estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS - LICENCIATURA ROSANA CRISTINA LIMA DA SILVA ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA Conceição do Coité 2012

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Page 1: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E

LITERATURAS - LICENCIATURA

ROSANA CRISTINA LIMA DA SILVA

ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

Conceição do Coité

2012

Page 2: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

ROSANA CRISTINA LIMA DA SILVA

ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO NA FALA POPULAR DE SALVADOR: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

Conceição do Coité

2012

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Educação da Universidade do

Estado da Bahia (UNEB – Campus XIV), no curso

de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e

Literaturas – Licenciatura, como parte do processo

avaliativo para obtenção do Grau de Graduação em

Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e

Literaturas – Licenciatura

Orientadora: Prof.ª Dr. Cristina dos Santos

Carvalho.

Page 3: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

“[...] A língua é um tipo de comportamento estreitamente

social, assim como tudo numa cultura [...] Por trás de uma

aparente ausência de regras do fenômeno social, existe uma

regularidade na sua configuração que é tão real quanto

aquelas dos processos físicos do mundo mecânico... Uma

língua é sobretudo um produto social e cultural e como tal

deve ser entendida...” (Edward Sapir).

Page 4: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é especialmente dedicado à minha

orientadora Profª Cristina Carvalho e à minha querida

colega Camila Mascarenhas, companheiras inesquecíveis,

sempre presentes na realização deste sonho.

Page 5: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, a DEUS, minha força, sustento, consolo e razão do meu

viver durante toda essa jornada e por toda minha vida. Amo ao Senhor,

meu Salvador e a Ele toda honra, toda glória para sempre, amém.

Aos meus queridos pais, JOSÉ ROMEU DA SILVA e LAURIMAR LIMA

DA SILVA, pelo companheirismo, pela força, pela paciência, por todo

esforço, incentivo e pela educação maravilhosa que me transmitiram,

fazendo com que eu crescesse em sabedoria e bom caráter. Amo-os com

tudo que tenho e com tudo que sou.

À minha irmã LAURA, à minha sobrinha linda DÉBORAH, pela

compreensão e ajuda e pelo carinho durante essa conquista. Amo vocês.

À minha querida orientadora CRISTINA CARVALHO por toda paciência,

generosidade, dedicação e sabedoria. Obrigada por me ajudar, por me

amparar nesta caminhada. Sinto-me muito feliz pelo possível e o

impossível que fez para que eu pudesse chegar a realizar esse sonho.

Ao professor DEIJAIR FERREIRA, por contribuir e também por se dedicar

na elaboração da minha pesquisa.

Às minhas inesquecíveis amigas ELIANE, MÔNICA E KELLY, minhas

companheiras, meus pontos de apoio nas horas difíceis. Amigas para

sempre, amo-as demais.

A MARCELO motorista, por toda paciência, dedicação e amizade que me

possibilitou chegar até aqui.

A todos que, de alguma maneira, fazem parte da minha história e que,

direta ou indiretamente, me ajudaram a conquistar este sonho.

Page 6: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as três estratégias de relativização e os parâmetros linguísticos e extralinguísticos que favorecem o uso dessas construções na fala popular de Salvador. Neste estudo, são utilizados como base teórico-metodológica os postulados da Teoria da Variação Linguística, que tem como precursor William Labov. O corpus da presente pesquisa é constituído por dezesseis inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador (PEPP), desenvolvido na Universidade do Estado da Bahia e coordenado pela Profª Norma Lopes. Para a análise do fenômeno variável em questão, foram controlados os seguintes fatores linguísticos: o traço de animacidade do referente e a função sintática do relativo. Quanto aos fatores sociais, foram selecionados gênero/sexo, faixa etária e grau de escolaridade. Os resultados obtidos na pesquisa evidenciam que, dentre as três estratégias analisadas, a relativa cortadora é a que aparece em maior ocorrência no corpus. Também demonstram que há um maior índice de atuação sobre essa variante dos parâmetros função sintática do relativo e grau de escolaridade, ratificando hipóteses aventadas na pesquisa. Assim, constata-se que a variação investigada acontece com a interferência de critérios tanto sociais como estruturais, o que confirma a afirmação de que há uma relação intrínseca entre língua e sociedade.

Palavras-chave: Estratégias de relativização; Teoria da Variação Linguística; Variáveis linguísticas e sociais.

Page 7: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

ABSTRACT

The present work aims to analyze the three strategies of relativization and the linguistic and

extralinguistic parameters that favor the use of these constructions in popular speech of

Salvador. In this study, are used theoretical and methodological base the postulates of the

Theory of Linguistic Variation, whose precursor William Labov. The corpus of this research

consists of sixteen surveys of the Studies Programme of the Portuguese Popular of Salvador

(PEPP) developed at the Universidade do Estado da Bahia and coordinated by the teacher

Norma Lopes. For the analysis of variable phenomenon in question were checked the

following linguistic factors: the trace of the referent animacy and syntactic function of the

relative. As for social factors, were selected gender/sex, age and educational level. The

results obtained in the survey show that among the three strategies analyzed, the relative

cutter is the one that appears in greater abundance in the corpus. They also demonstrate

that there is a higher rate of activity on this variant of the parameters on the syntactic function

and educational level, confirming hypotheses proposed in the research. This way, it appears

that investigated variation happens to the interference of both social and structural criteria,

which confirms the claim that there is an intrinsic relationship between language and society.

Keywords: Strategies of relativization; Theory of Linguistic Variation, linguistic and social

variables.

Page 8: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS.........................................................................................................

LISTA DE GRÁFICOS.......................................................................................................

INTRODUÇÃO...................................................................................................................

09

10

11

CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................. 13

1.1 Sociolinguística: breve histórico, objeto de estudo e postulados teóricos................... 13

1.2 O fenômeno da variação......................................................................................... 16

1.3 Fenômenos linguísticos variáveis e influência de parâmetros linguísticos e

sociais................................................................................................................................

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA.........................................................................................

20

23

2.1Corpus da pesquisa......................................................................................................

2.2 Observação e análise dos dados................................................................................

2.2.1 Variável dependente.................................................................................................

2.2.2 Variáveis independentes..........................................................................................

2.2.2.1Parâmetros linguísticos e hipóteses......................................................................

2.2.2.2 Parâmetros sociais e hipóteses.............................................................................

23

24

25

26

26

27

Page 9: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE DADOS.................................................................................

3.1 Variáveis linguísticas.................................................................................................

3.2 Variáveis extralinguísticas ........................................................................................

CONCLUSÃO.....................................................................................................................

30

32

35

40

REFERÊNCIAS

Page 10: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – As três estratégias de relativização no corpus de língua falada (PEPP – SSA).......................................................................................................................... 30

Tabela 2 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator animacidade do referente.......................................................................................... 33

Tabela 3 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator função sintática do relativo................................................................................................... 34

Tabela 4 – Distribuição das estratégias de relativização em função do gênero/sexo dos informantes........................................................................................................ 36

Tabela 5 – Distribuição das estratégias de relativização em função do nível de escolaridade dos informantes.................................................................................... 37

Tabela 6 – Distribuição das estratégias de relativização em função da faixa etária dos informantes......................................................................................................... 38

Page 11: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuição das estruturas relativas na amostra..................................... 31

Page 12: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se observado que estudiosos na área da língua

portuguesa se debruçam, com intensidade, sobre questões que remetem à variação

linguística. Essas questões são basicamente fundamentadas a partir do ponto de

vista da Sociolinguística que, entendida como uma subárea da Linguística, trabalha

com a língua falada, admitindo que esta é heterogênea.

Vale mencionar que, ao estudar a língua falada, a Sociolinguística leva em

consideração o contexto social em que os falantes estão inseridos; isso ocorre

porque o objeto de estudo desta subárea é a língua usada por uma comunidade de

fala.

Na língua portuguesa (e, mais especificamente, na fala popular de Salvador),

têm sido realizados estudos que dizem respeito a fenômenos variáveis sintáticos;

dentre esses fenômenos, ressaltam-se as estratégias de relativização. Esse

fenômeno apresenta as seguintes possibilidades de construção sintática: (a) a

relativa padrão, a qual é aceita pela gramática normativa (01), (b) a relativa

copiadora (02) e (c) a relativa cortadora (03), consideradas não-padrão.

(01) Esse é um filme de que gosto muito.

(02) Esse é um filme que eu gosto muito dele.

(03) Esse é um filme Ø que eu gosto muito.1

Baseado nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista, este trabalho

pretende analisar as construções relativas e os parâmetros linguísticos e

extralinguísticos que favorecem o uso dessas construções no português brasileiro.

Para tanto, foram utilizados como corpus dezesseis inquéritos do Programa de

Estudos sobre o Português Popular de Salvador (PEPP), desenvolvido na

Universidade do Estado da Bahia. A opção por esse corpus justifica-se pela

1 Exemplos retirados de Bagno (2004).

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necessidade de se conhecer a realidade linguística observada na fala dos não

universitários no que se refere a uma variação no nível sintático do português falado

no Brasil (mais especificamente, na cidade de Salvador).

Ao se considerarem os seus pressupostos teóricos, o fenômeno linguístico

examinado e a natureza do corpus, com esta pesquisa, procura-se, mais

especificamente, investigar: (a) qual das estratégias de relativização tornou-se

“preferencial” na fala popular de habitantes de Salvador; (b) dentre as estratégias

não-padrão, qual a mais empregada por esses falantes; (c) que fatores – linguísticos

e sociais - motivam esses falantes a usarem mais uma estratégia do que a outra.

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, apresenta-se o

referencial teórico, destacando-se o objeto de estudo e os postulados teóricos da

Sociolinguística Variacionista, os tipos de variação linguística e a influência de

parâmetros linguísticos e sociais nesse fenômeno. No segundo capítulo, abordam-se

os procedimentos metodológicos adotados tanto na observação dos dados como na

análise dos mesmos. No terceiro capítulo, realiza-se a análise quantitativa dos

dados, identificando, entre as variáveis linguísticas e extralinguísticas controladas na

pesquisa, quais são as de maior relevância para o fenômeno estudado. Em seguida,

expõem-se as considerações finais sobre o fenômeno analisado e os resultados

alcançados ao final da pesquisa. Por fim, apresentam-se as respectivas referências.

Sabe-se que, embora já existam estudos (Bagno, 2004; Mollica, 2003; Tarallo,

1983, entre outros) relacionados às três estratégias de relativização na língua

portuguesa, esta pesquisa torna-se pertinente por considerar uma variação na

língua, presente na fala popular da cidade analisada. Dessa forma, espera-se que o

trabalho aqui desenvolvido contribua para a ampliação de conhecimentos no que diz

respeito ao estudo de um aspecto da variação sintática na modalidade falada da

língua portuguesa. Ademais, a partir dos seus resultados, poderão ser feitos estudos

comparativos do uso desse fenômeno linguístico na cidade de Salvador com os de

outras localidades.

Page 14: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

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CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O presente capítulo, como está indicado, apresenta o referencial teórico da

pesquisa, o qual está fundamentado nos pressupostos da Teoria da Variação, fixada

pelo linguista William Labov. Está distribuído em três partes. Na primeira, apresenta-

se um breve histórico da Sociolinguística Variacionista, e citam-se o objeto de

estudo e os pressupostos teóricos desta ciência na perspectiva de alguns autores

que se debruçam sobre esse assunto. Na segunda, discute-se o fenômeno da

variação linguística, buscando exemplificá-lo, sempre que possível, com dados do

português falado no Brasil. Destacam-se, no terceiro item, os parâmetros linguísticos

e sociais que interferem na variação.

1.1 Sociolinguística: breve histórico, objeto de estudo e postulados teóricos

A Sociolinguística Variacionista, também denominada como Teoria da

Variação, é um termo relativo a uma subárea da Linguística, fixado em 1964. Surge,

mais especificamente, em um congresso realizado na Universidade da Califórnia em

Los Angeles (UCSAL), o qual teve como organizador William Bright. Neste

congresso, houve a participação de uma série de estudiosos, que se tornaram

referenciais para o tradicional estudo de questões remetidas à relação entre

linguagem e sociedade (ALKMIM, 2008, p. 28).

Propõe-se também, nesse congresso, que, para a Sociolinguística, é

importante relacionar variações linguísticas observadas em comunidades de fala

com o que diz respeito às diferenças sociais dessas comunidades. O aparecimento

dessa nova área de estudo, precedido pela influência de diversos pesquisadores,

tende, então, à busca pela articulação dos aspectos linguísticos com aspectos na

categoria social e cultural (ALKMIM, 2008, p. 28). Considera-se, assim, que tais

aspectos são impossíveis de serem dissociados, já que a linguagem, o meio através

Page 15: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

14

do qual o ser humano se comunica, constitui uma expressão do comportamento

social, por isso não está isenta das atribuições sociointeracionais.

Dentre os pesquisadores que publicaram trabalho na área da Sociolinguística

Variacionista, destaca-se o linguista William Labov, o qual aborda o papel

fundamental de fatores sociais para a explicação de uma variação linguística.

Segundo Alkmin (2008, p. 30) essa abordagem é notável no seu trabalho sobre a

comunidade da ilha de Martha‟s Vineyard, no litoral de Massachusetts, em 1963.

Nessa pesquisa, Labov estabelece relações entre fatores como idade, sexo, etnia,

ocupação e comportamento linguístico dos falantes da comunidade supracitada.

Assim, sendo precursor da Sociolinguística Variacionista, Labov atenta para

essas características, demonstrando, com bases teóricas e metodológicas, “[...] a

existência da natureza socioestrutural da linguagem [...]” (CEZARIO; VOTRE, 2008,

p. 147).

Tendo por base as pesquisas desenvolvidas por Labov, essa corrente

linguística parte do princípio de que a língua é uma instituição social e, por

conseguinte, deve ser estudada a partir do seu uso no seio de uma comunidade de

fala, não podendo ser vista como “[...] uma estrutura autônoma, independente do

contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio

de comunicação [...]” (CEZARIO; VOTRE, 2008, p. 141).

Ainda sobre a questão supracitada, Monteiro (2008), embasado na perspectiva

laboviana, sustenta a ideia de que há uma relação intrínseca entre língua e

sociedade; isso porque, para ele, a língua não é apenas um veículo pelo qual se

transmitem informações, mas um meio para que se fixe e se mantenha

relacionamentos com outras pessoas. O autor acrescenta que não é uma novidade

dizer que língua e sociedade se inter-relacionam, já que não se pode compreender

uma sem a outra, justamente porque a língua, ao ter a finalidade de promover

interação entre falantes, consequentemente pode ser explicada como uma

expressão da cultura da qual faz parte.

Monteiro (2008) explica que o nível de profundidade entre língua e sociedade

é bem maior do que o que se imagina, pois a língua, sendo entendida como um “[...]

sistema, acompanha de perto a evolução da sociedade e reflete de certo modo os

padrões de comportamento, que variam em função do tempo e do espaço. Assim se

explicam os fenômenos de diversidade [...]” (MONTEIRO, 2008, p.16-7).

Page 16: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

15

Tendo em vista as considerações feitas anteriormente, pode-se dizer que, em

sentido amplo, a Sociolinguística tem como objeto de estudo a língua falada,

descrita, observada dentro de um contexto social. A esse respeito, Cezario e Votre

(2008, p. 141) afirmam: “[...] A sociolinguística é uma área que estuda a língua em

seu uso real, levando em consideração as relações entre estrutura linguística e os

aspectos sociais e culturais da produção linguística [...]”.

Em sentido restrito, a Sociolinguística se interessa pela diversidade linguística,

ou seja, os sociolinguistas, ao se concentrarem na língua falada, reconhecem nesta

a heterogeneidade. Isso se justifica pelo fato de que, a partir da década de 60, com

os estudos produzidos por Labov, entre outros sociolinguistas, a heterogeneidade

linguística passa a ser considerada uma característica inerente à própria natureza da

língua, a qual possui distintas variedades em uma mesma comunidade linguística. A

esse respeito, Mollica (2003, p. 9) afirma que “a Sociolinguística [...] se faz presente

num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando

precipuamente os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter

heterogêneo [...]”.

Nesse contexto, para a Sociolinguística, ao se estudar uma comunidade de

fala, é inevitável deparar-se com distintas maneiras de expressões linguísticas. E foi

justamente com o propósito de analisá-las que Labov (1972) apud Monteiro (2008)

estabeleceu um modelo teórico-metodológico no qual se objetiva compreender como

os fatores tanto estruturais quanto sociais podem influenciar um fenômeno

linguístico, mais precisamente, um fenômeno variável. Por essa razão, justifica-se,

em termos metodológicos, a determinação de fatores linguísticos e/ou

extralinguísticos (que podem atuar de forma simultânea ou isolada) em uma

pesquisa variacionista. Esses fatores serão abordados mais detalhadamente no item

três deste capítulo.

Ainda sob a perspectiva laboviana, a variação é inerente ao sistema

linguístico, é entendida como um princípio geral e universal, podendo ser descrita e

explicada mediante a correlação entre dados empíricos e o contexto linguístico e

social. (MOLLICA, 2003). Esse fato implica afirmar, conforme Monteiro (2008), que a

variação é um fenômeno essencial à natureza linguística do homem, ou seja, língua

e variação são inseparáveis, portanto, devem ser vistas com um ponto comum, já

que todas as línguas estão suscetíveis à variação.

Page 17: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

16

Nessa perspectiva, vale ressaltar que, em uma comunidade de fala, há um

conjunto de variedades linguísticas, para as quais Alkmin (2008, p. 39) assegura que

“[...] há sempre uma ordenação valorativa [...] que reflete a hierarquia dos grupos

sociais [...]”, ou seja, existem variedades consideradas superiores ou inferiores. No

entanto, os (sócio) linguistas advertem que toda língua, toda variedade é apropriada

para a comunidade que a utiliza e, por conseguinte, é um sistema pelo qual o povo

exprime aspectos tanto físicos quanto simbólicos de onde vive. Desta forma, seria

impróprio afirmar a existência de línguas ou variedades pobres, inferiores no que se

refere ao vocabulário ou aspectos gramaticais.

Outro postulado da Sociolinguística laboviana é que mudança e variação

estão correlacionadas, no sentido de que toda mudança é resultado de uma

variação, porém nem toda variação pode implicar uma mudança.

Quanto ao fato de que a mudança é decorrente da variação, Bram (1968

apud Lemos (2008) explica que uma mudança linguística ocorre quando uma forma

variante, geralmente atrelada à condição social ou intelectual de prestígio dos

usuários de uma determinada região, é modificada por conta da necessidade desses

falantes, ou seja, uma variante sobrepõe-se em relação à outra e incorpora-se ao

sistema como fator universalizante no uso da língua.

Assim, a Sociolinguística, segundo Cezario e Votre (2008), ao examinar a

língua na sua produção real com o enfoque em fatores linguísticos e sociais, tem

contribuído para que se inscreva no âmbito da sociedade, um novo modo de “olhar”

a língua falada por indivíduos em uma comunidade de fala, mediante ao uso de

divergentes variáveis linguísticas presentes nestas comunidades.

Desde o seu surgimento, a Teoria da Variação opõe-se, portanto, à ausência

do componente social e à concepção de língua do ponto de vista estrutural e

gerativista. Considera, desse modo, a relação língua e sociedade quando trata das

variações de formas e construções em uso que decorrem de fatores internos e

externos ao sistema linguístico.

1.2 O fenômeno da variação linguística

Page 18: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

17

A Sociolinguística, como já foi mencionado, inclui em seu escopo a

preocupação com os aspectos da estrutura linguística e social, centrando sua

atenção na língua usada no dia-a-dia, sob a perspectiva da variação em uma

determinada comunidade de fala.

Nesse sentido, em todas as comunidades de fala, existem variantes, ou seja,

distintas formas de se falar uma mesma coisa. Desta forma, sob a perspectiva dos

sociolinguistas, uma língua apresenta-se sempre variável desde que seja utilizada

por uma comunidade de fala.

Tarallo (2002, p. 11-2) assegura que “as variantes de uma „comunidade de

fala encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão vs. não-padrão;

conservadoras vs. inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas [...]”.

A variante padrão, como o próprio nome já indica, está relacionada à norma

padrão. Geralmente, é socialmente prestigiada dentro de uma comunidade de fala e

podendo ser também a variante conservadora, ou seja, aquela que primeiro surgiu

nessa comunidade. Na maior parte dos casos, essa variante tem prestígio porque

está associada a falantes e grupos de status social mais elevado. Já a variante não-

padrão tende a ser inovadora, podendo ser ou não estigmatizada socialmente. No

entanto, há situações em que essas correlações não se verificam.

Um exemplo de variação perceptível no português falado no Brasil diz

respeito às três estratégias de relativização do Português do Brasil. Nessa língua, tal

fenômeno se mostra variável porque apresenta as seguintes possibilidades de

construção sintática: a relativa padrão (01), a relativa copiadora (02) e a relativa

cortadora (03). Percebe-se, então, uma possibilidade de três construções relativas

diferentes: a primeira, além de ser padrão, é também conservadora e a de prestígio

social; as duas últimas são não-padrão e inovadoras; e, por fim, a copiadora é

estigmatizada.

(01) “[...] Depende do que faça eu me sinto mal de noite, [...]” (PEPP, Inq. 01,

p.12).2

(02) “Tinha uma professora muito boa que até hoje eu me lembro dela [...].”

(PEPP, Inq. 13, p.29)

2 Exemplos (01) a (03) retirados de inquéritos do PEPP (Programa de Estudos sobre o Português falado em

Salvador).

Page 19: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

18

(03) “Eu até fiquei feliz outro dia Ø que eu peguei a revista da TV [...]”. (PEPP,

Inq. 12. p.25).

Em relação a essa variação no português falado no Brasil, têm sido realizados

muitos estudos (Bagno, 2004; MOLLICA, 2003, dentre outros) sobre essa temática,

em que se tem observado que os falantes têm substituído a construção relativa

padrão pela copiadora ou cortadora. A esse respeito, Bagno (2004) afirma que,

apesar de ser um uso condenado pela gramática normativa, a relativa cortadora

aparece como a preferida. Em suas pesquisas, Bagno (2004) considera a relativa

copiadora como a de menor ocorrência e, com relação à relativa padrão, é mínimo o

uso na língua falada por brasileiros cultos urbanos.

Além da classificação discutida acima, as variantes de uma língua são

observadas a partir de diversos fatores que remetem a categorias como sexo, idade,

origem geográfica e estilo, entre outras. Em função disso, o processo de variação é

descrito através de três parâmetros básicos: o geográfico, o social e o estilístico.

A variação geográfica, também denominada como diatópica, diz respeito às

diferenças distribuídas em um determinado espaço físico, entre regiões. Um

exemplo bem claro para esta variação é que, em algumas cidades do estado da

Bahia, a palavra “jerimum” é muito usada e corresponde ao uso do termo abóbora,

muito comum no Sul e no Sudeste.

A variação social, conhecida por diastrática, agrupa um conjunto de fatores da

comunidade de fala que têm a ver com o indivíduo, como nível socioeconômico,

grau de educação, idade, gênero. Um exemplo que evidencia essa variação é a

presença de [r] no lugar de [l], em encontros consonantais como “fror” (flor),

“bicicreta” (bicicleta), “prantou” (plantou).

Outra variação é a estilística ou de registro, que considera um mesmo

indivíduo em situações de comunicação diferentes - formais ou informais -, como

pode ser identificado nos exemplos a seguir:

(04) “Com licença, você poderia me emprestar esse livro, por favor?” 3

(05) “Oh, tu me empresta esse livro aí meu camarada, tu nem tá precisando

dele!”.

Pode-se observar que, na primeira situação, o falante, certamente, se

3 Exemplos (04) e (05) criados.

Page 20: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

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encontra em um ambiente propício ao uso de uma linguagem mais formal, por

exemplo, um ambiente de trabalho, acadêmico. Já, na segunda situação, o falante

pode estar em uma conversa com amigos, com pessoas íntimas da família, por isso

o uso da linguagem informal.

Ainda se tratando natureza de uma variação, ela pode atuar em distintos

níveis: fonético-fonológico, morfológico, sintático e lexical.

Observa-se que ocorre uma variação no nível fonético-fonológico quando há a

pronúncia de um fonema de diferentes formas, como se verifica na pronúncia da

palavra tia, que falantes nativos de algumas cidades do interior da Bahia realizam

com a oclusiva alveolar [tia] e falantes nativos da região Sudeste pronunciam com a

ocorrência como africada palatizada [tsia].

A variação morfológica ocorre quando existem, por exemplo, modificações em

algum morfema das palavras, como demonstram os vocábulos pegajoso e peguento,

que expressam uma mesma idéia, no entanto, são construídos com sufixos

diferentes.

Já a variação lexical acontece quando se faz referência a um elemento

existente no mundo que pode ser pronunciado com mais de um termo linguístico

(FIORIN, 2002, p. 122). Por exemplo, pode–se citar a realização da palavra

“jerimum” (citada anteriormente) para falantes baianos e “abóbora” para falantes

paulistanos, as duas designam um mesmo elemento.

A variação sintática está relacionada às sentenças frasais, ou seja, podem

existir duas ou mais construções sintáticas diferentes, mas que expressam um

mesmo sentido no português brasileiro (FIORIN, 2002, p. 124). Como exemplo,

podem-se citar as sentenças em que há duas maneiras de expressar negação em

nossa língua:

(06) Olha, eu não vou sair agora... 4

(07) Olha, eu não vou sair agora não...

Essas questões são essenciais para uma pesquisa variacionista, já que, para

os sociolinguistas, é pertinente verificar como fatores linguísticos e extralinguísticos

4 Exemplos (06) e (07) retirados de Beline 2002, p. 124).

Page 21: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

20

estão correlacionados à forma de uso das variantes nos diferentes níveis de uma

determinada língua. Esta pesquisa considera como objeto de estudo um fenômeno

variável no nível sintático, que remete às possibilidades de uso de estruturas

relativas.

1.3 Fenômenos linguísticos variáveis e influência de parâmetros linguísticos sociais

Desde a fixação da Sociolínguística (1964), que se tem tornado importante

ressaltar que os sociolinguistas, a princípio Labov (1972), entre outros, têm

considerado, em maior escala, o fato de a variação ser conceituada como um

quesito próprio à natureza linguística.

Segundo Mollica (2008), uma variação, ao constituir-se um fenômeno

universal, presume a existência de formas linguísticas alternativas consideradas

como variantes (como foi mencionado no item 1.2). Essas formas alternativas

configuram um fenômeno variável (que deve constituir o objeto de estudo de uma

pesquisa variacionista), o qual é denominado de variável dependente. Neste

trabalho, trata-se das estratégias de relativização, que, como já foi exemplificado na

seção anterior, apresenta três variantes.

Em uma variável dependente, nota-se que o emprego de variantes não se dá

de forma aleatória; assim, é preciso que se levem em consideração os fatores que

condicionam a variação, isto é, as variáveis independentes. Essas variáveis se

subdividem em externas (sociais) ou internas (linguísticas).

As linguísticas são aquelas que reúnem fatores ligados a aspectos fono-

morfo-sintáticos, semânticos e lexicais da língua. Nesta pesquisa, considera-se que

um dos fatores que influencia a variação nas estratégias relativas é o traço de

animacidade do referente em relação à estratégia copiadora. Estudos sociolinguistas

(Mollica, 2003; Bagno, 2004, dentre outros) têm demonstrado que, quando o

referente do pronome relativo é [+ animado], há uma tendência ao emprego da

relativa copiadora (08).

(08) Minha menina de dezesseis ano que ela é também alta, aí todo mundo

Page 22: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

21

dizia: “I...grande, sai da frente...”(PEPP, Inq. 36, p.146) 5.

Uma outra variável linguística que tem se mostrado relevante para as

estruturas relativas é a distância do referente. Mollica (2003), ao analisar as

construções relativas em tempo real, constatou, com base em dados da fala do

português brasileiro, que a incidência do pronome cópia (mais especificamente, do

uso da relativa copiadora) está associada a essa variável. Segundo Mollica (2003),

quando o falante tem necessidade de recuperar o referente em uma oração, não

apenas pela distância, mas para não cometer uma ambiguidade, tem preferência

pelo uso do pronome cópia, como está explicitado nas orações abaixo:

(09) O professor de matemática era o melhor da minha escola que eu

estudei na 8ª série. 6

(10) O professor de matemática era o melhor da minha escola que eu

estudei com ele na 8ª série.

Observa-se que, em (09), há uma ambiguidade em relação ao antecedente, já

que não está bem explicitado o referente do pronome, que pode ser “escola” ou

“professor”. No entanto, em (10), com a presença do pronome cópia, a ambiguidade

deixa de existir, pois é possível indicar, com exatidão, qual o referente do pronome

cópia, neste caso, “o professor”. Mollica (2003) assegura que esse fenômeno, por

estar vinculado a princípios de processamento linguístico, consequentemente, está

relacionado ao que se entende por clareza comunicativa.

Outros fatores linguísticos que têm sido utilizados para a explicação da

variação nas construções relativas são a função sintática do pronome relativo e a

distância entre o pronome relativo e o referente. Esse dois parâmetros linguísticos

também serão controlados neste trabalho.

Já as variáveis externas ou extralinguísticas referem-se ao conjunto de

fatores ligados ao indivíduo como sexo e etnia e aos fatores propriamente ditos

sociais como nível de escolaridade, renda ou classe social, entre outros. A essa

consideração, Monteiro (2008) assegura que

5 Exemplo (08) retirado de inquéritos do PEPP (Programa de Estudos sobre o Português falado em Salvador).

6 Exemplos retirados do texto de Mollica, 2003, p. 132.

Page 23: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

22

Dos possíveis fatores externos, os que mais têm sido discutidos são o estilo de fala, o sexo, a idade, a escolaridade, a profissão, a classe social, a região ou zona de residência e a origem do falante. Outros, como o clima e a raça, parecem não ter qualquer influência, apesar das hipóteses que se formulam sobre sua participação na mudança linguística, estágio que naturalmente pressupõe a existência de variações. (p. 68).

Esses fatores podem ser de fundamental importância para a observação das

construções relativas, pois, a depender da faixa etária, gênero ou escolaridade,

podem ocorrer variações significativas. Vale ressaltar que um falante com faixa

etária de 65 anos, nível fundamental, não fará usos linguísticos correspondentes a

um falante de 25 anos com nível médio, pois o falante mais velho provavelmente

utilizará formas ou construções mais padrão em relação ao mais novo. Nesta

pesquisa, serão observados fatores extralinguísticos como faixa etária, gênero/sexo,

nível de escolaridade dos informantes.

Sobre essa questão, Corrêa (1998 apud Meirelles, 2001), em um de seus

estudos variacionistas a respeito das estratégias de relativização, corrobora a ideia

de que fatores sociais ou extralinguísticos e, mais especificamente, do nível de

escolaridade, contribuem para o uso das construções relativas no português

brasileiro, pois constata, através da análise de 45 redações (5 de cada série do 1º

grau e 5 de universitários), que o uso da relativa padrão se adquire por meio da

escolarização.

Na sua pesquisa, Corrêa (1998) apud Meirelles (2001) mostra que, de um

total de 147 orações relativas, apenas 7 são relativas padrão; dessas, 5 delas foram

escritas por universitários e as outras duas, por alunos da 6ª série. Por outro lado,

apareceram 15 relativas cortadoras nas redações do 1º grau. Ressalta-se que as

relativas começam a surgir a partir da 2ª série. Ao levar em consideração esses

resultados, Corrêa (1998 apud Meirelles, 2001) conclui que, em virtude da pouca

ocorrência da relativa padrão nas redações do 1º grau, percebeu-se que a

apreensão dessa relativa é mais evidenciada quando o nível de escolarização do

falante está acima do 1º grau.

Considera-se que tanto os critérios sociais quanto os estruturais podem

nortear a compreensão do fenômeno variável aqui estudado no que diz respeito ao

uso de cada variante (relativa padrão, copiadora e cortadora).

Page 24: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

23

CAPITULO 2 – METODOLOGIA

O presente capítulo, como já está indicado no próprio título, apresenta as

etapas de execução da pesquisa. Estas etapas se referem ao processo de seleção

do corpus e dos informantes, definição da variável dependente e das variáveis

independentes (internas e externas) observadas na pesquisa. São apresentados

também os procedimentos metodológicos adotados para observação e análise dos

dados.

2.1 Corpus da pesquisa

O corpus desta pesquisa está representado por dezesseis inquéritos do

Programa de Estudos sobre o Português falado em Salvador (PEPP), o qual é

coordenado pela Profª. Drª. Norma Lopes, da Universidade do Estado da Bahia –

UNEB. Os informantes da amostra desse projeto advêm da cidade de Salvador,

localizada no estado da Bahia e apresentam o seguinte perfil: possuem nível de

escolaridade entre fundamental e médio e estão distribuídos de acordo com

gênero/sexo e faixa etária.

A distribuição dos inquéritos que foram utilizados nesta pesquisa, segundo as

categorias escolaridade, gênero e faixa etária, encontra-se no quadro abaixo. As

faixas etárias estão representadas no quadro pela letra F maiúscula seguida dos

numerais 1, 2 e 3.

Page 25: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

24

NÍVEL FUNDAMENTAL NÍVEL MÉDIO

Masculino Feminino Masculino Feminino

F1

(15 a 24 anos)

PEPP 18 PEPP 44 PEPP 20 PEPP 12

F2

(25 a 35 anos)

PEPP 40 PEPP 19 PEPP 13 PEPP 23

F3

(45 a 55 anos)

PEPP 37 PEPP 36 PEPP 24 PEPP 17

F4

(65 anos em diante)

PEPP 34 PEPP 01 PEPP 14 PEPP 41

Quadro 1: Inquéritos a serem utilizados nesta pesquisa e categorias sociais dos informantes Como se pode observar com base no quadro 1, no que se refere às

categorias sociais supracitadas, dos dezesseis informantes selecionados para esta

pesquisa, oito possuem nível fundamental e oito possuem nível médio; oito são do

gênero masculino e oito, do gênero feminino; e há quatro informantes para as faixas

etárias 1 (15 a 24 anos), 2 (25 a 35 anos), 3 (45 a 55 anos) e 4 (65 anos em diante).

2.2 Observação e análise de dados

Para a execução desta pesquisa, quanto à observação e a análise dos dados,

foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos: (a) levantamento e

fichamento dos dados; (b) codificação dos dados; (c) análise quantitativa dos dados.

Page 26: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

25

É importante ressaltar que para o levantamento e fichamento dos dados de

dados, não foram consideradas as ocorrências de trechos interrompidos (01). No

processo da pesquisa, também não foram considerados casos em que o relativo que

está sendo empregado em lugar de cujo (02).

(01) Ela se sentia já que ela podia fazer alguma coisa com a gente, né, ela pegava,

“Olhe, eu não estou boa...”, mesmo, ela chorando e dando risada conversando com a

gente, tinha hora que minha irmã a mais... (Inq. 19, Inf. 19, p.65).

(02) Tinha, tinha, naquele tempo também tinha, tinha marginal, que as vezes o, o filho

era viciado... (Inq. 24, Inf. 24mM, p.117).

Os dados da pesquisa foram codificados em função dos fatores linguísticos e

extralinguísticos controlados na pesquisa. Estes fatores serão descritos em

correlação com as hipóteses, como está explicitado nos itens 2.2.2.1 e 2.2.2.2.

Para as etapas de codificação e análise quantitativa dos dados, utilizou-se um

programa de análise estatística, o GOLDVARB X, programa desenvolvido para

cálculos estatísticos auxiliares na análise de fenômenos linguísticos variáveis.

2.2.1 Variável dependente

O fenômeno das estratégias de relativização constitui a variável dependente

da pesquisa. Tal fenômeno apresenta as seguintes variantes: relativa padrão (03),

relativa copiadora (04) e relativa cortadora (05).

(03) Apesar que também no decorrer da, da minha vida a, apesar que tive apoio religioso

que foi da igreja Batista que me incentivou ao retorno da escola, foi aí que eu pude

tirar o meu curso primário (Inq. 13, Inf. 13mM, p. 28).

(04) Eu tenho uma amiga mesmo que ela tem dois irmãos, ela não pode dizer em casa

que ela está menstruada (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 21).

(05) Tem uns seis meses, que a família de minha mãe é muito pequena né, esses avós

que eu estou falando (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 22).

Page 27: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

26

2.2.2 Variáveis independentes

No que diz respeito às variáveis independentes, estas correspondem às

variáveis de ordem socioestrutural consideradas nesta pesquisa. Cabe destacar que

para que essas variáveis fossem aplicadas à pesquisa, foram tomados como

referência os trabalhos realizados por Bagno (2004) e Mollica (2003).

2.2.2.1 Parâmetros linguísticos e hipóteses

Os parâmetros linguísticos ou internos dizem respeito aos fatores ligados a

aspectos fono-morfo-sintáticos da língua (como já foi dito no capítulo 1), os quais

condicionam a variação. Nesta pesquisa, consideram-se como parâmetros

linguísticos o traço de animacidade do referente e função sintática do relativo.

Traço de animacidade do referente

Trata-se de um fator que está vinculado à natureza semântica da língua.

Segundo esse fator, o referente de uma construção relativa pode ter o traço [+

animado] (06) ou o traço [- animado] (07). Acredita-se na hipótese de que a

presença do traço [+ animado] do referente favoreça a ocorrência da relativa

copiadora.

(06) Tinha uma professora muito boa que até hoje eu me lembro dela, lá tinha sabatina

de matemática, hoje eu sou um ótimo aluno de matemática... (Inq. 13, Inf. 13mM, p. 29).

(07) Eu até fiquei feliz outro dia que eu peguei a revista da TV (Inq. 12, Inf. 12mF, p.

25).

Função sintática do relativo

Page 28: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

27

É importante destacar que os fatores de ordem sintática também exercem

influência para explicação da variação em questão. Entre esses fatores, é de grande

relevância a função sintática do relativo: sujeito (08), objeto direto (09), objeto

indireto (10), adjunto adverbial (11) e complemento adverbial (12).

Para a função sintática, existe a hipótese de que quando o relativo

desempenha função sintática de sujeito ou de objeto direto há a tendência ao uso da

estratégia relativa copiadora; quando o relativo tem função sintática de objeto

indireto, de adjunto adverbial ou de complemento adverbial, a tendência está para o

emprego da relativa cortadora.

(08) Eu tenho uma amiga mesmo que ela tem dois irmãos, ela não pode dizer em casa

que ela está menstruada (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 21).

(09) Numa sala assim que tinha, eu dormia ali, agora também não vinha pra casa,

durante oito dias (Inq. 24, Inf 24mM p. 128).

(10) Meu Deus eu acho que é pra bebê porque a palavra com que, com que eles falam

(Inq.12,Inf 12, p. 24).

(11) Eu acho assim que é até uma segurança, que no outro dia eu fico, eh, na vez que

eu estava no Águia aí chegaram pra mim, a coordenadora a coordenadora e alou que

era um tipo de segurança (Inq. 12, Inf. 12mF, p. 25).

(12) Mas o pagode que eu vou é, não é igual a esses que acontece em rua (Inq. 18,

Inf.18, p. 54).

2.2.2.2 Parâmetros sociais e hipóteses

Os parâmetros sociais, também denominados de variáveis externas, estão

intrinsecamente ligados ao individuo ou ao contexto social de uma comunidade de

fala (MOLLICA, 2003). Monteiro (2008), dentre essas variáveis, as que mais se

discutem são a escolaridade, a idade, a classe social, profissão, entre outros

(Monteiro, 2008). Nesta pesquisa, foram controlados os fatores sociais gênero/sexo,

faixa etária e grau de escolaridade.

Page 29: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

28

Gênero/sexo

Para os estudos sociolinguistas, esse fator é de forte relevância em uma

variação. Através da análise desse parâmetro, há a possibilidade de se perceberem

as diferenças no comportamento linguístico entre o sexo masculino e o sexo

feminino. Segundo Monteiro (2008), espera-se que a mulher expresse um

comportamento linguístico mais conservador.

Assim, já que, do ponto de vista sociolinguístico, falantes do sexo feminino se

mostram mais conservadores, possivelmente, utilizarão mais a construção relativa

padrão.

Faixa etária

A faixa etária é um dos fatores básicos na realização de um fenômeno

variável, já que as diferenças linguísticas são perceptíveis quanto à idade de um

determinado falante.Sobre essa questão, Monteiro (2008) pontua que, em função da

idade, ocorrem divergências na linguagem de adolescentes e idosos. Para esse

autor, os adolescentes podem usar construções aparentemente estranhas.

Para esta pesquisa, foram consideradas as seguintes categorias de faixa

etária:

F1 – 15 a 24 anos.

F2 – 25 a 35 anos.

F3 – 45 a 55 anos.

F4 – 65 anos em diante.

Em relação à faixa etária, aventa-se, neste trabalho, a hipótese de que

falantes mais velhos empregam mais a relativa padrão.

Page 30: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

29

Grau de escolaridade

Na perspectiva da Sociolinguística, a depender da instrução escolar, o falante

pode expressar-se de diversas formas. O presente estudo leva em consideração os

níveis fundamental e médio. No caso desta pesquisa, tem-se a hipótese de que,

dentre as estratégias de relativização, é a estratégia padrão a mais utilizada por

falantes mais escolarizados.

Espera-se que os fatores escolhidos na pesquisa e descritos neste capítulo,

tanto os de ordem estrutural (o traço de animacidade do referente e função sintática

do relativo), quanto os de ordem social (gênero/sexo, escolaridade, faixa etária)

contribuam para caracterização das estruturas relativas na fala popular de Salvador.

A influência de tais fatores no fenômeno investigado será discutida no próximo

capítulo, o de análise quantitativa dos dados.

Page 31: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

30

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS

Neste capítulo, são apresentadas a análise quantitativa dos dados e a

interpretação dos resultados (que, como já foi dito anteriormente, foram obtidos por

meio do programa de análise estatística GOLDVARB X). Inicialmente, discutem-se

os resultados gerais dos tipos de construções relativas na amostra. Posteriormente,

estabelece-se, nos itens 3.1 e 3.2, respectivamente, a correlação entre o fenômeno

linguístico examinado e os fatores linguísticos e sociais considerados na pesquisa.

No corpus analisado, há o registro de um total de 137 ocorrências dos três

tipos de estratégias de relativização na fala popular de Salvador. Na tabela 1, estão

distribuídas essas estratégias.

RESULTADOS PROVENIENTES DO PROGRAMA DE

ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR FALADO EM

SALVADOR (PEPP)

TOTAL

137

ESTRATÉGIA DE

RELATIVIZAÇÃO

PADRÃO

ESTRATÉGIA DE

RELATIVIZAÇÃO

CORTADORA

ESTRATÉGIA DE

RELATIZAÇÃO

COPIADORA

N7

59

%

43,1

N

71

%

51,8

N

7

%

5,1

Tabela 1 – As três estratégias de relativização no corpus de língua falada (PEPP – SSA).

Pode-se constatar que, das 137 ocorrências registradas no corpus, 43,1% são

casos da construção relativa padrão; 51,8% da construção relativa cortadora; e 5,1%

dos casos com a construção relativa copiadora. Tais resultados evidenciam que os

7 Em todas as tabelas, o símbolo N corresponde ao número total de ocorrências de cada variante considerada na

pesquisa

Page 32: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

31

falantes da cidade de Salvador optam mais por estratégias não padrão do que

padrão.

Entre as variantes não-padrão, a relativa cortadora, construção em que há o

apagamento de uma preposição, aparece com uma frequência bem maior em

relação à relativa copiadora (como já foi mencionado, 51,8% e 5,1%,

respectivamente).

Os resultados aqui obtidos em relação às três estratégias de relativização

também podem ser observados a partir do gráfico abaixo:

Gráfico 1: Distribuição das estruturas relativas na amostra.

Os achados desta pesquisa corroboram os resultados de Tarallo (1983 apud

Meirelles, 2001). Esse autor, ao realizar um estudo diacrônico das estratégias de

relativização no Português Brasileiro, observa que (a) a variante considerada

padrão, desde o final do século XIX, tem perdido a sua influência entre os falantes

brasileiros e (b) uma das variantes consideradas não-padrão e inovadoras, a relativa

cortadora, já aparecia como a de preferência por falantes urbanos. Assim, Tarallo

(1983 apud Meirelles, 2001), ao examinar dados de fala, considera que, já naquele

período, o uso da relativa padrão havia tido uma redução de 89,2% de uso para

35,4%, enquanto a cortadora aumentou o seu emprego pelos falantes de 0,9% para

Page 33: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

32

59,5%. Em outras palavras, a pesquisa de Tarallo (1983) revela que, desde aquela

época, o uso da variante cortadora tem aumentado consideravelmente em relação

ao uso da relativa padrão.

A esse respeito, Bagno (2004), pautado nos trabalhos de Tarallo (1983) e de

Kato (1993), também traz a afirmação de que, apesar de ser um uso condenado

pela gramática normativa, a relativa cortadora é a construção sintática realizada com

maior preferência pelos falantes e, com relação à relativa padrão, é mínimo o seu

uso na língua falada por brasileiros cultos urbanos. No seu estudo, Bagno (2004)

registra os seguintes percentuais de ocorrências: para a estratégia padrão, 20,5%

dos casos e para a estratégia cortadora, 94,4%.

Percebe-se que os resultados aqui obtidos, no que se refere às construções

padrão e cortadora, se aproximam dos resultados dos trabalhos dos autores

supracitados, já que, nesta pesquisa, a estratégia cortadora também aparece com

maior frequência nos dados do PEPP.

Quando se comparam os dados numéricos detectados neste trabalho para a

construção relativa copiadora com os de Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001), nota-

se que, nos dois estudos, essa variante aparece com um índice percentual bem

baixo de ocorrência. Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001) mostra que a variante

copiadora ou resumptiva, como assim denomina, se mantém reduzida o uso ao

longo do tempo pelo fato de lhe ser atribuído o valor de estigmatizada.

Apresentada a distribuição geral de cada tipo de construção relativa na

amostra, passa-se a verificar a seguir a atuação dos parâmetros linguísticos e

sociais no fenômeno investigado.

3.1 Variáveis linguísticas

Como variáveis linguísticas, foram consideradas, nesta pesquisa, como já foi

citado no capítulo de metodologia, o traço de animacidade do referente e a função

sintática do relativo.

Na tabela 2, encontra-se a distribuição das três estratégias de relativização

em função do parâmetro animacidade do referente.

Page 34: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

33

RESULTADOS PROVENIENTES DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS

POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)

ANIMACIDADE DO

REFERENTE

ESTRATÉGIA

RELATIVA PADRÃO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

CORTADORA

ESTRATÉGIA

RELATIVA

COPIADORA

TOTAL

Animado N

14

%

56%

N

5

%

20%

N

6

%

24%

N

25

%

18,2%

Inanimado 45 40,2

%

66 58,9

%

1 0,9% 112 81,8%

Tabela 2 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator animacidade do referente.

Através dos dados explanados na tabela 2, não se pode sustentar a hipótese

de que a presença do traço [+ animado] no referente favorece a ocorrência da

relativa copiadora, já que, para esse tipo de relativa, constatou-se um percentual de

24% do traço [+ animado] do referente, enquanto, para a variante padrão, o traço

[+animado] obteve o resultado de 56% de casos.

Os resultados obtidos nesta pesquisa a respeito do fator animacidade do

referente para a relativa copiadora contradizem as evidências estatísticas dos

estudos de Mollica (2003), quando esta demonstra que a animacidade do referente

acontece com maior número de incidência quando há um pronome cópia.

Os dados da tabela 2 também demonstram que o traço [- animado] do

referente favorece o emprego da estratégia tipo cortadora (58,9%).

A tabela 3 apresenta a distribuição das variantes que se refere ao fator

função sintática do relativo.

Page 35: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

34

RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR

FALADO EM SALVADOR (PEPP)

FUNÇÃO

SINTÁTICA DO

RELATIVO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

PADRÃO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

CORTADORA

ESTRATÉGIA

RELATIVA

COPIADORA

TOTAL

Objeto indireto N

1

%

10%

N

7

%

70%

N

2

%

20

%

N

10

%

7,3%

Sujeito 27 84,4

%

3 9,4% 2 6,2

%

32 23,4%

Objeto direto 31 88,6

%

3 8,6% 1 2,9

%

35 25,5%

Adjunto

adverbial

0 0% 56 96,6

%

2 3,4

%

58 42,3%

Complemento

adverbial

0 0% 2 100% 0 0% 2 1,5%

Tabela 3 – Distribuição das estratégias de relativização em função do fator função sintática do

relativo.

Comparando-se os dados da tabela 3, é possível confirmar a hipótese de que,

quando o relativo tem função sintática de adjunto adverbial (96,6%) ou objeto

indireto (70%), há a tendência ao emprego da relativa cortadora. Vale ressaltar ainda

que as duas únicas ocorrências de que na função sintática de complemento

adverbial ocorre com esse tipo de estratégia.

Para as funções sintáticas de objeto direto e sujeito, observa-se que há maior

ocorrência da estratégia relativa padrão, o que pode ser justificado pelo fato de

essas funções não serem introduzidas por preposições: 88,6% e 84,4%,

respectivamente, para objeto direto e sujeito.

Quanto à estratégia copiadora, esse tipo, mesmo com o total de ocorrências

reduzido, é realizado com mais frequência na função de objeto indireto (20%).

Page 36: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

35

Tarallo (1983 apud Bispo, 2009), ao registrar a frequência dos três tipos de

estratégias em dados de fala, obteve resultados que se justapõem ao desta

pesquisa. O autor mostra que, a respeito da função sintática de sujeito e objeto

direto, o índice mais elevado foi para a relativa padrão (89,7% e 97,4%,

respectivamente). Nesse mesmo contexto, Tarallo (1983 apud Bispo, 2009), afirma

que, na posição de objeto indireto, predomina a relativa cortadora com 75% dos

casos analisados.

Os resultados aqui apresentados para a relativa copiadora não condizem com

os da pesquisa desenvolvida por Barros (2000 apud Bispo, 2009) com dados da fala

pessoense, a qual também analisa a função sintática do relativo. Nesse trabalho, a

autora atenta para o fato de que é na posição de sujeito que a relativa copiadora

aparece com maior predomínio (27%).

3.2 Variáveis extralinguísticas

O exame de parâmetros sociais nesta pesquisa tem como objetivo observar

como esses parâmetros podem influenciar variações significativas nas construções

relativas. Como já foi mencionado, os parâmetros extralinguísticos controlados na

pesquisa são gênero/sexo, nível de escolaridade e faixa etária.

A tabela 4 expõe a relação entre a variável dependente e o fator gênero/sexo

na amostra analisada.

Page 37: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

36

Tabela 4 – Distribuição das estratégias de relativização em função do gênero/sexo dos informantes.

Considerando-se a relação entre esse parâmetro e o fenômeno aqui

investigado, contraria-se um dos postulados sociolinguísticos sobre o fato de

falantes do sexo feminino, por se mostrarem mais conservadores, utilizarem mais a

construção padrão. No caso desta pesquisa, são os falantes do sexo masculino que

empregam, com mais frequência, a variante padrão com o percentual de 46,5%,

enquanto falantes do sexo feminino só atingem o percentual de 37, 3% dos casos

com essa variante.

Paralelamente ao uso da relativa padrão, os falantes do sexo masculino

também usam a relativa cortadora (46,5%). Nesse caso, são os falantes do sexo

feminino que se destacam com o maior emprego (60,8%).

Para a relativa copiadora, observa-se que os percentuais se mostram bem

reduzidos tanto para os falantes do sexo masculino (7%) os do sexo feminino (2%)

entre os informantes do PEPP – SSA. Diferentemente desses resultados, cabe

ressaltar que, na pesquisa realizada por Mollica (2003), os falantes do sexo feminino

tenderam ao emprego do sintagma com pronome cópia que, neste caso, está para a

variante copiadora.

A tabela 5 expõe a relação entre a variável dependente e o parâmetro social

nível de escolaridade.

RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS

POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)

GÊNERO/SEXO ESTRATÉGIA

RELATIVA

PADRÃO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

CORTADORA

ESTRATÉGIA

RELATIVA

COPIADORA

TOTAL

Masculino N

40

%

46,5%

N

40

%

46,5%

N

6

%

7%

N

86

%

62,8%

Feminino 19 37,3% 31 60,8% 1 2% 51 37,2%

Page 38: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

37

RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS POPULAR

FALADO EM SALVADOR (PEPP)

NÍVEL DE

ESCOLARIDADE

ESTRATÉGIA

RELATIVA

PADRÃO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

CORTADORA

ESTRATÉGIA

RELATIVA

COPIADORA

TOTAL

Fundamental N

23

%

31,9%

N

44

%

61,1%

N

5

%

6,9%

N

72

%

52,6%

Médio 36 55,4% 27 41,5% 2 3,1% 65 47,4%

Tabela 5 – Distribuição das estratégias de relativização em função do nível de escolaridade dos

informantes.

Os resultados desta pesquisa confirmam a hipótese de que a estratégia

padrão é mais utilizada por falantes mais escolarizados: para essa estratégia, nos

falantes com nível fundamental de escolaridade, há o percentual de 31,9% dos

casos enquanto, nos falantes com nível médio de escolarização e, por conseguinte,

mais escolarizados, registra-se o percentual de 55,4% das ocorrências. Corrêa

(1998 apud Meirelles, 2001,) em seu estudo com base em dados da escrita, ratifica

a ideia de que falantes do Português Brasileiro usam a relativa padrão com mais

intensidade no 2º grau de escolarização. Inversamente, os resultados da variante

cortadora apontam para o fato de que falantes menos escolarizados (61,1%) tendem

a realizar mais essa variante do que os informantes de nível médio (41,5%).

Na tabela 6, estão expostos os resultados entre a relação da variável

dependente e o parâmetro social faixa etária.

Page 39: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

38

RESULTADOS ORIUNDOS DO PROGRAMA DE ESTUDO SOBRE O PORTUGUÊS

POPULAR FALADO EM SALVADOR (PEPP)

FAIXA ETÁRIA ESTRATÉGIA

RELATIVA

PADRÃO

ESTRATÉGIA

RELATIVA

CORTADORA

ESTRATÉGIA

RELATIVA

COPIADORA

TOTAL

15 a 24 anos N

13

%

38,2%

N

19

%

55,9%

N

2

%

5,9%

N

34

%

24,8%

25 a 35 anos 16 55,2% 12 41,4% 1 3,4% 29 21,2%

45 a 55 anos 20 50% 18 45% 2 5% 40 29,2%

65 anos acima 10 29,4% 22 64,7% 2 5,9% 34 24,8%

Tabela 6 – Distribuição das estratégias de relativização em função da faixa etária dos informantes.

Os dados da tabela 6 demonstram que a presença da variante padrão é

atuante entre os falantes de 25 a 35 anos, com percentual de 55,2% dos casos. Em

segundo lugar, são os informantes entre 45 a 55 anos que realizam, com maior

frequência, a variante padrão (50%).

Observa-se que os falantes acima de 65 anos são os que mais empregam a

relativa cortadora (64,7%). Nesse caso, a hipótese de que falantes mais velhos

empregariam mais relativa padrão não se confirma. Percebe-se também que os

falantes entre 15 a 24 anos utilizam frequentemente essa mesma variante (55,9%).

É importante frisar que, para a variável faixa etária, os valores divergem

bastante. Lemos (2008), afirma que, mesmo uma comunidade como um todo não

modificando o padrão que lhe é admitido, um falante pode mudar seus hábitos de

fala ao longo de sua vida, implicando, assim, a existência de consideráveis

diferenças linguísticas.

Page 40: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

39

Assim sendo, os resultados apresentados neste capítulo demonstram

empiricamente que os fatores tanto linguísticos quanto sociais controlados nesta

pesquisa influenciam a variação do fenômeno aqui estudado, uso das estratégias

relativas na fala popular de Salvador.

Page 41: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

40

CONCLUSÃO

No presente trabalho, a análise da variação das construções relativas na fala

popular de Salvador foi estabelecida através da relação entre os fatores linguísticos

e sociais que motivaram a variação. Assim, a partir da observação e análise de

dados da fala popular de Salvador, investigou-se, com base nos fatores

supracitados, o que leva os falantes dessa cidade a optarem por uma das três

estratégias (padrão, copiadora e cortadora). Os resultados quantitativos obtidos na

pesquisa foram comparados, sempre que possível, com os resultados alcançados

nas pesquisas de Tarallo (1983 apud Meirelles, 2001), Bagno (2004), entre outros

pesquisadores.

Na pesquisa realizada, foi evidenciado que, na fala popular de Salvador,

dentre as três estratégias relativas examinadas, a que se tornou preferencial para os

habitantes de Salvador é a cortadora. Os dados demonstram que 51,8% dos casos

observados são de relativa cortadora. Essa preferência pela relativa cortadora já

havia sido atestada em trabalhos anteriores como os de Bagno (2000), Corrêa

(1998), Tarallo (1983), entre outros autores.

O resultado acima demonstra que o emprego significativo de uma estratégia

não-padrão tem ocasionado um acentuado desuso da estratégia aceita pela

gramática normativa na fala de uma parcela da população soteropolitana. Ademais,

ele aponta para o fato de que a realização da estratégia relativa padrão, no

português falado no Brasil, não se mostra tão relevante no comportamento dos

falantes.

No que se refere às duas variantes não-padrão (mais especificamente, a

relativa copiadora e a relativa cortadora), há uma relevante diferença de uso dessas

estratégias pelos falantes brasileiros. Quanto à relativa copiadora, deve-se atentar

para a pouca realização entre os falantes. Com apenas 5,1% das ocorrências

levantadas, a estratégia copiadora é estigmatizada pelos falantes urbanos

analisados. Assim, confirma-se a ideia de que, dentre as três estratégias, a relativa

copiadora que apresenta menor frequência na pesquisa.

Page 42: Estratégias de relativação na fala popular de salvador uma análise sociolinguistica

41

A maior frequência de uso da estratégia cortadora, na pesquisa, denota

claramente que as regras mais tradicionais de relativização não têm sido

rigorosamente aplicadas na fala popular de Salvador. Ademais, percebe-se que a

relativa cortadora tem se fixado como uma forma aceitável de relativização nos

contextos preposicionados, substituindo, assim, a forma padrão de uso das relativas.

Os dois fatores linguísticos selecionados na pesquisa se mostraram

relevantes para os resultados obtidos. É pertinente observar que a animacidade do

referente e a função sintática do relativo se mostraram atuantes quando se tratava,

respectivamente, das variantes padrão e cortadora.

Os fatores sociais - faixa etária, grau de escolaridade e gênero/sexo - também

motivaram, de forma acentuada, o fenômeno aqui investigado. Através da análise

desses fatores, verificou-se que ocorreram variações significativas em relação às

três estratégias de relativização. Para a variável gênero/sexo, registrou-se que os

homens usam mais a variante padrão e as mulheres, a cortadora. Quanto ao grau

de escolaridade, os falantes mais escolarizados empregam mais a estratégia

padrão. Em relação à faixa etária, curiosamente, constatou-se que os falantes de 25

a 35 anos usam mais a variante padrão e os mais velhos, a estratégia cortadora.

Desta forma, espera-se que esta pesquisa, com base em dados reais do

português falado no Brasil, possa contribuir para outros estudos variacionistas,

ampliando, assim, os conhecimentos no que diz respeito ao estudo das três

estratégias de relativização na fala popular de Salvador. Através dos resultados

constatados na pesquisa, pode-se confirmar a necessidade de se conhecerem as

variedades da nossa língua.

Mesmo não se tratando de um estudo aplicado, a pesquisa também se torna

preponderante para que se repense o tratamento dado às construções relativas em

sala de aula uma vez que as orientações da gramática normativa tendem a encarar

as construções não-padrão como um desvio da forma dita correta, contrariando,

assim, o que é postulado na Teoria da Variação: o pressuposto de que todas as

línguas estão suscetíveis à variação. Cabe ressaltar que esses aspectos podem

promover discussões tanto para investigações teóricas como também para estudos

realizados com dados do português brasileiro.

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TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 7. ed. São Paulo: Ática, 2002.