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1 ESTADO E EDUCAÇÃO NO CAPITALISMO: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A GESTÃO ESCOLAR ZOIA, Getânia Fátima 1 /UNIOESTE ZANARDINI, Isaura Monica Souza 2 /UNIOESTE INTRODUÇÃO As reflexões ora apresentadas constituem-se como processo inicial da pesquisa que estamos desenvolvendo no mestrado em educação, a qual tem em vista identificar os limites e as possibilidades para a gestão escolar na Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel, Paraná, no período de 2004 a 2014. Discutir acerca dos limites e possibilidades para a gestão escolar remete, necessariamente, à identificação do contexto histórico e social que a determina. Nessa direção, pretendemos analisar a gestão escolar considerando um duplo movimento. O primeiro em âmbito nacional, materializado pela reorganização da política educacional, disseminada a partir da reforma do Estado brasileiro na década de 1990. E, o segundo de caráter regional consubstanciado pela proposição do Currículo para a Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel. No entanto, quando esse movimento traz em seu escopo perspectivas distintas acerca da política educacional, torna-se salutar, destacar a priori, a função atribuída à educação na sociedade de classes. Com esse propósito discutiremos além da origem do Estado suas relações com a sociedade e a educação. 1 Discente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social. Professora da Educação Básica – Anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel – Paraná. 2 Doutora em Educação. Docente do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social.

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ESTADO E EDUCAÇÃO NO CAPITALISMO: LIMITES E

POSSIBILIDADES PARA A GESTÃO ESCOLAR

ZOIA, Getânia Fátima1/UNIOESTE

ZANARDINI, Isaura Monica Souza2/UNIOESTE

INTRODUÇÃO

As reflexões ora apresentadas constituem-se como processo inicial da pesquisa

que estamos desenvolvendo no mestrado em educação, a qual tem em vista identificar

os limites e as possibilidades para a gestão escolar na Rede Pública Municipal de

Ensino de Cascavel, Paraná, no período de 2004 a 2014.

Discutir acerca dos limites e possibilidades para a gestão escolar remete,

necessariamente, à identificação do contexto histórico e social que a determina.

Nessa direção, pretendemos analisar a gestão escolar considerando um duplo

movimento. O primeiro em âmbito nacional, materializado pela reorganização da

política educacional, disseminada a partir da reforma do Estado brasileiro na década de

1990. E, o segundo de caráter regional consubstanciado pela proposição do Currículo

para a Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.

No entanto, quando esse movimento traz em seu escopo perspectivas distintas

acerca da política educacional, torna-se salutar, destacar a priori, a função atribuída à

educação na sociedade de classes. Com esse propósito discutiremos além da origem do

Estado suas relações com a sociedade e a educação.

1 Discente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE –

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social. Professora da Educação Básica – Anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel – Paraná.

2 Doutora em Educação. Docente do Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação Stricto

Sensu em Educação, nível de Mestrado da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Cascavel. Membro do GEPPES – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social.

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ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS

No sistema de formação social capitalista a organização econômica se funde na

propriedade privada dos meios de produção e na apropriação da riqueza produzida

coletivamente. Isso significa que os bens produzidos pela maioria, classe dominada,

ficam subordinados aos interesses da minoria, classe dominante, consolidando, dessa

forma, o caráter exploratório desse sistema de produção; configurando o embate entre as

classes (SAVIANI, 2008).

Tendo em vista a regulação dessas tensões constitui-se o Estado, que na

sociedade capitalista tende a representar a manutenção da ordem social estabelecida,

visando assegurar sua consolidação, manutenção e ampliação. Logo, ele surge quando

surge a exploração de uma classe sobre a outra a fim de justificar a exploração,

determinados privilégios e o próprio capitalismo (LENINE, 1975).

No entanto,

O Estado não é, [...] um poder que se impôs à sociedade de fora para

dentro; tampouco é “a realidade da idéia moral”, nem “a imagem e a

realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da

sociedade, quando esta chega a um determinado grau de

desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou

numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por

antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para

que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos

colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta

estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima

da sociedade, chamado a amortecer o choque a mantê-lo dentro dos

limites da “ordem”. Este poder, nascido na sociedade, mas posto

acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS,

2002, p. 135-136).

Assim sendo, a economia capitalista não sobrevive sem a intervenção estatal,

seja para garantir a acumulação do capital, seja para assegurar a ordem social,

neutralizando os embates populares. Isto é, o Estado intervém no processo de

acumulação imbricado pela correlação das forças em jogo (FALEIROS, 2009).

Nesse cenário, as políticas públicas constituem-se enquanto ação intencional do

Estado, sendo desenvolvidas em consonância com as necessidades prementes de cada

setor. Eminentemente, dado o caráter antissocial da economia, que mantém, acentua e

visa perpetuar as diferenças entre aqueles que produzem e os que detém os meios de

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produção, decorre a necessidade das políticas sociais, que na mesma medida em que

protegem e asseguram a produção e reprodução da força de trabalho, de forma

estratégica para o Estado, circunscrevem-se em mecanismos de pressões, que muito

embora, signifiquem a incorporação de um mínimo de conquistas sociais, são

resultantes das lutas sociais (FALEIROS, 2009).

O que podemos apreender ao estudar a relação entre Estado e politicas sociais é

que este

[...] justifica suas políticas sociais com base na igualdade de

oportunidades, no livre acesso dos indivíduos aos bens disponíveis,

com o pleno desenvolvimento de suas capacidades e responsabilidades

no mercado. O Estado está se desobrigando, cada vez mais, de suas

obrigações de garantia do bem-estar coletivo e investindo cada vez

mais em repressão para conter a violência social que se desencadeia

com o desemprego e a perda de referências da cidadania social. O

Estado de bem-estar está sendo substituído por um estado de

contenção social que se expressa nos mecanismos de vigilância física

e eletrônica, na construção de prisões e ampliação dos aparatos de

punição. A competitividade e não a solidariedade é que é valorizada

pelas políticas de responsabilização individual pela sua sorte

acentuando-se a desigualdade social e a polarização entre mais ricos e

mais pobres (FALEIROS, 2009, p. 79).

Desse modo, sumariamente pode-se reiterar a afirmação de que “[...] a política

social nada mais é do que uma parte da síntese possível das tensões e disputas

econômicas, sociais e políticas, e, portanto, das contradições que geram” (DEITOS e

XAVIER, 2006, p. 69).

Para Vieira (2001), nos anos 1990, houve a instalação de um Estado de Direito

Democrático, nos moldes da democracia liberal, a nível mundial, inclusive no Brasil;

porém, sem significar a efetiva instituição da democratização da sociedade, pressuposto

basilar para sua sustentação. Na expressão desse autor, até 1910, a social-democracia

exprimia um regime político-social com potencial revolucionário, de ruptura com a

ordem social estabelecida. Após esse período esse termo passou a significar a passagem

do capitalismo para o socialismo, em caráter reformista. Já a social-democracia nos anos

30, apregoava a ideia de humanizar o capitalismo. No nosso país, o partido da Social

Democracia Brasileira buscou aliar-se tanto com o capitalismo como com os setores

mais conservadores desse sistema. O capital se modificou a partir dos anos 1970,

emergindo uma nova forma de acumulação, com imposição do capital internacional,

provocando o desaparecimento de muitos empregos. E, isso expressa uma nova forma

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de acumulação do capital, como forma de superação da crise dos anos 1970, que

consequentemente teria sido responsável por mudanças no setor produtivo com a

superação do fordismo e difusão da globalização; em virtude disso vários Estados

constituíram o chamado Estado de Bem-Estar social, o que nos países periféricos como

o Brasil, refletiu na criação de serviços sociais setorizados.

O processo de globalização econômica, do final do século XX, portanto,

delineia ações que visam à subordinação das políticas públicas ao fortalecimento dos

interesses monopolistas internacionais. Contudo, esse processo se estabelece em âmbito

mundial, mas de forma muito particular nos países de capitalismo periférico da América

Latina, em especial no Brasil, por meio das renegociações das dívidas externas, na

década de 1980, atreladas aos condicionantes reformistas do ideário neoliberal, próprio

do período 1990 (FIORI, 1997).

Mas, tendo em vista que a universalização dos mercados é pressuposto

fundante do capitalismo, Vieira (2001) aponta o caráter ideológico da globalização,

destacando ainda que nesta perspectiva esse termo favorece, ainda mais, a desigualdade

entre os países.

Considerando que uma sociedade cindida no modo de produção capitalista,

enfrentará crises para assegurar sua manutenção e ampliação, nesse contexto as

proposições hegemônicas instituem reformas a fim de garantir a perpetuação 3

(MÉSZÁROS, 2008).

Portanto, nesse panorama, as políticas sociais expressam as contradições

geradas pelo modo de produção capitalista, sendo a sua universalização corolária para a

derrocada desse sistema. Ou seja, em um Estado capitalista a universalização das

políticas sociais soa realmente inconcebível, pois, como já destacado, representam a

incorporação parcial das exigências, resultantes dos embates sociais, sempre

convergindo para a manutenção da tônica dominante (DEITOS e XAVIER, 2006).

POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL

3 Nesse movimento destacamos a reforma do Estado brasileiro, implementada a partir da década de 1990,

especificamente a partir do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (HIDALGO, 2004).

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No Brasil as políticas para a educação compõem a modalidade da política

social. Sendo assim, as medidas incorporadas para este setor visam à manutenção do

sistema vigente. Isto significa que as proposições para a educação estruturam-se via

reformas, dada à impossibilidade de transformações radicais, nesse sistema de formação

social capitalista (SAVIANI, 2007).

Dessa maneira, a política educacional está inscrita, evidentemente, em um

contexto de correlações de forças subordinada estrategicamente aos aspectos

econômicos, em consonância com o ideário liberal introduzido, no Brasil, a partir das

reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema, cumprindo determinada função

ideológica (DEITOS e XAVIER, 2006).

Embora os discursos, no decorrer da história brasileira, proclamassem a

necessidade de universalização do acesso à escola, várias décadas se passaram sem

alterações significativas no cenário educacional; na década de 1980 as discussões

agregaram-se em torno do ideal de democratização da sociedade, em virtude do término

do período ditatorial; dessa forma, também, se propunha a democratização da educação,

por intermédio da universalização do acesso a escola, na prerrogativa de romper com o

estigma que a escola se destinava a uma determinada classe, no intuito de estabelecer o

atendimento desta para todas as classes. Isso envolveria a participação de toda a

sociedade nos processos decisórios nesse cenário (RODRIGUES, 1983).

Ainda segundo esse autor, o que se pretendia naquele momento, realmente, era

romper com a centralização do poder decisório estatal, instituindo autonomia aos

agentes sociais via participação efetiva, destacando a necessidade de a escola atender

aos interesses de todos os segmentos sociais, não mais se subordinando as exigências

dos setores hegemônicos.

A partir da década de 1990, a política educacional,

[...] “produziu-se através de farta legislação, diretrizes curriculares

nacionais e mecanismos operacionais e organizacionais. A

implementação da política educacional nacional para a educação

básica e superior acabou garantindo as condições políticas e

ideológicas, dentro do campo educacional, para o sucesso do processo

de abertura econômica, de consolidação e internacionalização da

economia, do processo de flexibilização e desregulamentação

institucional, de privatização e dinamização de controles estatais e

privados, e de criação de agências reguladoras nacionais em todos os

setores econômicos e sociais (DEITOS e XAVIER, 2006, p. 73).

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Segundo Hidalgo (2004), o Brasil, enquadra-se no conjunto de Estados que

promoveram reformas na administração pública, concebendo a crise financeira do

Estado colocada em âmbito mundial.

Para Deitos (2005) as reformas implementadas durante o governo FHC e Luiz

Inácio Lula da Silva contribuíram para a consolidação do ideário neoliberal no Brasil.

Ao analisarem as politicas sociais implementadas no Brasil no contexto da

chamada globalização, Duarte e Oliveira (2005) apontam similaridades entre as

orientações seguidas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio

Lula da Silva, principalmente na modalidade da política social. Inclusive a focalização

das políticas sociais aos grupos de extrema pobreza, com caráter compensatório e

emergencial, pode ser identificada, também, na política educacional, via programas

como o FUNDEF, o Programa Nacional Bolsa-Escola, substituído pelo Bolsa-Família,

veiculando-se as recomendações dos organismos internacionais no combate a pobreza;

mas, mesmo assim, não podemos negar que as políticas de renda mínima significam,

dentro dos limites, um avanço se comparado com o que já se deixou de fazer no

decorrer da história brasileira, no entanto, também, permanecem reafirmando as

desigualdades sociais, uma vez que não significam possiblidades de mobilidade social.

O que se destaca no discurso reformista que marca esses dois governos é a

centralidade dos problemas delegados a ineficiência educacional, que

consequentemente, gera a crise econômica, política e social; nessa direção, a política

educacional brasileira cumpre a função ideológica, como requer o contexto neoliberal,

qual seja, a superação de problemas que na verdade são resultantes do sistema

econômico e social, por meio de inúmeras medidas e programas no setor educacional;

aliás, a superação da inadequação educacional acusados pela ineficiência e ausência das

competências necessárias para inserir o país no contexto da globalização, são artifícios

utilizados para justificar as reformas (DEITOS e XAVIER, 2006).

Dessa forma, para a inserção do Brasil no cenário competitivo internacional

geram-se novas exigências econômicas, políticas e educacionais, devendo assim, ser

superada a apregoada ineficiência do Estado e o atraso tecnológico que caracteriza o

campo educacional, que supostamente estariam dificultando esse processo de

globalização; o que significa focalizar para a educação a responsabilidade pelas

desigualdades econômicas e sociais, elegendo-a como redentora da sociedade,

cumprindo uma determinada função ideológica, como já dito, e, que promoveu e

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continua promovendo a centralidade das discussões e encaminhamentos para o campo

educacional (DEITOS e XAVIER, 2006).

Para atender a essa necessidade, inclusive, os próprios currículos deveriam ser

repensados, sendo a falta de continuidade das políticas educacionais a gravidade da

problemática desse campo. Assim sendo, concebe-se a também a ineficiência da gestão

à crise educacional, componente da crise estatal.

Nessa direção, a reforma do Estado brasileiro, configurada a partir da década de

1990, foi, substancialmente, a reforma da gestão das instituições abarcadas pelo Estado.

Assim, a crise concebida, ideologicamente, desencadeou uma série de medidas

na perspectiva de, por meio da superação do modelo da administração racional

burocrática (taylorista-fordista) para o modelo público gerencial, implementar a

modernização do Estado, ancorado na descentralização, flexibilização, controle de

resultados e valorização de aspectos subjetivos, capaz de superar os entraves que

estariam, supostamente, dificultando o desenvolvimento, bem como a inserção do país

na economia de um mundo globalizado (BRASIL, 1995).

Nesse cenário, como sabemos, a educação, estrategicamente, é eleita a fim de

contribuir para que se desenvolva nos sujeitos as habilidades, essenciais para uma nova

ordem; ou seja, por intermédio desse discurso Zanardini (2006), salienta que emerge

uma concepção que enfatiza o papel da educação no que diz respeito a suposta

contribuição para uma vida melhor; o que se destaca nesse novo paradigma de

conhecimento é, sem dúvida, o caráter utilitarista da educação estritamente ligada à

ideologia da pós-modernidade, a globalização e ao neoliberalismo.

Seguindo essa lógica a reforma do Estado brasileiro visaria, primordialmente,

assegurar a produção e reprodução dos interesses do mercado, visto que possibilitaria a

instituição de parcerias entre o público e o privado materializando assim, a regulação

das políticas sociais por intermédio do mercado.

A estratégia política e ideológica utilizada reforça a secundarização do processo

de ensino e os próprios conteúdos, evidenciando, inclusive, supremacia aos saberes

cotidianos, empíricos e mínimos, caracterizando a desvalorização da transmissão do

saber científico e a banalização do ato de ensinar, em nome da veiculação de

informações (DUARTE, 2004).

Trata-se então, de admitir que, sob a competitividade do capital, a própria

educação passou a ser tratada como se fosse mercadoria, devendo formar a força de

trabalho com as competências necessárias para atender ao mercado globalizado, agora

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insaciável, na sociedade do conhecimento, na qual todos os lugares são tidos como

lugares de aprendizagem (MORAES, 2003).

Todavia, como já destacamos anteriormente, nessa sociedade a educação,

especificamente a ofertada nas instituições públicas, tem um papel fundamental, qual

seja, parafraseando Mészáros (2008), ir à contramão de sua pré-determinação, com

vistas a servir de elemento para a superação da alienação do homem na relação com o

capital, dado o caráter imprescindível do conhecimento na formação da consciência.

Contudo, para Mello (1990), por intermédio da educação é que o Brasil poderia

se desenvolver e superar a ineficiência apontada neste setor com implementação da

descentralização, autonomia e democracia participativa, aqui entendida para controlar e

fiscalizar. Essa autora destaca, ainda, a importância política da educação, enquanto

estratégica para o desenvolvimento; difundindo a relevância em se empreender uma

revolução educacional ancorada na participação dos cidadãos.

GESTÃO ESCOLAR

Como já mencionamos, nos anos 1990, inauguramos uma série de medidas

versadas pelo ideário neoliberal, orientadas por organismos internacionais 4 ,

constitutivas da reforma do Estado, com a substituição do modelo de administração

racional burocrática (taylorista-fordista) para público gerencial, operando alterações

profundas na forma de gestão das instituições públicas, especialmente nas unidades

escolares (ZANARDINI, 2006).

Segundo o então ministro Bresser Pereira (2001), a administração pública

gerencial possibilitaria oferecer ao cidadão-cliente serviços de qualidade, mais

eficientes e democráticos, mas com menores custos, seguindo a orientação de quase-

mercados, uma vez que não visariam lucros. Para isso, propõe a criação das agências

autônomas e organizações sociais que poderiam contribuir tanto para o desenvolvimento

do país, como para assegurar a efetivação dos direitos sociais por meio da ampla

participação da sociedade, isto é, por intermédio da eficiência e da democracia. 4 Cabe pontuar que as reformas educacionais na América Latina e em especial no Brasil, vêm sendo

implementadas de acordo com as proposições de instituições multilaterais como o Banco Mundial e o

Fundo Monetário Internacional, dentre outros (FIGUEIREDO, 2005).

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No entanto, longe do ideal que se pretendia na década anterior, observamos a

efetivação da implementação da descentralização, participação e autonomia da

comunidade escolar, enquanto estratégia política, porque, essas categorias têm sido

utilizadas com diferentes significados, implicando alterações significativas tanto nas

formas de organização e funcionamento da escola, como manifesta a incorporação de

um modelo de Estado incentivador, avaliador e gerador de políticas fundadas em

medidas desconcentradoras, efetivadas, por exemplo, a partir de parcerias entre o

público e o privado; ou seja, concretamente o que se materializa nessa estratégia política

é a desconcentração de tarefas, visto que as decisões mantem-se a encargo do poder

estatal (VIRIATO, 2004).

Nessa perspectiva de descentralização, essa autora destaca ainda, que da mesma

forma, as categorias de participação e autonomia implementadas tendem a não ameaçar

o sistema vigente, inclusive, contribuem para reforçar, em grande medida, a

desobrigação do Estado no financiamento da educação, transferindo para a própria

comunidade esta responsabilidade; uma vez que as formas de participação e autonomia,

ditas democráticas, passam longe de debates e planejamento, limitando-se a fiscalização

e execução de medidas previamente determinadas, resumindo-se, meramente, aos

aspectos locais, da comunidade em que a escola está inserida.

Todavia, é preciso destacar que nesta estrutura seria, realmente, utópico

conceber proposições advindas do Estado que pudessem fundamentar avanços para a

configuração de uma sociedade aparentemente melhor para a maioria.

Com base nessa premissa a autora argumenta as contribuições que a

descentralização, participação e autonomia efetivamente proporcionariam na busca de

[...] “uma sociedade mais justa, democrática, inspirada nos ideais socialistas” [...]

(VIRIATO, 2004, p. 48). Para tanto, os conceitos dessas categorias, certamente,

diferenciam-se das até então apresentadas.

Vejamos de maneira bastante resumida como Viriato (2004) as caracteriza:

Descentralização

Redistribuir o poder central,

proporcionando a distribuição do poder

decisório até então centralizado em

poucas mãos.

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Participação

Os participantes criam, discutem, debatem

objetivos e planejamento político

educacional.

Autonomia

A comunidade local pode decidir sobre os

aspectos financeiros, administrativos e

pedagógicos, exigindo do Estado recursos

financeiros e apoio técnico-administrativo.

Para essa autora, por meio da gestão efetivamente democrática a comunidade

escolar poderá trazer para si o controle e domínio da política educacional. Considerando

que:

Sem dúvida, a questão é complexa, mas precisamos, e aí reside o

desafio, criar espaços de constante interação entre representantes e

representados, superando a tradicional representatividade, instituindo

formas diretas de participação. Precisamos lutar para implementar a

descentralização embasada nos princípios democráticos, lutar por um

projeto de sociedade democrática, sobrepondo-se à dominação. Temos

de ter a convicção de que o projeto de gestão democrática da escola

apresenta-se como mais um dentre outros desafios para a construção

das novas relações sociais, constituindo um espaço público de decisão

e de discussão não tutelado pelo Estado (VIRIATO, 2004, p. 49-50).

Frente a essa especificidade destacamos a implementação do Currículo para a

Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel, que além de refletir a luta de classes

subjacentes à implementação das políticas sociais, como é o caso da política

educacional, reitera a importância da escola na socialização dos conhecimentos

científicos, artísticos e filosóficos à classe trabalhadora, ressaltando que esses

efetivamente possam servir como instrumentos de autonomia e de coadjuvantes na

tomada de consciência de classe, objetivando uma educação humanizadora 5

(CASCAVEL, 2008); deixando evidente que da forma que está organizada a escola

tende a contribuir para a produção de “[...] conformidade ou consenso [...]”

(MÉSZÁROS, 2008, p. 45).

5 Tomamos por educação humanizadora o processo que possibilita ao homem apropriar-se das

objetivações que tornem a existência humana cada vez mais consciente, livre e universal (DUARTE, 2007).

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Mas como sabemos, os processos educacionais e os sociais estão intimamente

ligados. Sendo assim, soa inconcebível uma reformulação significativa da educação sem

a devida transformação do quadro social.

Como assegura Peletti (2012), o Currículo para a Rede pública Municipal de

Ensino de Cascavel, vai de encontro às propostas curriculares nacionais, porém, isso

não é garantia para sua efetivação, dada as condições materiais objetivas das escolas que

permanecem inalteradas; no entanto, o desafio está posto, decorre daí a necessidade de

avançar no seu processo de implementação.

Com efeito, tendo esse Currículo como um dos pressupostos basilares,

objetivamos discutir a gestão escolar como espaço de responsabilidades no âmbito da

unidade escolar, que tende, também, contribuir com o trabalho educativo, articulando as

exigências administrativas a finalidade pedagógica, razão de ser desta instituição, como

nos propõe Saviani (2007).

Suscita para tanto, verificar em que medida as mediações da Secretaria

Municipal de Educação de Cascavel incorporam, materializam ou contrapõem as

proposições nacionais para a gestão escolar frente à implementação do Currículo Para a

Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel.

Considerando de acordo com Hidalgo (2004), que não cabe desenvolver uma

postura de negação ou aceitação aos princípios administrativos para a gestão da escola,

mas indicar suas potencialidades, objetivamos identificar, limites e possibilidades para a

gestão escolar frente à implementação do Currículo Para a Rede Pública Municipal de

Ensino de Cascavel.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

De forma bastante resumida, destacamos de acordo com o exposto que, na

estrutura apresentada a educação escolar condiciona-se a componente do aparelho

ideológico do Estado, portanto, sua função fundamental é determinada à conservação

das condições estruturais dessa sociedade.

Nesse sentido, para atender às necessidades da maioria dominada, ela precisa ser

colocada como diz Mészáros na contramão de sua pré-determinação, dado o caráter

fundamental do conhecimento para o desenvolvimento da consciência, na busca da

superação da alienação, ou seja da internalização da lógica exploratória.

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Sabemos que a educação não é capaz de transformar a sociedade, contudo,

nenhuma mudança significativa pode se dar sem a sua contribuição.

Daí reside a importância em lutarmos pela implementação de proposições

contra-hegemônicas, como é o caso do Currículo Para a Rede Pública Municipal de

Ensino de Cascavel. E, é, pois, nesse contexto que objetivamos identificar os limites e

as possibilidades para a gestão escolar tendo como pressuposto o Currículo Para a Rede

Pública Municipal de Ensino de Cascavel.

Porém, concretamente, questionamos até que ponto isso é possível, considerando

o arsenal de exigências burocráticas que os gestores têm a cumprir nas unidades

escolares, sem que isso signifique participação efetiva. Dentro dos limites, o que

percebemos no âmbito da unidade escolar é o cunho mercadológico atribuído por

intermédio dos pacotes ditos de descentralização, participação e autonomia,

absolutamente limitados quando confrontados com as reais necessidades da escola

pública.

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