estabilidade no emprego: em busca da dignidade · essas mudanças intensificaram-se no início...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISPrograma de Pós-Graduação em Direito
ESTABILIDADE NO EMPREGO:
em busca da dignidade
Luciana Soares Vidal Terra
BELO HORIZONTE2009
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LUCIANA SOARES VIDAL TERRA
ESTABILIDADE NO EMPREGO:
em busca da dignidade
Dissertação apresentada ao programa de
Pós Graduação da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Otávio Linhares
Renault
BELO HORIZONTE2009
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Luciana Soares Vidal Terra
Estabilidade no emprego: em busca da dignidade
Dissertação defendida e _______________________________ com média final igual a ___________________, como requisito para a obtenção do título de Mestreem Direito, área de concentração Direito do Trabalho, junto à Faculdade Mineira de Direito – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
___________________________________________________________________
Professor Doutor Luiz Otávio Linhares Renault – Orientador - PUCMINAS
___________________________________________________________________
Professor Doutor Márcio Túlio Viana - PUCMINAS
___________________________________________________________________
Professora Doutora Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt - UNA
4
Aos trabalhadores que vivem a dúvida cotidiana
e a insegurança sobre o amanhã,
e cuja única certeza é a de serem explorados,
para assim ganhar o pão de cada dia.
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Professor Doutor Luiz Otávio Linhares Renault, pela
confiança no meu trabalho, pela simplicidade com que compartilhou seus notáveis
conhecimentos, pelas constantes palavras de incentivo, e pelo exemplo de justiça ao
enfrentar os dilemas do mundo do trabalho.
Aos professores do Mestrado em Direito da PUCMinas, em especial, aos
Professores Doutores Márcio Túlio Viana, Maurício Godinho Delgado e José Roberto
Freire Pimenta, pela dedicação com que transmitem seus vastos conhecimentos, e
por multiplicar em seus alunos a vontade de lutar por uma sociedade mais justa.
Aos colegas do Mestrado, pela fértil troca de idéias e de experiências, e pelo
companheirismo nas aulas e fora delas, e especialmente à amiga Maria Cecília
Máximo Teodoro, pela tranqüilidade com que sempre vem em meu auxílio, e por
representar para mim um exemplo a ser seguido.
Aos alunos, que me permitem aperfeiçoar as artes de ensinar e de aprender.
Aos meus pais, Roberto e Vilma, que não só neste, mas em todos os
momentos de minha vida, incondicionalmente deram seu apoio psicológico, afetivo e
material, e que, com seu exemplo de vida, me ensinaram a sonhar e a lutar pelos
meus sonhos.
À minha irmã, Lílian, que mesmo estando longe continua perto,
acompanhando todos os passos da minha caminhada, que não seria a mesma sem
o seu afeto, companheirismo e apoio.
Ao Ciro, por todos os momentos em que compreendeu minha ausência, e por
acreditar no meu esforço e na minha capacidade, motivando-me a prosseguir.
6
RESUMO
Esta dissertação compreende uma pesquisa bibliográfica, assim como um estudo
acerca da estabilidade no emprego. Seu objetivo foi analisar se o ordenamento
jurídico brasileiro trata o tema de maneira satisfatória. Para tanto, foi feita uma
exposição sobre a história do trabalho e do Direito do Trabalho, com o fito de
entender o momento atual desse ramo jurídico e das normas que o compõem. Em
seguida, a pesquisa investigou o princípio da dignidade da pessoa humana,
analisando primeiramente a sua evolução, e depois de que maneira ele se
concretiza no âmbito das relações de trabalho, mais especificamente, da relação de
emprego. O resultado da pesquisa mostra que somente um sistema que confere
proteção à relação de emprego no momento da dispensa permite a realização do
princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, a previsão normativa
brasileira atual sobre a estabilidade se mostra satisfatória para a concretização do
princípio da dignidade.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Relação de emprego. Estabilidade no emprego.
Princípio da dignidade da pessoa humana.
7
ABSTRACT
This dissertation carried out a bibliographical research, as well as a study about the
stability in the job. Its objective was to analyze if the Brazilian legal standard treats
the theme on a satisfactory way. For so much, an exposition, about the work and the
Labor Law history, was made, with the objective of understand the present moment
of this legal field and of its norms. Straight away, the research investigated the
principle of the human dignity, in the first place, analyzing its evolution and after, from
what way, this principle be realized in the scope of the work relations, more
specifically, of the job relation. The result of the research shows that only a system
that confers protection to the job relation, in the dispense moment, allows the
realization of the human dignity principle. In this away, the current Brazilian
normative prediction, about the stability, shows to be satisfactory to realize the dignity
principle.
Key-words: Job Law. Job relation. Stability on job. Human dignity principle
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9
1 O HOMEM E O TRABALHO............................................................................... 12
1.1 Sentido etimológico do trabalho .................................................................. 12
1.2 Sentido religioso – o trabalho e a Igreja Católica ....................................... 14
1.3 O trabalho na história pré-capitalista ........................................................... 21
1.3.1 O trabalho na Antiguidade Clássica .......................................................... 21
1.3.2 O trabalho nas Idades Média e Moderna .................................................. 25
1.4 O trabalho na era capitalista ......................................................................... 29
1.4.1 Os distintos modos de produção capitalistas ......................................... 39
1.5 O trabalho e a atualidade .............................................................................. 44
2 O TRABALHO E O DIREITO ............................................................................. 49
2.1 O Direito do Trabalho no mundo .................................................................. 49
2.1.1 Antecedentes históricos ............................................................................ 49
2.1.2 Formação e desenvolvimento ....................................................................
52
2.1.3 A crise do Direito do Trabalho ...................................................................
59
2.2 O Direito do Trabalho no Brasil .................................................................... 64
3 O TRABALHO E A ESTABILIDADE .................................................................. 74
3.1 Direito Comparado ......................................................................................... 74
3.2 Características do modelo brasileiro ........................................................... 83
9
3.2.1 Breve histórico ............................................................................................ 83
3.2.2 Normatividade jurídica atual ...................................................................... 86
3.3 A controvérsia acerca do art. 7º, I, da Constituição Federal ..................... 95
3.4 A Convenção 158 da OIT ............................................................................... 99
4 O TRABALHO, A DIGNIDADE E A ESTABILIDADE NO EMPREGO .............. 110
4.1 A valorização da dignidade da pessoa humana ......................................... 110
4.2 A dignidade da pessoa humana como princípio ........................................ 118
4.3 O princípio da dignidade e as relações de trabalho ................................... 125
4.4 O princípio da dignidade, a cessação do contrato de trabalho e a estabilidade no emprego......................................................................................
134
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 147
10
INTRODUÇÃO
A economia mundial passou por diversas transformações no último século.
Essas mudanças intensificaram-se no início deste novo milênio, e o mesmo pode ser
dito no que tange às relações de trabalho.
É que a fase áurea do capitalismo, vivida principalmente em decorrência da
grande industrialização, deu lugar à crise a partir de 1970.
Parece que as últimas décadas, marcadas por pequenos avanços e recuos
cíclicos de natureza econômico-social, encobriram uma realidade aguda: a crise
avassaladora do capitalismo por causa da especulação financeira.1
Verifica-se que o trabalho e o emprego encontram-se em uma fase de
transição, com a redução das respectivas ofertas, a precarização dos empregos que
ainda subsistem, a substituição da mão-de-obra em decorrência da reestruturação
produtiva e gerencial, a flexibilização de direitos imposta pelos setores econômicos e
a desregulamentação da legislação relativa ao Direito Individual do Trabalho.
Nesse quadro é que se justifica o estudo do tema da proteção da relação de
emprego na dispensa2. A idéia dessa proteção encontra raízes na superação do
ideário liberalista clássico, que se baseava na igualdade formal entre as partes, em
direção ao reconhecimento das desigualdades fáticas entre os contratantes,
limitando o poder do empregador de resilir o contrato de forma unilateral.
Assim é que desponta a norma contida no art. 7º, I, da Constituição Federal,
que estabelece a garantia de relação de emprego protegida contra despedida
1 A partir de 2006, uma crise de crédito nos Estados Unidos passou a se alastrar para os demais países. Houve a quebra de várias instituições financeiras naquele país, provocando a queda das bolsas ao redor do mundo e uma consequente escassez de crédito. No final de 2008 e início de 2009 os países capitalistas, e bem assim o Brasil, atravessam um momento crítico, em razão da retração no crédito e no consumo, o que afeta diretamente a oferta de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já afirma que o desemprego no mundo pode aumentar em 2009 em relação a 2007 entre 18 e 30 milhões de trabalhadores, e até além de 50 milhões, caso a situação continue se deteriorando. Na pior das hipóteses, cerca de 200 milhões de trabalhadores, em especial nas economias em desenvolvimento, poderiam passar a integrar as filas da pobreza extrema. Cf. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Relatório da OIT sobre as tendências mundiais de emprego para 2009. Disponível em < http://www.oitbrasil.org.br/get_2009.php>. Acesso em 29 jan. 2009.2 No corpo da dissertação serão esclarecidas as nomenclaturas pertinentes: limitações ao poder de dispensar, proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária, estabilidade absoluta e relativa no emprego.
11
arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá
indenização compensatória, dentre outros direitos.
Diante da controvérsia acerca do tema, bem como dos efeitos que a proteção
da relação de emprego, ou sua ausência, trazem para o universo dos trabalhadores
e para o ramo justrabalhista como um todo, faz-se útil e necessária uma pesquisa
científica a respeito.
No contexto da dissertação, embora o texto da Carta Magna seja o irradiador
da temática, a preocupação irá além: o conjunto do ordenamento justrabalhista,
numa perspectiva de sistema, será levado em consideração, sem se desligar dos
princípios específicos do Direito do Trabalho, a fim de descobrir se a proteção da
relação de emprego contra despedida injusta ou arbitrária encontra vigência no
Direito Positivo de nosso país e quais os critérios para sua aplicação.
Na mesma linha de desdobramento, busca-se perquirir em que medida a
adoção da proteção da relação de emprego nesses moldes constitui realização do
princípio da dignidade da pessoa humana.
O primeiro capítulo girará em torno da conceituação do trabalho e seu relevo
para a humanidade através dos tempos, fazendo incursões em estudos de outras
disciplinas. Essa abordagem se faz necessária para perquirir a sua importância na
atualidade e o papel que ele deve ocupar.
Já no segundo capítulo, será analisado o trabalho a partir do momento em
que passou a ter importância para a ciência jurídica e, mais especificamente, passou
a necessitar de um disciplinamento próprio, fazendo surgir o Direito do Trabalho.
Será então demonstrada a evolução histórica do ramo justrabalhista, com suas
vicissitudes, particularidades, lutas e conquistas, objetivando verificar a necessidade
de proteção ao empregado e ao emprego.
No terceiro capítulo será realizada pesquisa normativa sobre a estabilidade no
emprego, buscando o direcionamento existente no tocante ao objeto da presente
dissertação. Nesse quadro, após uma exposição panorâmica de Direito Comparado,
merecerão destaque a Constituição Federal, notadamente seu art. 7º, I, como
também a Convenção 158 da OIT, explicitando as controvérsias que giram em torno
da aplicação desses dispositivos.
O quarto capítulo será constituído de uma análise da dignidade da pessoa
humana, partindo da sua valorização como princípio até a sua verificação no âmbito
da relação de emprego. Aqui a dissertação chega no seu ponto central, onde busca
12
responder de que maneira a estabilidade no emprego possibilita a realização do
princípio da dignidade da pessoa humana.
Na conclusão, far-se-á um exame geral sobre o tema pesquisado,
ressaltando, em síntese, os pontos relevantes do estudo, com uma sinopse do
trabalho científico desenvolvido, para o fechamento do assunto, tão relevante para
as modernas relações justrabalhistas.
13
1 O HOMEM E O TRABALHO
Antes de adentrar ao estudo do trabalho sob o ponto de vista jurídico, faz-se
mister entender de que modo ele se apresentou no decorrer da história, e mais, de
que modo foi apreendido pelos pensadores em cada época.
É que, quando se aborda qualquer tema a respeito, várias questões vêm à
tona, interrogando não só o lugar do trabalho na vida das pessoas, mas também
sobre a falta de trabalho e a sobrecarga de trabalho.
Pesquisando as idéias atuais sobre o assunto, não é possível chegar a
conclusões consistentes sem ter em conta os caminhos que levaram à construção
desse pensamento. Até porque, certas questões que parecem novas vêm de longa
data, e encontraram muitas respostas possíveis, algumas mais acertadas que
outras, mas todas passíveis de colocar mais luz sobre o presente.
Trata-se de um assunto muito vasto, que poderia mesmo ser objeto de estudo
específico, não sendo possível aqui, portanto, abranger todos os intérpretes e todas
as linhas de pensamento pertinentes. Pretende-se, tão-somente, ter uma visão
panorâmica sobre o mundo do trabalho no decorrer dos tempos, passo essencial
para que seja possível adentrar ao tema da dissertação propriamente dito.
Far-se-á uma abordagem das relações de trabalho e das idéias acerca delas,
tendo em vista o pensamento predominante no Ocidente, principalmente na Europa,
uma vez que se pode reuni-las sob características gerais, características estas que
deram ensejo ao desenvolvimento do Direito do Trabalho de maneira semelhante,
influenciando não só os países localizados naquele continente, mas também os
países americanos, como é o caso do Brasil.
1.1 Sentido etimológico do trabalho
Durante o desenvolvimento da humanidade, o caráter do trabalho carregou
diversos significados, seja tendo em vista as várias ciências que trataram sobre ele,
seja em razão do momento histórico em que era feita cada análise.
14
O verbo "trabalhar" é proveniente do latim vulgar tripaliare, que significa
torturar utilizando-se do tripalium.3 O tripalium seria um cavalete de três paus, usado
para sujeitar os cavalos aos colocar-lhes a ferradura.4
Interessante trazer à tona que, embora na atualidade, e já há algum tempo, as
palavras trabalho e labor venham sendo usadas como sinônimas, na Antiguidade
havia uma distinção entre os termos.5
Assim, muitas línguas européias, antigas e modernas, possuem uma palavra
para labor e outra para trabalho, a despeito de serem hoje usadas muitas vezes
como sinônimas. As palavras para labor, como o latim e o inglês labor, o grego
ponos, o francês travail, o alemão arbeit, significam dor e esforço, e são também
usadas para designar as dores do parto, sendo certo que a palavra labor tem a
mesma raiz etimológica que labare, que quer dizer cambalear sob uma carga e
ponos e arbeit têm as mesmas raízes etimológicas que a palavra pobreza.6
Por outro lado, a língua grega distingue entre ponein e ergazesthai, o latim,
entre laborare e facere ou fabricari, que possuem a mesma origem etimológica, o
francês, entre travailler e ouvrer, e o alemão, entre arbeiten e werken.7
Como será visto adiante, os gregos desprezavam o labor, resultante da luta
do homem contra a necessidade, o que se generalizou de tal forma que a palavra
labor, como substantivo, nunca chegou a designar o resultado da ação de laborar,
diferentemente da palavra trabalho, que também indica o nome do próprio produto.8
Para a filosofia, o trabalho pode ser conceituado como a “atividade destinada
a utilizar as coisas naturais ou a modificar o ambiente para satisfação das
necessidades humanas”.9
Os sociólogos o entendem como “a exteriorização da energia, transformando
uma forma de atividade em outra. Energia intencionalmente despendida com o fim
3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1695.4 FERRARI, Irany. História do Trabalho. In FERRARI, Irany, et al. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 14.5 É com base nessa distinção que a filósofa Hannah Arendt faz sua análise do trabalho na Antiguidade e na modernidade. Cf. ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.6 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 58.7 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 90.8 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 91.9 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1147.
15
de conseguir elementos úteis”10 ou como “atividade que gera um produto ou serviço
para uso imediato ou de troca”11.
Como se observa, o sentido de trabalho está ligado à atividade humana,
sempre visando a uma finalidade previamente estabelecida. Não é mero dispêndio
de energia, mas aquele que tem a pretensão da satisfação de algum desejo ou
necessidade.
1.2 Sentido religioso – o trabalho e a Igreja Católica
A visão religiosa sobre o tema do trabalho merece destaque, na medida em
que, nesses dois milênios de cristianismo, a Igreja Católica jamais deixou de se
manifestar a respeito, principalmente no último século, quando várias encíclicas
papais versaram fundamentalmente sobre as questões trabalhistas, formulando a
Doutrina Social da Igreja Católica.12
Na tradição judaico-cristã, o sentido inicial de trabalho associava-se à noção
de punição. Na Bíblia, é apresentado primeiramente como uma penalidade, em
razão do pecado original. Assim, a partir do momento em que Adão e Eva comeram
do fruto proibido, foram castigados com o trabalho.
Traduz-se também como necessidade que leva à fadiga e que resulta de uma
maldição: “comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn. 3,19)13. Decorre daí o
sentido do trabalho como obrigação, dever.
Uma obra de destaque, e que se encontra nos limites entre o religioso e o
filosófico, é da autoria de Santo Agostinho, que viveu entre 354 e 430 d.C..14
Seus estudos foram vastos, e apresentaram uma noção diferenciada do
trabalho. Ele via a atividade divina dividida em dois feixes: o primeiro envolvendo a 10 ARCHERO JUNIOR, Aquiles. Dicionário de sociologia. [S.l.]: [S.n.], 1939, p. 170.11 JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997, p. 241.12 FERRARI, Irany. História do trabalho. In FERRARI, Irany et al. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 25.13 MENEGASSO, Maria Ester. O declínio do emprego e a ascensão da empregabilidade: um protótipo para promover a empregabilidade na empresa pública do setor bancário. 1998. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Disponível em <http://www.eps.ufsc.br/teses98/ester/>. Acesso em 02 abr. 2008.14SALAMITO, Jean-Marie. Trabalho e trabalhadores na obra de Santo Agostinho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan. (Orgs.) O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 37
16
operação natural, ação secreta de Deus, que consiste no crescimento das plantas e
demais fenômenos naturais; o segundo significando a operação voluntária, definida
pelas obras dos anjos e dos homens, como por exemplo a agricultura e as diversas
profissões.15 Nesse sentido, valorizava o trabalho humano como extensão do
trabalho de Deus.
Em relação à passagem bíblica do Gênesis 3,19, frequentemente citada por
aqueles que tratam do tema, ele a via de forma otimista, como um incentivo às
pessoas para suportar a condição do trabalho com espírito apaziguado. Dava mais
destaque ao Gênesis 2,15: “E o Senhor Deus tomou o homem que ele criava e o
colocou no paraíso para trabalhá-lo e conservá-lo”. Passava a seus ouvintes,
portanto, uma imagem de que Deus cuidou do homem assim como o homem cuida
de seu campo.16
Assim, Agostinho recomendava o trabalho manual por três motivos: ajuda a combater as tentações da ociosidade; ajuda os monastérios a cumprir seu dever de caridade para com os pobres; e favorece a contemplação, por não ocupar indevidamente o espírito como o fazem outras ocupações, como a compra e a venda de mercadorias.17
As regras de São Bento também tiveram importância decisiva na concepção
do trabalho, na medida em que se baseavam na necessidade de salvação do
homem e sua aproximação com Deus, através do trabalho, considerado este uma
forma de combater as tentações de um corpo ocioso:CAPÍTULO 48 - Do trabalho manual cotidiano [1] A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual. [2] Pela seguinte disposição, cremos poder ordenar os tempos dessas duas ocupações: [3] isto é, que da Páscoa até o dia 14 de setembro, saindo os irmãos pela manhã, trabalhem da primeira hora até cerca da quarta, naquilo que for necessário. [4] Da hora quarta até mais ou menos o princípio da hora sexta, entreguem-se à leitura. [5] Depois da sexta, levantando-se da mesa, repousem em seus leitos com todo o silêncio; se acaso alguém quiser ler, leia para si, de modo que não incomode a outro. [6] Celebre-se a Noa mais cedo, pelo fim da oitava hora, e de novo trabalhem no que for preciso fazer até a tarde. [7] Se, porém, a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se ocupem, pessoalmente, em colher os produtos da terra, não se entristeçam por isso, [8] porque então são verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os
15 SALAMITO, Jean-Marie. Trabalho e trabalhadores na obra de Santo Agostinho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 44-4516 SALAMITO, Jean-Marie. Trabalho e trabalhadores na obra de Santo Agostinho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 40-43.17 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 331, nota 83.
17
nossos Pais e os Apóstolos. [9] Tudo, porém, se faça comedidamente por causa dos fracos. [10] De 14 de setembro até o início da Quaresma, entreguem-se à leitura até o fim da hora segunda, [11] no fim da qual se celebre a Terça; e até a hora nona trabalhem todos nos afazeres que lhes forem designados. [12] Dado o primeiro sinal da nona hora, deixem todos os seus respectivos trabalhos e preparem-se para quando tocar o sinal. [13] Depois da refeição, entreguem-se às suas leituras ou aos salmos. [14] Nos dias da Quaresma, porém, da manhã até o fim da hora terceira, entreguem-se às suas leituras, e até o fim da décima hora trabalhem no que lhes for designado. [15] Nesses dias de Quaresma, recebam todos respectivamente livros da biblioteca e leiam-nos pela ordem e por inteiro; [16] esses livros são distribuídos no início da Quaresma. [17] Antes de tudo, porém, designem-se um ou dois dos mais velhos, os quais circulem no mosteiro nas horas em que os irmãos se entregam à leitura [18] e verão se não há, por acaso, algum irmão tomado de acédia, que se entrega ao ócio ou às conversas, e não está aplicado à leitura e não somente é inútil a si próprio como também distrai os outros. [19] Se um tal for encontrado, o que não aconteça, seja castigado primeira e segunda vez: [20] se não se emendar, seja submetido à correção regular de tal modo que os demais temam. [21] Que um irmão não se junte a outro em horas inconvenientes. [22] Também no domingo, entreguem-se todos à leitura, menos aqueles que foram designados para os diversos ofícios. [23] Se, entretanto, alguém for tão negligente ou relaxado, que não queira ou não possa meditar ou ler, determine-se-lhe um trabalho que possa fazer, para que não fique à toa. [24] Aos irmãos enfermos ou delicados designe-se um trabalho ou ofício, de tal sorte que não fiquem ociosos nem sejam oprimidos ou afugentados pela violência do trabalho; [25] a fraqueza desses deve ser levada em consideração pelo Abade.18
Os beneditinos colocaram em prática o lema ora et labora, e assim tiveram
papel decisivo na reconstrução da Europa após a queda do Império Romano.19
É importante notar, na filosofia religiosa, que, ao lado do aspecto punitivo,
existia também o caráter do trabalho de afastar a ociosidade e favorecer a
contemplação, como no caso de São Bento. Nesse sentido, em completo acordo com as antigas convicções sobre o caráter da atividade do trabalho está o freqüente uso cristão da mortificação da carne, na qual o trabalho árduo, principalmente nos monastérios, tinha às vezes o mesmo papel de outros dolorosos exercícios e formas de auto-tortura.20
No período feudal, a Igreja acumulou tantas terras que foi considerada a
maior proprietária entre todos. Assim, à medida que crescia em riqueza, a tendência
era se desvirtuar cada vez mais do lado espiritual, apresentando um comportamento
tão ou mais opressor do que o de outros senhores feudais.
18 MOSTEIRO DE SÃO BENTO DO RIO DE JANEIRO. Regra do glorioso patriarca São Bento. Disponível em <http://www.osb.org.br/regra.html#CAPÍTULO%2048>. Acesso em 27 maio 2008.19 MENEGASSO, Maria Ester. O declínio do emprego e a ascensão da empregabilidade: um protótipo para promover a empregabilidade na empresa pública do setor bancário. 1998. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Disponível em <http://www.eps.ufsc.br/teses98/ester/>. Acesso em 02 abr. 2008.20 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 330-331.
18
Com as Cruzadas, movimento religioso de peregrinações, pretendia-se
resgatar a Terra Santa, mas por trás desse objetivo estava clara a intenção de
aumentar a posse de mercadorias e de terras.
Entretanto, no século XVI, a hegemonia da Igreja Católica sofreu sério abalo.
A Europa estava em efervescência com o Renascimento. Houve uma revalorização
da cultura greco-romana, e um estudo aprofundado das Escrituras levava a uma
visão mais crítica. Politicamente, as monarquias regionais se fortaleciam e se
opunham ao poder centralizado do Papa e do Imperador do Sacro Império Romano.
A Igreja Católica cometia sérios abusos, como a venda de indulgências, e,
como consequência de todos esses fatores, eclodiu o movimento da Reforma, que
deu origem ao protestantismo. Os primeiros protestos foram de Martinho Lutero, em
1517, então monge da ordem agostiniana.
Com a Reforma, o trabalho foi fortalecido como a chave da vida, e manter-se
por meio dele era um modo de servir a Deus. As profissões passaram a ter um
caráter de vocação, e o trabalho passou a ser visto como o caminho religioso para a
salvação. Nesse sentido, para a ética protestante de Martinho Lutero, trabalhar de
forma árdua, diligente e abnegada equivalia a cultivar a virtude.21
Ainda segundo os ensinamentos de Lutero, os indivíduos deveriam aceitar
sua vocação como uma vontade de Deus. A idéia luterana da profissão tinha um
certo caráter corporativo, ou seja, mantinha as bases de uma sociedade
conservadora onde cada um deveria manter a sua condição.22
Mas foi com Calvino que a nova ética do trabalho se afirmou. A visão
calvinista de Deus é de Deus trabalhador, que toma conta ativamente do mundo que
criou. Se o trabalho se tornou penoso pelo pecado de Adão, Cristo foi o libertador do
sofrimento do trabalho, que é sinal de graça.
Calvino criticava veementemente o ócio dos monges, e pregava que a riqueza
seria bendita somente quando se fizesse bom uso dela. Recomendava o pagamento
de um salário aos empregados, assim como contratos de trabalho fixando os direitos
21 MENEGASSO, Maria Ester. O declínio do emprego e a ascensão da empregabilidade: um protótipo para promover a empregabilidade na empresa pública do setor bancário. 1998. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Disponível em <http://www.eps.ufsc.br/teses98/ester/>. Acesso em 02 abr. 2008.22 WILLAIME, Jean-Paul. As reformas protestantes e a valorização religiosa do trabalho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 68.
19
e deveres das partes, e especialmente o respeito aos domingos pelo empregador. O
assalariado seria senhor de seus ganhos e de seus bens materiais.23
O calvinismo teve maior desenvolvimento na França, mas mesmo aí sua
resistência foi minoritária. Entretanto, suas idéias a respeito do trabalho tiveram
sérias repercussões no desenvolvimento das sociedades calvinistas, uma vez que
conferiram a ele uma dignidade nunca antes vista.
A mesma linha foi seguida pelo movimento puritano, que teve origem na
Inglaterra no final do século XVIII. Esse movimento buscava uma reforma religiosa
mais rigorosa, sendo certo que o trabalho era então concebido como exercício
regular e disciplinado de uma atividade, valorizando a eficácia como
desenvolvimento da própria atividade e de seus frutos.24
Interessante salientar que essa mudança da conotação dada ao trabalho foi
intensificada pelo aumento significativo da população, o que requeria um incremento
na produção de excedentes para suprir a demanda, o que só poderia ser feito por
meio do trabalho. Contudo, embora parte da doutrina confira ao protestantismo um
papel crucial no desenvolvimento da industrialização, e mesmo na Revolução
Industrial, tal entendimento não é pacífico:Tampouco a Reforma protestante pode ser invocada para explicá-la, quer diretamente, quer através de algum ‘espírito capitalista’ especial ou de outra mudança de atitude econômica induzida pelo protestantismo; a Reforma não explica nem sequer porque a Revolução ocorreu na Grã-Bretanha, e não na França. A Reforma teve lugar mais de dois séculos antes da Revolução Industrial. Não sucedeu absolutamente que todas as regiões convertidas ao protestantismo se hajam tornado pioneiras da revolução industrial, e – para citarmos um exemplo óbvio – as partes dos Países Baixos que permaneceram católicos (a Bélgica) industrializaram-se antes daquela parte que se tornou protestante.25
Entretanto, a partir do século XIX, com a industrialização crescente e a
também crescente exploração dos trabalhadores, a Igreja Católica não pôde mais se
abster de preocupar-se com a questão social. Tal preocupação manifestou-se de
modo explícito através da Encíclica Rerum Novarum, da autoria do Papa Leão XIII.
A Rerum Novarum pregava uma aliança entre os donos dos meios de produção e os
trabalhadores, de maneira que a utilização da propriedade sempre levasse em conta
23 WILLAIME, Jean-Paul. As reformas protestantes e a valorização religiosa do trabalho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 75.24 WILLAIME, Jean-Paul. As reformas protestantes e a valorização religiosa do trabalho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 82.25 HOBSBAWN, Eric J. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Trad. de Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 36.
20
a função social, e que os salários fossem calculados de maneira a possibilitar o
sustento dos trabalhadores, sem inviabilizar o empreendimento econômico. Afirmava
a respeito do trabalhoque deve ser considerado, na teoria e na prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Para a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência. Por isso, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade, que, em caso contrário, ficariam profundamente lesadas, ainda mesmo que o contrato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas.26
O Papa Leão XIII manifestou-se a respeito de diversos aspectos ligados à
questão do trabalho, preocupando-se não só com a justa remuneração, mas,
também, com as condições da prestação dos serviços e com a proteção da força
feminina e infantil, afirmando que “o número de horas de trabalho diário não deve
exceder a força dos trabalhadores” e que “o que um homem válido e na força da
idade pode fazer, não será equitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança”.27
Outras encíclicas também abordaram a questão do trabalho, como é o caso
da Quadragésimo Ano, da autoria do Papa Pio XII, que incentivava participação dos
trabalhadores na gestão, na propriedade, ou nos lucros da empresa, e, da autoria do
Papa João XXIII, a Mater et Magistra, de 1961, e a Pacem in Terris, de 1963.28
O Papa João Paulo II foi o que de fato mais se dedicou ao tema. Merece
destaque a Encíclica Laborens Exercens, de 1981, por ocasião do aniversário de 90
anos da Rerum Novarum, na qual o Papa manifestou a preocupação da Igreja com
as inovações tecnológicas e suas consequências para o trabalho, ressaltando a
importância deste como dimensão fundamental da existência humana sobre a terra,
e valorizando o sentido subjetivo do trabalho:E por esta conclusão se chega a reconhecer justamente a preeminência do significado subjetivo do trabalho sobre o seu significado objetivo. Partindo deste modo de entender as coisas e supondo que diversos trabalhos realizados pelos homens podem ter maior ou menor valor objetivo, procuramos todavia pôr em evidência que cada um deles se mede sobretudo pelo padrão de dignidade do mesmo sujeito do trabalho, isto é, da pessoa que o executa. (...) É preciso acentuar e pôr em relevo o primado do homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas. É tudo aquilo que está contido no conceito de ‘capital’ num sentido restrito do termo, é somente um conjunto de coisas. Ao passo que o homem, como sujeito do trabalho, independentemente do trabalho que faz,
26 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 92.27 FERRARI, Irany. História do trabalho. In FERRARI, Irany et al. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 28.28 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 93.
21
o homem, e só ele, é uma pessoa. Esta verdade contém em si conseqüências importantes e decisivas.29
Não menos importante foi a Encíclica Centesimus Annus, de 1991, publicada
quando do centenário da Rerum Novarum, que salientava a importância do trabalho
na produção de riquezas e como fator de integração entre os homens, devendo ser
realizado de acordo com as potencialidades da terra e as necessidades do outro
homem, para o qual é feito o trabalho.30
Nesse quadro, a valorização espiritual do trabalho ganhou força com o passar
do tempo. Essa valorização, como busca da santificação no mundo, está presente
na doutrina da organização católica Opus Dei, fundada em 1928 pelo sacerdote
espanhol José Maria Escrivá de Balaguer. O trabalho, para a Opus Dei, não é
somente digno, mas também possibilidade de santificação, pois por meio dele se
pode chegar mais próximo de Deus.31
Verifica-se que o pensamento religioso interferiu de maneira significativa na
questão do trabalho. O fato é que a humanidade sempre busca uma moral para
fundar suas ações, e em grande parte das vezes essa moral está ligada à religião.
Assim, ainda que a doutrina religiosa não tenha o condão de definir todos os limites
do pensamento, a sua interferência se fez sentir ao longo do tempo, seja na época
em que o trabalho era associado ao sentido do castigo, seja depois com a sua
valorização.
Atualmente, a questão religiosa não possui influência tão decisiva quanto
antes (o que, no caso da religião católica, é ainda mais acentuado), mas não se
pode olvidar que a cultura moderna tem suas raízes no passado. Certo é que o
pensamento formulado através dos tempos recebeu a contribuição de várias áreas
do conhecimento humano, o que merece atenção nesta pesquisa.
1.3 O trabalho na história pré-capitalista
29 João Paulo II, Sobre o trabalho humano, Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1984, p. 16-17, 32 apud MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 3030 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 30-31.31 WILLAIME, Jean-Paul. As reformas protestantes e a valorização religiosa do trabalho. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 84-85. No mesmo sentido, FERRARI, Irany. História do trabalho. In FERRARI, Irany et al. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 31.
22
Embora as relações de trabalho, como vemos hoje, somente se
desenvolveram na Idade Contemporânea, os modelos produtivos que antecederam
ao sistema capitalista tiveram forte influência nesse desenvolvimento, merecendo
ser abordados, ainda que de maneira condensada.
1.3.1 O trabalho na Antiguidade Clássica
A evolução do trabalho, e do pensamento sobre o trabalho, através dos
tempos, está ligada à própria evolução do homem.
O ser humano começou a trabalhar para suprir as suas necessidades. Assim,
a caça e a pesca surgiram porque tinha que se alimentar, e diversas outras formas
de trabalho tinham esse significado: o homem retirava da natureza o necessário
para se proteger do frio e da chuva, construía abrigos para se esconder de animais
predadores, desenvolvia formas de conseguir os alimentos com segurança e
rapidez.
Aos poucos foi se manifestando o que diferenciava o homem dos outros
animais: a capacidade de transformar a matéria existente na natureza em objetos
apropriados para suprir suas necessidades. Foi assim que criou a ferramenta,
através de pedaços de madeira, ou mesmo de ossos de animais, facilitando o
trabalho e potencializando a sua capacidade como agente interventor na natureza.
Nesse sentido, o trabalho representou um fator de grande relevância para a
evolução do homem, haja vista que permitiu certo domínio sobre a natureza e o
incremento de sua capacidade técnica, lançando assim as bases para o
desenvolvimento da tecnologia.
Até ali, o entendimento que se tem do trabalho na atualidade não apresentava
o menor vestígio, haja vista que as atividades humanas se limitavam a garantir a
manutenção da vida do indivíduo e da espécie.
Nas primeiras sociedades mais desenvolvidas, entretanto, o trabalho já era
visto de outra forma.
23
Na civilização grega, considerada berço do pensamento filosófico ocidental,
os homens livres se reuniam nos espaços públicos32 e dialogavam sobre a existência
e o destino do próprio homem. Para que eles pudessem se dedicar exclusivamente
à contemplação, era necessário que outros exercessem as tarefas relacionadas à
satisfação das necessidades básicas: eram os escravos, responsáveis por produzir
roupas e objetos, plantar e colher, caçar, construir edificações, fazer ferramentas,
tudo o que era considerado inferior.
As primeiras reflexões acerca do tema aparecem em obras poéticas do
período arcaico, por volta de 800 a 500 a.C., mas o seu ponto culminante se deu no
período clássico, nos séculos IV e V (antes de Cristo), inicialmente com Platão e
Xenofonte, que se inspiravam em Sócrates, e posteriormente com Aristóteles.33
Interessante salientar que o tema do trabalho não chegou a ser um problema
para os gregos. Para eles, as atividades que consideramos hoje como trabalho não
tinham o mesmo peso que, por exemplo, a política e a filosofia, não lhe dando um
lugar especial na ordem de suas preocupações e não chegando a elaborar
verdadeiramente uma teoria sobre o assunto, sendo certo que idéias a respeito
podem ser encontradas tão somente dispersas em suas obras filosóficas.
Tanto assim é que não há na filosofia grega conceito correspondente ao de
trabalho assim como entendemos hoje, significando as várias atividades realizadas
pelo homem. O trabalho era, na prática, vivenciado por eles, e compreendia as
noções de trabalho agrícola e artesanal, atividades comerciais, e outras (como
médico e adivinho), mas não havia um termo global para designá-las.34
Certo é que os gregos valorizavam de maneira diferente cada tipo de
trabalho, sendo notório que distinguiam o trabalho manual do intelectual: As profissões (technai) chamadas de artesanais (banausikai) são, de fato, criticadas, e é com razão que são totalmente menosprezadas na pólis. De fato, elas arruínam o corpo dos trabalhadores e daqueles que se ocupam com elas, obrigando-os a permanecerem sentados à sombra; às vezes, até mesmo a passar todo o dia junto ao fogo. Como os corpos ficam assim, efeminados, as almas também ficam mais fracas. Mais do que tudo, essas
32 O espaço político onde se exercitava o diálogo, era a chamadapólis, a cidade grega, onde se duscutiam os negócios, a vida, os comportamentos e as normas que regiam o viver em comunidade. De acordo com Hannah Arendt, a palavrapólis tinha originariamente a conotação de algo como “muro circundante”. (ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 73).33 MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 17.34 MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 18-19.
24
profissões chamadas banausikai não deixam nenhum lazer (ascholia) para se ocupar dos amigos e da pólis. [...] Também descobrimos que as coisas úteis são todas aquelas das quais sabemos nos servir. Pareceu-nos, pois, impossível aprender todos os saberes (épistèmai) e, após exame, concordamos com as pólis em descartar as profissões ditas artesanais, pois parecem que elas arruínam o corpo e aniquilam as almas.35
As atividades relacionadas ao comércio também não eram vistas com bons
olhos por filósofos como Platão e Aristóteles, pois visavam aumentar a riqueza dos
que o praticavam, de maneira ilimitada; o espírito de lucro era por eles recriminado.36
Em contrapartida, a riqueza era um forte fator de distinção entre os habitantes
da pólis grega. Aqueles que deviam trabalhar para viver eram pessoas do povo, que
formavam a plebe ou as classes trabalhadoras. Já aqueles que possuíam bastante
riqueza podiam se dedicar a tarefas mais elevadas, como o estudo e a política, e
delegavam a outros as tarefas diárias de administração dos bens da família.
Aristóteles elencava os modos de vida nos quais o indivíduo não tinha
liberdade, pois estava preso à sua sobrevivência; em algum momento esse indivíduo
não podia dispor da sua liberdade de movimento e de ações: o modo de vida do
escravo, que era coagido pela necessidade de permanecer vivo e pela tirania do
senhor, e também a vida de trabalho dos artesãos e a vida do mercador.
Contrariamente, os modos de vida restantes ocupavam-se não do que era
necessário, mas do que era útil: a vida voltada para os prazeres do corpo, a vida
dedicada aos assuntos da pólis e a vida do filósofo.37
A atividade mais nobre que poderia ser exercida por um cidadão era a
política, à qual todos aspiravam:Já que estamos examinando a melhor constituição, que é aquela que deve assegurar à pólis a felicidade perfeita e que essa felicidade, como dissemos acima, é impossível sem virtude (arétè), disso evidentemente decorre que, na pólis mais bem governada e que tem homens justos, no sentido absoluto e não de maneira condicional, os cidadãos não devem levar uma vida nem de artesão (banausos) nem de mercador (agoraios), pois tal vida é vil e contrária à arétè, e que aqueles que se tornarem seus cidadãos também não devem ser agricultores (géôrgoi), pois é necessário lazer (scholè) para desenvolver a arétè e exercer as atividades políticas.38
35 XENOPHON, Économique, Paris: Les Belles Lettres, 1949. VI, 4 (Trad de P. Chantraine) apud MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 2136 MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 22.37 Cf. ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 20-21.38 ARISTOTE. Politique, livro VI, 4, 1-2. Paris: Las Belles Lettres, 1960-1989 (Trad. De J.-Aubonnet) apud MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel;
25
Há de se observar, entretanto, que em todas as pólis os cidadãos eram
minoria: estes eram apenas os adultos do sexo masculino, que detinham o privilégio
por nascimento, e que possuíam em geral a exclusividade do direito de propriedade,
bem como dos direitos políticos. Havia outros grupos de pessoas livres, que
realizavam atividades diversas na pólis, mas significativa parte da população era
constituída de escravos, que trabalhavam em todas as áreas, desde os trabalhos
domésticos, agrícolas e artesanais até as empresas e serviços públicos.39
Havia necessidade da existência da escravidão, mas não como forma de se
obter lucro. Era, na verdade, a forma de os cidadãos escaparem do exercício das
tarefas que servissem às necessidades de manutenção da vida. A título de exemplo,
em Atenas, no ano 310 a.C., havia 400.000 escravos para 21.000 cidadãos.40 Tanto
assim é que os escravos chegaram muitas vezes a ocupar posições profissionais de
responsabilidade, o que indica a tentativa da classe dirigente de se abster de
qualquer tipo de atividade.
A infelicidade da escravidão, entretanto, não tinha ligação com o bem estar,
mas com a liberdade. Assim, era preferível ser livre e pobre, vagando em um
mercado de trabalho inseguro, a um trabalho regular e garantido, pois este último
restringia a liberdade; o trabalho árduo e penoso era considerado melhor do que a
vida tranquila de muitos escravos domésticos.41
O trabalho, assim, não era menosprezado por si só, mas sim quando se
apresentava como uma necessidade. A situação mais degradante a que poderia
chegar uma pessoa livre era a de precisar vender seu trabalho a terceiros.
Dessa época, portanto, vem a distinção entre trabalho e labor, abrangendo
este as atividades realizadas na esfera da vida privada, onde o homem tinha que se
dedicar à satisfação de suas necessidades básicas e, portanto, não podia expressar
SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 27.39 MIGEOTTE, Léopold. Os filósofos gregos e o trabalho na Antiguidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 29. A condição de escravo podia decorrer do nascimento ou do não pagamento de uma dívida. Além disso, em caso de guerra, o exército que fosse vencido passava à situação de escravo do vencedor.40 MENEGASSO, Maria Ester. O declínio do emprego e a ascensão da empregabilidade: um protótipo para promover a empregabilidade na empresa pública do setor bancário. 1998. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção. Disponível em <http://www.eps.ufsc.br/teses98/ester/>. Acesso em 02 abr. 2008.41 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 40-41.
26
sua excelência humana; e aquele, como a atividade correspondente ao artificialismo
da existência humana, não sendo mais importante o objetivo dessa atividade, mas o
processo, exercido com liberdade.42
A civilização romana também tinha como base o trabalho escravo, e o seu
alto desenvolvimento em muito se deve a esse fator. Embora haja inúmeras
distinções entre a Grécia Antiga e o Império Romano, a exploração de escravos foi
um dos aspectos fundamentais de ambas as sociedades, podendo-se afirmar,
portanto, ser a escravidão a marca do trabalho na Idade Antiga no ocidente.
“Em tal conjuntura, o trabalho, além de representar o símbolo da
obrigatoriedade, criava sentimentos de sofrimento e condenação para os
prestadores de serviços, o que lhes gerava uma identidade de submissão.”43
1.3.2 O trabalho nas Idades Média e Moderna
Com a queda do Império Romano do Ocidente, as nobrezas regionais em
toda a Europa passaram a ter papel preponderante na defesa contra as invasões
dos bárbaros e na afirmação dos seus direitos hereditários e de posse de terras.
As cidades entraram em decadência e as pessoas passaram a viver em torno
dos castelos e fortalezas, nos chamados feudos, que passaram a ser o local onde as
relações sociais se constituíam, onde se elaboravam as leis, e onde as pessoas
trabalhavam para a manutenção da sociedade.
Os trabalhadores da época eram os servos, que, ao contrário dos escravos,
não eram propriedade do senhor. Entretanto, sua vida estava ligada à terra, e havia
a obrigação de trabalhar nela em benefício do senhor.
A posse da terra, tanto quanto a relação de poder que se estabelecia entre o
senhor feudal e seus servos, eram tidas como naturais. A ideologia preponderante
na Idade Média admitia que os homens eram naturalmente desiguais. Ter nascido
nobre ou servo era consequência da vontade divina, logo, não poderia ser
questionado.
42 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 15.43 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 142.
27
A respeito, interessante trazer à colação a fala de um proprietário russo a
seus servos:Eu sou vosso senhor e meu senhor é o Czar. O Czar tem o direito de me dar ordens e devo obedecer-lhe, mas não de dá-las vós. Em minha propriedade, eu sou o Czar, sou vosso Deus na terra, e terei que ser responsável por vós perante Deus no céu... Primeiramente, um cavalo deve ser escovado dez vezes com a almofaça de ferro, e somente depois vós podeis limpá-lo com a escova macia. Tereis que escovar-vos com violência, e quem sabe se chegarei jamais à escova macia. Deus limpa o ar com trovões e relâmpagos, e, em minha aldeia, eu limparei com trovões e fogo, sempre que assim o julgue necessário.44
Nesse sentido, a Igreja Católica teve um papel importante no controle das
idéias da sociedade da época. Tendo sido a maior proprietária de terras de toda a
Europa, interpretava o Evangelho do ponto de vista da conservação do sistema
feudal. Houve tantas insatisfações que foi gerado o movimento da Reforma
Protestante.
Com o passar do tempo, a produção feudal, que era dirigida apenas ao
consumo interno, representativa de uma economia de subsistência, começou a
apresentar excedentes, gerando pequenos centros de comércio, e introduzindo “o
fascínio pelo poder econômico e pela possibilidade de consumo”.45
Para manter a sua riqueza, os senhores feudais passaram a intensificar a
exploração do trabalho servil, o que levou a abusos cada vez piores, com a
cobrança de pesadas multas e impostos, a diversos títulos. Por essa razão, as
pessoas começaram a fugir dos campos, surgindo assim as cidades ou burgos.
Deve-se ainda levar em conta que o comércio nos burgos levou ao
surgimento de uma nova classe, a burguesia, cujo fortalecimento em torno da figura
do capital propiciou o declínio do feudalismo.
Nas cidades que iam se formando, os homens foram se unindo, identificando-
se em razão de exercer a mesma profissão. Floresceram os pequenos negócios e
oficinas, reunidos em corporações de ofício, principalmente na Espanha, França e
Alemanha, mas também em outros países como a Inglaterra. Esse modelo pautava-
se por uma rígida hierarquia, encabeçada pelos mestres, que ensinavam os
trabalhos aos aprendizes por um período, findo o qual estes se tornavam
companheiros.
44 Haxthausen. Studien ... ueber Russland (1874), II, p. 3 apud HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 20945 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 143.
28
Os mestres, embora compartilhassem o conhecimento quanto aos métodos
de trabalho, eram os únicos donos dos meios de produção, e controlavam o sistema
corporativo, sendo certo que eram senhores não só da disciplina profissional dos
companheiros e aprendizes, mas também da vida pessoal. “O sistema não passava,
entretanto, de uma fórmula mais branda de escravização do trabalhador”.46
A burguesia aos poucos foi se consolidando como um poderoso segmento,
concomitantemente ao enfraquecimento do poder, até então hegemômico, da
nobreza e da Igreja. Essas classes, então, passaram a patrocinar o fortalecimento
do poder do Estado nas mãos do monarca absoluto como estratégia de manutenção
do seu poder político.47
Mas, para a burguesia, o poder monárquico era vantajoso, na medida em que
consolidava o Estado nacional e garantia um mercado seguro para maior incremento
das práticas comerciais. Assim, foi-se concretizando a posição dessa classe
emergente como maior detentora de poder econômico, e lançando as bases para a
acumulação de capital, que possibilitou mais tarde o advento da Revolução
Industrial.48
É importante ter em conta que, mesmo na segunda metade do século XVIII,
às vésperas da Revolução Industrial, na Europa ainda havia muito trabalho servil.
Apenas em algumas regiões havia camponeses tecnicamente livres, mas na prática
eram duramente explorados pelos grandes proprietários de terra, o mesmo
ocorrendo na Ásia. Já no continente americano, com pequenas exceções, o
trabalhador típico era o índio ou o negro, em regime de escravidão.49
Na Grã-Bretanha a situação era um pouco diferente. Embora a agricultura
ainda fosse representativa, a terra era cultivada por arrendatários empregando
camponeses sem terra ou pequenos agricultores, sendo certo que o seu
campesinato se diferenciava em muito do restante da Europa:As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado; as manufaturas de há muito tinham-se disseminado por um interior não feudal. A agricultura já estava preparada para levar a termo suas três funções fundamentais numa era de industrialização: aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido crescimento; fornecer um grande e crescente excedente
46 SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 31.47 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 144.48 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 143-145.49 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 31-35.
29
de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias; e fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia.50
Aliado a isso está o fato de que o regime das corporações de ofício foi
gradualmente deixando de se justificar, em parte em razão dos abusos cometidos
pelos mestres, cuja tendência era transformar o ofício em um bem de família, mas
sobretudo em decorrência das inovações tecnológicas, que levaram à substituição
do trabalho manual pelas máquinas.
Foi esse cenário que permitiu a explosão da Revolução Industrial na Grã-
Bretanha, a partir de 178051, e que aos poucos foi se estendendo aos demais países
da Europa. As relações de trabalho se modificam definitivamente: os trabalhadores
necessários ao novo sistema de produção são trabalhadores livres, que podem
pactuar as suas condições de trabalho, mas cuja necessidade de sobrevivência e
impotência diante dos donos do capital os leva a aceitar salários e condições
míseras de trabalho.
Com a Revolução Industrial e o trabalho livre, entretanto, uma massa de
pessoas migrou para as cidades, formando um verdadeiro exército de indivíduos que
necessitavam de trabalho, como única forma de (sobre)viverem. Isso os retirou da
“proteção” do senhor e os lançou para o mercado de trabalho, onde, de acordo com
os ideais liberais predominantes à época, cada um devia cuidar de si mesmo. Nesse
sentido:A revolução legal, do ponto de vista do camponês, não lhe deu nada exceto alguns direitos legais, mas lhe tomou bastante, por exemplo, na Prússia, a emancipação deu-lhe 2/3 ou a metade da terra que ele já cultivava e a libertação do trabalho e de outras obrigações; mas formalmente lhe tomou: sua possibilidade de reivindicar a assistência do senhor feudal em tempos de colheita muito ruim ou de praga do gado; seu direito de retirar combustível barato das floretas do senhor; seu direito à assistência do senhor para reparos ou reconstrução de sua casa; seu direito no caso de extrema pobreza, de pedir ajuda ao senhor para pagar os impostos; e seu direito de dar de pastar aos animais no campo do senhor. Para o camponês pobre parecia uma troca nitidamente desfavorável.52
50 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 54-55.51 Há pequenas divergências entre os autores quanto à data em que efetivamente ocorreu a Revolução Industrial. Como se tratou de processo continuando no tempo, e não um simples ato, cada autor opta por acontecimento específico dentro desse processo. Na presente dissertação, seguimos a orientação de Hobsbawn, segundo o qual foi na década de 1780 que os índices estatísticos relevantes demonstraram um crescimento econômico acelerado de forma nunca antes vista. HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 51.52 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 221-222.
30
Por outro lado, “se a economia do mundo do século XIX foi formada
principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e
ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa”53. Ela foi
responsável pela abolição do Antigo Regime, do feudalismo e das corporações de
ofício, e permitiu a participação de trabalhadores no poder, ainda que por um curto
período de tempo. O ideal de liberdade preconizado pela revolução, nesse aspecto,
traduziu-se em possibilidade, e até mesmo obrigatoriedade, de cada indivíduo
gerenciar a própria vida e a própria relação de trabalho.
1.4 O trabalho na era capitalista
Os ideais liberais e individualistas deram então ensejo a uma nova forma de
Estado, o Estado Liberal, que propiciou o estabelecimento do capitalismo como
sistema econômico dominante. Nessa fase, do dito capitalismo industrial, houve a
substituição das produções artesanais e manufatureiras, típicas da Idade Média e da
Idade Moderna, pela maquinofatura.54
Do ponto de vista da organização do trabalho, a passagem do feudalismo
para o capitalismo caracteriza-se, fundamentalmente, pela separação do homem de
seus meios de produção. Aqui, a questão do trabalho apresenta um corte histórico,
sendo prova disso o fato de que a maior parte da literatura sobre o tema foi
produzida a partir de então.
As manufaturas, embora movidas pela força do homem, modificaram a forma
de produzir. Enquanto a ferramenta era propriedade do artesão, as máquinas são do
dono da indústria. Dessa forma, o que interessa aos donos das máquinas não é
mais a pessoa do trabalhador, mas o seu trabalho.
Nesse momento, o trabalho vira mercadoria. Apartado de suas ferramentas
na cidade, e da terra no campo, restou ao trabalhador a possibilidade de vender o
seu trabalho em troca de um salário que fosse suficiente para manter sua existência.
53 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 83.54 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 147.
31
Nessa transição, os pensadores dedicaram-se com fervor a análises sobre a
economia, sobre a transição do mercantilismo para o capitalismo industrial, e sobre
o conteúdo e a significação do trabalho no meio de todas essas mudanças, muitos
deles reagindo contra as condições de trabalho na época, e expondo suas idéias
sobre a industrialização e a organização laborativa.
Obviamente que a transição do feudalismo para o capitalismo não se deu de
uma única vez; foi um longo processo, e muito antes da Revolução Industrial, as
mudanças no trabalho já eram sentidas. Já com as primeiras manifestações
iluministas, no séc. XVII, o tema começou a ser ventilado, como por exemplo com
John Locke, que reconhecia o homem como indivíduo apenas quando senhor de sua
vida e de sua liberdade, sendo que poderia usar o trabalho para se apropriar das
coisas da natureza:Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns e pertençam, em geral, a todos os homens, cada um, porém, tem um direito particular sobre a sua própria pessoa, sobre a qual ninguém mais pode ter a mínima pretensão. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, podemos dizer assim, são seu bem próprio. Tudo o que é tirado do estado de natureza, por seu esforço e por sua indústria, pertence a ele somente: pois, sendo esse esforço e essa indústria próprios e únicos, ninguém poderia ter o direito sobre o que foi adquirido através deles, sobretudo se os outros também têm essa possibilidade e compartilham muitas coisas comuns.55
O filósofo considerava que certos homens poderiam ser escravizados, por
serem criaturas inferiores, diferente dos demais. Advogava que a cada um seria
permitido agir livremente, desde que não prejudicasse nenhum outro. Com esse
fundamento, dava continuidade à justificação clássica da propriedade privada,
declarando ser o mundo natural de propriedade comum de todos, mas que qualquer
indivíduo poderia se apropriar de uma parte dele ao misturar o seu trabalho com os
recursos naturais.
No auge do Século das Luzes, Adam Smith, considerado o pai da economia
política e um dos principais teóricos do liberalismo, expressou seu pensamento de
maneira semelhante. Sustentava que a harmonia social era representada por uma
dinâmica baseada nos interesses individuais divergentes, que desconsideravam o
interesse geral:Cada indivíduo despende continuamente esforços em busca do capital que possa dispor, do emprego mais vantajoso; é bem verdade que é seu próprio benefício que é visado, e não o da sociedade. Mas os cuidados que tem
55 LOCKE, John. Deuxiéme traité du gouvernement civil. Paris: Garnier-Flamariaon, 1984, cap. V, p. 195 apud MERCURE, Daniel. Adam Smith: as bases da modernidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 118 (Grifos do autor).
32
para encontrar sua vantagem pessoal o levam de maneira natural, ou mesmo necessária, a optar precisamente por esse tipo de emprego, mesmo que seja o mais vantajoso para a sociedade [...] Nesse caso, como em muitos outros, ele é levado por uma mão invisível a cumprir uma finalidade que não faz parte de forma alguma de suas intenções; e nem sempre isso é ruim para a sociedade, isto é, nem sempre é ruim que essa finalidade faça parte gratuitamente de suas intenções. Buscando satisfazer apenas seu interesse pessoal, frequentemente trabalha de uma maneira muito mais eficaz em benefício da sociedade do que se tivesse realmente por objetivo trabalhar para ela.56
No seu entender, haveria uma tentativa de cada indivíduo em desenvolver
suas habilidades para obter uma posição mais vantajosa no mercado de troca, o que
implicaria na divisão do trabalho. Essa divisão teria efeitos positivos, pois diminuiria
as perdas de tempo causadas pela mudança entre uma tarefa e outra e favoreceria
a invenção das máquinas. Reconhecia, entretanto, seus efeitos negativos:No progresso realizado pela divisão do trabalho, a ocupação da maior parte daqueles que vivem do trabalho, isto é, da massa do povo, restringe-se a um número muito pequeno de operações simples, muito frequentemente a uma ou duas. Ora, a inteligência da maioria dos homens se forma necessariamente por suas ocupações corriqueiras. Um homem que passa a vida inteira executando um pequeno número de operações simples não tem possibilidade de desenvolver sua inteligência nem de exercer sua imaginação procurando maneiras para diminuir suas dificuldades, pois estas nunca ocorrem; ele perde, assim, naturalmente o hábito de desenvolver ou de exercer essas faculdades, chegando, em geral, ao extremo da estupidez e da ignorância possíveis a um ser humano. [...] Ora, esse estado é aquele no qual o operário pobre, ou seja, a massa do povo, deve chegar necessariamente em qualquer sociedade civilizada e avançada em indústrias, a menos que o governo tome precauções para prevenir esse mal.57
O pensamento iluminista de Adam Smith e John Locke, mas também de
outros filósofos, como Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rosseau, constituiu o
fundamento para a ascensão do Estado Liberal, no qual dominava a igualdade
formal, a propriedade privada e o individualismo exacerbado, rompendo com o
absolutismo.
Entretanto, com o decorrer do tempo, o pensamento liberal passou a dividir
espaço com idéias mais voltadas para a questão social. A industrialização, a
formação da classe operária, e as mazelas sofridas por essa classe, propiciaram o
surgimento de um ideário diferenciado.
56 SMITH, Adam. Recherches sur la nature et les causes de la richesse des nations. Paris: Flamarion, 1991, p. 40 e 43 apud MERCURE, Daniel. Adam Smith: as bases da modernidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 130.57 SMITH, Adam. Recherches sur la nature et les causes de la richesse des nations. Paris: Flamarion, 1991, p. 406 apud MERCURE, Daniel. Adam Smith: as bases da modernidade. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 121-122
33
Nesse contexto é que desponta a obra de Claude-Henri de Saint-Simon,
escrita no primeiro quartel do século XVIII. Embora não tenha sido um revolucionário
tentando derrubar as instituições do novo mundo industrial, pretendia dar a ele uma
nova feição de modo a encerrar as suas contradições, dando por isso grande valor
ao trabalho: Observo que é essencial dar à idéia de trabalho toda a amplitude possível. Um funcionário público qualquer, uma pessoa afeita às ciências, às belas-artes, à indústria manufatureira e agrícola, trabalham de uma maneira tão positiva quanto a mão-de-obra que cava a terra, que o carregador transportando seus fardos.58
Não obstante o filósofo e economista francês também reconhecesse uma
divisão de classes, em razão da divisão técnica, vislumbrava que essa divisão,
encabeçada pelos chamados industriais59, levaria a uma melhor administração da
sociedade. As suas idéias lançaram as bases para o socialismo, e mais tarde sua
obra foi enquadrada no chamado socialismo utópico.
Além de Saint-Simon, foram seus ideólogos Robert Owen, com as primeiras
trade unions na Inglaterra, e Charles Fourier, que sugeriu na França o princípio do
“direito de trabalhar” e o estabelecimento das oficinas nacionais como forma de
propiciar oportunidade de trabalho a todos.60
Embora os socialistas utópicos tenham expressado pensamentos diferentes
em alguns aspectos, pode-se uni-los sob uma única denominação em razão das
reflexões semelhantes: pretendiam a reforma da sociedade, mas através da boa
vontade e colaboração espontânea de todos.
Paralelamente, o pensamento socialista aprofundou seu veio revolucionário e
deu origem ao socialismo científico. Seu principal teórico foi Karl Marx, e sua obra,
em geral, e sua teoria sobre o capitalismo, em particular, influenciaram de maneira
significativa o pensamento acerca do trabalho e mesmo da organização da
sociedade.58 SAINT-SIMON, Claude-Henri de. Introduction aux travaux scientifiques do XIXè (1809). in La physiologie sociale. Ouveres choisies. Paris: PUF, 1965, p. 51 apud GUYADER, Alain Le. Claude-Henri de Saint-Simon: nascimento do intelectual orgânico da sociedade industrial. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 159.59 O conceito de industrial é dado pelo autor como “um homem que trabalha para produzir ou pôr ao alcance dos diferentes membros da sociedade um ou vários meios materiais para satisfazer suas necessidades e seus prazeres físicos”. Cf. Catéchisme des industriels (1823), in La physiologie sociale. Ouveres choisies. Paris: PUF, 1965, p. 141 apud GUYADER, Alain Le. Claude-Henri de Saint-Simon: nascimento do intelectual orgânico da sociedade industrial. In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 159.60 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 89.
34
Marx fez uma crítica da divisão do trabalho: o trabalho intelectual, utilizado
para criação das máquinas e desenvolvimento tecnológico do sistema, é apropriado
pelo capital. A partir de então, o que restam são tarefas fragmentárias, que
subutilizam a capacidade criativa dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, quem fica
responsável pela principal parte do processo é a máquina, tornando o trabalho
heterônomo e alienado: “A máquina não liberta o trabalhador de seu trabalho, mas
seu trabalho de seu conteúdo”.61
Embora a força de trabalho não possa ser separada do ser humano que a
realiza, ela é doravante uma mercadoria que se troca no mercado. E os produtos
tornam-se mercadorias não somente porque são úteis a satisfazer certas
necessidades, mas pelo seu valor de troca. Assim é que surge a mais-valia: como o
valor da mercadoria é mais elevado do que a soma dos valores necessários à sua
produção, resulta daí uma mais-valia que pertence aos proprietários dos meios de
produção:O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a atividade do operário do seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um simples apêndice da máquina e dele só se requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de subsistência que lhe são necessários para viver e perpetuar sua espécie. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao seu custo de produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Mais ainda, na mesma medida em que aumenta a maquinaria e a divisão do trabalho, sobe também a quantidade de trabalho, quer pelo aumento das horas de trabalho, quer pelo aumento exigido num determinado tempo, quer pela aceleração do movimento das máquinas, etc.62
Entretanto, a obra de Marx possui maior amplitude, uma vez que não criticava
somente a situação dos trabalhadores, mas desconstruía o sistema capitalista como
um todo, a partir de sua base, a propriedade privada dos meios de produção.
Em co-autoria com Friedrich Engels, publicou o Manifesto do Partido
Comunista, em 1848, na Inglaterra, demonstrando ser objetivos do comunismo
“constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa,
conquista do poder político pelo proletariado.” 63 61 MARX, Karl. Das Kapital, Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band, Buch I: Der Produktionsprozess des Kapital, In MEW, Berlim, Dietz. 1969, vol. 23, p. 594, apud SPURK, Jan. A noção de trabalho em Karl Marx, In MERCURE, Daniel; SPURK, Jan (Orgs.). O trabalho na história do pensamento ocidental. Trad. de Patrícia Chittoni Ramos Reuillard e Sônia Guimarães Taborda. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 205.62 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Trad. de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 46.63 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Trad. de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 51.
35
Entretanto, tal objetivo só poderia ser alcançado através da supressão da
propriedade privada. De acordo com o entendimento exposto, o modo de
organização da propriedade nos moldes capitalistas só levava a reprodução de
capital para aqueles que já o detinham, sendo que a propriedade dos pequenos
trabalhadores, obtida pelo suor e pelo esforço pessoal, já fora abolida pelo
progresso da indústria e pela super exploração capitalista.
A organização do proletariado como classe dominante passaria por medidas
que centralizassem os instrumentos de produção nas mãos do Estado, através de
intervenções no direito de propriedade, tais como:1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda na terra para despesas do Estado.2. Imposto fortemente progressivo.3. Abolição do direito de herança.4. Confisco da propriedade de todos os emigrados e rebeldes.5. Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo.6. Centralização de todos os meios de comunicação e transporte nas mãos do Estado.7. Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral.8. Unificação do trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.9. Unificação dos trabalhos agrícola e industrial; abolição gradual da distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais igualitária da população pelo país.10. Educação pública e gratuita a todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material etc.64
Assim, diz-se que o pensamento marxista não é utópico, observando-se que
os seus ideais de sociedade baseavam-se na democracia ateniense, com a exceção
de que, na sociedade comunista, os privilégios dos cidadãos livres seriam
estendidos a todos.65
O ideário socialista ganhou corpo e serviu de base para movimentos operários
em diversos países, até que fosse instalado na União Soviética, em 1917, e em
outros países como Cuba, China e Alemanha. Ocorre que, com o fim da União
Soviética, em 1991, e a abertura crescente dos demais países socialistas, o sistema
em questão também perdeu forças e hoje encontra raros adeptos ao redor do
64 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Trad. de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 58.65 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 143, nota 82.
36
mundo. Mesmo durante o período em que o socialismo teve maior afirmação,
entretanto, o capitalismo não deixou de ser o sistema econômico predominante.
Deve-se ainda levar em conta que, embora tenha sido alvo de críticas
consistentes (sendo o surgimento do Direito do Trabalho, no final do séc. XIX,
exemplo de revés imposto ao liberalismo radical), o liberalismo constituiu a primeira
corrente de pensamento econômico a tornar-se hegemônico na história do
capitalismo, desde a afirmação desse sistema a partir do século XVIII.66
Somente a partir da crise econômica de 1929 é que o pensamento liberal
clássico perdeu sua influência, dando lugar a uma nova vertente no seio do sistema
capitalista, consubstanciada na escola neoclássica intervencionista ou reformista. É
que a noção de trabalho como valor, como desenvolvida pelos primeiros teóricos
liberais, deu suporte a concepções mais igualitárias de gestão do sistema. Tais
concepções foram se formulando a partir de John Stuart Mill, ainda na década de
1840, que defendia reformas liberais e intervenção governamental, ganhando
contornos mais claros com Alfred Marshall, que admitia pequenas reformas no
sistema, objetivando torná-lo menos cruel, até atingir o apogeu no século XX, com a
obra de John Maynard Keynes.67
As medidas vislumbradas por esses teóricos é que foram capazes de fazer
face à crise econômica que se espalhou por todo o mundo capitalista, e que
possibilitaram aos países industrializados ocidentais, a partir de 1945, em torno de
trinta anos de elevado crescimento econômico, baseado no incremento da prestação
de serviços pelo Estado e no aumento da renda advinda do trabalho.
Além disso, “o sistema de relações trabalhistas incentivava certa permanência
nas relações de emprego, conjugada com certo grau de redistributivismo do valor
econômico gerado pelo sistema”.68
No último quartel do século XX, entretanto, várias alterações mudariam em
definitivo a face do sistema capitalista. Inicialmente, houve a crise econômica de
73/74, ocasionada pela alta do preço do petróleo, e que não encontrou resposta
rápida por parte dos governos, acentuando a concorrência empresarial e
aumentando o déficit dos Estados.
66 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 73.67 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 76-77.68 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 178.
37
Além disso, a revolução tecnológica trouxe profundas mudanças, uma vez
que causou a substituição de vários postos de trabalho, aumentando o desemprego.
Paralelamente, novos modelos de produção foram sendo elaborados, com a
superação do modelo fordista, que privilegiava a grande empresa, pelo padrão
toyotista, calcado no conceito de empresa-enxuta ou downsizing. Assim, houve um
enxugamento da máquina empresarial, descartando-se as etapas de produção e os
trabalhadores em excesso.69
As novas empresas passaram a produzir baseadas na subcontratação e
terceirização, operando despedidas em massa, concentrando suas atividades no
núcleo central da produção e descentralizando as outras etapas do processo,
provocando queda nos níveis salariais e mesmo aumento do desemprego.
Esse novo modelo de produção, o toyotismo, privilegiou regimes de
contratação mais flexíveis, destacando-se também a utilização maciça de mão-de-
obra informal, precarizando as relações de trabalho. Para tanto, o papel do Estado
teria que ser reduzido, através de uma legislação mais permissiva ou mesmo da
ausência de regulamentação.
Deve-se trazer à tona que, se de um lado os primeiros pensadores liberais
defendiam a não intervenção do Estado em assuntos econômicos, por outro lado
davam ao trabalho um papel central na economia, de certa forma valorizando-o.
Contudo, do pensamento liberal clássico originou-se uma outra vertente, composta
por autores como Jean-Baptiste Say, no séc. XIX, e aprofundada no séc. XX por
Nassau Senior e Frederic Bastiat, que reduzia a relevância do valor do trabalho na
economia e na vida real, e, posteriormente, por Frederick Hayek, da escola
austríaca, e por Milton Friedman, da escola de Chicago, que propunham um
conservadorismo extremo e defendiam de maneira intransigente o capitalismo
laissez-faire.70
Com apoio nessa linha de pensamento, o discurso liberal, que se encontrava
em hibernação, rapidamente retomou fôlego e voltou a ser vislumbrado como forma
de solução dos problemas que vinham surgindo. Muitos estudiosos começaram a
advogar que a crise econômica era reforçada pelo peso do Estado, que até então
69 DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003, p. 94. Uma análise mais detalhada sobre os modos de produção capitalistas será feita no item 1.4.1., adiante70 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 75-76.
38
intervinha fortemente na economia. Ganhou corpo o argumento de que a legislação
trabalhista protetiva dificultava a superação da crise pelas empresas.
O pensamento liberal ganhou novamente hegemonia e os seus ideólogos
defenderam que as mudanças tecnológicas e o aumento da concorrência
internacional impossibilitavam a sustentação de um Estado e de uma sociedade
baseados no primado do trabalho e do emprego, e que se movimentam através de
políticas de concessão de direitos sociais e do intervencionismo estatal.
O pensamento crítico do trabalho e do emprego, baseado nos fundamentos
liberalistas, tornou-se hegemônico assim como o liberalismo em si, em razão da
ausência de argumentos eficazes em seu desfavor. É que durante todo o tempo em
que o socialismo esteve forte, capitaneado pela União Soviética, representava uma
forte ameaça ao sistema capitalista, principalmente em razão da sua significativa
preocupação social, fazendo com que este também buscasse alternativas que
privilegiassem o social. Com a queda do Império Soviético, o capitalismo
rapidamente fixou sua supremacia.
Além disso, o enfraquecimento do movimento sindical, que também sempre
questionou o capitalismo, foi um fator significativo para que não houvesse mais
obstáculos ao seu estabelecimento como sistema predominante, e mais, com a
ausência desses contrapontos, instituiu-se um pensamento único, no sentido da
plena adoção dos ideais liberais.
A globalização passou a ser utilizada como um dos principais argumentos
contra a intervenção estatal, sob o fundamento de que a autonomia dos Estados
para implementar políticas econômicas estava reduzida, e que as leis de mercado é
que deveriam reger essas políticas:O mesmo sistema ideológico que justifica o processo de globalização, ajudando a considerá-lo o único caminho histórico, acaba, também, por impor uma certa visão da crise e a aceitação os remédios sugeridos. Em virtude disso, todos os países, lugares e pessoas passam a se comportar, isto é, a organizar sua ação, como se tal ‘crise’ fosse a mesma para todos e como se a receita para afastá-la devesse ser geralmente a mesma. Na verdade, uma causa para mais aprofudamento da crise real – econômica, social, política, moral – que caracteriza o nosso tempo.71
Assim, a proteção social passou a ser denunciada como a maior culpada da
estagnação econômica. Mais uma vez, a centralidade do trabalho no capitalismo foi
71 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 36.
39
duramente atacada, chegando-se a apregoar o fim dos empregos ou do trabalho,
tirando-os da primeira ordem de grandeza no sistema produtivo.
Nesse contexto, Jürgen Habermas, em sua análise sobre a sociedade
contemporânea, propugna que a centralidade do trabalho foi substituída pela
centralidade da esfera comunicacional, fazendo inúmeras críticas ao paradigma do
trabalho. André Gorz defende a abolição do trabalho, pois segundo o autor, este
nem sempre existiu, objetivando haver uma sociedade do tempo livre, considerando
que o trabalho não é e nem deve ser o essencial da vida. Devem ainda ser citados
Jeremy Rifkin, que falou do próprio fim do trabalho, Dominique Medá, que apontou a
desaparição do trabalho, e Claus Offe, que afirmou a perda de centralidade da
categoria trabalho.72
Assim,A nova corrente anti-social de pensamento com impressionante voracidade de construção hegemônica – urdida e acumulada ao longo de quase cinquenta anos precedentes de isolamento na Europa e EUA – passou a agredir, de maneira frontal, a matriz cultural afirmativa do valor-trabalho/emprego, por ser este valor o grande instrumento teórico de construção e reprodução da democracia social no Ocidente. Em suma, a permanência da noção de centralidade do trabalho e do emprego no sistema econômico e na sociedade capitalistas, tal como predominante na cultura de várias décadas anteriores, desde os anos de 1930, inviabilizaria, de modo absoluto, a aplicação do receituário de império do mercado econômico, estruturado pelo pensamento neoliberal.73
Ainda, o terror do desemprego faz surgir a discussão sobre a necessidade de
flexibilização das normas protetivas do trabalho, tendo em vista a opinião muito
difundida de que a rigidez nos conceitos e nos direitos trabalhistas é a principal
causa pela crise do emprego.
Na realidade, o desemprego estrutural, além de ser uma consequência do
novo modo de ser do capitalismo, apresenta-se necessário a ele, na medida em que
legitima a precarização do patamar civilizatório dos trabalhadores, como mais uma
forma de aumentar o lucro empresarial.
Para a efetiva flexibilização do aparato produtivo, demanda-se a flexibilização
dos direitos trabalhistas. Na realidade, o toyotismo se baseia na superexploração,
seja através do constante uso de empregados em sobrejornada, seja através de
72 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 159.73 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 96.
40
trabalhadores temporários ou terceirização, dependendo das condições de mercado,
o que precariza as relações de emprego.
Nesse sentido, a flexibilização dos direitos trabalhistas surge como verdadeiro
pressuposto desse modo de produção, tendo em vista que a atual regulamentação
protetiva impede a exploração dos trabalhadores nos moldes vislumbrados pelo
toyotismo.
1.4.1 Os distintos modos de produção capitalistas
Em decorrência do desenvolvimento do capitalismo, foi necessária a
implementação de novos modelos de empresa e de organização do trabalho, cuja
variação também se dava em razão das exigências do mercado e das mudanças
nas políticas estatais.
Nesse quadro é que Frederick Taylor, um engenheiro estadunidense, em
razão da ânsia pela economia de tempo e pelo aumento da produtividade, passou a
observar o trabalhador em movimento e analisar o trabalho dos operários mais
produtivos. Com isso, ele provocou uma renovação na fábrica e inaugurou um novo
processo de trabalho. Taylor apresentou suas teorias à Sociedade Americana de
Engenheiros Mecânicos entre 1903 e 1905. Essas teorias ficaram conhecidas como
taylorismo, ou organização científica do trabalho.
Na formulação de sua proposta, Taylor combinou a necessidade do capital de
responder aos desafios do final do século XIX, com as ciências sociais nascentes,
como a psicologia e a sociologia.
O seu objetivo era fazer do corpo e do espírito do trabalhador um mecanismo
competente e inteligente, perfeitamente integrado aos propósitos empresariais de
produtividade. Taylor não inventou uma nova máquina, mas um novo homem frente
à máquina.
Um dos principais postulados do taylorismo foi a separação entre a
concepção do trabalho, que deveria ficar a cargo de uma gerência, e a execução,
limitando ao operário a realização de tarefas prescritas e determinadas pela chefia.
Além disso, cada trabalhador seria responsável por uma tarefa específica, sendo
certo que mesmo a produção de um bem simples poderia ser fragmentada em
41
dezenas de operações, cada uma de responsabilidade de um trabalhador, que
ficava a realizá-la repetidamente.
Efeito direto da gerência científica do trabalho foi a alienação. A mecanização
da produção reduziu o trabalho a um ciclo de movimentos repetitivos. O saber do
trabalho, por sua vez, passou a pertencer à chefia ou se localizar nas máquinas. Sob
esse aspecto, a relação da classe trabalhadora com os meios de produção tornou-se
invertida: ao invés de manejar ferramentas e equipamentos, eles tornaram-se
apêndices das máquinas. Assim, o trabalhador passou a ser um fator de produção
como os outros.Ao contrário das ferramentas do artesanato, que em parte alguma do processo de trabalho deixam de ser servas, as máquinas exigem que o operário as sirva, que ajuste o ritmo natural do seu corpo ao movimento mecânico que lhes é próprio. Certamente isto não implica que os homens, em tal caso, se ajustem ou se tornem servos de suas máquinas; mas significa que, enquanto dura o trabalho com as máquinas, o processo mecânico substitui o ritmo do corpo humano. Até mesmo a mais sofisticada ferramenta permanece como serva, incapaz de guiar ou substituir a mão; por outro lado, até mesmo a mais primitiva das máquinas guia o labor do nosso corpo até substituí-lo inteiramente.74
O modelo fordista75, elaborado na primeira metade do século XX por Henry
Ford, veio aperfeiçoar o modelo de Taylor, dando as bases técnicas e culturais para
um novo impulso na revolução da produção, feita principalmente na indústria
automobilística.
Ele criou a produção padronizada e a linha de montagem, passando a
máquina a determinar o tempo de produção, fixando o trabalhador em seu posto e
estabelecendo o conceito de “tempo imposto”, o que facilitava o controle da
resistência operária.Apesar de o binômio taylorismo/fordismo propiciar, pela forma de organização do trabalho, o aumento do número de trabalhadores em torno do processo produtivo, desconsiderava a qualidade do homem-trabalhador como sujeito da produção, impossibilitando-o de pensar, ser criativo e inovador.76
A era da informática veio causar mudanças ainda mais profundas. Com a
ferramenta, o homem ampliou a sua força e a destreza do corpo. Com a
mecanização, substituiu-se o esforço físico na execução de uma tarefa ou na
realização de determinado trabalho. 74 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 160.75 Esse modelo foi elaborado por Henry Ford, que organizou a Ford Motor Company, em 1903. Cf. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 160.76 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 161.
42
A informática representou um passo adiante nessa evolução. Ela possibilitou
que as máquinas substituíssem não só o esforço físico, mas também certos
procedimentos mentais do homem. O desenvolvimento do computador criou
máquinas que incorporaram procedimentos equivalentes ao “pensar”. Certamente
que os computadores estão longe de imitar todas as funções do cérebro humano,
mas realizam decisões humanas pré-programadas para processos mecânicos.
O contexto de revolução tecnológica, combinada com a crise dos mercados a
partir dos anos 70, possibilitou uma nova reformulação do modelo vigente de
produção. O novo modo de acumulação capitalista encontra suas bases no Japão
da década de 1950. Naquele momento, o País sofria as consequências da guerra,
tendo seu parque industrial arrasado e um mercado interno débil, somando-se a isso
a carência de recursos naturais.
Tendo em vista a crise do mercado interno japonês, buscava-se produzir
somente o necessário no menor tempo possível. Essas idéias foram desenvolvidas
primeiramente pelo engenheiro Taichii Ohno, vice-presidente da Toyota. Em sua
obra O Espírito Toyota ele tenta responder à indagação: “o que fazer para elevar a
produtividade quando as quantidades não se elevam?”77, objetivando então “fabricar
a bom preço pequena série de numerosos modelos diferentes”. 78
Esse modo de produzir tornou-se perfeitamente adequado às economias dos
países ocidentais após a crise do capitalismo, pois os seus mercados apresentavam
as mesmas condições do mercado japonês de então.
Com o advento do toyotismo, aposenta-se o sistema de extrema
segmentação de funções e tarefas. Parte-se do princípio de que a participação
intelectual de quem executa diretamente o trabalho é fundamental para assegurar
melhores níveis de produtividade e qualidade.
O empregado passa a ter caráter multifuncional, tendo que lidar com várias
máquinas ao mesmo tempo. Ele combina o exercício das tarefas repetitivas com a
manutenção e reparação das máquinas e equipamentos e diagnóstico e solução de
pequenos problemas. 79 O objetivo é produzir no menor tempo possível: just in time.
77 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 47.78 CABRAL JÚNIOR, Ézio Martins. O processo de reestruturação produtiva e a terceirização. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, n. 111, mar. 2002, p. 347.79 CABRAL JÚNIOR, Ézio Martins. O processo de reestruturação produtiva e a terceirização. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, n. 111, mar. 2002, p. 348.
43
Observa-se então uma pequena transferência de responsabilidades ao
trabalhador. Contudo, essa polivalência não abrange atividades de concepção, mas
mera combinação de tarefas simples.80
Além disso, o novo modelo empresarial opera com grupos de trabalho. Assim,
cada equipe é responsável por uma etapa do processo e por seus resultados. Se um
trabalhador diminui a produtividade ou adoece, por exemplo, os colegas são
obrigados a intensificar o ritmo para manter o nível de produtividade, o que aumenta
a competitividade e o individualismo. Além disso, a transferência da assunção dos
riscos para o empregado aumenta o poder diretivo e a subordinação.81
Essa intensificação da subordinação é disfarçada pela pequena transferência
de responsabilidades e pela política de comprometimento dos empregados com os
ideais da empresa, para atenuar o conflito capital-trabalho. Nesse sentido, é
instituído um conjunto de contrapartidas oferecidas aos trabalhadores em troca de
uma postura de acordo com os objetivos empresariais, tais como o emprego
vitalício, o salário-produção, participação nos lucros.82
Tratam-se na verdade de estratégias sutis de controle do trabalho, rompendo
com a identidade social do trabalhador. O empregador trabalha valores subjetivos
dos empregados, inserindo-os cada vez mais na concepção de trabalho idealizada
pela empresa.83 É o chamado envolvimento manipulatório84, cujo exemplo é a
utilização da palavra “colaborador”, em substituição a empregado ou trabalhador.
“O capitalista japonês, como encarnação do senhor feudal, garante a
estabilidade do trabalho, obtendo em troca, por parte dos trabalhadores, encarnação
do servo feudal, lealdade e obediência.”85
80 VIANA, Márcio Túlio. As andanças da economia e as mudanças do Direito. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; DIAS, Fernanda Melazo; VIANA, Márcio Túlio. Novo contrato a prazo: teoria, prática e crítica da Lei 9.601/98. São Paulo: LTr, 1998, p. 24.81 DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003, p. 97.82 CABRAL JÚNIOR, Ézio Martins. O processo de reestruturação produtiva e a terceirização. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, n. 111, mar. 2002, p. 348.83 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 181. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 24.84 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 24.85 Annunziato, Frank. Il fordismo nella critica di Gramsci e nella realtà statunitense contemporanea. Critica Marxista, Itália, n. 6, p. 133 apud ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 45.
44
O enxugamento dos custos, baseado na diminuição da mão-de-obra, dá-se
através da exigência da multifuncionalidade, mas também da subcontratação e
terceirização. Vários postos de trabalho são eliminados, pois as empresas
concentram-se na atividade principal e transferem a outras as demais etapas da
produção.
Essa forma de estruturação empresarial leva a distinção entre três grupos de
empregados86. O núcleo é formado pelos altamente qualificados, que permanecem
de forma mais estável na empresa principal, e são agraciados com bons salários e
diversos benefícios, mas dos quais se exige, em contrapartida, disposição para
horas extras e maior identificação com os objetivos empresariais.
Uma pequena parcela de trabalhadores menos qualificados também é
mantida na empresa principal, para realização de atividades relacionadas não ao
objetivo da empresa, mas a sua estrutura, como secretárias e boys, com salários
baixos e sem perspectiva de crescimento profissional.
Por último, há uma grande massa de trabalhadores desqualificados, que
estão em grande parte do tempo desempregados e eventualmente são contratados
sob a forma de terceirizados ou temporários e, obviamente, com um patamar salarial
significativamente inferior.
Relevante notar o desemprego causado pela reestruturação empresarial.
Com a redução do contingente de mão-de-obra nas empresas, um pequeno núcleo
de trabalhadores é ampliado através de terceirizados e de horas extras, dependendo
sempre da demanda do mercado. Aliando esse fator à extinção de postos de
trabalho decorrente da automação, o desemprego aumenta vertiginosamente e
dessa vez não decorre de uma conjuntura de crise, mas da estrutura do próprio
sistema.
Importante salientar que no contexto atual vislumbra-se a convivência do
padrão taylorista-fordista com o toyotismo, o que pode ser verificado até na
organização de trabalho de algumas fábricas. Aliás, há os que sustentem que essa
mistura não seria a transição entre os dois sistemas, mas sim característica dessa
nova fase do capitalismo. De fato, poder-se-ia dizer de um novo modelo se
rompesse com o anterior, o que não ocorre no caso, pelo contrário, o novo padrão
se aproveita da estrutura já existente, aperfeiçoando-se. Veja-se que a divisão do
86 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado – O Direito do Trabalho no limiar do século XXI. Revista LTr, São Paulo, ano 63, p. 885-895, jul. 1999, p. 889.
45
trabalho nos moldes do taylorismo-fordismo ainda subsiste, à qual se somam a
flexibilidade e a multifuncionalidade dos trabalhadores.
De toda forma, as consequências desse novo modo de produzir se fizeram
globalmente, e, aliadas às questões econômicas e ao posicionamento do Estado
diante desses fatores, modificaram o mundo do trabalho de maneira permanente.
1.5 O trabalho e a atualidade
O mundo do trabalho atual encontra-se diante de inúmeras perplexidades, a
cuja resposta se dedicam estudiosos de diversas áreas, apontando soluções das
mais variadas. Verifica-se, entretanto, que a maior parte das abordagens
contemporâneas acerca do tema desloca-se do campo filosófico para se aproximar
do econômico, valorizando ou não o trabalho de acordo com os seus efeitos sobre a
economia e o mercado.
Certo é que o aprofundamento das práticas capitalistas gerou consequências
nefastas não só para as relações de trabalho, mas também para as relações
familiares e sociais. Cada vez mais crescem as práticas individualistas, gerando um
sentimento de competitividade.
A globalização e o desenvolvimento tecnológico, nesse quadro, possuem
duas facetas: de um lado, permitem o rápido acesso a todo tipo de informação e
entretenimento, bem como a prestação de serviços a distância, como é o caso do
teletrabalho.
Por outro lado, essa rapidez nas informações pode levar à alienação, na
medida em que a velocidade na sua obtenção dificulta transformá-las em verdadeira
fonte de conhecimento.87 Além disso,Os homens tornam-se mais solitários e dependentes do sistema. Por isso mesmo buscam nos prazeres superficiais oferecidos pelo capitalismo (como, por exemplo, na televisão) uma forma de preencher o vazio da vida. Referida dinâmica ainda revela a distorção da cultura humana já que, regra geral, os homens aprendem a se comportar como deseja e direciona o sistema, perdendo a noção de identidade e o direito de resistir quando necessário.88
87 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 168.88 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 165.
46
O trabalho fora do ambiente fabril, seja em casa, seja no escritório, mas em
grande parte das vezes isolado, não mais possibilita a formação de um sentimento
de solidariedade, de pertencimento a uma classe. Além disso, o desemprego e os
empregos precarizados fazem com que os trabalhadores tenham sentimentos de
rivalidade, na medida em que os que estão em boa situação sentem-se
constantemente ameaçados pelos demais, e os que estão marginalizados acabam
por desejar a ruína dos colegas, para tomar-lhes o lugar.
Como se verifica, ainda hoje permanece o caráter penoso do trabalho,
principalmente em se tratando de uma sociedade em que todos, ou quase todos,
têm que trabalhar para viver. É bem verdade que as ciências como sociologia e
filosofia se ocupam de tentar mitigar o grau de penosidade do trabalho, tratando o
trabalhador como um ser inteiro, de corpo e alma, e dando-lhe uma visão completa
de sua obra. Entretanto, tal tarefa é árdua, especialmente quando se tem um modelo
de produção calcado no trabalho alienado.89
Nesse cenário de insatisfação e incerteza, surgem aqueles que advogam em
sentido contrário, que relutam em aceitar que existe uma crise irreversível do
primado do trabalho, que há um processo sem volta no sistema capitalista que dá ao
trabalho um valor secundário.
Baseado na distinção de Marx entre trabalho concreto e abstrato, que
considerava este como dispêndio de trabalho humano no sentido fisiológico, e
aquele como emprego de energia para realização de determinado fim, produzindo
valores de uso, Antunes faz uma crítica do pensamento vigente, entendendo que a
crise existente não é uma crise do trabalho, mas apenas do trabalho abstrato.
Assim, advoga quea superação da sociedade do trabalho abstrato (para usarmos uma vez mais essa expressão) e o seu trânsito para uma sociedade emancipada, fundada no trabalho concreto, supõe a redução da jornada de trabalho e a ampliação do tempo livre, ao mesmo tempo em que supõe também uma transformação radical do trabalho estranhado em um trabalho social que seja fonte e base para a emancipação humana, para uma consciência omnilateral. Em outras palavras, a recusa radical do trabalho abstrato não deve levar à recusa da possibilidade de conceber o trabalho concreto como dimensão primária, originária, ponto de partida para a realização das necessidades humanas e sociais.90
89 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 27.90 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 88 (Grifos do autor).
47
Delgado aponta que o discurso que apregoa o fim do trabalho e do emprego
se baseia em três fundamentos, o tecnológico, o organizacional e o mercadológico.
Rebatendo o primeiro, argumenta que a revolução tecnológica, embora reduza
postos de trabalho, cria novos outros, na medida em que aumenta a produtividade e
acelera a produção, barateando o preço dos produtos, e incrementando o mercado
de consumo. Além disso, essas inovações criam novas profissões, e novas
necessidades, não havendo, portanto, efetiva diminuição de empregos. Quanto à
questão organizacional, salienta que a generalização dos novos modos de produção
é fictícia, uma vez não é aplicada da forma que se noticia, e estende-se a um
pequeno grupo de países e empresas. Por último, quando ao fator mercadológico,
relacionado com a acentuação da concorrência internacional, demonstra que os
seus efeitos negativos em um determinado território, com a diminuição dos
empregos, dependem diretamente da forma como os Estados inserem suas
economias no âmbito internacional, sendo possível estabelecer políticas públicas de
proteção do mercado interno.91
Na mesma linda de desdobramento, pode-se afirmar queSupor a generalização dessa tendência sob o capitalismo contemporâneo – nele incluído o enorme contingente de trabalhadores do Terceiro Mundo – seria um enorme despropósito e acarretaria como conseqüência inevitável a própria destruição da economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital. Não sendo nem consumidores, nem assalariados, os robôs não poderiam participar do mercado. A simples sobrevivência da economia capitalista estaria, desse modo, comprometida.92
É interessante anotar que a supremacia da economia sobre os demais
campos do conhecimento é hoje tão acentuada que boa parte dos estudiosos que
efetuam uma defesa do trabalho, o fazem também com base em fundamentos
econômicos, demonstrando o equívoco contido na formulação de que a valorização
do trabalho é contrária à possibilidade de desenvolvimento econômico.
Efetivamente, é possível vislumbrar que, nos países em que as políticas públicas
estão pautadas na proteção ao trabalho, houve maior êxito na economia:De fato, os países que foram mais bem-sucedidos não são necessariamente aqueles cujos salários são os mais baixos, nem os que mais desestruturaram o mercado de trabalho (como a Nova Zelândia ou a Grã-Bretanha), mas, ao contrário, os países que combinaram: capacidade de
91 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005.92 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 59.
48
negociação coletiva, reexame das prestações sociais (é onde a França encontra dificuldades, pela falta de consenso social), esforço de solidariedade global e recusa do dualismo social (como a Holanda, a Suécia e a Dinamarca).93
Ademais, vários dos males hoje perceptíveis no ambiente laboral são
decorrência da industrialização, que trouxe consigo o trabalho alienado e super
explorado. O mundo hoje é pós-industrial, com grande parte dos postos de trabalho
localizada no setor terciário, o que leva a novas formas de organização e de
representação, com consequências que podem ser positivas, no sentido da
valorização do conteúdo do trabalho.
Além disso, a cada dia que passa os jovens ingressam mais tarde no
mercado de trabalho, e os idosos vivem muito tempo após a aposentadoria. Assim,
se antes o trabalho ocupava a maior parte da vida das pessoas, e tinha um sentido
mais ligado à sobrevivência, hoje o seu espaço diminuiu, e essa nova realidade
pode permitir novas possibilidades de visão do mundo do trabalho.
Não se pode olvidar que a discussão sobre a centralidade do trabalho implica
em criticar não somente a questão do trabalho, mas abrange outros setores da
convivência humana:A centralidade do trabalho diz respeito, nesses termos, à crítica às formas sociais determinadas na formação vigente. Ou seja: crítica ao economicismo que instrumentaliza as relações sociais em termos de produtividade capitalista; à mercantilização generalizada, que subordina a vida social ao consumismo e aos ditames da indústria cultural; à destruição ambiental resultante de uma relação com a natureza objetivada em matéria de exploração predatória; à política instrumental que subordina a ampliação dos direitos sociais à mera circulação no acesso aos mecanismos de poder, etc..94
O panorama atual, portanto, é de um verdadeiro paradoxo: através do
trabalho, o homem desenvolveu suas habilidades, aprendeu a dominar a natureza,
assim, preservando a sua vida e a espécie. De outra face, o trabalho foi e ainda é
utilizado contra o próprio homem, como maneira de opressão e exploração, para
satisfazer apenas a interesses de alguns em detrimento da maior parte da
humanidade.
As lutas sociais, que ensejaram mudanças nos paradigmas de sociedade e de
estado, refletiram essa opressão, e foi no meio dessa luta que surgiu a necessidade 93 MERRIEN, François Xavier. O novo regime econômico internacional e o futuro dos estados de bem-estar social. In DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Orgs.). O estado do bem-estar social no século XXI. São Paulo: LTr, 2007, p. 155.94 MAAR, Wolfgang Leo. A dialética da centralidade do trabalho. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 58, n. 4, 2006. Disponível em <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009- 67252006000400014&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 17 jun. 2008.
49
da interferência do Estado, da proteção à classe que se encontrava (e ainda se
encontra) em situação de desvantagem frente aos donos do capital e do poder. Essa
proteção surgiu através do Direito, através do nascimento de um ramo jurídico
especializado, que tem como núcleo de incidência as relações entre patrões e
empregados.
50
2 O TRABALHO E O DIREITO
2.1 O Direito do Trabalho no mundo
2.1.1 Antecedentes históricos
Uma análise do desenvolvimento do trabalho na humanidade, desde os seus
primórdios, permite vislumbrar em que momento ele apresentou características tais,
pela primeira vez, que propiciaram o surgimento do Direito do Trabalho.
Como visto, as primeiras formas de trabalho percebidas na humanidade se
relacionavam com a mera necessidade de sobrevivência do homem. Na
Antiguidade, o trabalho era artesanal e limitava-se à colheita dos vegetais para
alimentação, e, posteriormente, à caça e pesca.
Com o desenvolvimento das habilidades humanas e das relações sociais,
evoluiu também a ganância do homem, o que o levou a dominar os seus
semelhantes. Assim, ainda na Antiguidade, e também durante a Idade Média,
predominaram as relações de dominação, a escravidão e a servidão. Certamente
que o trabalho também era realizado por outras camadas da população, mas em
menor escala, de forma que o serviço pesado era de incumbência dos servos e dos
escravos.
Essas relações se baseavam na idéia de que escravos não eram detentores
de direitos, não possuindo autonomia de vontade para estabelecer vínculos
produtivos, sendo tratados como “coisas”, de propriedade dos senhores.95
Quanto aos servos, tinham alguns direitos, embora restritos; mas as suas
vidas se prendiam à terra, acompanhando-a na medida em que um senhor a
transferia a outro. Assim, o sistema feudal foi caracterizado por fortes relações de
dominação, que se concretizavam principalmente no campo.
95 DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003, p. 28-29.
51
Os feudos eram auto-suficientes e havia poucas relações de troca, que foram
aumentando com o tempo, em razão do excedente da produção. O desenvolvimento
do comércio e o reaparecimento das cidades foram acontecendo paralelamente.
As pessoas que migravam para as cidades se dedicavam ao trabalho
artesanal. O aumento na demanda exigiu que esses trabalhadores contratassem
auxiliares, ensinando o mister. Assim formaram-se as corporações de ofício.
As corporações surgiram então como forma de organização do trabalho, para
facilitar a vida, tanto dos mestres, que já tinham quem lhes comprasse as
mercadorias e precisavam produzir mais, como a dos companheiros e aprendizes,
que dependiam do aprendizado de um ofício para ganhar o seu sustento.
Entretanto, com o passar do tempo, tornaram-se instituições autoritárias, que
estabeleciam rígidas regras para a produção de mercadorias, contratação de
trabalho, etc. A liberdade do trabalho era muito limitada.
O desenvolvimento da manufatura, e, depois, das fábricas, com o advento da
mecanização, trouxe mais exploração aos trabalhadores, o que chegou ao ponto
culminante com a Revolução Industrial.
Aos poucos, a divisão do trabalho, que já se iniciara, foi ganhando relevância
no interior das fábricas. Os donos do capital não se sensibilizaram com as condições
degradantes de trabalho dos operários, e a doutrina da época, liberal, não
endossava a atuação do Estado para acabar com essa situação de opressão.
As tendências liberalizantes se generalizaram e o capitalismo se estabeleceu
como sistema econômico predominante. Os ideais liberais e o individualismo, marca
da época, foram ao encontro do modelo econômico, e, assim, permitiram o
crescimento de uma massa de pessoas aptas a vender a sua força de trabalho, o
que era extremamente necessário ao novo modelo de produção que então surgia.
Inicia-se assim um processo ininterrupto de produção coletiva em massa, geração
de lucro e acúmulo de capital.
Nesse quadro, a doutrina brasileira, em sua grande maioria, afirma que não
se pode confundir a história do trabalho com a do Direito do Trabalho.96 No regime
de escravidão, não havia venda da força de trabalho, porque o próprio escravo é que
96 Cf. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 51, DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 33, MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 71
52
era objeto de comércio. Já na servidão, o trabalho também não era objeto de
pactuação, não sendo o servo livre para negociar a sua força de trabalho.
Leis sobre trabalho sempre existiram, mas o trabalhador, sendo escravo, não
era sujeito capaz de estabelecer acordos de vontade. Assim, o surgimento do Direito
do Trabalho só se torna possível numa sociedade em que se reconhece a
autonomia de vontade.
Tanto é que foi com o advento do liberalismo que as relações de trabalho
passaram a ser tratadas como relações entre sujeitos, inicialmente no campo das
relações civis, pautadas pelo individualismo marcante da época. As legislações
liberais de então davam poder supremo aos indivíduos para realizar toda a classe de
atos jurídicos, os quais passavam a ter força de lei entre as partes, porque aceitos
de maneira voluntária.
Saliente-se, contudo, que a autonomia de vontade na relação trabalhista era
meramente formal, uma vez que à liberdade política não correspondia a liberdade
econômica. É que, embora nos regimes de escravidão e servidão o trabalhador não
fosse tratado como sujeito de direitos, mas como mero objeto na produção de bens
e serviços, de alguma forma o seu proprietário ou senhor se preocupava com a sua
sorte, uma vez que dela dependia o sucesso do empreendimento.
A nova realidade transformou escravos e servos em pessoas livres, mas que
eram, contudo, totalmente dependentes. Não havia propriamente liberdade, uma vez
que os trabalhadores tinham que se submeter à rígida disciplina imposta por seu
patrão, à jornada por ele determinada, receber o salário por ele estipulado e aceitar
os castigos e multas necessários para que os patrões impusessem suas ordens ou
aumentassem seus lucros.97
Entretanto, o liberalismo não permitia qualquer intervenção do Estado, pois
acreditava-se que este deveria se ater a funções mínimas. O Estado liberal portava-
se como mero espectador, garantindo aos particulares ampla liberdade de ação
econômica, que foi exatamente o que permitiu a opressão dos trabalhadores pelo
capital. “Entregue à sua fraqueza, abandonado pelo Estado, que o largava à sua
própria sorte, apenas lhe afirmando que era livre, o operário não passava de um
simples meio de produção.” 98
97 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 289-290.98 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 35.
53
O liberalismo e o individualismo levados ao extremo trouxeram consequências
perversas para o mundo dos trabalhadores. A distância entre ricos e pobres foi
aumentando, uma vez que, sem nenhum poder de barganha sobre o contrato de
trabalho, os indivíduos viam-se obrigados a aceitar o que quer que lhes fosse
imposto pelo patrão. O aumento populacional nas cidades formava uma verdadeira
massa de pessoas necessitada de meios de sobrevivência, o que dava aos
capitalistas a tranquilidade em saber que um indivíduo que exigisse um mínimo que
fosse na pactuação da sua força de trabalho, poderia ser rápida e facilmente
substituído, por outro disposto a vender a sua dignidade em troca de um prato de
comida.
Essa situação foi só piorando, pois não havia nada que freasse a ganância do
capital. Crianças e mulheres foram admitidas a trabalhar nas fábricas, e, embora
cumprissem jornadas tão exaustivas quanto às dos homens, recebiam remuneração
inferior, por ser consideradas “meias-forças”. E o Estado nada podia fazer além de
garantir a liberdade das partes para contratar.
Entretanto, os trabalhadores, unidos, começaram a se rebelar contra essas
condições de trabalho. A sociedade como um todo começou a reclamar tratamento
mais digno aos operários, enxergando que a liberdade a eles concedida não era
verdadeira, e que na realidade levava a mais opressão por parte dos capitalistas.
Nesse momento, verificou-se que a tutela civilista, calcada no individualismo,
não era hábil a reger as relações de trabalho, cuja marca é o poder de dominação
do capital sobre o trabalho; foi exatamente esse contexto que propiciou o
nascimento do Direito do Trabalho como um ramo autônomo em relação ao Direito
Civil.
2.1.2 Formação e desenvolvimento do Direito do Trabalho
Como se verifica, o surgimento do Direito do Trabalho está intimamente
relacionado com o surgimento do capitalismo como sistema hegemônico.
Pode-se afirmar, então, que o Direito do Trabalho é fruto da junção de vários
aspectos, que constituíram os fundamentos para sua formação.
54
Como causa econômica é relevante o advento da Revolução Industrial, da
qual decorreu a expansão da indústria e do comércio, e a substituição do trabalho
escravo pelo trabalho livre assalariado, pressuposto à gênese do ramo.99 Ressalte-
se que a Revolução Industrial deu causa a um novo modelo nas relações produtivas,
baseado na grande indústria e na concentração de trabalhadores em seu âmbito,
nos centros urbanos que foram surgindo.100
Essa concentração de trabalhadores no seio de fábrica, e também em torno
das grandes cidades, implicou na formação de uma identidade de classe, que deu
lugar a um verdadeiro sentimento de solidariedade entre os obreiros, que permeou
os movimentos coletivos que foram se originando.101 Era uma solidariedade que
abrangia todos os aspectos na vida desses trabalhadores:Os proletários não se mantinham unidos pelo simples fato de serem pobres e estarem num mesmo lugar, mas pelo fato de que trabalhar junto e em grande número, colaborando uns com os outros numa mesma tarefa e apoiando-se mutuamente constituía sua própria vida. A solidariedade inquebrantável era sua única arma, pois somente assim eles poderiam demonstrar seu modesto mas decisivo ser coletivo. (...) Uma vez que adquiriram uma fagulha mínima de consciência política, suas demonstrações deixaram de ser meras erupções ocasionais de uma ‘turba’ exasperada, que se extinguiam rapidamente, e se converteram no rebulir de um exército.102
A ação coletiva pelos trabalhadores foi sendo aperfeiçoada, aliando a sua
atuação no âmbito profissional e no âmbito político, culminado inclusive em
movimentos de natureza claramente política, como o socialismo e o comunismo. É
que, enquanto a atuação estatal passava ao largo da questão social, as partes
tinham que resolver por si só os conflitos que iam surgindo. Os trabalhadores aos
poucos foram tomando consciência do seu poder, identificando-se como classe, e
percebendo que unidos tinham mais poder do que sozinhos. Surgiram as primeiras
manifestações tais como assembléias, passeatas, greves.
Esse movimento de integração e representatividade coletivo, firmado pela
classe operária na busca da construção de identidade própria e para a reivindicação
e pleno acesso aos direitos sociais, passou a ser definido como o fenômeno social
do sindicalismo.103
99 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 38-39.100 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.87-88.101 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.88.102 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007, p. 295.103 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 151.
55
As primeiras associações sindicais eram rudimentares e improvisadas, e sua
atuação era proibida pelo Estado, mantendo-se na clandestinidade. Ainda assim
foram responsáveis por reivindicações contra o sistema e contra a exploração dos
trabalhadores, especialmente dos menores e mulheres.
Essa ação coletiva gerou em muitos casos novas modalidades de
normatização jurídica, tais como acordos coletivos entre patrões e empregados, na
maioria das vezes representados por seus sindicatos, estabelecendo uma produção
normativa autônoma.104
No campo político, e como resultado dessa agitação social, destaca-se a
mudança no paradigma de Estado. É que se percebeu que a posição inerte do
Estado frente às desigualdades estava provocando agitação das classes sociais
que, antagonizando-se, ameaçavam a própria existência do Estado:Com os desempregados, as crises econômicas, os acidentes mecânicos de trabalho, tudo isso trazia inquietação ao lar operário e à própria segurança da sociedade. Requeria-se e amadurecia a intervenção do Estado, justificava-se uma legislação especial de proteção e de tutela dos mais fracos, vítimas agora não só dos que dispunham dos meios de produção, como igualmente desse próprios meios diretamente: que lhes mutilavam o corpo, dispersavam-lhes a família, enfraqueciam-lhes a prole, colocavam-nos na rua, sem emprego.105
Assim, para corrigir essas desigualdades, o Estado se afastou da plena
liberdade contratual e caminhou em direção a um modelo fortemente interventor,
transferindo a ordem trabalhista para a esfera das relações de natureza pública.106
A proteção contra a super exploração de trabalhadores, por meio das leis
trabalhistas, surgiu então como reação à hegemonia do sistema capitalista. Da
mesma forma, observa-se que a maneira como o Direito do Trabalho se
desenvolveu, as fases de sua evolução, estão diretamente relacionadas com os
desdobramentos do capitalismo.
A periodização mais recorrente entre os estudiosos brasileiros de Direito do
Trabalho baseia-se no esquema dos espanhóis Granizo e Rothvoss.107 Estes
consideram a fase de formação do ramo justrabalhista a partir de 1802, com o
104 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 89. 105 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 67-68. 106 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 39.107 GRANIZO, Martin L. e ROTHVOSS, M. Gonzalez. Derecho Social. Madrid: Reus, 1935. São citados em DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 93, BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 63 e MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 71/72.
56
advento da Peel’s Act, na Inglaterra, norma protetiva que tratava do trabalho dos
menores. A seguir viria a fase de intensificação, iniciada com o Manifesto Comunista
de Marx e Engels, em 1848, e com a revolução do mesmo ano na França. O terceiro
período seria o da consolidação do Direito do Trabalho, tendo como marco inicial o
ano de 1890, quando foi realizada em Berlim importante conferência acerca desse
ramo jurídico, e a publicação da Encícilica Papal Rerum Novarum, em 1891. Por fim,
a quarta fase é da autonomia, iniciada em 1919, com a criação da OIT e o início da
constitucionalização do Direito do Trabalho na Europa, com a Constituição de
Weimar, e que se estende às décadas posteriores.
Entretanto, adota-se aqui a divisão de Delgado108, que parece permitir uma
melhor compreensão sobre o padrão de organização do mercado de trabalho e da
normatização produzida em cada época.
Nesse quadro, as primeiras normas de Direito do Trabalho representaram a
sobreposição da lei à vontade das partes, como forma de manter o equilíbrio
econômico e social. No séc. XIX despontaram, então, algumas leis regulamentando
o trabalho de menores e mulheres em vários países da Europa. Alguns autores
apontam a denominada Moral and Health Act, da autoria de Sir Robert Peel, de
1802, na Inglaterra, como a primeira lei de cunho trabalhista, que impunha limites
aos trabalhos de menores.109
Na França, em 1806, Napoleão restabeleceu os conseils de prud’hommes,
com representação de operários e patrões, com a função de conciliação dos
conflitos que surgissem entre eles.
Certo é que na primeira metade do século XIX, nas já citadas Inglaterra e
França, mas também em países distintos como Alemanha e Itália, houve diversas
iniciativas no sentido da proteção do trabalho. Contudo, essas iniciativas diziam
respeito, principalmente, a questões de higiene e segurança no trabalho, tratando de
temas tais como o trabalho dos menores e das mulheres.
Pode-se afirmar que a legislação produzida à época não chegou a
representar uma normatização sistemática, consequência de um esforço consciente
da classe operária, não constituindo, portanto, um ramo jurídico autônomo, mas
108 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 93-99.109 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p.72.
57
apenas caracterizando a fase de manifestações incipientes ou esparsas do Direito
do Trabalho.110
Todavia, a partir da segunda metade do século XIX, o movimento operário se
fortaleceu e ganhou adesão de intelectuais e políticos. Em 1848 foi publicado o
Manifesto do Partido Comunista, da autoria dos alemães Karl Marx e Friedrich
Engels, no qual expuseram o pensamento socialista científico, baseado na extinção
da divisão de classes e na propriedade coletiva dos meios de produção. Assim, o
movimento operário, antes motivado apenas pelo sentimento de revolta dos
trabalhadores, ganhou fundamento teórico e direcionou sua ação coletiva à classe
antagônica, os patrões.
Importante destacar ainda o advento da Revolução de 1848, na França, uma
vez que traduziu uma ação organizada dos trabalhadores contra o poder dominante,
e que possibilitou a incorporação à normatividade heterônoma de reivindicações
operárias, tais como o reconhecimento do direito de associação e greve, e a fixação
da jornada máxima de 10 horas.111
Assim, segundo a classificação dada por Delgado, em 1848 o Direito do
Trabalho passou da fase de manifestações incipientes ou esparsas para a de
consolidação e sistematização. Essa fase foi marcada pela simbiose entre a ação
vinda de baixo, dos movimentos reivindicatórios, e o movimento vindo de cima, do
capital, de forma dinâmica, dando origem a um ramo jurídico próprio que incorpora a
visão do Estado e do operariado.112
Alguns países da Europa começaram a implementar leis trabalhistas, sendo
promulgado em 1869 na Alemanha o Código de Bismarck, considerado por alguns
como o primeiro código de trabalho do mundo moderno.113 Por ser contrário ao
socialismo, Bismarck proibiu greves e coalizões, mas em contrapartida instituiu o
seguro social obrigatório, protegendo contra enfermidades, acidentes e invalidez.
Outro importante marco para o Direito do Trabalho foi a edição da Encíclica
Papal Rerum Novarum, que pregava uma aliança de forças entre capital e trabalho.
A palavra da Igreja impressionou os governantes, dando força para intervenção cada
vez mais forte do Estado nas relações econômicas:
110 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 94.111 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 95.112 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 95.113 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 74.
58
(...) nesta ordem de coisas, o trabalho tem uma tal fecundidade e uma tal eficácia, que se pode afirmar, sem receio de engano, que ele é a fonte única de onde procede a riqueza das nações. A equidade manda, pois, que o Estado se preocupe dos trabalhadores, e proceda de modo que todos os bens, que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver á custa de menos trabalho e privações. De onde resulta que o Estado deve favorecer a tudo o que, de perto ou de longe, pareça de natureza a melhorar a sorte deles. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á, ao contrário, em proveito de todos, porque importa soberanamente à nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não se encontram continuamente a braços com os horrores da miséria.114
A Primeira Guerra Mundial também foi um fator que mudou a realidade
justrabalhista. É que os trabalhadores foram para as fronteiras de guerra lutar lado a
lado com os soldados, em defesa do capital, e em razão disso se viram em posição
de exigir melhores condições de trabalho. Verificou-se que os trabalhadores lutaram,
tanto nos fronts quanto nas indústrias, não só para defender a riqueza dos donos
dos meios de produção, mas também abriram as portas para uma nova época, em
que o trabalho fosse colocado no mesmo plano que o capital.115
Nesse quadro, em 1917, o México promulgou a sua Constituição, primeira do
mundo a inserir direitos trabalhistas em seu corpo, tais como limitação de jornada a
8 horas, proibição de trabalho de menores de 12 anos, descanso semanal, proteção
à maternidade, entre outros.
Com o fim da guerra, através do Tratado de Versalhes foi criada a
Organização Internacional do Trabalho, com o objetivo de estudar e promover
melhorias nas condições dos trabalhadores, e propiciando a universalização do
Direito do Trabalho, agora sim sistematizado, sendo vislumbrado como ramo
autônomo, dotado de fundamentações teóricas e princípios próprios, diferenciando-o
dos demais ramos jurídicos.
No mesmo ano, a Alemanha promulgou a Constituição de Weimar, que
disciplinava a participação dos empregados nas empresas, bem como a fixação de
condições de trabalho, direito a um sistema de seguros sociais, etc.116
Oportuno ressaltar que as Constituições da Alemanha e do México
reconheceram a liberdade de associação sindical, representando um avanço no
caminho da materialização do sindicalismo.117
114 MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 70.115 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 41.116 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho.São Paulo: LTr, 2001, p. 40. 117 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 155.
59
Assim, marcou-se a passagem para a fase de institucionalização do Direito do
Trabalho, de acordo com a classificação feita por Delgado; o ramo justrabalhista
então ganha força e se incorpora à matriz jurídica dos países democráticos. 118
O período entre guerras foi marcado por políticas de cunho social,
especialmente nos EUA, com o New Deal, e com a edição de várias leis de caráter
trabalhista, bem como com a inserção dessas normas nos corpos constitucionais em
vários países.
É que a queda da Bolsa da Nova York, em 1929, gerou uma catástrofe
econômica “tão avassaladora – em 1932-33 – que parecia ameaçar a própria
existência do sistema capitalista britânico e de todo o mundo”.119 Esse quadro de
crise econômica generalizada propiciou a ascensão de uma doutrina que pregava a
forte intervenção do Estado na economia, de que foram modelo os Estados Unidos,
através das políticas keynesianas, pautadas por fortes concessões de cunho social.
Em 1927 foi editada na Itália a Carta Del Lavoro, que constitui a inspiração
para os sistemas políticos corporativos ao redor do mundo, como Brasil, Portugal e
Espanha. Tal legislação conferia uma série de direitos trabalhistas, interferindo
fortemente na economia; em contrapartida, esse dirigismo intervinha de forma direta
no movimento sindical, prejudicando o seu desenvolvimento.120
A tendência de concessão e constitucionalização de direitos trabalhistas foi
acentuada após a Segunda Guerra Mundial e a ascensão do Estado do Bem-Estar
Social. De um lado, o governo conferia um sistema previdenciário forte e protetor,
bem como incentivos à industrialização, e em troca ganhava estabilidade política. O
capital era responsável pelo ótimo patamar remuneratório dos trabalhadores,
obtendo em contrapartida altos lucros com a manutenção do consumo e a
possibilidade de planejamento a longo prazo; por último, os operários, com altos
salários e garantias previdenciárias, garantiam o consumo elevado e um ambiente
sem reivindicações. Foi a época em que o Direito do Trabalho ganhou plena
afirmação.
As constituições democráticas pós-Segunda Guerra, da França, Itália e
Alemanha, e posteriormente, de Portugal e Espanha, incorporaram diversos direitos
trabalhistas em seu seio, marcando a constitucionalização destes, e, mais,
118 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 96.119 HOBSBAWN, Eric J. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Trad. de Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 197.120 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 41.
60
revelando a fixação de suas diretrizes e princípios às matrizes constitucionais, além
de outros de clara influência no ramo, como os da dignidade da pessoa humana e
da justiça social.121
Com o movimento sindical não poderia ser diferente. Embora em sua maioria
não contestassem politicamente o sistema capitalista, os sindicatos tinham sua
atuação pautada pela busca de resultados favoráveis aos trabalhadores, no que diz
respeito aos direitos sociais e às condições de trabalho.122
Esse círculo virtuoso123 entrou em desaceleração a partir do advento da crise
do petróleo, na década de 70. A crise levou a uma redução no crescimento
econômico e a uma revisão do papel do Estado como agente interventor na
economia. Surgiu então a necessidade de flexibilização das relações trabalhistas,
bem como a desregulamentação da legislação protetora do trabalho.
2.1.3 A crise do Direito do Trabalho
No conjunto de todas essas mudanças, as relações empregatícias e de
trabalho foram fortemente afetadas, ensejando uma nova era para o Direito do
Trabalho: chegou ao fim a fase de institucionalização e começou a crise do ramo
justrabalhista. Nesse contexto, difundiu-se o discurso de que a rigidez nos conceitos
e nos direitos trabalhistas seria a principal causa da crise do emprego.
Como visto, ao longo do seu desenvolvimento, os altos e baixos do
capitalismo o fizeram adotar formas de produção diferenciadas. Como consequência
disso, os paradigmas de Estado foram adquirindo novas feições, e, na mesma linha,
o Direito do Trabalho.
Assim é que no seu surgimento o modo capitalista não encontrava barreiras.
Ele surgiu forte e avassalador, o que, não por coincidência, aconteceu
concomitantemente com o advento do Estado Liberal. Esse paradigma de Estado se
pautava pela ausência de intervenção estatal na economia, assim o capital pôde se
121 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 97.122 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 159.123 SINGER, Paul. A crise das relações de trabalho. In: NABUCO, Maria Regina; CARVALHO NETO, Antônio (Coords.). Relações de trabalho contemporâneas. Belo Horizonte: Instituto das Relações de Trabalho da Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais, 1999, p. 32.
61
desenvolver sem restrições, o que causou uma super exploração da massa de
trabalhadores.
As reivindicações sociais, bem como a crise econômica mundial iniciada após
1929, fizeram com que fosse necessária uma adequação desse modelo. O
capitalismo então ganhou uma feição mais humana, permitindo uma valorização de
políticas sociais, até mesmo com o objetivo de manter a sua hegemonia. O Estado
se fortaleceu e passou a intervir na economia: era o Estado Social, ou Estado do
Bem-Estar Social.
Entretanto, com a crise do capitalismo iniciada a partir da década de 70, o
Direito do Trabalho também entrou em crise. Como visto, o novo rearranjo do
sistema baseou-se na precarização dos postos de trabalho e na flexibilização da
legislação protetiva. Nesse quadro, assim como o trabalho deixou de ter
centralidade, o Direito do Trabalho também perdeu espaço, sendo duramente
criticado e visto como um direito velho e inadequado.
Entraram em crise o Estado de Bem-Estar Social, o Direito do Trabalho e o
capitalismo. Mas, de todos, o único que saiu vitorioso foi o último, à custa dos
demais. A corrente hegemônica de pensamento passou a defender a diminuição das
políticas estatais, apregoando o retorno do Estado Liberal. Isso significava,
consequentemente, a redução das normas trabalhistas.
Nesse contexto, a assunção de políticos liberais, como Margareth Thatcher,
em 1979, na Inglaterra, Ronald Reagan, nos EUA, em 1980, e Helmuth Kohl, na
Alemanda, em 1982, fortaleceu o pensamento liberalizante, e o que era apenas
discurso, ou seja, a necessidade de flexibilização da organização do trabalho e,
mais, do Direito do Trabalho, transformou-se em política estatal.124
As mudanças decorrentes da revolução tecnológica também tiveram papel
importante para esse momento de crise do Direito do Trabalho, uma vez que
trouxeram o desemprego e, paralelamente, novos modelos de produção. O
desemprego é, portanto, utilizado como argumento para demonstrar a inadequação
do ramo justrabalhista, uma vez que o dito excesso de proteção impede a
diminuição do custo de trabalho, impossibilitando, por consequência, a criação de
mais empregos.
124 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2005, p. 22.
62
Saliente-se que, em outras épocas, o desemprego decorria de um rearranjo
do sistema, que, pouco depois, se recompunha, diferentemente do atual modelo, no
qual é marca permanente. É que a necessidade de cortar custos, objetivo máximo
do novo modelo, necessita de um exército de mão-de-obra reserva, que sirva de
argumento para justificar a mitigação de direitos trabalhistas.
O discurso do desemprego e do sub-emprego leva os trabalhadores a temer a
perda dos postos de trabalho, e por isso se submetem a todo tipo de imposição,
inclusive quanto à perda de direitos.
Ademais, essas novas modalidades de contratação, como a terceirização, o
teletrabalho, dentre outros, embora possam ter alguns efeitos positivos, de fato
contribuem para a tensão em torno da necessidade de proteção trabalhista, porque
fogem à pactuação tradicional, numa tentativa de burlar tal proteção, com o objetivo
de precarizar ainda mais as relações de trabalho.
As estratégias empresariais de envolvimento manipulatório fazem com que os
trabalhadores se sintam mais conectados ao empregador do que aos colegas de
trabalho, e as práticas sindicais não são vistas com bons olhos:O empregado, imerso num mundo invisível de coação e premido pela necessidade de manter seu emprego, muda sua referência e percepção de identidade coletiva, diminuindo sua identificação com os sindicatos e aumentando- as com as empresas, cujos laços de dependência tornam-se mais sólidos do que nunca. Única alternativa imposta pelo sistema, gera fragmentos de esperança para a classe obreira. Destarte, a força coletiva emanada dos sindicatos, legítimos representantes dos trabalhadores, tende a dissolver-se.125
Com isso, os sindicatos, até mesmo pressionados pelos obreiros, entram na
lógica da flexibilização, com a ilusão de manter postos de trabalho, e cedem os
direitos mínimos de seus representados.
O discurso de autonomia sindical, antes restrito ao mundo dos trabalhadores,
agora também é apregoado pelo capital.126 O neoliberalismo preconiza a autonomia
sindical sem limites, com afastamento total da legislação e do Estado, usando mais
uma vez o fundamento do desemprego estrutural.
O que se observa é que os sindicatos estão totalmente fragilizados diante da
nova realidade econômica e trabalhista, o que os leva a negociar apenas para
125 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 181-182.126 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado – O Direito do Trabalho no limiar do século XXI. Revista LTr, São Paulo, ano 63, p. 885-895, jul. 1999, p. 893.
63
manter direitos e não para elevar o patamar justrabalhista, que seria sua função
precípua.
Assim, a tendência é transpor as relações trabalhistas para o campo do
Direito Privado, transformando-as em meras relações contratuais, sem intervenção
do Estado. Essa proposta, paradoxalmente, é vinculada ao controle pelo Estado das
organizações sindicais, delimitando a esfera de negociação, ao mesmo tempo em
que reconhece a sobrevalência da negociação coletiva sobre a legislação
heterônoma, reaproximando o ramo justrabalhista da matriz civilista da qual se
desgarrou para sua formação.
Entretanto, o discurso hegemônico de fim do trabalho e do emprego não viu
realizadas suas previsões catastróficas de uma sociedade sem trabalho, nem
apresentou alternativas ao modelo existente. Além disso, a desigualdade resultante
do conflito entre capital e trabalho que deu origem ao ramo ainda permanece,
restando clara a necessidade de um ramo jurídico com as características do Direito
do Trabalho.127
Nesse sentido, o Direito do Trabalho, sempre fundado no princípio da
proteção, deve ser usado como instrumento de inversão da lógica que só serve ao
sistema capitalista e engole a massa trabalhadora.
Assim, da mesma forma que o capitalismo se modificou, mas continuou
buscando rigorosamente seu objetivo de acumular riquezas, o ramo justrabalhista
deve ser flexível, no sentido de se adaptar às mutações do capital, mas sem perder
a rigidez no que diz respeito ao seu princípio basilar da proteção.128 O dinamismo é
característica própria do ramo justrabalhista, que se altera permanentemente,
procurando sempre sentir a realidade concreta, expandindo-se em vários sentidos.129
Haveria assim uma forma de resistência ao movimento de flexibilização das
normas jurídicas e desregulamentação do mercado laborativo, fenômenos
127 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 98-99.128 A observação é feita em VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e Sindicato. In: HENRIQUE, Carlos Augusto Junqueira; DELGADO, Gabriela Neves (Coords.). Terceirização no direito do trabalho. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 365.129 MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 53. Exemplo dessa tendência expansionsta foi a alteração da Constituição produzida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que trouxe o conceito de relações de trabalho, e que gerou enorme discussão entre os juristas sobre a abrangência de tal expressão. É certo, portanto, que atualmente a Justiça do Trabalho tem competência para julgar lides decorrentes de relações de trabalho lato sensu, e, embora se trate de alargamento da competência processual, permite vislumbrar a tentativa de expansão do Direito do Trabalho como um todo.
64
contextualizados na tendência mundial de atender apenas aos reclamos da
economia e dos empresários.
Nesse sentido, o ramo justrabalhista pode não ser o único nem o mais eficaz
instrumento de justiça social, mas deve ser utilizado sob esse aspecto, em
concatenação com a sua matriz teleológica.130
No caso do Direito do Trabalho, a luta entre os ideais que informam o direito
aparece de forma muito mais viva que em todos os ramos do Direito: segurança x
justiça. É que se o primeiro se inclina pela manutenção do status quo, o segundo força a mudança estrutural e qualitativa da sociedade empurrando-a para novas formas de organização. Por isso mesmo, em nenhum outro campo jurídico se encontra tão dramática e intensa esta sede de justiça distributiva como no direito do trabalho. 131
Há que se levar em conta que o trabalho é forma de distribuição de riqueza,
não podendo servir-se apenas para enriquecimento de poucos, em detrimento da
exploração e piora na qualidade de vida de muitos, sob pena de se voltar aos
tempos de escravidão e servidão. Desta maneira,esforça-se assim o direito do trabalho, dentro da humana fragilidade, em trazer justiça para essa prestação de trabalho, tornando-a menos alienada, menos coagida, menos penosa, menos fatigante, e, se possível, cada vez mais alegre, espontânea e saudável. É este o seu objetivo, utilizando-se da lição que lhe proporciona a História.132
A articulação dos princípios e normas do Direito do Trabalho deve ser feita
tendo o escopo de contornar e corrigir as distorções trazidas pelas novas formas
assumidas pelo capital, para que esse ramo jurídico possa efetivar as nobres
funções às quais se propõe, de forma a propiciar a realização plena da dignidade
dos trabalhadores.
2.2 O Direito do Trabalho no Brasil
130 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000, p. 89.131 MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 34.132 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 30.
65
A periodização do Direito do Trabalho no Brasil deve ser analisada tendo em
vista o momento que se instituiu o trabalho livre. É que, como salientado supra, o
ramo justrabalhista tem como foco de estudo a relação empregatícia, que se forma a
partir do trabalho livre mas subordinado. Nesse sentido, somente a partir da extinção
da escravidão é que se pode abordar o processo histórico de formação e
consolidação do Direito do Trabalho no Brasil.133
Entretanto, alguns autores entendem ser relevante que se faça uma breve
análise da fase histórica anterior ao Direito do Trabalho, para melhor compreensão
dos elementos característicos desse ramo jurídico.
De fato, até 1888, as relações de trabalho no Brasil se pautaram pelo modelo
escravocrata. Esse modelo era baseado na sujeição pessoal dos trabalhadores, na
sua maioria índios e africanos, que não eram considerados pessoas, mas coisas.
Assim, os escravos não eram sujeitos de direitos e não eram tratados como seres
aptos a exprimir suas vontades e estabelecer relações jurídicas, sendo propriedade
dos senhores da terra, vale dizer, objetos de direito.
Importante salientar que esse período apresentou como forma dominante a
produção agrícola e o modelo escravagista. Isto não significa, contudo, que não
houvesse traços de industrialização e trabalho livre, como as colônias do sul do
Brasil, por exemplo, mas, sim, que estes não eram suficientes para definir os
contornos do ramo justrabalhista; ademais, quando se faz um estudo histórico, há
que se levar em conta o modelo preponderante em cada época.
A Constituição do Império limitara-se a abolir as corporações de ofício e a
assegurar a liberdade de trabalho, e havia raros dispositivos, acerca do trabalho
agrícola, por exemplo, em legislação esparsa.134
A edição da Lei Áurea, em 1888, representou o marco mais importante no
processo de formação do Direito do Trabalho no Brasil, uma vez que, embora não
trouxesse normas de matéria trabalhista, propiciou o desenvolvimento do modelo de
relação de trabalho nos moldes que vemos hoje.
Enquanto no plano internacional o Direito do Trabalho já se encontrava em
fase de sistematização e consolidação desde meados do séc. XIX, no Brasil
somente com a Lei Áurea e a adoção do trabalho livre é que foram editadas as
133 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 105.134 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 90.
66
primeiras normas a respeito, no que se denomina fase das manifestações
incipientes ou esparsas.
Nesse período, o universo de trabalhadores se concentrava principalmente no
campo, tendo em vista a economia essencialmente rural. No âmbito das cidades,
merecem destaque os setores portuário e ferroviário, no Rio de Janeiro e em São
Paulo.135
Entretanto, as primeiras tentativas de regulamentação do trabalho não
obtiveram êxito, uma vez que o pensamento liberal individualista, então dominante,
não aceitava a interferência do Estado nas relações entre particulares. Como
exemplo, um projeto da autoria de Moraes e Barros, dos anos de 1890, acerca da
locação agrícola, foi vetado pelo Presidente em exercício Manoel Vitorino Pereira,
sob o fundamento de queo papel do Estado nos regimes livres é assistir como simples espectador à formação dos contratos e só intervir para assegurar os efeitos e as conseqüências dos contratos livremente realizados. Por essa forma, o Estado não limita, não diminui, mas amplia a ação da liberdade e da atividade individual, garantidos os seus efeitos.136
Ainda assim, algumas leis esparsas foram editadas à época, como é o caso
do Decreto 1.313, de 1891, em que se instituiu, na Capital da República, a
fiscalização permanente de todos os estabelecimentos fabris onde houve vultuoso
número de menores trabalhando, limitando a jornada máxima em 9 horas diárias e
proibindo o trabalho noturno dos menores. Tal lei jamais foi cumprida.137
Ressalte-se que, até meados do séc. XX, havia um grande contingente de
imigrantes constituindo a força de trabalho, uma vez que a elite brasileira
considerava que esses trabalhadores se adaptavam mais facilmente à vida urbana,
além de ser usual na época importar idéias e valores europeus. Essa mão-de-obra
importada trouxe um componente ideológico, em razão da difusão de idéias
anarquistas e socialistas na Europa, tendo sido responsável por diversos
movimentos operários. Outro dado importante é que o mercado de trabalho passou
a incorporar mulheres, crianças e adolescentes, por causa dos baixos custos dessa
mão-de-obra.
135 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 106-107.136 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 49-50.137 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 52. No mesmo sentido, CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 91.
67
Nas fábricas, as condições de trabalho eram extremamente precárias, quer no
que tange à extensão das jornadas e intervalos, quer no que diz respeito ao meio-
ambiente de trabalho. Contudo, não havia muita organização dos trabalhadores em
uma direção reivindicatória, uma vez que os ideais anarquistas, então em voga,
impediam a centralização do movimento, com rígidas linhas de conduta. Além disso,
o modelo político descentralizado deixava a cargo do poder legislativo estadual a
normatização a respeito da matéria trabalhista, o que pulverizava o movimento.138
Nesse quadro, a produção legislativa continuou caminhando a passos lentos,
versando principalmente sobre a proteção das condições de trabalho, sobretudo das
mulheres e crianças, a exemplo do que ocorrera no plano internacional.
Nesse período destacam-se o Decreto Legislativo 1.637/1907, que facultava a
criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas, e a Lei 4.682/1923
(Elói Chaves), que criava as primeiras caixas de aposentadoria e pensão, para os
ferroviários, e, para garantir as contribuições, impedia a dispensa do empregado
após dez anos de serviço, o que mais tarde foi estendido para outras categorias. No
mesmo ano foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, que tinha como finalidade
auxiliar o Poder Público em assuntos atinentes à organização do trabalho.139
Vale ainda chamar atenção para a Lei 4.982/1925, que concedia férias anuais
de 15 dias aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários,
e o Decreto 17.934-A/1927 (Código de Menores), que estabelecia idade mínima de
12 anos para o trabalho, a proibição de trabalho noturno e em minas aos menores,
além de outros preceitos.140 Oportuno salientar que antes da edição do Código de
Menores, houve diversas tentativas de regulamentação do trabalho de crianças e
adolescentes; contudo, não tiveram efetiva aplicação.
Há que se ressaltar que no ano de 1915 houve a apresentação de um projeto
de Código do Trabalho – que não chegou a ser aprovado -, que, além de fixar
diversos limites para a contratação, relacionados a idade, jornada, local e rescisão,
ainda definia o contrato de trabalho: Convênio pelo qual uma pessoa se obriga a trabalhar sob a autoridade, direção e vigilância de um chefe de empresa ou patrão, mediante uma remuneração, diária, semanal ou quinzenal, paga por este, calculada em
138 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.107.139 MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 97.140 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 108-109.
68
proporção ao tempo empregado, à quantidade, qualidade e valor da obra ou serviço, ou sob quaisquer outras bases não proibidas por lei.141
Interessante salientar que as obras doutrinárias mais importantes foram
“Apontamentos de Direito Operário”, de Evaristo de Moraes, publicada em 1905, “A
Questão Social”, de Carvalho Neto, “Estudos de Legislação Social”, de Sampaio
Dória, em 1922, havendo muito poucos estudos na área. A jurisprudência, por seu
turno, tratava primordialmente de acidentes de trabalho.142
Nesse sentido, observa-se que, até esse momento a legislação acerca do
trabalho no Brasil era muito difusa, não chegando a formar um sistema normativo
hábil à caracterização de um ramo jurídico específico, no caso, o Direito do
Trabalho. A partir de 1930, contudo, o Direito do Trabalho no Brasil passa por uma
fase de institucionalização, tendo em vista a queda da República do Café com Leite
e o início de uma política trabalhista idealizada por Getúlio Vargas.
No cenário internacional, o capitalismo estava em crise e o socialismo havia
saído vitorioso na Europa Oriental. Os operários, extremamente explorados,
reivindicavam melhores condições de trabalho e de salário. Com a quebra da Bolsa
de Nova Iorque, em 1929, a crise do capitalismo se agravou, ganhando reforço o
favorecimento das políticas sociais e propiciando a ascensão de regimes totalitários.
No Brasil não foi diferente. A Era Vargas foi marcada por intensa atividade
estatal, de cunho marcadamente intervencionista, que, de um lado, instituía
minuciosa legislação implementadora de direitos trabalhistas, e, de outro, repreendia
vigorosamente quaisquer manifestações operárias.
No âmbito do Poder Executivo, em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, cuja função era fiscalizar e regulamentar a organização do
proletariado. Ainda, através do Decreto 19.770 de 19.03.1931, foi criada uma
estrutura sindical oficial, baseada no sindicato único.143
Como parte da política trabalhista de Vargas, instituíram-se as Comissões
Mistas de Conciliação e Julgamento, em que só poderiam demandar os empregados
que fizessem parte do sindicalismo oficial.
Na seara jurisdicional, criou-se a Justiça do Trabalho, sob a vigência da
Constituição de 1934, sendo efetivamente regulamentada em 1939 e instalada em
1941.
141 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 54.142 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 91.143 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 110-111.
69
No campo legislativo, diversas leis de caráter protetivo foram sendo editadas,
como o Decreto 21.471/1932, que regulamentava o trabalho feminino, o Decreto
21.186/1932, que fixava a jornada de oito horas para os comerciários, o que foi
depois estendido para os industriários, e o Decreto 21.175/1932, que criava as
carteiras profissionais. 144
A Constituição de 1934 trouxe inovações importantes, na medida em que,
pela primeira vez, uma norma limitou o direito de propriedade à sua função social.
Além disso, assegurava autonomia e liberdade sindical, estatuía a proibição de
diferença salarial em razão de sexo, idade, nacionalidade e estado civil, determinava
a fixação de salário mínimo e assegurava indenização ao trabalhador injustamente
dispensado, dentre outros direitos.145
Na sua vigência, foi editada a Lei n.º 62, de 5 de julho de 1935, que estendeu
a estabilidade às classes ainda não contempladas por ela, com exceção dos
trabalhadores domésticos e rurais.146
Várias obras vieram tratar da legislação pertinente, como o “Curso de
Legislação Brasileira do Trabalho”, de Waldyr Niemeyer, e “Convenções Coletivas
de Trabalho”, de Helvécio Xavier Lopes, em 1936. A jurisprudência, agora mais
farta, ainda não tinha o condão de interferir na criação do Direito.147
Por outro lado, durante todo o período getulista, diversas ações foram
implementadas no sentido de coibir práticas relacionadas a movimentos de
agregação operária. Nesse sentido, desponta a Lei de Nacionalização do Trabalho,
que reduzia a participação de imigrantes no segmento obreiro do país. Também
merecem destaque os diversos incentivos ao sindicalismo oficial, que posteriormente
se tornaria obrigatório.148
A Carta outorgada em 1937 aprofundou as diretrizes dadas pela Constituição
de 1934, contendo preceitos básicos sobre repouso semanal remunerado,
indenização pela cessação do contrato de trabalho, férias remuneradas, entre
outros.
144 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 112145 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 74-75.146 MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antônio Carlos Flores de Introdução ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 99-100.147 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 92.148 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.112.
70
Com o passar do tempo, ficou claro que a diversidade de normas, de todos os
tipos – decretos legislativos, leis, decretos-lei – dificultava a sua compreensão e até
mesmo sua aplicação por parte dos operadores do direito, levando à necessidade da
reunião dessas normas em único texto.149
Disso resultou a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que
unificou toda a legislação trabalhista esparsa existente no país, privilegiando os
direitos individuais e relegando o Direito Coletivo do Trabalho a segundo plano. Na
realidade, tratou-se de uma grande manobra do sistema, pois afirmou-se fazer
algumas concessões à classe trabalhadora, quando na verdade estava-se
transformando diversas conquistas já consolidadas em lei, acentuando, contudo, a
legislação que impedia as lutas operárias.
Diferentemente de outros países, em que a luta operária foi decisiva para a
consolidação do Direito do Trabalho, no Brasil não houve uma verdadeira maturação
da classe trabalhadora, sendo a produção normativa trabalhista concessão do
sistema. Assim, enquanto em países como México, Inglaterra e França as
legislações trabalhistas foram conquistadas pelas reivindicações dos trabalhadores
(movimentos ascendentes), no Brasil caracterizaram-se por movimentos
descendentes, em razão de inexisitir luta, da falta de associações profissionais com
representatividade, e de não haver massas proletárias densas.150
De qualquer forma, é importante salientar a relevância da CLT como passo
progressivo na busca da proteção jurídica aos trabalhadores, mesmo sendo diploma
normativo elaborado em conformidade com a filosofia autocrática da época. Além
disso, também merece destaque seu papel educativo, dando conhecimento global
dos direitos e deveres trabalhistas.151
Nesse passo, o modelo justrabalhista marcava-se pela unicidade sindical,
com organização por categorias de acordo com a atividade das empresas,
permitindo a estas controlar os sindicatos que lhe eram vinculados; obrigatoriedade
do imposto sindical, como forma de submissão das entidades de classe ao Estado;
competência normativa dos tribunais do trabalho, cujo objetivo era evitar o
149 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 60.150 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 50.151 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 67. Necessário ressaltar que os autores Arnaldo Sussekind e José de Segadas Viana, então Procuradores da Justiça do Trabalho, participaram da comissão que foi responsável pela elaboração do texto da CLT, assim como o último participou da Assembléia Constituinte responsável pela promulgação da Constituição de 1946.
71
entendimento direto entre os operários e empregadores, por isso a greve e o lock-
out foram considerados recursos anti-sociais; instituição da data-base das
categorias, usada com artifício para impedir que os movimentos operários
reivindicassem de forma unida e facilitando a fiscalização e intervenção estatal.
Em 1946, após o golpe que depôs Getúlio Vargas e a eleição de Eurico
Gaspar Dutra para presidente, foi promulgada nova Constituição, que restabelecia
as diretrizes democráticas. Em sua vigência, diversos direitos trabalhistas foram
incorporados à Constituição, sendo ainda instituídos a participação dos
trabalhadores nos lucros, o repouso semanal remunerado, a estabilidade, o direito
de greve, entre outros.
Inúmeras leis ordinárias foram editadas: Lei 605/49, sobre repouso semanal
remunerado, Decreto 31.546/52, sobre o trabalho do menor aprendiz, Lei 2.573/55,
que dispunha sobre o trabalho em atividades perigosas, Lei 4.090/62, acerca da
gratificação natalina, Lei 4.214/63, o Estatuto do Trabalhador Rural, dentre outros.152
Nesse período, houve ainda um significativo avanço nas práticas
democráticas, com a efetivação dos direitos civis e ampliação dos direitos sociais,
tendo também a legislação ordinária avançado sobre eles.
O papel da jurisprudência cresceu significativamente, sendo responsável pela
formulação de conceitos jurídicos importantes, como a despedida obstativa.153
Em 1964, houve o golpe que deu início ao regime militar, e culminou com a
publicação da Constituição de 1967. Embora tenha restringido em muito a prática
dos direitos civis e políticos, manteve os mesmos direitos trabalhistas previstos na
Constituição anterior, tornando ainda obrigatório o voto nas eleições sindicais e
legitimando a contribuição sindical obrigatória. A Emenda Constitucional n. 1 de 69
repetiu as mesmas diretrizes.
É importante salientar que, no período, houve a produção de uma vasta
legislação restringindo os aumentos salariais. Outro marco foi a edição de Lei
5.107/66, que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, visando acabar com
a estabilidade no emprego.
Nessa fase, houve um inchaço das atividades do Estado e uma estagnação
na movimentação da sociedade civil, desestruturando-se as organizações e
associações que tinham destacada atuação no período anterior.
152 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 96.153 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo: LTr, 1980, p. 97.
72
Importante salientar que o modelo justrabalhista implantado desde o início da
fase de institucionalização do Direito do Trabalho, embora tenha sofrido algumas
alterações, manteve-se praticamente intacto desde então.
Imperioso ressaltar que, no final da década de 70, começou a ressurgir o
movimento sindical. O regime foi gradativamente esmorecendo, ocorrendo um
processo gradual de liberalização e democratização. O ano de 1979 foi marcado
pela realização de diversas greves, sendo registradas em torno de 100, com
destaque para as greves ocorridas no ABC paulista.154 Foram organizadas oposições
sindicais ao sistema vigente, e a luta dos trabalhadores, de forma unida, foi gerando
grandes movimentos reivindicatórios e diversos direitos foram conquistados.
Nesse marco, foram realizadas eleições indiretas para Presidente da
República, em 1985, e em 1988, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte,
que elaborou a nova Constituição Federal. A nova Lei Fundamental inovou na
medida em que os direitos trabalhistas foram inseridos no capítulo dos direitos
sociais, ao passo que nas anteriores eram tratados no âmbito da ordem econômica
e social. Entre as conquistas de cunho social, praticamente igualou os direitos dos
trabalhadores avulsos e rurais aos urbanos, e elencou diversos direitos aos
domésticos, além de proibir discriminações de quaisquer espécies. Paradoxalmente,
e principalmente no âmbito do Direito Coletivo, foram mantidos formatos antigos que
limitam a atuação sindical, como a unicidade sindical, a contribuição sindical
obrigatória e o poder normativo do judiciário trabalhista.
Ressalte-se ainda que a Constituição de 88 firmou um certo marco
flexibilizatório da normatividade justrabalhista, ao permitir a flexibilização de jornada
e salário por meio da negociação coletiva.
A partir da década de 90 o processo de flexibilização se aprofundou, tendo
como exemplo disso a Lei 8.949/94, que trata das cooperativas de trabalho, a Lei
9.601/98, que instituiu o contrato provisório de emprego, bem como a previsão do
banco de horas, a alteração normativa da Lei de Estágio (6.494/77), estendendo
essa forma de contratação para o ensino médio, ainda que não profissionalizante, e
a figura da suspensão contratual para qualificação profissional do empregado (EC
32/01).155
154 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 46.155 DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização: paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2003, p. 112.
73
Desde então, observa-se que a política trabalhista no país incentivou
abertamente a redução do preço da força de trabalho, por meio da diminuição direta
ou indireta dos direitos trabalhistas, seja através de normas como as já citadas, seja
através da jurisprudência, que acompanhou o processo.
Necessário salientar que essa política brasileira estava inserida no contexto
mundial da globalização e do retorno aos ideais liberais, existindo o forte argumento
que a nova organização da economia e da organização do trabalho não mais
permite normas tão protetivas, principalmente em decorrência da constante ameaça
do desemprego, cada vez em maior escala.
Esse é o momento de crise do Direito do Trabalho, com a redução do patamar
civilizatório. A idéia é transportar o Direito Coletivo para o âmbito do direito privado –
a chamada autonomia privada coletiva – com a prevalência do negociado sobre o
legislado, como forma de legitimar as perdas.
Faz-se necessária a reconstrução do patamar civilizatório mínimo, sendo
crucial o papel da doutrina, da jurisprudência, assim como dos demais operadores
do Direito, de fixar certas barreiras para a flexibilização, principalmente no que tange
às normas relacionadas à saúde e segurança do trabalhador, consideradas como de
interesse público.
74
3 O TRABALHO E A ESTABILIDADE
Como observado nos capítulos anteriores, verificou-se no decorrer da história
que, se a disciplina do contrato de trabalho fosse deixada a cargo do Direito Civil, os
proprietários dos meios de produção tratariam o trabalho como um de seus
instrumentos. Daí a necessidade de uma tutela específica, razão da existência do
Direito do Trabalho.
A relação de emprego é meio de inclusão social, econômica e política do
indivíduo; aqueles que não nasceram possuídos de riqueza têm no trabalho a única
forma de adquiri-la. Por isso mesmo, valoriza-se a continuidade dessas relações,
que gera segurança inclusive quanto aos laços familiares e sociais. Assim é que
despontam as estabilidades e as garantias de emprego, que serão tratadas no
decorrer deste capítulo.
3.1 Direito Comparado
Nos tempos de escravidão e servidão, obviamente que não havia regras para
terminação das relações de trabalho, mesmo porque ainda não se falava em Direito
do Trabalho. As relações se extinguiam muitas vezes por morte ou fuga dos
escravos ou servos, ou pela transmissão de direitos a outro senhor, uma vez que o
vínculo que conectava os trabalhadores ao senhor ou à terra era definitivo.
Se hoje se discute a garantia de permanência do contrato de trabalho, em
benefício do empregado, houve um tempo em que essa garantia era vertida em
favor do empregador, privilegiando o direito de propriedade.
Nesse quadro, o Master and Servant Act, da Inglaterra de 1867, determinava
a punição com prisão do empregado que rompesse o contrato e assim colocasse em
risco a vida ou a propriedade alheia. Uma lei russa de 1886 estabelecia a pena de
um mês de prisão para o trabalhador que violasse seu compromisso. Na mesma
75
linha, a Lei Húngara de 1898 fixava pena de até sessenta dias de prisão para os
trabalhadores agrícolas que rompessem o contrato.156
Com a industrialização, e ainda antes do surgimento do Direito do Trabalho,
as relações jurídicas se pautavam pelo contrato, e a autonomia da vontade era o
mote que dominava os contratos, não sendo diferente com as relações de trabalho.
Assim, o empregador se utilizava dessa liberdade para contratar, mas também para
desfazer o vínculo. As partes tinham o igual direito de contratar e distratar, corolário
da liberdade individual, o que se apresentava como uma evolução em relação aos
tempos antigos e medievais.
Ao empregador, como dirigente do empreendimento econômico, cabia o
poder diretivo e mesmo o direito de disposição sobre a empresa, para que esta
pudesse atingir seus fins, tendo o direito de modificar os meios materiais do
estabelecimento e as relações de emprego que ali se formavam. Ao empregado
cabia a mesma liberdade; dono do seu corpo e da sua vontade, podia vender a sua
força de trabalho a quem quisesse e até quando quisesse.
Entretanto, logo se viu que essa igualdade na liberdade era fictícia, e que o
empregado sempre sucumbia diante da superioridade econômica do empregador. O
crescimento da desigualdade social e da distância entre trabalhadores e patrões
demonstrou que a liberdade não trazia igualdade. As consequências sociais da
dispensa, como das demais condições de trabalho, fizeram com que os
trabalhadores, através das suas entidades representativas, os sindicatos que se
formavam, reivindicassem controles e limitações do direito do empregador de
dispensar.
Percebeu-se que a liberdade na dissolução do contrato trazia efeitos distintos
para as partes: para o empregador consistia apenas na perda de instrumento de
produção, facilmente substituível por outro, mas com a continuidade da atividade
econômica; já o empregado era colocado para fora daquela realidade, porque,
mesmo quando fosse sua a iniciativa da dispensa, era ele que tinha que abandonar
o posto de trabalho. “O empregado só pode demitir-se, mas nunca ‘dispensar’ o
empregador.”157
156 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 652-653.157 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 92.
76
Assim é que, juntamente com outras normas justrabalhistas, começam a
aparecer as primeiras tutelas do direito de despedir, que inicialmente consistiam em
previsão de determinado prazo, para prevenir o empregado da dispensa, assim
como o pagamento de indenização em determinados casos, abrangendo também o
estudo da justa causa para término do contrato. Essa seria a primeira fase de
desenvolvimento do instituto da proteção à dispensa, consistindo em restrições
indiretas ao direito.158
Entretanto, em um segundo momento, passou-se a analisar a dispensa sem
justa causa. Se antes era um ato discricionário do empregador, a partir de então se
passou a exigir a motivação da dispensa. O empregador não era mais livre para
dispensar, ainda que concedesse o aviso prévio e pagasse indenização; tinha que
expor os motivos que o levaram a terminar a relação de emprego.
A terceira fase de desenvolvimento da proteção à dispensa relaciona-se com
a previsão de procedimentos e controle, por órgãos isentos e imparciais, da
dispensa e sua motivação. A dispensa passa a ser a última medida a ser tomada
pelo empregador, e é objeto de controle por órgão externo a ele, que pode
determinar a reintegração ao emprego, dentre outras medidas.
Por último, existe ainda uma fase, acolhida apenas parcialmente em algumas
legislações mais evoluídas, como é o caso da legislação norte-americana, em que a
despedida é concebida como direito potestativo patronal.159 Nesse caso, afastam-se
as exigências legais e deixa-se a cargo da criatividade coletiva a previsão de
instrumentos de proteção. Mas, para tanto, é necessário que as partes estejam em
efetivo plano de igualdade.
Entretanto, legislações mais avançadas encontram-se no terceiro estágio de
desenvolvimento do instituto de proteção à dispensa.
Na República Federal da Alemanha, uma reforma legislativa efetivada em
1951 e 1952 estabeleceu ser aceitável somente a dispensa que fosse socialmente
justificada. Tal proteção aplica-se ao trabalhador que possua ao menos vinte anos
de idade; haja trabalhado, no mínimo, seis meses para o mesmo empregador; e
tenha a empresa ou estabelecimento mais de cinco empregados. Caso efetivada a
dispensa, ao empregado assiste o direito de, em três semanas, questioná-la junto ao
158 A divisão em fases é feita conforme SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 53-54.159 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p. 1095.
77
tribunal do trabalho, que pode concluir pela nulidade da resilição, porque
socialmente injustificada, determinando a reintegração. Essa determinação de
reintegração pode ser convertida em indenização, a pedido do empregado, ou, em
determinados casos, do empregador, por se tornar inconveniente a sobrevivência da
relação de emprego.160
No que tange à dispensa coletiva, sujeita-se a controle, inicialmente por parte
do conselho de empresa e, em seguida, é dada ciência à autoridade administrativa
do trabalho, que poderá autorizar a dispensa ou considerá-la nula em caso de
descumprimento de alguma formalidade. A reintegração é prevista em lei, mas com
muita frequência é convertida em indenização.161
Assim, a Alemanha capitaneou a tendência de proteção contra a despedida
arbitrária, estabelecendo uma concepção nítida do assunto, entendendo lícita
somente a dispensa socialmente justificável.
Inaugurou-se, portanto, a diferenciação de motivos para dar fim à relação de
emprego. Em primeiro lugar, figuram aqueles motivos que, de tão grave, impedem a
continuação do contrato. Esses motivos constituem justa causa para o término da
relação de emprego, e por isso, além de não haver obrigatoriedade de concessão de
aviso prévio, também não há pagamento de indenização, em razão da culpa do
empregado. Essa espécie de justificação já era reconhecida pelas demais
legislações.
Por outro lado, no lugar de reconhecer a despedida sem justa causa, a
legislação alemã passou a estabelecer a exigência de motivos, embora mais
brandos, para terminar qualquer relação de emprego. Aqui se inaugura a exigência
de justificação social para se despedir o empregado:Estabelece-se desta forma o sistema binário que regula todas as legislações sobre dispensa nos sistemas jurídicos atuais. Ao lado da dispensa imediata ou extraordinária, que se processa incontinenti em virtude da gravidade do motivo, há outra, deferida e, mediante aviso prévio, baseada em motivos de menor intensidade, embora justificadores da dispensa. A intensidade dos motivos passa desta forma a exercer importante papel no mecanismo da dispensa: o motivo grave antecipa a eficácia da ruptura do vínculo derrogando a norma que exige o decurso de certo lapso de tempo, e age como excludente de direitos. Os de menor intensidade, embora justificadores da dispensa, podem não excluir o direito de indenização e prolongam a ruptura do vínculo pelo decurso de certo prazo.162
160 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 703-704.161 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p.1097.162 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 100.
78
Seria, portanto, socialmente justificada (ou justificável) a dispensa quando
baseada em motivos ligados à pessoa do empregado, ao seu comportamento, ou à
empresa/estabelecimento. Na primeira hipótese, enquadram-se razões que dizem
respeito à falta de aptidão corporal ou mental para o exercício das práticas ligadas
ao contrato, como, por exemplo, o rebaixamento inadequado da capacidade
produtiva. A segunda hipótese relaciona-se com atitudes do empregado que
interferem na relação empregatícia, violando os deveres contratuais, mas que,
entretanto, não têm a gravidade exigida para configuração da justa causa, como no
caso de recusa de execução de determinadas tarefas, ou relações amorosas entre
empregados de hierarquia mais alta e empregados mais novos, de maneira a
influenciar negativamente no ambiente de trabalho. Por último, os motivos fundados
no estabelecimento ou empresa são aqueles que decorrem de fatores externos e
alheios à vontade do empregador, mas que ocasionam a necessidade da redução
de um ou mais postos de trabalho. Seria o caso de falta de matéria-prima, ou de
redução de pedidos.163
Na década seguinte, a Itália incorporou a mesma tendência. É que a Lei n.º
604, de 1966, condiciona a dispensa à existência de um justificado motivo, assim
entendido como um notável inadimplemento das obrigações contratuais, ou uma
razão inerente à atividade produtiva, à organização do trabalho e ao regular
funcionamento desta.
A Lei n.º 300, de 1970 determina que, não observado o determinado na Lei
n.º 604, o magistrado determinará ao empregador que reintegre o empregado às
suas funções; entretanto, tal dispositivo foi alterado em 1990 para facultar ao
trabalhador solicitar a substituição da reintegração por uma indenização equivalente
a quinze salários.164
A Itália também possui disposições a respeito da dispensa coletiva, de acordo
com a Lei n.º 223, de 23 de julho de 1991. Na primeira fase, o empregador tenta
entrar em entendimento com a entidade sindical para resolver a questão. Não
havendo acordo, as dispensas levam em conta fatores pessoais de cada
trabalhador, como encargos familiares e antiguidade. Na fase judicial, os
163 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 105-115.164 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 704.
79
empregados podem impugnar os procedimentos adotados, e, caso se conclua não
estarem presentes os requisitos para redução de pessoal, pode haver a reintegração
de cada trabalhador. O Estado também atua preventivamente, promovendo medidas
de natureza previdenciária, inclusive incentivando a formação de cooperativas de
produção.165
Aliás, no que diz respeito às dispensas coletivas, o país segue o
direcionamento da União Européia, através das Diretivas 75/129/CEE, de 17 de
fevereiro de 1975, e 92/56/CEE, de 24 de junho de 1992. Tais diretrizes se
harmonizam com o contido na Convenção 158 da OIT, reforçando a proteção dos
trabalhadores em caso de dispensas coletivas. Ressalte-se que as Diretivas são
normas internas aprovadas pelo Parlamento da União Européia e de aplicação
obrigatória por todos os países membros.166
As diretrizes em questão, em resumo, estabelecem um procedimento prévio de consulta às representações de trabalhadores, com a finalidade de se chegar a um acordo para evitar ou atenuar as conseqüências da dispensa e prever medidas sociais de acompanhamento, especialmente a ajuda para a reciclagem dos trabalhadores atingidos, reenviando, todavia, a Diretiva Comunitária às disposições internas de cada país, legisladas ou simplesmente praticadas, destinando-se a consulta a ensejar a oportunidade para que as representações dos trabalhadores possam formular propostas construtivas diante das informações recebidas quanto ao número de atingidos, funções, categorias, comparação com o número de empregados da empresa ou centro de trabalho, critérios levados em conta para designar os despedidos e, se a legislação nacional o exigir, normas de cálculo das indenizações da dispensa, dados esses que devem ser remetidos também à autoridade administrativa nacional.167
Na Espanha, já havia previsão tanto para motivos que pudessem dar ensejo
às dispensas, quanto no que diz respeito às dispensas coletivas, de maneira que as
regras da União Européia pouco alteraram a legislação interna, consubstanciada no
Estatuto dos Trabalhadores. A dispensa coletiva é entendida como aquela que atinja
determinado número de trabalhadores, e quando destinada a superar uma situação
econômica negativa da empresa, garantindo a viabilidade futura do empreendimento
e do emprego, por meio de uma organização mais adequada de recursos. A
indenização devida em razão das dispensas corresponde a vinte dias de salário por
ano de serviço, até o máximo de doze mensalidades, e nas empresas com menos
de vinte e cinco empregados, o valor é reduzido para 40% desse montante.168
165 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 665.166 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 663.167 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 664.168 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 665-666.
80
O mesmo ocorreu na França, cujo Código do Trabalho já dispunha de uma
disciplina de dispensas em consentâneo com as diretivas da Comunidade Européia.
A lei francesa estabelece que o empregado pode ser dispensado em razão de justa
causa ou por motivo econômico de caráter estrutural ou conjuntural. De qualquer
maneira, é obrigatória a indicação, por escrito, dos motivos que deram ensejo à
dispensa e, se submetidos à apreciação do Judiciário, podem não ser aceitos. Se a
dispensa não for baseada em causa séria e real, é proposta pelo Juiz a
reintegração, que pode ser substituída por uma indenização ao trabalhador.169
Já no que pertine à dispensa coletiva, o ordenamento francês permite aquela
fundada em motivos econômicos, tecnológicos ou de reorganização da empresa. O
procedimento de dispensa coletiva inclui notificações ao Ministério do Trabalho e
aos representantes dos trabalhadores, estando o empregador obrigado a apresentar
um plano social, com o objetivo de evitar ou diminuir o número de dispensas, como
criação de novas atividades, medidas de redução ou organização da duração de
trabalho (tempo parcial, pré-aposentadoria, dentre outros). Interessante observar
que os empregados demitidos por motivos econômicos têm prioridade de
readmissão.170
O sistema inglês em muito se assemelha ao francês. Os empregados com
mais de dois anos de trabalho e jornada mínima de dezesseis horas semanais não
podem ser dispensados sem razão objetiva. Nos contratos com menos de dezesseis
horas, somente após cinco anos de serviço o trabalhador adquire esse direito.171
Adquirido o direito à estabilidade relativa, é considerada legal a dispensa
quando baseada em motivos pessoais do empregado e por causas técnicas da
empresa, estando o empregador obrigado a emitir uma notificação indicando as
causas do término do contrato. Com relação às dispensas coletivas, assim
consideradas aquelas que abranjam mais de dez empregados, a empresa deve
consultar previamente a entidade sindical, bem como comunicar o fato ao Ministério
do Trabalho.172
169 MACIEL, José Alberto Couto. Garantia no emprego já em vigor. São Paulo: LTr, 1994, p. 69-70.170 Cf. RESENDE, Leonardo Toledo de. O acompanhamento da dispensa por motivo econômico no direito do trabalho francês. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, 31 (61), p. 107-111, jan/jun.2000.171 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p. 1097.172 MACIEL, José Alberto Couto. Garantia no emprego já em vigor. São Paulo: LTr, 1994, p. 71.
81
Em Portugal, o Código do Trabalho – Lei n.º 99, de 27 de agosto de 2003,
estabelece as hipóteses de dispensa lícita. Em primeiro lugar, figura a dispensa por
justa causa, consistente no “comportamento culposo do trabalhador que, pela sua
gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência
da relação de trabalho”(art. 396º). Em seguida, figura a dispensa coletiva, promovida
pelo empregador “simultânea ou sucessivamente no período de três meses,
abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores”, dependendo do tamanho da
empresa (art. 397º). Tal despedida tem que se fundar em motivos de mercado,
estruturais ou tecnológicos, definidos pela própria Lei. 173
Quando a dispensa ocorrer em razão de extinção de posto de trabalho,
decorrente dos motivos relacionados, e não puder ser conceituada como coletiva,
enquadra-se nas disposições do art. 402º e seguintes. Assim, havendo mais de um
posto de conteúdo funcional idêntico a ser extinto, deve se observar a seguinte
ordem para escolha dos empregados: 1º) menor antiguidade no posto de trabalho;
2º) menor antiguidade na categoria profissional; 3º) categoria profissional de classe
inferior; 4º) menor antiguidade na empresa.
Existe ainda a possibilidade de dispensa por inadaptação do empregado ao
posto de trabalho, que ocorre quando a redução na qualidade da prestação de
serviços torne praticamente impossível a relação de emprego (art. 405º e seguintes).
Entretanto, para configuração dessa hipótese, não pode existir na empresa outro
posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação do trabalhador, além
do que não pode se dar em razão da falta de condições de segurança, higiene e
saúde no trabalho.
Todas essas formas de dispensa devem observar os procedimentos
estabelecidos na Lei n.º 99, sendo certo que, se a despedida for ilícita, o
empregador é condenado a reintegrar o empregado no posto de trabalho, sem
prejuízo da categoria e da antiguidade, bem como a indenizar os danos sofridos.
Pode o empregado optar por uma indenização substitutiva, fixada no montante entre
15 e 45 dias de salário por cada ano completo ou fração de antiguidade.
Vale ainda citar o caso do Japão, onde não existe legislação que proíba as
dispensas ou determine a sua motivação. Entretanto, a segurança no emprego se
situa entre os mais altos valores japoneses, daí a noção de emprego para a toda a 173 PORTUGAL. Lei n.º 99, de 27 de agosto de 2003. Aprova o Código do Trabalho. Site do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de Portugal. Disponível em <http://www.mtss.gov.pt/docs/Cod_Trabalho.pdf>. Acesso em 08 jan. 2009.
82
vida. Assim, se a dispensa não foi acompanhada da apresentação de motivos
relevantes, é considerada um ato repugnante.174
Na América Latina, a situação é diferente:Uma visão global do sistema latino-americano permite as seguintes observações:a) embora a reintegração no emprego seja prevista nas leis, na prática a solução mais comum é a indenização;b) sendo baixos os salários, as indenizações calculadas com base neles pouco inibem a dispensa arbitrária;c) a dispensa coletiva não é suficientemente tratada;d) a solução judicial da dispensa injusta é frequentemente muito demorada.175
Enfim, existe um sistema de garantias relativas, em que a regra é a reparação
pecuniária e não a reintegração, e a finalidade de inibir a dispensa injusta e arbitrária
é cumprida sem muita eficácia.
Quanto às dispensas coletivas, somente na Colômbia, Panamá, Peru, México
e Venezuela há disposições que exigem controle prévio, administrativo ou judicial.176
Como se observa, o estágio atual de proteção contra a dispensa, na maioria
dos países desenvolvidos relaciona-se com a exigência de motivação para que seja
considerada lícita. Além disso, em caso de dispensa ilícita, a consequência que se
impõe é da decretação da reintegração do empregado ao posto de trabalho.
A comparação entre as leis dos diversos países permite observar o rumo para
o qual caminha o moderno Direito do Trabalho. No caso das dispensas coletivas, há
a imposição de instrumentos de controle, envolvendo consulta aos representantes
de trabalhadores e autorizações administrativas. Essa regulamentação se faz
extremamente relevante, haja vista as crises econômicas ocorridas no século
passado e que já começam a assombrar nosso século.
Com relação às dispensas individuais, é restringida a liberdade do
empregador, quebrando-se a pretensa igualdade, meramente formal, entre as partes
no contrato de trabalho, o que gera efeitos diferenciados para cada uma. Como
exemplo, tem-se o aviso prévio, que deve ser mais oneroso para o empregador e
mais flexível para o empregado.177
174 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p. 1099.175 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p. 1099.176 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. A evolução dos sistemas de garantia de emprego. Revista LTR, São Paulo, v. 60, n. 8, p. 1095-1101, ago. 1996, p. 1100.177 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 670.
83
Embora se trate aqui de abordar o tema da estabilidade no emprego,
percebe-se que essa garantia, na maior parte dos ordenamentos, é instituída de
forma indireta. É que as legislações abordadas tratam do tema de restrições à
dispensa, sendo certo que essas restrições é que fazem com que o empregado
tenha certa estabilidade, pois somente pode ser dispensado nas hipóteses legais.
Não se trata de garantia absoluta de emprego, o que contraria até mesmo a
viabilidade econômica dos empreendimentos, mas de estabilidade relativa.
3.2 Características do modelo brasileiro
3.2.1 Breve histórico
A idéia da proteção da relação de emprego encontra raízes na superação do
ideário liberalista clássico, que se baseava na igualdade formal entre as partes, em
direção ao reconhecimento das desigualdades fáticas entre os contratantes,
limitando o poder do empregador de resilir o contrato de forma unilateral.178
No Brasil, surgiu a estabilidade juntamente com os diplomas justrabalhistas. O
primeiro deles foi a Lei Elói Chaves (n.º 4682/23), que garantia estabilidade, após 10
anos de serviço, para os ferroviários. Essa tendência foi crescendo nas décadas
seguintes e abrangendo outras categorias (navegação e exploração dos portos,
transporte urbano, mineração, comerciários, etc).179
Se, em um primeiro momento, o objetivo da estabilidade era garantir o custeio
dos fundos de previdência, a partir da década de 30 o tema passou a constar de
diploma legal relativo ao contrato de trabalho (Lei n.º 62 de 1935), que estendeu o
direito o todo o mercado laborativo urbano. Tal medida foi consolidada pela CLT em
1943.
A estabilidade instituída, assim como todas as normas contidas na CLT, não
contemplava os domésticos e rurícolas, conforme art. 7º, alíneas ‘a’ e ‘b’. A própria
178 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 652-653.179 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 694.
84
CLT excluiu os detentores de cargo e função de confiança, bem como os
profissionais liberais, artistas e atletas profissionais.
O modelo introduzido pela CLT garantia a estabilidade após 10 anos de
serviço, sendo certo que a despedida somente poderia se dar por falta grave ou
força maior. Entretanto, ainda que o contrato tivesse duração inferior, o sistema
celetista privilegiava a continuidade da relação de emprego, na medida em que
fixava indenização por antiguidade.
Entretanto, várias eram as censuras dirigidas à estabilidade da maneira como
disciplinada no Brasil:a) o excessivo tempo para se garantir a estabilidade era exatamente um meio fácil de fraudá-la, através das ‘despedidas obstativas’ que a jurisprudência brasileira nunca quis enfrentar com o rigor que mereceriam para salvar o instituto. Provada esta, em vez de se determinar a reintegração do empregado, ordenava-se, ao contrário, apenas o pagamento em dobro da indenização. A jurisprudência trabalhista, em vez de expandir e vitalizar o instituto, contribuiu grandemente para sua limitação e morte;b) não garantindo o emprego, mas apenas alguns empregados, a estabilidade dividia os trabalhadores entre aqueles que tinham segurança no emprego e os que não tinham;c) seu caráter excessivamente rígido (depois de 10 anos a dispensa só era possível por justa causa e força maior) levava o empregador à natural preocupação de evitar que seus empregados se tornassem estáveis. 180
Além disso, as mudanças no mundo do trabalho levaram a um retorno a
algumas idéias liberais, e a relação de emprego e a sua proteção circundante foram
alvo de críticas, e consideradas culpadas pela crise na economia. Nesse quadro, o
regime de estabilidade previsto na CLT foi sofrendo várias críticas, no sentido de
que não previa circunstâncias de caráter econômico, financeiro e tecnológico, e de
que assim conspirava contra a produtividade das empresas. No regime autoritário de
1964, de caráter liberal, tais críticas cresceram até desembocar na instituição do
regime do FGTS.181
A Lei 5.107/66 criou o regime do FGTS, com o fim de reger o tempo de
serviço do empregado, caso contasse com a opção expressa dele no instante da
celebração do contrato. Nesse caso, abriu-se a possibilidade de dispensa imotivada,
caso em que o empregador arcaria com multa em favor do empregado. Poderia
também haver opção retroativa, o que fez com que o FGTS se generalizasse para
quase todo o mercado de trabalho.
180 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 216-217.181 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1236.
85
Embora no início da vigência da Lei 5.107 a Constituição de 1946 garantisse
estabilidade na empresa, a Constituição de 1967 fazia referência à estabilidade, com
indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente. Essa
equivalência foi tratada pela jurisprudência como meramente jurídica, tendo em vista
posição doutrinária de que deveria haver compensação financeira, haja vista que a
adesão ao FGTS representava perdas para os empregados.
Explique-se: a opção ao regime do FGTS representava perdas financeiras
aos empregados, uma vez que a estabilidade possibilitava uma reparação financeira
maior. Assim, caso houvesse a opção, o empregado teria direito a ser indenizado
pelas perdas dela resultantes, uma vez que o dispositivo constitucional estabelecia o
fundo de garantia equivalente. Entretanto, a jurisprudência se fixou no sentido de
que os dois sistemas eram equivalentes, não econômica, mas juridicamente, ou
seja, a opção por um retirava o direito ao outro.O sistema do FGTS, intrinsecamente ruim em si mesmo, ainda foi agravado pela interpretação conservadora dos Tribunais do Trabalho, que terminou por tirar-lhe o pouco que ainda tinha de positivo. O Enunciado 98, coroando a tese da equivalência de sistemas e não monetária entre o FGTS e o sistema indenizatório da CLT, limitou uma possível vantagem que o trabalhador pudesse ter com a dispensa.182
A Constituição da República de 88 universalizou o regime do FGTS,
eliminando a exigência de opção e estendendo-o a todos os contratos
empregatícios, eliminando o antigo sistema estabilitário celetista. Em contrapartida,
trouxe algumas disposições no sentido da proteção do contrato de trabalho contra
ruptura unilateral.
Assim é que desponta a norma contida no art. 7º, I, que estabelece a garantia
de relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa,
nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre
outros direitos. O art. 10, II, ADCT, limita a proteção ao aumento, para quatro vezes,
da porcentagem prevista na Lei do FGTS.
Na mesma linha é o inciso XXI também do art. 7º, que prevê o aviso prévio
proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei.
Embora parte da doutrina enxergue nesses dispositivos um direcionamento
no sentido da proteção ao direito ao trabalho, dentro até mesmo de uma
interpretação sistemática da Constituição, que é toda perspassada por normas
182 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 223, nota de rodapé n. 406.
86
protetivas do pleno emprego e da dignidade da pessoa humana, a maioria
doutrinária e jurisprudencial não lhes reconhece efeitos imediatos. 183
3.2.2 Normatividade jurídica atual
Estabilidade no emprego pode ser entendida como vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independente da vontade do empregador.184
Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro atual apresenta quatro tipos
de estabilidade no emprego.185 Em primeiro lugar, temos o art. 492 da CLT, que
estabelece que, nos contratos que contam com mais de dez anos de duração, há
permissão para dispensa somente em caso de falta grave ou força maior.
De acordo com as normas pertinentes, a falta grave só pode ser apurada
mediante inquérito judicial. Nesse caso, pode o empregador suspender
preventivamente o empregado estável, propondo a ação no prazo decadencial de 30
dias. Sendo procedente o pedido, a data do término do contrato será fixada por
sentença; sendo improcedente, declara-se a validade do pacto e a reintegração do
trabalhador ao emprego, com a garantia de recebimento das parcelas referentes ao
período de afastamento, tudo nos termos dos arts. 494 e 495 do diploma
consolidado.
Já a hipótese de força maior se relaciona com um acontecimento inevitável, e
para o qual o empregador não concorreu, nem mesmo indiretamente, nos termos do
art. 501.
Observa-se nos dispositivos celetistas todo um arcabouço normativo de
proteção à continuidade da relação de emprego. No sistema estabilitário, ainda que
o empregado não houvesse completado dez anos de serviço, após doze meses de
trabalho lhe era devida uma indenização por antiguidade, calculada com base na
183 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1241. Uma análise do art. 7º, I, em conjunto com a Convenção 158 da OIT, será retomada adiante.184 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1242.185 Segundo DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1242 e segs.
87
sua remuneração contratual multiplicada por cada ano de serviço ou fração igual ou
superior a seis meses, nos moldes dos arts. 477 e 478 da CLT.
No caso de dispensa irregular de empregado estável, aplica-se a mesma
regra prevista art. 495 da CLT: deve ser determinada a reintegração, com
pagamento das verbas contratuais referentes ao período de afastamento.186
Importante norma vem estabelecida no art. 496, segundo a qual, sendo a
reintegração do empregado estável desaconselhável, em razão da incompatibilidade
resultante do dissídio, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em
indenização. Esta indenização é a mesma prevista no art. 497, para o caso de
extinção da empresa, sem motivo de força maior, sendo garantida ao empregado
estável despedido a indenização por antiguidade, paga em dobro.
Como sobressai, a estabilidade, de acordo com antigo sistema, apresentava-
se como um benefício para o trabalhador, privilegiando a manutenção do vínculo
empregatício. Tanto assim é que poderia o empregado renunciar a esse benefício,
mas, para evitar ingerências do empregador nessa manifestação de vontade, o
pedido de demissão só seria válido caso efetuado com a assistência do sindicato, e
e, não o havendo, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e
Previdência Social ou da Justiça do Trabalho, conforme estatui o art. 500
consolidado.
Outra figura relevante diz respeito à dispensa obstativa, prevista no art. 499, §
3º da CLT e que restaria caracterizada caso o empregado fosse despedido com o
intuito de impedir a aquisição da estabilidade, sendo-lhe devida a indenização por
antiguidade, em dobro. Na falta de outros critérios, a jurisprudência estabeleceu
presunções; assim, caso a dispensa ocorresse sem um motivo razoável, às
vésperas do decênio, seria devido o pagamento da indenização. Posteriormente, o
entendimento solidificou-se no prazo de nove anos, nos termos do Enunciado 26 do
TST, cancelado em 2003.
Oportuno ressaltar que essa forma de estabilidade não favorecia domésticos
e empregados de profissionais liberais e, com relação aos empregados efetivos,
alçados a cargo de confiança, neste cargo não poderiam adquirir estabilidade, mas o
tempo seria contado para todos os fins contratuais.186 Com o intuito de preservar a relação de emprego, a jurisprudência trabalhista foi bastante criativa, ao instituir a figura da readmissão. Nos casos fronteiriços, eivados de dúvida de fato ou de direito, ou mesmo por uma questão de equidade, o juiz poderia determinar a readmissão do empregado, sem o recebimento dos direitos durante o período do seu afastamento para a tramitação do inquérito judicial para a apuração de eventual falta grave.
88
Com relação aos rurícolas, assim como os domésticos, estavam excluídos
das normas trabalhistas previstas na CLT, não fazendo jus à estabilidade. A
Constituição Federal de 1946, entretanto, estendeu-lhes o direito, mas só foi
regulamentada por meio do Estatuto Rural de 1963 (Lei n.º 4.214/63).
Tal sistema estabiltário, como visto, foi revogado pela atual Constituição, que
estabeleceu a obrigatoriedade do regime do FGTS para todo o mercado de trabalho,
a partir da data de sua promulgação. Atualmente, portanto, só favorece os antigos
empregados, cujo direito fora adquirido antes do advento da Lei Magna.
A segunda modalidade de estabilidade prevista no ordenamento jurídico
brasileiro consta do art. 41 da Constituição Federal que, em sua redação original,
garantia estabilidade após dois anos de efetivo exercício dos servidores nomeados
em virtude de concurso público. O artigo foi posteriormente alterado pela Emenda
Constitucional n. 19 de 05 de junho de 1998, aumentando para três anos o prazo, e
passando a se referir a servidores nomeados para cargo de provimento efetivo.
De acordo com a nova redação do art. 41, portanto, a estabilidade ali prevista
não engloba empregados de entidades estatais que não sejam integrantes da
administração direta, autárquica e fundacional, ainda que admitidos pela via do
concurso público, abrangendo, por outro lado, empregados públicos concursados.
Esse é o entendimento jurisprudencial majoritário, consubstanciado na Súmula 390
do TST.187
Nesses casos, somente pode haver perda do cargo por sentença judicial
transitada em julgado, ou mediante processo administrativo que assegure ampla
defesa. Além disso, após a alteração procedida pela Emenda Constitucional n.º 19,
existe a possibilidade de perda do cargo através de procedimento de avaliação
periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada ampla defesa,
além de ser condição para aquisição da estabilidade a avaliação especial de
desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
187 Súmula nº 390 ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SB-DI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00) II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)
89
Em terceiro lugar, figura a estabilidade prevista no art. 19 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, garantida aos servidores públicos civis em
exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos
continuados, que não tenham sido admitidos por meio de concurso público. Tal
previsão não distingue entre servidores sob regime administrativo e sob regime
celetista e abrange integrantes da administração direta, autárquica e fundacional.
Por último, existe ainda a possibilidade de a estabilidade ser advinda de ato
empresarial. Em princípio, deve se considerar válida estabilidade concedida pela
estrita vontade unilateral do empregador, ou ajustada por acordo bilateral entre as
partes. Entretanto, algumas situações merecem cuidado especial, em razão da
natureza do empregador ou as circunstâncias que envolvem a concessão. Assim,
deve-se considerar inválida estabilidade concedida por entidade estatal, ainda que
organizada sob os moldes privatísticos, uma vez que faltam poderes aos diretores
para tal determinação. O mesmo ocorre com entidades como sindicatos e partidos
políticos, pois a natureza mutável do tipo de administração dessas entidades pode
até mesmo comprometer os seus fins sociais. 188
A doutrina arrola ainda um quinto tipo de estabilidade, estabelecida por
convenção ou acordo coletivo, que pode aderir ao contrato definitivamente, ou
somente enquanto vigorar o instrumento coletivo, dependendo do que estiver
estipulado na norma ou do entendimento que se adotar em relação à aderência de
tais normas ao contrato de trabalho. 189
Existe ainda a garantia de emprego, também denominada de estabilidade
provisória. Pode ser conceituada como vantagem jurídica de caráter transitório, deferida ao empregado em virtude de uma circunstância contratual ou pessoal obreira de caráter especial, de modo a assegurar a manutenção do vínculo empregatício por um lapso temporal definido, independente da vontade do empregador. São também chamadas estabilidades temporárias ou definitivas.190
Tais garantias têm proximidade com a estabilidade, pois restringem as
alternativas de extinção do contrato, entretanto são distintas na medida em que
vigoram apenas por determinado lapso de tempo, não se incorporando ao contrato
188 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1247-1248.189 Nesse sentido, SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 713. Na mesma linha NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 680.190 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1248-1249.
90
de trabalho, mas valendo apenas enquanto presente a circunstância que lhes deu
origem.
Nesse quadro, o art. 8o, VII, da Constituição Federal, veda a dispensa do
empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou
representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do
mandato, salvo se cometer falta grave, nos termos da lei. No mesmo sentido, o art.
10, II, do ADCT, garante estabilidade provisória ao empregado eleito para cargo de
direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua
candidatura até um ano após o final do seu mandato, bem como veda a dispensa
arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante.
No que se trata do membro da CIPA, há que se considerar que o art. 165 da
CLT permite a sua dispensa desde que fundada em motivo disciplinar, técnico,
econômico ou financeiro, estabelecendo de certa forma uma estabilidade relativa.
Esse é o tipo de estabilidade que se tentou implantar no Brasil, através da
Convenção 158 da OIT e que prevalece em vários países do mundo, como se verá
nos capítulos seguintes.
A legislação infraconstitucional também prevê algumas modalidades de
garantia de emprego. A título exemplificativo, cite-se a garantia de permanência no
emprego para o empregado acidentado, prevista no art. 118, da Lei 8.213/91, pelo
prazo mínimo de doze meses após a cessação do auxílio doença-acidentário.
Vale ainda citar o exemplo dos trabalhadores nomeados como representantes
do Conselho Nacional de Previdência Social e dos eleitos representantes dos
empregados nas comissões de conciliação prévia, cuja garantia de emprego vai da
nomeação ou eleição até um ano após o término do mandato de representação (art.
295, II, b, Decreto 30.048/99 e art. 625-B, § 2o, CLT, respectivamente).
No caso de dispensa irregular de empregado com garantia de emprego, é
devida a reintegração, nos mesmos moldes dos empregados estáveis. Entretanto,
caso já tenha sido ultrapassado o período da garantia quando da prolação da
sentença, é devido ao obreiro o pagamento de todas as verbas contratuais do
período respectivo. Ressalvados os entendimentos diversos, esta é a interpretação
mais consentânea com os objetivos do instituto em comento.191
De todo o exposto, observa-se que, excetuadas as hipóteses de estabilidades
provisórias, que ocorrem somente nas situações especificadas nos dispositivos
191 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1258-1259.
91
próprios, o que prepondera para a generalidade do mercado de trabalho é a
ausência de qualquer proteção da relação de emprego contra a despedida
imotivada. O sistema hoje prevalecente é o do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, inicialmente instituído pela 5.107/66 e atualmente previsto na Lei 8.036/90.
A Exposição de Motivos que acompanhou o projeto da referida Lei cuidou de
enfatizar a inconveniência do sistema estabilitário então vigente, instituindo um
regime paralelo, que, nos seus dizeres, visava à estabilidade econômica do
empregado, tendo em vista a formação de um fundo que passava a integrar o seu
patrimônio.192
De acordo com o novo sistema, o empregador deveria recolher, para uma
conta vinculada em nome de cada trabalhador, um valor mensal no importe de 8%
da remuneração paga ou devida ao empregado no mês anterior. O conjunto de
depósitos formava o Fundo, e os seus recursos seriam utilizados para financiar
programas governamentais, especialmente na área da habitação.
Inicialmente, tratava-se de uma opção a ser feita pelo empregado no
momento da contratação; entretanto, o que se observou foi que, na prática, não
havia escolha alguma ao empregado. Esta opção falaciosa também se estendia aos
contratos em andamento, de maneira que os trabalhadores passaram a sofrer
grande pressão para renunciar ao sistema estabilitário.
Observe-se que se estabeleceu à época que, mesmo nos contratos em que
não houvesse opção na contratação ou retroativa, o empregador era obrigado a
fazer os recolhimentos fundiários pertinentes, que só seriam repassados ao
empregado se em algum momento viesse a fazer a opção. Essa forma de incentivo
e mesmo de instigação à adesão ao FGTS fez que ele se tornasse rapidamente o
sistema predominante.193
Como já salientado, a partir da Constituição de 1988, o FGTS foi generalizado
para todo o mercado de trabalho, inclusive para segmento rural, tornando-se
obrigatório. Apenas os empregados domésticos foram mantidos a parte do sistema;
entretanto, a sua inserção, opcional ao empregador, passou a ser permitida em
decorrência da Lei n.º 10.208/2001.
Sinteticamente, portanto, o FGTS consiste em recolhimentos mensais,
calculados no importe de 8% do complexo salarial do empregado, e depositado em 192 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 696.193 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1267.
92
conta vinculada em seu nome. Os depósitos sofrem correção monetária e juros de
3% ao ano.
Em caso de dispensa imotivada, o empregador deve recolher em favor do
empregado o acréscimo rescisório no montante de 40% sobre a totalidade dos
depósitos mensais feitos durante o contrato de trabalho, independentemente se
houve saques nesse período.
Temos, portanto, no ordenamento jurídico atual, duas formas de proteção da
relação de emprego contra a dispensa imotivada: a obrigatoriedade de concessão
de aviso prévio e o pagamento da multa fundiária pelo empregador em favor do
trabalhador. Como se observa, tais institutos não estabelecem a manutenção do
contrato de trabalho, apenas têm como consequência certa compensação financeira
ao obreiro quando do término do contrato.
Não há previsão de procedimento específico para dispensas coletivas,
diferentemente do que ocorre em outros países, notadamente na União Européia, e
a prática das relações trabalhistas demonstra que as categorias mais fortes tentam
minorar os efeitos dessas dispensas através de negociações entre os sindicatos e
as empresas, desaguando muitas vezes em acordos coletivos de trabalho.
Entretanto, como o fenômeno da dispensa coletiva vem ficando mais
frequente no Brasil, em razão da crise mundial, que principiou em meados de 2008 e
cujos efeitos aqui já se fazem sentir, a jurisprudência vem entendendo, ainda de
maneira tímida, no sentido de aliar o direito do empregador de despedir à sua
própria responsabilidade social.
Nessa linha de pensamento foi proferido julgamento no âmbito do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região, que declarou nula dispensa em massa efetivada
pela empresa suscitada, conforme ementa que se transcreve:(...) Da despedida em massa. Nulidade. Necessidade de procedimentalização.1. No ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, e assim, comporta a denúncia vazia, ou seja, a empresa não está obrigada a motivar e justificar a dispensa, basta dispensar, homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias.2. Quanto à despedida coletiva é fato coletivo regido por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. 3. O direito coletivo do trabalho vem vocacionado por normas de ordem pública relativa com regras de procedimentalização. Assim, a despedida coletiva, não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômica e ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos.
93
4. É o que se extrai da interpretação sistemática da Carta Federal e da aplicação das Convenções Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil e dos princípios Internacionais constante de Tratados e Convenções Internacionais, que embora não ratificados, têm força principiológica, máxime nas hipóteses em que o Brasil participa como membro do organismo internacional como é o caso da OIT. Aplicável na solução da lide coletiva os princípios: da solução pacífica das controvérsias previsto no preâmbulo da Carta Federal; da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, e da função social da empresa, encravados nos artigos 1º, III e IV e 170 "caput" e inciso III da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, conforme previsão dos arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI e artigos 10 e 11 da CF bem como previsão nas Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil nºs: 98, 135 e 154. Aplicável ainda o princípio do direito à informação previsto na Recomendação 163,da OIT, e no artigo 5º, XIV da CF.5. Nesse passo deve ser declarada nula a dispensa em massa, devendo a empresa observar o procedimento de negociação coletiva, com medidas progressivas de dispensa e fundado em critérios objetivos e de menor impacto social, quais sejam: 1º- abertura de PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA; 2º- remanejamento de empregados para as outras plantas do grupo econômico; 3º- redução de jornada e de salário; 4º- suspensão do contrato de trabalho com capacitação e requalificação profissional na forma da lei; 5º- e por último mediante negociação, caso inevitável, que a despedida dos remanescentes seja distribuída no tempo, de modo minimizar os impactos sociais, devendo atingir preferencialmente os trabalhadores em vias de aposentação e os que detém menores encargos familiares.194
3.3 A controvérsia acerca do art. 7º, I, da Constituição Federal
Além de estabelecer a obrigatoriedade do FGTS para todos os trabalhadores,
a Constituição Federal, no art. 7º, I, prevê, como direito dos trabalhadores, a
proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos da Lei Complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos.
No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art. 10 previu que, até
que se editasse lei regulamentadora, a indenização prevista no dispositivo
constitucional seria limitada a quatro vezes a porcentagem prevista na Lei do FGTS.
Este foi um dos temas que mais dividiu a Assembléia Nacional Constituinte.
Tratando do assunto, a Comissão de Sistematização aprovou o seguinte texto: Garantia de emprego protegida contra despedida imotivada, assim entendida a que não se fundar em: a) contrato a termo, nas condições e
194 Acórdão da lavra da Desembargadora Ivani Contini Bramante, nos autos do processo n. 20.281.200.800.002.001, publicado em 15 de janeiro de 2009. Disponível em <http://www.trt2.jus.br>. Acesso em 29 jan. 2009.
94
prazos da lei; b) falta grave, assim conceituada em lei; c) justa causa fundada em fato econômico intransponível, tecnológico ou em infortúnio da empresa de acordo com critérios estabelecidos na legislação do trabalho.195
Em primeiro momento, portanto, obteve-se a aprovação de disposições que
asseguravam a estabilidade no emprego, adquirida no início do contrato ou ao
término do período de experiência. Algumas comissões fizeram pequenas alterações
no texto, mas logo surgiram reações dos empresários, de alguns setores
governamentais e da imprensa. Assim, foi celebrado acordo entre lideranças
político-partidárias, que contou até mesmo com a adesão de algumas entidades
sindicais, no sentido de substituir a estabilidade pela garantia de uma indenização
compensatória, que foi o texto final da Constituição.196
Aqui se faz imperioso distinguir alguns termos essenciais à completa
compreensão do tema. A Constituição, no art, 7º, I, se refere à proteção da relação
de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa (como também no art. 10,
I e II do ADCT), o que leva à discussão se ‘arbitrária’ seria o mesmo que ‘sem justa
causa’.
É que, quando o empregador põe fim ao contrato de trabalho, a dispensa
pode ser qualificada como imotivada, injusta, arbitrária, discriminatória. A regra no
Direito brasileiro hoje, como visto, é a da desnecessidade de motivação para que o
empregador termine a relação de emprego. Essa seria a dispensa imotivada, injusta
ou sem justa causa.
Há que se considerar que o art. 165 da CLT, ao se referir à estabilidade
provisória conferida aos empregados membros da CIPA, proíbe a sua despedida
arbitrária, “entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar,
técnico, econômico ou financeiro”. Assim, entende-se como arbitrária a dispensa
que, embora motivada, não se baseia em motivo relevante, que pode ser disciplinar,
técnico, econômico e financeiro.
O empregado representante da CIPA, portanto, não pode ser dispensado
arbitrariamente, contudo pode sofrer dispensa não arbitrária mas sem justa causa,
desde que baseada nos motivos elencados no art. 165. Por outro lado, outros
trabalhadores portadores de garantia de emprego somente podem ser dispensados
195 SAAD, Eduardo Gabriel. Constituição e direito do trabalho. São Paulo, LTr, 1989, p. 86.196 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 708-709.
95
mediante justa causa, não lhes sendo aplicável a noção de despedida arbitrária,
regulamentada apenas no que diz respeito ao cipeiro.197
Há ainda que se esclarecer que dispensa discriminatória é aquela que tem
como motivos critérios repudiados pela ordem jurídica, baseando-se em distinções
de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Caso o
empregado seja despedido de maneira discriminatória, pode optar entre ser
reintegrado, recebendo todas as verbas a que teria direito se estivesse trabalhando
no período, ou a cessação do contrato, com o recebimento das mesmas parcelas,
em dobro, nos termos da Lei n.º 9.029/95, não excluindo o direito à reparação do
dano moral.
Estabelecidas estas distinções, observa-se que a controvérsia sobre o
alcance da norma contida no art. 7º, I, da Constituição Federal, guarda estreita
ligação com a teoria de classificação das normas constitucionais, segundo sua
aplicabilidade.198 De acordo com essa classificação, em primeiro lugar, haveria as
normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, que incidem imediatamente, sem
necessidade de legislação complementar. Em seguida, apresentam-se as normas de
eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas podem sofrer restrições pelo
legislador complementar. Por fim, figuram as normas de eficácia limitada ou
reduzida, que dependem de lei infraconstitucional para sua aplicação. Estas últimas
podem ainda ser definidoras de princípio institutivo, ou seja, a lei reguladora dará
corpo a instituições, pessoas e órgãos; ou de princípio programático, que estatuem
programas constitucionais.
Doutrina mais moderna desenvolve a teoria exposta, dividindo as normas
constitucionais de forma semelhante.199 Assim, dividem-se as primeiras quanto a sua
eficácia, que é absoluta no que se refere àquelas que não podem nem mesmo ser
alteradas por emenda, e plena quanto as que não são protegidas contra alteração
por emenda. Referida teoria renomeia as já citadas normas de eficácia contida,
denominando-as de eficácia relativa restringível, que possuem aplicabilidade
imediata ou plena, que contudo pode ser reduzida pela atividade legislativa, e, por
último, as de eficácia limitada denomina normas de eficácia relativa complementável
197 Este é o entendimento dominante, segundo a exposição feita em DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 1167-1168. O assunto voltará a ser debatido no presente trabalho.198 Segundo a tradicional teoria exposta em SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 89-91.199 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 98-103.
96
ou dependente de complementação legislativa, que são dotadas de aplicação
diferida ou mediata, até que lei reguladora torne viável o exercício do direito ou
benefício consagrado. Estas se subdividem em normas de princípio institutivo e
programático, assim como na classificação tradicional.
No caso do art. 7º, I da Constituição, há várias interpretações possíveis.
Desde a promulgação da Constituição até os dias de hoje a doutrina se divide sobre
o seu alcance e eficácia.
Parcela da doutrina entende ser a norma de eficácia plena, e que a garantia
no emprego, prevista no dispositivo em comento, encontra-se em pleno vigor e
assegura a reintegração. Defendem que a indenização referida no dispositivo se
ateria aos casos de impossibilidade dessa reintegração, e que a necessidade de
regulamentação só atingiria a fixação de indenização ou algum outro efeito da
dispensa:O inciso I, do art. 7º, em questão, faz menção, é verdade, à indenização como forma de concretizar a garantia constitucional e o art. 10, inciso I, do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, para valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no inciso I, do art. 7º. No entanto, há de se reconhecer que a Constituição ao proibir a dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie qualificada de dispensa.Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.Lembre-se, a propósito, que o art. 7º, I, mesmo tratando da indenização não exclui a pertinência da aplicação de ‘outros direitos’, como forma de tornar eficaz a garantia.200
Assim, para definição da dispensa arbitrária e fixação de outros efeitos da sua
decretação, o intérprete poderia se socorrer dos termos do art. 165 da CLT e da
Convenção 158 da OIT, possuindo o ordenamento jurídico nacional todos os
parâmetros para que se coíba a dispensa arbitrária.201
Nesse sentido, o art. 5º, §1º, da CF/88 dispõe que as normas que definem os
direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata. Com relação aos
200 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.201 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.
97
direitos sociais, na maior parte das vezes correspondem apenas a uma abstenção
por parte do destinatário, não dependendo de alocação de recursos ou instituição de
programas pelo Estado. Assim, no caso da proteção contra dispensa desmotivada,
basta que o empregador se abstenha de dispensar o empregado sem que para isso
tenha um motivo social ou juridicamente relevante.202
O Estado estaria obrigado a agir somente quando provocado, na figura do
Poder Judiciário, determinando a reintegração do empregado, tornando sem efeito o
ato do empregador que pôs fim ao contrato, baseado seja no seu dever de proteção,
seja na teoria do ato ilícito ou do abuso do direito. Os dispositivos constantes do
ordenamento jurídico, tais como o art. 10, I e II, do ADCT e o art. 165 da CLT já
formam um arcabouço normativo hábil a conter a dispensa desmotivada. E, ainda
que assim não fosse, caberia ao intérprete determinar o conteúdo e o alcance da
norma, definindo o que venha a ser dispensa arbitrária e fixando os seus efeitos.203
Levada ao extremo a idéia de que a indeterminação de expressões vagas e abertas impede a imediata e plena eficácia do direito disposto no art. 7º, I, da CF/88, pode acabar por contribuir para a negação do reconhecimento dos direitos fundamentais como direitos subjetivos oponíveis contra os detentores dos poderes sociais ou econômicos, dentre eles os empregadores.204
Há ainda uma corrente de pensamento no sentido de que a Constituição
garante a proteção contra dispensa arbitrária e sem justa causa, mas compreende a
norma como de eficácia restringível. A substituição da estabilidade pela indenização
prevalece apenas enquanto não for editada a lei regulamentadora, permanecendo o
direito de o empregado não ser despedido de forma arbitrária ou injusta,
assegurando pela Lei Maior:No caso do art. 7º, item I, a expressão também existe ‘nos termos da lei complementar’, o que denota de forma insofismável a incompletude da norma e a impossibilidade de sua aplicação imediata. Trata-se, dentro da classificação citada, de norma restringível, porque o bem constitucional já foi juridicamente tutelado: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Resta agora a delimitação do conceito do legislador complementar que definirá, livremente, exceto quanto à indenização compensatória, que constará obrigatoriamente na sistemática a ser constituída na lege ferenda.205
202 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v. 32, n.123, p.7-52, jul./set.2006, p. 46-47.203 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v. 32, n.123, p.7-52, jul./set.2006, p. 48-49.204 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v. 32, n.123, p.7-52, jul./set.2006, p. 49.205 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 247.
98
Assim, o próprio legislador constituinte tratou de estabelecer uma regra a
prevalecer enquanto não editada a referida regulamentação, consistente na
indenização prevista no art. 10 do ADCT. A regulamentação, portanto, fixará os
limites conceituais do instituto, as consequências da dispensa arbitrária e outros
direitos correlatos, que o legislador entender convenientes.
De toda forma, há que se reconhecer que a maior parte da doutrina defende
que a nova Constituição acabou com qualquer garantia de emprego, à exceção
daquelas provisórias previstas no art. 10 do ADCT, sob o fundamento de que o texto
constitucional substituiu esse direito por uma indenização compensatória, a ser
regulamentada por Lei Complementar.Assim, pelo menos como regra geral, a Lei Complementar prevista no art. 7º, n. I, da Constituição de 1988 não poderá assegurar a estabilidade do empregado e, em conseqüência, determinar sua reintegração em caso de despedida arbitrária. Entre os ‘outros direitos’ a que alude o mesmo inciso será possível estatuir casos especiais de estabilidade, mas essa garantia com caráter geral afrontaria a essência do dispositivo.206
De acordo com essa linha de pensamento, a eficácia da norma do art. 7º, I,
não é tão ampla, sendo certo que a proteção da relação de emprego contra
despedida injusta ou arbitrária consistiria somente em indenização que, enquanto
não fixada por lei complementar, deveria ser paga no montante fixado no ADCT.
Sobrevindo a lei regulamentadora, somente poderia modificar a indenização e
estabelecer outros direitos, que não a possibilidade de reintegração no emprego.
3.4 A Convenção 158 da OIT
A Organização Internacional do Trabalho já manifestou diversas vezes a
preocupação a respeito da proteção da relação de emprego quando do seu término.
A Recomendação n.º 119, de 1963, já dispunha no sentido de que a terminação do
contrato de trabalho somente deveria ser levada a efeito na hipótese de existir uma
causa justificada relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador, ou com
a necessidade de funcionamento da empresa. Não poderiam ser elencadas dentre
206 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 698. No mesmo sentido SAAD, Eduardo Gabriel. Constituição e direito do trabalho. São Paulo, LTr, 1989, p. 89 e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 413.
99
essas causas a filiação ou participação em atividade sindical, o exercício de cargo
de representação de trabalhadores, além de motivos discriminatórios, como sexo,
cor, raça, dentre outros.207
Outros diplomas da OIT condenam a despedida de empregados, quando
fundada em determinadas causas específicas:Assim, a Convenção n. 98, de 1949, ratificada pelo Brasil, condena a despedida de um trabalhador em virtude ‘de sua filiação sindical ou de sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho’ (art. 1, §2); a Convenção n. 103, de 1952, também ratificada pelo nosso país, considera ilegal a despedida da empregada gestante durante o seu licenciamento em razão da maternidade ou, ainda, que o aviso prévio lhe seja concedido no decurso dessa licença ou que expire no seu curso (art. 6); a Convenção n. 135, de 1971, preceitua que ‘os representantes dos trabalhadores na empresa deverão gozar de proteção eficaz contra todo ato que possa prejudicá-los, inclusive a despedida, em razão de sua condição de representantes dos trabalhadores, de suas atividades como tais, de sua filiação ao sindicato ou de sua participação na atividade sindical, sempre que esses representantes atuem conforme as leis, contratos coletivos ou outros acordos comuns em vigor’ (art. 1).208
Inúmeros países introduziram a restrição à dispensa em seus ordenamentos,
e a tendência foi consagrada pela aprovação da Convenção n.º 158, em 1982. Foi
ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n.º 68, de 17 de setembro de
1992, e em 5 de janeiro de 1995 o Brasil fez o depósito do instrumento de
ratificação. Foi ainda expedido o Decreto n. º 1855, de 10 de abril de 1996,
promulgando o conteúdo da referida convenção, sendo certo que no seu próprio
texto faz referência ao início de vigência da norma convencional em 5 de janeiro de
1996, doze meses após o depósito do instrumento de ratificação, como exige o art.
16 da própria convenção. Assim,Como contraponto à onda de precarização, a Organização Internacional do Trabalho, através da Convenção n. 158, tem-se posicionado favoravelmente à garantia de emprego contra a dispensa arbitrária, preconizando sua adoção não só na órbita dos países desenvolvidos, como também naqueles em desenvolvimento. Para isso propõe normas flexibilizadoras de aplicação do referido instrumento a cada país signatário.209
A aplicação da convenção restringe-se aos empregados de entidades que
exercem atividade econômica, excluindo portanto os domésticos e os trabalhadores
avulsos.
207 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 704-705.208 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 707.209 MELLO FILHO, Luiz Phillippe Vieira de. A Convenção n. 158 e o problema de sua vigência. In VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.78.
100
Entretanto, oportuno esclarecer que “não há como confundir ‘atividade
econômica’ com ‘atividade voltada para a obtenção de lucro’.” Assim, institutos
beneficentes ou clubes de recreação não estão excluídos da abrangência do texto
convencional.210
A própria convenção deixa ainda a cargo da legislação interna a possibilidade
de exclusão de alguns outros tipos de empregados. É o caso, por exemplo, dos
trabalhadores com contrato de duração determinada, expressamente citados no
texto normativo. Além disso, em outras situações a garantia de emprego pode ser
excluída, como no caso dos portadores de função de confiança, no que diz respeito
apenas à função, e os empregados de microempresas.
De acordo com o seu artigo 4, a dispensa do trabalhador só deverá ocorrer se
houver para isso “uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu
comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa,
estabelecimento ou serviço.” 211
Assim, são três as hipóteses que justificam a dispensa, nos moldes da
convenção. Em primeiro lugar, a capacidade do empregado, quando ele “não
desempenha a contento sua função, o que pode ser aferido pela comparação com a
média dos demais empregados.”212
O comportamento do empregado também pode justificar a dispensa, servindo
de base para esta hipótese atitudes que comprometam a relação de emprego, mas
que não cheguem a caracterizar a justa causa. Por último, a dispensa pode ocorrer
por necessidade da empresa, englobando aqui os motivos de ordem técnica,
financeira ou econômica.
No caso de dispensa em razão da capacidade ou comportamento do
trabalhador, estabelece ainda o artigo 7 que ele não poderá ser despedido, antes de
se lhe dar a possibilidade de se defender das acusações feitas.
210 Segundo José Eduardo de Resende Chaves Júnior, ao comentar o artigo 2º da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.30.211 Conforme o texto constante do Decreto de promulgação. BRASIL. Decreto nº 1.855, de 10 de abril de 1996. Promulga a Convenção 158 sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, de 22 de junho de 1982. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1855.htm.212 De acordo com Alaor Satuf Rezende, ao comentar o artigo 4º da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.30.
101
Com esse dispositivo, a Convenção 158 inova e democratiza as relações de
trabalho, estabelecendo o diálogo entre as partes em conflito, efetivando a idéia de
integração do trabalhador na empresa.
A abertura do direito de defesa ao empregado deixará de ser exigida quando
não for razoável pedir ao empregador que conceda essa possibilidade. Imagine-se
situação na qual “empregado de empresa individual ofenda, moral ou fisicamente –
sem que seja caso de legítima defesa – o patrão.”213
Sendo efetivada a dispensa sem uma das razões elencadas, ou sem o
procedimento de oitiva do empregado quando obrigatória, se o órgão competente de
cada país estiver autorizado, por sua legislação interna, a determinar a reintegração,
deverá fazê-lo, a não ser que tal determinação seja desaconselhável. Não estando
autorizado, o órgão competente deverá estabelecer uma indenização adequada, nos
termos do artigo 10 da norma em comento.
Observa-se que a Convenção estabelece duas espécies de indenização.
Uma, regulada pelo art. 10, quando impossível a determinação de reintegração do
empregado dispensado. Outra, disciplinada pelo art. 12, para as hipóteses de
dispensas socialmente justificadas. A primeira admite a fixação ao arbítrio do juiz, de
acordo com as peculiaridades do caso concreto. Já a segunda deve ser
objetivamente fixada por norma interna, de maneira a possibilitar que o empregador
a quite quando da dispensa.214 No caso brasileiro, essa indenização corresponderia
àquela prevista no art. 10 do ADCT, ou seja, equivaleria a 40% de todos os
depósitos efetuados na conta vinculada do trabalhador durante o contrato.
A convenção da OIT universalizou o que alguns países já vinham adotando
em seus ordenamentos. Assim consolidou uma diferenciação entre estabilidade
absoluta e relativa:Aquela assegura a permanência do trabalhador no emprego, salvo quando ele praticar uma falta grave ou extinguir-se a empresa, estabelecimento ou setor em que trabalhar. Já a estabilidade relativa, que resultou da universalização do princípio da condenação da despedida arbitrária, permite ao empregador dar por findo o contrato de trabalho, seja em caso de ato faltoso do empregado, seja em razão de motivo de ordem econômico-financeira ou tecnológica capaz de justificar a supressão de cargos.215
213 Exemplo dado por Alaor Satuf Rezende, comentando o artigo 7º da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.51-52.214 Segundo José Eduardo de Resende Chaves Júnior, ao comentar o artigo 12 da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.67.215 SUSSEKIND, Arnaldo, et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, v. 1, p. 715.
102
Ainda, esclarecendo a diferença entre a estabilidade decenal celetista e a
proposta da Convenção 158:Note-se que o novo direito pouco tem a ver com a velha estabilidade decenal, pois se de um lado a elastece (quanto ao prazo de carência), de outro a restringe (quanto às causas de perda). Em outras palavras, o empregado não precisa esperar dez anos para se tornar estável; mas pode perder o emprego ainda que não pratique justa causa.216
No Brasil, a CLT já adotava tal critério somente com relação aos
trabalhadores eleitos representantes dos empregados na CIPA, no art. 165,
permitindo a dispensa destes somente por motivo técnico, disciplinar, econômico ou
financeiro.
As crises econômicas ocorridas no século passado fizeram com que a OIT se
preocupasse também com as dispensas coletivas.
A dispensa coletiva difere da individual na medida em que se trata de um
procedimento mais complexo, composto de vários atos, nos moldes da Convenção
158 da OIT. Em primeiro lugar, o empregador deve cientificar o órgão representante
dos trabalhadores, informando o número de trabalhadores afetados, os motivos da
dispensa, e data em que esta seria efetivada. Inclui-se também a obrigação de dar a
este órgão a possibilidade de realizar consultas no sentido de minorar os efeitos da
dispensa, seja fornecendo critérios de escolha dos empregados afetados, seja
negociando a postergação das dispensas, com a adoção de outras medidas para
atenuar a crise.
É ainda obrigatória a comunicação à autoridade competente, por escrito,
contendo as mesmas informações.
A doutrina via muitos problemas de compatibilização entre a Convenção n.º
158 e o ordenamento interno brasileiro.
Primeiramente, aduzia-se que seria necessária a adoção de lei no mesmo
sentido de suas disposições. Todavia, a doutrina internacionalista é unânime no
sentido de que o tratado entra no ordenamento jurídico como se lei interna fosse,
revoga as disposições contrárias que lhe são anteriores, mas só pode ser
modificado ou revogado por determinação ou denúncia expressa.
Naquilo que a convenção não for auto-aplicável, pode perfeitamente recorrer
à legislação nacional para sua integração, e efetiva aplicação ao caso concreto.
216 Nas palavras de Márcio Túlio Viana, ao comentar o artigo 10 da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.59-60.
103
Apenas se não houvesse norma jurídica interna a respeito é que se falaria em
necessidade de regulamentação das suas disposições. Nesse sentido:Neste aspecto, a Constituição brasileira adotou a teoria monista, isto é, os direitos e garantias provenientes de tratados de que o Brasil faça parte se incorporam diretamente à legislação nacional, havendo assim duas espécies de normas provenientes de tratados:a) as que regulam interesses de natureza econômica, financeira, política, cultural, comercial, etc.b) as que regulam direitos e garantias ou direitos humanos.As primeiras se incorporam ao direito brasileiro na condição de lei federal depois de serem aprovadas pelo Congresso Nacional através de decreto legislativo – art. 49, I, da CF. As segundas não precisam de norma instrumentalizadora, bastando a ratificação do tratado.217
Em segundo lugar, o art. 7º, I, da Lei Magna, remete expressamente à lei
complementar a regulamentação do seu dispositivo. Assim, somente por meio da via
normativa indicada a matéria poderia ser regulamentada em nosso país:Se a Constituição Federal determina que a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa deve provir de lei complementar, injurídica será a afirmação de que ela já está regulada pela Convenção n. 158. A convenção internacional ratificada não substitui a lei complementar, que tem previsão constitucional específica: CF. arts. 59, II e 69.218
Entretanto, de há muito o entendimento sobre o tema é pacífico no sentido de
que não existe hierarquia entre leis ordinárias e complementares; apenas a intenção
do legislador constitucional foi de conferir maior proteção a alguns institutos,
exigindo um quórum maior para sua modificação.
Ora, o próprio processo de internacionalização da convenção da OIT, bem
como os procedimentos para modificação, são bem mais complexos do que o
quórum especial exigido para edição de lei complementar. O que ainda ficava a
cargo da lei complementar era a previsão da indenização compensatória da
dispensa lícita, e outros direitos a serem acrescidos aos dispositivos vigentes.
A respeito, elucidativa a seguinte lição:Outrossim, e de modo particular, entendemos que a aprovação da Convenção pelo Congresso Nacional revela a sua constitucionalidade implícita, como se observa das lições de Francisco Rezek e Marotta Rangel. Trata-se de conclusão lógica, especialmente porque a ratificação resulta de processo legislativo exclusivo do próprio Congresso, a quem incumbe, também, a aprovação das leis complementares e ordinárias.Se houve reserva de matéria e exigência de quorum qualificado do legislador ordinário pelo Poder Constituinte originário, no artigo 7º, I, da CF/88, não menos certo é que o Congresso agiu em razão de sua exclusiva
217 SILVA, Antônio Álvares da. A constitucionalidade da Convenção 158 da OIT. Belo Horizonte, RTM, 1996, p. 49.218 ROMITA, Arion Sayão. Efeitos da ratificação da Convenção n. 158 da OIT sobre o direito brasileiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, São Paulo, v.5, n. 5, p.41-47, jan. 1997, p. 45.
104
competência funcional, aprovando Convenção sobre matéria constitucional, ou mais precisamente sobre direitos fundamentais (art. 5º, § 2º).Em outras palavras: tendo em vista, de um lado, a competência exclusiva do Congresso; e de outro, a própria natureza da norma, não faz sentido exigir-se o requisito de ordem material. A exigência de lei complementar, inclusive em face da constitucionalidade implícita no processo de aprovação do tratado, foi suprida de forma até mais abrangente pela Convenção n. 158.219
Outra polêmica dizia respeito à possibilidade de reintegração. Aqueles que
entendem que a regulamentação do art. 7º, I, da Constituição, somente pode versar
sobre outros efeitos da dispensa que não a reintegração, posicionaram-se no
sentido de que a consequência da aplicação da convenção somente poderia ser a
fixação de indenização. Nesse sentido:Ora, a previsão da ‘indenização adequada’, tal como a indenização compensadora’ do art. 7º, I, da Constituição brasileira, exclui se adotada pela legislação nacional, a reintegração do trabalhador como fórmula de reparação da despedida injustificada ou arbitrária. Daí a completa sintonia entre os dispositivos examinados da Convenção n. 158 e a Lex Fundamentalis de nosso país.220
Por outro lado, entendia-se que, somente se houvesse vedação expressa no
ordenamento jurídico interno, não poderia ser determinada a reintegração. Assim,
tendo o órgão competência para determiná-la, e não havendo proibição nesse
sentido, a reintegração seria a solução a se impor:Com a Convenção n. 158, inverteram-se os parâmetros. O que era lícito tornou-se ilícito. A indenização, antes fincada em razões sociais, perdeu esse sentido unívoco. Tornou-se a resposta do legislador ao ato que fere a sua norma. Por isso, assumiu papel secundário. Tornou-se mera solução alternativa.221
Vale ainda transcrever a lição abaixo, argumentando sobre o pensamento
negatório da possibilidade de reintegração:Tal interpretação é equivocada, tendo em vista que:a) O art. 7º, caput, da CF/88, não estabelece uma listagem exaustiva dos direitos dos trabalhadores, tanto que, expressamente, faz alusão a outros direitos dos trabalhadores, ali não previstos, que ‘visem à melhoria de sua condição social’.b) Quando, no art. 7º, I, da CF/88, o legislador constituinte fez referência à edição de lei complementar ‘que preverá indenização compensatória, entre outros direitos’, para disciplinar a proteção contra a dispensa arbitrária, dirigiu o comando ao legislador infraconstitucional (lei interna). Tal preceito
219 Segundo Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho, ao comentar o artigo 1º da Convenção, na obra coletiva Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p. 22. O mesmo raciocínio é exposto em SILVA, Antônio Álvares da. A constitucionalidade da Convenção 158 da OIT. Belo Horizonte, RTM, 1996, p. 23-30.220 SUSSEKIND, Arnaldo. A Convenção da OIT sobre despedida imotivada. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, São Paulo, v.5, n. 5, p.48-57, jan. 1997, p. 54.221 Esse é o entendimento de Márcio Túlio Viana, ao comentar o artigo 10 da Convenção, na obra coletiva VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p.58. Na mesma linha de desdobramento, SILVA, Antônio Álvares da. A constitucionalidade da Convenção 158 da OIT. Belo Horizonte, RTM, 1996, p. 71.
105
não obsta a que a proteção contra a dispensa arbitrária seja disciplinada através das normas autônomas (garantia contra dispensa imotivada prevista em convenção coletiva ou acordo coletivo do trabalho) nem através de norma internacional negociada, ratificada pelo País.c) O art. 5º, § 2º, da CF/88, expressamente, dispõe que os ‘direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime de princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’.d) Adotando o Brasil o sistema monista, é forçoso concluir que da Convenção 158 emergem, imediata e diretamente, direitos subjetivos e garantias individuais para os trabalhadores brasileiros e trabalhadores estrangeiros residentes no País. Em sendo assim – mesmo inexistindo no Direito interno brasileiro a reintegração ao serviço, como consequência jurídica em qualquer caso de dispensa arbitrária e discriminatória – a sua previsão de retorno ao serviço na OIT-158 é suficiente para que tal medida seja aplicada, a critério dos ‘organismos neutros’ (Justiça do Trabalho), observadas as circunstâncias peculiares de cada caso concreto.e) Os óbices do direito nacional, aos quais se refere o art. 10 da OIT 158, somente existem naqueles países que adotam a teoria dualista, porque o tratado internacional ratificado, por si só, não tem o efeito de criar direitos e garantias. Nos Estados de concepção dualista, os ‘organismos neutros’ somente podem aplicar as normas internas e, enquanto não houver nelas previsão de retorno do empregado ao trabalho, haverá óbice à reintegração prevista na OIT-158.222
Diante de tanta controvérsia, não tardou para que uma entidade patronal, a
Confederação Nacional do Transporte, ingressasse com Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIn 1480-3), em julho de 1996. Por decisão datada de 4 de
setembro de 1996, o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido cautelar:Prosseguindo no julgamento, o tribunal, por votação majoritária, deferiu, parcialmente, sem redução de texto, o pedido de medida cautelar, para, em interpretação conforme a Constituição e até final julgamento da ação direta, afastar qualquer exegese, que, divorciando-se dos fundamentos jurídicos do voto do relator (Min. Celso de Mello) e desconsiderando o caráter meramente programático das normas da convenção nº 158 da OIT, venha a tê-las como auto-aplicáveis, desrespeitando, desse modo, as regras constitucionais e infra-constitucionais que especialmente disciplinam, no vigente sistema normativo brasileiro, a despedida arbitrária ou sem justa causa dos trabalhadores, vencidos os Mins. Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que o indeferiam, nos termos dos votos que proferiram. Participou desta sessão de julgamento, com voto, o Min. Nelson Jobim.223
De toda forma, logo foi expedido o Decreto n.º 2.100, em 20 de dezembro de
1996, que, sem mais delongas, tornava pública a denúncia da Convenção 158 pelo
Brasil. A decisão final da Ação Direta de Inconstitucionalidade somente veio a ser
222 Trecho da sentença proferida nos autos do processo n. 583/96, da 3ª Vara do Trabalho de Betim/MG, prolatada pela Exma. Juíza Taisa Maria Macena de Lima, em 20 de maio de 1996, uma das primeiras sentenças mineiras aplicando a Convenção 158 da OIT. In VIANA, Márcio Túlio (Coord.). Teoria e prática da Convenção 158. São Paulo: LTr, 1996, p. 121-122. Posteriormente foi reformada pelo Tribunal Regional da 3ª Região, para afastar a aplicação da Convenção.223 Informação disponível no site do Supremo Tribunal Federal – www.stf.jus.br.
106
publicada em 8 de agosto de 2001, julgando extinto o processo em razão da perda
de objeto.
Mesmo o procedimento adotado para denúncia foi e ainda é objeto de
questionamento. É que o art. 17 da Convenção estabelece que Todo Membro que tiver ratificado a presente Convenção poderá denunciá-la no fim de um período de 10 (dez) anos, a partir da data da entrada em vigor inicial, mediante um ato comunicado, para ser registrado, ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho. A denúncia tornar-se-á efetiva somente 1 (um) ano após a data de seu registro.
Ora, como salientado, a própria convenção estabelece que “entrará em vigor,
em relação a cada Estado-membro, doze meses após a data em que houver sido
registrada sua ratificação”. Se o instrumento de ratificação foi depositado na OIT em
5 de janeiro de 1995, sua entrada em vigor se deu em 6 de janeiro de 1996,
somente podendo ser denunciada em 6 de janeiro de 2006, surtindo efeitos doze
meses depois. Mesmo que se entenda, como alguns, que a entrada em vigor se deu
com o decreto de promulgação, em 11 de abril de 1996, de qualquer forma a
denúncia só poderia ocorrer no ano de 2006.224
Deve-se, contudo, trazer à tona o posicionamento doutrinário de que o prazo
para denúncia da convenção começou a contar não da sua vigência no
ordenamento interno, mas sim da data em que ela teve vigência no plano
internacional. Tendo entrado em vigor no dia 23 de novembro de 1985, ela poderia
ser denunciada em 23 de novembro de 1995. De acordo com esse entendimento, a
denúncia levada a cabo pelo Brasil em 20 de novembro de 1996 estaria portanto
dentro do prazo.225
A denúncia também foi questionada na medida em que o ato foi efetivado
somente pelo Presidente de República, sendo certo que o art. 49 da Constituição
Federal é expresso no sentido de estabelecer a competência do Congresso Nacional
para decidir sobre tratados.
Com esse fundamento, foi impetrada nova Ação Direta de
Inconstitucionalidade, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura, em 19 de junho de 1997. A matéria ainda não foi decidida de forma
definitiva, uma vez que as sucessivas sessões de julgamento foram adiadas em
224 Conforme salientado em VIANA, Márcio Túlio. Convenção n. 158: denunciado a denúncia. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares; VIANA, Márcio Túlio (Coords.). O que há de novo em direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 128-129.225 ROMITA, Arion Sayão. Despedida arbitrária e discriminatória. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 139.
107
razão de pedidos de vista. Até o presente momento, votaram os Ministros Maurício
Corrêa, Carlos Ayres Britto e Nelson Jobim.
“A prevalecer o entendimento do Presidente da República, haverá prejuízo
para a estabilidade das relações regidas por atos internacionais, que ficariam ao
alvedrio do Presidente”, considerou o Relator, frisando que o decreto de denúncia,
para ter eficácia, teria que ser submetido ao referendo do Congresso Nacional. E
concluiu: “A revogação definitiva de sua eficácia depende de referendo do
Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo.” O voto do Ministro Carlos
Ayres Britto acompanhou o do relator.226
Na última sessão, ocorrida em 29 de maio de 2006, o voto do Ministro Nelson
Jobim foi no sentido da improcedência do pedido, após o que pediu vista dos autos o
Ministro Joaquim Barbosa. O feito aguarda designação de data para nova sessão de
julgamento.
Na linha de valorização da proteção ao emprego, o Presidente Lula, em
fevereiro de 2008, encaminhou mensagem ao Congresso Nacional para nova
ratificação da convenção. Contudo, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara
dos Deputados rejeitou a proposta em 2 de julho do mesmo ano. Por 20 votos a um,
a comissão acolheu parecer do relator, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que foi
contrário à ratificação da convenção pelo Brasil. Com a rejeição na comissão, a
mensagem presidencial que pedia a sua aprovação é arquivada. 227
De toda forma, o posicionamento adotado na Câmara dos Deputados indica
que, ainda que o pedido na Ação Direta de Inconstitucionalidade venha a ser julgado
procedente, determinando que o decreto de denúncia de convenção tenha que ser
referendado pelo Congresso Nacional, este não hesitará em rapidamente fazê-lo,
rechaçando, ao menos no que diz com este aspecto formal, a possibilidade de
vigência da convenção.
Doutrina mais progressista, com base em toda a discussão acerca da
inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158, além de conferir eficácia
plena à norma constitucional contida no art. 7º, I, da Constituição Federal, entende
que ela já está regulamentada pelas normas da convenção, que se encontra em
226 Cf notícia veiculada no site Jus Vigilantibus. PEDIDO de vista adia julgamento sobre denúncia da Convenção 158 da OIT. Jus Vigilantibus, 1º out. 2003. Disponível em <www.jusvi.com>. Acesso em 12 jan. 2009.227 Conforme notícia veiculada no site da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região. Clipping PRT 24ª Região, Campo Grande, 27 a 30 de Junho de 2008. Disponível em <http://www.prt24.mpt.gov.br/site/index.php/imprensa/clipping/34/2008>. Acesso em 12 jan. 2008.
108
pleno vigor.228 Esse tem sido o entendimento defendido pelo Eminente Juiz da 15ª
Região, Jorge Luiz Souto Maior, que, atuando como Desembargador Convocado
junto àquele tribunal, teve oportunidade de relatar o julgamento do processo n.º
00935-2002-088-15-00-3, cujo acórdão foi publicado em 07 de maio de 2004, assim
ementado:DISPENSA IMOTIVADA. DIREITO POTESTATIVO UTILIZADO DE FORMA ABUSIVA E FORA DOS PARÂMETROS DA BOA FÉ. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 7o. I, DA CF/88, DOS ARTS. 421, 422 E 472 DO NOVO CÓDIGO CIVIL, DA CONVENÇÃO 158 DA OIT E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E DO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Todos os trâmites para validade da Convenção n. 158, da OIT, no ordenamento nacional foram cumpridos. Os termos da Convenção são, inegavelmente, constitucionais, pois a Constituição brasileira, no artigo 7o, I, veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa, e o que faz a Convenção 158 é exatamente isto. O parágrafo 2o., do art. 5o., da CF/88, estabelece que os tratados internacionais – gênero do qual constituem espécies as Convenções da OIT – são regras complementares às garantias individuais e coletivas estabelecidas na Constituição. Assim, a Convenção 158, estando de acordo com o preceito constitucional estatuído no artigo 7o., inciso I, complementa-o. Além disso, a Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 4o., que nas relações internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos (inciso II) e não se pode negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica pertencente aos direitos humanos. Assim, um instrumento internacional, ratificado pelo Brasil, que traz questão pertinente ao direito do trabalho, há de ser aplicado como norma constitucional, ou até mesmo, supranacional. Mesmo que os preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação (o que não se acredita seja o caso) já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros dessa "regulamentação". A Convenção 158, da OIT, vem, de forma plenamente compatível com nosso ordenamento jurídico, impedir que um empregador dispense seu empregado por represálias ou simplesmente para contratar outro com salário menor. No caso de real necessidade, a dispensa está assegurada. Para a dispensa coletiva necessária a fundamentação em "necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço", "por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos". Quanto ao modo de apuração ou análise dos motivos alegados não há, igualmente, problemas de eficácia, valendo como parâmetro legal a regra e as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais já dadas ao artigo 165 da CLT. A dispensa imotivada de trabalhadores, em um mundo marcado por altas taxas de desemprego, que favorece, portanto, o império da “lei da oferta e da procura”, e que impõe, certamente, a aceitação dos trabalhadores a condições de trabalho subumanas, agride a consciência ética que se deve ter para com a dignidade do trabalhador e, por isso, deve ser, eficazmente, inibida pelo ordenamento jurídico. Não é possível acomodar-se com uma situação reconhecidamente injusta, argumentando que “infelizmente” o direito não a reprime. Ora, uma sociedade somente pode se constituir com base em uma normatividade jurídica se esta fornecer instrumentos eficazes para que as injustiças não se legitimem. Do contrário, não haveria do que se orgulhar ao dizer que vivemos em um “Estado democrático de direito”.229
228 Esse é o entendimento exposto em MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.
109
Por último, deve-se salientar que a Convenção n. 158 da OIT foi ratificada por
trinta e quatro países, em todos os continentes, tendo a última adesão ocorrido em 5
de maio de 2006, pela República Centro-Africana.230
229 Informação obtida no site do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=514872>. Acesso em 12 jan. 2008.230 Segundo dados obtidos no site da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.ilo.org/ilolex/spanish/convdisp1.htm>. Acesso em 08 jan. 2009.
110
4 O TRABALHO, A DIGNIDADE E A ESTABILIDADE NO EMPREGO
Modernamente, sempre que se inicia qualquer estudo no campo do Direito,
principalmente naqueles ramos que se aproximam mais intensamente de uma
análise social, como o Direito Penal e o Direito do Trabalho, é impossível fazê-lo
sem que se leve em conta o valor da dignidade da pessoa humana.
No caso do ramo justrabalhista, tal necessidade fica mais evidente, pois,
como visto, esse ramo surgiu em decorrência do tratamento desumano que se dava
aos trabalhadores quando da Revolução Industrial, vislumbrando-se naquele
momento que referidas pessoas não estavam sendo consideradas de acordo com a
dignidade intrínseca ao ser humano.
4.1 A valorização da dignidade da pessoa humana
Atualmente muito se fala em dignidade, mas poucos conseguem precisar-lhe
o conceito. A palavra dignidade vem do latim dignitas, significando o cargo ou a
honraria de que alguém se faz titular.231 No pensamento político-filosófico da
Antiguidade, significava a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de
reconhecimento pela comunidade, razão pela qual algumas pessoas podiam ser
mais ou menos dignas do que outras.232
Ainda hoje existe esse significado, mas a dignidade não mais está tão
relacionada a aspectos exteriores, sendo entendida como o respeito às condições
pessoais do indivíduo, independentemente de quaisquer características ou aspectos
familiares, sociais, físicos, ou outros, tão-somente pela sua qualidade de ser
humano.
A idéia de dignidade como valor intrínseco do ser humano encontra raízes no
pensamento cristão. É que, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, embora
não haja um conceito de dignidade, é constante o juízo de que o homem foi criado à
231 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência. In ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (Coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 34.232 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 30.
111
imagem e semelhança de Deus, sendo, portanto, dotado de um valor intrínseco, não
podendo ser transformado em mero instrumento ou objeto.233
Na Idade Média, Boécio, um dos primeiros filósofos do cristianismo, formulou
um novo conceito de pessoa, definindo-a como substância individual de natureza
racional, e contribuindo com a noção contemporânea de dignidade. Influenciado por
ele, Santo Tomás de Aquino também abordou o tema, chegando a se referir
expressamente ao termo dignitas humana. Na sua filosofia, afirmou o fundamento da
dignidade na circunstância de ser o homem imagem e semelhança de Deus, mas
também na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana.234
Já na Renascença, o filósofo humanista Pico Della Mirandola, com sua obra
intitulada Discurso sobre a dignidade do homem, justificava a idéia de grandeza e
superioridade do homem afirmando que, sendo criatura de Deus, ao homem foi
outorgada uma natureza indefinida, de maneira que pudesse ser árbitro do próprio
destino, dotado de capacidade para ser e obter aquilo que ele mesmo desejasse.235
No cenário do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a
concepção de dignidade passou por um processo de racionalização; contudo, foi
mantida a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e
liberdade. É com Immanuel Kant que se completa essa secularização do conceito.236
O filósofo, ao perquirir sobre um princípio capaz de reger todas as ações
humanas, fez um estudo aprofundado sobre a moralidade, elaborando de certa
maneira uma doutrina da dignidade. A sua filosofia ainda hoje influencia a
conceituação da dignidade da pessoa humana.
Para Kant, a fórmula da moralidade, ou, nas suas palavras, o imperativo
categórico, traduz-se na seguinte disposição: “Age apenas segundo uma máxima tal
que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.237
De acordo com essa fórmula, a lei suprema da moralidade consiste em uma
lei que pode valer como lei universal, ou seja, uma conduta seria válida se,
encontrando-se em determinada situação, qualquer indivíduo pudesse e devesse
233 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 30.234 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 32.235 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 32.236 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 32-33.237 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 59 (Grifos no original).
112
praticá-la. Para Kant, portanto, o princípio supremo da moralidade não se trata de
uma lei que contenha o comando de agir de tal ou qual maneira, mas sim uma
fórmula, que permite avaliar se, em cada caso concreto, a conduta adotada está de
acordo com a moral.
O imperativo categórico, contudo, pode se expressar de outras formas, sendo
uma delas: “Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza.” 238 Assim sendo, para julgar suas ações, o
indivíduo deve indagar se pode querer que a sua máxima se transforme em lei
universal da natureza. Se a resposta for positiva, significa que sua ação está
conforme o dever.
A última formulação do imperativo consiste em: “Age de tal maneira que uses
a humanidade, tanto na tua, como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.239 Para chegar a
tanto, Kant argumenta que a base do imperativo categórico deveria ser algo cuja
existência em si mesmo tivesse valor absoluto. Nesse quadro, “o homem, e, duma
maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio
para o uso arbitrário desta ou daquela vontade.” 240
Assim é que se chega à conceituação de Reino dos Fins, que significa que os
seres racionais estão submetidos a esta lei segundo a qual cada um deles deve se
tratar simultaneamente como fim em si mesmo. Cada um é membro do reino, na
medida em que deve obedecer à lei dada, mas todos são ao mesmo tempo chefes,
uma vez que a lei origina-se da vontade de cada um.
Nesse quadro é que o filósofo faz a distinção entre dignidade e preço: No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.241
Na mesma linha de desdobramento:
Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas uma valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres
238 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 59 (Grifos no original).239 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 69 (Grifos no original).240 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 68 (Grifos no original).241 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 77 (Grifos no original).
113
racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto do respeito).242
Por isso, somente a pessoa está acima de qualquer preço, possuindo valor
absoluto. As coisas têm preço de acordo com seu poder de troca, de acordo com a
sua utilidade. Assim, as pessoas têm dignidade, possuindo um valor intrínseco pelo
só fato de serem pessoas.
A dignidade humana, portanto, constitui o limite para todo livre arbítrio. Querer
agir por dever significa respeitar a dignidade humana, o valor absoluto do homem
como um fim em si mesmo. O que permite distinguir entre as pessoas e as coisas é
a racionalidade, e esta racionalidade é que leva a que o homem aja de acordo com
as leis, mas por sua própria vontade. Por outro lado, embora os demais seres da
natureza possam exibir algum traço de vontade, ela não se qualifica como
autodeterminação, capaz de iniciar ou finalizar ações.
De acordo com o pensamento de Kant, portanto, o verdadeiro sentido de
dignidade tem duas conotações. De um lado, a dignidade constitui o objetivo e o
limite para o exercício da vontade de cada um, ou seja, todos devem agir de maneira
a colocar a pessoa humana em primeiro lugar. Por outro lado, a dignidade
apresenta-se no próprio exercício dessa vontade, como a capacidade de escolha
diante das circunstâncias que a vida oferece, assumindo as consequências da
opção escolhida. É justamente por possuir essa liberdade de escolha que o homem
tem dignidade. Assim, a dignidade está no início e no fim do exercício da vontade.
Esse interesse pela dignidade, que primeiro teve espaço na filosofia, ganhou
maior relevância em outros campos científicos, principalmente no campo jurídico, a
partir do século XX. As barbáries cometidas nas grandes guerras mundiais levaram
a que se discutisse o tema, em especial após a Segunda Guerra, em que foram
cometidas indizíveis atrocidades.
Os horrores praticados sob o comando da ideologia nazista fizeram com que
toda a sociedade discutisse acerca dos limites das ações humanas, e do necessário
respeito à dignidade. Demonstrou-se que toda forma de desumanização atinge não
só a pessoa, mas toda a humanidade.243
242 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. do alemão por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 68 (Grifos no original).243 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Vida digna: direito, ética e ciência. In ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (Coord.). O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 27.
114
Inicialmente o conceito passou a integrar as declarações e tratados de paz
celebrados após a guerra; aos poucos passou a fazer parte de todos os
ordenamentos jurídicos, constituindo fundamento para a maioria das constituições
de países democráticos.
Como salientado, a noção de dignidade em Kant influenciou de tal maneira o
pensamento a respeito que até hoje se faz ecoar. Entretanto, há que se ressaltar a
dificuldade em conceituar a expressão, dando-lhe contornos definidos. É que, como
a dignidade vem sendo definida com o valor próprio que identifica o ser humano
como tal, esta definição acaba por não dar uma contribuição satisfatória.244
Na realidade, deve-se ter em conta que se trata de conceito em permanente
processo de desenvolvimento: além de ser uma qualidade inata ao ser humano, a
sua valorização possui também um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de
diversas gerações.
Entretanto, embora a dignidade constitua noção em constante processo de
criação e reformulação, adota-se aqui o conceito de Sarlet, segundo o qual tem-se
como dignidade da pessoa humanaa qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.245
Posto isso, conclui-se que a preocupação com a dignidade relaciona-se não
só com o reconhecimento da autodeterminação do indivíduo, mas também com o
respeito às diferenças que o tornam único, deixando de ser relevantes critérios de
distinção entre as pessoas, a não ser que as diferenças tornem as condições de vida
desumanas.
Vale aqui salientar que o exercício da autodeterminação tem como
contrapartida a tolerância. A tolerância consiste na capacidade de conviver com as
diferenças, aceitando que as outras pessoas tenham modos de vida e convicções
independentes. A ausência desse respeito à individualidade alheia é a intolerância,
que é o que gera a violência. 244 CF. SACHS, Michael. Verfassungsrecht II – Grundrechte. Berlin-Heildelberg-New York: Spring-Verlag, 2000, p. 173 apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 42. 245 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63 (Grifos no original).
115
A tolerância, entretanto, não se pode confundir com alienação, desinteresse, indiferença. A tolerância somente tem guarida na sociedade quando os atos, as ações que se comparem provenham de pessoas que guardem uma só e única atitude na sociedade. Não se busca a igualdade pela riqueza do patrimônio, mas não se pode buscar a tolerância pelo convívio com a fome, com a miséria, com a desassistência, com o alheamento ao universo de carência que se mostre próxima, remota ou circunde o que se supõe tolerante.246
A proteção da dignidade, portanto, não se refere apenas a uma conduta
passiva do Estado e da sociedade, mas pressupõe ainda uma conduta ativa de
ambos, no sentido de elevar as condições de vida daqueles que se encontram em
situação degradante, para trazê-los à condição de dignidade.
É interessante observar que as idéias sobre a dignidade foram cada vez mais
ganhando espaço e passando a nortear discussões em diversas áreas. É que o
acontece hoje no campo do que se denomina bioética, que abrange o estudo
transdisciplinar entre biologia, medicina e a filosofia. Os debates trazidos à baila pela
bioética dizem respeito principalmente a questões sobre as quais ainda não existe
senso comum, como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os
transgênicos e as pesquisas com células tronco, discutindo também acerca dos
limites da responsabilidade de cientistas em pesquisas e suas aplicações.
Outra discussão que vem ganhando corpo diz respeito à atribuição de
dignidade e/ou direitos aos animais e demais seres vivos. É que a conceituação de
dignidade como atributo exclusivo do ser humano começa a ser questionada, para
transformar-se num conceito inclusivo, de maneira a proteger a fauna e flora, uma
vez que “a mesma operação que faz do homem o ‘fim supremo’ permite-lhe
‘submeter, se puder, toda a natureza a esse fim’, isto é, reduzir a natureza e o
mundo a simples meios, privando-os de sua dignidade independente”.247
De qualquer forma, aceitando ou não essa tese, há que se reconhecer que a
proteção ao meio ambiente deriva da idéia de que não está mais em causa somente
a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, ainda que a
proteção da vida em geral constitua, em última análise, requisito para uma vida
humana com dignidade.248
246 SOUZA, Ronald Amorim e. Direito à dignidade. Revista eletrônica direito unifacs, Salvador, n. 54, nov. 2004. Disponível em: <web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_novembro2004/docente/doc02.doc>. Acesso em: 04 jul. 08.247 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 169.248 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 35-36.
116
A questão merece ser discutida também no âmbito das ciências econômicas.
Como visto, o aprofundamento das práticas de acumulação próprias do capitalismo
implica em cada vez mais competitividade e individualismo, o que acaba com os
sentimentos de solidariedade social, que poderiam permear ações no sentido de
possibilitar condições de vida mais digna àqueles que se encontram em situação
desigual:Na verdade, a perversidade deixa de se manifestar por fatos isolados, atribuídos a distorções da personalidade, para se estabelecer como um sistema. Ao nosso ver, a causa essencial da perversidade sistêmica é a instituição, por lei geral da vida social, da competitividade como regra absoluta, uma competitividade que escorre sobre todo o edifício social. O outro, seja ele empresa, instituição ou indivíduo, aparece como um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido, por isso sendo considerado uma coisa. Decorrem daí a celebração dos egoísmos, o alastramento dos narcisismos, a banalização da guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer que seja o meio para obter o fim colimado, isto é, competir e, se possível, vencer.249
Nesse quadro, de acordo com os interesses econômicos vigentes, se o
sistema capitalista consegue alcançar o seu objetivo de maior acumulação de
capital, não interessa se apenas uma pequena parcela da população mundial tenha
acesso aos benefícios dessa riqueza. Assim, a tão falada dignidade continua sem
efetivação, tendo em vista que a maior parte dos homens é utilizada como meio por
aqueles que têm como fim somente o acúmulo de capital.
Esse utilitarismo se manifesta também através do apelo ao consumo, sendo
certo que cada homem vale não por aquilo que é, mas pelo que pode ter. Uma das
maneiras de difundir esse consumismo é pelos meios de comunicação. É que, se
antes uma informação demorava meses para atravessar o mundo, ou mesmo um
país de dimensões continentais como o Brasil, agora tem a velocidade de um
segundo, basta ligar a televisão ou acessar a internet. Imediatamente, anúncios
publicitários de todos os tipos são exibidos, mostrando o que devemos consumir.
Nos ônibus, nas ruas, e até mesmo nos banheiros de shoppings e restaurantes, as
propagandas fazem com que sintamos quase uma necessidade de adquirir, de ter o
que quer que seja.
O capitalismo no ponto em que chegou não mais necessita de que todas as
pessoas tenham acesso a um mínimo existencial. Para manutenção da hegemonia
do capital, basta que apenas alguns tenham a capacidade de consumir o que for
produzido. Nessa linha de pensamento, é até positivo que alguns se encontrem na 249 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006, p. 60 (Grifos no original).
117
posição de excluídos, formando um exército de mão-de-obra de reserva, que
mantém baixo o preço do trabalho.
É mais uma forma de exclusão: não bastasse a exclusão pelo desemprego,
pela falta de acesso à educação e à saúde, pelo desnível cultural, o indivíduo sente-
se ainda mais excluído, quando não lhe é possível ter um jeans, um celular ou um
carro igual ao da propaganda.
Nesse quadro é que se pode vislumbrar uma violação à dignidade, na medida
em que, aquele que se encontra na situação de não poder consumir, não se vê na
condição de conviver com os “possuídos”, sente-se discriminado e inferiorizado no
meio social, como se o seu valor como pessoa fosse medido pela quantidade de
coisas que possui ou não.
O resultado de tudo isso é a desigualdade social crescendo
exponencialmente. Multidões de pessoas, principalmente nos países
subdesenvolvidos, encontram-se em situação degradante, muitos deles em miséria,
sem que pouco ou nada se faça para devolver-lhes uma vida digna. A
desvalorização da solidariedade social, bem como o incremento de políticas públicas
neoliberalistas, dificulta o socorro a essas pessoas. Nesse sentido:A dignidade humana não se pode avaliar quando todos ou quando muitos estejam a mendigar trabalho para prover a sua e a subsistência da família; sintam, pelo espectro da fome, que o apelo à violência seja a solução para aguçar olhos e ouvidos aos seus clamores; imaginem que a educação escolar seja um luxo com que não merecem sonhar; que a saúde seja uma riqueza que nunca lhes encherá a ânfora; a justiça, um privilégio com que jamais se defrontarão; morar com decência somente alcança aos poderosos, mesmo em mínima escala; que a cidadania é um discurso à descrença e a fé o catre por onde os dias se esvaem no desalento da vida.250
De toda sorte, como já salientado, a mera afirmação da dignidade pelos
ordenamentos jurídicos não faz com que seja automaticamente realizada.
Entretanto, a sua positivação e o seu reconhecimento como princípio são um grande
passo em direção a uma mudança no quadro atual de gritante exclusão.
4.2 A dignidade da pessoa humana como princípio
250 SOUZA, Ronald Amorim e. Direito à dignidade. Revista eletrônica direito unifacs, Salvador, n. 54, nov. 2004. Disponível em: <web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_novembro2004/docente/doc02.doc>. Acesso em: 04 jul. 08.
118
Embora desde há muito a dignidade da pessoa humana fosse valorizada e
buscada, foi apenas no século XX que o conceito ganhou espaço no mundo jurídico,
como uma reação aos excessos cometidos com fundamento na ideologia nazista.
É que, como visto, o conceito de dignidade abrange todos os aspectos
inerentes à condição de ser humano, como a vida, a integridade física, a liberdade,
etc. O desrespeito à condição humana vivenciado naquele momento histórico levou
à necessidade de que os Estados tivessem como fundamento a proteção à
dignidade, fazendo que tal valor, portanto, passasse a fazer parte do direito positivo
das nações.
Assim, com o final da Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização das
Nações Unidas, como fórum de relações e entendimentos entre os países, por meio
da Carta das Nações Unidas, de 1945, que em seu preâmbulo já assegurava a
proteção à dignidade humana.
Também no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1948, considerou-se que “o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” e no artigo I ficou
consignado que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade”.
A partir de então, grande parte das Constituições passou a incorporar a
dignidade da pessoa como princípio da ordem jurídica. Nesse quadro, a Constituição
da Alemanha, de 1949, estabelecia em seu art. 1º que “a dignidade do homem é
inviolável. Considerá-la e protegê-la é obrigação de todo poder estatal”. Na mesma
linha, a Lei Maior de Portugal, de 1976, reconhecia que a dignidade seria a base de
uma República soberana naquele país. Vale ainda atentar para o exemplo da
Espanha, cuja Constituição de 1978, em seu art. 10 fez constar que “a dignidade da
pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, (...) são fundamento da ordem
política e da paz social”.251
Desde então, foi-se ampliando a tendência de constitucionalização da
dignidade. Atualmente, além dos já citados exemplos, temos, dentre os países
europeus, a Constituição da Irlanda, que consagra expressamente o princípio. 251 LEDUR, José Felipe. A realização do direito do trabalho. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 84 apud DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 41.
119
Também a Itália, em sua Lei Maior, reconhece a todos os cidadãos a mesma
dignidade social, assim como a da Bélgica, que, desde alteração sofrida em janeiro
de 1994, assegura a todos os que estiverem no território belga o direito de levar uma
vida de acordo com a dignidade humana.252
Nos países da Europa Oriental, apresenta-se a mesma inclinação, valendo
atentar para o exemplo da Rússia, cuja Constituição, diferentemente das anteriores,
da União Soviética, prevê que “a dignidade da pessoa é protegida pelo Estado.
Nada pode justificar seu abatimento.” Na mesma linha de desdobramento, a Carta
dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, estabelece ser a dignidade
do ser humano inviolável, devendo ser respeitada e protegida.253
Na América Latina, apenas as Constituições de Brasil e Paraguai conferem à
dignidade o status de norma fundamental. Demais Estados, como Cuba, Venezuela,
Peru, Bolívia, Chile e Guatemala apenas fazem referência a ela.254
No caso do Brasil, a Constituição de 1988 representa um marco no que diz
respeito ao tema. É que nenhuma constituição brasileira anterior reconheceu a
dignidade como o faz a atual. A primeira a abordar o tema foi a de 1946, que, no
título da Ordem Econômica e Social, assegurava a todos trabalho que possibilitasse
uma existência digna. A Constituição de 1967, com a alteração procedida pela
Emenda n.º 1 de 1969, também restringia a dignidade à ordem social, asseverando
que esta teria como princípio a valorização do trabalho como condição da dignidade
humana.
A Lei Magna não só inseriu a dignidade em seu âmbito como consagrou-lhe o
posto de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, conforme o
disposto no art. 1º. Além disso, ao tratar da ordem econômica, no art. 170
estabeleceu que esta tem por fim assegurar a todos uma existência digna. Já ao
tratar da ordem social, definiu que o planejamento familiar deve ser baseado no
princípio da dignidade da pessoa humana (art. 226, § 7º), tendo também
determinado que o Estado e a sociedade devem assegurar à criança e ao
adolescente, bem como aos idosos, o direito à dignidade (art. 227, caput e art. 230).
252 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 66-67.253 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 68.254 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 67-68.
120
Observa-se assim que em muitas ordens jurídicas há referência expressa ao
valor da dignidade da pessoa humana, sem, contudo, conferir-lhe exatos alcance e
significação. A Constituição da República de 88, todavia, não deixa dúvidas quanto à
sua interpretação, uma vez que a inclui no Título “Dos princípios fundamentais”. Tal
opção por parte do legislador constituinte atribui mais eficácia e efetividade ao
princípio.
Oportuno ainda trazer à baila a diferenciação necessária que se faz no
sentido de explicitar que a dignidade não é um direito, mas sim um princípio. É que
os direitos pressupõem um reconhecimento pela ordem jurídica, ao passo que a
dignidade é um valor resultante da mera condição humana, não havendo que se
falar da necessidade do seu reconhecimento para que realmente exista. Entretanto,
é possível que seja ela violada, como aspecto inerente ao ser humano, devendo,
assim, o Estado insurgir-se contra tais violações.
A qualificação da dignidade como princípio fundamental da ordem jurídica
brasileira, além de dotá-la de maior eficácia, faz com que todo o ordenamento, e,
notadamente, os direitos fundamentais, retirem dela o seu fundamento de validade.
Antes de aprofundar no sentido jurídico do termo, vale atentar para o
significado dado à palavra princípio: (...) proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem do conhecimento; lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da qual outras podem ser derivadas; (...)255
Já princípios do Direito são “proposições gerais informadoras da noção,
estrutura e dinâmica essenciais do Direito”. São “diretrizes centrais que se inferem
de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o.”256
Assim, os princípios constituem a base de formação e aplicação do
ordenamento jurídico. A doutrina enumera três funções básicas para os princípios:
informadora, servindo de inspiração para o legislador no momento de criação da
norma; normativa supletória, atuando no caso de lacuna ou omissão da lei, no
processo de integração jurídica; e interpretativa ou descritiva, auxiliando no processo
de interpretação jurídica.
Nesse quadro, a moderna doutrina, notadamente a constitucionalista,
reconhece ainda aos princípios função normativa própria, com isso querendo dizer
255 Esse é um dos sentidos dados em HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.299.256 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 14.
121
que estão eles no mesmo patamar das regras jurídicas, o que decorre de sua função
fundamentadora da ordem jurídica e de seu objetivo de regulação do caso concreto,
assim como as regras. De tal modo, no processo de interpretação jurídica, a
aplicação de determinado princípio poderia levar à restrição, ampliação, ou até
mesmo negação de certa norma.
Por conseguinte, os princípios são normas que ordenam que algo seja feito
na maior medida possível, constituindo, portanto, mandados de otimização, que
estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e
que a medida devida de seu cumprimento depende das possibilidades reais e
jurídicas.257
A principal diferenciação entre os princípios e as regras seria que estas se
aplicam na base do “tudo ou nada”, ou seja, a aplicação de uma regra em detrimento
de outra leva a que a regra preterida seja qualificada como inválida. No caso dos
princípios, a aplicação de um não leva a conclusão da invalidade de outro, mas
apenas uma escolha no caso concreto, de acordo com o peso ou importância dos
princípios em jogo. Em caso de conflitos de princípios, portanto, valeria o critério de
ponderação.
As regras e os princípios seriam, então, espécies de normas jurídicas, sendo
certo que a distinção básica entre eles se daria qualitativamente, ou seja, não só
apresentam graus de generalidade diferentes, como também a estrutura dos
comandos normativos inseridos em cada um é diversa.
Os princípios não determinam as condições em que sua aplicação é
necessária nem a exata medida dessa aplicação, como no caso das regras, que
indicam que tal conduta deve ou não ser adotada. Os princípios impelem o intérprete
a seguir um direcionamento, mas não reclamam uma decisão específica.
Na atualidade, portanto, os princípios são reconhecidos como “fonte primária
de normatividade”, corporificando “os valores supremos ao redor dos quais gravitam
os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional.”258
257 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p. 86 apud AMORIM, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy: esboço e críticas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 42, n. 65, p.123-134, jan./mar. 2005, p 126. O filósofo alemão é, atualmente, um dos mais altos expoentes do pós-positivismo, tendo aprofundando o estudo sobre a distinção entre princípios e regras inicialmente proposta por Ronald Dworkin.258 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 283.
122
Observa-se que o reconhecimento dessa função normativa dos princípios veio
acompanhado da sua incorporação aos textos constitucionais de vários países de
tradição democrática, potencializando o seu poder de servir de base para toda a
ordem jurídica:Postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, fonte das fontes.259
Com mais razão, o princípio da dignidade, portanto, adquire um lugar
privilegiado no ordenamento jurídico. É que o próprio texto constitucional o
reconhece como princípio fundamental, ou seja, o só fato de ser um princípio já lhe
reveste de caráter de fonte do ordenamento jurídico. Como princípio fundamental,
sobressai o seu aspecto fundante até mesmo de outros princípios:Aliás, o princípio da dignidade tornou-se, então, valor fundante do sistema no qual se alberga, como espinha dorsal da elaboração normativa, exatamente os direitos fundamentais do homem. Aquele princípio converteu-se, pois, no coração do patrimônio jurídico-moral da pessoa humana estampado nos direitos fundamentais acolhidos e assegurados na forma posta no sistema constitucional.260
Nesse sentido, o reconhecimento da dignidade como princípio fundamental da
ordem jurídica brasileira leva a que ele seja a fonte de todos os demais direitos que
se relacionam com os aspectos individuais do ser humano. É o comando central do
ordenamento jurídico, sendo certo que as normas que consubstanciam o
ordenamento jurídico devem ser harmonizadas pelo princípio maior da dignidade
humana.
Ele orientou o legislador constituinte, direcionando-o a proteger tais direitos,
como maneira de assegurar a proteção à dignidade. Exemplo disso ocorre no art. 5º,
inciso III, da Constituição Federal que determina que ninguém deve ser submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante, ou mesmo o inciso XLIX, que
assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.
259 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 289.260 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, n.4, p. 23-49, 1999, p. 32.
123
No discurso do Presidente da Assembléia Constituinte, quando da
promulgação do texto constitucional, já se notava um posicionamento no sentido de
colocar a pessoa humana como centro do ordenamento:A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.(...)A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.Tipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não superado, só no art. 5°, de 77 incisos e 104 dispositivos.Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do estado e de outras procedências. Introduziu o homem no estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção.Tem substância popular e cristã o título que a consagra: “a Constituição cidadã”.261
Mas, além de iluminar o trabalho do legislador, o princípio da dignidade
humana conduz o intérprete a manejar o ordenamento jurídico de maneira que
garanta a sua observância em todas as situações.
Como salientado supra, a noção de dignidade não tem uma precisão
conceitual. Mesmo quando alçada à condição de princípio, esta característica se
mantém, até porque é próprio dos princípios apresentarem certa flexibilidade,
amoldando-se aos casos concretos, Assim, impõe que o seu conteúdo seja
clarificado pelo intérprete no contexto da situação concreta, notadamente pelos
órgãos jurisdicionais.262
Com isso não se quer dizer que ao intérprete cumpre decidir o que seja a
dignidade da pessoa humana, nem mesmo que o princípio em apreço tenha caráter
relativo. O aplicador tão somente vai expressar uma compreensão do princípio da
qual deverão ser extraídas as consequências jurídicas próprias ao caso, até porque
as sociedades civilizadas podem ter parâmetros distintos para avaliar a dignidade e
suas violações.261 GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 5 de outubro de 1988. Brasília, Escrevendo a História - série brasileira. Disponível em <http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/plenario/discursos/escrevendohistoria/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20-%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf> . Acesso em 10 jul. 2008.262 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 43-49.
124
Embora já se tenham passados vinte anos da promulgação da atual
Constituição, é certo que a dignidade da pessoa humana, na condição de princípio
fundamental, centro de irradiação para todas as demais normas jurídicas, não
atingiu o grau de eficácia que lhe caberia, colocando o homem como núcleo de
todas as dimensões do Direito, ocorrendo na vida cotidiana, e mesmo nos meios
jurídicos, situações inúmeras e diversas de desrespeito a esse valor.
O importante é que se entenda que essas violações à dignidade, que
aconteçam no caso concreto, não têm o condão de afirmar a sua inexistência, uma
vez que a dignidade está presente pelo só fato de a vítima se tratar de um ser
humano; pelo contrário, demonstram a necessidade da ação do Estado, e mesmo da
comunidade, no sentido de implementar ações que impeçam essas violações.
Vem à tona o aspecto da dignidade como tarefa dos poderes estatais,
reclamando que o Estado direcione suas ações “tanto no sentido de preservar a
dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente
criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade”.263 Assim, a dignidade, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá, dadas as circunstâncias, prevalecer em face da dimensão autonômica, de tal sorte que, todo aquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável (de modo especial no âmbito da biomedicina e bioética) poderá até mesmo perder – pela nomeação eventual de um curador ou submissão involuntária a tratamento médico e/ou internação – o exercício pessoal de sua capacidade de autodeteminação, restando, contudo, o direito a ser tratado com dignidade (protegido e assistido).264
Dessa maneira, o Estado fica obrigado a adotar políticas públicas inclusivas
que permitam a todos os indivíduos ser parte ativa no processo socioeconômico e
na trajetória política:O Estado somente é democrático, em sua concepção, constitucionalização e atuação, quando respeita o princípio da dignidade da pessoa humana. Não há verbo constitucional, não há verba governamental que se façam legítimos quando não se voltam ao atendimento daquele princípio. Não há verdade constitucional, não há suporte institucional para políticas públicas que não sejam destinadas ao pleno cumprimento daquele valor maior transformado em princípio constitucional.265
É certo, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-
se no centro de toda a ordem jurídica, política e social. Assim, de acordo com este
263 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 50.264 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 52.265 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista Interesse Público, n.4, p. 23-49, 1999, p. 38.
125
princípio, o valor primordial da sociedade, do Estado e do Direito é a pessoa
humana, protegendo-se desta forma os seus valores individuais, bem como a sua
plena inserção social.
No caminho dessa proteção encontra-se o trabalho. Pode este ser
considerado como a forma mais proeminente de afirmação do indivíduo no plano
individual e, principalmente, social, significando uma maior participação no governo
inclusive daqueles que não são dotados de riqueza material.
4.3 O princípio da dignidade e as relações de trabalho
Como visto, o princípio da dignidade encontra-se no centro do ordenamento
jurídico, fazendo com que seja necessário que as demais normas sejam construídas
e interpretadas sempre levando-se em conta esse valor. E isso se faz
proporcionando às pessoas, sem distinção, o acesso a todos os bens da vida e a
proteção a todos os direitos de personalidade, bem como lhes proporcionando o
exercício da autodeterminação, fazendo suas escolhas de maneira plena e segura.
Uma das formas mais eficientes de buscar a realização da dignidade da
pessoa humana é através da valorização do trabalho. Não foi por acaso que o
legislador constituinte também instituiu o valor social do trabalho como princípio
fundamental da República, inserindo-o no art. 1º, IV. Tal princípio vem expresso
também no art. 170, como fundamento da ordem econômica, e mais adiante, no art.
193, fica consignado que a ordem social tem como base o primado do trabalho.
Não é demais ressaltar que todas as formas de trabalho têm o caráter de
possibilitar a inserção do trabalhador no plano socioeconômico. Entretanto, somente
o trabalho regulado, ou seja, a relação de emprego, tem o condão de colocar as
partes sob um manto de proteção jurídica mais abrangente e sofisticada.266
A valorização do trabalho e a busca do pleno emprego estão intimamente
relacionadas com a dignidade da pessoa humana. Se a dignidade é alcançada com
o acesso a um plano igualitário econômico e social, o trabalho é uma das formas
mais eficazes de possibilitar esse acesso. É que, em tempos antigos, a riqueza, a
266 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 36.
126
propriedade, e mesmo a grande maioria de direitos, somente eram transmitidas
através da herança, ficando sempre restritas a um pequeno grupo de pessoas.
Nos tempos atuais, é certo que ainda uma pequena parcela da população
detém a maior parte da riqueza; entretanto, é possível a distribuição dessa riqueza
através do trabalho. Aliás, esse deve ser o compromisso do Estado e de toda a
sociedade.
Nesse sentido,(...) o trabalho assume o caráter de ser o mais relevante meio garantidor de um mínimo de poder social à grande massa da população, que é destituída de riqueza e de outros meios lícitos ao seu alcance. Percebeu, desse modo, com sabedoria a Constituição a falácia de instituir a Democracia sem um correspondente sistema econômico social valorizador do trabalho humano.267
Na verdade, o trabalho aparece como o único meio realmente eficiente de
distribuição de renda. Ao lado dele, figuram as políticas assistenciais, mas é
aconselhável que estas sejam adotadas somente para fazer face aos problemas
prementes da população miserável, uma vez que não emancipam o cidadão, mas
somente resolvem situações emergenciais, não apresentando resultados
satisfatórios em longo prazo.
Na mesma linha de desdobramento, a Constituição da República estabelece
como princípio da ordem econômica a busca do pleno emprego (art. 170, III),
orientando a atividade estatal no sentido de efetivamente buscar a possibilidade de
emprego para todos os seus cidadãos.
Não menos importante é a busca pela justiça social, que aparece no texto
constitucional como base para a ordem econômica (art. 170) e para a ordem social
(art. 193), significando que “(...) independentemente das aptidões, talentos e virtudes
individualizadas, cabe às pessoas humanas acesso a utilidades essenciais
existentes na comunidade”.268
Tal direcionamento guarda total consonância com os princípios da dignidade
da pessoa humana e da valorização do trabalho, formando um verdadeiro arcabouço
jurídico em torno da relação de emprego. Mas isso ocorre não somente por
“bondade” do legislador, mas sim porque o emprego produz benefícios para toda a
sociedade, seja para os trabalhadores por meio de salários e em razão do aumento
267 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 34.268 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p.38.
127
da capacidade de consumir, seja para os donos dos meios de produção, que
aumentam os lucros em razão do aumento da produção, seja para o Estado, que
aumenta sua arrecadação e assim se aproxima das metas de promoção social.
Portanto, assim como o trabalho e o emprego são importantes, não se podem
desprezar os aspectos econômicos, uma vez que um funcionamento eficaz da
economia é que permite a geração de emprego e renda. O legislador observou essa
engrenagem e tratou de incorporar à ordem constitucional diversos valores nesse
sentido.
Nesse quadro, enuncia o art. 1º, inciso IV, da Carta Magna, ser a República
fundada no princípio da livre iniciativa, garantindo autonomia para regulação das
relações econômicas da maneira mais conveniente às partes envolvidas. Na mesma
direção, protege-se a propriedade privada como um direito fundamental do cidadão
(art. 5º, XXII), e como princípio da ordem econômica (art. 170, II).
A Constituição Federal, ao abarcar princípios que privilegiam a ordem
econômica, o faz seguindo os valores relacionados aos direitos de primeira geração,
corolários do direito fundamental à liberdade. Entretanto, tais valores não mais têm
feição absoluta, atrelados que estão aos objetivos sociais da ordem constitucional,
relacionados portanto aos direitos de segunda geração, que objetivam a igualdade.
Assim é que a propriedade só será garantida se atingida a sua função social, que
também aparece como princípio da ordem econômica (art. 170, III).
No mesmo sentido, A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).269
Por conseguinte, não restam dúvidas de que o conjunto de valores e
princípios constantes da Constituição Federal, capitaneado pela dignidade da
pessoa humana, leva a que o intérprete, no instante de manuseio da norma jurídica,
e mesmo os destinatários dessas normas, orientem suas atividades e atitudes no
269 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 720 (grifos no original).
128
sentido de privilegiar o valor do trabalho na ordem jurídica, econômica e social,
realizando assim o objetivo principal de colocar o indivíduo como seu centro.
Mas existem ainda diversos direitos previstos na legislação constitucional e
infraconstitucional que buscam a introjeção do princípio da dignidade e seus
corolários no conteúdo da relação de emprego. Aliás, mesmo as relações de
trabalho que não configuram vínculo empregatício mereceram um certo cuidado por
parte do legislador.270
Oportuno trazer novamente à baila, no que diz com a dignidade, a visão
kantiana no sentido de tratar o homem como fim em si mesmo, e não como meio
para realização da vontade alheia. Assim, indaga-se se em uma relação de emprego
aquele que trabalha é ou não utilizado como instrumento por quem toma os seus
serviços. A resposta vem da própria doutrina de Kant: em todas as relações, de
certa forma um sujeito está realizando a sua vontade através do outro; o que não se
deve permitir é que o homem seja utilizado somente ou simplesmente como meio
para concretização do interesse alheio. Em outras palavras,(...) o desempenho das funções sociais em geral encontra-se vinculado a uma recíproca sujeição, de tal sorte que a dignidade da pessoa humana, compreendida com vedação da instrumentalização humana, em princípio proíbe a completa e egoística disponibilização do outro, no sentido de que se está a utilizar outra pessoa apenas como meio para alcançar determinada finalidade, de tal sorte que o critério decisivo para a identificação de uma violação da dignidade passa a ser (pelo menos em muitas situações, convém acrescer) o do objetivo da conduta, isto é, a intenção de instrumentalizar (coisificar) o outro.271
A instrumentalização do trabalhador se verifica na medida em que as
condições de trabalho não respeitam aspectos mínimos ligados à sua dignidade. O
eterno conflito entre capital e trabalho se materializa na relação de emprego, na
dualidade entre o poder diretivo do empregador e a subordinação do empregado.
Entendido o poder empregatício como o “conjunto de prerrogativas com
respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia
interna à empresa e correspondente prestação de serviços”272, e a subordinação
como “a situação jurídica pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o
270 Aqui se remete mais uma vez à alteração da competência da Justiça do Trabalho para abranger reclamações oriundas da relação de trabalho procedida pela Emenda Constitucional n. 45, talvez como uma tentativa de lançar um olhar diferenciado sobre essas relações. No mesmo sentido, a CLT já se referia à pequena empreitada. Entretanto, o desenvolvimento do tema será limitado às relações de emprego, que mais se relacionam com o objeto do estudo.271 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 53-54.272 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 629.
129
poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de
serviços”273, nota-se a tensão existente entre os dois pólos da relação de emprego.
Necessário reafirmar que a subordinação, conforme entendimento moderno,
tem o caráter objetivo, ou seja, atua somente sobre o modo de prestação de
serviços. Está portanto ultrapassada a concepção subjetiva da subordinação, que
atuaria sobre a pessoa do trabalhador, traduzindo-se em verdadeiro estado de
sujeição.
Na prática das relações trabalhistas, contudo, o empregador pode ultrapassar
a esfera do seu poder, ferindo a dignidade do trabalhador, e colocando-o de certa
forma em tal estado de sujeição. E isso pode ocorrer de várias maneiras e em
diversos momentos.
Mesmo no que diz a fase pré-contratual, muito se discute nos dias de hoje a
respeito das avaliações psicológicas aplicadas aos trabalhadores quando dos
processos seletivos para ocuparem postos de trabalho nas empresas. São testes e
entrevistas que procuram identificar o perfil psicológico do obreiro, e que, para isso,
adentram em temas de sua intimidade, como dados familiares e históricos.
Essas avaliações psicológicas são também utilizadas já na vigência do
contrato, no caso de promoções hierárquicas ou mesmo para a tomada de decisão
sobre uma demissão, por exemplo. Vale ainda citar aqui a dinâmica de grupo como
técnica avaliativa, que pode colocar os candidatos a emprego em situações ridículas
e vexatórias.
Nos tempos atuais, em que a concorrência empresarial é muito acirrada, as
empresas procuram profissionais de alta qualificação, mas que também tenham
habilidades e motivações relacionadas com os seus objetivos. Nesse sentido, é
necessário moldar a conduta obreira de maneira que se torne adequada ao
funcionamento empresarial:O empresário conta com uma imensa gama de instrumentos de controle, tanto físicos quanto psicológicos, sobre o trabalhador, que vão desde a padronização de instrumentos de trabalho e vestuário do empregado, até o controle de seu modo de agir, notadamente em função do conhecimento que aufere da personalidade do obreiro através de exames psicológicos diversos.274
273 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 302.274 COGO, Sandra Negri. Gestão de pessoas e a integridade psicológica do trabalhador: a dignidade humana como limite aos poderes da empresa em face do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 111.
130
O tema vem acompanhado de acalorada discussão a respeito dos limites dos
poderes empresariais. De um lado, existe o entendimento de que pode o
empregador explorar o perfil físico e mental do empregado, por outro lado, o
empregador deve se restringir aos dados profissionais do obreiro.
De toda sorte, há que se exigir a expressa concordância do empregado ou
candidato para realização dos testes e avaliações. Entretanto, mesmo o
consentimento obreiro deve ser analisado com muita cautela, haja vista o temor
reverencial que assombra a liberdade das decisões:Com o devido respeito, não há como admitir que um trabalhador possa vencer as barreiras da coação moral e da necessidade física e emitir consentimento esclarecido autorizador da devassa de sua intimidade.275
O que se observa, portanto, é que o poder diretivo do empregador encontra
limites no princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo com que a
subordinação não se transforme em sujeição.
Outra questão que se relaciona com os limites do poder empregatício tem a
ver com a proteção da intimidade do trabalhador. A proteção à intimidade também
vem afirmada no texto constitucional, mais precisamente no art. 5º, inciso X, fazendo
com que o indivíduo tenha direito de manter em segredo aspectos da sua vida
pessoal e familiar.
Aqui vem à tona a discussão sobre a possibilidade de controle, pelo
empregador, do correio eletrônico do empregado. Referida questão merece ser
mencionada uma vez que a preservação da intimidade do trabalhador no âmbito do
contrato de trabalho está diretamente relacionada com a garantia de uma prestação
de serviços de maneira digna.
Ora, é certo que o empregador tem liberdade para decidir sobre a estrutura e
funcionamento da empresa, a disponibilidade sobre os meios de produção e a
direção da prestação de serviços. Nesse sentido, o empresário pode estabelecer
mecanismos de fiscalização da efetiva realização de serviços, e instituir sanções
disciplinares correlatas, em razão do seu poder fiscalizatório.Poder fiscalizatório (ou poder de controle) seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno.276
275 COGO, Sandra Negri. Gestão de pessoas e a integridade psicológica do trabalhador: a dignidade humana como limite aos poderes da empresa em face do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 100.276 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 634 (Grifos no original).
131
Entretanto, esse poder de fiscalização pode atingir as correspondências
eletrônicas dos empregados? Tal debate é muito amplo e envolve diversos
aspectos, que não cabem no âmbito da presente dissertação. O que vale aqui deixar
consignado é que a prerrogativa fiscalizatória do empregador encontra limites no
direito do empregado à intimidade, garantindo-lhe assim a dignidade na prestação
de trabalho.
De sorte que jamais pode ser aceita interferência do empregador no e-mail
particular do empregado, assim entendido aquele contratado pelo indivíduo à
margem do contrato de trabalho. No que diz respeito ao e-mail corporativo,
disponibilizado pelo empregador, os entendimentos a respeito são oscilantes.
Parece mais sensato o posicionamento segundo o qual o e-mail corporativo pode
ser fiscalizado pelo empregador, uma vez que se trata de ferramenta destinada ao
trabalho, e que, inclusive, faz a divulgação do nome da empresa. De qualquer
maneira, é preciso que fiquem claras para os trabalhadores todas as regras para a
utilização dos correios eletrônicos.
Vale trazer à colação entendimento a respeito:D.m.v. não vejo como equiparar o e-mail corporativo às correspondências postais e telefônicas, objetos da tutela constitucional. Como já sustentado, trata-se de uma ferramenta de trabalho concedida ao empregado com o objetivo de melhor desenvolver suas atividades laborais, devendo, pois, ter a sua utilização restrita a assuntos inerentes ao trabalho. Não se pode enxergar o e-mail corporativo como um benefício indireto concedido ao trabalhador, para uso e gozo de acordo com sua vontade.(...) Portanto, ainda que seja desejável que o empregador trate das questões relativas ao monitoramento do e-mail corporativo por meio de regulamento interno ou norma coletiva, entendo que não viola nenhum dispositivo constitucional ou infra-constitucional quando exerce o controle e fiscalização, inclusive sobre o conteúdo das mensagens contidas no e-mail profissional, mesmo na ausência de regulação interna ou convencional.277
A violação da intimidade do trabalhador se dá quando o empregador se
excede no poder de fiscalizar a prestação de serviços. Outra situação na qual esse
abuso pode se manifestar, e pode violentar mais frontalmente os direitos individuais
e o princípio da dignidade diz respeito às revistas aos empregados.
Objetivando proteger as condições de trabalho da mulher, foi acrescentado à
CLT, em 1999, o art. 373-A, que veda a realização de revistas íntimas em
277 PENA, Tânia Mara Guimarães. O monitoramento de e-mail corporativo não viola os incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal. Site da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 3ª Região. Disponível em <http://www.amatra3.com.br/uploaded_files/tania.pdf>. Acesso em 5 jan. 2008.
132
empregadas. Embora se refira somente aos obreiros do sexo feminino, tal vedação
deve ser estendida também para proteger o sexo masculino.
No que tange aos demais tipos de revista, o entendimento majoritário é no
sentido de que devem ser realizadas ao final do expediente, de forma genérica, sem
que haja discriminação quanto a algum ou alguns obreiros, atendendo a critérios
objetivos.278
É que os princípios e regras constitucionais, notadamente o princípio da
dignidade humana, criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham a agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que trabalha empregaticiamente no país.279
Outra preocupação ligada ao contrato de trabalho diz respeito às normas de
segurança e medicina do trabalho, que objetivam proteger a vida e a integridade
física do trabalhador. O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um dos
mais importantes direitos do trabalhador, e, uma vez desrespeitado, gera prejuízos
ao Estado, que, através do sistema previdenciário e de saúde, tem que arcar com o
custo dos danos decorrentes de acidentes; gera prejuízos ao empresários, que têm
que reembolsar os danos sofridos, mas mais importante, gera irreparáveis perdas
aos trabalhadores e suas famílias.
O desrespeito às normas de segurança e medicina do trabalho leva a que,
anualmente, milhares de trabalhadores percam a vida ou fiquem mutilados e
incapacitados para o trabalho, gerando, além dos gastos para as empresas e o
Estado, indescritíveis sofrimentos físicos e morais, bem como desajustes humanos e
sociais.
A Constituição Federal, no art. 225, assegura a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado: O comando constitucional supra estabelece cristalinamente que o bem ambiental é direito de cada um e de todos ao mesmo tempo. É um bem de uso comum do povo, cuja proteção destina-se a um bem maior: o direito à vida com qualidade e dignidade, sendo o homem o centro de todas as atenções. Daí, a responsabilidade compartilhada entre Estado, sociedade e empresas pela defesa do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador.280
278 A respeito, vide COGO, Sandra Negri. Gestão de pessoas e a integridade psicológica do trabalhador: a dignidade humana como limite aos poderes da empresa em face do contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 137-142.279 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 636.280 MELO, Raimundo Simão de. Dignidade da pessoa humana e meio ambiente do trabalho. Revista de Direito do Trabalho: São Paulo, v.31, n.117, p.204-220, jan./mar.2005, p. 218 (Grifos no original).
133
Na mesma linha, o art. 7º, XXII, garante a todos os trabalhadores “redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança.”
Não é necessário que o acidente de trabalho efetivamente aconteça para que
reste violada a dignidade do trabalhador; a mera prestação de serviços em situações
de desrespeito às normas de segurança e medicina do trabalho já caracteriza essa
violação, pois a ameaça de acidente ou doença do trabalho já denota o
comportamento de desrespeito à vida humana, colocando o empregado na situação
de simples instrumento da produção.
Ainda no que diz respeito ao meio ambiente de trabalho, podem ser citados o
assédio moral no ambiente laborativo e o trabalho escravo, situações que afrontam
direitos trabalhistas e constitucionais, mas, mais do que isso, desconsideram o
tratamento digno que deve ser dado a todos os seres humanos, independente de
qualquer condição pessoal ou social.
Como se observa, a valorização do trabalho guarda estreita conexão com o
princípio da dignidade da pessoa humana. Através dele, o trabalhador se realiza
individualmente e socialmente, inserindo-se na comunidade familiar e política que o
cerca. Entretanto, o trabalho também pode ser fonte de sofrimento físico e psíquico,
violando assim o princípio da dignidade, quando não são observados os direitos
pertinentes e as devidas condições para sua realização.
O arcabouço jurídico para proteção ao trabalho digno está posto,
consubstanciado nas normas constitucionais, nas normas contidas na CLT e leis
esparsas, e também nas normas infralegais a respeito das condições de trabalho. É
preciso que as garantias existentes sejam concretizadas através de políticas
públicas efetivas de conscientização e fiscalização da conduta dos atores sociais
envolvidos.
4.4 A dignidade na cessação do contrato de trabalho e a estabilidade no emprego
134
Principalmente no Brasil, onde se adota um modelo que não oferece
limitações relevantes ao ato de despedir, existe uma corrente de pensamento no
sentido de estar esse ato inserido na esfera de liberdade do empregador, tratando-
se, portanto, de direito potestativo. Esse entendimento encontra fundamento
também na propriedade privada dos meios de produção, permitindo ao proprietário
exercer a sua atividade econômica sem interferência externa.
Ora, reconhecer o direito à dispensa como um direito potestativo seria o
mesmo que negar a marca inconfundível do Direito do Trabalho, que é a tentativa de
proteger o lado hipossuficiente, por meio da intervenção do Estado na vontade das
partes manifestada através do contrato. A legislação trabalhista tem o escopo de
restringir a vontade do empregador, pois, caso contrário, o trabalhador seria tratado
como mero instrumento na produção.Conclui-se, portanto, que os chamados direitos potestativos são um conceito inútil e desnecessário dentro da dogmática do Direito Individual do Trabalho. Sua decadência, em virtude da democratização da empresa, é um fato evidente. Nunca será empecilho à limitação da dispensa. Se ela ainda é, no Brasil, um direito praticamente ilimitado do empregador, este fato apenas atesta nosso atraso em relação às nações capitalistas do mundo ocidental, de cujo círculo, pelo menos no que diz respeito ao lugar que ocupamos, de 8º economia mais desenvolvida do mundo atual.281
Com a proteção contra dispensa arbitrária, não se retira do empregador
parcela do poder diretivo, não há interferência na propriedade dos meios de
produção. O que se faz é obrigá-lo a exercer tais poderes e direitos de acordo com a
sua função social.
É certo que o poder empregatício emana diretamente do contrato. E a ordem
constitucional brasileira reconhece a livre iniciativa como um princípio fundamental
da República. Por outro lado, também institui, como base para a ordem econômica,
a justiça social e a busca pelo pleno emprego. Da mesma forma, o Código Civil, no
art. 421, estabelece que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato”. E nem se diga que tais disposições não se
aplicam no âmbito justrabalhista, porque o art. 8º da CLT expressamente estatui a
aplicação subsidiária do direito comum ao Direito do Trabalho. Aliás, a própria
Constituição também determina que a propriedade privada só será garantida se
atendida a sua função social.Portanto, pode-se afirmar que a natureza que atualmente é mais condizente com o poder empregatício é o direito-função, que consiste no poder
281 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 206.
135
atribuído ao titular para agir em tutela de interesse alheio e não de estrito interesse próprio. O empregador não é somente detentor de uma prerrogativa favorável a ele, mas também possui um dever correlato de levar em consideração o interesse da comunidade dos trabalhadores contratados. É uma concepção unilateral atenuada em que o empregador, titular do direito, tem de apreender e reverenciar, de alguma forma, os interesses que lhe sejam contrapostos, os dos empregados.282
Assim, a vontade manifestada no contrato não pode ser ilimitada a ponto de
ferir o interesse social, mais especificamente, a vontade do empregador no contrato
de trabalho somente deve ser respeitada na medida em que levar em conta a função
social do contrato, que está relacionada com as próprias condições de vida dos
trabalhadores, que dependem dele para sobreviver.Impossível fechar-se os olhos à liberdade ilimitada de estruturação do conteúdo do contrato, que não pode mais ficar ao sabor da renovada fórmula do laisser-faire, laisser-aller, realimentado por um neoliberalismo globalizante e asfixiante.Com essa proposta concretista, baseada na utilidade social do contrato, quebra-se um pouco mais o individualismo contratual, substituindo-se o indivíduo-indivíduo pelo indivíduo-cidadão, a quem a Constituição Federal garante diversos direitos, inclusive a dignidade humana.283
Nesse quadro, o contrato de trabalho também deve observar a sua função
social, e esta não é alcançada quando o empregado pode ser dispensando sem que
haja justificativa para tanto, a não ser um direito arbitrariamente exercido pelo
empregador:Pois bem, se está assente no novo Código Civil que a liberdade de contratar deve ser praticada em consonância com os fins sociais do contrato, impulsionada pela boa-fé e pela probidade, é chegada a hora de se colocar em prática a antiga fórmula justrabalhista que pretende se exija do empregador a apresentação de um motivo socialmente justificável para a rescisão do contrato de trabalho.Não há nada mais revelador de valores tão uniformes e com pontos de vista racionais tão coincidentes com relação aos resultados (natureza teleológica) do que a finalidade social do contrato e a exigência de uma motivação social para a resilição do contrato de trabalho.284
Considere-se ainda que o art. 187 do Código Civil prevê que o exercício de
cada direito deve respeitar o seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
282 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n.123, p.7-52, jul./set.2006, p. 31.283 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O novo código civil, a proteção ao emprego e o velho contrato de trabalho. Virtuajus, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, dez. 2003. Disponível em <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/O%20NOVO%20CODIGO%20CIVIL%20E%20O%20VELHO%20CONTRATO%20DE%20TRABALHO.pdf>. Acesso em 06 jan. 2009.284 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O novo código civil, a proteção ao emprego e o velho contrato de trabalho. Virtuajus, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, dez. 2003. Disponível em <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/O%20NOVO%20CODIGO%20CIVIL%20E%20O%20VELHO%20CONTRATO%20DE%20TRABALHO.pdf>. Acesso em 06 jan. 2009.
136
costumes. Não sendo exercido desta forma, configura-se o abuso do direito,
severamente repelido pela ordem jurídica. Nesse sentido:Exercer legitimamente um direito não é apenas ater-se à sua estrutura formal, mas sim cumprir o seu fundamento axiológico-normativo, que constitui este mesmo direito e justifica o seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico. Tal fundamento axiológico-normativo constitui a expressão da normatividade dos princípios constitucionalizados.285
De qualquer forma, nem é preciso buscar amparo no Direito Civil para
condenar a dispensa arbitrária. A própria Constituição Federal, tendo o seu epicentro
no princípio da dignidade da pessoa humana, fundamenta a proteção dos
trabalhadores no momento da despedida.
Não é demais repetir que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a
todos uma existência digna, e tem como fundamentos, de um lado, a livre iniciativa,
e de outro, a valorização do trabalho humano. Desta maneira, a atividade econômica
não deve visar somente o lucro, mas também a existência digna de todos os
empregados vinculados ao empreendimento econômico. Somente se for exercida
desta forma a atividade econômica estará atingindo seus fins sociais e não será
considerada abusiva.
É que, como já abordado, o princípio da dignidade da pessoa humana impede
que o empregado seja utilizado somente como meio para satisfazer os interesses do
empregador. Assim, o trabalhador não pode ser visto apenas como mais um
instrumento da produção, sendo necessário ao empreendimento unicamente se
permitir a auferição de lucros.
O que se verifica é que somente se se aceitar ser o empregado um
instrumento descartável é que se acolhe o modelo de dispensa sem necessidade de
justificativa ou sem a obrigatoriedade de observância de certos procedimentos, pois
estes mecanismos é que incentivam a permanência da relação de emprego,
realizando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana.
De fato, não há respeito à condição social e moral do assalariado, se, na
prática, efetivamente, não lhe é garantida a manutenção da relação empregatícia.
Vivendo sob o risco constante da perda do emprego, o trabalhador sofre
instabilidade emocional, sente-se ferido em sua auto-estima, vê-se tratado apenas
como uma peça descartável da engrenagem empresarial. Colocado sob constante
ameaça de desemprego, com os inevitáveis reflexos psicológicos decorrentes dessa
285 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n.123, p.7-52, jul./set.2006, p. 34.
137
instabilidade, sente-se inseguro, apreensivo, intranquilo, em permanente tensão na
execução do serviço.
Aliás, aqui é fácil combater uma dos argumentos contrários à estabilidade no
emprego. Esse argumento se baseia no entendimento de que o empregado que
sabe que não pode ser demitido se acomoda, e deixa de apresentar um
desempenho satisfatório.
Isso até poderia ocorrer no caso da estabilidade absoluta, consistente na
impossibilidade de se demitir o empregado. Mas a exigência de motivos para a
dispensa, calcados na capacidade do trabalhador ou em razões técnicas ou
econômicas da empresa, só faz com que ele mais vista a camisa da empresa,
exercendo suas atividades de maneira a apresentar resultados tão bons ou
melhores do que seus companheiros. Além disso, o trabalhador sabe que o seu bom
desempenho ajuda o empregador a superar as adversidades econômicas, mantendo
assim, a sua garantia de emprego.
Quando é dispensado,fica o empregado privado do único meio de subsistência que possui. Há pois, uma ameaça à sua própria sobrevivência, podendo advir o desemprego, pois não é certa a recolocação, principalmente em momentos de crise e recessão econômica. O desemprego ocasiona necessariamente ao empregado:a) diminuição de padrão de vida;b) sentimento de inutilidade e falta de reconhecimento social;c) perda de direito: o tempo de casa acumulado, que sempre significa mais direitos trabalhistas, é anulado. Em relação aos colegas do novo emprego, sempre será um iniciante, embora possa ser biologicamente mais velho;d) perda do contato e da convivência com antigos companheiros de trabalho. Dificuldade de adaptação às novas condições de trabalho.286
Essa instabilidade no emprego gera consequências nefastas. E a obtenção de
um posto de trabalho não representa segurança para o trabalhador ou sua família,
pois ele sabe que, a qualquer momento, poderá ser dispensado. Assim, além da
dependência jurídica inerente à relação empregatícia, o empregado passa a
depender psicologicamente do empregador.
Mas, além de interferir no microcosmo do empregado, a instabilidade reflete
diretamente na efetividade do ramo justrabalhista, seja na esfera do direito
individual, do direito coletivo ou do direito processual.287 O empregado desprotegido
286 SILVA, Antônio Álvares da. Proteção contra a dispensa na nova Constituição. São Paulo: LTr, 1992, p. 53-54.287 Essa análise é feita em VIANA, Márcio Túlio. Proteção ao emprego e estabilidade sindical: onde termina o discurso e começa a realidade. Revista Trabalho e Doutrina, São Paulo, n. 27, p. 109-113, 2002.
138
tem muito menos poder para negociar o seu contrato, em razão do temor de
enfrentar o seu patrão. Quando se vive em estado de necessidade financeira, perde-
se a independência para reclamar contra abusos na relação de emprego.
No âmbito coletivo, ele resiste em aderir ao sindicato, em razão do mesmo
temor, e, assim, o sindicato não tem força ou mesmo representatividade para
negociar com o poder econômico, o que leva à precarização das condições de
trabalho.
Além disso, caso se sinta lesado, aquele que recorre ao Judiciário Trabalhista
só o faz se já se desligou da empresa, mitigando a efetividade das normas
trabalhistas e do processo do trabalho, que, ao invés de versar sobre o cumprimento
dessas normas, limita-se a debater reparações financeiras.
Aliás, não é por acaso que o Direito do Trabalho se pauta pelo princípio da
continuidade da relação de emprego, em virtude do qual se presume que o contrato
de trabalho perdura até que sobrevenham circunstâncias previstas pelas partes ou
em lei, como idôneas para fazê-lo cessar. Esse princípio prima pela permanência do
vínculo empregatício, com a integração do empregado na estrutura e dinâmica da
empresa.
De tudo isso se extrai que a ausência de proteção contra dispensa arbitrária
não condiz com a direção dada ao ordenamento jurídico pelo princípio da dignidade
humana, tendo em vista que a insegurança e instabilidade provocadas pela
possibilidade de dispensa desmotivada não permitem que o trabalhador viva uma
existência verdadeiramente digna.
E todos esses males se agravam quando as dispensas se dão em massa,
atingindo centenas ou milhares de trabalhadores de uma empresa de uma vez só.
Como já referido, nos países onde se limita o poder de dispensa, existem normas
que estabelecem controle dos órgãos públicos e entidades sindicais, tendo em vista
o grande dano social que emerge dessas dispensas. Esse é, aliás, o direcionamento
dado pela Convenção 158 da OIT.
Em razão da crise mundial ocorrida a partir de meados de 2008, e que
começa a atingir nosso país no início de 2009, inúmeras dispensas coletivas vêm
ocorrendo no Brasil. Algumas categorias mais fortes vêm exigindo das empresas
essa participação do sindicato, o que tem permitido atenuar os efeitos das
dispensas. Vozes começam a se levantar para apontar os danos que a falta de uma
legislação a respeito causa no universo dos trabalhadores:
139
A sociedade e os trabalhadores não podem assistir de mãos atadas a estas dispensas coletivas. O emprego é um bem público. O trabalhador e a sociedade têm o direito de saber por que ele está sendo arrancado dos trabalhadores. Ao Judiciário Trabalhista cabe dar esta resposta ao povo, já que as autoridades administrativas e o Governo nada fazem a não ser premiar as empresas com 100 bilhões de reais pelas dispensas que praticam. De toda forma ninguém perguntou como ficará o trabalhador. Porém, ele também faz parte do contexto e tem o direito de sobreviver dignamente. Qual o pacote que o Governo anunciou para salvá-lo?288
Desta maneira, é necessário que se busquem soluções para o problema
dentro das possibilidades permitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, que se
compõe, no que diz respeito à proteção contra a dispensa arbitrária, basicamente da
norma contida no art. 7º, I, da Constituição Federal e das disposições da Convenção
158 da OIT.
Não se podem olvidar os dispositivos do Código Civil citados anteriormente,
haja vista sua adequada e pertinente utilização para fundamentar a necessidade de
limitar o exercício da dispensa, vinculando-o à sua função social.
Essas normas devem ser analisadas à luz do princípio da dignidade humana,
foco de onde se irradia todo o ordenamento jurídico.
Defende-se aqui, portanto, a estabilidade relativa no emprego. Ela se
diferencia da estabilidade absoluta, como visto, pois esta, uma vez adquirida, não
admite possibilidade de dissolução do contrato.289 Já a estabilidade relativa garante a
permanência no emprego, a não ser que haja justa causa para término do contrato,
ou motivos tecnológicos ou econômicos.
E nem se diga que há necessidade de regulamentação para esclarecer esses
motivos; as hipóteses de justa causa já estão definidas no art. 482 da CLT, e os
motivos ligados à empresa estão elencados no art. 165. Embora esse dispositivo
diga respeito aos representantes dos trabalhadores na CIPA, nada impede sua
utilização como critério de integração.
Na verdade, como abordado no capítulo anterior, a doutrina de antes, e
mesmo de agora revolveu o tema à exaustão, e muitas vozes se manifestaram no
sentido de que estaria vigente no Brasil a garantia de emprego. Muitos julgadores
foram corajosos e sentenciaram dando proteção ao empregado nesse sentido. E
essa é a postura que se lhes exige:Como também costuma acontecer, mais de uma dessas interpretações pode ser tecnicamente correta, segundo aqueles métodos que aprendemos
288 SILVA, Antônio Álvares da. Dispensa coletiva. Tribunal Regional do Trabalho, 2009. Disponível em <http://www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/93_dispensa_coletiva.pdf>. Acesso em 29 jan. 2009.289 Como era o caso da estabilidade decenal.
140
na escola; mas isso não impede que haja uma leitura ótima, do ponto de vista social ou político. 290
Entretanto, o legislador constituinte, ao remeter a matéria à lei complementar,
o legislador presidencial, ao denunciar a Convenção 158, e antes disso o STF, ao
entender não ser ela auto-aplicável, aparentemente sedimentaram a questão,
impondo a exigência de lei complementar.
Mas é necessário que os operadores do Direito tenham coragem para adotar
o que aqui se propõe; é preciso que os advogados, ao se depararem com situações
de dispensa imotivada, exponham aos seus clientes essa linha de pensamento e
postulem nesse sentido e, mais ainda, que os julgadores adotem uma postura
ativista e sentenciem da maneira que parece mais consentânea com o Direito do
Trabalho e seus princípios.
Assim, devem ser considerados quatro tipos de dispensa.291 Em primeiro
lugar, existe a despedida imotivada ou arbitrária, que não é aceita pela Constituição
Federal. Em seguida, figura a dispensa motivada, mas sem justa causa (ou, de
acordo com a doutrina alemã, dispensa socialmente justificável), que provoca o
pagamento da indenização equivalente a 40% sobre os depósitos do FGTS. Em
terceiro lugar, existe a dispensa com justa causa, nos termos do art. 482 da CLT,
devidamente comprovada, e que dá ensejo ao término do contrato sem nenhum tipo
de indenização. E por último existe a despedida discriminatória, cuja definição e
efeitos estão previstos na Lei n. 9.029/95, dentre eles a reintegração ou indenização
compensatória.
Como se verifica, somente a dispensa imotivada não possui uma
consequência definida expressamente em lei. Mas, sendo um ato ilícito, abusivo, e
que fere o princípio da dignidade da pessoa humana, devem as coisas retornar ao
seu estado anterior. Ou seja, a decisão que se impõe é a reintegração do
empregado ao posto de trabalho. Tal reintegração só não seria determinada caso
seja desaconselhável, em razão de incompatibilidade resultante do dissídio, na
esteira do que previa a CLT em relação à estabilidade decenal. Nesse sentido:Além disso, constitui preceito da teoria geral do direito que a declaração da nulidade do ato deve reconstituir as coisas no estado em que se
290 VIANA, Márcio Túlio. Trabalhando sem medo: alguns argumentos em defesa da Convenção n. 158 da OIT. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 34, n. 130, p. 153-164, abr. 2008, p. 160.291 Aqui se segue o mesmo entendimento exposto em MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.
141
encontravam antes da realização do ato anulado. Ora, se a dispensa do empregado estava proibida, a declaração de sua nulidade motiva conseqüentemente, a determinação da reintegração, como forma de se retomar o status quo. A indenização, como meio de compensação do prejuízo causado pelo ato nulo, aparece apenas alternativamente, na impossibilidade de concretização da reversão dos fatos.A reintegração ao emprego, ademais, constitui a fórmula mais eficaz de cumprir o direito a sua função social.292
Em caso de impossibilidade de reintegração, os critérios para fixação da
indenização devem ser buscados pelo julgador, da mesma maneira que em outras
situações. Assim, o juiz deve levar em conta o dano sofrido, a necessidade do
empregado e a possibilidade do empregador. Além disso, pode socorrer-se dos
mesmos parâmetros utilizados para os casos de estabilidade decenal e para os
casos de dispensa discriminatória:O fato é que, com o tempo, num exercício de erros e acertos, a jurisprudência, mais sábia que o legislador no que se refere ao tratamento de casos concretos, saberá fixar, de forma mais definida, os contornos dessa indenização, que não se limita, como dito acima, de forma alguma, ao valor de 40% do FGTS. Lembre-se, a propósito, que não é raro o processo de integração do sistema jurídico feito pela jurisprudência, com apoio na doutrina.293
Por outro lado, a iniciativa do legislador em regulamentar a matéria acabaria
de uma vez por todas com todas as celeumas. Até porque é patente a necessidade
dessa regulamentação para o caso das dispensas coletivas. E, para tanto, a
Convenção 158 da CLT oferece excelente supedâneo para uma legislação sobre a
garantia de emprego.
Lembre-se que tramita no STF Ação Declaratória que questiona sobre a
validade do decreto que denunciou a Convenção da OIT. A ADIn ainda não foi
julgada em definitivo e existe a possibilidade, ainda que remota, de ser julgado
procedente o pedido para considerar que a denúncia da Convenção 158 da OIT foi
feita de maneira inconstitucional. Assim entendido, a Convenção estaria em pleno
vigor no ordenamento jurídico brasileiro.
Mas diz-se remota a possibilidade desse julgamento favorável, tendo em
vista que, embora já tenham sido proferidos dois votos partidários da
inconstitucionalidade do decreto, o STF já demonstrou em outras oportunidades que
tem um posicionamento muito retrógrado no que diz respeito ao tema da proteção 292 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.293 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Proteção contra a dispensa arbitrária e aplicação da Convenção 158 da OIT. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 25, 2004. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev25Art1.pdf>. Acesso em 25 mar. 2007.
142
contra dispensa arbitrária. Isso ficou bem claro quando do julgamento da ADIn 1480-
3, que questionava a própria Convenção 158, e cuja decisão cautelar afastou a auto-
aplicabilidade da Convenção.294
Assim, caso o STF julgue procedente o pedido da ADIn, reconhece-se a
vigência da Convenção 158 da OIT no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo,
para sua efetiva aplicação, seria necessária a regulamentação dos seus dispositivos.
Portanto, embora o ordenamento jurídico pátrio ofereça todos os instrumentos
para que se coíba a dispensa arbitrária, poderia ser introduzido um sistema mais
completo de garantia de emprego, através de legislação complementar, que
observasse os seguintes aspectos:
Exigência de motivação para dispensa, que deve se basear em motivos
ligados ao empregado ou ao empregador.
Os motivos ligados ao empregado devem se enquadrar em uma hipótese de
justa causa, ou decorrer da capacidade ou comportamento do empregado
(nos mesmos moldes da Convenção 158) e os relacionados ao empregador
devem ser de ordem tecnológica, econômica ou financeira.
Obrigatoriedade de comunicação por escrito ao empregado contendo os
motivos da dispensa.
Previsão de procedimento de defesa do empregado em caso de dispensa por
motivo relacionado a sua pessoa.
Disciplina das dispensas coletivas, que estabeleça participação das entidades
sindicais, com tentativas de atenuação dos seus impactos sociais.
Estabelecimento de um tempo mínimo para aquisição da estabilidade e
previsão de exclusão de certas categorias, como por exemplo, os
trabalhadores com contrato de trabalho a prazo determinado.
Explicitação de critérios para fixação da indenização em caso de dispensa
arbitrária.
Mas, lembrando-se, a regulamentação viria para disciplinar a dispensa
coletiva e colocar fim às controvérsias sobre o assunto, sendo certo que o
ordenamento jurídico tal como se encontra hoje já possibilita que o intérprete
sancione as despedidas imotivadas, tendo em vista a sistematicidade do ramo
justrabalhista, que se pauta pela proteção ao hipossuficiente, e tendo como veio
294 Como visto no capítulo anterior, posteriormente foi julgado extinto o processo sem julgamento do mérito em razão do Decreto de denúncia da convenção.
143
iluminador o princípio da dignidade da pessoa humana, a impedir que sejam os
trabalhadores tratados como meros instrumentos de produção.
Assim,se foi a palavra que criou o mundo, a palavra também pode salvá-lo ou quando menos fazê-lo melhor, dentro de um ordenamento jurídico, que precisa ser interpretado em consonância com as necessidades do contraentes individual e coletivamente consideradas, mas sempre de acordo com o interesse social, que está estampado na lei e no rosto de cada um de nós.295
CONCLUSÃO
Esta dissertação estudou a estabilidade no emprego, bem como a sua
aplicabilidade, de maneira a tornar real e concreto para os trabalhadores o princípio
da dignidade da pessoa humana.
O tema da estabilidade poderia ser analisado de acordo com diversos
referenciais teóricos. Dentre eles, pode-se destacar a teoria da aplicabilidade das
normas constitucionais, fonte analítica da eficácia da norma contida no art. 7º, I, da
Constituição Federal. Importantes também as teorias de Direito Internacional, para
verificação do processo de ratificação e denúncia da Convenção 158 no
ordenamento jurídico brasileiro. Um estudo do Direito Civil também seria de grande
valia para o tema em debate, perquirindo sobre a natureza jurídica do ato de
dispensa do empregado, e assim verificar os seus limites.
Entretanto, optou-se por aprofundar o estudo tendo em vista a dignidade
humana e sua caracterização como princípio, pois, embora muitas vezes pareça
carregado de teorizações e muito distante da realidade, este princípio está presente
no dia a dia de todas as pessoas. E todos nós, a todo o momento, estamos
buscando uma existência digna, aqui entendida a dignidade em todos os seus
aspectos: acesso a bens e utilidades materiais, afirmação junto à família e à
sociedade, possibilidade de fazer escolhas de maneira livre e segura.
E, para a grande maioria, uma existência verdadeiramente digna somente
pode ser alcançada pelo trabalho.
Quase todos os demais ramos do Direito têm como foco direitos e obrigações
de órgãos governamentais, de pessoas jurídicas, de Estados e suas relações entre
295 RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O novo código civil, a proteção ao emprego e o velho contrato de trabalho. Virtuajus, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, dez. 2003. Disponível em <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/O%20NOVO%20CODIGO%20CIVIL%20E%20O%20VELHO%20CONTRATO%20DE%20TRABALHO.pdf>. Acesso em 06 jan. 2009.
144
si, enquanto o ramo justrabalhista trata da pessoa natural, e existe exatamente
porque a face mais humana do indivíduo é a necessidade de sobrevivência, que o
faz vender a sua força de trabalho e se submeter ao poder econômico.
Nesse sentido é que se torna tão importante analisar qualquer norma
trabalhista à luz da dignidade humana, pois o objetivo precípuo dessas normas é
conferir humanidade a uma relação tão árida que é a que decorre do conflito entre
capital e trabalho.
Da mesma maneira, o estudo da história do trabalho e do Direito do Trabalho
configura uma tentativa de contornar e corrigir as distorções trazidas pelas novas
formas assumidas pelo capital, para que aquele ramo jurídico possa efetivar as
funções às quais se propõe, de forma a propiciar a realização plena da dignidade
dos trabalhadores.
Essa abordagem histórica permitiu uma reflexão: a permanência, nos dias de
hoje, da necessidade de corrigir a desigualdade entre as partes na relação de
emprego, porque mais do que nunca o capital se encontra forte e opressor e o
trabalhador sem chance de negociação diante dele. Por isso, não há que se falar em
declínio ou superação, mas transição do Direito do Trabalho como conhecemos hoje
para um mais moderno, que assimile as transformações do capitalismo, mas que
também permita uma atuação concatenada com suas funções primordiais.
A marca do Direito do Trabalho, então, e que o diferencia dos demais ramos
jurídicos, é a busca pela igualdade real, ou jurídica, objetivando situar no mesmo
plano os sujeitos da relação laboral, conferindo melhores condições de pactuação da
força de trabalho.
Nesse prisma, verificou-se que, para concretização do princípio da dignidade,
não se pode permitir que o trabalhador seja excluído da relação de emprego por
mera vontade do empregador, sem que este sequer mencione os motivos
ensejadores de tal exclusão.
O exame da legislação comparada, iluminada pela norma da OIT, possibilitou
que se vislumbrasse que a estabilidade no emprego não é só utopia, mas realidade
possível e praticada nos países que optaram por levar a sério o princípio da
proteção, tão caro ao Direito do Trabalho.
É certo que não se podem esquecer os aspectos econômicos. Naturalmente
que uma estabilidade absoluta no emprego engessa a atividade econômica, e assim
o empregador fica impossibilitando de se reorganizar em caso do avanço
145
tecnológico ou mesmo de dificuldades econômicas, como as que parecem se
desenhar no horizonte. Por outro lado, o empregado tem o direito de, no mínimo,
saber por que motivos está sendo despedido, e se esses motivos de fato podem
implicar na dispensa.
Com isso, foi possível compreender que é imperativo que se estabeleça no
Brasil uma efetiva proteção do emprego contra a despedida arbitrária. Mas não foi
tão difícil chegar a esse entendimento, uma vez que a doutrina, em sua grande
maioria, e a própria realidade demonstram os males que a falta dessa proteção
acarreta.
Em prosseguimento, concluiu-se que o ordenamento jurídico brasileiro, tal
como se encontra hoje, apresenta os mecanismos necessários para essa efetivação.
Basta que se busque amparo no princípio da dignidade, para iluminar as normas
jurídicas pertinentes, exigindo-se uma postura ativa dos intérpretes nesse sentido.
De qualquer maneira, a regulamentação do instituto pelo legislador
infraconstitucional seria a solução que poria fim a todas as dúvidas, discussões e
perplexidades, dando lugar a um sistema completo de estabilidade no emprego,
disciplinando inclusive a dispensa coletiva.
O importante é jamais esquecer que o trabalho é forma de distribuição de
riqueza, mas não só. O trabalho realizado em condições seguras, com qualidade,
com reconhecimento de direitos e de maneira estável é fonte de solidariedade, de
realização, de alegria,de felicidade humana e de concretização da dignidade.
146
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