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 Universidade da Beira Interior Departamento de Ciências Sociais e Humanas 2º Ciclo: Sociologia: Exclusões e Políticas Sociais Estado-Providência e Políticas Sociais Estado-Providência e Políticas Sociais: Saúde e Exclusão Social Docente: Prf. Dr. Nuno Augusto Discente: Sandra Matos (m3453)

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Universidade da Beira Interior

Departamento de Ciências Sociais e Humanas

2º Ciclo: Sociologia: Exclusões e Políticas Sociais

Estado-Providência e Políticas Sociais

Estado-Providência e Políticas Sociais:

Saúde e Exclusão Social

Docente: Prf. Dr. Nuno Augusto

Discente: Sandra Matos (m3453)

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Introdução

Em resposta à sociedade do risco, à cada vez maior desigualdade entre sectores da

sociedade e às elevadas situações de exclusão social, o Estado-providência surgiu comosuposta resposta a estas conjunturas. Assim no seguinte trabalho tem-se como principais

objectivos caracterizar as políticas de saúde primeiramente no âmbito da sociedade do

risco e posteriormente e de modo mais amplo no quadro do Estado-providência

português.

Num segundo momento, irá analisar-se o conceito de exclusão social e o modo como

este está patente no acesso aos serviços de saúde, e tem implicações nas condições de

saúde.

Conceitos Chave: Sociedade do Risco, Individualização, Estado-providência, Políticas

sociais, políticas de saúde, exclusão social

A saúde no quadro da Sociedade do Risco

Viveu-se a transformação ou transição de um tipo de sociedade para outro, se antes se

tinha uma sociedade de certezas, hoje vive-se numa sociedade ambivalente e recheada

de riscos.

Segundo Beck (2000:2), esta transição é o resultado de uma “modernização reflexiva”,

ou seja, a sociedade industrial entrou num processo de “(auto)destruição” o que deixouos indivíduos sem as certezas absolutas, sem as âncoras, que o auxiliavam na sociedade

industrial.

Uma das principais características desta nova sociedade é o facto de que a

individualidade de cada um, vem ao de cima, deixamos de possuir os modelos

estandardizados que nos encaminhavam na sociedade industrial e procuramos fazer as

nossas próprias escolhas tendo em conta os riscos que a elas vem associadas, pois não

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sabemos ainda em que sociedade estamos a entrar, e daí, ainda a dificuldade em

designa-la1.

Para Beck, esta individualização é um processo, primeiro de “descontextualização” em

que os indivíduos começam por se libertar das bases sociais, dos padrões da sociedade

industrial, pois percebem que os modelos padronizados, como a família e a classe

social, por exemplo, já não respondem às suas necessidades, e de seguida ocorre uma

“recontextualização” aos novos modelos da sociedade em que vivem, nos quais têm a

necessidade de se exporem e adaptarem a novas situações e relações permanentemente,

fazendo assim por “ produzir, encenar e montar eles próprios as suas biografias” (Beck ,

2000: 13), os indivíduos têm assim espaço para escolher o seu percurso identitário, mas

não no vazio, trata-se apenas “do surgimento de uma nova forma de conduzir e

organizar a vida, já não mais obrigatória e vinculada a modelos tradicionais” (Beck,

in Mitjavila, 2004: 73), que na linguagem de Giddens se designa pela criação de uma

“biografia reflexiva” (in Mitjavila, 2004: 73)2.

Para além da importante questão da (construção da) identidade, existem três áreas onde

a noção de risco se evidencia, a questão do trabalho, da política e da sociedade de

providência, evidenciadas em Hespanha et al (2002)

O trabalho é cada vez mais  precário, flexível e temporário, se na sociedade Industrial,

ter trabalho significava estabilidade laboral e a garantia de acesso à não-exclusão, hoje

apenas é apresentado como um dos contextos onde a vulnerabilidade é acentuada.

Segundo Pedro Hespanha (2002: 29-36) e outros autores, o trabalho é marcado por

cinco dimensões importantes, 1) o desemprego, onde se acentua a condição de mulher e

de baixo nível de escolaridade, apresentando assim um paradoxo, visto serem as

mulheres quem possui mais habilitações; 2) a precariedade do emprego, não é estável, a

existência dos recibos verdes que não garantem as condições de trabalho como os

subsídios; 3) baixos rendimentos, devido às diversas situações os indivíduos sujeitam-seaos chamados “biscates”; 4) pluriactividades do emprego, os indivíduos deixam de ter

uma profissão para passarem a ter várias que vão gerindo; e por último, mas não menos

importante 5) o elevado nível de endividamento, que surge para satisfazer necessidades

básicas como a alimentação, habitação e vestuário.

1 Sociedade do Risco (Beck); Sociedade do Consumo (J. Baudrillard); Modernidade Líquida (Z.Bauman); pós-modernidade; modernidade tardia; segunda modernidade…

2 A vida dos indivíduos é comparada a uma “colcha de retalhos” em que os indivíduos sobre a identidadeque possuem cozem “novas crenças, saberes e identificações” (Paiva e Calheiros, 2001:143). 

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O Estado responde a este contexto com políticas sociais, contudo estas são também

geradoras de desigualdades, revelando-se inadequadas e insuficientes, já para não

referir que existem políticas que respondem às necessidades da anterior realidade, da

sociedade industrial, ou seja não são compatíveis com as necessidades actuais, “a

ausência de respostas adequadas às necessidades torna-se num factor activo de risco

  social para esses agregados”  (Hespanha, e tal, 2002: 37). Neste âmbito existem

também novos agentes a quem cabe também as decisões e o controle. A regulação

Estatal tem vindo a perder força e não só a nível da saúde, o âmbito específico deste

trabalho, com a globalização muitas das decisões estatais ultrapassam os próprios

estados.

Por último a Sociedade Providência, esta é posta em casa de devido às características da

nova sociedade, a individualização, e a redução de confiança nas relações interpessoais,

contudo ainda são estas “relações de entreajuda baseadas em relações de parentesco e

de vizinhança que assumem a cobertura do risco social” (Hespanha e tal, 2002:46)

nomeadamente em situações de exclusão e/ou pobreza.

Referindo mais especificamente a área da saúde, esta é uma construção social, o que

significa que as características importantes da saúde e da doença são criadas e

influenciadas pelas atitudes, acções e interpretações dos membros de uma sociedade.

Logo se houve uma alteração no tipo de sociedade, abordada anteriormente, esta

modificação tem consequências na maneira como é entendida e vivida a saúde , “a

história social das doenças nas sociedades europeias tem revelado que, em asa época,

uma doença «domina a realidade da experiencia e a estrutura das representações»  ”

(Herzlich e Pierret in Carapinheiro, 1986:10), o exemplo claro disto é a doença da

“obesidade” e da “hiperactividade”, antes eram consideradas como situações normais,

sem lhes ser atribuído qualquer tipo de indícios de doença, situação que se veio aalterar.

A saúde que antes era considerada algo do âmbito familiar, privado passou para as

agendas políticas e tornou-se um assunto público, “  foi penetrando em domínios não

tradicionais, como o trabalho, escola, velhice, sexualidade, desporto, etc”

(Carapinheiro, 1986: 20). Com a modernização a saúde e a doença passaram para um

período secular, estão cada vez mais diversificadas e mais especializadas, mais

enraizadas no âmbito do discurso científico, o que antes também era impensável, asaúde e a doença estavam ligadas ao sagrado, através de forças divinas. Contudo é

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visível que ainda hoje estas duas lógicas coexistem, os indivíduos tanto se dirigem ao

hospital, como de seguida vão aos “curandeiros” ou ao “endireita”. Os indivíduos fazem

escolhas e ponderam os riscos a elas associadas, “os indivíduos experimentam formas

alternativas de curar se uma eventualidade surgir. Mas relembre-se que em primeiro

lugar acredita-  se no poder da medicina e dos médicos” (Carvalho, s/d:2) isto ocorre

devido aos vincos que a medicina deixa na sociedade, através das “ novas competências

e técnicas adaptadas à especificidade da actuação médica (…) maior clarificação das

  funções sociais da medicina (…) inauguração de estratégias de apropriação de novas

 posições de poder nunca experimentadas anteriormente” (Carapinheiro, 1986: 20). 

Estado-Providência e as Políticas Sociais – o caso das políticas de Saúde 

Estado-Providência em Portugal

Já os outros países se encontravam com o seu Estado-providência em crise quandoPortugal constrói o seu “tardiamente e de forma problemática” , isto porque, Portugal

viveu sobre um regime ditatorial até aos inícios da década de 70 e o facto de Portugal

ser altamente rural, sem industrialização, sem o terceiro sector e sem urbanização

(Portugal, 2005:1-2).

O Estado-providência é o resultado de “ um compromisso, ou de um certo pacto

teorizado no plano económico por Keynes, entre Estado, o capital e o trabalho, nos

termos do qual os capitalistas renunciam a parte da sua autonomia e dos seus lucros eos trabalhadores a parte das suas reivindicações” com o objectivo de obter paz social e

a acumulação de capital para a posterior distribuição em direitos sociais, através das

políticas sociais (Santos, B.S. 1990:194)

Segundo Esping-Andersen (1998: 15,16) existem três modelos de Estado-providência

construídos tendo em conta o modo como “repartem as responsabilidades sociais entre

o estado, o mercado e a família”, assim tem-se o modelo  Anglo-saxónico, o modelo

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Escandinavo e o modelo da Europa continental3, no qual Portugal se insere segundo o

mesmo autor. Contudo existem outros autores, como Maurizio Ferrera que devido às

especificidades do caso português, consideram a existência de um quarto modelo de

“welfare state”, que para além de Portugal inserem também Itália, Espanha e Grécia,

constituindo assim o “modelo social do sul”  (in Portugal, 2005:3). Este tem como

principais características, um sistema “ fragmentado e corporativista” o que leva a uma

protecção social desigual, a existência de um SNS que procura o carácter de

universalista, a combinação ente público e privado sem intervenção por parte do Estado

e ainda a visão assistencialista do Estado (Ferrera in Portugal, 2005:3; Ferrera in Santos,

B.S. e Ferreira, S., 2002:192).

Devido às divergências entre as várias realidades, concebidas dentro de um mesmo

conceito, o de Estado-Providência, leva também há existência de discordâncias entre os

vários teóricos, entre os quais Boaventura Sousa Santos, que coloca em causa a

existência de um Estado Providência em Portugal, e afirmando o contrário encontram-se

os teóricos Juan Mozzicafreddo e António Barreto.

Segundo Boaventura Sousa Santos, Portugal não possui um Estado-providência, tendo

em conta as características comparativas que levaram há existência deste nos outros

países. De acordo com o mesmo autor, um Estado-providência “assenta na ideia de

compatibilidade (e até complementaridade) entre crescimento económico e políticas

sociais, entre acumulação e legitimação, ou mais amplamente, entre capitalismo e

democracia” (1990: 196), contudo Portugal não “obedece” a estes pontos, a articulação

entre democracia e capitalismo e a concertação entre capital e trabalho, ocorreram “já

num contexto de “crise” internacional do Estado- providência” (Santos, B.S. e Ferreira,

S., 2002: 186); a tentativa de interdependência entre acumulação e legitimação também

não ocorreu, antes da revolução de 1974 era permitida a acumulação mas não existialegitimação democrática, após esta, legitimou-se o modelo político, mas em

3 O modelo anglo-saxónico é considerado o mais excludente, uma vez que dirige a acção social para osmais desfavorecidos, aposta numa privatização da segurança social e dos direitos sociais não osuniversalizando, a intervenção do Estado é mínima. O modelo Escandinavo serve a totalidade dosindivíduos, é universalista, aposta numa lógica de colectivização do dos direitos sociais, apoiando afecundidade e a maternidade, o emprego feminino, o crescimento demográfico, o papel do Estado évalorizado em detrimento do mercado. O modelo da Europa continental combina características dosanteriores, procura a universalidade mas ao mesmo tempo combina privado  –  público, depende do

trabalho (masculinizado) sobre o qual recai uma protecção excessiva o que leva a uma quebra das taxasde natalidade e de fecundidade (Santos, B. S. e Ferreira, Sílvia, 2002:179-181; Esping-Andersen, G.,1998:15-17)

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contrapartida a acumulação económica era fraca o que, também, não permitia, por sua

vez, os elevados gastos em capital social. Também é de referir que em Portugal o

Estado-providência não resultou de processos democráticos e conquista social, isto é,

“de uma internalização, por parte da burocracia estatal, das despesas e serviços

 sociais como direito dos cidadãos”, o que faz com que se veja os direitos sociais não

como tal mas sim como uma “benevolência estatal”, neste  ponto “Portugal está ainda

longe o modelo europeu de burocracia social, em algumas áreas” (Santos, B.S. e

Ferreira, S., 2002: 190).

Do lado discordante, encontram-se Juan Mozzicafreddo e António Barreto que afirmam,

que apesar de fraco e incipiente é indiscutível a existência de um Estado-providência em

Portugal, a “menor visibilidade, analítica e política, das características do Estado-

  providência em Portugal não indica necessariamente a não existência desta forma

 política e social do Estado de direito” (Mozzicafreddo, 1997:31).

Na base das suas teorias estão argumentos como a “existência política e administrativa

do Estado-providência”, o rápido desenvolvimento de “políticas sociais e de

compensação”, a “intervenção do Estado no mercado através da regulação económica e

de políticas macroeconómicas”, e ainda a tentativa de “diminuição das desigualdades

sociais através da consertação entre parceiros sociais e económicos” (Mozzicafreddo,

1997:32). O nível de desenvolvimento destas questões tem que ser analisado tendo em

conta o contexto político e social português.

A crise do Estado-providência poderá se chamar de tripla crise, uma vez que os factores

para tal se situam em três elementos importantes, a crise financeira, a crise de

legitimidade e a crise de eficiência. A Crise financeira diz respeito à descontinuidade

existente entre o crescimento económico e as despesas sociais, isto é “o Estado tende a

  fazer despesas acima dos seus recursos”; o facto de a questão das desigualdadescontinuar a existir de forma marcante e os privilégios serem dirigidos apenas para

alguns sectores da população, faz com que ocorra a crise de legitimação e por último, a

crise de eficiência em que o Estado não consegue efectuar o papel que lhe compete de

regulador do pacto social, isto é, de manter em quantidade e qualidade os direitos

sociais (Santos, 1990).

Por outro lado Esping-Andersen, mais recentemente, indica outros três factores para a

crise do Estado-  providência, sendo eles “o impacto da internacionalização

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económica… as mudanças demográficas… as mudanças a nível da família [incluindo] o

novo papel económico das mulheres” (1998:13-14)

As Políticas Sociais – o caso específico da Saúde

Devido à vivência numa sociedade do risco, tal como foi definida anteriormente, as

políticas sociais visam atender a situações de risco, de desigualdade social, e deste

modo traduzir os direitos sociais (Rodrigues, et al, 1999:1). Assim, consideram-se

  políticas as que forem “desenvolvidas pelo Estado em vista da realização das

  prestações materiais e individuais a que os cidadãos tenham direito” (Carreira,

1996:37).A saúde foi uma das áreas onde o Estado-providência trouxe grandes alterações, depois

da revolução de 1974, foi implementado em Portugal, com a entrada em vigor da

Constituição (1976), o Sistema Nacional de Saúde (SNS) que tem como principais

objectivos fornecer cuidados de saúde a toda a população e gratuitamente, é assim, um

sistema universal, geral e gratuito (Carreira, 1996:124)4. 

Como já referido em cima no trabalho, o suposto papel do Estado-providência é o de

regulador do pacto entre capitalismo, trabalho e Estado, e por sua vez cabe a este a

“incumbência de mobilizar os recursos financeiros indispensáveis ao SNS, de modo a

assegurar a sua progressiva implantação e realização” (Carreira, 1996:125).

O SNS é extremamente vasto, tem sobre a sua alçada os “cuidados de promoção e

vigilância da saúde e de prevenção da doença; os cuidados médicos de clínica geral e

de especialidades; os cuidados de enfermagem; o internamento hospitalar; os meios

complementares de diagnóstico e terapêuticos; os medicamentos e produtos

medicamentosos” (Carreira, 1996:125).

Foi a partir da década de 80 que a saúde deixou de ter algumas das características

anteriores, como por exemplo, a gratuitidade, com a implementação das taxas

moderadoras em 1981, isto porque o Estado começou com a política de racionalização

da saúde, “o financiamento passa a ser também da responsabilidade de outras

entidades, além do Estado. Incumbe, nomeadamente, aos beneficiários, «tendo em

4 Ver também (Portugal, 2005:6; Carapinheiro, G. e Pinto, M. G., 1987:75, 83; Mozzicafreddo, 1997:53)

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conta as suas condições económicas e   sociais…» ” (Carreira, 1996:127), pois uma

“ política social coerente (…) tem de ser definida com ponderada consideração de um

conjunto de variáveis entre as quais assumem especial relevância, as de natureza

económico- financeira” (Carapinheiro e Pinto, 1987:86) aspecto crucial na altura em

Portugal.

Coexistem com este regime oficial, SNS, outros subsistemas, entre os quais a ADSE,

contudo o primeiro ainda serve cerca de 86% da população (Carapinheiro e Pinto,

1987:90)

O papel do Estado tem vindo a diminuir, não conseguindo “dar conta” de todas as áreas,

e ao aparecer o privado, o Estado, deixou que este servisse de suplemento em algumas

áreas, onde o público não estivesse, devendo ser, esta, uma situação temporária, contudo

o privado foi alargando a sua influência, passando de suplemento para substituto,

sobretudo nos meios complementares de diagnóstico (Mozzicafreddo, 1997:59). A

transferência do público para o privado tem vindo a aumentar como resultado de

acordos e contratos entre os dois sectores, o que reflecte a “incapacidade do sector 

Estatal para responder às solicitações da população, (…) [as respostas que o Estado

tem dado baseiam-se na criação de] barreiras/preço junto dos utentes” (Carapinheiro e

Pinto, 1987: 94). Tal como refere Correia de Campos o sistema politico português nem

é publico nem privado, e no caso da saúde não é excepção, acaba por ser um sistema

misto, onde se tem em conta o bem-estar de todos (público) e o lucro (privado)

(1986:617)

Apesar de o SNS continuar a ser o elemento principal, este foi completamente esvaziado

da sua concepção inicial. Com toda esta situação o SNS entra também ele em crise,

devido a alguns factores que são em parte consequência da melhoria das condições de

saúde como a inversão da pirâmide etária: aumento da esperança média de vida ediminuição da natalidade a nível demográfico, menos capital, e por conseguinte o recuo

do Estado, a nível político a existência de um lobbie forte com interesses imperativos (a

Ordem dos Médios) (Cabral e Silva, 2009:21); a existência de um “mercado misto [de

saúde, onde] tanto prestadores públicos como privados competem por contratos, no

âmbito dos processos de contratualização descentralizada”, (Ferreira, 2004:315) a

organização burocrática e centralizada da saúde, o modo como se concebe os cuidados

de saúde, o privilégio dos hospitais em detrimentos dos centros de saúde, sendo estes

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últimos descapitalizados de status e de poderes na dimensão médico-cientifica (Cabral e

Silva, 2009:21).

Exclusão social e acesso à Saúde

Antes de se iniciar a análise de exclusão social no acesso à saúde é de extrema

importância conceptualizar o conceito de exclusão, visto este ser um tanto ou quanto

complexo.

Exclusão social diz assim respeito a um “  processo de ruptura com a sociedade,

  processo que pode assumir duas formas principais: por um lado, a ruptura pela

ausência de um conjunto de recursos básicos (…) por outro, a ruptura como

consequência de estigmatização que afectam grupos sociais es pecíficos…” (Rodrigues,

2000:174). De acordo com a primeira parte deste trabalho e segundo Peter Townsend os

excluídos “são indivíduos que acumulam um conjunto de riscos, de dificuldades ou de

handicaps, através de trajectórias de vida que reforçam diferentes tipos de rupturas e

 perdas ou privações…” (in Rodrigues, 2000:175).

Muitas outras definições existem, contudo é importante de ter em conta que existe na

teoria quem refira a exclusão como uma “causa individual”, isto é, os excluídos estão

nessa situação por culpa própria e só a eles cabe a efectuar o processo contrário. Pelo

contrário outros, afirmam que a exclusão se deve a “  factores sociais”, e neste caso a

culpa é atribuída à sociedade e às estruturas sociais, e cabe ao governo implementar

medidas para os indivíduos voltarem a estar integrados e inseridos na sociedade

(Augusto A. e Simões Mª J., 2007:8).

De modo mais completo e eficaz existe a chamada teoria de síntese que combina os

factores individuais com os sociais, afirmando assim que a “exclusão social deve-se a

um conjunto imbricado de factores sociais e individuais que importa em cada contexto

ou caso concreto identificar”, a exclusão decorre de factores sociais, económicos,

educacionais, profissionais, políticos. Neste sentido para além de ser necessário a

intervenção do Estado, requer-se uma participação activa do indivíduo no seu processo

de inserção social. (Augusto A. e Simões Mª J., 2007:8)

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Devido á grande diversidade de situações em que o indivíduo se pode encontrar nos

diferentes domínios da vida social há autores que definem “zonas” em que os indivíduos

se podem inserir tal como o próprio nome indica: “  zona de integração … zona de

vulnerabilidade …[e]   zona de exclusão” (Díez, 2006:32-33) ou noutra terminologia

como refere Thompson “os que se chamam de desvantajosos, (…) os marginalizados ou

inseguros (…) [e por fim] os privilegiados” (2000:2). 

A exclusão ou vulnerabilidade à exclusão é analisada recorrendo a três dimensões

explicitadas resumidamente da seguinte forma: 1)  privação diz respeito “ao acesso a

recursos materiais (…) para manter condições de vida aceitáveis”; 2) desqualificação

social  é o “descrédito a que estão sujeitos aqueles que não participam na vida

económica e social” e 3) desafiliação implica a junção de “dois vectores: um eixo de

integração (…) e um eixo de inserção” que quando não ocorrem originam a quebra dos

laços sociais nos 4 pilares fundamentais. Trabalho, Estado, Família e Comunidade (ISS,

Tipificação das Situações de Exclusão em Portugal Continental in Augusto A. e Simões

Mª J., 2007:10-11) 

A saúde é um elemento importante no processo de integração dos indivíduos, e existem

vários elementos e/ou factores que estão implicados na concretização desta integração.

O  parque hospitalar é constituído pela seguinte hierarquia de organizações de saúde:

centros de saúde  –  Hospitais distritais  –  Hospitais centrais  –  Entidades privadas,

contudo este parque não é equilibrado a nível regional, isto é, existem “assimetrias

regionais” na distribuição e oferta destes serviços, assim como no que diz respeito a

recursos humanos, reportando-se aos   profissionais de saúde, o que conduz a um

“  problema de acessibilidade por parte dos indivíduos aos serviços de saúde”. Estes

meios estão assim, maioritariamente disponíveis, não só a nível de quantidade mas

também de qualidade e desenvolvimento (especialização) na faixa litoral de Portugal,principalmente nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra (Carapinheiro e Pinto, 1987:97,

99). Isto coloca um entrave ao acesso à saúde, para os indivíduos que vivem no interior

do país, passam a ficar, ou não, limitados de acordo com os seus rendimentos, neste

âmbito a condição laboral tem grande influência no acesso à saúde.

Outro aspecto diz respeito ao sector privado, algumas, se não mesmo a maioria, das

áreas mais especializadas, encontram-se apenas neste, e mais uma vez a questão de

capital, quem o possui tem acesso, quem não possui fica à margem, “observa-se uma

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maior propensão à escolha de consulta privada, que é tanto maior quanto mais elevado

é o escalão de rendimento em que o agregado familiar se situa” (Barros, s/d: 16,17)

Outros elementos, independentes das regiões, mais individuais, dizem respeito ao “sexo,

idade, escolaridade, rácio peso/altura” (Barros, s/d:13). É visível que as mulheres, e

quem possui mais habilitações, acedem com mais frequência aos serviços de saúde.

É de referir também que a exclusão e as desigualdades não ocorrem só no acesso por

parte dos doentes, mas também dentro da própria organização, por exemplo existe uma

clara discriminação entre os hospitais e os centros de saúde. Contudo estes dois pontos

de análise e muitas outras situações ficarão para um próximo trabalho.

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Conclusão

A entrada num novo tipo de sociedade, trouxe várias alterações a nível dos vários

sistemas: económico, político, social, cultural, e importante de referir, na vida de cada

indivíduo.

Contudo também existem aspectos que não mudam, como as desigualdades sociais e a

exclusão social, que apesar de se viver sobre um Estado-providência, que tem como um

dos princípios básicos a igualdade, mesmo com a aplicação de políticas e programas

específicos, este é incapaz de dar todas as respostas necessárias para se ultrapassarem

estas questões que são demasiado complexas e que requerem ainda muita investigação,

pois muito do que é feito não tem em conta a verdadeira realidade.

A questão específica da saúde, foi aqui analisada, no sentido de perceber as alterações

que a própria noção de saúde sofreu, e também o que existe que sustente esta área de

intervenção social.

Em relação à exclusão no acesso à saúde, é de referir que foram analisados apenas as

assimetrias regionais a nível de serviços disponibilizados, do nível de desenvolvimento

dos mesmos e a relação entre público/privado através das escolhas que são feitas tenho

em conta a classe de rendimentos dos indivíduos. Muitos outros elementos se poderiam

ter em conta inclusive os de cariz mais individual, que ficarão para um próximo

trabalho.

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