tempo criticando algumas das ideias de Waltz, Mearsheimer apresenta

no livro The Tragedy of Great Power Politics, publicado em 2001, uma teoria do

realismo ofensivo, que afirma que o objetivo principal das grandes potências é a

hegemonia, e para tanto devem acumular o máximo de poder relativo possível.

De acordo com o autor,

Grandes potências, eu argumento, estão sempre buscando oportunidades de ganhar poder sobre seus rivais, tendo a hegemonia como seu objetivo final. Essa perspectiva não permite a existência de poderes ‘status quo’, exceto no caso excepcional de um Estado que prevalece sobre os demais. Ao invés disso, o sistema é povoado por grandes poderes que possuem tendências revisionistas no seu cerne. (MEARSHEIMER, 2001, p. 30)2

Segundo ele, os Estados temem uns aos outros, e, devido a isso, não

saem da “sombra da guerra”, visto que não possuem garantias de que outros

2 Great powers, I argue, are always searching for opportunities to gain power over their rivals, with hegemony as their final goal. This perspective does not allow for status quo powers, except for the unusual state that achieves preponderance. Instead, the system is populated with great powers that have revisionist intentions at their core.

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Estados não irão tentar subjulgá-los no futuro. Para justificar tal comportamento

por parte dos Estados, Mearsheimer diz que:

A base desse medo é que, em um mundo onde grandes potências têm a capacidade de atacar umas às outras e podem ter a motivação para fazê-lo, qualquer Estado empenhado na sua sobrevivência deve pelo menos suspeitar de outros Estados, e ser relutante ao confiar neles. Adicione a isso o problema “911” – a ausência de uma autoridade central para que um Estado ameaçado possa virar-se em busca de ajuda – e os Estados tem ainda mais incentivos para temer uns aos outros. Além disso, não há nenhum mecanismo, além do possível auto interesse de terceiros, para punir um agressor. Visto que às vezes é difícil dissuadir potenciais agressores, os Estados têm muitas razões para não confiar nos outros, e estarem preparado para a guerra contra eles. (MEARSHEIMER, 2001, p. 32)3

A teoria de Mearsheimer foi elaborada a partir de uma análise de como o

sistema internacional se encontrava à época de sua elaboração. O autor vê a

polaridade do sistema como uma multipolaridade desequilibrada, ou seja, um

sistema multipolar no qual existe um possível hegemon (MEARSHEIMER, 2001,

p. 208). Para ele, essa configuração do sistema internacional é a que mais

provoca medo nos Estados, que como consequência irão acumular cada vez

mais poder, sendo sempre perseguidos pela possibilidade de conflitos.

Partindo de uma análise histórica, Mearsheimer conseguiu comprovar sua

teoria, mas as constatações que fez não se aplicam somente para a situação do

sistema internacional do mundo real e aos Estados nacionais. Na fantasia, as

ideias apresentadas pelo autor também apresentam-se, de forma expressiva. A

obra de fantasia fantástica de George R. R. Martin, A Guerra dos Tronos e a

série de televisão homônima – Game of Thrones – tema de estudo desse

trabalho, são exemplos disso.

Dessa forma, objetiva-se relacionar a teoria do realismo ofensivo de John

Mearsheimer e os pressupostos que a compõem à temática da obra A Guerra

dos Tronos de George R. R. Martin e da primeira temporada da série homônima

3 The basis of this fear is that in a world where great powers have the capability to attack each other and might have the motive to do so, any state bent on survival must be at least suspicious of other states and reluctant to trust them. Add to this the “911” problem—the absence of a central authority to which a threatened state can turn for help—and states have even greater incentive to fear each other. Moreover, there is no mechanism, other than the possible self-interest of third parties, for punishing an aggressor. Because it is sometimes difficult to deter potential aggressors, states have ample reason not to trust other states and to be prepared for war with them.

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Game of Thrones, observar quais os pontos de encontro entre os dois, além de

compreender de forma mais aprofundada as premissas da teoria do realismo

ofensivo, e analisar as teorias de relações internacionais a partir de uma visão

diferente, por meio da arte política.

A pesquisa se torna importante no âmbito que procura estudar, de

maneira diferente, a teoria realista das relações internacionais, mais

especificamente a teoria do realismo ofensivo de John Mearsheimer,

distanciando-se da forma tradicional de análise, permitindo um olhar inovador a

partir da influência das obras de ficção.

Recentemente, o número de análises no campo das relações

internacionais que estudam filmes, programas de TV ou obras de ficção

aumentou significativamente, como por exemplo a série de TV americana

Homeland que foi analisada a partir de uma dimensão sociopolítica pelo

periódico Foreign Affairs.

McCaffrey e Dorobăţ (2015) afirmam que muitas vezes, o mundo da

fantasia apresenta-se com maior familiaridade que o mundo real, e isso torna o

gênero uma das formas mais efetivas para comunicar ao público lições sobre a

vida humana e a sociedade.

Os autores também afirmam que, especificamente as obras de Martin,

utilizam o mundo da fantasia para explorar diversos problemas sociais e

dramatizar importantes questões sobre poder, conflito e o Estado. É nesse ponto

que é possível aplicar a teoria do realismo ofensivo para análise tanto do livro de

Martin, quanto para a série de TV inspirada no livro. Os temas já citados de

poder, conflito e Estado são ponto central para a teoria realista – incluindo-se aí

o realismo ofensivo – e também são, por mais que permeados em um universo

fictício no qual habitam dragões e criaturas misteriosas, para o livro de Martin e

à série de TV Game of Thrones.

Tendo em vista tanto a maior atenção que vem sendo dada às produções

fictícias no campo das relações internacionais e da política, e o fato de que tais

análises tem a tendência a continuar, o caráter das obras de George R. R. Martin

apresenta-se como grande fonte de estudo para esse tipo de análise, visto que

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trata de relações políticas na sociedade humana, muitas das quais podem se

aplicar ao mundo real.

Por meio da pesquisa, espera-se que as relações entre os personagens

e suas ações no livro A Guerra dos Tronos e na primeira temporada da série

Game of Thrones apresentem semelhança às relações entre os Estados

nacionais, com sua busca incessante pelo poder por sua parte, tendo como

objetivo final a sua sobrevivência a todo custo, da mesma forma que exposta na

teoria de Measheimer.

Quanto à sua metodologia, esta é uma pesquisa do tipo descritiva, que

segue o método de abordagem hipotético-dedutivo, que parte de um problema,

partindo para a formulação de hipóteses e pela inferência dedutiva para,

posteriormente, testar a ocorrência da hipótese (SEVERINO, 2000, p. 32).

Quanto à abordagem do problema, é uma pesquisa qualitativa, que considera

que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo

indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode

ser traduzido em números (SEVERINO, 2000, p. 70). Apresenta natureza

aplicada, que objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à

solução de problemas específicos (SEVERINO, 2000, p. 51). Possui caráter

descritivo, seguindo procedimentos documentais.

O primeiro capítulo destina-se à revisão bibliográfica das teorias realistas

das relações internacionais, partindo desde os autores que influenciaram as

ideias dessa escola de pensamento – como Tucídides, Maquiavel e Hobbes –

passando pelos preceitos do realismo clássico das relações internacionais com

Edward Hallett Carr e Hans Morgenthau, até os ideais do neorrealismo,

destacando o realismo ofensivo de John Mearsheimer.

O segundo capítulo apresenta uma análise interna da obra de George R.

R. Martin – A Guerra dos Tronos – e procura mostrar os pontos de semelhança

entre ideias da teoria do realismo ofensivo de Mearsheimer e diálogos ou

situações expostas no decorrer do livro, destacando também os personagens

principais que influenciam na trama de poder.

O terceiro capítulo trata da primeira temporada da série de TV homônima

ao livro de Martin, Game of Thrones, e, por meio de uma análise pontual dos dez

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episódios, busca expor pontos de semelhança com o realismo ofensivo que não

se fazem presentes na obra de Martin, além de reforçar outros pontos

apresentados anteriormente, com o enfoque diferenciado da série.

Finalmente, a conclusão destina-se a apresentar os resultados obtidos por meio

da pesquisa, reunindo todos os pontos em comum do realismo ofensivo com a

obra e a série e expondo qual sua importância para o estudo de relações

internacionais.

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1. TEORIA DO REALISMO OFENSIVO

1.1. PREMISSAS REALISTAS

A teoria realista como corrente de pensamento das relações

internacionais consolidou-se no século XX, com os expoentes de Edward Hallett

Carr e Hans Morgenthau. Mas suas raízes ideológicas encontram-se presentes

em períodos anteriores. Desde Hobbes e Maquiavel nos séculos XVII e XVI,

respectivamente, até Tucídides na Grécia Antiga, estudiosos de relações

internacionais buscaram influências para aplicar “às premissas e princípios do

realismo do século XX” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 21).

É por meio das ideias desses autores que, posteriormente, foram

estabelecidas as premissas comuns à todos teóricos realistas das relações

internacionais, sendo elas:

A centralidade do Estado, que tem por objetivo central sua sobrevivência, a função do poder para garantir essa sobrevivência, seja de maneira independente (...) seja por meio de alianças, e a resultante anarquia internacional. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 23)

Para os realistas, afirmar que o sistema internacional é anárquico significa

dizer que o mesmo não possui um “poder central com autoridade legal e

legitimidade reconhecida por todos os participantes” (OLIVEIRA, 2014, p. 78).

Dessa forma, dentro das relações internacionais, os principais atores – os

Estados – coexistem entre si e têm como objetivo principal garantir sua

sobrevivência no sistema.

Como todos os Estados são soberanos dentro do sistema anárquico, o

poder que cada um possui cria uma situação de insegurança entre eles, forçando

os Estados a estarem em uma situação de constante luta pelo poder, que pode,

em alguns casos, acarretar guerras.

Nesse contexto de luta constante pelo poder, para sobreviverem, os

Estados buscam evitar a hegemonia por parte de uma nação ou coalizão das

mesmas, utilizando-se de alianças que asseguram tanto os interesses como a

segurança de cada um (OLIVEIRA, 2014, p. 78). Os realistas intitulam essa

prática de balança ou equilíbrio de poder.

Essas são as premissas comuns para todos os teóricos realistas de

relações internacionais. A seguir serão expostas as ideias específicas de

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pensadores que influenciaram a teoria – Tucídides, Maquiavel e Hobbes –

passando por alguns dos teóricos do realismo – Carr, Morgenthau e Waltz –

finalizando com a teoria do realismo ofensivo, elaborada por John Mearsheimer.

1.2. INFLUÊNCIAS À TEORIA REALISTA

O primeiro autor a emprestar alguns de seus conceitos à teoria realista é

Tucídides. Buscou relatar a história da guerra do Peloponeso, entre Atenas e

Esparta, e entender os motivos que levaram as duas cidades-estado a entrarem

em conflito, por meio de oito livros, sendo, assim, o primeiro autor a tratar da

guerra como tema central de sua obra.

Para ele, a principal razão que levou à guerra foi o “crescimento do poder

ateniense e o medo que essa mudança nas relações de poder gerou em Esparta”

(JATOBÁ, 2013, p. 19). A importância do poder dentro das relações entre

Estados é uma das influências de Tucídides para o pensamento realista.

Além delas, destacam-se também “a natureza egoísta das cidades-

estado, a importância da balança de poder e as alianças militares nesse contexto

e, finalmente a predominância do poder sobre a moral” (JATOBÁ, 2013, p. 19).

O último ponto é o que mais se faz presente na obra de Tucídides, que por

diversos momentos fala das atitudes imorais das cidades-estado, na busca da

vitória no conflito.

Nunca antes tantas cidades foram capturadas e desoladas, algumas por bárbaros, outras através de conflito interno (e, em alguns casos uma mudança de população seguiu sua captura); Nunca tantos refugiados ou tanto abate, tanto na própria guerra como por consequência da guerra civil. (THUCYDIDES, 2009, p. 13)4

Quanto a influência de Maquiavel para a teoria realista, em O Príncipe,

principal obra do autor, muitos dos temas importantes para o realismo são

tratados. A questão do poder novamente toma posição central, assim como a

primazia de uma visão real do mundo no lugar de uma ideológica, a formação de

alianças, e, principalmente, a sobrevivência de um Estado perante os demais.

4 Never before were so many cities captured and desolated, some by barbarians, others through internal conflict (and in some a change of population followed their capture); never so many refugees or such slaughter, both in the war itself and as a consequence of civil strife.

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Para os teóricos realistas do século XX, como para Maquiavel, a

permanência do Estado no poder é questão central, e o mesmo deve buscar

todos os meios – inclusive a guerra – para preservar o seu poder.

Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. A primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquista-lo é o ser professo da mesma. (MAQUIAVEL, 2010, p. 53)

Já Thomas Hobbes influenciou o pensamento realista a partir de sua visão

pessimista da natureza humana, a qual traz a necessidade da firmação de um

contrato social, firmando leis para controlar essa natureza má do ser humano e

evitar uma guerra de todos contra todos, criando portanto um Estado soberano

com a capacidade de garantir as condições mínimas de sobrevivência para a

sociedade. Quanto à soberania que o Estado exerce, Hobbes afirma que

Em todos os Estados o legislador é unicamente o soberano, seja este um homem, como numa monarquia, ou uma assembleia, como numa democracia ou numa aristocracia. Porque o legislador é aquele que faz a lei. E só o Estado prescreve e ordena a observância daquelas regras a que chamamos leis, portanto o Estado é o único legislador. Mas o Estado só é uma pessoa, com capacidade para fazer seja o que for, através do representante (isto é, o soberano), portanto o soberano é o único legislador. Pela mesma razão, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano, porque uma lei só pode ser revogada por outra lei, que proíba sua execução. (HOBBES, 2003, p. 91)

Os realistas aplicam as ideias do contrato social e da soberania estatal de

Hobbes ao afirmarem que cada Estado é soberano, não existindo nenhuma

autoridade acima de si, ou seja, o sistema internacional é anárquico. Dessa

forma, as relações entre Estados são caracterizadas pelos realistas como o

estado de natureza de Hobbes, e, não existindo um contrato social entre os

Estados que formam o sistema, o que prevalece entre eles é a “desconfiança

mútua, a insegurança e, especialmente, a recorrência do fenômeno da guerra”

(JATOBÁ, 2013, p. 20).

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1.3. REALISMO CLÁSSICO

O livro Vinte Anos de Crise, de Edward Hallett Carr, é considerado o

precursor da teoria realista nas relações internacionais. Nesse livro, Carr analisa

o período de 1919 à 1939, e por meio disso conclui que a visão de mundo

idealista – ou utópica – adotada durante aquela época foi fracassada, e que, no

seu lugar, os Estados deveriam adotar uma visão que contemple não só a utopia,

como também o realismo.

A falência da visão utópica reside não em seu fracasso em viver segundo seus princípios, mas no desmascaramento de sua inabilidade em criar qualquer padrão absoluto e desinteressado para a condução dos problemas internacionais. O utópico, em face do colapso dos padrões cujo caráter interesseiro ele não compreendeu, se refugia na condenação de uma realidade que se recusa a adaptar-se àqueles padrões. (CARR, 2001, p. 115)

Segundo o autor, a prova do fracasso dessa linha de pensamento político

encontra-se justamente no período estudado por ele, quando os chefes de

Estado, guiados por uma visão de mundo utópica, não conseguiram solucionar

os problemas remanescentes da Primeira Guerra Mundial, fato que deu início

aos “vinte anos de crise” que dão nome à obra, e por consequência deram início

à Segunda Guerra Mundial (OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p. 45).

Utilizando-se da história, Carr defende a construção da linha de

pensamento realista, ou do “edifício realista” (OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014,

p. 47) para portanto ser capaz de demonstrar que

as teorias intelectuais e os padrões éticos dos utópicos, longe de serem a expressão de princípios absolutos e apriorísticos, são historicamente condicionados, sendo tanto frutos dos interesses e circunstâncias, como armas forjadas para a defesa de interesses. (CARR, 2001, p. 91)

Por meio de sua análise da história, utilizando autores clássicos como

Maquiavel e Hobbes, já mencionados anteriormente, Carr chega a conclusão

que é compartilhada com todos os demais pensadores realistas, de que

a política internacional caracterizava-se como uma fase de interação de Estados modernos que tinham a nacionalidade como base fundamental de toda a ação internacional. Seu interesse nacional racional fundamental e egoísta é a sua segurança diante de um sistema internacional anárquico caracterizado pela lógica da anarquia, a qual é caracterizada pela ausência de um poder internacional soberano, tal como a

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existência racional dedutiva do “Estado de natureza”

hobbesiano. (OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p.

48-49)

No entanto, o autor atenta que os realistas não devem guiar-se apenas

por meio dessas afirmações para promover as críticas ao pensamento utópico.

Devem, segundo ele,

derrubar toda a estrutura de papelão do pensamento utópico, expondo toda a fragilidade do material de que é feito. Deve-se usar a arma da relatividade do pensamento para demolir o conceito utópico de um padrão fixo e absoluto, pelo qual as políticas e ações podem ser julgadas. (CARR, 2001, p. 99-100)

Além disso, para Carr, o realista não pode acomodar-se no realismo puro,

visto que, por si só, “não nos dá as fontes de ação que são necessárias até

mesmo para o prosseguimento do pensamento” (CARR, 2001, p. 117). Dessa

forma, o autor defende que o pensamento seja formado por meio de uma síntese

entre utopia e realismo, utilizando elementos das duas correntes, e, por meio

desse equilíbrio de ideias, será possível realizar uma boa análise da política

internacional (OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p. 51).

Apesar das diversas contribuições de Carr para o pensamento realista do

século XX, o autor não apresentou uma teoria sistemática das relações entre os

Estados (JATOBÁ, 2013, p. 21), essa tarefa ficou a cargo de Hans Morgenthau,

com o livro A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz, que acabou

consolidando a escola realista de pensamento.

Guiado pela visão de que existem “leis objetivas da política” (JATOBÁ,

2013, p. 21), Morgenthau elaborou seis princípios básicos, atemporais, da teoria

realista para as relações internacionais. São elas: a política, assim como a

sociedade em geral, é governada por leis objetivas cujas raízes encontram-se

na natureza humana; o principal marco do realismo político é o conceito de

interesse definido em termos de poder; o conceito de poder não possui conteúdo

fixo, mas sim variável no decorrer da história; o realismo político é consciente da

tensão inevitável existente entre o mandamento moral e as ações políticas; as

aspirações morais de determinada nação não são consideradas como leis

morais universais; e, finalmente, existente uma diferença entre o realismo

político e outras escolas de pensamento (MORGENTHAU, 2003, p. 4-28).

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Morgenthau considera que a natureza da política é imutável, objetiva,

racional e de caráter empírico (OLIVEIRA; GERALDELLO, 2014, p. 53), e

sempre é expressa por meio da luta de poder político entre os Estados. A

definição de poder e poder político por Morgenthau é a seguinte

Ao falarmos de poder, queremos significar o controle do homem sobre as mentes e ações de outros homens. Por poder político, referimo-nos às relações mútuas de controle entre os titulares de autoridade pública e entre os últimos e o povo de modo geral. (MORGENTHAU, 2003, p. 51)

O autor explica o motivo da natureza da política não se alterar com o

tempo a partir de dois fatores: em primeiro lugar, devido à natureza humana

pessimista do homem – retomando um pressuposto já exposto por Hobbes

anteriormente – e em segundo lugar, devido à estrutura anárquica do sistema

internacional. A soma desses dois fatores faz com que o Estado possua sempre

o mesmo objetivo principal, a maximização de seu poder.

A luta pelo poder entre os Estados acontece por três maneiras diferentes,

descritas pelo autor: pela política do status quo, pelo imperialismo, ou pela

política de prestígio.

Uma nação cuja política externa propende mais a conservar o poder do que a modificar a distribuição do mesmo em seu favor persegue uma política do status quo. Uma nação cuja política exterior se destina a fazê-Ia adquirir mais poder do que tem, mediante uma mudança nas relações de poder existentes - isto é, cuja política externa, em outras palavras, busca uma alteração favorável a ela na situação do poder - obedece a uma política de imperialismo. Finalmente, uma nação cuja política exterior visa a demonstrar o poder que tem, quer para o propósito de mantê-lo, quer para aumentá-lo ainda mais, professa uma política de prestígio. (MORGENTHAU, 2003, p. 88)

Além disso, Morgenthau afirma que, como o sistema internacional é

anárquico por natureza, “nenhum Estado pode confiar no outro, tornando a

possibilidade de conflito latente no sistema internacional” (OLIVEIRA;

GERALDELLO, 2014, p. 57). Para limitar as políticas de poder dos Estados, e

manter a ordem no sistema internacional, o autor salienta a importância de uma

balança de poder entre as nações. Ele define balança – ou equilíbrio – de poder

como

a aspiração de poder por parte de várias nações, em que cada uma delas tenta manter ou alterar o status

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quo, leva necessariamente a uma configuração que é chamada de equilíbrio de poder, bem como a políticas que se destinam a preservar esse equilíbrio. (MORGENTHAU, 2003, p. 321)

Diante desses fatos, Morgenthau destaca a relação existente entre as

ações políticas adotadas pelos Estados para conseguir poder e os princípios

morais. De acordo com o autor, esses dois conceitos apresentam uma tensão

inevitável (MORGENTHAU, 2003, p. 20), e que

uma atitude realista consiste em filtrar os princípios morais de acordo com as circunstâncias concretas de tempo e lugar, fazendo com que as alternativas de ação sejam julgadas pela ética política, isto é, tendo em vista suas consequências em vez de uma ética universal abstrata. (JATOBÁ, 2013, p. 24)

1.4. REALISMO ESTRUTURAL OU NEORREALISMO

A política entre as nações de Morgenthau manteve-se como o standard

realista até os anos de 1970, quando, devido aos desafios da teoria do

liberalismo e das novas correntes behavioristas, juntamente com a maior

participação econômica nos assuntos políticos, provocaram a necessidade de

reestruturação da teoria realista. Para responder aos desafios e às novas

necessidades que surgiam, Kenneth Waltz elabora o realismo estrutural, por

meio do livro Teoria das Relações Internacionais, tornando este o novo standard

realista (JATOBÁ, 2012, p. 27).

Para Waltz,

sem pelo menos o esboço de uma teoria, não podemos dizer o que precisa de ser explicado, como poderá ser explicado, e que dados, formulados como, devem ser aceitos como prova a favor ou contra hipóteses. (...) O truque, obviamente, é ligar conceitos teóricos com algumas variáveis de forma a conseguir explicações a partir das quais podem então ser inferidas e testadas hipóteses. (WALTZ, 2002, p. 33)

A teoria elaborada pelo autor, enquanto não refuta as influências e

premissas realistas, pretende tornar o realismo mais vigoroso e eficiente, sendo

capaz de não só explicar o presente, mas fazer previsões para o futuro

(NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 42). Waltz chama esse tipo de teoria de

sistêmica, focada em analisar a estrutura do sistema internacional, opondo-se às

teorias vigentes, chamadas por ele de reducionistas – visto que concentram-se

no nível das unidades, no plano nacional, mais precisamente no comportamento

individual dos Estados.

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Utilizando-se das causas dos desdobramentos internacionais, o autor

mostra por que a sua teoria sistêmica é preferível frente a uma teoria

reducionista.

Podemos acreditar que algumas causas das resultantes internacionais estão localizadas ao nível das unidades em interação. No entanto, uma vez que as variações em causas presumidas não correspondem intimamente às variações nas resultantes observadas, temos de acreditar que algumas causas estão localizadas também a um nível diferente. As causas ao nível das unidades e dos sistemas interagem, e porque o fazem, a explicação só ao nível das unidades é enganadora. (WALTZ, 2002, p. 99)

O autor define o sistema a ser analisado como

um conjunto de unidades que interagem entre si, composto de dois níveis: o primeiro consiste na estrutura, onde as unidades formam um arranjo; o segundo consiste em unidades que interagem entre si. (OLIVEIRA, 2014, p. 96)

Por meio de sua teoria sistêmica das relações internacionais, a estrutura

afeta as unidades, constrangendo, limitando e orientando a ação dos agentes

(NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 43).

Cada Estado chega a políticas e decide sobre ações de acordo com seus próprios processos internos, mas as suas decisões são moldadas pela presença de outros Estados assim como pelas interações com eles.” (WALTZ, 2002, p. 95)

Dentro dessa estrutura, os Estados que melhor se adaptam às práticas

aceitas tem maior sucesso e conseguem chegar ao topo da estrutura, que realiza

portanto uma seleção entre as nações que a compõem (OLIVEIRA, 2014, p. 97).

Waltz apresenta dois mecanismos diferentes que realizam essa seleção

entre os Estados no sistema: socialização e competição.

Os agentes e as agências atuam, os sistemas como um todo, não. Mas as ações dos agentes e das agências são afetados pela estrutura do sistema. Em si mesma, uma estrutura não leva diretamente à uma resultante e não a outra. A estrutura afeta o comportamento dentro do sistema, mas fá-lo indiretamente. Os efeitos são produzidos de duas formas: através da socialização dos atores e através da competição entre eles. Estes dois importantes processos ocorrem em relações internacionais, como ocorrem em qualquer tipo de sociedades. (WALTZ, 2002, p. 107)

Por socialização Waltz refere-se ao “estabelecimento de padrões de

comportamento aceitáveis, sendo os Estados marginalizados ou sancionados

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caso escolham seguir outros padrões de comportamento”. (JATOBÁ, 2012, p.

30). Já quanto a competição, o autor quer dizer os cálculos realizados pelos

Estados para definir “como agir para obter as maiores vantagens, e aqueles que

não exibem tal comportamento são excluídos do sistema” (JATOBÁ, 2012, p.

30).

A partir desses dois mecanismos, a estrutura afeta o sistema vigente e as

suas unidades, explicando a existência de padrões de repetição que ocorrem

dentro de determinado sistema.

1.5. REALISMO NEOCLÁSSICO

Essa vertente do realismo surgiu na década de 1980, como resultado das

críticas ao realismo estrutural de Waltz. O realismo neoclássico buscava

novamente conceitos do realismo clássico ao mesmo tempo em que utilizava

alguns dos argumentos do realismo estrutural. Ou seja, os teóricos dessa

vertente procuram “recuperar as raízes do realismo original, sem deixar de

adaptá-lo aos dilemas do realismo contemporâneo” (NOGUEIRA; MESSARI,

2005, p. 49).

Realismo Neoclássico postula uma “correia de transmissão” imperfeita entre incentivos e constrangimentos sistêmicos, por um lado, e as políticas diplomáticas, militares e econômicas reais que os Estados selecionam, por outro. (TALIAFERRO; LOBELL; RIPSMAN, 2009, p. 4)5

A definição da nova vertente surgiu por meio de um artigo de Gideon

Rose, intitulado Neoclassical Realism and theories of foreign policy, que ditou as

suas características principais. Inicialmente, constatou que existem quatro

teorias de política externa, e o realismo neoclássico se diferencia das demais

visto que utiliza “fatores sistêmicos e domésticos na explicação dos

comportamentos estatais” (JATOBÁ, 2012, p. 36).

Seus adeptos argumentam que o âmbito e ambição da política externa de um país é impulsionado em primeiro lugar por seu lugar no sistema internacional e, especificamente, por suas capacidades de poder material relativo. É por isso que eles são realistas. Eles argumentam ainda, no entanto, que o impacto de tais recursos de poder sobre a política externa é indireto e complexo, porque as pressões sistêmicas devem ser

5 Neoclassical realism posits an imperfect “transmission belt” between systemic incentives and constraints, on the one hand, and the actual diplomatic, military, and foreign economic policies states select, on the other.

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traduzidas através de variáveis intervenientes ao nível da unidade. É por isso que eles são neoclássicos. (ROSE, 1998, p. 146)6

O assunto de maior importância para os realistas neoclássicos é quanto

ao poder relativo na política externa, e introduzem duas variáveis que o

impactam. A primeira são as percepções dos líderes, por meio das quais as

pressões sistêmicas podem ser filtradas.

Líderes definem os "interesses nacionais" e conduzem a política externa com base em sua avaliação do poder relativo e das intenções de outros Estados, mas estão sempre sujeitos a restrições nacionais. (TALIAFERRO; LOBELL; RIPSMAN, 2009, p. 26)7

Já a segunda variável introduzida refere-se a força do aparelho estatal e

a sua relação com a sociedade.

Avaliações brutas de distribuição internacional de poder são inadequadas, eles alegam, porque os líderes nacionais não podem ter acesso fácil aos recursos totais de poder material de um país. Uma vez levantada, a noção de que a análise do poder internacional deverá levar em conta a capacidade dos governos para extrair e direcionar os recursos de suas sociedades parece quase óbvia, e, na verdade, ele simplesmente envolve incorporar na teoria de relações internacionais que são de rotina em outros subcampos de ciência política. (ROSE, 1998, p. 161)8

Metodologicamente, os adeptos dessa corrente teórica dão preferência a

casos de estudo específicos que traçam as formas que diferentes fatores se

combinam para formar determinada política externa em um país. São os casos

de Fareed Zakaria com os Estados Unidos, William Wolforth com a União

Soviética, Thomas Christensen com os Estados Unidos e a China, e Randall

Schweller com Estados beligerantes da Segunda Guerra Mundial (ROSE, 1998,

p. 153-154).

6 Its adherents argue that the scope and ambition of a country's foreign policy is driven first and fore most by its place in the international system and specifically by its relative material power capabilities. This is why they are realist. They argue further, however, that the impact of such power capabilities on foreign policy is indirect and complex, because systemic pressures must be translated through intervening variables at the unit level. This is why they are neoclassical. 7 Leaders define the “national interests” and conduct foreign policy based upon their assessment of relative power and other states’ intentions, but always subject to domestic constraints. 8 Gross assessments of the international distribution of power are inadequate, they contend, because national leaders may not have easy access to a country's total material power resources. Once raised, the notion that international power analysis must take into account the ability of governments to extract and direct the resources of their societies seems almost obvious, and in fact, it simply involves incorporating into international relations theory variables that are routine in other subfields of political science.

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1.6. REALISMO DEFENSIVO

Como foi mencionado por Gideon Rose e apresentado anteriormente,

existem quatro teorias de política externa. O autor concentra seus estudos na

quarta das teorias – o realismo neoclássico – mas existem outras duas teorias

de grande importância: o realismo defensivo, apresentado nessa subseção, e o

ofensivo, a ser tratado na subseção seguinte.

O realismo defensivo também surge devido às críticas ao realismo

estrutural de Waltz, principalmente devido ao pessimismo dos realistas

estruturais em relação aos prospectos para a cooperação internacional

(GLASER, 1995, p. 50). De acordo com Glaser, tem-se a ideia de que no

realismo estrutural, visto que o sistema é anárquico, a cooperação entre Estados,

enquanto não impossível, é muito difícil de ser alcançada, e como resultado será

rara e contribuirá relativamente pouco para o bem-estar dos Estados (GLASER,

1995, p. 50). O autor afirma algo diferente.

Defendo que esse pessimismo é injustificado. Ao contrário da sabedoria convencional, a forte propensão geral para adversários competirem não é uma consequência lógica inevitável de pressupostos básicos do realismo estrutural. O realismo estrutural devidamente compreendido prevê que, sob uma ampla gama de condições, adversários podem melhor atingir seus objetivos de segurança por meio de políticas de cooperação, e não competitivas, e devem, portanto, escolher a cooperação quando essas condições prevalecem. (GLASER, 1995, p. 51)9

Para os realistas defensivos, “‘os Estados devem acumular apenas um

montante adequado de poder’, pois o comportamento mais racional é buscar

poder e alianças suficientes para manter a própria segurança, em vez de buscar

sempre mais poder e influência” (JATOBÁ, 2012, p. 32).

A organização do sistema internacional leva os Estados, considerados

atores racionais pelas demais teorias realistas, a agirem de forma a se

protegerem e defenderem o equilíbrio de poder, no lugar de perturbá-lo

(MEARSHEIMER, 2011, p. 425).

9 I argue that this pessimism is unwarranted. Contrary to the conventional wisdom, the strong general propensity for adversaries to compete is not an inevitable logical consequence of structural realism's basic assumptions. Structural realism properly understood predicts that, under a wide range of conditions, adversaries can best achieve their security goals through cooperative policies, not competitive ones, and should, therefore, choose cooperation when these conditions prevail.

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Como são vistos como atores racionais, quando os Estados entram em

lutas securitárias ou guerras, para os realistas defensivos, seu comportamento

é percebido como imprudente, e é por essa razão que muitos de seus defensores

tem, na realidade, a crença de que os Estados não são racionais em todas as

suas decisões, e, por isso, tentam demonstrar quais seriam as melhores atitudes

que as nações deveriam tomar para minimizar os conflitos entre si (GLASER,

2010, p. 2-3).

A principal ameaça à segurança das grandes potências são... elas mesmas. A maior ameaça reside na sua própria tendência a exagerar os perigos que enfrentam, respondendo a eles com uma beligerância contraproducente. (VAN EVERA, 1998, p. 43)10

1.7. REALISMO OFENSIVO

O principal expoente dessa teoria do realismo é John Mearsheimer, cujo

livro, The Tragedy of Great Power Politics, vem se tornando o novo standard

realista. Por meio do livro, o autor apresenta a sua teoria do realismo, baseando-

se fortemente no realismo clássico de Morgenthau, mas utiliza uma análise

sistêmica para explicar como os Estados agem, diferente da tese de Morgenthau

que explica as ações estatais por meio de seu estado de natureza.

Mearsheimer foca o seu estudo nas grandes potências, visto que são elas

que moldam todas as decisões no sistema internacional e também acabam

afetando os Estados menores, e testa seus argumentos a partir de uma base

histórica – o autor utiliza seis casos: o Japão de 1868 à 1945; a Alemanha 1862

à 1945; a União Soviética de 1917 à 1991; a Itália de 1861 à 1943; a Grã-

Bretanha de 1792 à 1945; e os Estados Unidos de 1800 à 1990 (SNYDER, 2002,

p. 159).

Contrário ao realismo defensivo, o realismo ofensivo argumenta que os

Estados não irão acumular apenas o montante necessário de poder para manter

a sua segurança, visto que a desconfiança dos demais é o que rege o sistema

internacional. Por isso, os Estados tentarão acumular a maior quantidade de

poder que lhes for possível (JATOBÁ, 2012, p. 32-33).

O sistema internacional é retratado como uma arena brutal onde os Estados procuram oportunidades para

10 The prime threat to the security of modern great powers is … themselves. Their greatest menace lies in their own tendency to exaggerate the dangers they face, and to respond with counterproductive belligerence.

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tirar vantagem um do outro, e, portanto, têm poucas razões para confiar uns nos outros. A vida diária é essencialmente uma luta pelo poder, onde cada Estado se esforça não só para ser o ator mais poderoso do sistema, mas também para garantir que nenhum outro alcance essa posição elevada. (MEARSHEIMER, 1995, p. 9)11

Mearsheimer apresenta cinco premissas que, quando reunidas, justificam

o comportamento agressivo dos Estados dentro do sistema internacional.

Primeiramente, assim como todos os demais teóricos realistas, considera que o

sistema internacional é anárquico. Em segundo lugar, ele afirma que todos os

Estados possuem pelo menos alguma capacidade militar ofensiva. A terceira

premissa diz que os Estados nunca têm certeza das intenções dos demais. A

quarta afirma que o motivo básico que guia os Estados e suas decisões é a sua

sobrevivência. A quinta e última premissa diz que os Estados pensam

estrategicamente sobre como sobreviver no sistema internacional, ou seja, são

atores racionais (MEARSHEIMER, 2001, p. 30-31).

A agressividade dos Estados que ocorre devido às cinco premissas

fundamentais para a teoria de Mearsheimer manifesta-se, segundo o autor, por

três padrões de comportamento: medo, auto-ajuda e maximização de poder

(MEARSHEIMER, 2001, p. 31).

Quanto ao medo, o autor fala que os Estados

Veem uns aos outros com desconfiança, e temem que a guerra possa estar no horizonte. Eles antecipam o perigo. Há pouco espaço para a confiança entre os Estados. Embora o nível de medo varie no tempo e no espaço, ele nunca pode ser reduzido para um nível trivial. (MEARSHEIMER, 1995, p. 11)12

Mearsheimer também afirma que a quantidade de medo que um Estado

tem em relação a outro também é de suma importância no sistema internacional,

uma vez que quanto mais significativa a porcentagem de medo que eles

apresentam entre si, mais forte será a competição securitária entre eles, e mais

provável é a guerra (MEARSHEIMER, 2001, p. 38).

11 The international system is portrayed as a brutal arena where states look for opportunities to take advantage of each other, and therefore have little reason to trust each other. Daily life is essentially a struggle for power, where each state strives not only to be the most powerful actor in the system, but also to ensure that no other state achieves that lofty position. 12 Regard each other with suspicion, and they worry that war might be in the offing. They anticipate danger. There is little room for trust among states. Although the level of fear varies across time and space, it can never be reduced to a trivial level.

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O poder que os Estados possuem irá influenciar imensamente a

quantidade de medo que eles apresentam mediante outros. O autor enumera

três formas que isso pode ocorrer:

Primeiro, Estados rivais que possuem forças nucleares que podem sobreviver a um ataque nuclear e retaliar contra ele são suscetíveis a temer uns aos outros menos do que se esses mesmos Estados não tivessem armas nucleares. (...) Segundo, quando grandes potências são separadas por grandes massas de água, elas geralmente não têm muita capacidade ofensiva contra o outro, independentemente do tamanho relativo de seus exércitos. (...) Em terceiro lugar, a distribuição do poder entre os Estados no sistema também afeta significativamente os níveis de medo. (MEARSHEIMER, 2001, p. 38-39)13

A respeito da auto-ajuda, conceito inicialmente utilizado por Waltz,

Mearsheimer afirma que

Cada Estado no sistema internacional visa garantir a sua própria sobrevivência. Porque outros Estados são potenciais ameaças, e porque não há autoridade maior para resgatá-los quando o perigo surge, os Estados não podem depender de outros para a sua segurança. Cada Estado tende a ver-se como vulnerável e sozinho, e, portanto, tem o objetivo de garantir a sua própria

sobrevivência. (MEARSHEIMER, 1995, p. 11)14

Já quanto a maximização de poder relativo por parte de cada Estado –

que, na visão do autor, é determinado pelas capacidades materiais que tal

Estado apresenta –, a razão se dá pois

Quanto maior a vantagem militar de um Estado tem em relação a outros Estados, mais seguro ele é. Cada Estado gostaria de ser a potência militar mais formidável no sistema, porque esta é a melhor maneira de garantir a sobrevivência em um mundo que pode ser muito perigoso. Essa lógica cria fortes incentivos para os Estados tirarem proveito de um outro, incluindo ir para a guerra, se as circunstâncias são propícias e

13 First, rival states that possess nuclear forces that can survive a nuclear attack and retaliate against it are likely to fear each other less than if these same states had no nuclear weapons. (…) Second, when great powers are separated by large bodies of water, they usually do not have much offensive capability against each other, regardless of the relative size of their armies. (…) Third, the distribution of power among the states in the system also markedly affects the levels of fear. 14 Each state in the international system aims to guarantee its own survival. Because other states are potential threats, and because there is no higher authority to rescue them when danger arises, states cannot depend on others for their security. Each state tends to see itself as vulnerable and alone, and therefore it aims to provide for its own survival.

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vitória parece provável. (MEARSHEIMER, 1995, p. 11).15

Ele também apresenta quatro estratégias que os Estados utilizam para

adquirirem mais poder, elas sendo: guerra, chantagem – o Estado ameaça

utilizar sua força militar em um oponente e, se funcionar, é preferível à guerra –,

bait and bleed – o Estado faz com que dois rivais entrem em guerra entre si e se

desgastem, enquanto sua força militar mantém-se intacta – e bloodletting – o

objetivo do Estado é fazer com que qualquer guerra que seus rivais estejam

envolvidos se transforme em uma guerra longa e custosa, reduzindo suas forças

(MEARSHEIMER, 2001, p. 100-105).

O diferencial da teoria de Mearsheimer para as demais teorias realistas é

que o autor afirma que o objetivo de todas as grandes potências é tornar-se

hegemônica (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 53). O autor diferencia dois tipos

de hegemonia, a global e a regional, mas atenta que a hegemonia global é quase

impossível de ser alcançada e, portanto, a hegemonia que as grandes potências

buscam é a regional.

Exceto para o caso improvável de que um Estado alcance superioridade nuclear clara, é praticamente impossível para qualquer Estado alcançar a hegemonia global. O principal impedimento para a dominação do mundo é a dificuldade de projetar poder através dos oceanos do mundo para o território de uma grande potência rival. (...) O melhor resultado que uma grande potência pode esperar é se tornar um hegemon regional e possivelmente controlar outra região próxima e acessível sobre a terra. (MEARSHEIMER, 2001, p. 37)16

Não só isso, Estados que conseguem atingir essa hegemonia regional

também tentam evitar que o mesmo feito ocorra com outras potências em outras

regiões.

Hegemons regionais tentam colocar em xeque hegemons aspirantes em outras regiões, porque temem que uma grande potência rival que domine sua própria

15 The greater the military advantage one state has over other states, the more secure it is. Every state would like to be the most formidable military power in the system because this is the best way to guarantee survival in a world that can be very dangerous. This logic creates strong incentives for states to take advantage of one another, including going to war if the circumstances are right and victory seems likely. 16 Except for the unlikely event wherein one state achieves clear-cut nuclear superiority, it is virtually impossible for any state to achieve global hegemony. The principal impediment to world domination is the difficulty of projecting power across the world’s oceans onto the territory of a rival great power. (…) The best outcome a great power can hope for is to be a regional hegemon and possibly control another region that is nearby and accessible over land.

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região seja um inimigo especialmente poderoso, que é essencialmente livre para causar problemas no quintal da grande potência temerosa. Hegemons regionais preferem que haja pelo menos duas grandes potências localizadas juntas em outras regiões, porque a sua proximidade irá forçá-los a concentrar sua atenção em si e não no hegemon distante. (MEARSHEIMER, 2001, p. 37)17

Mesmo quando um Estado já possui grande vantagem militar sobre seus

rivais, ele continua a buscar cada vez maiores montantes de poder. Além disso,

grandes potências não só buscam oportunidades para aproveitar-se dos outros,

mas também tentam evitar que outras potências se aproveitem de si

(MEARSHEIMER, 2001, p. 33-34).

Em suma, Estados prestam atenção à defesa, bem como à ofensa. Eles próprios pensam sobre a conquista, e trabalham para evitar que Estados agressores conquistem o poder à sua custa. Isto inexoravelmente leva a um mundo de constante concorrência por segurança, onde os Estados estão dispostos a mentir, enganar, e usar a força bruta, se isso os ajuda a ganhar vantagem sobre seus rivais. Paz, se definida como um estado de tranquilidade ou concórdia mútua, não é provável de existir neste mundo. (MEARSHEIMER, 2001, p. 33-34)18

Ele destaca, porém, que os Estados, sendo atores racionais, não seguem

sempre suas intenções ofensivas. Na verdade, as grandes potências levam em

conta a balança de poder, seu poderio militar e como outros Estados reagiriam

diante de seus movimentos. Se, depois de considerados benefícios e os riscos

de um ataque a outro país, os riscos forem maiores que os benefícios, o Estado

aguarda por um momento mais propício (MEARSHEIMER, 2001, p. 35).

Além disso, em determinadas circunstâncias, grandes potências podem

cooperar entre si, por mais que a cooperação possa ser difícil de ser atingida ou

difícil de se manter. Mearsheimer apresenta dois fatores que inibem a

cooperação entre Estados, dentro do sistema internacional: considerações sobre

17 Regional hegemons attempt to check aspiring hegemons in other regions because they fear that a rival great power that dominates its own region will be an especially powerful foe that is essentially free to cause trouble in the fearful great power’s backyard. Regional hegemons prefer that there be at least two great powers located together in other regions, because their proximity will force them to concentrate their attention on each other rather than on the distant hegemon. 18 In short, states ultimately pay attention to defense as well as offense. They think about conquest themselves, and they work to check aggressor states from gaining power at their expense. This inexorably leads to a world of constant security competition, where states are willing to lie, cheat, and use brute force if it helps them gain advantage over their rivals. Peace, if one defines that concept as a state of tranquility or mutual concord, is not likely to break out in this world.

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os ganhos relativos e preocupações com trapaças (MEARSHEIMER, 2001, p.

43).

A cooperação é mais difícil de alcançar (...) quando os Estados estão preocupados com os ganhos relativos ao invés de ganhos absolutos. Isso ocorre porque os Estados preocupados com ganhos absolutos tem que ter certeza de que, se o bolo está se expandindo, eles estão recebendo pelo menos uma parte do aumento, ao passo que os Estados que se preocupam com ganhos relativos devem prestar uma atenção especial à forma como o bolo é dividido, o que complica os esforços de cooperação. Preocupações com trapaças também impedem a cooperação. Grandes potências são muitas vezes relutantes em celebrar acordos de cooperação com medo de que o outro lado irá trair o acordo e ganhar uma vantagem significativa. Esta preocupação é especialmente grave na esfera militar. (MEARSHEIMER, 2001, p. 43-44)19

Por mais que, em certas ocasiões, a cooperação ocorra dentro do sistema

internacional, o autor afirma que nenhuma quantidade de cooperação poderá

eliminar a predominância da competição por segurança entre Estados para

garantirem a sua sobrevivência (MEARSHEIMER, 2001, p. 44).

Quanto as estratégias para a sobrevivência das grandes potências,

Mearsheimer apresenta duas alternativas que elas podem utilizar para evitar que

um possível Estado agressor prejudique a balança de poder: balanceamento ou

buck-passing.

O autor define a estratégia de balanceamento, que é a preferida dentro de

um sistema bipolar, da seguinte maneira

Com o balanceamento, uma grande potência assume a responsabilidade direta para prevenir um agressor de perturbar o equilíbrio de poder. A meta inicial é dissuadir o agressor, mas se isso falhar, o estado de equilíbrio vai lutar a guerra que se seguiu. (MEARSHEIMER, 2001, p. 105)20

19 Cooperation is more difficult to achieve (…) when states are attuned to relative gains rather than absolute gains. This is because states concerned about absolute gains have to make sure that if the pie is expanding, they are getting at least some portion of the increase, whereas states that worry about relative gains must pay careful attention to how the pie is divided, which complicates cooperative efforts. Concerns about cheating also hinder cooperation. Great powers are often reluctant to enter into cooperative agreements for fear that the other side will cheat on the agreement and gain a significant advantage. This concern is especially acute in the military realm. 20 With balancing, a great power assumes direct responsibility for preventing an aggressor from upsetting the balance of power. The initial goal is to deter the aggressor, but if that fails, the balancing state will fight the ensuing war.

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Estados ameaçados utilizam três medidas para realizar o balanceamento:

primeiro, eles podem enviar sinais claros ao agressor por meio de canais

diplomáticos, alegando que estão firmemente comprometidos em manter o

equilíbrio de poder, mesmo que isso signifique ir à guerra. Em segundo lugar,

Estados ameaçados podem buscar formar uma aliança defensiva para auxiliá-

los a conter seu oponente. E em terceiro lugar, Estados ameaçados podem

realizar equilíbrio de poder com um agressor ao mobilizar recursos adicionais

próprios como, por exemplo, ampliar seus gastos com defesa (MEARSHEIMER,

2001, p. 105-106).

Quanto à estratégia do buck-passing, preferida em sistemas multipolares,

Mearsheimer a define da seguinte maneira

Buck-passing é a principal alternativa de uma grande potência ameaçada ao balanceamento. Um buck-passer tenta conseguir que outro Estado arque com o ônus de dissuadir ou possivelmente lutar contra um agressor, enquanto ele permanece à margem. O buck-passer reconhece plenamente a necessidade de impedir o agressor de aumentar a sua quota de poder mundial, mas olha para algum outro Estado que está ameaçado pelo agressor para executar essa tarefa onerosa. (MEARSHEIMER, 2001, p. 106).21

Assim como existem três medidas para implementar o balanceamento, o

autor expõe quatro medidas para implementar o buck-passing, elas sendo:

primeiro, eles podem buscar ter boas relações diplomáticas com o agressor, ou

pelo menos tentar evitar provocá-lo, na esperança de que ele concentre sua

atenção no Estado buck-catcher – o Estado que arcará com o conflito. Em

segundo lugar, buck-passers normalmente mantém relações distantes com o

buck-catcher intendido, visto que ele não deseja fazer parte do conflito. Em

terceiro lugar, grandes potências podem mobilizar recursos próprios adicionais

para que a estratégia dê certo. Em quarto e último lugar, às vezes o buck-passer

permite – ou facilita – o aumento de poder no Estado buck-catcher para que,

dessa forma, ele tenha melhores chances de conter o Estado agressor

(MEARSHEIMER, 2001, p. 107).

21 Buck-passing is a threatened great power’s main alternative to balancing. A buck-passer attempts to get another state to bear the burden of deterring or possibly fighting an aggressor, while it remains on the sidelines. The buck-passer fully recognizes the need to prevent the aggressor from increasing its share of world power but looks for some other state that is threatened by the aggressor to perform that onerous task.

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Como já foi mencionado anteriormente, Mearsheimer utiliza dados

históricos de seis grandes potências diferentes para testar os argumentos que

apresenta no decorrer de sua teoria. Quatro dos seis casos evidenciam os

preceitos do realismo ofensivo – Japão, Alemanha, União Soviética e Itália –

enquanto dois – Estados Unidos e Grã-Bretanha, que o autor chama de

balanceadores extraterritoriais – por mais que inicialmente aparentem possuir

informações que contrariam a teoria de Mearsheimer, na realidade a cedem mais

apoio, ao mostrar a preferência que Estados na sua condição têm de realizar a

estratégia do buck-passing (MEARSHEIMER, 2001, p. 151-169).

No próximo capítulo, as premissas do realismo ofensivo, além das

estratégias de acúmulo de poder e sobrevivência das grandes potências,

expostas no livro de Measheimer, serão analisadas por meio de uma análise

interna dos acontecimentos do livro A Guerra dos Tronos, de George R. R.

Martin, expondo quando a teoria de Mearsheimer pode ser utilizada para explicar

os fatos que ocorrem na obra.

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2. ANÁLISE INTERNA DA OBRA DE GEORGE R. R.

MARTIN

Como já foi exposto no capítulo anterior, a teoria do realismo ofensivo

busca explicar as ações dos Estados – mais especificamente das grandes

potências – no sistema internacional. Porém a sua teoria não é aplicável somente

nesse contexto, visto que pode também ser analisada por meio de obras de

ficção – como é o caso de A Guerra dos Tronos.

No livro de George R. R. Martin a desconfiança, a luta incessante pelo

poder e o desejo da hegemonia também se fazem presentes, tornando possível

a comparação do contexto político do livro com a teoria realista, e em especial

com o realismo ofensivo de John Mearsheimer.

Antes de realizar uma análise mais aprofundada das similaridades que

existem entre a teoria do realismo ofensivo e a obra de Martin, é de extrema

importância apresentar o contexto histórico-político do mundo fantasioso de

Westeros.

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO-POLÍTICO DE WESTEROS

A Westeros – continente fictício do livro de Martin, no qual a grande parte

da trama ocorre – de A Guerra dos Tronos é formada por sete reinos que, apesar

de outrora terem sido todos independentes e conflitantes entre si, foram

unificados na figura do primeiro dos reis da região – Aegon I Targaryen,

conhecido como O Conquistador (MARTIN; GARCÍA JR; ANTONSSON, 2014,

p. 31-45).

A Westeros da juventude de Aegon era dividida em sete reinos briguentos, e dificilmente havia um período em que dois ou três desses reinos não estavam em guerra uns com os outros. O Norte, vasto, frio e pedregoso, era governado pelos Stark de Winterfell. Nos desertos de Dorne, os príncipes Martell dominavam. As terras ocidentais, ricas em ouro, eram governadas pelos Lannister do Rochedo Casterly, a fértil Campina pelos Gardener de Jardim de Cima. O Vale, os Dedos e as Montanhas da Lua pertenciam à Casa Arryn... mas os reis mais beligerantes da época de Aegon eram os dois cujos reinos ficavam mais próximos de Pedra do Dragão, Harren, o Negro, e Argilac, o Arrogante. (MARTIN; GARCÍA JR; ANTONSSON, 2014, p. 33)

A bem dizer, os Sete Reinos que foram unificados por Aegon I eram: o

Reino das Terras da Tempestade, o Reino da Campina, o Reino do Rochedo, o

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Reino do Norte, o Reino das Ilhas e dos Rios, o Reino do Vale e do Céu, e o

Principado de Dorne – este último sendo uma exceção, visto que só foi anexado

197 anos após a unificação dos reinos (MARTIN; GARCÍA JR; ANTONSSON,

2014, p. 33).

Passada a unificação, Aegon construiu seu trono com as espadas dos

pequenos reis e lordes vencidos nas chamadas Guerras da Conquista, o famoso

Trono de Ferro que é a representação do poder máximo na obra e,

posteriormente, virá a ser cobiçado por diversas famílias dentro – e fora – da

corte.

Após o primeiro reinado de Aegon, 282 anos se passaram, nos quais a

família Targaryen manteve-se no poder, combatendo todas as ameaças surgidas

de outras casas, até que uma rebelião eclodiu, retirou os Targaryen do poder e

exterminou a maioria dos membros da família, dando o poder à Robert I

Baratheon (MARTIN; GARCÍA JR; ANTONSSON, 2014, p. 49-129).

Apesar de novamente unificados na figura do rei Robert, desde que o

mesmo assumiu o poder as demais famílias importantes – Stark, Lannister, Tully,

Tyrell, Arryn e até os demais integrantes da família Baratheon – apresentam uma

desconfiança constante entre si, que, na teoria de Mearsheimer, existe porque

os atores – os Estados para o sistema internacional, os líderes das Casas de

Westeros em A Guerra dos Tronos – antecipam o perigo e não sabem quais

serão as ações tomadas pelos demais, portanto, se desejam sobreviver, devem

desconfiar dos outros (MEARSHEIMER, 2001, p. 32).

Além disso, em A Guerra dos Tronos, os principais atores estão sempre

a procura de uma melhor posição dentro das hierarquias de poder do reino,

maquinando também para o declínio das demais.

2.2. AS SIMILARIDADES ENTRE O REALISMO OFENSIVO E A

GUERRA DOS TRONOS

As cinco premissas principais da teoria de Mearsheimer, que em conjunto

justificam o comportamento agressivo dos Estados no sistema internacional,

também podem ser percebidas dentro do mundo fictício de A Guerra dos Tronos.

Além delas, outros conceitos introduzidos pelo realismo ofensivo aparecem em

grande medida na obra de Martin.

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A constante busca por constituir-se como hegemonia na região que se

encontram, a primazia da força terrestre – em detrimento de uma marinha ou

força aérea –, e as estratégias de acúmulo de poder e de sobrevivência são os

outros temas da teoria de Mearsheimer que podem ser analisados a partir da

perspectiva do livro de Martin.

A primeira premissa, que afirma que o sistema internacional é anárquico

(MEARSHEIMER, 2001, p. 30), também torna-se verdadeira no livro de Martin

quando, após a morte do Rei Robert, a autoridade soberana que antes era

expressa por sua figura torna-se não importante, visto que seu filho e herdeiro

ao trono não é reconhecido como o novo rei por várias das demais famílias, que

passam então a agir de forma a satisfazer os próprios interesses, aliando-se à

outras Casas e tornando o sistema cada vez mais multipolar.

“- Temo que Lorde Renly tenha abandonado a cidade.” “Abandonado a cidade? – Ned contava com o apoio de Renly.” “- Retirou-se por uma poterna uma hora antes da alvorada, acompanhado por Sor Loras Tyrell e cerca de cinquenta criados – contou-lhes Varys. – Quando foram vistos pela última vez, galopavam para o sul com alguma pressa, dirigindo-se sem dúvida para Ponta Tempestade ou Jardim de Cima.” Lá se iam Renly e seus cem soldados. Ned não gostou do cheiro daquilo, mas nada havia que pudesse fazer” (MARTIN, 2010, p. 372)

Já a segunda premissa da teoria de Mearsheimer, que afirma que todos

os Estados possuem alguma capacidade militar ofensiva (MEARSHEIMER,

2001, p. 31), também é verdadeira no mundo de Westeros, visto que cada um

dos principais Lordes têm Lordes menores como vassalos, prontos para luta,

além de cavaleiros juramentados ao seu serviço, sem contar também nos

mercenários cuja lealdade irá para aquele que pagar mais caro.

Essa premissa torna-se mais forte no livro ao observar o caso dos dois

últimos membros da família Targaryen vivos – Viserys e Daenerys. Exilados em

Essos, continente à direita de Westeros e separado pelo mar, desde a queda de

seu pai, Aerys II, do trono, Viserys deseja tomar novamente o que é seu por

direito, mas para tanto sabe que necessita de um exército – o que não tem – e

então vende a irmã para casar-se com um líder de um povo bárbaro que lhe

promete um exército.

“- Não necessitaremos de todo o seu khalasar.” Disse Viserys. Os dedos brincavam no punho da lâmina

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emprestada, embora Dany soubesse que ele nunca usara uma espada de verdade. “- Dez mil serão suficientes, posso varrer os Sete Reinos com dez mil guerreiros dothrakis. O domínio se erguerá em nome do seu rei de direito. Tyrell, Redwyne, Darry, Greyjoy não sentem mais amor pelo Usurpador do que eu. Os homens de Dorne ardem pela possibilidade de vingar Elia e os seus filhos. E as pessoas simples estarão conosco. Elas choram por seu rei. – olhou ansioso para Illyrio. – Choram, não é verdade?” “- São o seu povo, e o amam bastante – disse amavelmente Magíster Illyrio. – Em povoados por todo o território, os homens fazem brindes secretos à sua saúde, enquanto as mulheres cosem estandartes do dragão e os escondem até o dia de seu regresso ao outro lado das águas – encolheu os maciços ombros – ou pelo menos é o que dizem meus agentes.” (MARTIN, 2010, p. 29)

O caso dos Targaryen não só demonstra como a segunda premissa

fundamental da teoria de Mearsheimer aplica-se ao livro A Guerra dos Tronos,

mas também como outra das ideias expostas pelo autor também pode ser

aplicada: a ideia de que um exército terrestre é a força armada mais importante

para um país ou, no caso da obra de Martin, para uma das grandes Casas de

Westeros. Esse ponto de relação entre ambos será explorado mais a fundo

posteriormente.

A terceira premissa do realismo ofensivo, que afirma que nenhum Estado

tem certeza das intenções do outro (MEARSHEIMER, 2001, p. 31), aparece de

forma latente no livro de Martin. A desconfiança e o medo do outro devido à

incerteza de suas intenções mostra-se presente desde o início da narrativa,

sendo expressa, por exemplo, pela rivalidade inicialmente velada entre as Casas

Stark, ao norte, e Lannister, no oeste (MARTIN, 2010, p. 24).

Além disso, em diversos diálogos, Eddard Stark – principal expoente da

Casa nortenha –, após tornar-se Mão do Rei – título cujas atribuições são

semelhantes às de um Primeiro Ministro – é aconselhado a não confiar nas

pessoas que o cercam, principalmente àqueles mais próximos.

“- Há algum homem a seu serviço em quem confie por inteiro?” “- Sim.” Ned respondeu. “- Neste caso, possuo um palácio encantador em Valíria que adoraria lhe vender” Disse Mindinho com um sorriso irônico. “- A resposta mais sensata seria não, senhor, mas, que seja.” (...) “- Lorde Petyr.” Ned chamou. “-... Sinto-me grato por sua ajuda. Talvez tivesse sido errado de minha parte desconfiar de você.” Mindinho afagou sua pequena barba pontiaguda. “- É lento para aprender, Senhor Eddard. Desconfiar de mim foi a coisa mais

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sensata que fez desde que desceu de seu cavalo.” (MARTIN, 2010, p. 185)

Quanto a quarta premissa principal da teoria de Measheimer, que afirma

que o motivo que guia os Estados e a suas decisões é o desejo de preservar a

sua sobrevivência (MEARSHEIMER, 2001, p. 31), é exposto no decorrer de todo

o livro A Guerra dos Tronos por meio das estratégias e ações tomadas por

membros de diferentes Casas. O maior expoente disso é a Casa Lannister,

especialmente Cersei Lannister, que deseja se manter a todo custo no poder

após a morte do Rei Robert.

“- Sabe o que devo fazer.” “- O que deve? – Cersei pousou a mão em sua perna boa, logo acima do joelho. – Um homem de verdade faz o que quer, não o que deve – seus dedos deslizaram levemente por sua coxa, na mais suave das promessas. – O reino precisa de uma Mão forte. Joff não terá idade durante anos. Ninguém quer uma nova guerra, especialmente eu – a mão dela tocou-lhe o rosto, os cabelos. – Se amigos podem se transformar em inimigos, inimigos podem se tornar amigos. Sua esposa está a mil léguas de distância, e o meu irmão fugiu. Seja bom para mim, Ned. Juro que nunca se arrependerá.” (MARTIN, 2010, p. 346)

A quinta e última premissa essencial do realismo ofensivo diz que os

Estados são atores racionais (MEARSHEIMER, 2001, p. 31), e o mesmo também

se aplica ao livro, visto que as estratégias que cada um dos principais atores

dentro da trama está constantemente analisando as opções e, de acordo com

seu ponto de vista, escolhendo a alternativa mais racional que vá de encontro às

suas necessidades naquele determinado momento.

O principal expoente que aplica essa premissa de Mearsheimer em A

Guerra dos Tronos também é a Casa Lannister, mas expressa por Lorde Tywin,

patriarca da família um dos estrategistas mais importantes – se não o maior – de

toda a obra.

“A cidade? – Tyrion sentiu-se perdido. – Que cidade seria essa?” “- Porto Real. Vou manda-lo para a corte.” Era a última coisa em que Tyrion Lannister teria pensado. Estendeu a mão para o vinho e pensou no assunto por um momento, enquanto bebia. “- E que devo eu fazer lá?” “- Governar. – seu pai disse concisamente.” Tyrion estremeceu de riso. “- Minha querida irmã pode ter uma coisa ou duas a dizer a respeito disso.” “- Deixe-a dizer o que quiser. O filho dela tem de ser controlado antes que nos arruíne a todos. Culpo esses tolos do conselho... o nosso amigo Petyr, o venerável Grande Meistre e aquela maravilha

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castrada, Lorde Varys. Que tipo de conselhos eles estão dando a Joffrey enquanto ele salta de loucura em loucura? De quem foi a ideia de fazer senhor aquele Janos Slynt? O pai do homem era um açougueiro, e dão a ele Harrenhal. Harrenhal, que foi a sede de reis! Não que ele algum dia ponha os pés no castelo enquanto eu tiver algo a dizer sobre o assunto. Dizem-me que escolheu para símbolo uma lança ensanguentada. Minha escolha teria sido um cutelo ensanguentado – o pai não levantara a voz, mas Tyrion conseguia ver a ira no ouro de seus olhos. – E demitir Selmy, qual é o sentido disso? Sim, o homem está velho, mas o nome de Barristan, o Ousado, ainda tem peso no reino. Emprestava honra a qualquer homem que servisse. Poderá alguém dizer o mesmo de Cão de Caça? Alimenta-se o cão com ossos por baixo da mesa, não se dá a ele um lugar ao lado do trono – brandiu o dedo na cara de Tyrion. – Se Cersei não conseguir domar o rapaz, você tem de fazê-lo. E se esses conselheiros estiverem fazendo jogo duplo...” Tyrion sabia. “- Hastes – suspirou. – Cabeças. Muralhas.” “- Vejo que aprendeu algumas lições comigo.” “- Mais do que pensa, pai – respondeu Tyrion em voz baixa. Terminou o vinho e pôs a taça de lado, pensativo. Uma parte de si estava mais satisfeita do que queria admitir. A outra recordava a batalha a montante do rio, e perguntava a si mesmo se estava sendo de novo enviado para defender o flanco esquerdo. – Por que eu? – perguntou, inclinando a cabeça para o lado. – Por que não meu tio? Por que não Sor Addam, Sor Flement, ou Lorde Serrett? Por que não um homem... maior?” Lorde Tywin pôs-se abruptamente em pé. “- É meu filho.” (MARTIN, 2010, p. 542)

Além das cinco premissas principais de sua teoria, outras três ideias

apresentadas por Mearsheimer também são aplicáveis ao mundo criado por

Martin. A primeira diz respeito à eterna busca por hegemonia por parte dos

atores – fato relacionado ao comportamento estatal como um todo, que provém

das cinco premissas já mencionadas.

De acordo com o realismo ofensivo, os Estados – atores no sistema

internacional – temem uns aos outros, como já foi exposto pela terceira das cinco

premissas fundamentais da teoria de Mearsheimer, visto que não possuem

instrumentos para descobrir quais as ações que serão tomadas pelos demais.

Eles observam uns aos outros com uma eterna desconfiança, antecipando o

perigo. Somado à esse fator, os Estados têm consciência de que vivem em um

mundo anárquico, de autoajuda – remetendo à quarta premissa fundamental da

teoria, de que cada Estado busca a sua própria sobrevivência e, como não confia

nos demais, deve agir de acordo com seus próprios interesses (MEARSHEIMER,

2001, p. 32).

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Por meio desses dois pontos, Mearsheimer conclui que a melhor maneira

de os Estados garantirem sua sobrevivência, é obtendo a maior quantidade de

poder possível, sendo o mais forte da região. Ou seja, o Estado deve se tornar

a hegemonia regional (MEARSHEIMER, 2001, p. 32)

Apreensivos sobre as intenções finais de outros Estados, e conscientes de que operam em um sistema de autoajuda, os Estados rapidamente entendem que a melhor maneira de garantir a sua sobrevivência é ser o Estado mais poderoso no sistema. Quanto mais forte é um Estado em relação aos seus rivais em potencial, é menos provável que qualquer um desses rivais irão atacá-lo e ameaçar a sua sobrevivência. Estados mais fracos ficarão relutantes em brigas com os Estados mais poderosos, porque os mais fracos são suscetíveis de sofrer uma derrota militar. Na verdade, maior a diferença de poder entre dois Estados, menos provável é que o mais fraco irá atacar o mais forte. Nem o Canadá nem o México, por exemplo, iriam aprovar atacar os Estados Unidos, que é muito mais poderoso do que seus vizinhos. A situação ideal é ser a hegemonia no sistema. (MEARSHEIMER, 2001, p. 32-33)22

Em sua teoria, o autor afirma que os Estados, sendo atores racionais –

como comprovado pela sua quinta premissa fundamental – prestam muita

atenção à maneira que o poder está distribuído entre si, e procuram pelas

melhores oportunidades para obterem mais poder. Não só isso, como também

afirma que esse comportamento só encerrará quando o Estado consiga atingir a

hegemonia, visto que não se acomodará apenas com um montante maior de

poder que um potencial rival (MEARSHEIMER, 2001, p. 33).

A ideia de que uma grande potência pode sentir-se segura sem dominar o sistema, desde que tenha uma "quantidade adequada" de poder, não é convincente, por duas razões. Primeiro, é difícil avaliar o quanto de poder relativo um Estado deve ter sobre seus rivais antes que esteja seguro. (...) Em segundo lugar, determinar o quanto de poder é suficiente torna-se ainda mais complicado quando grandes potências contemplam como o poder será distribuído entre eles

22 Apprehensive about the ultimate intentions of other states, and aware that they operate in a selfhelp system, states quickly understand that the best way to ensure their survival is to be the most powerful state in the system. The stronger a state is relative to its potential rivals, the less likely it is that any of those rivals will attack it and threaten its survival. Weaker states will be reluctant to pick fights with more powerful states because the weaker states are likely to suffer military defeat. Indeed, the bigger the gap in power between any two states, the less likely it is that the weaker will attack the stronger. Neither Canada nor Mexico, for example, would countenance attacking the United States, which is far more powerful than its neighbors. The ideal situation is to be the hegemon in the system.

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dentro de dez ou vinte anos no futuro. (MEARSHEIMER, 2001, p. 33)23

O desejo de tornar-se o ator mais forte, hegemônico na região, também é

um dos temas recorrentes em A Guerra dos Tronos, visto que todos os

envolvidos no jogo dos tronos de Westeros, por mais variadas que sejam suas

estratégias – quando o fator da racionalidade dos atores é amplamente exposto

– e incentivos para tanto, buscam o mesmo objetivo final, o Trono de Ferro, a

representatividade máxima da hegemonia dentro do mundo criado por George

R. R. Martin.

No início da trama, são evidentes apenas dois competidores diretos pelo

Trono – o seu atual possuidor, o rei Robert, e os Targaryens exilados do outro

lado do mar.

O rei Robert sente-se ameaçado a todo tempo por Viserys e Daenerys, do

outro lado do Mar Estreito que separa Westeros de Essos e ordena a morte dos

dois – especialmente de Daenerys após a mesma engravidar – para, dessa

forma, manter-se como a potência máxima nos Sete Reinos de forma

indisputável.

“- Você já disse. Se estiver enganado, nada temos a temer. Se a jovem abortar, nada temos a temer. Se der à luz uma fila, e não um filho, nada temos a temer. Se o bebê morrer na infância, nada temos a temer.” “- Mas e se for um garoto? – Insistiu Robert. – E se ele sobreviver?” “- O mar estreito ainda estará entre nós. Temerei os dothrakis no dia em que ensinarem os seus cavalos a correr sobre a água.” O rei bebeu um trago de vinho e olhou carrancudo para Ned. “- Então me aconselha a não fazer nada até que o filho do dragão desembarque seu exército nas minhas costas, é isso?” “- Esse ‘filho do dragão’ está na barriga da mãe – Ned retrucou. – Nem mesmo Aegon conquistou alguma coisa até ter sido desmamado.” “- Deuses! Você é teimoso como um auroque, Stark – o rei olhou em volta da mesa do conselho. – Terá o resto dos senhores perdido a língua? Ninguém incutirá bom-senso neste tolo de cara congelada?” Varys dirigiu ao rei um sorriso bajulador e pousou a suave mão na manga de Ned. “- Compreendo suas apreensões, Lorde Eddard, realmente compreendo. Não senti nenhuma alegria por trazer ao conselho esta grave notícia. O que estamos discutindo é uma coisa terrível, uma coisa vil. Mas

23 The idea that a great power might feel secure without dominating the system, provided it has an “appropriate amount” of power, is not persuasive, for two reasons. First, it is difficult to assess how much relative power one state must have over its rivals before it is secure. (…) Second, determining how much power is enough becomes even more complicated when great powers contemplate how power will be distributed among them ten or twenty years down the road.

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aqueles que ousam governar têm de fazer coisas vis para o bem do reino, por mais que isso lhes custe.” Lorde Renly encolheu os ombros. “- Para mim o assunto parece suficientemente simples. Devíamos ter mandado matar Viserys e a irmã há anos, mas Sua Graça, meu irmão, cometeu o erro de ouvir o que dizia Jon Arryn.” “- A misericórdia nunca é um erro, Lorde Renly – Ned respondeu. – No Tridente, Sor Barristan abateu uma dúzia de bons homens, amigos de Robert e meus. Quando o trouxeram até nós, gravemente ferido e próximo da morte, Roose Bolton insistiu que lhe cortássemos a garganta, mas seu irmão disse: ‘Não matarei um homem por ser leal nem por lutar bem’, e enviou seu próprio meistre para tratar das feridas de Sor Barristan – dirigiu ao rei um longo olhar frio. – Gostaria que esse homem estivesse aqui hoje.” Robert ainda tinha vergonha suficiente para corar. “- Não é a mesma coisa – queixou-se. – Sor Barristan era um cavaleiro da Guarda Real.” “- Ao passo que Daenerys é uma garota de catorze anos – Ned sabia que estava insistindo muito, para além do que era sensato, mas não conseguia ficar calado. – Robert, pergunto-lhe, para que nos erguemos contra Aerys Targaryen, se não foi para pôr um fim ao assassinato de crianças?” “- Para pôr um fim aos Targaryen! – o rei rosnou.” (MARTIN, 2010, p. 250-251)

Com o passar do tempo, a presença de diversos outros atores que

também desejam o Trono é mais explorada. No decorrer da narrativa, os

membros da Casa Lannister, os Lordes do Pequeno Conselho do Rei Petyr

Baelish e Varys, e ambos os irmãos do rei Robert também apresentam-se como

atores que desejam o acúmulo da maior quantidade possível de poder que

conseguirem adquirir.

“- Não estou gostando – uma mulher dizia. Havia uma fileira de janelas por baixo de Bran, e a voz saía da última janela daquele lado. – Você é que devia ser a Mão.” “- Que os deuses o proíbam – respondeu indolentemente uma voz masculina. – Não é honra que eu deseje. Dá um trabalho desmedido.” Bran ficou ali, pendurado, à escuta, com medo de prosseguir. Eles poderiam ver de relance seus pés, se tentasse passar pela janela. “- Não vê o perigo em que isso nos coloca? – disse a mulher. – Robert adora o homem como a um irmão.” “- Robert quase não tem estômago para os irmãos. Não que o censure. Stannis seria suficiente para dar uma indigestão a qualquer um.” “- Não se faça de tolo. Stannis e Renly são uma coisa, Eddard Stark é outra totalmente diferente. Robert escutará Stark. Malditos sejam ambos. Eu devia ter insistido para que ele o nomeasse, mas tinha certeza de que Stark recusaria o cargo.” “- Deveríamos agradecer por nossa sorte – disse o homem. – O rei podia perfeitamente ter nomeado um de seus irmãos, ou mesmo o Mindinho, que os deuses nos protejam. Dê-me inimigos honrados em vez de ambiciosos e dormirei melhor à noite.” Bran compreendeu que falavam de seu pai. Quis ouvir mais.

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Mais alguns pés... mas o veriam se balançasse na frente da janela. “- Teremos de vigiá-los cuidadosamente – disse a mulher.” (MARTIN, 2010, p. 62-63)

A segunda ideia que Mearsheimer traz em sua teoria e que se aplica ao

sistema de A Guerra dos Tronos é a da primazia da força terrestre frente as

demais – naval ou aérea. Em The Tragedy of Great Power Politics, o autor dedica

um capítulo inteiro para tratar do assunto.

Segundo ele, poder é o resultado das forças militares que um Estado

possui, e a partir disso apresenta dois pontos fundamentais: em primeiro lugar,

a força terrestre é a forma dominante de poder militar no mundo e, em segundo,

grandes corpos de água limitam as projeções das capacidades de poder dessa

força terrestre (MEARSHEIMER, 2001, p. 63).

A força terrestre – o exército – é o instrumento militar decisivo no realismo

ofensivo, sobrepondo-se às forças aéreas e marítimas, pois são o principal meio

para a conquista e controle de territórios, que é o objetivo político principal dos

atores em um mundo de Estados territoriais. Para Mearsheimer, as demais

forças militares de um Estado realizam um papel auxiliar à força terrestre

(MEARSHEIMER, 2001, p. 65).

(...) nem o poder naval independente nem o poder aéreo estratégico têm muita utilidade para ganhar grandes guerras. Nenhum desses instrumentos coercivos tem o potencial de vencer uma grande guerra operando sozinho. Só o poder terrestre tem o potencial de ganhar uma grande guerra por si só. A principal razão, (...), é que é difícil de coagir uma grande potência. Em particular, é difícil destruir a economia de um inimigo exclusivamente através do bloqueio ou bombardeio. Além disso, os líderes, bem como as pessoas em Estados modernos estão raramente dispostos a render-se mesmo depois de absorver enormes quantidades de punição (...) O poder terrestre domina os outros tipos de poder militar por outra razão: apenas exércitos podem rapidamente derrotar um adversário. Bloquear marinhas e bombardeios estratégicos, (...), não podem produzir vitórias rápidas e decisivas em guerras entre grandes potências. Eles são úteis principalmente para combater a longas guerras de atrito. Mas Estados raramente vão para a guerra, a não ser que acreditem que o sucesso rápido é provável. Na verdade, a perspectiva de um conflito prolongado geralmente é um excelente dissuasor para a guerra. Consequentemente, o exército de uma grande potência é o seu principal instrumento para iniciar a agressão. O potencial ofensivo de um Estado, em outras palavras, é

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incorporado em grande parte no seu exército. (MEARSHEIMER, 2001, p. 65)24

Analisando essas afirmações de Mearsheimer dentro do escopo de A

Guerra dos Tronos, percebe-se que a importância dada ao exército se faz

presente em grande parte dos debates envolvendo guerras e estratégias para a

tomada do Trono de Ferro.

Logo no início da trama a importância que o exército possui frente aos

demais instrumentos militares já é ressaltada por meio de Viserys Targaryen que,

desejando retomar o trono que uma vez foi de seu pai, sabe que só conseguira

realizar esse desejo com o apoio de um grande exército, e o busca a todo custo,

até acabar sendo assassinado.

Outro caso que demonstra a aplicação das ideias de Mearsheimer quanto

à importância de um exército em A Guerra dos Tronos é a eclosão da guerra

entre Starks e Lannister após a prisão e posterior morte de Lorde Eddard Stark.

Em Westeros, as principais Casas possuem outras menores como

vassalas, e no caso de ocorrer uma guerra, tais Casas menores devem se unir

às suseranas, formando então os grandes exércitos liderados normalmente por

chefes das Casas maiores. Após a prisão de Eddard Stark pela rainha Cersei

Lannister e a captura do irmão da rainha, Tyrion Lannister, por Catelyn Stark, o

filho mais velho de Eddard marcha para o sul juntamente com seu exército,

preparado para enfrentar os Lannister, enquanto o pai de Tyrion também desloca

seu exército para dar início ao conflito. As estratégias que são elaboradas de

ambos os lados levam em conta a enorme importância que a força terrestre tem,

e qual deve ser o seu papel.

“- Há menos de uma quinzena, travou-se uma batalha nos montes sob o Dente Dourado. Tio Edmure enviou

24 (…) neither independent naval power nor strategic airpower has much utility for winning major wars. Neither of those coercive instruments can win a great-power war operating alone. Only land power has the potential to win a major war by itself. The main reason, (…), is that it is difficult to coerce a great power. In particular, it is hard to destroy an enemy’s economy solely by blockading or bombing it. Furthermore, the leaders as well as the people in modern states are rarely willing to surrender even after absorbing tremendous amounts of punishment (…) Land power dominates the other kinds of military power for another reason: only armies can expeditiously defeat an opponent. Blockading navies and strategic bombing, (…), cannot produce quick and decisive victories in wars between great powers. They are useful mainly for fighting lengthy wars of attrition. But states rarely go to war unless they think that rapid success is likely. In fact, the prospect of a protracted conflict is usually an excellent deterrent to war. Consequently, a great power’s army is its main instrument for initiating aggression. A state’s offensive potential, in other words, is embedded largely in its army.

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Lorde Vance e Lorde Piper para defender o desfiladeiro, mas o Regicida caiu sobre eles e os pôs em fuga. Lorde Vance foi morto. A última notícia que recebemos dizia que lorde Piper recuava para se juntar ao seu irmão e a seus outros vassalos em Correrio, com Jaime Lannister em seu encalço. Mas isso não é o pior. Enquanto lutavam no desfiladeiro, Lorde Tywin trazia um segundo exército Lannister pelo sul. Dizem que é ainda maior que a tropa de Jaime. Meu pai deve ter sabido disso, porque enviou alguns homens para se opor a eles, sob a bandeira do próprio rei. Deu o comando a um fidalgo qualquer do sul, um Lorde Erik, ou Derik, ou algo assim, mas Sor Raymun Darry ia com ele, e a carta dizia que havia também outros cavaleiros e uma força de guardas do pai. Mas era uma armadilha. Assim que Lorde Derik atravessou o Ramo Vermelho, os Lannister caíram sobre ele, com bandeira do rei e tudo, e Gregor Clegane os apanhou pela retaguarda quando tentaram se retirar pelo Vau do Saltimbanco. Esse Lorde Derik e alguns outros podem ter escapado, ninguém sabe ao certo, mas Sor Raymun foi morto, tal como a maior parte dos nossos homens de Winterfell. Dizem que Lorde Tywin bloqueou a Estrada do Rei e agora marcha para o norte, na direção de Harrenhal, queimando tudo à sua passagem.” Sinistro e ameaçador, pensou Catelyn. Era pior do que imaginara. “- Pretende esperar por ele aqui? – ela perguntou.” “- Se ele vier até tão longe, sim, mas ninguém pensa que virá. Enviei uma mensagem para Howland Reed, de Atalaia da Água Cinzenta, um velho amigo do pai. Se os Lannister subirem o Gargalo, os cranogmanos os sangrarão ao longo de todo o caminho, mas Galbart Glover diz que Lorde Tywin é inteligente demais para isso, e Roose Bolton concorda. Acreditam que vai permanecer perto do Tridente, tomando os castelos dos senhores do rio um por um, até Correrio ficar sozinho. Precisamos marchar para o sul ao seu encontro.” (MARTIN, 2010, p. 426)

Quanto às limitações provocadas pelos grandes corpos de água,

Mearsheimer diz que quando um exército deve percorrer uma grande massa de

água para enfrentar um adversário bem armado, ele invariavelmente

apresentará pouca capacidade ofensiva. A justificativa para isso, de acordo com

o autor, se encontra nas limitações que a marinha apresenta para auxiliar as

forças terrestres nesse tipo de operação (MEARSHEIMER, 2001, p. 81).

O problema básico que as marinhas enfrentam quando realizam invasões marítimas é que existem limites significativos no número de tropas e na quantidade de poder de fogo que ela pode trazer para ter em uma operação anfíbia. Assim, é difícil para as marinhas inserir na costa das forças inimigas forças de assalto que sejam poderosas o suficiente para oprimir as tropas defensivas. (MEARSHEIMER, 2001, p. 81)25

25 The basic problem that navies face when conducting seaborne invasions is that there are significant limits on the number of troops and the amount of firepower that a navy can bring to

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Essa ideia novamente vai de encontro com a obra de George R. R. Martin

por meio dos Targaryen exilados. Apesar da busca incessante por um exército

para auxiliá-lo na sua reivindicação ao Trono de Ferro, Viserys Targaryen

encontra-se em outro continente, do outro lado do mar, e não possui meios para

conseguir navios para chegar até Westeros, o que torna o corpo de água um

empecilho ainda maior na trama, tirando todo o seu potencial ofensivo.

“- Diz-se que Khal Drogo tem cem mil homens em sua horda. O que diria Jon sobre isso?” “- Diria que mesmo um milhão de dothrakis não são ameaça para o reino desde que fiquem do outro lado do mar estreito – replicou Ned com calma. – Os bárbaros não tem navios. Odeiam e temem o mar aberto.” (MARTIN, 2010, p. 86)

Por último, as estratégias utilizadas no sistema internacional pelos

Estados para acúmulo de poder – guerra, chantagem, bait and bleed e

bloodletting – e para a sua sobrevivência – balanceamento e buck-passing –

serão analisadas por meio da trama de A Guerra dos Tronos.

Das quatro estratégias para o acúmulo de poder, a guerra é a que tem

maior expressão na obra de Martin. A ameaça da guerra está sempre pairando

sobre as cabeças dos habitantes de Westeros, devido à organização do sistema,

que acaba se transformando em um sistema multipolar desequilibrado que, de

acordo com o Mearsheimer, é o mais propício à eclosão de guerras

(MEARSHEIMER, 2001, p. 217), e também devido à eterna desconfiança que as

grandes Casas têm entre si. Ela é o instrumento mais utilizado pelas grandes

Casas em seus conflitos – seja delas entre si ou contra o próprio reino – e estão

sempre preparadas para entrar em combate caso algum conflito ecloda.

“- O Regicida está reunindo uma hoste em Rochedo Casterly – respondeu Sor Rodrik Cassel do quarto atrás dela. – Seu irmão escreve que enviou cavaleiros ao Rochedo exigindo que lorde Tywin proclamasse suas intenções, mas não obteve resposta. Edmure ordenou a Lorde Vance e a Lorde Piper que aguardassem sob o Dente Dourado. Jura que não cederá nem um pé de terra Tully sem primeiro regá-la com sangue Lannister.” (MARTIN, 2010, p. 306)

bear in an amphibious operation. Thus, it is difficult for navies to insert onto enemy shores assault forces that are powerful enough to overwhelm the defending troops.

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A chantagem aparece em A Guerra dos Tronos dentro das estratégias

que algumas das grandes Casas utilizam para ampliarem seu poder e atingirem

seus objetivos, especialmente a Casa Lannister.

“- Filha – disse –, se eu pudesse realmente acreditar que não é como seu pai, ora, nada me daria maior prazer do que vê-la casada com meu Joffrey. Sei que ele a ama de todo o coração – suspirou. – No entanto, temo que Lorde Varys e o Grande Meistre tenham razão. O sangue dirá. Basta-me recordar como sua irmã atiçou o lobo dela ao meu filho.” “- Não sou como Arya – exclamou Sansa. – Ela tem o sangue do traidor, eu não. Eu sou boa, pergunte à Septã Mordane, ela lhes dirá, eu só desejo ser a esposa leal e dedicada de Joffrey.” Sentiu o peso dos olhos de Cersei quando a rainha estudou seu rosto. “- Acredito que fale a sério, filha – virou-se para os outros. – Meus senhores, parece-me que, se o resto de sua família permanecer leal nestes tempos terríveis, isso muito contribuiria para aquietar nossos receios.” Grande Meistre Pycelle afagou a comprida barba, com os pensamentos abrindo sulcos na larga testa. “- Lorde Eddard tem três filhos.” “- Meros rapazes – disse Lorde Petyr com um encolher de ombros. – Eu me preocuparia mais com Catelyn e com os Tully.” A rainha tomou a mão de Sansa nas suas. “- Filha, conhece as letras?” Sansa confirmou nervosamente com a cabeça. Sabia ler e escrever melhor que qualquer um dos irmçaos, apesar de ser um desastre nas somas. “- Agrada-me ouvir isso. Talvez ainda haja esperança para você e para Joffrey...” “- Que quer que eu faça?” “- Deve escrever à sua mãe e ao seu irmão, o mais velho... como ele se chama?” “- Robb – Sansa respondeu.” “- A notícia da traição do senhor seu pai logo chegará a eles. É melhor que seja você a dá-la. Deve contar-lhes como Lorde Eddard traiu seu rei.” Sansa desejava desesperadamente Joffrey, mas não lhe parecia que tivesse coragem para fazer o que a rainha pedia. “- Mas ele nunca... eu não... Vossa Graça, eu não saberia o que dizer...” A rainha deu-lhe palmadinhas na mão. “- Nós lhe diremos o que deve escrever, filha. O mais importante é que peça à Senhora Catelyn e ao seu irmão para manterem a paz do rei.” “- Será duro para eles se assim não fizerem – disse o Grande Meistre Pycelle. – Pelo amor que tem a eles, deve insistir para que percorram o caminho da sabedoria.” (MARTIN, 2010, p. 390)

As outras duas estratégias para acúmulo de poder, bait and bleed e

bloodletting, alguns de seus aspectos são representados em A Guerra dos

Tronos na figura de dois membros do Pequeno Conselho do Rei – Petyr Baelish

e Varys. Ambos possuem planos de ação diferentes para conseguirem mais

poder dentro dos Sete Reinos de Westeros, mas o instrumento que utilizam é o

mesmo – incentivam as intrigas e conflitos entre os demais enquanto

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permanecem às margens, usufruindo do aumento de sua influência dentro e fora

da corte.

As mesmas personagens também representam a estratégia de garantia

de sobrevivência que Mearsheimer chama de buck-passing. Quando sentem que

algum dos outros atores pretende prejudicar a ordem de poder vigente dentro de

Westeros – e a sua posição nele –, tanto Baelish quanto Varys procuram a ajuda

de um terceiro ator, que tenha mais força dentro do sistema de poder, para

impedir a possível agressão à ordem.

“- Isso já não é um jogo com dois jogadores, se é que alguma vez tenha sido. Stannis Baratheon e Lysa Arryn fugiram para fora do meu alcance, e os murmúrios dizem que reúnem espadas à sua volta. O Cavaleiro das Flores escreve para Jardim de Cima, insistindo com o senhor seu pai para que envie a irmã para a corte. A moça é uma donzela de catorze anos, doce, bela, e maleável, e Lorde Renly e Sor Loras pretendem que Robert a leve para a cama, case-se com ela e faça dela uma nova rainha. Mindinho... só os deuses sabem que jogo Mindinho está jogando. Mas é Lorde Stark que me atrapalha o sono. Ele tem o bastardo, tem o livro e, em breve, terá a verdade. E agora a mulher dele raptou Tyrion Lannister, graças à interferência de Mindinho. Lorde Tywin tomará isso como ultraje, e Jaime tem uma estranha afeição pelo Duende. Se os Lannister agitem contra o Norte, os Tully se envolverão também. Você me pede que eu faça demorar para acontecer. Apresse-se então, respondo eu. Nem mesmo o melhor dos malabaristas consegue manter para sempre cem bolas no ar.” “- Você é mais que um malabarista, velho amigo. É um verdadeiro feiticeiro. Tudo que peço é que aplique sua magia durante um pouco mais de tempo. – começaram a atravessar o átrio na direção de onde Arya viera, passando pela sala com os monstros.” “- Farei o que puder – o homem do archote disse suavemente.”

Quanto ao balanceamento – a outra estratégia que, no realismo ofensivo,

os Estados usam para garantirem a sua sobrevivência – ela se faz presente em

A Guerra dos Tronos ao passo que as diferentes Casas realizam alianças entre

si para não só agradarem aos seus interesses mas também para, dependendo

do momento, garantirem a sua sobrevivência e permanência no poder.

“- Escute-me. Stannis não é seu amigo, nem meu. Até os irmãos dificilmente o suportam. O homem é de ferro, duro e inflexível. Elegerá uma nova Mão e um novo conselho, com certeza. Sem dúvida que lhe agradecerá por lhe entregar a coroa, mas não lhe terá amizade por isso. E sua ascensão significará a guerra. Stannis não ficará sossegado enquanto Cersei e seus bastardos não estiverem mortos. Julga que Lorde Tywin ficará

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indolentemente sentado enquanto tiram as medidas da cabeçada filha para espetá-la numa lança? Rochedo Casterly se erguerá em armas, e não estará sozinho. Robert achou por bem perdoar homens que serviram o Rei Aerys, desde que lhe jurassem fidelidade. Stannis é menos clemente. Não deve ter esquecido o certo a Ponta Tempestade; e os Senhores Tyrell e Redwyne não se atrevem a esquecê-lo. Cada homem que lutou sob o estandarte do dragão ou se revoltou com Balon Greyjoy terá bons motivos para temer. Coloque Stannis no Trono de Ferro e garanto-lhe que o reino sangrará. Olhe agora para o outro lado da moeda. Joffrey tem apenas doze anos, e Robert deu regência ao senhor. É a Mão do Rei e Protetor do Território. O poder é seu, Lorde Stark. Tudo que precisa fazer é estender a mão e apanhá-lo. Faça a paz com os Lannister. Liberte o Duende. Case Joffrey com a sua Sansa. Case sua filha mais nova com o Príncipe Tommen e seu herdeiro com Myrcella. Passarão quatro anos até que o Príncipe Joffrey seja maior de idade. A essa altura, ele o verá como um segundo pai, e se não o fizer, bem... quatro anos é tempo bastante longo, senhor. Suficientemente longo para nos vermos livres de Lorde Stannis. Então, se Joffrey se revelar problemático, nós poderemos revelar seu pequeno segredo e colocar Lorde Renly no trono.” “- Nós? – Ned repetiu.” Mindinho encolheu os ombros. “Precisará de alguém para partilhar seus fardos. Asseguro-lhe que meu preço será modesto.” “- Seu preço – a voz de Ned era gelo. – Lorde Baelish, o que está sugerindo é traição.” “- Só se perdermos.” (MARTIN, 2010, p. 362-363)

Feita essa primeira análise da teoria do realismo ofensivo a partir do

âmbito de A Guerra dos Tronos, o próximo capítulo buscará aprofundar tal

análise, utilizando como instrumento para tal a primeira temporada da série de

televisão homônima à obra de George R. R. Martin – Game of Thrones. Serão

analisadas cenas, diálogos quais as personagens que melhor trazem as ideias

da teoria de Mearsheimer.

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3. ANÁLISE DA PRIMEIRA TEMPORADA DA SÉRIE DE TV

GAME OF THRONES

O capítulo anterior procurou analisar as principais ideias presentes na

teoria do realismo ofensivo por meio da temática da obra de fantasia fantástica

de George R. R. Martin – A Guerra dos Tronos. O presente capítulo tem o intuito

de ampliar tal análise, baseando-se na primeira temporada da série televisiva

inspirada no livro de Martin.

Dividida em dez episódios, a temporada relata os mesmos

acontecimentos de A Guerra dos Tronos, ao mesmo tempo que completa a

narrativa ao apresentar novos pontos de vista e personagens que irão influenciar

na trama de poder.

Primeiramente, serão apontadas as personagens que afetam a temática

de poder e sobrevivência, juntamente com os diálogos que a fundamentam, para

depois realizar um levantamento dos episódios, evidenciando quais cenas e

cujas ideias do realismo ofensivo se fazem presentes.

3.1. PERSONAGENS E DIÁLOGOS QUE INFLUENCIAM A

TEMÁTICA REALISTA

Tanto o livro quanto a série apresentam uma vasta quantidade de

personagens, envolvidos em diversas histórias diferentes e, devido a isso,

apenas aqueles que mais se relacionam com as ideias já analisadas no capítulo

anterior serão apresentados.

As personagens que, inicialmente, estão diretamente envolvidas nos

jogos de poder de Westeros são: Eddard Stark, Robert Baratheon, Cersei

Lannister, Varys, Petyr Baelish e Viserys Targaryen. Com o decorrer da história,

novas personagens são introduzidas ou também passam a fazer parte dessa

temática, elas sendo: Tywin Lannister, Jaime Lannister, Tyrion Lannister, Khal

Drogo, Daenerys Targaryen, Robb Stark e Catelyn Stark. Além desses dois

grupos, Renly Baratheon também se destaca nessa esfera realista, mas

diferentemente das demais, que tem a mesma importância na série e na obra de

Martin, Renly tem maior importância na série televisiva.

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O primeiro grupo diz respeito àquelas personagens que desde o início

apresentam atitudes que podem se relacionar aos princípios da teoria de

Mearsheimer. A desconfiança dos demais, o desejo de possuir mais poder, a

preservação de suas Casas ou de si próprio e as estratégias que se assemelham

às descritas no realismo ofensivo têm uma presença forte nessas personagens.

Desse primeiro grupo, Eddard Stark é quem mais traduz as ideias de

Mearsheimer quanto à desconfiança. Por mais que, em determinados momentos

da narrativa, apresente alguns aspectos que demonstram ingenuidade por tentar

confiar nos demais, a personagem expressa desde o início a desconfiança dos

outros principais atores do sistema de Westeros – em especial dos Lannisters e

dos membros do Pequeno Conselho.

"- Senhor Stark, o senhor deve estar com sede." "- Varys". "- Eu prometo a você que não está envenenado. Por que ninguém nunca confia no eunuco? Não tanto meu senhor, salvaria o resto se eu fosse você. Esconda-o. Fala-se de homens que morreram de sede nestas celas." “- E as minhas filhas?” “- A mais jovem parece ter escapado do castelo. Até os meus passarinhos não conseguiram encontrá-la.” "- E Sansa?" "- Ainda noiva de Joffrey. Cersei vai mantê-la perto. O resto de sua Casa, no entanto... todos mortos, entristece-me a dizer. Eu odeio a visão de sangue." “- Você assistiu meus homens serem massacrados e não fez nada.” “- E faria novamente, meu senhor. Eu estava desarmado, sem armadura e rodeado por espadas Lannister. Quando você me olha você vê um herói? Que loucura l evou a dizer à rainha que você tinha aprendido a verdade sobre o nascimento de Joffrey?” “- A loucura da misericórdia. Que ela poderia salvar seus filhos.” “- Ah, as crianças. São sempre os inocentes que sofrem. Não foi o vinho que matou Robert, nem o javali. O vinho o deixou mais lento e o javali o abriu, mas foi sua misericórdia, que matou o rei. Eu confio que você sabe que é um homem morto, Lorde Eddard?” “- A rainha não pode me matar. Cat tem seu irmão como prisioneiro.” “- O irmão errado, infelizmente. E ela o perdeu. Sua esposa deixou o Duende escapar por entre os dedos.” “- Se isso é verdade, então corte minha garganta e termine logo com isso.” “- Hoje não, meu senhor.” “- Diga-me uma coisa, Varys. Quem você realmente serve?” “- O reino, meu senhor. Alguém deve.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 8, minuto 7)26

26 “- Lord Stark, you must be thirsty.” “- Varys.” “- I promise you it isn’t poisoned. Why is it no one ever trusts the eunuch? Not so much my lord, I would save the rest if I were you. Hide it. Men have been known to die of thirst in these cells.” “- What about my daughters?” “- The younger one seems to have escaped the castle. Even my little birds cannot find her.” “- And Sansa?” “- Still engaged to Joffrey. Cersei will keep her close. The rest of your household though… all dead, it grieves me to say. I do so hate the sight of blood.” “- You watched my men being slaughtered and did nothing.” “- And would again, my lord. I was unarmed, unarmored and surrounded my

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As demais personagens que formam esse primeiro grupo também

expressam desconfiança das demais, mas apresentam de maneira mais forte as

ideias do realismo ofensivo no que diz respeito ao desejo de acumular a maior

quantidade possível de poder e atingir a hegemonia.

Enquanto Robert Baratheon representa, até a sua morte, a personagem

com a maior quantidade de poder na série, visto que é o rei de todos os Sete

Reinos de Westeros, sua própria esposa deseja subjugá-lo para ampliar tanto o

seu poder como o de sua Casa, ao colocar o filho no Trono de Ferro.

"- Quando Aerys Targaryen se sentava no Trono de Ferro o seu pai era um rebelde e um traidor. Algum dia, você vai sentar-se no trono e a verdade será o que você faz. (...) Você é meu querido menino e o mundo vai ser exatamente o que você quer que ele seja. Faça algo bom para a menina Stark.” “- Eu não quero.” “- Não, mas você vai. Uma bondade ocasional vai poupá-lo todos os tipos de problemas na estrada.” “- Nós damos muito poder aos nortistas. Eles se consideram nossos iguais.” “- Como você lidaria com eles?” “- Eu dobraria os seus impostos e os ordenaria fornecer dez mil homens para o Exército Real.” “- Um Exército Real?” “- Por que cada Senhor deveria comandar seus próprios homens? É primitivo, não melhor do que as tribos da montanha. Deveríamos ter um exército de homens leais à Coroa, treinados por soldados experientes, em vez de uma multidão de camponeses que nunca utilizou uma lança nas suas vidas." “- E se os nortistas se rebelarem?” “- Eu os esmagaria. Tomaria Winterfell e colocaria alguém leal ao reino como Protetor do Norte. Tio Kevan, talvez.” “- E esses dez mil soldados nortistas, lutam para você ou seu Senhor?” “- Para mim, eu sou seu rei.” “- Mas você acabou de invadir sua terra natal, pediu-lhes para matar os seus irmãos.” “- Eu não estou pedindo.” “- O Norte não poderia ser tomado, não por um estranho. É muito grande e muito selvagem. Quando o inverno chega, os sete deuses juntos não poderiam salvar você e seu Exército Real. Um bom rei sabe quando deve salvar a sua força e quando deve destruir seus inimigos.” “- Então você concorda? Starks são inimigos?” “- Todo mundo que não é nós é um inimigo.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 3, minuto 8)27

Lannister swords. When you look at me do you see a hero? What madness led you to tell the queen you had learned the truth about Joffrey’s birth?” “- The madness of mercy. That she might save her children.” “- Ah, the children. It’s always the innocents who suffer. It wasn’t the wine that killed Robert, nor the boar. The wine slowed him down and the boar ripped him open, but it was your mercy that killed the king. I trust you know you’re a dead man, Lord Eddard?” “- The queen can’t kill me. Cat holds her brother.” “- The wrong brother, sadly. And lost to her. Your wife has let the Imp slip through her fingers.” “- If that’s true then slit my throat and be done with it.” “- Not today, my lord.” “- Tell me something, Varys. Who do you truly serve?” “- The realm, my lord. Someone must.” 27 “- When Aerys Targaryen sat on the Iron Throne your father was a rebel and a traitor. Someday, You’ll sit on the Throne and the truth will be what you make it. (…) You are my darling boy and

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Já os membros do Pequeno Conselho, Varys e Petyr Baelish expõem as

ideias da desconfiança e eterno desejo de poder nas suas estratégias e alianças

dentro da corte, mais especificamente na quebra das alianças previamente

formadas, com o único propósito de se manterem no Conselho e de ascensão

no sistema.

Além disso, em diversos momentos as duas personagens demonstram

uma forte desconfiança mútua, somada à hostilidade nos diálogos entre si,

causada pela incerteza das ações que serão tomadas pelo outro.

"- Como tem passado desde a última vez vimos um ao outro?" "Desde a última vez que você me viu ou que eu vi você?” “- A última vez que o vi, você estava falando com a Mão do Rei” “- Me viu com seus próprios olhos?” “- Com olhos que eu tenho.” “- Questões do Conselho. Todos nós temos muito o que discutir com Ned Stark.” “- Todo mundo é bem consciente do seu eterno carinho com a esposa do Senhor Stark. Se os Lannisters estavam realmente por trás do atentado contra a vida do menino Stark e descobriu-se que você ajudou a Starks chegarem a essa conclusão... e pensar... que uma palavra simples para a rainha...” “-´Estremece-se ao pensar nisso. Mas sabe de uma coisa? Eu acredito que eu o vi mais recentemente do que você me viu.” “- Você viu?” “- Sim. Hoje cedo, eu lembro de ter visto distintamente você conversando com Lord Stark em seus aposentos.” “- E então era você debaixo da cama?” “- E não muito depois disso, quando eu vi você escoltando um certo ... dignitário estrangeiro. Questões do Conselho? Claro que você teria amigos do outro lado do Mar Estreito. Você mesmo é de lá, afinal de contas. Nós somos amigos, não somos, Lorde Varys? Eu gostaria de pensar que somos. Então você pode imaginar o meu fardo, imaginando se o rei pode questionar simpatias do meu amigo. Encontro-me em uma encruzilhada, onde virando à esquerda significa a lealdade a um amigo, e virando à direita, a lealdade ao reino.” “- Oh, por favor...” “- E encontro-me em uma

the world will be exactly what you want it to be. Do something nice for the Stark Girl.” “- I don’t want to.” “- No, but you will. The occasional kindness will spare you all sorts of trouble down the road.” “- We allow the northerners too much power. They consider themselves our equals.” “- How would you handle them?” “- I’d double their taxes and command them to supply ten thousand men to the Royal Army.” “- A Royal Army?” “- Why should every Lord command their own men? It’s primitive, no better than the Hill Tribes. We should have a stand-in army of men loyal to the Crown, trained by experienced soldiers, instead of a mob of peasants who’ve never held pikes in their lives.” “- And if the northerners rebel?” “- I’d crush them. Seize Winterfell and install someone loyal to the Realm as Warden of the North. Uncle Kevan, maybe.” “- And these ten thousand northerners troops, would they fight for you or their Lord?” “- For me, I’m their king.” “- But you’ve just invaded their homeland, asked them to kill their brothers.” “- I’m not asking.” “- The North could not be held, not by an outsider. It’s too big and too wild. When the winter comes, the Seven Gods together couldn’t save you and your Royal Army. A good king knows when to save his strength and when to destroy his enemies.” “- So you agree? Starks are enemies?” “- Everyone who isn’t us is an enemy.”

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posição onde uma simples palavra ao rei... " (GAME OF THRONES, 2011, episódio 5, minuto 24)28

O último membro desse primeiro grupo de personagens cujas atitudes

relacionam-se com as da teoria de Mearsheimer é Viserys Targaryen, que

expressa o desejo pelo poder e, principalmente, pela hegemonia na busca de

um grande exército – ideal que também aparece na teoria do realismo ofensivo,

como já foi mencionado no capítulo anterior – que possa auxiliá-lo no retorno

para sua pátria e para a conquista dos Sete Reinos.

“- Este é o meu povo agora. Você não deve chamá-los de selvagens.” “- Vou chamá-los de que eu quiser, porque eles são o meu povo. Este é o meu exército. Khal Drogo está marchando para o caminho errado com o meu exército.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 4, minuto 11)29

Quanto ao segundo grupo de personagens que se envolvem na temática

realista da série televisiva e da obra de Martin, ele é composto daqueles que, de

início, possuem um papel secundário não exibindo muitas características que

possam ser analisadas do ponto de vista do realismo ofensivo mas, com o

decorrer da história, recebem cada vez maior centralidade nos assuntos que

envolvem poder, sobrevivência, guerra e estratégia.

Khal Drogo e Daenerys Targaryen passam a fazer parte da temática

realista da série a partir da morte de Viserys, quando o desejo de retornar à sua

pátria – Westeros –, somado a uma tentativa de envenenamento à mesma, faz

com que Daenerys convença o marido à conquistar o Trono de Ferro, apesar da

barreira que toma forma no mar.

28 “- How have you been since we last saw each other?” “Since you last saw me or since I last saw you?” “- Now the last time I saw you, you were talking to the Hand of the King.” “- Saw me with your own eyes?” “- Eyes I own.” “- Council business. We all have so much to discuss with Ned Stark.” “- Everyone’s well aware of your enduring fondness for Lord Stark’s wife. If the Lannisters were behind the attempt on the Stark boy’s life and it was discovered that you helped the Starks come to that conclusion… to think… a simple word to the queen…” “- One shudders at the thought. But you know something? I do believe that I have seen you even more recently than you have seen me.” “- Have you?” “- Yes. Earlier today, I distinctly recall seeing you talking to Lord Stark in his chambers.” “- Was that you under the bed?” “- And not long after that when I saw you escorting a certain… foreign dignitary. Council business? Of course you would have friends from across the Narrow Sea. You’re from there yourself, after all. We’re friends, aren’t we, Lord Varys? I’d like to think we are. So you can imagine my burden, wondering if the king might question my friend’s sympathies. To stand at a crossroads where turning left means loyalty to a friend, turning right, loyalty to the realm.” “- Oh, please…” “- To find myself in a position where a simple word to the king…” 29 “- These are my people now. You shouldn’t call them savages.” “- I’ll call them what I like, because they’re my people. This is my army. Khal Drogo is marching the wrong way with my army.”

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“- Rei Robert ainda me quer morta.” “- Este envenenador foi o primeiro. Ele não será o último.” “- Eu pensei que ele ia me deixar em paz, agora que meu irmão está fora do caminho.” “- Ele nunca vai te deixar sozinha. Se você for até Asshai da sombra, seus assassinos irão segui-la. Se você navegar todo o caminho para as Ilhas Basilisco, seus espiões lhe diriam. Ele nunca vai abandonar a caça. Você é uma Targaryen, a última Targaryen. Seu filho terá sangue Targaryen e quarenta mil cavaleiros atrás dele.” “- Ele não terá o meu filho.” “- Ele não terá que você também, Khaleesi.” (...) “- E para o meu filho, o garanhão que vai montar o mundo, também eu lhe prometo um presente. Vou dar-lhe a cadeira de ferro que o pai de sua mãe sentou em cima. Vou dar-lhe Sete Reinos. Eu, Drogo, vou fazer isso. Vou levar meu khalasar em direção ao oeste, para o fim do mundo, e montar cavalos de madeira sobre a água negra salgada como nenhum Khal antes fez. Eu vou matar os homens em ternos de ferro e derrubar suas casas de pedra.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 7, minuto 48)30

Já Catelyn Stark torna-se envolvida no jogo de poder dos Sete Reinos

após a captura de Tyrion Lannister como prisioneiro, devido à falta de confiança

entre as duas Casas, apesar da mesma já demonstrar não confiar nos Lannisters

em momentos anteriores.

A personagem também ganha maior importância no âmbito realista da

história ao negociar alianças com Walder Frey, para favorecer o exército de seu

filho Robb durante a guerra iniciada entre as Casas Stark e Lannister.

“- O que você quer?” “- É um grande prazer vê-lo novamente depois de tantos anos, meu senhor.” “- Oh, me poupe. Seu filho é orgulhoso demais para vir ele mesmo diante de mim. O que eu devo fazer com você?” (...) “- Por que você está aqui?” “- Para pedir-lhe para abrir os portões, meu senhor, para que meu filho e os seus vassalos possam atravessar o Tridente e seguir seu caminho.” “- Por que eu deveria deixá-lo?” “- Se você pudesse escalar suas próprias muralhas, você veria que ele tem vinte mil homens fora de suas paredes.” “- Eles vão ser vinte mil cadáveres quando Tywin Lannister chegar aqui.” (...) “- Você fez um juramento para meu pai.” - Oh, sim, eu disse algumas palavras. E eu fiz juramentos à coroa também, se me

30 “- King Robert still wants me dead.” “- This poisoner was the first. He won’t be the last.” “- I thought he’d leave me alone now that my brother is gone.” “- He will never leave you alone. If you ride to darkest Asshai, his assassins will follow you. If you sailed all the way to the Basilisk Isles, his spies would tell him. He will never abandon the hunt. You’re a Targaryen, the last Targaryen. Your son will have Targaryen blood with forty thousand riders behind him. He will not have my son. He will not have you either, Khaleesi.” (…) “- And for my son, the stallion who will mount the world, I will also pledge a gift. I will give him the iron chair that his mother’s father sat upon. I will give him Seven Kingdoms. I, Drogo, will do this. I will take my Khalasar west to where the world ends and ride wooden horses across the black salt water as no Khal has done before. I will kill the men in iron suits and tear down their stone houses.”

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lembro bem. Joffrey é o rei agora, o que torna o seu menino e seus futuros cadáveres nada além de rebeldes, parece-me. Se eu tivesse a intuição que os deuses deram a um peixe, eu entregaria vocês dois para os Lannisters.” “- Por que não faz isso?” “- Stark, Tully, Lannister, Baratheon. Me dê uma boa razão por que eu deveria gastar um único pensamento sobre qualquer um de vocês.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 9, minuto 20)31

O filho de Catelyn, Robb Stark se envolve na temática de poder de

Westeros com o início da guerra entre as Casas Stark e Lannister. A elaboração

de estratégias para subjugar a Casa Lannister, ao mesmo tempo visando a

preservação de sua própria Casa é evidente nas ações e interações dessa

personagem.

"- Sangue por sangue. Você precisa fazer os Lannisters pagarem por Jory e os outros.” “- Você está falando de guerra.” “- Estou falando de justiça.” “- Só o Senhor de Winterfell pode chamar os vassalos e levantar o exército.” “- Um Lannister colocou sua lança através da perna de seu pai. O Regicida se dirige para Casterly Rock, onde ninguém pode tocá-lo...” “- Você quer que eu marche sobre Casterly Rock?” “- Você não é mais um garoto. Eles atacaram seu pai. Eles já começaram a guerra. É o seu dever representar sua Casa quando seu pai não pode.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 6, minuto 8)32

Tywin Lannister e Jaime Lannister também prezam a sua sobrevivência no sistema, tendo o primeiro surgido depois na narrativa, enquanto o segundo toma maior importância somente após a tomada de seu irmão, Tyrion, como prisioneiro dos Starks.

"- Pobre Ned Stark. Homem corajoso. Terrível juízo.” “- Atacá-lo foi estúpido. Lannisters não agem como tolos. Você vai dizer alguma coisa inteligente? Vá em frente, diga algo inteligente.” “- Catelyn Stark levou meu irmão.” “- Por que ele ainda está vivo?” “- Tyrion?” “- Ned Stark.”

31 “- What do you want?” “- It is a great pleasure to see you again after so many years, my lord.” “- Oh, spare me. Your boy’s too proud to come before me himself. What am I supposed to do with you?” (…) “- Why are you here?” “- To ask you to open your gates, my lord, so my son and his bannermen may cross the Trident and be on their way.” “- Why should I let him?” “- If you could climb your own battlements, you would see that he has twenty thousand men outside your walls.” “- They’ll be twenty thousand corpses when Tywin Lannister gets here. (…)” “- You swore and oath to my father.” “- Oh, yes, I said some words. And I swore oaths to the crown too, if I remember right. Joffrey’s king now, which makes your boy and his corpses-to-be nothing but rebels, it seems to me. If I had the sense the gods gave a fish, I’d hand you both over to the Lannisters.” “- Why don’t you?” “- Stark, Tully, Lannister, Baratheon. Give me one good reason why I should waste a single thought on any of you.” 32 “- Blood for blood. You need to make the Lannisters pay for Jory and the others.” “- You’re talking about war.” “- I’m talking about justice.” “- Only the Lord of Winterfell can call in the bannermen and raise and army.” “- A Lannister put his spear through your father’s leg. The Kingslayer rides for Casterly Rock where no one can touch him…” “- You want me to march on Casterly Rock?” “- You’re not a boy anymore. They attacked your father. They’ve already started the war. It’s your duty to represent your House when your father can’t.”

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“- Um dos nossos homens interferiu, ele o espetou através da perna antes que eu pudesse acabar com ele.” “- Por que ele ainda está vivo?” “- Não teria sido uma morte limpa.” “- Limpa! Você gasta muito tempo se preocupando com o que as outras pessoas pensam de você.” “- Eu poderia me importar menos com o que ninguém pensa de mim.” “- Isso é o que você quer que as pessoas pensem de você.” “- É a verdade.” “- Quando você os ouve sussurrar ‘Regicida’ por trás de suas costas não incomoda você?” “- Claro que me incomoda.” “- Um leão não se preocupa com a opinião de ovelhas. Acho que eu deveria ser grato que sua vaidade ficou no caminho da sua imprudência. Eu estou dando-lhe metade das nossas forças, trinta mil homens. Você vai levá-los ao lar de infância de Catelyn Stark e lembrá-la que os Lannisters pagam as suas dívidas.” “- Eu não sabia que você colocava um valor tão alto na vida do meu irmão.” “- Ele é um Lannister. Ele pode ser o menor dos Lannisters, mas ele é um de nós. E cada dia que ele continua a ser um prisioneiro, menos o nosso nome inspira respeito.” “- Então o leão se preocupa com as opiniões de...” “- Não. Isso não é uma opinião, é um fato. Se outra Casa pode capturar um dos nossos em e mantê-lo em cativeiro sem impunidade, então não somos mais uma Casa a ser temida. Sua mãe morta. Em pouco tempo estarei morto. E você e seu irmão e sua irmã e todos os filhos dela. Todos nós mortos, todos nós apodrecendo no chão. É o nome da família que viverá, é tudo o que vive. Não é a sua glória pessoal, e não a sua honra, mas a família. Você entende?" (GAME OF THRONES, 2011, episódio 7, minuto 2)33

Já Tyrion Lannister passa a ser figura importante na narrativa realista de

Game of Thrones apenas no final da temporada. Depois de presenciar algumas

batalhas e reuniões de estratégia do pai, Tyrion começa a assimilar cada vez

mais estratégias de guerra e como lidar com os outros atores do sistema,

33 “- Poor Ned Stark. Brave man. Terrible judgment.” “- Attacking him was stupid. Lannisters don’t act like fools. Are you going to say something clever? Go on, say something clever.” “- Catelyn Stark took my brother.” “- Why is he still alive?” “- Tyrion?” “- Ned Stark.” “- One of our men interfered, speared him through the leg before I could finish him.” “- Why is he still alive?” “- It wouldn’t have been clean.” “- Clean!” “- You spend too much time worrying about what other people think of you.” “- I could care less what anyone thinks of me.” “- That’s what you want people to think of you.” “- It’s the truth.” “- When you hear them whisper ‘Kingslayer’ behind your back doesn’t it bother you?” “- Of course it bothers me.” “- A lion doesn’t concern himself with the opinions of the sheep. I suppose I should be grateful that your vanity got in the way of your recklessness. I’m giving you half of our forces, thirty thousand men. You will bring them to Catelyn Stark’s girlhood home and remind her that Lannisters pay their debts.” “- I didn’t realize you placed such a high value on my brother’s life.” “- He’s a Lannister. He might be the lowest of the Lannisters, but he’s one of us. And every day that he remains a prisoner, the less our name commands respect.” “- So the lion does concern himself with the opinions of…” “- No. That’s not an opinion, it’s a fact. If another House can seize one of our on and hold him captive without impunity, we are no longer a House to be feared. Your mother’s dead. Before long I’ll be dead. And you and your brother and your sister and all of her children. All of us dead, all of us rotting in the ground. It’s the family name that lives on, it’s all that lives on. Not your personal glory, not your honor, but family. Do you understand?”

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recebendo então a missão de atuar como Mão do Rei enquanto seu pai não pode

assumir ao cargo devido à guerra.

"- Você estava certo sobre Eddard Stark. Se ele estivesse vivo poderíamos tê-lo usado para intermediar a paz com Winterfell e Correrrio, e teria nos dado mais tempo para lidar com irmãos de Robert. Mas agora... loucura. Loucura e estupidez. Eu sempre pensei que você fosse um tolo atrofiado. Talvez eu estivesse errado.” “- Metade errado. Eu sou novo para a estratégia, mas se não quer ser cercado por três exércitos, parece que não podemos ficar aqui.” “- Ninguém vai ficar aqui. Sor Gregor vai sair com quinhentos cavaleiros e queimar as Terras Fluviais do Olho de Deus ao Ramo Vermelho. O resto de nós vai se reagrupar em Harrenhal. E você irá para Porto Real." “- E fazer o quê?” “- Reinar. Você vai servir como Mão do Rei em meu lugar. Você vai colocar esse menino rei no lugar e sua mãe também, se for necessário. E se você sentir uma lufada de traição de qualquer um dos outros – Baelish, Varys, Pycelle...” “- Cabeças, lanças, muralhas. Por que não o meu tio? Por que não qualquer outra pessoa? Por que eu?” “- Você é meu filho.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 10, minuto 20)34

Finalmente, Renly Baratheon é uma personagem que apresenta algum

interesse de aumento de poder em A Guerra dos Tronos, fazendo parte do

Pequeno Conselho de seu irmão Robert e oferecendo uma aliança à Eddard

Stark após a morte do irmão para evitar a ascensão dos Lannisters ao controle

do reino, mas na série o mesmo apresenta uma importância muito maior.

Na série seu papel é ampliado, ao passo que o mesmo possui aspirações

de poder mais fortes, desejando não só evitar o controle dos Lannisters em

Westeros após a morte de Robert como também se tornar o novo rei. Isso se dá,

na série, devido ao apoio que recebe de Loras Tyrell, fato que também não é

expresso na obra.

"- Robert está ameaçando me levar para caçar com ele. Na última vez, ficamos lá fora por duas semanas. Vagando por entre as árvores na chuva, dia após dia, tudo para que ele pudesse enfiar sua lança na carne de

34 “- You were right about Eddard Stark. If he were alive we could have used him to broker a peace with Winterfell and Riverrun, which would have given us more time to deal with Robert’s brothers. But now… Madness. Madness and stupidity. I always thought you were a stunted fool. Perhaps I was wrong.” “- Half wrong. I’m new to strategy, but unless we want to be surrounded by three armies, it appears we can’t stay here.” “- No one will stay here. Ser Gregor will head out with five hundred riders and set the Riverland on fire from God’s Eye to the Red Fork. The rest of us will regroup at Harrenhal. And you will go to King’s Landing.” “- And do what?” “- Rule. You will serve as Hand of the King in my stead. You will bring that boy king to heel and his mother too, if needs be. And if you get so much as a whiff of treason from any of the rest – Baelish, Varys, Pycelle…” “- Heads, spikes, walls. Why not my uncle? Why not anyone? Why me?” “- You’re my son.”

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alguma coisa. Mas Robert ama matar. E ele é o rei. - Como é que isso aconteceu?” “- Porque ele ama matar. E ele costumava ser bom nisso.” “- Você sabe quem deveria ser rei?” “- Fale sério.” “- Eu estou. Meu pai poderia ser o seu banco. Eu nunca lutei em uma guerra antes, mas eu lutaria por você.” “- Eu sou o quarto na linha de sucessão.” “- E onde está Robert na linha de sucessão? Joffrey é um monstro. Tommen tem oito anos.” “- Stannis?” “- Stannis tem a personalidade de uma lagosta.” “- Ele ainda é meu irmão mais velho.” (...) “- As pessoas gostam de você. Eles gostam de servir você porque você é gentil com elas. Elas querem estar perto de você. Você está disposto a fazer o que precisa ser feito, mas você não tripudia isso. Você não ama matar. Onde está escrito que o poder é um domínio apenas dos piores? Que tronos são feitos apenas para os odiados e temidos? Você seria um rei magnífico.” (GAME OF THRONES, 2011, episódio 5, minuto 40)35

3.2. LEVANTAMENTO DOS EPISÓDIOS DA PRIMEIRA

TEMPORADA DE GAME OF THRONES

Terminada a análise das personagens que apresentam características

realistas na série de televisão, assim como em A Guerra dos Tronos, serão

expostos os episódios – ordenados pela ordem que de exibição – que contribuem

para a aplicação da teoria do realismo ofensivo no mundo fantasioso de

Westeros, expondo quais as cenas que essa temática se faz mais presente.

O primeiro episódio da série, intitulado Winter is Coming, dá início à

história, introduzindo as personagens e as diversas tramas que a constituem.

Com relação aos aspectos que podem ser analisados a partir da perspectiva

realista, o episódio apresenta o desejo da Casa Lannister, em especial Cersei,

de adquirir mais poder, em uma conversa da mesma com o irmão Jaime sobre

seus desejos de o irmão assumir o cargo de Mão do Rei, após a morte de Jon

Arryn, que ocupava o cargo.

35 “- Robert’s threatening to take me hunting with him. Last time we were out there for two weeks. Tramping through the trees in the rain, day after day, all so he can stick his spear into something’s flesh. But Robert loves his killing. And he’s the king.” “- How did that ever happen?” “- Because he loves his killing. And he used to be good at it.” “- Do you know who should be king?” “- Be serious.” “- I am. My father could be your bank. I’ve never fought in a war before, but I’d fight for you.” “- I’m fourth in line.” “- And where’s Robert in the line of succession? Joffrey is a monster. Tommen is eight.” “- Stannis?” “- Stannis has the personality of a lobster.” “- He’s still my older brother.” (…) “- People love you. They love to serve you because you’re kind to them. They want to be near you. You’re willing to do what needs to be done, but you don’t gloat over it. You don’t love killing. Where is it written that power is the sole province of the worst? That thrones are only made for the hated and the feared? You would be a wonderful king.”

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Isso vai de encontro com as ideias de Mearsheimer no que diz respeito à

distribuição de poder entre os Estados e como os mesmos buscarão ampliar a

sua parcela dentro do sistema internacional.

Estados prestam muita atenção na forma como o poder é distribuído entre eles, e fazem um esforço especial para maximizar a sua quota de poder mundial. Especificamente, eles procuram por oportunidades para alterar o equilíbrio de poder através da aquisição de incrementos adicionais de poder às custas de potenciais rivais. (MEARSHEIMER, 2001, p. 33)36

Além disso, o episódio apresenta de maneira introdutória as aspirações

de Viserys de conquistar seu exército, com a venda da irmã para o casamento

com Khal Drogo, juntamente com as conversas do mesmo com o amigo e

anfitrião Illyrio Mopatis sobre seu retorno à Westeros e a conquista do Trono de

Ferro e o início da elaboração de seus planos para tanto.

Por último, o episódio também dá início aos sentimentos de constante

desconfiança por parte dos atores do sistema de poder de Westeros, por meio

de uma carta acusando os Lannisters de terem assassinado a antiga Mão do

Rei, Jon Arryn, as suspeitas de sua veracidade por parte dos Stark, e confrontos

entre Jaime Lannister e Eddard Stark no decorrer do episódio.

O segundo episódio, The Kingsroad, apresenta como mais importante

para a análise do ponto de vista realista a questão do medo dos atores entre si

e a ameaça constante que se encontram devido aos demais, acordando com as

ideias do realismo ofensivo de que Estados temem os demais, devido às

preocupações de que a guerra está sempre iminente, sempre antecipando o

perigo (MEARSHEIMER, 2001, p. 32-33).

Nesse episódio, o rei Robert e Eddard Stark, já tendo assumido o cargo

de Mão do Rei, conversam em sua viagem rumo ao sul e à Porto Real sobre o

casamento de Daenerys Targaryen com Khal Drogo, um dos líderes do povo

selvagem dothraki do outro lado do Mar Estreito. Nessa conversa, Robert

demonstra medo do que Daenerys e o irmão Viserys poderiam fazer, caso

chegassem a Westeros juntos de um exército de dothrakis. O rei também conta

36 States pay close attention to how power is distributed among them, and they make a special effort to maximize their share of world power. Specifically, they look for opportunities to alter the balance of power by acquiring additional increments of power at the expense of potential rivals.

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para a Mão que ainda não é aceito de forma unânime pelo povo, e também teme

que possa perder seu apoio no caso de uma nova guerra contra os Targaryen.

The Kingsroad também leva adiante a questão da desconfiança, ao passo

que Catelyn Stark confessa para alguns dos servidores de sua Casa as suas

suspeitas de que os Lannisters foram responsáveis tanto pela morte de Jon

Arryn, como pelo atentado contra a vida de seu filho Brandon.

O terceiro episódio se chama Lord Snow, e mostra a chegada do rei e sua

comitiva, juntamente com Eddard e os nortistas que o acompanharam, à Porto

Real. Logo na chegada, a Mão participa de uma reunião do Pequeno Conselho,

introduzindo dessa forma as demais personagens que terão grande importância

nos jogos de poder de Westeros – Petyr Baelish, Renly Baratheon e Varys.

A questão do poder também aparece no episódio, em uma conversa de

Cersei com o filho Joffrey sobre confiar nos nortistas e como controla-los, depois

da morte do rei e Joffrey assumir a posição do pai.

Já o tema da desconfiança é novamente ampliado nesse episódio,

quando Catelyn viaja até Porto Real para contar suas suspeitas à Eddard, e

Varys e Petyr cedem novas informações quanto o atentado contra Brandon,

tornando os Starks cada vez mais desconfiados dos Lannisters.

O quarto episódio da série, intitulado Cripples, Bastards and Broken

Things, aborda novamente a busca de Viserys pelo seu exército dothraki para

conquistar os Sete Reinos – dialogando com o realismo ofensivo no que diz

respeito à crença de que poder está fortemente ligado às forças militares que um

Estado possui (MEARSHEIMER, 2001, p. 63) –, enquanto Daenerys e Jorah

Mormont conversam sobre as consequências de uma invasão à Westeros.

Em Porto Real, novamente surge o tema da desconfiança, em três

momentos distintos. O primeiro momento é durante uma reunião do Pequeno

Conselho, onde a rivalidade entre Petyr Baelish e Varys começa a ser explorada

por meio de olhares e ações indiretas de ambos. O segundo momento ocorre

em uma conversa entre Petyr Baelish e Eddard Stark, na qual falam sobre

espiões e como é importante desconfiar dos demais dentro da corte. Por último,

a desconfiança dos atores se faz presente no episódio em uma conversa entre

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Cersei e Eddard sobre seus filhos que, ao mesmo tempo, expõe as

desconfianças que um tem em relação ao outro.

O fim do episódio apresenta a captura de Tyrion Lannister por Catelyn

Stark, quando ela o acusa de ser o responsável pelo atentado contra seu filho.

Essa cena é fundamental para a narrativa, visto que é ela que dará início ao

conflito direto entre Starks e Lannisters.

O quinto episódio se chama The Wolf and The Lion, e é um dos mais

importantes da temporada no que diz respeito à análise por meio do realismo

ofensivo. Nele, as personagens de Varys, Petyr Baelish e Renly Baratheon

mostram de forma mais clara suas intenções dentro da corte, principalmente os

dois primeiros, quando dividem uma conversa sobre alianças, poder e segredos.

Já Renly começa a considerar tomar o poder, a partir da influência de Loras

Tyrell.

Por meio disso, é possível realizar um diálogo com o realismo ofensivo

quando se fala da ordem internacional que, de acordo com Mearsheimer, é um

produto do comportamento dos interesses próprios das grandes potências

(MEARSHEIMER, 2001, p. 42).

A configuração do sistema, em outras palavras, é a consequência não intencional da concorrência de segurança de grande potência, não o resultado de estados agindo em conjunto para organizar a paz. (MEARSHEIMER, 2001, p. 42)37

É possível comprovar a veracidade dessas ideias de Mearsheimer na

série quando são expostos, no episódio, os interesses individuais de Varys, Petyr

e Renly, que apesar de deverem servir ao rei, na verdade guiam-se por planos

próprios, de garantir sua própria sobrevivência ao mesmo tempo que buscam

maiores parcelas de poder.

Nesse episódio Varys também relata a situação dos Sete Reinos, com a

iminente guerra entre os Starks e os Lannisters, para Illyrio Mopatis, e deixa claro

que ambos têm um plano em comum, que envolve levar as Casas de Westeros

à guerra.

37 The configuration of the system, in other words, is the unintended consequence of great-power security competition, not the result of states acting together to organize peace.

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O episódio também explora novamente a questão do medo dos demais

atores, durante uma reunião do Pequeno Conselho, quando o rei Robert pede a

morte de Daenerys Targaryen após descobrir que a mesma está grávida, devido

aos temores que o rei tem de uma invasão dothraki liderada por Daenerys ou,

no futuro, por seu filho. Quando Eddard não concorda com a decisão do rei,

perde o título de Mão do Rei.

Depois de ocorrida a renúncia, Robert e Cersei também conversam sobre

a possível invasão de Daenerys e Viserys juntamente de um exército dothraki,

novamente expondo o medo do rei de um outro ator do sistema e indo de acordo

com o realismo ofensivo quando se trata do medo entre os Estados, como já

mencionado anteriormente.

Na conversa entre o rei e a rainha, Robert não acredita que o exército de

Westeros conseguirá impedir tal invasão. Enquanto Cersei acredita que não

haverá problema, pois os dothrakis são selvagens e não possuem disciplina para

durar em uma guerra, o rei pensa que, mesmo Westeros tendo maior número de

soldados, um exército dothraki unido, liderado por Viserys ou Daenerys com um

objetivo único, conseguirá derrota-los.

Além disso, a cena final do episódio mostra a primeira luta clara entre

Starks e Lannisters, provocada pela captura de Tyrion no episódio anterior, e

resulta no assassinato de todos os servidores de Eddard Stark, deixando sua

Casa em mais perigo na capital Porto Real.

O sexto episódio, A Golden Crown, continua a ampliar o conflito entre as

Casas Stark e Lannister, durante uma conversa entre o rei, Cersei Lannister e

Eddard Stark, na qual a rainha ordena que a esposa de Eddard libere seu irmão,

e caso contrário ameaça represálias à Casa Stark. O rei também aconselha

Eddard a encerrar o litígio entre as Casas, para apaziguar a corte.

Com medo das possíveis ações que podem ser tomadas pela Casa

Lannister, Eddard decide enviar as filhas que o seguiram para Porto Real de

volta ao norte e sua casa, em Winterfell, para garantir sua proteção.

Também nesse episódio a personagem Robb Stark passa a integrar na

temática realista da série, quando discute com Theon Greyjoy sobre o ataque de

Jaime Lannister contra seu pai e os homens que o serviam, e considera retaliar

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o ataque, prezando a sobrevivência – que, para Mearsheimer, é o objetivo

principal de todos os Estados no sistema internacional (MEARSHEIMER, 2001,

p. 40) – da Casa Stark.

Viserys Targaryen também tem grande importância no episódio, cada vez

mais desesperado para conseguir seu exército de guerreiros dothraki para

invadir os Sete Reinos, concordando novamente com a premissa do realismo

ofensivo que o poder de um Estado está fortemente relacionado com o exército

que tal Estado possui (MEARSHEIMER, 2001, p. 45).

A personagem também começa a se sentir ameaçada com o futuro filho

da irmã, pois ao que tudo indica o mesmo será um grande líder e conquistador.

Essa postura cada vez mais agressiva e desesperada de Viserys de conseguir

o seu exército acaba levando a sua morte no final do episódio.

You Win or You Die, sétimo episódio da série, marca a morte do rei Robert

e o início de uma série de mudanças dentro do sistema de Westeros, com a

ascensão de seu filho ao Trono. Nesse episódio também ocorrem diversos

diálogos com um tema em comum: o poder.

Em primeiro lugar, Cersei e Eddard falam sobre tal tema quando ele

decide confrontar a rainha sobre suas suspeitas do envolvimento da mesma na

morte de Jon Arryn, e é quando a rainha afirma que em um jogo de poder como

o que eles jogam existem apenas duas opções – ganhar ou morrer.

Analisando esse diálogo por uma perspectiva do realismo ofensivo, a

afirmação de Cersei comprova a impossibilidade de uma cooperação entre as

Casas Stark e Lannister devido às posições divergentes das duas casas dentro

do sistema de Westeros e da própria configuração desse sistema, fato que, por

sua vez, relaciona-se com a afirmação de Mearsheimer que

Paz genuína, ou um mundo em que os Estados não competem por poder, não é provável, desde que o sistema de Estados continue anárquico. (MEARSHEIMER, 2001, p. 44)38

A questão do poder também aparece no episódio durante uma conversa

entre Tywin e Jaime Lannister sobre estratégias de guerra e o legado da família.

38 Genuine peace, or a world in which states do not compete for power, is not likely as long as the state system remains anarchic.

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Para Tywin, é importante se apresentar como o ator mais poderoso e temível de

todo o sistema, pois é isso que permanece para a reputação da Casa. A

declaração de Tywin está fortemente ligada com o argumento de Mearsheimer

que diz que quanto mais poder um Estado possui, mais medo ele gera entre seus

rivais (MEARSHEIMER, 2001, p. 38).

O tema também tem importância em um terceiro momento do episódio,

após a morte do rei, quando primeiro Renly Baratheon tenta convencer Eddard

Stark a tomar o poder sequestrando os filhos do falecido rei, abrindo o caminho

para ele mesmo se tornar o novo rei.

Depois disso, Eddard se encontra com Petyr Baelish, que sugere à Mão

do Rei uma aliança com os Lannisters para evitar o total colapso do sistema

durante o momento e, ao mesmo tempo, conseguir usufruir de maior poder com

essa aliança. Nessa conversa com Baelish, Eddard também sente medo das

ações que Cersei pode tomar agora que o rei está morto, e pede para Petyr

contratar mais soldados para aumentar sua proteção. A questão da desconfiança

também aparece nesse ponto, pois, no final do episódio, Petyr Baelish trai a

aliança feita com Eddard, e diz para o mesmo que o avisou para não confiar nele.

É também nesse episódio que Daenerys e Khal Drogo tornam-se atores

com maior importância para a temática realista. Depois de uma tentativa

frustrada de assassinar Daenerys a pedido do rei Robert e de uma conversa da

mesma com Jorah Mormont sobre o perigo que ela e seu filho representam para

o reinado dele, Daenerys e Drogo decidem invadir Westeros e conquistar o Trono

de Ferro para o filho.

O oitavo episódio se chama The Pointy End e se aprofunda na questão

da guerra. Tanto em Winterfell – casa dos Starks – no norte, como em Casterly

Rock – casa dos Lannisters – no oeste são feitas estratégias de ataque para a

guerra que se aproxima.

A guerra, tanto para a narrativa quanto para o realismo ofensivo, tem

grande importância. De acordo com Mearsheimer, os Estados buscam deter a

guerra quando sentem que serão prejudicados, guiados pelos seus cálculos de

poder relativo (MEARSHEIMER, 2001, p. 41). O mesmo pode se dizer dos atores

de Westeros, visto que muitos – dentre eles Robb Stark e Tywin Lannister, os

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principais atores no desenvolvimento da guerra em Westeros – afirmam não

desejarem a guerra, temendo pela sobrevivência de suas Casas.

No norte, Robb Stark convoca seus vassalos para iniciar a marcha em

direção ao sul, após a captura de seu pai como prisioneiro por Cersei Lannister.

Já no oeste, depois de Tyrion Lannister ser liberado de sua prisão por Catelyn

Stark, o mesmo chega ao acampamento de batalha de sua Casa e encontra o

pai, Tywin, imerso nas possibilidades que tem para a guerra, além de buscar

aliança com lordes menores do leste, visando aumentar o número de soldados

do seu lado.

Eddard Stark, preso nas masmorras de Porto Real, tem uma conversa

com Varys no episódio sobre a sobrevivência dentro da corte e as alianças que

podem garantir essa sobrevivência. Varys demonstra nesse diálogo que, para

sobreviver, não se deve manter alianças eternas, mas sim manter alianças que

auxiliem seus próprios interesses em determinado momento.

A conversa de Eddard com Varys também apresenta o segundo falando

da questão da paz, e como é impossível apenas ele buscar esse objetivo sem

que os demais atores também o busquem. Os argumentos de Varys no diálogo

com Eddard Stark vão de acordo com as ideias apresentadas por Mearsheimer

que dizem que:

Grandes potências não podem comprometer-se com a busca de uma ordem mundial pacífica, por duas razões. Em primeiro lugar, os Estados não são suscetíveis de chegar a um acordo sobre uma fórmula geral para reforçar a paz. (...) Em segundo lugar, as grandes potências não podem deixar de lado considerações de poder e trabalhar para promover a paz internacional porque não podem ter certeza de que seus esforços serão bem sucedidos. Se sua tentativa falhar, eles são propensos a pagar um preço alto por ter negligenciado o equilíbrio de poder, porque se um agressor aparece na porta, não haverá resposta quando discar 911. Isso é um risco o qual poucos Estados estão dispostos a correr. Portanto, a prudência dita que eles se comportem de acordo com a lógica realista. (MEARSHEIMER, 2001, p. 42-43)39

39 Great powers cannot commit themselves to the pursuit of a peaceful world order for two reasons. First, states are unlikely to agree on a general formula for bolstering peace. (…) Second, great powers cannot put aside power considerations and work to promote international peace because they cannot be sure that their efforts will succeed. If their attempt fails, they are likely to pay a steep price for having neglected the balance of power, because if an aggressor appears at

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O episódio termina com a Casa Lannister conseguindo conquistar o

máximo de poder possível dentro de Westeros, sendo que o rei – Joffrey

Baratheon, filho de Cersei – e a nova Mão do Rei tem laços com a mesma Casa.

O nono episódio, Baelor, novamente traz como central a questão da

guerra entre Starks e Lannisters. Novamente ambos os lados preparam suas

estratégias para o conflito, mas, para os Starks, existe um empecilho inicial: a

travessia do rio Tridente, controlado por outra Casa, os Frey.

Para solucionar o problema, Catelyn realiza uma aliança com o líder da

Casa Frey, Walder Frey, comprometendo o filho Robb e a filha mais nova Arya

ao casamento com filhos de Walder. Assim como as atitudes de Varys no

episódio anterior, o acordo feito entre Catelyn e Walder mostra que as alianças

entre os atores vão de acordo com seus próprios objetivos.

A aliança feita entre Starks e Freys prova que, dentro das configurações

do sistema de Westeros, é possível Estados com visões nem sempre parecidas

podem eventualmente cooperar, quando for possível para ambos os lados

receber vantagens no acordo. Mearsheimer afirma que o mesmo pode ocorrer

dentro do sistema internacional de Estados.

Estados podem cooperar, embora a cooperação é por vezes difícil de se conseguir e sempre difícil de se sustentar. (...) Qualquer dois Estados contemplando a cooperação devem considerar como lucros ou ganhos serão distribuídos entre eles. Eles podem pensar sobre a divisão tanto em termos de ganhos absolutos ou relativos. (...) Com ganhos absolutos, cada lado se preocupa em maximizar seus próprios lucros e pouco se importa com o quanto o outro lado ganha ou perde no negócio. Cada lado se preocupa com o outro apenas na medida em que o comportamento do outro lado afeta suas próprias perspectivas de atingir o máximo de lucros. Com ganhos relativos, por outro lado, cada lado considera não apenas o seu próprio ganho individual, mas também como serão em comparação com o outro lado. (MEARSHEIMER, 2001, p. 43)40

the door there will be no answer when they dial 911. That is a risk few states are willing to run. Therefore, prudence dictates that they behave according to realist logic. 40 States can cooperate, although cooperation is sometimes difficult to achieve and always difficult to sustain. (…) Any two states contemplating cooperation must consider how profits or gains will be distributed between them. They can think about the division in terms of either absolute or relative gains. (…) With absolute gains, each side is concerned with maximizing its own profits and cares little about how much the other side gains or loses in the deal. Each side cares about the other only to the extent that the other side’s behavior affects its own prospects for achieving maximum profits. With relative gains, on the other hand, each side considers not only its own individual gain, but also how well it fares compared to the other side.

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O final do episódio mostra a morte de Eddard Stark, acusado pelos

Lannister de traição e conspiração com os irmãos do falecido rei Robert. A morte

de Eddard marca, para o próximo episódio e para as temporadas que seguem,

o início de uma guerra generalizada dentro dos Sete Reinos, onde diversos

novos atores, somados aos já mencionados da primeira temporada, passam a

desejar a representação da hegemonia em Westeros – o Trono de Ferro.

Por último, o episódio final da primeira temporada de Game of Thrones se

chama Fire and Blood, e o mesmo tem a função de introduzir os acontecimentos

da próxima temporada. No que diz respeito à temática realista, três pontos

merecem destaque.

Em primeiro lugar, o episódio traz a elevação de três personagens dentro

da organização de poder dos Sete Reinos. Robb Stark, Renly Baratheon e

Stannis Baratheon – o terceiro ainda sendo uma personagem não introduzida ao

público – se auto intitulam reis, competindo com o rei que se senta no Trono de

Ferro, Joffrey Baratheon, e começam a recrutar exércitos para lutar por suas

reivindicações.

O segundo ponto que merece destaque no episódio é a introdução de

Tyrion Lannister como personagem principal para o desenvolvimento da trama

realista da série. A personagem é incumbida por seu pai de atuar como Mão do

Rei, mas como ele utilizará o poder que recebe será exposto com maiores

detalhes apenas na segunda temporada da série.

O último episódio também apresenta novamente as questões do poder e

da desconfiança, tão expostas no decorrer da temporada. Varys e Petyr Baelish

tem uma conversa na Sala do Trono sobre o poder e as ambições de ambos, ao

mesmo tempo que explora a desconfiança mútua que existe entre as duas

personagens.

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CONCLUSÃO

A partir deste trabalho foi possível comprovar que as ideias que

Mearsheimer apresentou em The Tragedy of Great Power Politics não só se

aplicam aos Estados do sistema internacional. O mesmo também pode ser visto

dentro do mundo fantasioso de Westeros, idealizado por George R. R. Martin na

obra A Guerra dos Tronos, e levada para a televisão na forma da série Game of

Thrones.

O primeiro capítulo apresentou a cronologia do pensamento realista,

expondo as ideias dos pensadores que influenciaram essa escola, as principais

premissas do realismo clássico, estrutural, neoclássico e defensivo, até chegar

na principal teoria a ser utilizada: o realismo ofensivo de John Mearsheimer.

Em sua teoria do realismo ofensivo, Mearsheimer analisa o

comportamento dos Estados, em especial das grandes potências, no sistema

internacional. De acordo com o autor, os passos realizados para formular sua

teoria foram:

Eu faço uma série de argumentos sobre a forma como as grandes potências se comportam em relação umas às outras, enfatizando que elas procuram oportunidades para ganhar poder à custa das demais. Além disso, eu identifiquei as condições que tornam o conflito mais ou menos provável. (...) Eu também tentei fornecer explicações convincentes para os comportamentos e os resultados que estão no cerne da teoria. Em outras palavras, eu apresento a lógica causal, ou raciocínio, que sustenta cada uma das minhas reivindicações. (MEARSHEIMER, 2001, p. 15)41

O autor realizou uma teoria sistêmica complexa, apresentando premissas

que, quando unidas, justificam a atuação ofensiva dos Estados no sistema

internacional, comprovada por meio de fatos da história da política internacional,

e quais as estratégias que os mesmos utilizam para conseguir realizar seus

objetivos (MEARSHEIMER, 2001, p. 31). Além disso, Mearsheimer procurou

fazer previsões às políticas das grandes potências para o século XXI

(MEARSHEIMER, 2001, p. 227).

41 I make a number of arguments about how great powers behave toward each other, emphasizing that they look for opportunities to gain power at each others’ expense. Moreover, I identify the conditions that make conflict more or less likely. (…) I also attempt to provide compelling explanations for the behaviors and the outcomes that lie at the heart of the theory. In other words, I lay out the causal logic, or reasoning, which underpins each of my claims.

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O segundo capítulo, utilizando-se das informações sobre o realismo

ofensivo previamente apresentadas, analisou a obra A Guerra dos Tronos, de

George R. R. Martin, por meio da perspectiva da teoria. Foi possível perceber

que diversas das premissas presentes na teoria de Mearsheimer estão

representadas na obra, seja por meio de personagens, seja pela própria

configuração do sistema de poder do continente de Westeros.

As premissas que, na teoria de Mearsheimer, justificam o comportamento

dos Estados também justificam as ações tomadas pelas principais personagens

da narrativa, que, assim como no sistema internacional, são guiadas pelo

principal objetivo dos atores, a sobrevivência de sua Casa, acima de todos os

demais, garantindo sua autonomia dentro de seu território e pensando

racionalmente em estratégias para garantir a sua sobrevivência

(MEARSHEIMER, 2001, p. 31). Em A Guerra dos Tronos, o desejo de

sobrevivência também busca a proteção dos demais membros da Casa cujas

personagens principais representam.

As estratégias para garantir a sobrevivência dos Estados na teoria de

Mearsheimer – balanceamento e buck-passing – também podem ser analisadas

a partir da narrativa da obra de Martin e da série televisiva. A primeira se dá,

assim como no sistema internacional, através de alianças entre Casas com o

objetivo de enfrentar um inimigo em comum, que ameaça ambos. O segundo

caso é expresso quando as personagens de Varys e Petyr Baelish buscam,

assim como os Estados que utilizam essa estratégia, que outro ator enfrente a

ameaça.

A anarquia, por mais que expressa de maneiras diferentes em Westeros

e no sistema internacional – no primeiro ela surge por meio do não

reconhecimento do novo rei, Joffrey Baratheon, por diversas outras Casas do

reino, que começam a apoiar outros reis autodeclarados, criando diversas

autoridades soberanas dentro dos Sete Reinos; já no segundo, é composta por

Estados independentes que não apresentam uma autoridade central acima de si

(MEARSHEIMER, 2001, p. 31) –, é o que constitui a forma que os atores se

organizam e se relacionam em ambos os casos.

Cada Estado, assim como cada uma das principais Casas de Westeros,

possui capacidades militares, por meio de exércitos, forças navais e aéreas que

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podem vir a destruir os demais. A esse ponto também se acrescenta a questão

da primazia do poder terrestre. Em ambos os casos, o exército é a força mais

importante para um ataque ao inimigo, visto que é quem será responsável pelo

maior número de batalhas, e é por meio dele que é possível a conquista

territorial.

O conceito do poder parador da água também aparece na obra, a partir

da personagem de Viserys Targaryen e, posteriormente, de sua irmã Daenerys,

que desejam retomar o reino que foi de seu pai enquanto exilados em outro

continente, sem barcos que possam os auxiliar na travessia de volta à Westeros.

Dessa forma, o oceano que divide Westeros e Essos – o outro continente – é um

obstáculo para a conquista dos Targaryen.

A questão das incertezas e desconfiança também se faz presente tanto

no comportamento dos Estados, segundo a teoria de Mearsheimer, e na trama

criada por George R. R. Martin. No caso dos Estados, eles nunca têm certeza

de qual será a ação tomada pelos demais, quando a capacidade militar do outro

será acionada para um ataque, provocando medo e desconfiança no sistema

(MEARSHEIMER, 2001, p. 31). Em Westeros, o mesmo se expressa no decorrer

de toda a narrativa, a partir da desconfiança entre as Casas devido,

principalmente, à incerteza das ações das demais, ampliando o medo e, em

alguns casos, a hostilidade entre Casas diferentes.

Além disso, assim como no sistema internacional, em Westeros os

principais atores envolvidos nos jogos políticos buscam o acúmulo de poder e,

no futuro, a hegemonia. Para os Estados nacionais, isso representa se tornar o

Estado mais poderoso de todo o sistema, a única grande potência

(MEARSHEIMER, 2001, p. 36). Nos Sete Reinos a hegemonia é apresentada na

figura do Trono de Ferro e o título de rei que, com o passar do tempo, passa a

ser o desejo máximo da grande maioria dos atores envolvidos na política de

Westeros.

Da mesma forma que as estratégias para garantir a sobrevivência dos

Estados também são vistas na narrativa, o mesmo pode ser dito das estratégias

de acúmulo de poder, com um destaque principal para a guerra, que é a

estratégia mais utilizada pelos principais atores dos Sete Reinos e se faz

presente.

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De acordo com a teoria de Mearsheimer, a guerra é a estratégia para

acumular poder mais controvérsia utilizada pelos Estados (MEARSHEIMER,

2001, p. 100), cujas causas estão fortemente relacionadas com a arquitetura do

sistema internacional, levando em conta sua polaridade, sendo a guerra mais

provável de acontecer dentro de um sistema multipolar – especialmente em uma

multipolaridade desequilibrada – em comparação à um sistema bipolar

(MEARSHEIMER, 2001, p. 212).

Em Westeros, a polaridade do sistema é a de uma multipolaridade

desequilibrada, como descrita por Mearsheimer, cujos polos são representados

pelas Grandes Casas, ao passo que algumas possuem mais poder que outras

e, portanto, como existe essa desigualdade entre os atores que guiam as

discussões sobre poder no reino, a guerra é sempre muito provável e de fato

acaba ocorrendo.

O terceiro capítulo ampliou o diálogo da teoria do realismo ofensivo com

o mundo de Westeros, ao utilizar a série televisiva Game of Thrones, inspirada

na obra de Martin, como objeto de análise, apresentando quais as principais

personagens que personificam a temática realista da série, quais os diálogos

que envolvem tal temática, e um levantamento dos dez episódios da série,

apresentando quais os pontos essenciais em cada um deles para o

desenvolvimento da trama de poder na narrativa.

Observou-se também que a série apresentou algumas cenas que se

relacionam ao realismo ofensivo que não são apresentados em A Guerra dos

Tronos, além de ceder maior importância a personagens que, na obra, não

exercem grandes influências na trama envolvendo poder e hegemonia.

Por meio dessa análise partindo do realismo ofensivo, foi possível

identificar na trama do mundo fantasioso criado por George R. R. Martin os

pontos mencionados anteriormente, nos quais as ideias da teoria de

Mearsheimer podem ser aplicadas para compreender as ações dos principais

atores dentro do sistema de relações de poder dos Sete Reinos e, até mesmo,

sua própria configuração, da mesma forma que são utilizadas no sistema

internacional de Estados.

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É importante destacar também que a análise realista do mundo de

Westeros não é limitada apenas à primeira temporada da série e ao primeiro livro

da saga de Martin. Os seus sucessores também possuem uma temática

fortemente ligada às ideias do realismo ofensivo, em especial no que diz respeito

ao poder e hegemonia, introduzindo novas personagens que deixam o sistema

cada vez mais complexo e aprofundam a luta em busca do poder.

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