estado, movimentos sociais e reforlnas na américa latina ... principais questões colocadas pela...

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Estado, Movimentos Sociais e Reforlnas na América Latina: Uma Reflexão sobre a Crise Contemporânea* CRISflNA POSSAS** Introdução Este trabalho tem por objetivo contribuir para uma visão abrangente das principais questões colocadas pela literatura internacional referente às ten- dências recemes aos nnnos da proleçüo social e do Estado de Bcm-Estar no mundo contemporâneo. Toma, como eixo da análise. a forma pela qual essa produção vem sendo assimilada na AmérkaLatina e como vem condicionando determinadas visões das reformas sociais na região. ma profunda discussão conceituaI transcenderia os limites deste artigo. Nossa intenção é tão-somente explicitar o debate sobre o tema, cuja compreen- são consideramos essencial para uma visão de longo prazo neste momento de rápidas transformações no panorama internacional. Desta forma, esperamos contribuir para a construção de cenários das políticas sociais e de saúde no continente latino-americano nas próximas décadas. * Trabalhn apresentado ao V Congresso de Medicilla So\;ial II Taller, Caracas. Venezuela, 1991. ** Professora c pesquisadora titular da EscolaN acional de Saúde Pública da Fundaçàu Oswaldo Cruz, atualmente na Harvard School of Public IIealih, como research fellow 110 Takemi Program in Intemational Health.

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Estado Movimentos Sociais e Reforlnas na Ameacuterica Latina Uma Reflexatildeo

sobre a Crise Contemporacircnea

CRISflNA POSSAS

Introduccedilatildeo

Este trabalho tem por objetivo contribuir para uma visatildeo abrangente das principais questotildees colocadas pela literatura internacional referente agraves tenshydecircncias recemes aos nnnos da proleccediluumlo social e do Estado de Bcm-Estar no mundo contemporacircneo Toma como eixo da anaacutelise a forma pela qual essa produccedilatildeo vem sendo assimilada na AmeacuterkaLatina e como vem condicionando determinadas visotildees das reformas sociais na regiatildeo

ma profunda discussatildeo conceituaI transcenderia os limites deste artigo Nossa intenccedilatildeo eacute tatildeo-somente explicitar o debate sobre o tema cuja compreenshysatildeo consideramos essencial para uma visatildeo de longo prazo neste momento de raacutepidas transformaccedilotildees no panorama internacional Desta forma esperamos contribuir para a construccedilatildeo de cenaacuterios das poliacuteticas sociais e de sauacutede no continente latino-americano nas proacuteximas deacutecadas

Trabalhn apresentado ao V Congresso Latino-Ameri~all() de Medicilla Soial II Taller Caracas Venezuela 1991

Professora c pesquisadora titular da EscolaN acional de Sauacutede Puacuteblica da Fundaccedilagraveu Oswaldo Cruz atualmente na Harvard School of Public IIealih como research fellow 110 Takemi Program in Intemational Health

186 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

A produccedilatildeo teoacuterica latino-americana sobre as tendecircncias da proteccedilatildeo social na regiatildeo tem tomado por referecircncia duas vertentes distintas embora estreitamente relacionadas da literatura internacional sobre o tema de um lado a construccedilatildeo de tipologias como referecircncia para a anaacutelise comparativa dos distintos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo de outro a reflexatildeo sobre os determinantes e as implicaccedilotildees da chamada crise do Welfare State

Na primeira vertente destacam-se duas tipologias a tipologia claacutessica de Titmuss l revista por Ascoli2 e usada por Draibe3 na anaacutelise da evoluccedilatildeo e das tendecircncias do modelo de proteccedilatildeo social no Brasil cujos componentes permishytem identificar trecircs tipos distintos de Welfare State com ecircnfase no seu aspecto redistributivo o residual caracterizado pela seletividade na accedilatildeo protetora do Estado em relaccedilatildeo aos segmentos sociais excluiacutedos da possibilidade de satisfashyccedilatildeo de necessidades baacutesicas o meritocraacutetico- particularista que vincula a proteccedilatildeo estatal e o desempenho dos grupos protegidos e finalmente o Welfare institucional redistributivo caracterizado por uma poliacutetica basicashymente universalista e igualitaacuteria que configuraria o modelo social-democrata de Welfare State

Em tipologia mais abrangente poreacutem anaacuteloga com ecircnfase na dimensatildeo poliacutetica de constituiccedilatildeo do Welfare-State no mundo contemporacircneo relacionashyda ao grau de democratizaccedilatildeo social do capitalismo alcanccedilado Esping-Anshydersen4 identifica trecircs modelos de Estado de Bem-Estar o liberal o conservashydor e o social-democrata

Ambas as tipologias caracterizam-se pela polaridade e orientam-se por um continuum que vai da maior agrave menor redistribuiccedilatildeo e do maior ao menor grau de democratizaccedilatildeo alcanccedilado pelas distintas sociedades capitalistas contemporacircneas

Outras tipologias como a de Alber5 que identifica vias distintas de sua constituiccedilatildeo (via bismarcldana versus via parlamentar) e a de Ferrera6 que

Ver TITMUSS R Essays on the Weifare State London Allen amp Unwin 1963 ASCOLI U II Sistema Italiano di Welfare in ASCOLI U (org) Weifare State ali Italiana Laterza Roma-Bari 1984 e DRAIBE SM Haacute tendecircncias e tendecircncias com que Estado de Bem-Estar Social haveremos de conviver neste fim de seacuteculo Trabalho apresentado no Seminaacuterio Brasil seacuteculo XXI UNICAMP abril de 1989 (mimeo)

2 ASCOLI U II Sistema italiano di Welfare op cito 3 DRAIBE SM Haacutetendecircncias e tendecircncias com que Estado de Bem-Estar Social haveremos

de conviver neste fnn de seacuteculo op cito 4 Uma discussatildeo dessa tipologia pode ser encontrada em ESPING-ANDERSEN G Power

anel Djtrihutiona1 Regimes in Polities and Society 14(2) 1985 pp 223-256

Estado Movimentos Sociais e Reformas 187

distingue o tipo continental e o tipo anglo-escandinavo de W elfare quanto ao predomiacutenio de benefiacutecios em dinheiro ou serviccedilos tambeacutem satildeo uma refeshyrecircncia

As tipologias na produccedilatildeo latino-americana

Satildeo inuacutemeros os esforccedilos de construccedilatildeo de tipologias dos Estados de Bem-Estar na Ameacuterica Latina tomando por base a vasta literatura internacional sobre o tema Uma boa siacutentese e discussatildeo dessa produccedilatildeo pode ser encontrada em Werneck Vianna e Azeredo da Silva bem como em outros autores o que nos dispensa dessa tarefa

Contudo a heterogeneidade estrutural8 que caracteriza hoje as sociedades latino-americanas justapondo formas avanccediladas de organizaccedilatildeo social e meshycanismos fraacutegeis de representaccedilatildeo poliacutetica pela inexistecircncia de partidos poliacutetishycos orgacircnicos e de sindicatos representativos torna por sua complexidade extremamente fraacutegeis as tentativas feitas para situar as estruturas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina nessas tipologias como mais uma das modalidades do Welfare State

Ao que tudo indica a especificidade da realidade social e da base poliacutetica nos paiacuteses do continente torna inadequada a referecircncia a tipologias desenvolshyvidas a partir de sociedades com elevado grau de maturidade social e poliacutetica

A anaacutelise das formas que assumiu a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer abordagem capaz de dar conta das condiccedilotildees peculiares que determinashyram o seu desenvolvimento e a configuraccedilatildeo atual em cada um dos paiacuteses da regiatildeo

Em muitos desses paiacuteses as restriccedilotildees apontadas na base social partidaacuteria e sindical tecircm dificultado historicamente o necessaacuterio enfrentamento entre a

5 ALBER1 Le origini deI Welfare State teorie ipotesi ed analisi empiricaRevista Italiana di Scienza Politica XIII 3 dez 1982

6 FERRERA M - I Welfare State in Italia Sviluppo e Crisi in prospectiva comparata Bologna II Mulino 1984

7 WERNECK VIANNA ML e AZEREDO DA SILVA B Interpretaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Social no Brasil uma Bibliografia Comentada in MPASCEPAL Economia e Desenvolvimento 6 Vol III Brasiacutelia 1989

8 Em trabalho anterior discuto a revisatildeo do conceito cepalino baacutesico de heterogeneidade estrutural a partir da literatura latino-americana sobre o tema destacando sua importacircncia para o entendimento da especificidade da realidade soc~al e poliacutetica no continente [POSSAS CA Epidemiologia e Sociedade Heterogeneidade Estrutural e Sauacutede no Brasil Satildeo Paulo HUCTTRC I QRQ)

188 Pll YSlS -- Revsta de Suacutedmiddot Caktiva Vai 2 Nuacutenwro 1 1902

sociedade e os trabalhadores de um lado e as fonas do mercado e a pcrvcrsishycio processo excludenle acumulaccedilatildeo na regiatildeo de oulro A capacidade

predat(Iacuteria deste uacuteltimo tem levado ao u~o frequumlente da denominaccedilatildeo capitashylismo selvagem

Tais restriccedilotildees que tanto tecircm dificultado o processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica no continente determinaram a consolidaccedilatildeo de padrotildees de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social que certamente natildeo se enquadram em qualquer das tipologias propostas Dificilmente um padratildeo de proteccedilatildeo social como o brasileiro ou o mexicano polleria ser illenuacuteficado simplesmeIlle pelos mecanismos de scletishyvidade que caracterizam o modelo residual ou pela vinculaccedilatildeo agrave inserccedilatildeo produtivasocial do modelo rneritocrdtico-partkularisla na classificaccedilatildeo mencionada de TitlllUSS (ou pelos graus de democratizaccedilatildeo que caracterIzam os modelos liheral conservador de Esping Andersen anterior-mente referidos)

Nesse aspecto discordamos da proposta de DraiheY sintetizada posshyteriormente no Relatoacuterio do NEPPUnicamp 10 quanto agrave possibilidade de situar o Brasil em uma posiccedilatildeo intermediaacuteria entre o Weltare residual e o Welfare redistributivo na tipologia de Ascoli 11 elaborada como referido anteriormente a partir da tipologia claacutessica de Titmuss 2 Essa proposta da autora encontra-se bem resumida naquele Relatoacuterio

Voltando ao caso hrasileiro a tipologia apresentada enfatiza principalshymente o binoacutemio mcritocrada-direitos nuacutenimos na orientaccedilatildeo das accedilotildees sociais elo Estado assim como crileacuterios residuais ou de scletividade verslS universashylismo para ati ngir eou incorporar grupos sociais particulares a seus henefiacutecios Sem nenhuma duacutevida eacute o princiacutepio do meacuterito entendida basicamente como a posiccedilatildeo ocupacional e de renda adquirida no niacutevel da estrutura produtiva que constitui a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de poliacutetica social ( ) Natildeo seraacute estranho pois afirmar ser o padratildeo brasileiro de Welfare State do tipo meritocraacutetico-particularista Na verdade a intervenccedilatildeo social do Esshytado estaacute fundada na capacidade contributiva do trabalhador sancionando aquilo que se pode chamar de distribuiccedilatildeo primaacuteria de renda

Dois pontos necesitam ~er destacados com relaccedilatildeo agraveproposta de Dnuacutebc O primeiro diz respeito necessidade de distinguir sobretudo nos paiacuteses

9 Ibidcm 10 Ver NEPPUNICAMP Brasil 1987 Relatoacuterio sobre a Situaccedililo Social do Pais Campinas

Editura llNICAMP 19 tI ASCOLl U Il Sistema iacutetallanu di WelfJre op dr 12 TITMUSS R fJssavs on the Welfare State on rir

Estado Movimentos Sociais e Reformas 189

capitalista perifeacutericos de industrializaccedilatildeo avanccedilada como o Brail e o Meacutexico sistema de proteccedilatildeo social e Welfare State Ainda que possuam sistemas plenamente estruturados de proteccedilatildeo social esses paiacuteses se encontram muito distanciados da possibilidade de consolidaccedilatildeo de um Welfare State ao contraacuterio do que alguns defensores da teoriadaconvergecircncia13 tentam fazer crer A noccedilatildeo de Welfare State pressupotildee uma base social e poliacutetica que define mesmo nas suas formas natildeo universalista (residual ou meacuteritocraacutetico-particularista um padratildeo minimamente estruturado de relacionamento entre a sociedade e o Estado Natildeo se trata portanto como se poderia contra-argumentar de recusar esta classificaccedilatildeo pela referecircncia a um modelo idealizado redistributivista de Welfare caracteriacutestico da social-democracia da qual modelos menos desenshyvolvidos natildeo poderiam se aproximar

O segundo refere-se agrave necessidade de distinguir na classificaccedilatildeo proposta por Ascoli14 natildeo apenas as condiccedilotildees de acesso dos usuaacuterios a benefiacutecios e serviccedilos mas sobretudo as condiccedilotildees objetivas de oferta destes benefiacutecios e serviccedilos Natildeo se trata aqui como nos paiacuteses mais desenvolvidos de mera questatildeo de opccedilatildeo quanto agrave estrateacutegia de poliacutetica social a ser adotada Eacute necessaacuterio no cao dos paiacuteses latino-americanos mencionados construir tiposhylogialt que efetivamente reflitam os condicionantes que definem naqueles paiacuteses os padrotildees existentes de relaccedilatildeo entre o Estado a sociedade e o mercado

Essas tipologias tendem a privilegiar as condiccedilotildees de acesso da demanda - que para distinguir os modelos satildeo a nosso ver i nsuficientes para dar conta dessa questatildeo Eacute necessaacuterio considerar especialmente nos paiacuteses latino-amerishycanos os determinantes que condicionam a oferta de benefiacutecios e serviccedilos que pela ausecircncia de mecanismos efetivos de controle social acabam se subordinando a uma loacutegica perversa de transferecircncia sem criteacuterios dos recursos puacuteblicos ao setor privado

Por isso preferimos denominar o modelo dominante de organizaccedilatildeo de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina de modelo estatal-privatista 15 cuja loacutegica

13 o fundamento da teoria da convergecircncia estaacute na ideacuteia de que todos os paiacuteses industrializados desenvolvidos ou natildeo tenderiam parawn padratildeo semelhante de Welfare State [WILENSKY H The Welfare State and Equality University of California Press California 1975] Uma discussatildeo desta teoria pode ser encontrada em MISHRA R Society and Social Policy Theories andPracticeofWelfare McMillan Press Londres 1982 e tambeacutem em COIMBRA MA Abordagens teoacutericas ao Estudo das Poliacuteticas Sociais in ABRANCHES S SANshyTOS WG e COIMBRA MA (orgs) Poliacutetica Social e Combate agrave Pobreza Ed Jorge Zahar Rio de Janeiro 1987

14 Ibidem 15 No caso da poliacutetica de sauacutede inuacutemeros trabalhos tecircm analisado desde a deacutecada de 1970 as

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de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

Estado Movimentos Sociais e Reformas 191

nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

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Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

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o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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A produccedilatildeo teoacuterica latino-americana sobre as tendecircncias da proteccedilatildeo social na regiatildeo tem tomado por referecircncia duas vertentes distintas embora estreitamente relacionadas da literatura internacional sobre o tema de um lado a construccedilatildeo de tipologias como referecircncia para a anaacutelise comparativa dos distintos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo de outro a reflexatildeo sobre os determinantes e as implicaccedilotildees da chamada crise do Welfare State

Na primeira vertente destacam-se duas tipologias a tipologia claacutessica de Titmuss l revista por Ascoli2 e usada por Draibe3 na anaacutelise da evoluccedilatildeo e das tendecircncias do modelo de proteccedilatildeo social no Brasil cujos componentes permishytem identificar trecircs tipos distintos de Welfare State com ecircnfase no seu aspecto redistributivo o residual caracterizado pela seletividade na accedilatildeo protetora do Estado em relaccedilatildeo aos segmentos sociais excluiacutedos da possibilidade de satisfashyccedilatildeo de necessidades baacutesicas o meritocraacutetico- particularista que vincula a proteccedilatildeo estatal e o desempenho dos grupos protegidos e finalmente o Welfare institucional redistributivo caracterizado por uma poliacutetica basicashymente universalista e igualitaacuteria que configuraria o modelo social-democrata de Welfare State

Em tipologia mais abrangente poreacutem anaacuteloga com ecircnfase na dimensatildeo poliacutetica de constituiccedilatildeo do Welfare-State no mundo contemporacircneo relacionashyda ao grau de democratizaccedilatildeo social do capitalismo alcanccedilado Esping-Anshydersen4 identifica trecircs modelos de Estado de Bem-Estar o liberal o conservashydor e o social-democrata

Ambas as tipologias caracterizam-se pela polaridade e orientam-se por um continuum que vai da maior agrave menor redistribuiccedilatildeo e do maior ao menor grau de democratizaccedilatildeo alcanccedilado pelas distintas sociedades capitalistas contemporacircneas

Outras tipologias como a de Alber5 que identifica vias distintas de sua constituiccedilatildeo (via bismarcldana versus via parlamentar) e a de Ferrera6 que

Ver TITMUSS R Essays on the Weifare State London Allen amp Unwin 1963 ASCOLI U II Sistema Italiano di Welfare in ASCOLI U (org) Weifare State ali Italiana Laterza Roma-Bari 1984 e DRAIBE SM Haacute tendecircncias e tendecircncias com que Estado de Bem-Estar Social haveremos de conviver neste fim de seacuteculo Trabalho apresentado no Seminaacuterio Brasil seacuteculo XXI UNICAMP abril de 1989 (mimeo)

2 ASCOLI U II Sistema italiano di Welfare op cito 3 DRAIBE SM Haacutetendecircncias e tendecircncias com que Estado de Bem-Estar Social haveremos

de conviver neste fnn de seacuteculo op cito 4 Uma discussatildeo dessa tipologia pode ser encontrada em ESPING-ANDERSEN G Power

anel Djtrihutiona1 Regimes in Polities and Society 14(2) 1985 pp 223-256

Estado Movimentos Sociais e Reformas 187

distingue o tipo continental e o tipo anglo-escandinavo de W elfare quanto ao predomiacutenio de benefiacutecios em dinheiro ou serviccedilos tambeacutem satildeo uma refeshyrecircncia

As tipologias na produccedilatildeo latino-americana

Satildeo inuacutemeros os esforccedilos de construccedilatildeo de tipologias dos Estados de Bem-Estar na Ameacuterica Latina tomando por base a vasta literatura internacional sobre o tema Uma boa siacutentese e discussatildeo dessa produccedilatildeo pode ser encontrada em Werneck Vianna e Azeredo da Silva bem como em outros autores o que nos dispensa dessa tarefa

Contudo a heterogeneidade estrutural8 que caracteriza hoje as sociedades latino-americanas justapondo formas avanccediladas de organizaccedilatildeo social e meshycanismos fraacutegeis de representaccedilatildeo poliacutetica pela inexistecircncia de partidos poliacutetishycos orgacircnicos e de sindicatos representativos torna por sua complexidade extremamente fraacutegeis as tentativas feitas para situar as estruturas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina nessas tipologias como mais uma das modalidades do Welfare State

Ao que tudo indica a especificidade da realidade social e da base poliacutetica nos paiacuteses do continente torna inadequada a referecircncia a tipologias desenvolshyvidas a partir de sociedades com elevado grau de maturidade social e poliacutetica

A anaacutelise das formas que assumiu a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer abordagem capaz de dar conta das condiccedilotildees peculiares que determinashyram o seu desenvolvimento e a configuraccedilatildeo atual em cada um dos paiacuteses da regiatildeo

Em muitos desses paiacuteses as restriccedilotildees apontadas na base social partidaacuteria e sindical tecircm dificultado historicamente o necessaacuterio enfrentamento entre a

5 ALBER1 Le origini deI Welfare State teorie ipotesi ed analisi empiricaRevista Italiana di Scienza Politica XIII 3 dez 1982

6 FERRERA M - I Welfare State in Italia Sviluppo e Crisi in prospectiva comparata Bologna II Mulino 1984

7 WERNECK VIANNA ML e AZEREDO DA SILVA B Interpretaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Social no Brasil uma Bibliografia Comentada in MPASCEPAL Economia e Desenvolvimento 6 Vol III Brasiacutelia 1989

8 Em trabalho anterior discuto a revisatildeo do conceito cepalino baacutesico de heterogeneidade estrutural a partir da literatura latino-americana sobre o tema destacando sua importacircncia para o entendimento da especificidade da realidade soc~al e poliacutetica no continente [POSSAS CA Epidemiologia e Sociedade Heterogeneidade Estrutural e Sauacutede no Brasil Satildeo Paulo HUCTTRC I QRQ)

188 Pll YSlS -- Revsta de Suacutedmiddot Caktiva Vai 2 Nuacutenwro 1 1902

sociedade e os trabalhadores de um lado e as fonas do mercado e a pcrvcrsishycio processo excludenle acumulaccedilatildeo na regiatildeo de oulro A capacidade

predat(Iacuteria deste uacuteltimo tem levado ao u~o frequumlente da denominaccedilatildeo capitashylismo selvagem

Tais restriccedilotildees que tanto tecircm dificultado o processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica no continente determinaram a consolidaccedilatildeo de padrotildees de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social que certamente natildeo se enquadram em qualquer das tipologias propostas Dificilmente um padratildeo de proteccedilatildeo social como o brasileiro ou o mexicano polleria ser illenuacuteficado simplesmeIlle pelos mecanismos de scletishyvidade que caracterizam o modelo residual ou pela vinculaccedilatildeo agrave inserccedilatildeo produtivasocial do modelo rneritocrdtico-partkularisla na classificaccedilatildeo mencionada de TitlllUSS (ou pelos graus de democratizaccedilatildeo que caracterIzam os modelos liheral conservador de Esping Andersen anterior-mente referidos)

Nesse aspecto discordamos da proposta de DraiheY sintetizada posshyteriormente no Relatoacuterio do NEPPUnicamp 10 quanto agrave possibilidade de situar o Brasil em uma posiccedilatildeo intermediaacuteria entre o Weltare residual e o Welfare redistributivo na tipologia de Ascoli 11 elaborada como referido anteriormente a partir da tipologia claacutessica de Titmuss 2 Essa proposta da autora encontra-se bem resumida naquele Relatoacuterio

Voltando ao caso hrasileiro a tipologia apresentada enfatiza principalshymente o binoacutemio mcritocrada-direitos nuacutenimos na orientaccedilatildeo das accedilotildees sociais elo Estado assim como crileacuterios residuais ou de scletividade verslS universashylismo para ati ngir eou incorporar grupos sociais particulares a seus henefiacutecios Sem nenhuma duacutevida eacute o princiacutepio do meacuterito entendida basicamente como a posiccedilatildeo ocupacional e de renda adquirida no niacutevel da estrutura produtiva que constitui a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de poliacutetica social ( ) Natildeo seraacute estranho pois afirmar ser o padratildeo brasileiro de Welfare State do tipo meritocraacutetico-particularista Na verdade a intervenccedilatildeo social do Esshytado estaacute fundada na capacidade contributiva do trabalhador sancionando aquilo que se pode chamar de distribuiccedilatildeo primaacuteria de renda

Dois pontos necesitam ~er destacados com relaccedilatildeo agraveproposta de Dnuacutebc O primeiro diz respeito necessidade de distinguir sobretudo nos paiacuteses

9 Ibidcm 10 Ver NEPPUNICAMP Brasil 1987 Relatoacuterio sobre a Situaccedililo Social do Pais Campinas

Editura llNICAMP 19 tI ASCOLl U Il Sistema iacutetallanu di WelfJre op dr 12 TITMUSS R fJssavs on the Welfare State on rir

Estado Movimentos Sociais e Reformas 189

capitalista perifeacutericos de industrializaccedilatildeo avanccedilada como o Brail e o Meacutexico sistema de proteccedilatildeo social e Welfare State Ainda que possuam sistemas plenamente estruturados de proteccedilatildeo social esses paiacuteses se encontram muito distanciados da possibilidade de consolidaccedilatildeo de um Welfare State ao contraacuterio do que alguns defensores da teoriadaconvergecircncia13 tentam fazer crer A noccedilatildeo de Welfare State pressupotildee uma base social e poliacutetica que define mesmo nas suas formas natildeo universalista (residual ou meacuteritocraacutetico-particularista um padratildeo minimamente estruturado de relacionamento entre a sociedade e o Estado Natildeo se trata portanto como se poderia contra-argumentar de recusar esta classificaccedilatildeo pela referecircncia a um modelo idealizado redistributivista de Welfare caracteriacutestico da social-democracia da qual modelos menos desenshyvolvidos natildeo poderiam se aproximar

O segundo refere-se agrave necessidade de distinguir na classificaccedilatildeo proposta por Ascoli14 natildeo apenas as condiccedilotildees de acesso dos usuaacuterios a benefiacutecios e serviccedilos mas sobretudo as condiccedilotildees objetivas de oferta destes benefiacutecios e serviccedilos Natildeo se trata aqui como nos paiacuteses mais desenvolvidos de mera questatildeo de opccedilatildeo quanto agrave estrateacutegia de poliacutetica social a ser adotada Eacute necessaacuterio no cao dos paiacuteses latino-americanos mencionados construir tiposhylogialt que efetivamente reflitam os condicionantes que definem naqueles paiacuteses os padrotildees existentes de relaccedilatildeo entre o Estado a sociedade e o mercado

Essas tipologias tendem a privilegiar as condiccedilotildees de acesso da demanda - que para distinguir os modelos satildeo a nosso ver i nsuficientes para dar conta dessa questatildeo Eacute necessaacuterio considerar especialmente nos paiacuteses latino-amerishycanos os determinantes que condicionam a oferta de benefiacutecios e serviccedilos que pela ausecircncia de mecanismos efetivos de controle social acabam se subordinando a uma loacutegica perversa de transferecircncia sem criteacuterios dos recursos puacuteblicos ao setor privado

Por isso preferimos denominar o modelo dominante de organizaccedilatildeo de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina de modelo estatal-privatista 15 cuja loacutegica

13 o fundamento da teoria da convergecircncia estaacute na ideacuteia de que todos os paiacuteses industrializados desenvolvidos ou natildeo tenderiam parawn padratildeo semelhante de Welfare State [WILENSKY H The Welfare State and Equality University of California Press California 1975] Uma discussatildeo desta teoria pode ser encontrada em MISHRA R Society and Social Policy Theories andPracticeofWelfare McMillan Press Londres 1982 e tambeacutem em COIMBRA MA Abordagens teoacutericas ao Estudo das Poliacuteticas Sociais in ABRANCHES S SANshyTOS WG e COIMBRA MA (orgs) Poliacutetica Social e Combate agrave Pobreza Ed Jorge Zahar Rio de Janeiro 1987

14 Ibidem 15 No caso da poliacutetica de sauacutede inuacutemeros trabalhos tecircm analisado desde a deacutecada de 1970 as

190 PIIYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

Estado Movimentos Sociais e Reformas 191

nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

194 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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distingue o tipo continental e o tipo anglo-escandinavo de W elfare quanto ao predomiacutenio de benefiacutecios em dinheiro ou serviccedilos tambeacutem satildeo uma refeshyrecircncia

As tipologias na produccedilatildeo latino-americana

Satildeo inuacutemeros os esforccedilos de construccedilatildeo de tipologias dos Estados de Bem-Estar na Ameacuterica Latina tomando por base a vasta literatura internacional sobre o tema Uma boa siacutentese e discussatildeo dessa produccedilatildeo pode ser encontrada em Werneck Vianna e Azeredo da Silva bem como em outros autores o que nos dispensa dessa tarefa

Contudo a heterogeneidade estrutural8 que caracteriza hoje as sociedades latino-americanas justapondo formas avanccediladas de organizaccedilatildeo social e meshycanismos fraacutegeis de representaccedilatildeo poliacutetica pela inexistecircncia de partidos poliacutetishycos orgacircnicos e de sindicatos representativos torna por sua complexidade extremamente fraacutegeis as tentativas feitas para situar as estruturas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina nessas tipologias como mais uma das modalidades do Welfare State

Ao que tudo indica a especificidade da realidade social e da base poliacutetica nos paiacuteses do continente torna inadequada a referecircncia a tipologias desenvolshyvidas a partir de sociedades com elevado grau de maturidade social e poliacutetica

A anaacutelise das formas que assumiu a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer abordagem capaz de dar conta das condiccedilotildees peculiares que determinashyram o seu desenvolvimento e a configuraccedilatildeo atual em cada um dos paiacuteses da regiatildeo

Em muitos desses paiacuteses as restriccedilotildees apontadas na base social partidaacuteria e sindical tecircm dificultado historicamente o necessaacuterio enfrentamento entre a

5 ALBER1 Le origini deI Welfare State teorie ipotesi ed analisi empiricaRevista Italiana di Scienza Politica XIII 3 dez 1982

6 FERRERA M - I Welfare State in Italia Sviluppo e Crisi in prospectiva comparata Bologna II Mulino 1984

7 WERNECK VIANNA ML e AZEREDO DA SILVA B Interpretaccedilatildeo e Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Social no Brasil uma Bibliografia Comentada in MPASCEPAL Economia e Desenvolvimento 6 Vol III Brasiacutelia 1989

8 Em trabalho anterior discuto a revisatildeo do conceito cepalino baacutesico de heterogeneidade estrutural a partir da literatura latino-americana sobre o tema destacando sua importacircncia para o entendimento da especificidade da realidade soc~al e poliacutetica no continente [POSSAS CA Epidemiologia e Sociedade Heterogeneidade Estrutural e Sauacutede no Brasil Satildeo Paulo HUCTTRC I QRQ)

188 Pll YSlS -- Revsta de Suacutedmiddot Caktiva Vai 2 Nuacutenwro 1 1902

sociedade e os trabalhadores de um lado e as fonas do mercado e a pcrvcrsishycio processo excludenle acumulaccedilatildeo na regiatildeo de oulro A capacidade

predat(Iacuteria deste uacuteltimo tem levado ao u~o frequumlente da denominaccedilatildeo capitashylismo selvagem

Tais restriccedilotildees que tanto tecircm dificultado o processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica no continente determinaram a consolidaccedilatildeo de padrotildees de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social que certamente natildeo se enquadram em qualquer das tipologias propostas Dificilmente um padratildeo de proteccedilatildeo social como o brasileiro ou o mexicano polleria ser illenuacuteficado simplesmeIlle pelos mecanismos de scletishyvidade que caracterizam o modelo residual ou pela vinculaccedilatildeo agrave inserccedilatildeo produtivasocial do modelo rneritocrdtico-partkularisla na classificaccedilatildeo mencionada de TitlllUSS (ou pelos graus de democratizaccedilatildeo que caracterIzam os modelos liheral conservador de Esping Andersen anterior-mente referidos)

Nesse aspecto discordamos da proposta de DraiheY sintetizada posshyteriormente no Relatoacuterio do NEPPUnicamp 10 quanto agrave possibilidade de situar o Brasil em uma posiccedilatildeo intermediaacuteria entre o Weltare residual e o Welfare redistributivo na tipologia de Ascoli 11 elaborada como referido anteriormente a partir da tipologia claacutessica de Titmuss 2 Essa proposta da autora encontra-se bem resumida naquele Relatoacuterio

Voltando ao caso hrasileiro a tipologia apresentada enfatiza principalshymente o binoacutemio mcritocrada-direitos nuacutenimos na orientaccedilatildeo das accedilotildees sociais elo Estado assim como crileacuterios residuais ou de scletividade verslS universashylismo para ati ngir eou incorporar grupos sociais particulares a seus henefiacutecios Sem nenhuma duacutevida eacute o princiacutepio do meacuterito entendida basicamente como a posiccedilatildeo ocupacional e de renda adquirida no niacutevel da estrutura produtiva que constitui a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de poliacutetica social ( ) Natildeo seraacute estranho pois afirmar ser o padratildeo brasileiro de Welfare State do tipo meritocraacutetico-particularista Na verdade a intervenccedilatildeo social do Esshytado estaacute fundada na capacidade contributiva do trabalhador sancionando aquilo que se pode chamar de distribuiccedilatildeo primaacuteria de renda

Dois pontos necesitam ~er destacados com relaccedilatildeo agraveproposta de Dnuacutebc O primeiro diz respeito necessidade de distinguir sobretudo nos paiacuteses

9 Ibidcm 10 Ver NEPPUNICAMP Brasil 1987 Relatoacuterio sobre a Situaccedililo Social do Pais Campinas

Editura llNICAMP 19 tI ASCOLl U Il Sistema iacutetallanu di WelfJre op dr 12 TITMUSS R fJssavs on the Welfare State on rir

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capitalista perifeacutericos de industrializaccedilatildeo avanccedilada como o Brail e o Meacutexico sistema de proteccedilatildeo social e Welfare State Ainda que possuam sistemas plenamente estruturados de proteccedilatildeo social esses paiacuteses se encontram muito distanciados da possibilidade de consolidaccedilatildeo de um Welfare State ao contraacuterio do que alguns defensores da teoriadaconvergecircncia13 tentam fazer crer A noccedilatildeo de Welfare State pressupotildee uma base social e poliacutetica que define mesmo nas suas formas natildeo universalista (residual ou meacuteritocraacutetico-particularista um padratildeo minimamente estruturado de relacionamento entre a sociedade e o Estado Natildeo se trata portanto como se poderia contra-argumentar de recusar esta classificaccedilatildeo pela referecircncia a um modelo idealizado redistributivista de Welfare caracteriacutestico da social-democracia da qual modelos menos desenshyvolvidos natildeo poderiam se aproximar

O segundo refere-se agrave necessidade de distinguir na classificaccedilatildeo proposta por Ascoli14 natildeo apenas as condiccedilotildees de acesso dos usuaacuterios a benefiacutecios e serviccedilos mas sobretudo as condiccedilotildees objetivas de oferta destes benefiacutecios e serviccedilos Natildeo se trata aqui como nos paiacuteses mais desenvolvidos de mera questatildeo de opccedilatildeo quanto agrave estrateacutegia de poliacutetica social a ser adotada Eacute necessaacuterio no cao dos paiacuteses latino-americanos mencionados construir tiposhylogialt que efetivamente reflitam os condicionantes que definem naqueles paiacuteses os padrotildees existentes de relaccedilatildeo entre o Estado a sociedade e o mercado

Essas tipologias tendem a privilegiar as condiccedilotildees de acesso da demanda - que para distinguir os modelos satildeo a nosso ver i nsuficientes para dar conta dessa questatildeo Eacute necessaacuterio considerar especialmente nos paiacuteses latino-amerishycanos os determinantes que condicionam a oferta de benefiacutecios e serviccedilos que pela ausecircncia de mecanismos efetivos de controle social acabam se subordinando a uma loacutegica perversa de transferecircncia sem criteacuterios dos recursos puacuteblicos ao setor privado

Por isso preferimos denominar o modelo dominante de organizaccedilatildeo de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina de modelo estatal-privatista 15 cuja loacutegica

13 o fundamento da teoria da convergecircncia estaacute na ideacuteia de que todos os paiacuteses industrializados desenvolvidos ou natildeo tenderiam parawn padratildeo semelhante de Welfare State [WILENSKY H The Welfare State and Equality University of California Press California 1975] Uma discussatildeo desta teoria pode ser encontrada em MISHRA R Society and Social Policy Theories andPracticeofWelfare McMillan Press Londres 1982 e tambeacutem em COIMBRA MA Abordagens teoacutericas ao Estudo das Poliacuteticas Sociais in ABRANCHES S SANshyTOS WG e COIMBRA MA (orgs) Poliacutetica Social e Combate agrave Pobreza Ed Jorge Zahar Rio de Janeiro 1987

14 Ibidem 15 No caso da poliacutetica de sauacutede inuacutemeros trabalhos tecircm analisado desde a deacutecada de 1970 as

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de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

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nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

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Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

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Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

188 Pll YSlS -- Revsta de Suacutedmiddot Caktiva Vai 2 Nuacutenwro 1 1902

sociedade e os trabalhadores de um lado e as fonas do mercado e a pcrvcrsishycio processo excludenle acumulaccedilatildeo na regiatildeo de oulro A capacidade

predat(Iacuteria deste uacuteltimo tem levado ao u~o frequumlente da denominaccedilatildeo capitashylismo selvagem

Tais restriccedilotildees que tanto tecircm dificultado o processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica no continente determinaram a consolidaccedilatildeo de padrotildees de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social que certamente natildeo se enquadram em qualquer das tipologias propostas Dificilmente um padratildeo de proteccedilatildeo social como o brasileiro ou o mexicano polleria ser illenuacuteficado simplesmeIlle pelos mecanismos de scletishyvidade que caracterizam o modelo residual ou pela vinculaccedilatildeo agrave inserccedilatildeo produtivasocial do modelo rneritocrdtico-partkularisla na classificaccedilatildeo mencionada de TitlllUSS (ou pelos graus de democratizaccedilatildeo que caracterIzam os modelos liheral conservador de Esping Andersen anterior-mente referidos)

Nesse aspecto discordamos da proposta de DraiheY sintetizada posshyteriormente no Relatoacuterio do NEPPUnicamp 10 quanto agrave possibilidade de situar o Brasil em uma posiccedilatildeo intermediaacuteria entre o Weltare residual e o Welfare redistributivo na tipologia de Ascoli 11 elaborada como referido anteriormente a partir da tipologia claacutessica de Titmuss 2 Essa proposta da autora encontra-se bem resumida naquele Relatoacuterio

Voltando ao caso hrasileiro a tipologia apresentada enfatiza principalshymente o binoacutemio mcritocrada-direitos nuacutenimos na orientaccedilatildeo das accedilotildees sociais elo Estado assim como crileacuterios residuais ou de scletividade verslS universashylismo para ati ngir eou incorporar grupos sociais particulares a seus henefiacutecios Sem nenhuma duacutevida eacute o princiacutepio do meacuterito entendida basicamente como a posiccedilatildeo ocupacional e de renda adquirida no niacutevel da estrutura produtiva que constitui a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de poliacutetica social ( ) Natildeo seraacute estranho pois afirmar ser o padratildeo brasileiro de Welfare State do tipo meritocraacutetico-particularista Na verdade a intervenccedilatildeo social do Esshytado estaacute fundada na capacidade contributiva do trabalhador sancionando aquilo que se pode chamar de distribuiccedilatildeo primaacuteria de renda

Dois pontos necesitam ~er destacados com relaccedilatildeo agraveproposta de Dnuacutebc O primeiro diz respeito necessidade de distinguir sobretudo nos paiacuteses

9 Ibidcm 10 Ver NEPPUNICAMP Brasil 1987 Relatoacuterio sobre a Situaccedililo Social do Pais Campinas

Editura llNICAMP 19 tI ASCOLl U Il Sistema iacutetallanu di WelfJre op dr 12 TITMUSS R fJssavs on the Welfare State on rir

Estado Movimentos Sociais e Reformas 189

capitalista perifeacutericos de industrializaccedilatildeo avanccedilada como o Brail e o Meacutexico sistema de proteccedilatildeo social e Welfare State Ainda que possuam sistemas plenamente estruturados de proteccedilatildeo social esses paiacuteses se encontram muito distanciados da possibilidade de consolidaccedilatildeo de um Welfare State ao contraacuterio do que alguns defensores da teoriadaconvergecircncia13 tentam fazer crer A noccedilatildeo de Welfare State pressupotildee uma base social e poliacutetica que define mesmo nas suas formas natildeo universalista (residual ou meacuteritocraacutetico-particularista um padratildeo minimamente estruturado de relacionamento entre a sociedade e o Estado Natildeo se trata portanto como se poderia contra-argumentar de recusar esta classificaccedilatildeo pela referecircncia a um modelo idealizado redistributivista de Welfare caracteriacutestico da social-democracia da qual modelos menos desenshyvolvidos natildeo poderiam se aproximar

O segundo refere-se agrave necessidade de distinguir na classificaccedilatildeo proposta por Ascoli14 natildeo apenas as condiccedilotildees de acesso dos usuaacuterios a benefiacutecios e serviccedilos mas sobretudo as condiccedilotildees objetivas de oferta destes benefiacutecios e serviccedilos Natildeo se trata aqui como nos paiacuteses mais desenvolvidos de mera questatildeo de opccedilatildeo quanto agrave estrateacutegia de poliacutetica social a ser adotada Eacute necessaacuterio no cao dos paiacuteses latino-americanos mencionados construir tiposhylogialt que efetivamente reflitam os condicionantes que definem naqueles paiacuteses os padrotildees existentes de relaccedilatildeo entre o Estado a sociedade e o mercado

Essas tipologias tendem a privilegiar as condiccedilotildees de acesso da demanda - que para distinguir os modelos satildeo a nosso ver i nsuficientes para dar conta dessa questatildeo Eacute necessaacuterio considerar especialmente nos paiacuteses latino-amerishycanos os determinantes que condicionam a oferta de benefiacutecios e serviccedilos que pela ausecircncia de mecanismos efetivos de controle social acabam se subordinando a uma loacutegica perversa de transferecircncia sem criteacuterios dos recursos puacuteblicos ao setor privado

Por isso preferimos denominar o modelo dominante de organizaccedilatildeo de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina de modelo estatal-privatista 15 cuja loacutegica

13 o fundamento da teoria da convergecircncia estaacute na ideacuteia de que todos os paiacuteses industrializados desenvolvidos ou natildeo tenderiam parawn padratildeo semelhante de Welfare State [WILENSKY H The Welfare State and Equality University of California Press California 1975] Uma discussatildeo desta teoria pode ser encontrada em MISHRA R Society and Social Policy Theories andPracticeofWelfare McMillan Press Londres 1982 e tambeacutem em COIMBRA MA Abordagens teoacutericas ao Estudo das Poliacuteticas Sociais in ABRANCHES S SANshyTOS WG e COIMBRA MA (orgs) Poliacutetica Social e Combate agrave Pobreza Ed Jorge Zahar Rio de Janeiro 1987

14 Ibidem 15 No caso da poliacutetica de sauacutede inuacutemeros trabalhos tecircm analisado desde a deacutecada de 1970 as

190 PIIYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

Estado Movimentos Sociais e Reformas 191

nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

194 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

Estado Movimentos Sociais e Reformas 189

capitalista perifeacutericos de industrializaccedilatildeo avanccedilada como o Brail e o Meacutexico sistema de proteccedilatildeo social e Welfare State Ainda que possuam sistemas plenamente estruturados de proteccedilatildeo social esses paiacuteses se encontram muito distanciados da possibilidade de consolidaccedilatildeo de um Welfare State ao contraacuterio do que alguns defensores da teoriadaconvergecircncia13 tentam fazer crer A noccedilatildeo de Welfare State pressupotildee uma base social e poliacutetica que define mesmo nas suas formas natildeo universalista (residual ou meacuteritocraacutetico-particularista um padratildeo minimamente estruturado de relacionamento entre a sociedade e o Estado Natildeo se trata portanto como se poderia contra-argumentar de recusar esta classificaccedilatildeo pela referecircncia a um modelo idealizado redistributivista de Welfare caracteriacutestico da social-democracia da qual modelos menos desenshyvolvidos natildeo poderiam se aproximar

O segundo refere-se agrave necessidade de distinguir na classificaccedilatildeo proposta por Ascoli14 natildeo apenas as condiccedilotildees de acesso dos usuaacuterios a benefiacutecios e serviccedilos mas sobretudo as condiccedilotildees objetivas de oferta destes benefiacutecios e serviccedilos Natildeo se trata aqui como nos paiacuteses mais desenvolvidos de mera questatildeo de opccedilatildeo quanto agrave estrateacutegia de poliacutetica social a ser adotada Eacute necessaacuterio no cao dos paiacuteses latino-americanos mencionados construir tiposhylogialt que efetivamente reflitam os condicionantes que definem naqueles paiacuteses os padrotildees existentes de relaccedilatildeo entre o Estado a sociedade e o mercado

Essas tipologias tendem a privilegiar as condiccedilotildees de acesso da demanda - que para distinguir os modelos satildeo a nosso ver i nsuficientes para dar conta dessa questatildeo Eacute necessaacuterio considerar especialmente nos paiacuteses latino-amerishycanos os determinantes que condicionam a oferta de benefiacutecios e serviccedilos que pela ausecircncia de mecanismos efetivos de controle social acabam se subordinando a uma loacutegica perversa de transferecircncia sem criteacuterios dos recursos puacuteblicos ao setor privado

Por isso preferimos denominar o modelo dominante de organizaccedilatildeo de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina de modelo estatal-privatista 15 cuja loacutegica

13 o fundamento da teoria da convergecircncia estaacute na ideacuteia de que todos os paiacuteses industrializados desenvolvidos ou natildeo tenderiam parawn padratildeo semelhante de Welfare State [WILENSKY H The Welfare State and Equality University of California Press California 1975] Uma discussatildeo desta teoria pode ser encontrada em MISHRA R Society and Social Policy Theories andPracticeofWelfare McMillan Press Londres 1982 e tambeacutem em COIMBRA MA Abordagens teoacutericas ao Estudo das Poliacuteticas Sociais in ABRANCHES S SANshyTOS WG e COIMBRA MA (orgs) Poliacutetica Social e Combate agrave Pobreza Ed Jorge Zahar Rio de Janeiro 1987

14 Ibidem 15 No caso da poliacutetica de sauacutede inuacutemeros trabalhos tecircm analisado desde a deacutecada de 1970 as

190 PIIYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

Estado Movimentos Sociais e Reformas 191

nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

194 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

190 PIIYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

de organizaccedilatildeo e operaccedilatildeo subordina-se ao processo de privatizaccedilatildeo do Esshytado16 que permeia o aparato estatal na atual etapa monopolista no mundo contemporacircneo- que certamente vale destacar natildeo eacute um fenocircrneno exclushysi vo da Ameacuterica Latina O que caracteriza a realidade latino-americana eacute o fato de que este processo de privatizaccedilatildeo do aparato estatal acaba no continente assumindo uma face mais perversa ao subordinar as condiccedilotildees de acesso a benefiacutecios serviccedilos agrave dinacircmica da acumulaccedilatildeo privada pela ausecircncia de mecanismos poliacuteticos e institucionais de defesa de amplos segmentos da sociedade frente natildeo soacute ao mercado como agrave utilizaccedilatildeo do aparelho de Estado em benefiacutecio de interesses particularistas

Nas trecircs tiacutelHmas deacutecadas o modelo estatal-privatista se consolidou nos paiacuteses da regiatildeo num cenaacuterio bastante complexo de profundas e raacutepidas transformaccedilotildees onde se destacam

1 aace1erada transiccedilatildeo denlOgraacutefica e epidemioloacutegica que altera radicalshymente a estmtura etaacuteria pela queda na fecundidade e o aumento na expectativa de vida e muda o perfil de morbi-mortalidade de populaccedilatildeo com evidente impacto sobre a demanda por benefiacutecios c serviccedilos junto aos sistemas de proteccedilatildeo social de sauacutede

2 a crise fiscal do Estado17 agravada pela exclusatildeo de grandes continshygentes em relaccedilatildeo ao processo produtivo desencadeando u movimento racioshy

earaetensticas desse modelo no Brasil destacando o padratildeo perverso em que se estabeleceu a relaccedilatildeo puacuteblicoprivado no complexo meacutedico-industrial A esse respeito ver entre outros os trabalbus de AROUCA AS S dilema prevenLiacutevista contribuiacuteccedilatildeo para a compreensatildeo e criacutetica da medicina preventiva tese de doutoramento apresentada agrave Faculdade de Ciecircncias Meacutedlcas UNICAMP Campinas 1975 DONNANGELO MCF Medicina e Sociedade Pioneira Satildeo Paulo 1975 CORDEIRO HA A Induacutestria da Sauacutede no Brasil Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1976 GENTILE DE MELLO C Saade e Assistecircncia Meacutedica no Brasil CEHESIHUClTEC Satildeo Paulo 1977 LUZ MTAs Instituiccedilotildees Meacutedicas Brasil Instituiccedilatildeo e Estrateacutegia de Hegemonia Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1979 BRAGAl C c GOES DE PAULA S Sauacuteck e Previdencia Estudos de Poliacutetica Social CEBESIHUCIshyTEC Satildeo Paulo 1981 POSSAS cA Sauacutede e Trabalho a crise da Previdecircncia Social Ediccedilotildees Graal Rio de Janeiro 1981 TEIXEIRA SMfi e OLNEIRA J (lm)Prevideacutencia Social 60 anos de histOacuteria da Previdecircncia Brasil Vozes ABRASCO Rio Janeiro 1985

16 Para discussatildeo do conCcedilt~ito privatizaccedilatildeo do Estado ver INGRAO PAs massas e o poder Civilizaccedilatildeo Brasileira Rio de Janeiro 1980 Segundo este autor ao longo do poacutes-guerra interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas du aparelho do Estado e seria exatamente- este controle privado que retiraria o caraacuteter puacuteblico da accedilatildeo estatal No Brasil um trabalho pioneiro nesse sentido foi realizado por Martins L em seu artigo Estatizaccedilatildeo Ecollomiacutea ou Privatiacutezaoratildeo do Estado in Ensaios de Opiniatildeo vol 9 Rio de Janeiro 1978

Estado Movimentos Sociais e Reformas 191

nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

194 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero I 1992

do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

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Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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nalizador de enxugamento da participaccedilatildeo do Estado no financiamento da oferta puacuteblica de benefiacutecios e serviccedilos

3 a raacutepida emergecircncia e consolidaccedilatildeo das di versas modalidades do seguro privado autocircnomo abrangendo ampla gama de benefiacutecios e seguro-sauacutede fenoacutemeno importante da deacutecada de 80em vaacuterios paiacuteses daregiatildeo estabelecendo novos padrotildees na relaccedilatildeo puacuteblicoprivado que fundamenta o modelo estatal privatista18

4 a heterogeneidade na base tecnoloacutegica com raacutepida incorporaccedilatildeo de tecnologia pelos setores mais dinacircmicos da economia e estagnaccedilatildeo e sucateashymento dos setores mais arcaicos

5 a questatildeo urbana certamente um dos temas mais importantes para a poliacutetica social na regiatildeo e com frequumlecircncia negligenciado pela produccedilatildeo acadecircshymica latino-americana resultante da mobilidade populacional estimulada pela urbanizaccedilatildeo acelerada nas uacuteltimas deacutecadas e pela expansatildeo das megaloacutepoles

6 e finalmente a instabilidade poliacutetica no processo de transiccedilatildeo demoshycraacutetica em vaacuterios paiacuteses da regiatildeo pela dificuldade de constituir formas de organizaccedilatildeo de vida social capazes de representar seus interesses no interior do Estado

Acreditamos portanto que a identificaccedilatildeo e caracterizaccedilatildeo de um padratildeo especiacutefico de organizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina - o modelo estatal-privatista no nosso entender - permitiria transcender os limites de tipologias referidas a Estados de Bem-Estar consolidados resgatando os conshydicionantes econoacutemicos e poliacuteticos que definem sua especificidade

Em siacutentese mais do que na referecircncia a tipologias nessa imbricaccedilatildeo cada vez maior entre as esferas do econoacutemico e do poliacutetico que caracteriza o capitalismo monopolista de Estado no mundo contemporacircneo devem ser

17 Para OConnor a crise fiscal do Estado resulta do fato de que embora o Estado tenha socializado os custos de capital o excedente social (inclusive lucros) continua a sofrer apropriaccedilatildeo privada A socializaccedilatildeo dos custos e a apropriaccedilatildeo privada dos lucros geram uma crise fiscal ou uma brecha estrutural entre as despesas do Estado e suas receitas O resultado eacute uma tendecircncia para as despesas puacuteblicas crescerem mais rapidamente do que os meios de financiaacute-las [OCONNOR J The Fiscal Crisis and the State St Martins Press New York 1973]

18 Ao contraacuterio do que muitos supotildeem a emergecircncia nos anos 80 de formas supostamente autocircnomas com relaccedilatildeo ao Estado de modalidades diversas de seguro privado no continente natildeo nega a existecircncia de um modelo estatal-privatista mas ao contraacuterio tende cada vez mais a reforccedilaacute-lo pelo estabelecimento de formas mais sutis de rebaixamento dos custos atraveacutes da oferta pelo Estado em aacutereas estrateacutegicas de benefiacutecios e serviccedilos puacuteblicos aos contrishybuintes daquelas modalidades de seguro

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bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

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Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

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da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

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Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

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de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

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o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

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eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

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praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

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a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

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Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

192 PHYSIS - RCvista de Sauacutede (oletiva VoL 2 Nuacutemero I J092

bUicados de fOffim criativa e atraveacutes das necessaacuterias mediaccedilotildees os determishynantes da organizaccedilatildeo aluaI da proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina explicitando a forma especiacutefica com que este processo se apresenta na regiuumlo

Qual crise do Estado

A crisc do Estado de Bem-Estar Social aparece como questatildeo central no debate poliacutetico e nos meios acadecircmicos dos paiacuteses desenvolvidos sohreshytudo na Europa desde meados dos anos 70 Estimulado pelos ecircxitos eleitoshyrais das correntes neoliberais o tema resultou em vasta poleacutemica produzatildeo teoacuterica

Destacam-se nesta perspectiva os trabalhos de Offe19 Habermas2deg Przeworski21 e outros

Offe tenta romper com a visatildeo que tcnde desde poacutes-guerra identificar de forma inexoraacutevel as democracias capitalistas e o Estado de Bem-Estar Ao consolidarem o poder poliacutetico dos assalariados estas democracia criaram a base social necessaacuteria poliacuteticas sociais que caracterizam o Estado BemshyEstar Ao mesmo tempo a integraccedilatildeo poliacutetica e social dessa massa de asshysalariados permitiu reduzir a intensidade do conflito poliacutetico conferindo maior estabilidade agraves instituiccedilotildees democraacuteticas

Contudo Offe destaca que no periacuteodo recente se rompe essa solidariedade entre instituiccedilotildees democraacuteticas e o intervencionismo estatal um bom indicador dessa ruptura foram os importantes avanccedilos ideoloacutegicos e eleitorais dos neolishyberais

Offe atrihui esta ruptura agraves profundas mudanccedilas na estmtura social naquelas democraciagt que fizeram com que cada vez mais os trabalhadores assalariados dcixa)sem de ser um ator coletivo politicamente exprcssi voo

As raacutepidas mudan~as nas formas de expressatildeo dos interesses organizados - a questatildeo do neocorporativismo e suas consequumlecircncias poliacuteticas - resultam segundo Offe da proacutepria interaccedilatildeo desses interesses com as agecircncias do Estado de Bem-Estar que tende fragmentaacute-Ia

Contudo a anaacutelise de Offe natildeo se limita a essas mudanccedilas na forma de expressatildeo poliacutetica da massa agtsalariada Procura ir aleacutem e discutir as mudanccedilas estruturais que estatildeo na proacutepIia origem dessa dissoluccedilatildeo da identidade coletiva da classe trabalhadora

19 OFf-iE C Capitalismo Desorganizado Editora Brasiliense S Paulo lY89 20 HABERMAS The theory actiacuteon Beacon Press BostOD 987 21 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia Cia das Letras Satildeo Paulo 1989

Estado Movimentos Sociais e Reformas 193

Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

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Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

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Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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Retoma nesta perspectiva questotildees estruturais jaacute presentes na literatura relacionadas ao impacto das novas formas assumidas pela estrutura industrial e da consequumlente segmentaccedilatildeo do mercado de trabalho sobre a luta poliacutetica dos trabalhadores rompendo com certa visatildeo marxista ortodoxa que insiSte em ver a classe operaacuteria como condutora privilegiada da histoacuteria

Offe vai longe em sua anaacutelise heterodoxa e questiona o trabalho como categoria socioloacutegica chave Identificando aqui o ponto central da crise do Estado de Bem-Estar afirma que a esfera do trabalho e da produccedilatildeo em consequumlecircncia da implosatildeo de seu poder de determinar a vida social perde sua capacidade de estruturaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo liberando assim novos campos de accedilatildeo caracterizados por novos agentes e por uma nova forma de rac ional idade

Como consequumlecircncia desse processo nas sociedades desenvol vidas novas questotildees passam a ser objeto da disputa poliacutetica (a ecologia a paz os direitos humanos e civis a proteccedilatildeo das minorias) ocupando o espaccedilo antes privilegiashydo da luta de classes conduzida pelos trabalhadores organizados

Da mesma forma Habermas22 em sua Teoria da Accedilatildeo Comunicativa retrata a estrutura e a dinacircmica das sociedades modernas a partir de sua visatildeo criacutetica da predominacircncia epistemoloacutegica do trabalho no marxismo23

Przeworski24 em abordagem semelhante sob certos aspectos destaca as profundas transformaccedilotildees dos objetivos de organizaccedilatildeo poliacutetica dos trabashylhadores que passaram a reivindicar seu direito a bens e serviccedilos na condiccedilatildeo de cidadatildeos rompendo com uma perspectiva estrita de classe e abandonando as palavras de ordem revolucionaacuterias Tais transformaccedilotildees mostram ser incorshyreto segundo o autor o pressuposto marxista que afirma a impossibilidade de conciliaccedilatildeo quanto ao conflito redisuacuteibutivo entre capitalismo e democracia desmentida pelas experiecircncias democraacuteticas deste seacuteculo

Um ponto central que parece consensual entre os vaacuterios autores abordashydos diz respeito agraves profundas transformaccedilotildees estruturais no mundo contemposhyracircneo Antigas formas de relaccedilatildeo entre a classe trabalhadora e o Estado que estiveram na origem do Estado de Bem-Estar Social foram destruiacutedas

N a agenda poliacutetica surgem novos atores e novas questotildees cujas repercusshysotildees ainda satildeo objeto de conjecturas Uma delas eacute a de que a redistribuiccedilatildeo sem dor da social-democracia estaria fadada ao fracasso pelo fortalecimento

22 HABERMASJ ibidem 23 GIDDENS A Labour and lnteraction in THOMPSON l B amp HELDD (eds) Habershy

mas Criticai Debates (Londres 1982 p 152 24 PRZEWORSKI A Capitalismo e Social-Democracia op cito

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

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o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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do ideaacuterio neoliberal e pela crise de legitimaccedilatildeo do capitalismo tardio que se manifestaria ateacute mesmo segundo Offe no caso excepcional e arquetiacutepico de Welfare State bem sucedido

Estas conjecturas no entanto carecem de comprovaccedilatildeo empiacuterica Ao contraacuterio ao que tudo indica a crise dos Estados de Bem-Estar parece estar conduzindo muito mais a ajustes na sua trajetoacuteria incorporando novos atares poliacuteticos - cidadatildeos ao inveacutes de trabalhadores - no processo de negociaccedilatildeo poliacutetica entre Estado e sociedade que viabiliza a poliacutetica social puacuteblica caracteriacutestica do Welfare State

Na Inglaterra a tentativa frustrada do governo neoliberal de Tatcher de promover cortes expressivos no gasto social esbarrando nas resistecircncias dos cidadatildeos frente agrave possibilidade de perda dos direitos conquistados eacute um bom exemplo da capacidade de sobrevivecircncia das conquistas sociais no Estado de Bem-Estar

N a Ameacuterica Latina a principal dificuldade diz respeito a nosso ver agrave tendecircncia na produccedilatildeo mais recente sobre o tema a privilegiar como referecircncia analiacutetica umasuposta crise do Welfare State frequumlentementeidentificada num elevado niacutevel de abstraccedilatildeo com a crise global do Estado capitalista sem que se estabeleccedilam as necessaacuterias mediaccedilotildees para dar conta de situaccedilotildees concretas e da especificidade dos casos nacionais

Outra dificuldade importante diz respeito agraveexcessiva compartimentalizashyccedilatildeo do referencial teoacuterico empregado pelas ciecircncias econoacutemicas e ciecircncias poliacuteticas as primeiras tentando dar conta da falecircncia da poliacutetica econoacutemica keynesiana as segundas buscando novas abordagens que permitam classificar os diferentes tipos de Welfare State de acordo com os distintos padrotildees de crescimento dos sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social e as articulaccedilotildees entre suas poliacuteticas sociais e alt outras esferas de decisatildeo

Existe afinal uma crise do Welfare State Esta crise se existente eacute o resultado necessaacuterio da crise que se verifica na poliacutetica econoacutemica keynesiana - isto eacute no padratildeo de intervenccedilatildeo estatal do poacutes-guerra - no plano internashycional Como tendecircncia poder -se-ia afirmar que a proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina como reflexo dessa suposta crise dos Estados de Bem~Estar evoluiraacute progressi vamente para padrotildees neoliberais que inviabilizam as reformas sociais

necessaacuterias

Nossa resposta provisoacuteria agraves perguntas acima eacute natildeo A nosso ver todas as evidecircncias parecem apontar no sentido de que o Welfare State veio para ficar e tende a se consolidar nos paiacuteses onde se implantou apesar das tentativas conservadoras de cortes de gastos sociais que acabam esbarrando na resistecircncia

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da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

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de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

Estado Movimentos Sociais e Reformas 195

da sociedade que deseja a permanecircncia dos direitos conquistados -como por exemplo no caso da Inglaterra

Natildeo haacute propriamente uma crise do Welfare State como aliaacutes bem colocou Giovanni Berlinguer25 em mais de uma oportunidade Eacute preciso natildeo confundir a falecircncia evidente das formas keynesianas de intervenccedilatildeo econocircmica do Estado com suas poliacuteticas de pleno emprego de controle limitado do gasto puacuteblico e de expansatildeo monetaacuteria e uma suposta crise de seu padratildeo correlato de intervenccedilatildeo do Estado no social

Eacute justamente o discurso conservador e neoliberal que unifica indeshyvidamente essas duas dimensotildees - de poliacutetica econocircmica e de poliacutetica social - da questatildeo ao assumir uma postura ideoloacutegica indiscriminada e anacrocircnica de aversatildeo a qualquer forma de participaccedilatildeo estatal

A crise econocircmica dos anos 80 e a falecircncia do intervencionismo keynesiano

Os anos 80 constituiacuteram um periacuteodo de profunda transformaccedilatildeo que se seguiu agravecrise econoacutemica iniciada na deacutecada anterior Nesse periacuteodo observoushyse uma reduccedilatildeo generalizada do crescimento econocircmico acompanhada de inflaccedilatildeo e desemprego Em particular na Ameacuterica Latina onde o investimento bruto total (puacuteblico e privado) caiu de 231 do PIB em 1980 para 164 em 1985 (pREALC)26 como resultado do endividamento externo e da inflaccedilatildeo que erodiram a capacidade de investimento

Esta crise marcou o encerramento do periacuteodo de intenso crescimento econoacutemico no plano internacional iniciado logo apoacutes a Segunda Guerra Munshydial que assegurou por algumas deacutecadas a hegemonia dos instrumentos anticiacuteshyclicos do keynesianismo

Diante dessa crise - distinta da de 1929 por refletir profundas mudanccedilas estruturais particularmente tecnoloacutegicas aleacutem de iacutendices muito menores de desemprego e destruiccedilatildeo de capital - tornou-se necessaacuterio definir novos

instrumentos de poliacutetica econocircmica capazes de alsegurar a capacidade de inserccedilatildeo competitiva dos paiacuteses capitalistas num novo quadro econocircmico internacional Quais as consequumlecircncias principais muito brevemente dessa mudanccedila de instrumentos

25 BERLINGUERG Apresentaccedilatildeo em Seminaacuterio interno ENSP FIOCRUZ 1989 26 PREALC Deuda Social Que es quanto es y como si paga PREALC Santiago de Chile

1988

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

196 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1992

Em primeiro lugar eacute importante natildeo confundir a falecircncia das formas anteriores de intervenccedilatildeo estatal chamadas keynesianas com uma suposta falecircncia geneacuterica da intervenccedilatildeo econoacutemica do Estado no capitalismo contemshyporacircneo como pretende o discurso neoliberal Ao contraacuterio os dados disshyponiacuteveis apontam para uma crescente participaccedilatildeo do Estado nas economias capitalistas seja como produtor direto atraveacutes de empresas em setores esshytrateacutegicos de infra-estrutura seja atraveacutes das poliacuteticas macroeconoacutemicas shyfiscal monetaacuteria e de rendas - e dos investimentos sociais

No que diz respeito agrave falecircncia dos instrumentos da poliacutetica keynesiana (pleno emprego flexibilidade no gasto puacuteblico e expansatildeo monetaacuteria) faremos apenas algumas breves consideraccedilotildees uma vez que natildeo eacute este o objeto de nosso trabalho Em seu famoso ensaio de criacutetica agrave visatildeo keynesiana Kalecki (1943) jaacute advertira para a impossibilidade de conciliar crescimento econoacutemico estaacutevel e pleno emprego uma vez que o fortalecimento do poder de negociaccedilatildeo dos assalariados pela perda do efeito disciplinador do medo do desemprego desestimularia o investimento

Nos paiacuteses centrais corno se sabe governos conservadores e social-deshymocratas foram obrigados a praticar poliacuteticas restritivas em diferentes momenshytos ao longo dos anos 80 envolvendo em alguma medida o controle do gasto puacuteblico e urna poliacutetica monetaacuteria riacutegida a fim de realizar um processo de ajustamento estrutural de sua economias

Natildeo estava em jogo apenas reduzir a inflaccedilatildeo e o deacuteficit puacuteblico que atingia a maioria dos paiacuteses mas recuperar o crescimento da produtividade e do potencial competitivo abalado por muitos anos de semi-estagnaccedilatildeo e de poliacuteticas econoacutemicas complacentes

Nesse periacuteodo as diferenccedilas entre as poliacuteticas mais e menos conservadoshyras dizem respeito menos a essa necessidade estrutural do ajustamento das economias capitalistas desenvolvidas agraves exigecircncias das novas tecnologias do que agrave maior ou menor sensibilidade dos governos agrave dimensatildeo social do ajustamento - isto eacute agrave intensidade das poliacuteticas restritivas ao gasto puacuteblico e agrave maior ou menor preservaccedilatildeo dos sistemas de proteccedilatildeo social existentes

Tendecircncias da proteccedilatildeo social neoliberalismo e reformas

Como bem aponta Isuani27 o neoconservadorismo para aleacutem de suas criacuteticas ao Estado de Bem-Estar natildeo parece decidido a suprimir as instituiccedilotildees

27 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social trabalho apresentado agravereuniatildeo sobre Estado Econorniae Sauacutede OPS-UDUAL-UNICAMP Campinas julho de 1990

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

Estado Movimentos Sociais e Reforma~ 197

de poliacutetica social jaacute eacutelue no contexto de nSl1tuiccedilotildecs democraacuteticas em funcioshynamento satildeo ferramentas indispensaacuteveis para compensar as feridas de legitishymaccedilatildeo que o ataque ao keynesianislllo produz no corpo sodal

Este autor lemhraaindaque P-Uacl conjunto de paiacuteses OCDE (Canadaacute Franccedila Itaacutelia Japatildeo Sueacutecia Gratilde-Bretanha EUA e Alemanha Ocidental) o gasto social aumentou sem cessar entre 1960 c 199 1 sendo o incremento mais importante produzido entre 1974 19R1 anos especialmente criacuteticos Mostra que apesar da reduccedilatildeo no ritmo de crescimento do gasto social entre 1974 e 1981 a taxa de incremento do gasto puacuteblico total foi ainda muito menor (OCDE)28 Em siacutentese conclui que natildeo houve um ataque direcionado ao gasto social como tal ao contraacuterio o gasto puacuteblico natildeo social parece ter sido o mais desfavorecido

Na Ameacuterica Latina o impacto da crise econocircmica dos anos 80 foi certamente maior No Brasil por exemplo os gastos do governo federal nas aacutereas que vinham crescendo nos trecircs primeiros anus da deacutecada de 80 sofreram sensiacutevel reduccedilatildeo em 1983 e 1984 anos em que a crise econocircmica atingiu as financcedilas puacuteblicas mais duramente Satildeo dados limitados agrave esfera federal Nfio se pode porlanto confrontaacute-los com a evoluccedilatildeo dos gasios natildeo sociais como nos paiacuteses da OCDE Mesmo assim eacute possiacutevel constatar que a recuperaccedilatildeo ocorrida no Brasil a partir de 1995 natildeo permitiu que se alcanccedilasse o gasto social per capita observado em 1982 Esta recuperaccedilatildeo deveu-se basicamente ao comportamento dos recursos do orccedilamento fiscal que qualte duplicaram cm 1~87 com relaccedilao a 1984 (IPEA)

Nos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina tambeacutem se observa nesse periacuteodo expressiva queda do galtto social associada agrave reduccedilatildeo do gasto puacuteblico global aumenlando a rcgressi vidade dos respectivos sistemas de proteccedilao social pela diminuiccedilatildeo do montante e da qualidade dos henefiacutecios e serviccedilos oferecidos agrave populaccedilatildeo coberta

Dados do PREALC mostram que simultaneamente a essa diminuiccedilatildeo do gasto social eacute possiacutevel constatar em 1985 clara deterioraccedilatildeo da qualidade de vida no continente latino-americano Nesse ano a percentagem de pobres da popuhH~atildeo voltou aos lUacuteVCIS de 1970 com expressivo incremenlo absolulo da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza

28 OCDE SxiaJ EXPCllditures 1960-1990 Prohlems ofGrllwth and (ontro] OFCO Paris 1985

29 IPEA A Conla Social Revisitada 198011987 Coonlenadnria de Sauacutede e Pwvidellcia Social Brasiacutelia maio de 1989

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

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praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

198 PHYSIS - Revista de Sauacutede Coletiva Vol 2 Nuacutemero 1 1992

o agravamento dessa situaccedilatildeo coloca importantes desafios para os sisshytemas existentes de proteccedilatildeo social mas seria incorreto identificar numa perspecti va injustificada uma niacutetida tendecircncia ao colapso desses sistemas

Eacute fundamental destacar os limites de uma anaacutelise dos sistemas de proteccedilatildeo social centrada exclusivamente na evoluccedilatildeo de sua base de financiamento Aleacutem disso eacute importante priorizar aqui questotildees centrais de natureza esshysencialmente poliacutetica que transcendem os condicionantes do financiamento apontando as dificuldades que as complexas estruturas burocraacuteticas do Estado contemporacircneo em particular na Ameacuterica Latina costumam colocar agrave adequashyda utilizaccedilatildeo dos recursos destinados agraves aacutereas sociais pela interferecircncia do clientelismo do corporativismo e das aacutereas de influecircncia do setor privado da economia

Em outras palavras a identificaccedilatildeo de tendecircncias diferenciadas nos sisshytemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina requer que se vaacute aleacutem de uma visatildeo estritamente econocircmica na construccedilatildeo dos cenaacuterios possiacuteveis Por supor um padratildeo imutaacutevel de ineficiecircncia do aspecto do Estado eacute problemaacutetica essa ecircnfase nos aspectos essencialmente quantitativos da anaacutelise que confronta a evoluccedilatildeo da base de financiamento desses sistemas com o impacto crescente dos benefiacutecios e serviccedilos associados ao envelhecimento da populaccedilatildeo coberta e agraves mudanccedilas sociais

Mais do que isso a explicitaccedilatildeo dessas tendecircncias na Ameacuterica Latina requer uma anaacutelise poliacutetica que considere as raiacutezes e a especificidade das condiccedilotildees histoacutericas desses paiacuteses Tais condicionantes se expressam nas relaccedilotildees de inclusatildeo e exclusatildeo da populaccedilatildeo coberta pelos diferentes sistemas de proteccedilatildeo social na sua maior ou menor progressividade e nos seus viacutenculos com o sistema poliacutetico

O exame dessas tendecircncia e da viabilidade das reformas sociais na Ameacuterica Latina requer portanto a superaccedilatildeo de certa visatildeo ainda bastante disseminada na literatura e no debate poliacutetico sobre o tema a de um antagonisshymo necessaacuterio entre uma suposta tendecircncia ao neoliberalismo econocircmico e as reformas sociais

Como vimos anteriormente uma anaacutelise dos Estados de Bem-Estar no mundo contemporacircneo mostra que poliacuteticas econocircmicas restritivas natildeo tecircm correspondido necessariamente nos paiacuteses capitalistas desenvolvidos a poliacutetishycas sociais de cunho conservador

A viabilidade das reformas sociais natildeo se apoacuteia portanto exclusivamente nos mecanismos econocircmicos de financiamento Ela diz respeito aos conshydicionantes de natureza poliacutetica e administrativa que impedem o aumento da

Estado Movimentos Sociais e Reformas 199

eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

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eficiecircncia do aparato estatal necessaacuterio agrave formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo dessas reformas

O dimensionamento dos recursos necessaacuterios agrave erradicaccedilatildeo da miseacuteria no continente latino-americano e agrave passagem deste a niacuteveis menos perversos de pobreza tem sido feito por inuacutemeros autores No caso brasileiro estudos como os de Jaguari be30 e Lessa31 mostram que esse esforccedilo pode envol ver recursos econoacutemicos bastantes inferiores ao que usualmente se supotildee desmistificando a excessiva importacircncia atribuiacuteda a esta restriccedilatildeo

Neste aspecto discordamos da proposiccedilatildeo final do trabalho de Isuani32

Diz o autor Acreditamos que na crise eacute especialmente necessaacuterio que o Estado compartilhe responsabilidades com as associaccedilotildees natildeo lucrativas da sociedade civil Jaacute natildeo se pode confiar em um Estado que prometeu e convenceu a sociedade de que podia resol ver todos os seus problemas o Estado oni potente e centralista Devolver responsabilidades agrave sociedade civil por tudo aquilo que estaacute em suas matildeos fazer natildeo eacute outra coisa senatildeo consolidar a participaccedilatildeo e fortalecer instacircncias de poder democraacutetico para que elas definam e administrem as respostas aos problemas que enfrentam Essas instacircncias seguramente teratildeo um conhecimento mais proacuteximo dos problemas e um maior potencial criativo para projetar soluccedilotildees

Esta proposiccedilatildeo incorpora anaacutelises recentes nos paiacuteses centrais nos quais se observa a transiccedilatildeo do Estado de Bem-Estar agrave Sociedade de Bem-Estar como resultado da crescente participaccedilatildeo direta das organizaccedilotildees da sociedade civil na definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Sem evidentemente excluir a validade local ou setorial desse tipo de medida nos paiacuteses da periferia capitalista como o Brasil devemos reconhecer que como proposta geral essa possibilidade eacute inviaacutevel Isto se deve de um lado aos condicionantes impostos pela exclusatildeo econoacutemica e social de grandes contingentes populacionais o que reduz a niacuteveis insignificantes o poder de compra da maioria da populaccedilatildeo restringindo sua oferta autoacutenoma de serviccedilos atraveacutes de mutirotildees e serviccedilos pessoais natildeo qualificados De outro lado a especificidade do processo de democratizaccedilatildeo nestes paiacuteses tem colocado claros limites agraves formas autocircnomas de organizaccedilatildeo poliacutetica da sociedade

No Brasil por exemplo somente apoacutes a Segunda Guerra Mundial os partidos poliacuteticos emergiram como fenoacutemeno nacional apesar do fato de que

30 JAGUARIBE H et aW Brasil 2000 para wn novo pacto social Rio de Janeiro Paze Terra 1986 JAGUARIBE H Brasil refomta ou caos paz e Terra Rio de Janeiro 1989

31 LESSA c Apresentaccedilatildeo ao Seminaacuterio sobre Pobreza IEUNICAMP 1989 32 ISUANI ER Crisis Estado y Opciones de Poliacutetica Social op cit 1990

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

200 PHSIS - RevIsla de Sauacutede

praticamente todos os atores sociais agraveexceccedilatildeo do campesinato jaacute estivessem como mostra SanlosB plenamente constiluiacutedos atraveacutes do Estado Como lembra este autor foi o sindicalismo tutelado que incorporou nesse periacuteodo tanto o empresariado como as classes trabalhadoras agrave vida poliacutetica organizada em uma dinacircmica paralela e natildeo de todo coincidente com a vida partidaacuteria

necessaacuterio portanto considerar diante restriccedilotildees dadas especificidade do processo de transiccedilatildeo democraacutetka na maioria dos paiacuteses latino-americanos soluccedilotildees que transfiram para a sociedade civil resshyponsabilidades Estado inviaacuteveis pelo num l1ori70nte siacuteveL

Para concluir eacute importante ressaltar que tampouco cabe ao Estado como sugerem os conservadores criar novas formas de solidariedade de cima para baixo Aleacutem de viacutenculos autoritaacuterios essa acaha conduzindo dissipaccedilatildeo de recursos clientelismo e proliferaccedilatildeo privileacutegios

Em siacutentese a possibilidade de consolidaccedilatildeo na Ameacuterica Latina de sisshytemas de proteccedilatildeo social capazes de fazer face ao dramaacutetico quadro social e de sauacutede populaccedilatildeo da regiatildeo passa necessariamente estahelecimento cada dos paiacuteses de um consenso nacional capaz garantir o final seacuteculo um amplo programa de reformas sociais atraveacutes da recuperaccedilatildeo da capacidade operacional do Estado Somente desta forma seraacute possiacutevel evitar o caos barbaacuterie elevando latino~americana niacuteveis de e de compatiacuteveis com desenvolvimento ciacuteenlillco e tecnoloacutegico alcmccedilado humanidade

RESUMO

Estado movimentos e reformas na Ameacuterica Latina uma reflexatildeo sobre crise contemporacircnea

Este artigo discute os sistemas de proteccedilatildeo social na Ameacuterica Latina e as perspectivas para forma sociais na tomando como ferecircncia padr(les existenles de relacionamento a sociedade e Estado abordagens presentes na literatura sobre o tema satildeo analisadas e questionadas

33 SANTOS WG Gocircnese e Apocalipse elementos para teoria da institucional lat inrhlmerican a trabalho apresentado agrave Conferecircncia Internacional a Identidade Latino-Americana Modernidade e Poacutes-Modernidade Buenos Aires 1416 de outubro de 1987

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

Estado Movimentos Sociais e Reformas 201

a primeira diz respeito agrave adoccedilatildeo de tipologias referidas agraves diferentes modalishydades de Welfare State naciassificaccedilatildeo dos distintos sistemas de proteccedilatildeo social na regiatildeo a segunda refere-se agrave identificaccedilatildeo de urna suposta crise do Welfare State no cenaacuterio internacional que se expressaria necessariamente nos sistemas latino-americanos de proteccedilatildeo social por urna extensatildeo da concepccedilatildeo econoacuteshymica neoliberal a esse campo Fundamentada em discussatildeo conceituaI e em referecircncias empiacutericas a autora questiona ambas as abordagens e conclui tentando mostrar que a complexa realidade latino-americana exige tratamento teoacuterico e metodoloacutegico compatiacutevel com o cenaacuterio de heterogeneidade estrutural dominante na regiatildeo

ABSTRACT

The State Social Movements and Reforms in Latin America A Reflection on the Contemporary Crisis

Taking as a reference point current patterns in relationships between society and the State the article discusses social protection systems and prospects for social reforms in Latin America Two approaches found in the literature on this topic are analyzed and questioned ln classifying the regions different social protection systems the first approach adopts typologies referred to the different modalities of Welfare State The second identifies a supposed crisis of the Welfare State on the international stage one that is seen as necessrily expressed in Latin American social protection systems through the extension of the neoliberal econornic conception to this field Based on a conceptual discussion and empirical references the author questions both approaches and concludes by attempting to show that Latin America s complex reality demands a theoretical and methodological treatment compatible with the scenario of structural heterogeneity prevalent in this region

RESUME

LEtat les mouvements sociaux et les reacuteformes en Ameacuterique Latine une reacuteflexion sur la crise contemporaine

Cet article eacutetudie avec comme reacutefeacuterence les modeles de rapports qui s eacutetablissent entre la socieacuteteacute et I Etat les systemes latino-ameacutericains de protecshytion sociales ainsi que les pers~ctive de reacuteformes sociulcs soffrant agrave la reacutegiull

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion

202 PllYSIS - Revista de Sauacuted~ Coletiv Vol 2 ~uacutemero 1 1)92

Dans la litteacuteralure eonsacreacutee agrave ce lhecircmc deu x modes d ahordage som preacutesents Lauteur les anaIyse et Ics remet ici en question Le premier mode consiste agrave classer les dilfeacuterents syslcmes de proteclion sadale selon des typologies qui sefforcent den cerner les modaliteacutes Quant au second iI se base sur une hypolhecircse selon Jaquellc existe actuellement une crise internmionale du Welfare State et CJue certe crise atteint neacutecessairement les systemes laqno-ameacuteshyricains de prolection sociale en raison de envahissement de dOluaine par la theacuteorie eacuteconomique neacuteo-libeacuterale Lauteur sappuie sur une analyse concepshytuelle et sur des reacutefeacuterences empiriques pour remettre en qucstion ces deux modes dabordage Elle tente en conclusion de montrer que la reacutea1iteacute latinoshyameacutericaine est complexe qu elle exige done un traitement theacuteorique et meacutethoshydologique compatihle avec le callre dheacuteleacuterogeacuteneacuteiteacute structurcllc qui preacutedonuumlne dans la reacutegion