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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 3822 A EDUCAÇÃO RURAL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1931 -1937) Cinthya de Oliveira Nunes 1 Introdução A análise de fatos nos discursos das revistas pedagógicas é um campo de tensões entre o fato real e a narrativa de quem a escreve. Trata-se de pensar a construção de uma opinião pública sobre questões centrais para a sistematização da educação na revista Infância e Juventude durante a segunda metade da década de 1930. Entretanto, como ressalta Jean Jaques Beker , “ Preocupar-se com a opinião publica não é um ideia nova. Há muito tempo que as obras de história fazem alusão à opinião pública” (2003 p. 185). Ao pensar sobre esse lugar de observação e, analisar como se constituiu uma opinião pública pelos debates de um dos muitos periódicos educacionais durante a década de 1930 no Brasil é uma tentativa de tentar explicar o particular pelo geral. Caminho pelo qual, as particularidades são contempladas na pesquisa como um amplo contexto de reconstrução do social. A perspectiva microhistória pretende repensar sobre conceitos herdados de uma história social mais totalizante, Jacques Revel (1998) ressalta que analisar o micro pelo macro, não se trata de pensar uma história sobre a outra e, sim refletir sobre um novo dado que é capaz de trazer para o contexto outras formas para delinear o objeto e, até mesmo dar a ele outras considerações. Para Revel, existem diversas possibilidades em que a escolha de uma delas define o caminho que o pesquisador irá percorrer. Ao escolher uma determinada escala podemos dar maior visibilidade a um aspecto ou outro, como uma lente que pode aumentar e diminuir, esta escolha é um fator determinante para o rumo da investigação. A abordagem micro-histórica é profundamente diferente em suas intenções e seus procedimentos. Ela afirma em principio que a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimento. Variar a objetiva não significa apenas aumentar ou (diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modelar sua trama (RAVEL, 1998, p. 20). Convém pensar que, a escolha de impressos pedagógicos para objeto de análise requer do pesquisador uma fundamentação sobre esta escala. De acordo com os estudos de Luca 1 Mestranda em Educação Processos Formativos e Desigualdades Sociais pela Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP). E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 3822

A EDUCAÇÃO RURAL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1931 -1937)

Cinthya de Oliveira Nunes1

Introdução

A análise de fatos nos discursos das revistas pedagógicas é um campo de tensões entre

o fato real e a narrativa de quem a escreve. Trata-se de pensar a construção de uma opinião

pública sobre questões centrais para a sistematização da educação na revista Infância e

Juventude durante a segunda metade da década de 1930. Entretanto, como ressalta Jean

Jaques Beker , “ Preocupar-se com a opinião publica não é um ideia nova. Há muito tempo

que as obras de história fazem alusão à opinião pública” (2003 p. 185). Ao pensar sobre esse

lugar de observação e, analisar como se constituiu uma opinião pública pelos debates de um

dos muitos periódicos educacionais durante a década de 1930 no Brasil é uma tentativa de

tentar explicar o particular pelo geral.

Caminho pelo qual, as particularidades são contempladas na pesquisa como um

amplo contexto de reconstrução do social. A perspectiva microhistória pretende repensar

sobre conceitos herdados de uma história social mais totalizante, Jacques Revel (1998)

ressalta que analisar o micro pelo macro, não se trata de pensar uma história sobre a outra e,

sim refletir sobre um novo dado que é capaz de trazer para o contexto outras formas para

delinear o objeto e, até mesmo dar a ele outras considerações. Para Revel, existem diversas

possibilidades em que a escolha de uma delas define o caminho que o pesquisador irá

percorrer. Ao escolher uma determinada escala podemos dar maior visibilidade a um aspecto

ou outro, como uma lente que pode aumentar e diminuir, esta escolha é um fator

determinante para o rumo da investigação.

A abordagem micro-histórica é profundamente diferente em suas intenções e seus procedimentos. Ela afirma em principio que a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimento. Variar a objetiva não significa apenas aumentar ou (diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modelar sua trama (RAVEL, 1998, p. 20).

Convém pensar que, a escolha de impressos pedagógicos para objeto de análise requer

do pesquisador uma fundamentação sobre esta escala. De acordo com os estudos de Luca

1 Mestranda em Educação Processos Formativos e Desigualdades Sociais pela Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP). E-Mail: <[email protected]>.

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(2008, p.113), no século XIX e início do século XX o contar dos fatos eram feitos de forma

neura, o pesquisador jamais poderia se envolver com objeto, pois, era necessária a

confirmação dos fatos pela ciência. O saber científico precisava ser experimentado, analisado

e comprovado para assim ser considerado exato. Neste sentido não caberia uma construção

histórica pela interpretação de impressos. Ainda que esta concepção tenha sido criticada pela

Escola dos Annales como registrou Luca, não havia sido suficiente para o reconhecimento

desse material. No entanto, esse panorama começou a mudar nos finais do século XX pelas

metodologias de outros campos como a sociologia e a antropologia, por exemplo. Tais

campos foram primordiais para os historiadores repensarem a utilização de objetos até então

pouco notáveis para a história.

A face mais evidente do processo de alargamento do campo de preocupação dos historiadores foi a renovação temática, imediatamente perceptível pelo titulo das pesquisas, que incluíam o inconsciente, o mito, as crianças, as mulheres, aspectos do cotidiano, enfim uma miriade de questões antes ausentes do território da História. Outros menos visíveis apesar de talvez mais profundas, apontavam para a ‘passagem de um paradigma em que análise macroeconômica era primordial para uma História que focaliza os sistemas culturais’, a fragmentação da disciplina, o esmaecer do projeto de uma História total e o interesse pelo episodio e pela diferença (LUCA, 2008, p.113).

Argumentou Luca (2008, p.113) que esse novo olhar sobre a história teve grande

influência dos renovadores do marxismo como Raymond Williams e Thompson na chamada

revolução copernicana ao propor olhar a historia vista por baixo, pelas camadas sociais

menos favorecidas. A autora afirma o fortalecimento da história social ancorada em plano

antropológico e sobre as representações sociais. Apesar das variações nas diferentes

correntes da pesquisa do campo histórico é interessante observar como os desafios propostos

no olhar micro histórico que confrontou o olhar do historiador como um programador de

acontecimentos configurou uma abordagem sob o olhar da microhistória. Ao revelar que é

possível narrar um acontecimento na perspectiva dos pequenos detalhes da trama geral. Com

esse olhar, esta pesquisa tenta investigar como a construção de opinião da revista Infância e

Juventude pode anunciar e até mesmo interferir nas decisões acerca da sistematização da

educação brasileira.

Para além da escola e do lar: a Revista Infância e Juventude

De acordo com Gondra e Suasnábar,

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Formação pela prática, normalização, processos de recrutamento, conferências pedagógicas, sociedades de socorro mútuo, associações literárias e outras modalidades de agremiações, bibliotecas e livros constituem alguns dos dispositivos que configuram as políticas voltadas para a racionalização do trabalho pedagógico. Ao lado desse conjunto de ações que, no limite, definem e modelam a configuração dos saberes pedagógicos e a própria disciplina da pedagogia, é possível observar a emergência e proliferação de diversos impressos de destinação pedagógica, sejam eles jornais, revistas, anuários, relatórios e material traduzido (2015, p.3).

Nesta proliferação de impressos pedagógicos que se intensificaram no século XX, a

revista Infância e Juventude, constituiu-se como periódico para orientar a escola e o lar na

cidade do Rio de Janeiro. Com o ideal de transformar-se em um órgão nacional, divulgava as

atividades do país em torno do problema educacional. Ao anunciar questões centrais para o

debate de construção da sistematização do ensino na qual, os debates acerca da Educação

Rural e do Plano Nacional de Educação, assumiram destaque nas discursões.

Nos anos de 1936 a 1937, a revista Em questão apresentou temáticas acerca da

educação brasileira como: política, educação, higiene, cultura, praticas escolares, entre

outros. Esteve à frente da revista como diretor responsável e editor proprietário, Renato

Americano que a editou em sua própria gráfica: Oficinas Gráficas de Infância e Juventude,

além dessa produção também fazia impressão de livros e executavam outras impressões e

edições, de todos os gêneros, como relatava uma das suas campanhas constantes nas edições

dos anos de1936 e1937. Entre o corpo diretor também estavam o diretor técnico J. Moreira

de Souza, membro da Diretoria Nacional de Educação, e como secretaria Stella Aboim,

professora que ministrava aulas de História natural e desenho, integrante da Liga dos

professores. De acordo com o jornal Diário de Notícias de 1931, Stella Aboim esteve na IX

Conferência Nacional de Educação como diretora desta liga.

A identificação do corpo editorial deste periódico ainda é um grande mistério, pois, há

poucos indícios sobre o editor proprietário e fundador da revista, Renato Americano.

Intrigante perceber que nos primeiros números ele aparece como diretor responsável e,

compondo o corpo editorial estava Stella Aboim e J. Moreira Souza. Já, a partir da quarta

edição do ano de 1936 até os finais do ano de 1937, só consta seu nome como editor fundador,

e diretor administrativo. Vale ressaltar que tanto a Stella quanto J. Moreira de Souza estavam

relacionados á outros movimentos. Como foi mencionada acima, Stella Aboim estava

fortemente ligada nas campanhas da Liga dos professores e Joaquim Moreira Souza diretor

da instrução pública no Ceará (1934), coordenou a 6º Conferência Nacional de Educação em

Fortaleza (Cavalcante, 2000). Nesta revista, representou a Diretoria Nacional de Educação

em muitas publicações, ao trazer proposta de metodologia de ensino para a Escola Rural,

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diferentemente da participação de Renato Americano na revista que não esteve relacionado

há nenhum grupo de professores ou movimento social, e não teve artigos publicados. Fato

que nos remete a questionar se ele realmente esteve na tomada de decisões.

Ao analisar a estética e a forma deste periódico pedagógico, percebe se que segue um

padrão, a sua capa era composta apenas o nome da revista com letras em destaque e o nome

dos colaboradores. A capa se manteve igual desde a sua fundação até os finais de 1937. Vale

ressaltar que a Infância e Juventude foi criada nos primeiros meses de 1936, pois, de acordo

com os periódicos disponíveis no acervo da Biblioteca Nacional em Agosto de 1936 a revista

estava no primeiro ano na terceira edição mensal.

Figura 1- Capa do periódico Infância e Juventude, 1936.

Acervo da Biblioteca Nacional

Com objetivo de reunir contribuições de representantes mais notáveis do magistério

nacional, no Distrito Federal e nas outras localidades federativas. A revista Infância e

Juventude, contou com a colaboração de educadores instáveis, que mudavam mensalmente,

entre eles: Alba Canizares, Dulce Botelho, Gustavo Capanema, Heitor Villa Lobos, Renato

Kehl, Francisco Venâncio Filho, Lourenço Filho, Sebastião Maçarenhas e Orminda Marques

e, os efetivos que auxiliavam na redação da revista.

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TABELA 1- QUADRO DOS EDUCADORES EFETIVOS

COLABORADORES EFETIVOS

INSTITUIÇÕES

Afrânio Peixoto Associação Brasileira de Educação (ABE) e Universidade do Distrito

Federal.

Isaias Alves Conselho Nacional de Educação.

Leoni Kaseff Assistente técnico da Universidade do Brasil.

Helena Antipoff Escola de aperfeiçoamento de Belo Horizonte.

Maria dos Reis Campos Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal

Oliveira Viana Academia Brasileira de Letras/ Consultor do Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio.

Teixeira de Freitas Conselho diretor da ABE

Fonte: Dados coletados in loco pelo autor, fev. 2016.

Por meio de seus membros podemos afirmar que grande maioria do seus

colaboradores estavam relacionados com a instrução pública nacional. Com exceção apenas

para Oliveira Viana e Teixeira de Freitas que não tiverem seus nomes mencionados em

artigos do periódico. Seus assinantes pagavam anualmente os valores de simples de 18$000 e

com registro de 22$000 no Brasil, 22$000 e 28$000 no exterior, respectivamente. Para

exemplares avulsos era cobrada uma taxa de 2$000 e atrasado de 3$000.

A redação era localizada na Redação, Oficinas próprias e Gerencia Rua Alzira

Brandão, 39 no Rio de Janeiro. Apesar destas informações acerca do corpo editorial,

constatar de fato as interferências desses educadores na configuração da revista é uma tarefa

árdua. O próprio ano de publicação nos sugere informações sobre esse órgão de informação.

Em 1936, foi criada a revista Infância e Juventude por Renato Americano mas, por qual

motivo foi fundada? Este ator social estava a serviço de alguém? Quem? Havia interferência

política? Quais eram os grupos envolvidos? Havia influência de instituições? Quais eram as

instituições pedagógicas e de ensino? Convêm neste momento, múltiplas interpretações, mas,

de fato repensar sobre esses papéis exercidos sobre um periódico nos possibilita reconstruir

um cenário que não está dado. Cabe ao pesquisador a análise deste periódico como fonte e

como objeto para construir essa trama.

Em 1936, ano de criação da revista, a direção do país estava nas mãos do presidente

Getúlio Vargas, na situação de Governo constitucional (1934-1937). Na qual a criação da nova

Constituição (julho de 1934), possibilitou grandes avanços como o voto secreto, voto

feminino, a obrigatoriedade do ensino primário e, determinou a votação do próximo

presidente por meio de eleição na Assembleia Constituinte e, assim Getúlio foi eleito

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(POLLETI 2012). Ainda na Era Vargas, no chamado Estado Novo, no qual Getúlio outorgou

uma nova Constituição antes da primeira eleição nacional e continuou no poder em 1937.

Nesta configuração política nacional essa fonte se fundou e circulou. Embora não

tenha dados sobre a influência direta com o Ministério da Educação, encontra-se em seus

colaboradores efetivos membros associados ao governo como: Isaias Alves do Conselho

Nacional de Educação que contribuiu com artigos relacionados ao Ensino primário, Ensino

Rural, Ensino profissional e Educação de Adultos no Plano Nacional de Educação. O

educador, escritor e médico Afrânio Peixoto também esteve nesse período como colaborador

efetivo, estava à frente da Universidade do Rio de Janeiro e foi participante ativo da

Associação Brasileira de Educação. Educador engajado que ocupou cargos de direção no

ensino público na qual, criou a inspeção médico-hospitalar, empenhou se na formação

docente ao trabalhar no Instituto de Educação, além de várias publicações em torno dos

livros didáticos, medicina legal, critica literária, entre outros, apresentou vários artigos na

Infância e Juventude sobre as Universidades, Bilhete pedagógico, organização escolar,

Ensino secundário.

A educadora e psicóloga Helena Antipoff nascida na Rússia veio para o Brasil em 1929

á convite do governo de Estado de Minas Gerais para implantar a reforma de ensino

conhecida como Reforma Francisco Campo-Mario Casassanta. De acordo com Campos (2003

p. 209-210),

A reforma, uma das mais importantes iniciativas de apropriação do movimento da Escola Nova ocorridas no Brasil, previa a implantação de uma Escola de Aperfeiçoamento de Professores, dedicada à graduação de normalistas que viriam a assumir a efetiva transformação do ensino fundamental na rede de escolas primárias que foi rapidamente ampliada. No projeto da Escola, uma grande ênfase foi dada ao ensino da psicologia, então considerada, entre as ciências da educação, como a mais fundamental.

Por sua trajetória na psicologia, como estudante e assistente de Édouard Claparède no

Instituto Jean Jacques Rousseau, ela implementou os estudos e a pesquisa na Reforma e, ao

aceitar o convite implementou e coordenou o Laboratório de Psicologia da Escola de

Aperfeiçoamento. Logo no início da sua direção nessa escola na década de 1930, criou um

acervo para sua documentação, Museu da Infância. Neste trabalho, desenvolveu práticas

renovadoras na educação voltada ao atendimento de crianças excepcionais2, testes de

inteligência, classes homogêneas e especiais e, Escola ativa, em uma perspectiva de psicologia

experimental na qual as alunas na medida da sua prática faziam seus estudos e observações,

2 Termo da época, criado pela pioneira no tratamento de crianças com necessidades mentais e intelectuais.

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criou a Sociedade Pestalozzi para buscar soluções à exclusão social, além de muitas outras

inovações na educação rural, fez ações pedagógicas na fazenda do Rosário. Esta criou a

metodologia de ensino rosariana que fui difundida em cursos de formação de professores

rurais e outras instituições de ensino rural no país. Na Infância e Juventude, Helena Antipoff

fez colaborações importantes acerca da formação profissional, trabalho escolar,

desenvolvimento social da criança e aproveitamento pedagógico.

Assim como, Leoni Kaseff contribuiu com o debate em torno da função da Escola

Rural, questões e sugestões para o Plano Nacional de educação e a educação regional.

Membro da Associação Brasileira de Educação, Academia de Ciência da Educação, assistente

técnico da Universidade do Rio de Janeiro e professor catedrático no Liceu Normal de

Niterói, Leoni Kaseff participou dos debates em torno do Plano Nacional de Educação,

elaborando contribuições acerca do anti-projeto em 1936.

Na reconstrução educacional do país, que se projeta, nenhum dos meios eficientes da reforma deverá ser esquecido. Mas é preciso não alvidar que a mobilização dos fatores de renovação seria incompreensível e ineficaz sem a previa e exata definição das propostas alcançar. Não basta elaborar um plano teoricamente perfeito, que por seu artificialismo, não se enquadre no conjunto da vida e dos interesses reais da nação. Um plano supõe a propositura de claras fins a atingir, para as quais representa um sistema de meios e que, por seu turno, pressupõem o conhecimento preciso das necessidades atender (KASEFF, 1936, p. 366)

Para ele, o Plano Nacional de Educação deveria ser um plano que de fato tivesse

utilidade no ensino brasileiro, considerando as realidades brasileiras pra identificar os

problemas e assim, construir um plano de consciente e eficaz. Ao identificar algumas

dificuldades no tratar da educação Leoni kaseff, percebeu que era preciso uma consciência

cívica, profissional e sanitária.

Professora do Instituto de Educação, Maria dos Reis Campos participava da

Associação Brasileira de Educação na qual, teve uma viagem patrocinada para os Estados

Unidos com um grupo de professores para analisarem métodos de ensino, que resultou no

seu livro Escola Moderna (CELESTE FILHO, 2015). Nos finais da década de 1920, foi

Superintendente durante a administração de Fernando de Azevedo na Instrução Publica,

também atuou ativamente nos movimentos de reforma educacionais de Anísio Teixeira na

década de 1930. Neste periódico Maria dos Reis Campos, publicou artigos sobre Bibliotecas

escolares, Literatura Infantil, Civismo e sobre o desenvolvimento de responsabilidade na

criança.

Enquanto Renato Americano, Oliveira Viana, e Teixeira de Freitas, não são

mencionados no interior da revista, seja por artigo publicado ou menção em outros artigos.

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Os demais colaboradores efetivos: Afrânio Peixoto, Isaias Alves, Helena Antipoff, Leoni

Kaseff e Maria dos Reis Campos aparecem facilmente nos debates educacionais do Rio de

Janeiro durante as décadas de 1920 e 1930 relacionados na configuração da Instrução

pública do país, na Associação Brasileira de Educação e na revista Infância e Juventude.

Além dos artigos dos colaboradores efetivos e gerais de cada número e o debate

político do Plano Nacional de Educação, era de costume divulgar na seção de legislação o

andamento de leis e projetos como: Veto ao Projeto de lei que dispensa do Curso

Suplementar os estudantes do Curso Secundário, na edição de 1936 nº 3; pareceres diversos;

O Ensino Emendativo no Plano Nacional de Educação, sugestões para um anteprojeto;

menções do Padre Arlindo Vieira quanto a reforma do ensino secundário; O trabalho do

Conselho Nacional de Educação; O novo currículo do Ensino Secundário; A volta do Bom

senso; Curso complementar uniforme; Benemerência do Ministro da Educação e do

Conselho; o anuncio do novo diretor do Departamento Nacional de Educação. Além das

legislações aprovadas: Circular nª, 200, de 1ºde Junho de 1932 do Ministério de Educação e

Saúde- Departamento Nacional de Educação, 1937 nº 13; Lei Nº452 de julho de 1937, que

organiza a universidade do Brasil e a publicação da demissão do Dr. Lourenço Filho do

Departamento Nacional de Educação, 1937 nº 14; o Boletim 181 da Universidade do D.

Federal, 1937 nº 15, entre outros.

Ao assumir uma neutralidade em suas posições, advertia nas edições dos anos de 1936

e 1937:

ADVERTENCIA Esta revista, absolutamente isenta de qualquer sectarismo e dentro de um espirito de ampla tolerância, tem por única e sincera finalidade o estudo das questões que, sob qualquer aspecto se relacionem com a educação de nossa mocidade.Encontra-se neste campo neutro, a liberdade indispensável aos verdadeiros estudiosos das ideias pedagógicas, cujas opiniões aparecerão sem nenhum constrangimento, dentro dos razoáveis limites da ética e sob a imensa responsabilidade de cada qual. Não havendo, aqui, incompatibilidade de nomes, as reservas que porventura tenhamos de opor aos trabalhos recebidos visarão exclusivamente manifestas impropriedades de assunto e nunca simplificarão ocultas restrições e pessoas (INFÂNCIA E JUVENTUDE. 1936, p. 364).

No entanto, percebe-se que por meio dos conselheiros da revista, publicações de

membros do Conselho Nacional, integrantes da Instrução Pública, do Departamento

Nacional de Educação, Diretoria de ensino, e membros de Associações de professores, não

caberiam aqui uma analise de posição neutra. Pelo contrário, é oportuno pensar sobre uma

política de educação liberal na defesa de uma reconstrução da educação nacional sobre

intervenção do Estado. A representação dos membros do governo do Estado e membros da

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Associação Brasileira de Educação configurou se uma rede de relações nas quais os debates

desta associação ganhavam destaque no interior de uma revista que se classificava como

neutra e apartidária, como a própria ABE se auto determinou nos primórdios da sua criação

na direção de Heitor Lyra (1924). Esta Associação e o Ministério de Educação e Saúde

estavam tanto nos debates internos quanto no registro das suas atividades na qual toda

edição contava com as seções Registo e, Instruindo e divulgando que descreviam as

festividades, atividades cotidianas, inaugurações, recebimentos, circulares, comunicados,

convites, e outras ações pedagógicas, nas quais a Associação Brasileira de Educação ganhou

notoriedade em várias publicações dessas seções.

Por um Plano Nacional de Educação em 1936

A década de 1930 estabeleceu mudanças significativas no cenário político nacional,

pois, compôs o momento no qual, o governo passa a dedicar se com a campanha nacional de

educação. Após o sucesso da Revolução de 1930, terminava a política das oligarquias e

iniciou se a chamada República Nova, na qual era chefiada pelo presidente Getúlio Vargas.

Em prol de uma campanha política, Vargas passou a participar de alguns movimentos

educacionais, constituindo o Ministério de Educação e Saúde Pública no país, sobre

influência dos reformadores da educação (LEMME, 1984, p. 170). Francisco Campos foi

nomeado ministro da educação, neste momento estava associado a construção da Quarta

Conferência Educacional da Associação Brasileira de Educação, assegurando assim, uma

relação próxima aos interesses e articulações que permeavam o congresso. Ao atuar em

conjunto no Ministério de Educação e na participação da Conferência, Francisco Campos

elaborou os decretos: “o de nº 19.850, criando o Conselho Nacional de Educação”, “o de nº

19.851, que instituía o Estatuto das Universidades Brasileiras” e, o de “nº 19.852, que

dispunha sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro” (LEMME, 1984, p. 171).

No entanto, percebe-se que por meio dos conselheiros da revista, publicações de

membros do Conselho Nacional, integrantes da Instrução Pública, do Departamento

Nacional de Educação, Diretoria de ensino, e membros de Associações de professores, não

caberiam aqui uma analise de posição neutra. Pelo contrário, é oportuno pensar sobre uma

política de educação liberal na defesa de uma reconstrução da educação nacional sob

intervenção do Estado. Neste sentido, a representação dos membros do governo do Estado e

membros da Associação Brasileira de Educação configurou se uma rede de relações nas quais

os debates desta associação ganhavam destaque no interior de uma revista que se classificava

como neutra e apartidária, como a própria ABE se autodeterminava nos primórdios da sua

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criação na direção de Heitor Lyra (1924). Esta Associação e o Ministério de Educação e Saúde

estavam tanto nos debates internos quanto no registro das suas atividades na qual toda

edição contava com as seções Registo e, Instruindo e divulgando que descreviam as

festividades, atividades cotidianas, inaugurações, recebimentos, circulares, comunicados,

convites, e outras ações pedagógicas, nas quais a Associação Brasileira de Educação ganhou

notoriedade em várias publicações dessas seções.

TABELA 2 - ARTIGOS SOBRE A EDUCAÇÃO RURAL NA INFÂNCIA E JUVENTUDE (1936-1937)

AUTOR TÍTULO DA OBRA Nº/ P. / ANO.

Noemia Saraiva de Mattos Cruz

Ensino rural 1/ 29/ 1936

Isaias Alves Ensino Normal, urbano e rural 2/ 85/ 1936

Redação O Ensino na zona Rural 3/ 151/ 1936

J. Moreira de Souza Metodologia do Ensino primário na Escola Rural 3/ 193/ 1936

Redação A assistência rural em São Paulo 3/ 204/ 1936

Gilberto Gonzaga Romeiro As endemias Rurais no meio Escolar Verminose e

impaludismo 3/ 206/ 1936

Sociedades dos Amigos de Alberto Torres

O clube Agrícola Escolar e sua correlação com os matérias do programa de ensino primário

3/ 229/ 1936

Leoni Kasef Função Civilizadora da Escola na Zona Rural 4/ 245/ 1936

J. Moreira Souza

Metodologia do Ensino Primário na Escola Rural 4/ 261/ 1936

Gilberto Gonzaga Romeiro As endemias rurais no meio escolar verminose e

impaludismo 5/ 342/ 1936

J. Moreira de Souza:

Metodologia do Ensino primário na zona rural 6/ 385/ 1936

J. Moreira de Souza:

A Escola primária nas zonas de açudagem 12/ 752/ 1936

Dulce Botelho Junqueira Ensino Rural, Unidade Nacional e Constituição 12/ 760/ 1937

Total: 14 artigos

Fonte: Dados coletados in loco pelo autor, mar. 2016.

Neste período, Teixeira de Freitas passa a integrar o Conselho Diretor da Associação

e, posteriormente colaborador efetivo da Infância e Juventude. É interessante observar que

a Associação Brasileira de Educação (ABE) constrói relações bem definidas com os poderes

políticos do país, fato este que demarca uma ruptura ainda maior com interesses associados

ao movimento político que Heitor Lyra almejou. A relação entre a Associação e o poderio

público nacional continua a campanha educacional com objetivo de construir um

pensamento cultural do país, para isso precisava se investir na educação popular. No que

tange tal relação, os estudos de Marta Carvalho (1986) apontam que para Nóbrega Cunha tal

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aproximação acontece de forma contrária, pois, ao lançar o Manifesto dos Pioneiros (1932), o

grupo de intelectuais da Associação Brasileira de Educação (ABE) consolidou uma aversão à

relação partidária com o governo provisório. Em contrapartida aos relatos de Nóbrega

Cunha, a autora defende que havia um grupo envolvido no desenvolvimento político

educacional que buscava por meio da Associação Brasileira de Educação (ABE), um ambiente

propício á promoção de uma campanha política.

Nesta configuração política, a Infância e Juventude publicou os questionamentos e as

metas dos seus colaboradores ao Plano Nacional de Educação, que assumiu o núcleo de

interesses dos assuntos tratados na revista. Na tentativa de elaborar um plano participativo, o

Ministério de Educação e Saúde lançou em 1936 um questionário para as instituições de

professores e ensino do país, aquelas com prestígio educacional e intelectual.

Em resposta, a edição de Agosto de 1936 trouxe a configuração do Plano sob a luz dos

seus colaboradores. Já em seu primeiro artigo “O ensino na Zona Rural” a redação composta

por J. Moreira de Sousa (diretor técnico), Stella Aboim (secretaria) e Renato Americano

(diretor responsável e editor proprietário), anuncia a importância do movimento do

Ministério de Educação que recolhia dados e a opinião publica por meio de um questionário

para as diversas corporações de fins educacionais a pensar o ante projeto que seria

apresentado ao Poder Legislativo em poucos dias “Todos os preparativos estão se tornando

urgentes, para que o Brasil tenha em breve, rota segura , definitiva e clara , no tratar da

matéria de importância capital do preparo de sua gente para uma civilização” (INFÂNCIA E

JUVENTUDE, 1936, p. 153).

Ideias em ação: Discursos ruralistas no periódico educacional

Como forma de disseminar seus ideais, a Associação Brasileira de Educação divulgava

as ações e pesquisas de intelectuais envolvidos no movimento de renovação educacional entre

seus congressos, boletins e periódicos pedagógicos, bem como seus ideais difundidos na

revista Infância e Juventude² em 1936, por meio dos atores sociais que participaram da

Associação entre eles Isaias Alves, J. Moreira de Souza, Leoni Kaseff, e outros membros da

ABE que também participaram do movimento ruralista integrando-se a Sociedade de Amigos

de Alberto Torres, entre eles: Fernando de Azevedo, Belisário Penna e Sud Menunci

(NICOLAU, 2015).

O movimento ruralista circulava na cidade por meio dos debates produzidos nas

sociedades envolvidas, congressos e conferências, nas quais destacarei a seguir parte da

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produção acerca do discurso produzido sobre a educação rural na revista Infância e

Juventude como parte desta campanha pela educação do rural que ganhava força na cidade.

O discurso em questão tratou-se de metodologias específicas para o ensino rural retiradas

dos artigos produzidos neste periódico, no ano de 1936, por Leoni Kaseff e J.M. de Souza.

Ao problematizar a função civilizadora da educação rural nos seus estudos, Leoni

Kaseff (1936) chamou atenção ao momento de por em prática as discursões sobre educação

nacional, para ele o tempo emergia aspirações eficazes com base na realidade do país. Como

medida de intervenção crítica ao modelo educacional, Kaseff propôs uma educação pautada

em um plano emancipatório, na crença de que a escola com um projeto bem conduzido

poderia ser uma chance de emancipação econômica e cultural do país (KASEFF, 1936, p.

247).

Não basta, pois, para ser rico, deixar-se embalar em berço de ouro e pedrarias...E’necessário saber levantar-se e caminhar. Para entrar na posse de todos os bens de que a natureza prodigamente aquinhoou o Brasil, mistés se faz multiplicar os valores humanos capazes de pôr em circulação o capital oculto nas entranhas da terra generosa nas caudalosas cursos, nas rumorosas quedas e na prodigiosa sucessão das praias oceânicas. (KASEFF, 1936, p. 246)

Em suas concepções, ficou clara a intenção de despertar a consciência nacional às

realidades brasileiras, na qual se configurava uma escassez de ações educativas para as

diversas realidades nacionais. Assim, como nas cidades, os moradores do campo faziam parte

de um projeto de nação que se configurava pela ascensão do progresso, e para isso, era

necessário um real investimento na moral, na ética, na arte na instrução dos trabalhadores.

Neste sentido, Kaseff propôs novos rumos para a educação nacional, tendo como principio

fundamental o ensino rural. Com base nos ideais da Escola Nova, sugeriu uma forma

diferente para além dos modelos educativos prontos advindos de realidades mais

desenvolvidas, pois, era preciso conhecer o Brasil e suas peculiaridades para construir um

projeto educativo atento à solução dos reais problemas.

A educação inda a melhor, não é uma receita, nem para todos os tempos, nem para melhor quaisquer situações. A orientação do ensino, pra representar um fator construtivo da grandeza de um povo, deve inspirar-se nos progressos da ciência e da democracia, mas só pode ser determinada pelo sentido próprio das aspirações nacionais, dentro das possibilidades reais do tempo e do meio. Cumpre, portanto, consultar aquelas aspirações e essas possibilidades, antes de pôr a seu serviço um sistema apropriado de organização escolar (KASEFF, 1936, p. 247).

Em sua concepção, a escola moderna, precisa estar atenta a realidade social do seu

grupo de acesso, como agencia viva da sociedade. No entanto, diferentemente da cidade, o

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campo necessita de maiores investimentos de cooperação social e trabalho que possibilite

maior integração entre o sujeito do campo e o meio em que vive. Nesta configuração a escola,

assume um papel central na socialização do individuo, ao deixar de ter uma única função, e

possibilitar a formação integral do aluno.

Neste sentido podemos compreender a escola como micro-sociedade que pode

organizar-se regionalmente até a esfera nacional, na qual o aluno poderia ter no interior da

escola centros sociais, entre métodos de ensino e de trabalho, conforme a realidade da

comunidade em que vive. Logo, uma escola rural como práticas de agricultura e a pesca,

deverá prever atividades tanto de leitura, escrita, cálculo e ciências, quanto às atividades

manuais voltadas ao interesse do campo. No entanto, ainda que Kaseff elaborasse propostas

avançadas para sua época na valorização do aluno como sujeito inserido em um meio social

que deve ser compreendido e pensado pela escola, seus ideais como o discurso da época

concebiam uma escola moralizadora, que institui normas e comportamentos a fim de moldar

a sociedade por meio de um projeto civilizatório homogêneo. Assim,

A escola não se destina nem a ser uma cópia servil do que de imperfeita existe, nem a converter o cérebro da criança em colmeia de noções mirabolantes. A escola tem que ser uma face da própria vida, mas tanto possível depurada de senões, que lhe cumpre e deve imperiosamente ser aparelhada para corrigir. Ela deve melhorar a família e a sociedade, por meio de normas mais perfeitas, de modelos mais desejáveis de trabalho e de vida. Assim a escola se tornará um agente de transformações uteis, não apenas um aparelho de adaptação a condições necessárias já existentes. (KASEFF, 1936, p. 248)

Desta forma, Kaseff, sugere que pensemos a escola como lócus de adestramento social

na cidade e principalmente no campo, na qual organizações e formas de trabalho chegam

mais lentamente. A escola, nesta perspectiva assumia um duplo papel, de formar e adestrar,

por meio de hábitos saudáveis á população. As ações sugeridas por kaseff são muitas, dentre

elas, bibliotecas, filmotecas, rádio educativas, museu, circulo de pais e mestres, clube

agrícola, entre outras atividades complementares que a escola rural deveria ter. Além disso,

indica a potencialidade de transformar a escola rural em uma agência de iniciação econômica

e profissional, ao criar espaços de estudos, experimentação de técnicas e venda de produtos

agrícolas para que o aluno aprenda a prática do ofício paterno. Para ele, ao trazer a profissão

dos pais para a escola, a criança poderá se sentir incentivada a permanecer na escola,

diminuindo assim a evasão escolar.

Como terceira ação, Leoni Kaseff elucide em transformar a escola em uma associação

que ele denominou como “centro de convergência dos interesses locais” (KASEFF, 1936,

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p.250). Este plano prevê a escola como um lugar social transmissor de educação,

ética, hábitos e cultura, como forma de expor aos rurais o progresso advindo pela cidade, ao

suprir as carências do Estado com a sociedade rural. Eis a escola salvadora, aquela que em

meio á escuridão, poderá trazer a luz pelo seu compromisso e zelo pela pátria. E, seus

professores missionários do progresso.

O papel do discurso produzido nos impressos e nas Conferências educacionais nos

ajuda a constituir essa trama, na qual o olhar do pesquisador sobre as fontes é um fato

decisivo para interpretar o passado. Os estudos de Leoni Kaseff nos apontam para uma

continuidade do debate promovido acerca da educação popular nas Conferências Nacionais

de Educação. Em uma perspectiva que vê na educação o caminho para reparar a população,

Deodato de Morais na Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), argumentou sobre

a primazia do desenvolvimento das indústrias agrícolas para o futuro do Brasil, sendo

necessária a educação escolar da população do campo, que carecia de instruções mínimas

para seu bom funcionamento no trabalho.

É na escola popular que devem nascer a tradição agrícola e o prestígio do trabalho da a. É ela que tem de dar combate renhido a rotina industrial e comercial, agrícola, pastoril, extrativa e manufatureira, por uma instrução aprimorada e eminentemente prática, que ensine a explorar os campos, a adubar a terra, a descobrir as águas, a criar gado, ave, abelha, a fazer queijo e manteiga, a extrair, preparar, armazenar e vender o que a natureza dá ao trabalhador humilde mas incansável (MORAES, p, 195. 1927).

Diante desta ótica, projetava se para a população rural, uma educação pautada nos

conhecimentos específicos do trabalho na lavoura, a fim de aprimorar a produção agrícola em

cada zona rural. Corroborando com tais aspectos, podemos notar na argumentação de J. M.

de Souza para a revista Infância e Juventude, uma preocupação com a metodologia a ser

aplicada, não bastava criar escolas que trabalhassem da mesma forma que as escolas

urbanas, tanto o espaço quanto as aulas direcionadas a zona rural deveriam ser adaptadas ao

meio, com aulas específicas discernidas por profissionais capacitados para um trabalho

diferenciado com aulas de agronomia, horticultura, higiene e outras disciplinas que

capacitassem amplamente o trabalhador. A escola ganha forma de utilidade social, ainda que

Souza aborde questões centrais para educar o aluno do campo de forma que consiga

habituar-se em qualquer local, percebe-se novamente a intenção da educação voltada ao

trabalho. Para que educar os meninos da roça? A quem serviria uma mão de obra mais

qualificada? Tais perguntas me levam a crer em um projeto de homogeneização dos corpos,

na qual a educação era moldada para atender aos interesses econômicos do Estado.

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Entretanto, esse modelo desleixa a capacidade do aluno em aprender, ainda que em

ambiente rural. Souza prioriza métodos de ensino que somente ensine ao sertanejo o básico

para sua sobrevivência no campo, justifica o fracasso escolar pelas escolas utilizarem

métodos e conteúdos que não fazem parte da vida do educando.

E’ que hoje não tivemos, senão excepcionalmente, escolas rurais, no sentido exato do termo, escola útil ao homem do campo, que moureja desajudado de ensinamentos e de assistência capazes de elevares o seu nível de vida, material e espiritual. A escola que o serve forma desadaptados e infelizes, por despertar idéas que não condizem com as suas preocupações comuns, e ainda por deformá-lo, física e intelectualmente (SOUZA, 1936, p. 263).

Priorizava-se uma escola útil à sociedade, pois, sua criação se justifica pela finalidade

atribuída. Logo, uma escola rural baseada nesses moldes deveria atuar com métodos e

atividades pedagógicas baseadas no preparo do futuro trabalhador rural. Nesta escola

encontramos suas especificidades que se diferenciam em espécie, entre rural e urbana. Sobre

isso, Souza questiona se realmente deve ter uma metodologia diferente para as espécies

escolares.

A escola assumia um papel fundamental na formação das massas, na configuração de

uma escola que almejava produzir o futuro trabalhador. Cada disciplina contava com modos

específicos na abordagem com os alunos, seja por método indutivo, dedutivo, analítico ou

sintético. A educação rural em questão teria como foco centralizar seus interesses em

comunidades sociais que atuem em conjunto com a escola, o clube agrícola foi importante

aliado nesta perspectiva, atuando como ponte articuladora entre a educação escolar e a

familiar através do trabalho agrícola, além dos outros centros de interesse que a escola

pudesse formar.

Embora, incentive o clube agrícola nas escolas rurais como parte de uma luta da

Sociedade de Amigos de Alberto Torres3, Souza ressalta a carência de profissionais

especializados para aplicarem boas formas de ensino. Não basta bons projetos a serem

realizados por profissionais de baixa formação, porém em meio de ausência desses cabe aos

professores das escolas urbanas o caminho dessa prática.

Um ‘clube agrícola’ junto em cada escola rural, é o que se impõe a todos a vós que tendes responsabilidades pela eficiência do ensino que vós está confiado no meio das populações rurais, a fim de que esta seja o mesmo ponto de partida para a formação integral do cidadão útil á Pátria, como fator valioso de seu progresso e de engrandecimento econômico (SOUZA, 1936, p. 388).

3 Grupo de intelectuais fundamentados sob os ideais de Alberto Torres.

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Com a perspectiva de tornar a escola útil aos alunos do campo, o clube agrícola na

escola permitirá que os alunos tivessem uma educação em contato com a natureza, em uma

relação recíproca entre a ciência e a experiência. Por meio desta troca, segundo Souza (1936),

o professor perceberia as capacidades e aptidões dos alunos, a fim de aprimorá-los ao longo

do tempo. Por meio do contato com a natureza o aluno aprenderia a ser um homem forte

capaz de defender-se das endemias e doenças. Neste sentido, o clube agrícola construía uma

ponte entre o saber formal e informal, ao possibilitar o aluno o contato direto com as ciências

e a prática dos agricultores, por meio das experiências com a natureza, o aluno teria a

possibilidade de aprender valores, desenvolvimento da inteligência e observação.

Inquestionavelmente, despende-se tempo no arranjo e no trato do Clube: mas o que se quer é favorecer a atividade da criança, para maior proveito de seus labores intelectuais, que é ideal em sã a boa pedagogia. Em vez dos chamados trabalhos manuais, as vezes enfadonhos e mortificados, o trabalho na horta, no pomar ou no jardim, com a multiplicada vantagem de despender atenção, fortificar a vontade, desenvolver as habilidades manuais e mentais, dar o habito e o gosto pelo esforço produtivo, além do senso de economia, de cooperação, pela atividade e, conjunto com o que haverá ainda ensejo de se estimular, formar e firmar o sentimento de lealdade e justiça (SOUZA, 1936, p. 390).

Esta metodologia aplicada no clube agrícola, formaria a base de educação para as

outras disciplinas em sentido interdisciplinar, ao trazer o trabalho agrícola para a realidade

escolar. Como forma de metodologia para o ensino da leitura e escrita, ciências, geografia,

história aritmética e geometria, favorecendo o trabalho pela terra e amor a pátria em uma

obra cívica. Tal metodologia foi desenvolvida por J. Moreira de Souza em parceria com a

Sociedade de Amigos de Alberto Torres, na qual ressalta a importância desse grupo no trato

da educação rural no país como parte de um ideal de escola que recorre a práticas declaradas

contrárias as políticas educacionais tradicionais, mas que no seu seio semeiam o interesse em

adestrar os corpos ao trabalho agrícola.

Algumas considerações

Observar o aparecimento desse impresso em um período de transformações políticas

acerca da construção de um sistema educacional nos remete a pensar sobre os diferentes

debates utilizados pela revista na divulgação dos ideais dos educadores e dos representantes

do Estado na formação de uma opinião pública. Nesse sentido, este trabalho investiu no

estudo da configuração da revista Infância e Juventude, como um espaço de circulação das

propostas, projetos e ações educacionais. Com esse olhar, tratamos de analisar os

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representantes, agentes e colaboradores da revista e suas relações com os movimentos e

políticas educacionais no Brasil.

No caminhar dessa trama percebe se a grande influência desse periódico na formação

do futuro da educação rural e dos ideais para a organização do ensino brasileiro. Pensar nos

debates produzidos é dar voz aos professores, dirigentes, intelectuais e instituições sobre o

projeto de nação que se almejava. Embora o Plano Nacional de Educação tenha se

engavetado pelas posições ditatoriais que o país tomou na década de 1940. O movimento

idealizador da revista, a fim de formar uma opinião em prol da educação nacional tencionou

a tomada de decisões do Conselho Nacional de Educação acerca da formação do Plano

Nacional de Educação. Pensar no periódico como fonte e como objeto oportuniza a

interpretação das múltiplas opiniões que circularam por meio deste, para o planejamento da

educação nacional.

Referências

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