estado e educaÇÃo no capitalismo: limites e … · estado de bem-estar está sendo substituído...
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ESTADO E EDUCAÇÃO NO CAPITALISMO: LIMITES E
POSSIBILIDADES PARA A GESTÃO ESCOLAR
ZOIA, Getânia Fátima1/UNIOESTE
ZANARDINI, Isaura Monica Souza2/UNIOESTE
INTRODUÇÃO
As reflexões ora apresentadas constituem-se como processo inicial da pesquisa
que estamos desenvolvendo no mestrado em educação, a qual tem em vista identificar
os limites e as possibilidades para a gestão escolar na Rede Pública Municipal de
Ensino de Cascavel, Paraná, no período de 2004 a 2014.
Discutir acerca dos limites e possibilidades para a gestão escolar remete,
necessariamente, à identificação do contexto histórico e social que a determina.
Nessa direção, pretendemos analisar a gestão escolar considerando um duplo
movimento. O primeiro em âmbito nacional, materializado pela reorganização da
política educacional, disseminada a partir da reforma do Estado brasileiro na década de
1990. E, o segundo de caráter regional consubstanciado pela proposição do Currículo
para a Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.
No entanto, quando esse movimento traz em seu escopo perspectivas distintas
acerca da política educacional, torna-se salutar, destacar a priori, a função atribuída à
educação na sociedade de classes. Com esse propósito discutiremos além da origem do
Estado suas relações com a sociedade e a educação.
1 Discente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE –
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social. Professora da Educação Básica – Anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel – Paraná.
2 Doutora em Educação. Docente do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social.
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ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS
No sistema de formação social capitalista a organização econômica se funde na
propriedade privada dos meios de produção e na apropriação da riqueza produzida
coletivamente. Isso significa que os bens produzidos pela maioria, classe dominada,
ficam subordinados aos interesses da minoria, classe dominante, consolidando, dessa
forma, o caráter exploratório desse sistema de produção; configurando o embate entre as
classes (SAVIANI, 2008).
Tendo em vista a regulação dessas tensões constitui-se o Estado, que na
sociedade capitalista tende a representar a manutenção da ordem social estabelecida,
visando assegurar sua consolidação, manutenção e ampliação. Logo, ele surge quando
surge a exploração de uma classe sobre a outra a fim de justificar a exploração,
determinados privilégios e o próprio capitalismo (LENINE, 1975).
No entanto,
O Estado não é, [...] um poder que se impôs à sociedade de fora para
dentro; tampouco é “a realidade da idéia moral”, nem “a imagem e a
realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da
sociedade, quando esta chega a um determinado grau de
desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou
numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para
que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta
estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima
da sociedade, chamado a amortecer o choque a mantê-lo dentro dos
limites da “ordem”. Este poder, nascido na sociedade, mas posto
acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS,
2002, p. 135-136).
Assim sendo, a economia capitalista não sobrevive sem a intervenção estatal,
seja para garantir a acumulação do capital, seja para assegurar a ordem social,
neutralizando os embates populares. Isto é, o Estado intervém no processo de
acumulação imbricado pela correlação das forças em jogo (FALEIROS, 2009).
Nesse cenário, as políticas públicas constituem-se enquanto ação intencional do
Estado, sendo desenvolvidas em consonância com as necessidades prementes de cada
setor. Eminentemente, dado o caráter antissocial da economia, que mantém, acentua e
visa perpetuar as diferenças entre aqueles que produzem e os que detém os meios de
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produção, decorre a necessidade das políticas sociais, que na mesma medida em que
protegem e asseguram a produção e reprodução da força de trabalho, de forma
estratégica para o Estado, circunscrevem-se em mecanismos de pressões, que muito
embora, signifiquem a incorporação de um mínimo de conquistas sociais, são
resultantes das lutas sociais (FALEIROS, 2009).
O que podemos apreender ao estudar a relação entre Estado e politicas sociais é
que este
[...] justifica suas políticas sociais com base na igualdade de
oportunidades, no livre acesso dos indivíduos aos bens disponíveis,
com o pleno desenvolvimento de suas capacidades e responsabilidades
no mercado. O Estado está se desobrigando, cada vez mais, de suas
obrigações de garantia do bem-estar coletivo e investindo cada vez
mais em repressão para conter a violência social que se desencadeia
com o desemprego e a perda de referências da cidadania social. O
Estado de bem-estar está sendo substituído por um estado de
contenção social que se expressa nos mecanismos de vigilância física
e eletrônica, na construção de prisões e ampliação dos aparatos de
punição. A competitividade e não a solidariedade é que é valorizada
pelas políticas de responsabilização individual pela sua sorte
acentuando-se a desigualdade social e a polarização entre mais ricos e
mais pobres (FALEIROS, 2009, p. 79).
Desse modo, sumariamente pode-se reiterar a afirmação de que “[...] a política
social nada mais é do que uma parte da síntese possível das tensões e disputas
econômicas, sociais e políticas, e, portanto, das contradições que geram” (DEITOS e
XAVIER, 2006, p. 69).
Para Vieira (2001), nos anos 1990, houve a instalação de um Estado de Direito
Democrático, nos moldes da democracia liberal, a nível mundial, inclusive no Brasil;
porém, sem significar a efetiva instituição da democratização da sociedade, pressuposto
basilar para sua sustentação. Na expressão desse autor, até 1910, a social-democracia
exprimia um regime político-social com potencial revolucionário, de ruptura com a
ordem social estabelecida. Após esse período esse termo passou a significar a passagem
do capitalismo para o socialismo, em caráter reformista. Já a social-democracia nos anos
30, apregoava a ideia de humanizar o capitalismo. No nosso país, o partido da Social
Democracia Brasileira buscou aliar-se tanto com o capitalismo como com os setores
mais conservadores desse sistema. O capital se modificou a partir dos anos 1970,
emergindo uma nova forma de acumulação, com imposição do capital internacional,
provocando o desaparecimento de muitos empregos. E, isso expressa uma nova forma
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de acumulação do capital, como forma de superação da crise dos anos 1970, que
consequentemente teria sido responsável por mudanças no setor produtivo com a
superação do fordismo e difusão da globalização; em virtude disso vários Estados
constituíram o chamado Estado de Bem-Estar social, o que nos países periféricos como
o Brasil, refletiu na criação de serviços sociais setorizados.
O processo de globalização econômica, do final do século XX, portanto,
delineia ações que visam à subordinação das políticas públicas ao fortalecimento dos
interesses monopolistas internacionais. Contudo, esse processo se estabelece em âmbito
mundial, mas de forma muito particular nos países de capitalismo periférico da América
Latina, em especial no Brasil, por meio das renegociações das dívidas externas, na
década de 1980, atreladas aos condicionantes reformistas do ideário neoliberal, próprio
do período 1990 (FIORI, 1997).
Mas, tendo em vista que a universalização dos mercados é pressuposto
fundante do capitalismo, Vieira (2001) aponta o caráter ideológico da globalização,
destacando ainda que nesta perspectiva esse termo favorece, ainda mais, a desigualdade
entre os países.
Considerando que uma sociedade cindida no modo de produção capitalista,
enfrentará crises para assegurar sua manutenção e ampliação, nesse contexto as
proposições hegemônicas instituem reformas a fim de garantir a perpetuação 3
(MÉSZÁROS, 2008).
Portanto, nesse panorama, as políticas sociais expressam as contradições
geradas pelo modo de produção capitalista, sendo a sua universalização corolária para a
derrocada desse sistema. Ou seja, em um Estado capitalista a universalização das
políticas sociais soa realmente inconcebível, pois, como já destacado, representam a
incorporação parcial das exigências, resultantes dos embates sociais, sempre
convergindo para a manutenção da tônica dominante (DEITOS e XAVIER, 2006).
POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL
3 Nesse movimento destacamos a reforma do Estado brasileiro, implementada a partir da década de 1990,
especificamente a partir do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (HIDALGO, 2004).
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No Brasil as políticas para a educação compõem a modalidade da política
social. Sendo assim, as medidas incorporadas para este setor visam à manutenção do
sistema vigente. Isto significa que as proposições para a educação estruturam-se via
reformas, dada à impossibilidade de transformações radicais, nesse sistema de formação
social capitalista (SAVIANI, 2007).
Dessa maneira, a política educacional está inscrita, evidentemente, em um
contexto de correlações de forças subordinada estrategicamente aos aspectos
econômicos, em consonância com o ideário liberal introduzido, no Brasil, a partir das
reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema, cumprindo determinada função
ideológica (DEITOS e XAVIER, 2006).
Embora os discursos, no decorrer da história brasileira, proclamassem a
necessidade de universalização do acesso à escola, várias décadas se passaram sem
alterações significativas no cenário educacional; na década de 1980 as discussões
agregaram-se em torno do ideal de democratização da sociedade, em virtude do término
do período ditatorial; dessa forma, também, se propunha a democratização da educação,
por intermédio da universalização do acesso a escola, na prerrogativa de romper com o
estigma que a escola se destinava a uma determinada classe, no intuito de estabelecer o
atendimento desta para todas as classes. Isso envolveria a participação de toda a
sociedade nos processos decisórios nesse cenário (RODRIGUES, 1983).
Ainda segundo esse autor, o que se pretendia naquele momento, realmente, era
romper com a centralização do poder decisório estatal, instituindo autonomia aos
agentes sociais via participação efetiva, destacando a necessidade de a escola atender
aos interesses de todos os segmentos sociais, não mais se subordinando as exigências
dos setores hegemônicos.
A partir da década de 1990, a política educacional,
[...] “produziu-se através de farta legislação, diretrizes curriculares
nacionais e mecanismos operacionais e organizacionais. A
implementação da política educacional nacional para a educação
básica e superior acabou garantindo as condições políticas e
ideológicas, dentro do campo educacional, para o sucesso do processo
de abertura econômica, de consolidação e internacionalização da
economia, do processo de flexibilização e desregulamentação
institucional, de privatização e dinamização de controles estatais e
privados, e de criação de agências reguladoras nacionais em todos os
setores econômicos e sociais (DEITOS e XAVIER, 2006, p. 73).
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Segundo Hidalgo (2004), o Brasil, enquadra-se no conjunto de Estados que
promoveram reformas na administração pública, concebendo a crise financeira do
Estado colocada em âmbito mundial.
Para Deitos (2005) as reformas implementadas durante o governo FHC e Luiz
Inácio Lula da Silva contribuíram para a consolidação do ideário neoliberal no Brasil.
Ao analisarem as politicas sociais implementadas no Brasil no contexto da
chamada globalização, Duarte e Oliveira (2005) apontam similaridades entre as
orientações seguidas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio
Lula da Silva, principalmente na modalidade da política social. Inclusive a focalização
das políticas sociais aos grupos de extrema pobreza, com caráter compensatório e
emergencial, pode ser identificada, também, na política educacional, via programas
como o FUNDEF, o Programa Nacional Bolsa-Escola, substituído pelo Bolsa-Família,
veiculando-se as recomendações dos organismos internacionais no combate a pobreza;
mas, mesmo assim, não podemos negar que as políticas de renda mínima significam,
dentro dos limites, um avanço se comparado com o que já se deixou de fazer no
decorrer da história brasileira, no entanto, também, permanecem reafirmando as
desigualdades sociais, uma vez que não significam possiblidades de mobilidade social.
O que se destaca no discurso reformista que marca esses dois governos é a
centralidade dos problemas delegados a ineficiência educacional, que
consequentemente, gera a crise econômica, política e social; nessa direção, a política
educacional brasileira cumpre a função ideológica, como requer o contexto neoliberal,
qual seja, a superação de problemas que na verdade são resultantes do sistema
econômico e social, por meio de inúmeras medidas e programas no setor educacional;
aliás, a superação da inadequação educacional acusados pela ineficiência e ausência das
competências necessárias para inserir o país no contexto da globalização, são artifícios
utilizados para justificar as reformas (DEITOS e XAVIER, 2006).
Dessa forma, para a inserção do Brasil no cenário competitivo internacional
geram-se novas exigências econômicas, políticas e educacionais, devendo assim, ser
superada a apregoada ineficiência do Estado e o atraso tecnológico que caracteriza o
campo educacional, que supostamente estariam dificultando esse processo de
globalização; o que significa focalizar para a educação a responsabilidade pelas
desigualdades econômicas e sociais, elegendo-a como redentora da sociedade,
cumprindo uma determinada função ideológica, como já dito, e, que promoveu e
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continua promovendo a centralidade das discussões e encaminhamentos para o campo
educacional (DEITOS e XAVIER, 2006).
Para atender a essa necessidade, inclusive, os próprios currículos deveriam ser
repensados, sendo a falta de continuidade das políticas educacionais a gravidade da
problemática desse campo. Assim sendo, concebe-se a também a ineficiência da gestão
à crise educacional, componente da crise estatal.
Nessa direção, a reforma do Estado brasileiro, configurada a partir da década de
1990, foi, substancialmente, a reforma da gestão das instituições abarcadas pelo Estado.
Assim, a crise concebida, ideologicamente, desencadeou uma série de medidas
na perspectiva de, por meio da superação do modelo da administração racional
burocrática (taylorista-fordista) para o modelo público gerencial, implementar a
modernização do Estado, ancorado na descentralização, flexibilização, controle de
resultados e valorização de aspectos subjetivos, capaz de superar os entraves que
estariam, supostamente, dificultando o desenvolvimento, bem como a inserção do país
na economia de um mundo globalizado (BRASIL, 1995).
Nesse cenário, como sabemos, a educação, estrategicamente, é eleita a fim de
contribuir para que se desenvolva nos sujeitos as habilidades, essenciais para uma nova
ordem; ou seja, por intermédio desse discurso Zanardini (2006), salienta que emerge
uma concepção que enfatiza o papel da educação no que diz respeito a suposta
contribuição para uma vida melhor; o que se destaca nesse novo paradigma de
conhecimento é, sem dúvida, o caráter utilitarista da educação estritamente ligada à
ideologia da pós-modernidade, a globalização e ao neoliberalismo.
Seguindo essa lógica a reforma do Estado brasileiro visaria, primordialmente,
assegurar a produção e reprodução dos interesses do mercado, visto que possibilitaria a
instituição de parcerias entre o público e o privado materializando assim, a regulação
das políticas sociais por intermédio do mercado.
A estratégia política e ideológica utilizada reforça a secundarização do processo
de ensino e os próprios conteúdos, evidenciando, inclusive, supremacia aos saberes
cotidianos, empíricos e mínimos, caracterizando a desvalorização da transmissão do
saber científico e a banalização do ato de ensinar, em nome da veiculação de
informações (DUARTE, 2004).
Trata-se então, de admitir que, sob a competitividade do capital, a própria
educação passou a ser tratada como se fosse mercadoria, devendo formar a força de
trabalho com as competências necessárias para atender ao mercado globalizado, agora
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insaciável, na sociedade do conhecimento, na qual todos os lugares são tidos como
lugares de aprendizagem (MORAES, 2003).
Todavia, como já destacamos anteriormente, nessa sociedade a educação,
especificamente a ofertada nas instituições públicas, tem um papel fundamental, qual
seja, parafraseando Mészáros (2008), ir à contramão de sua pré-determinação, com
vistas a servir de elemento para a superação da alienação do homem na relação com o
capital, dado o caráter imprescindível do conhecimento na formação da consciência.
Contudo, para Mello (1990), por intermédio da educação é que o Brasil poderia
se desenvolver e superar a ineficiência apontada neste setor com implementação da
descentralização, autonomia e democracia participativa, aqui entendida para controlar e
fiscalizar. Essa autora destaca, ainda, a importância política da educação, enquanto
estratégica para o desenvolvimento; difundindo a relevância em se empreender uma
revolução educacional ancorada na participação dos cidadãos.
GESTÃO ESCOLAR
Como já mencionamos, nos anos 1990, inauguramos uma série de medidas
versadas pelo ideário neoliberal, orientadas por organismos internacionais 4 ,
constitutivas da reforma do Estado, com a substituição do modelo de administração
racional burocrática (taylorista-fordista) para público gerencial, operando alterações
profundas na forma de gestão das instituições públicas, especialmente nas unidades
escolares (ZANARDINI, 2006).
Segundo o então ministro Bresser Pereira (2001), a administração pública
gerencial possibilitaria oferecer ao cidadão-cliente serviços de qualidade, mais
eficientes e democráticos, mas com menores custos, seguindo a orientação de quase-
mercados, uma vez que não visariam lucros. Para isso, propõe a criação das agências
autônomas e organizações sociais que poderiam contribuir tanto para o desenvolvimento
do país, como para assegurar a efetivação dos direitos sociais por meio da ampla
participação da sociedade, isto é, por intermédio da eficiência e da democracia. 4 Cabe pontuar que as reformas educacionais na América Latina e em especial no Brasil, vêm sendo
implementadas de acordo com as proposições de instituições multilaterais como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional, dentre outros (FIGUEIREDO, 2005).
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No entanto, longe do ideal que se pretendia na década anterior, observamos a
efetivação da implementação da descentralização, participação e autonomia da
comunidade escolar, enquanto estratégia política, porque, essas categorias têm sido
utilizadas com diferentes significados, implicando alterações significativas tanto nas
formas de organização e funcionamento da escola, como manifesta a incorporação de
um modelo de Estado incentivador, avaliador e gerador de políticas fundadas em
medidas desconcentradoras, efetivadas, por exemplo, a partir de parcerias entre o
público e o privado; ou seja, concretamente o que se materializa nessa estratégia política
é a desconcentração de tarefas, visto que as decisões mantem-se a encargo do poder
estatal (VIRIATO, 2004).
Nessa perspectiva de descentralização, essa autora destaca ainda, que da mesma
forma, as categorias de participação e autonomia implementadas tendem a não ameaçar
o sistema vigente, inclusive, contribuem para reforçar, em grande medida, a
desobrigação do Estado no financiamento da educação, transferindo para a própria
comunidade esta responsabilidade; uma vez que as formas de participação e autonomia,
ditas democráticas, passam longe de debates e planejamento, limitando-se a fiscalização
e execução de medidas previamente determinadas, resumindo-se, meramente, aos
aspectos locais, da comunidade em que a escola está inserida.
Todavia, é preciso destacar que nesta estrutura seria, realmente, utópico
conceber proposições advindas do Estado que pudessem fundamentar avanços para a
configuração de uma sociedade aparentemente melhor para a maioria.
Com base nessa premissa a autora argumenta as contribuições que a
descentralização, participação e autonomia efetivamente proporcionariam na busca de
[...] “uma sociedade mais justa, democrática, inspirada nos ideais socialistas” [...]
(VIRIATO, 2004, p. 48). Para tanto, os conceitos dessas categorias, certamente,
diferenciam-se das até então apresentadas.
Vejamos de maneira bastante resumida como Viriato (2004) as caracteriza:
Descentralização
Redistribuir o poder central,
proporcionando a distribuição do poder
decisório até então centralizado em
poucas mãos.
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Participação
Os participantes criam, discutem, debatem
objetivos e planejamento político
educacional.
Autonomia
A comunidade local pode decidir sobre os
aspectos financeiros, administrativos e
pedagógicos, exigindo do Estado recursos
financeiros e apoio técnico-administrativo.
Para essa autora, por meio da gestão efetivamente democrática a comunidade
escolar poderá trazer para si o controle e domínio da política educacional. Considerando
que:
Sem dúvida, a questão é complexa, mas precisamos, e aí reside o
desafio, criar espaços de constante interação entre representantes e
representados, superando a tradicional representatividade, instituindo
formas diretas de participação. Precisamos lutar para implementar a
descentralização embasada nos princípios democráticos, lutar por um
projeto de sociedade democrática, sobrepondo-se à dominação. Temos
de ter a convicção de que o projeto de gestão democrática da escola
apresenta-se como mais um dentre outros desafios para a construção
das novas relações sociais, constituindo um espaço público de decisão
e de discussão não tutelado pelo Estado (VIRIATO, 2004, p. 49-50).
Frente a essa especificidade destacamos a implementação do Currículo para a
Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel, que além de refletir a luta de classes
subjacentes à implementação das políticas sociais, como é o caso da política
educacional, reitera a importância da escola na socialização dos conhecimentos
científicos, artísticos e filosóficos à classe trabalhadora, ressaltando que esses
efetivamente possam servir como instrumentos de autonomia e de coadjuvantes na
tomada de consciência de classe, objetivando uma educação humanizadora 5
(CASCAVEL, 2008); deixando evidente que da forma que está organizada a escola
tende a contribuir para a produção de “[...] conformidade ou consenso [...]”
(MÉSZÁROS, 2008, p. 45).
5 Tomamos por educação humanizadora o processo que possibilita ao homem apropriar-se das
objetivações que tornem a existência humana cada vez mais consciente, livre e universal (DUARTE, 2007).
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Mas como sabemos, os processos educacionais e os sociais estão intimamente
ligados. Sendo assim, soa inconcebível uma reformulação significativa da educação sem
a devida transformação do quadro social.
Como assegura Peletti (2012), o Currículo para a Rede pública Municipal de
Ensino de Cascavel, vai de encontro às propostas curriculares nacionais, porém, isso
não é garantia para sua efetivação, dada as condições materiais objetivas das escolas que
permanecem inalteradas; no entanto, o desafio está posto, decorre daí a necessidade de
avançar no seu processo de implementação.
Com efeito, tendo esse Currículo como um dos pressupostos basilares,
objetivamos discutir a gestão escolar como espaço de responsabilidades no âmbito da
unidade escolar, que tende, também, contribuir com o trabalho educativo, articulando as
exigências administrativas a finalidade pedagógica, razão de ser desta instituição, como
nos propõe Saviani (2007).
Suscita para tanto, verificar em que medida as mediações da Secretaria
Municipal de Educação de Cascavel incorporam, materializam ou contrapõem as
proposições nacionais para a gestão escolar frente à implementação do Currículo Para a
Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.
Considerando de acordo com Hidalgo (2004), que não cabe desenvolver uma
postura de negação ou aceitação aos princípios administrativos para a gestão da escola,
mas indicar suas potencialidades, objetivamos identificar, limites e possibilidades para a
gestão escolar frente à implementação do Currículo Para a Rede Pública Municipal de
Ensino de Cascavel.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
De forma bastante resumida, destacamos de acordo com o exposto que, na
estrutura apresentada a educação escolar condiciona-se a componente do aparelho
ideológico do Estado, portanto, sua função fundamental é determinada à conservação
das condições estruturais dessa sociedade.
Nesse sentido, para atender às necessidades da maioria dominada, ela precisa ser
colocada como diz Mészáros na contramão de sua pré-determinação, dado o caráter
fundamental do conhecimento para o desenvolvimento da consciência, na busca da
superação da alienação, ou seja da internalização da lógica exploratória.
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Sabemos que a educação não é capaz de transformar a sociedade, contudo,
nenhuma mudança significativa pode se dar sem a sua contribuição.
Daí reside a importância em lutarmos pela implementação de proposições
contra-hegemônicas, como é o caso do Currículo Para a Rede Pública Municipal de
Ensino de Cascavel. E, é, pois, nesse contexto que objetivamos identificar os limites e
as possibilidades para a gestão escolar tendo como pressuposto o Currículo Para a Rede
Pública Municipal de Ensino de Cascavel.
Porém, concretamente, questionamos até que ponto isso é possível, considerando
o arsenal de exigências burocráticas que os gestores têm a cumprir nas unidades
escolares, sem que isso signifique participação efetiva. Dentro dos limites, o que
percebemos no âmbito da unidade escolar é o cunho mercadológico atribuído por
intermédio dos pacotes ditos de descentralização, participação e autonomia,
absolutamente limitados quando confrontados com as reais necessidades da escola
pública.
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