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  • 7/25/2019 Escolhas de vida e Representaes Sociais da Universidade pblica entre jovens ex-alunos da escola pblica

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    DAVID ANDERSON ROMEROS DE ASSIS

    ESCOLHAS DE VIDA E REPRESENTAESSOCIAIS DA UNIVERSIDADE PBLICA

    ENTRE JOVENS EX-ALUNOS DA ESCOLAPBLICA

    So Joo del-ReiPPGPSI-UFSJ

    2010

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    DAVID ANDERSON ROMEROS DE ASSIS

    ESCOLHAS DE VIDA E REPRESENTAESSOCIAIS DA UNIVERSIDADE PBLICA

    ENTRE JOVENS EX-ALUNOS DA ESCOLAPBLICA

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado emPsicologia da Universidade Federal de So Joo del-Rei, como requisito parcial para a obteno do ttulo deMestre em Psicologia.

    rea de Concentrao: PsicologiaLinha de Pesquisa: Processos Psicossociais eScio-Educativos

    Orientador: Carlos Henrique Souza Gerken

    So Joo del-ReiPPGPSI-UFSJ

    2010

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    A Dissertao Escolhas de vida e representaes sociais da universidade pblica

    entre jovens ex-alunos da escola pblica

    elaborada por David Anderson Romeros de Assis

    e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de

    Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de So Joo del-Rei como requisito

    parcial obteno do ttulo de

    MESTRE EM PSICOLOGIA

    So Joo del-Rei, 08 de Novembro de 2010

    BANCA EXAMINADORA:

    __________________________________________Prof. Dr. Carlos Henrique Souza Gerken - (UFSJ)

    Orientador

    __________________________________________Profa. Dra. Claudia Andra Mayorga Borges - (UFMG)

    __________________________________________Prof. Dr. cio Antnio Portes - (UFSJ)

    PROGR M DE

    MESTR DO EM

    PSICOLOGI

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    AGRADECIMENTOS

    Deus,em primeiro lugar e acima de tudo.

    minha me, que sua maneira, soube entender e sempre apoiou o meu empreendimento.

    Lud, que com seu companheirismo tornou mais suave esta travessia.

    Mrcia, irm querida, que nos ensina todos os dias a tornar a vida um pouco maissimples.

    A todos da famlia Romeros: a minha vitria tambm de vocs.

    A todos os amigos queridos, companheiros de viagem, que torceram de forma sincerapara esta conquista.

    Aos amigos, Elton Lara, Betto, Rodrigo, Vanicee Renato Melo,que foram para mimmodelos de sucesso via escolarizao, inspirao e apoio para seguir esta caminhada.

    Aos amigos, Dinei, Eliane, Keyla, Alex, Lorena e Marcos, por meio deles agradeo atodos que se fizeram presentes, entendendo o momento que estava passando.

    Aos inmeros moradores da Repblica Casa de Orates, principalmente queles que setornaram irmos durante o tempo de convivncia.

    Aos queridos companheiros de jornada da Sociedade Sanjoanense de Estudos Espritas,instituio na qual eu recarregava constantemente as minhas energias.

    Aos mestresde toda uma vida que me ensinaram para alm do que imaginam.

    Aos professores, Helvcio Reis, Valria Kemp, Ivanize, Fernando(Coelho), RuthBernardes, Nivalda, Kety, Waltere Murilo Leal, que me ensinaram cada um suamaneira, muito mais do que eu poderia aprender em sala de aula.

    Aos tcnicos, Teca e Marcelo, que alm de bom servidores, foram grandes amigos.

    Ao meu orientador, Henrique, pela rica contribuio, pacincia e principalmenteaceitao.

    Aos professores, cio Portes, Lcia Afonso, Jlio Rocha, Marquinhose Marlia Mata

    Machado, cuja ajuda foi fundamental na construo deste trabalho.

    Escola Estadual Doutor Garcia de Limapela colaborao na pesquisa.

    Aos sujeitos investigadosque gentilmente nos cederam seu tempo e testemunho.

    FAPEMIG, pela bolsa e pelo apoio pesquisa.

    E finalmente, UFSJ, instituio que amei desde o incio e que foi e ser definitiva nasconquistas presentes e futuras.

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    Se voc pudesse me dizer

    Se voc soubesse o que fazer

    O que voc faria

    Aonde iria chegar?

    (Paulo Ricardo / Raphael PinheiroVida Real)

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    RESUMO

    Este trabalho teve como objetivo investigar as razes que interferem para que ex-alunos

    procedentes de escola pblica considerem a possibilidade de dar continuidade carreira

    estudantil em uma universidade pblica. Importam, sobretudo, os aspectos simblicos

    dessa questo, que so construdos na vivncia psicossocial dos sujeitos. Para tanto, nos

    propusemos a investigar: (a) as escolhas de vida efetuadas pelos sujeitos, (b) as razes de

    suas escolhas, (c) as estratgias que foram utilizadas para efetiv-las e (d) as

    representaes sociais construdas por eles sobre a universidade pblica e como essas se

    relacionam com suas escolhas. Com a expanso do Ensino Mdio ocorrida nas ltimas

    dcadas, vimos o nmero de concluintes desse nvel de ensino chegar, em 2008, a mais de

    dois milhes de alunos. Do total de concluintes, 85,5% pertencem escola pblica. Nesse

    momento de encerramento do ensino bsico, a maioria desses egressos, jovens na faixa

    etria entre 17 e 24 anos, precisa enfrentar os problemas das escolhas de vida em relao

    ao seu futuro. A fim de conhecermos o caminho que seguiram aps a concluso do Ensino

    Mdio, foi aplicado um questionrio em 36 sujeitos que concluram essa etapa escolar em

    2007, em uma escola estadual de So Joo del-Rei. Em seguida, foram separados dois

    grupos de seis sujeitos, compostos por uma caracterstica distintiva: os que prestaram

    vestibular e ingressaram em uma universidade pblica e os que no prestaram vestibular

    algum. Com esses sujeitos, foram realizadas entrevistas em profundidade, utilizando como

    referencial terico a teoria das representaes sociais de Serge Moscovici (1978, 2003), e

    como referencial metodolgico, a anlise de contedo proposta por Bardin (1977). Os

    resultados mostram que, para o grupo dos que ingressaram na universidade, a

    representao social da universidade pblica serve como suporte de uma mobilizao para

    o ingresso na instituio. Para o outro grupo, as representaes sociais construdas

    constituem obstculos simblicos para o ingresso e contribuem para justificar escolhas queafastam os sujeitos da perspectiva do acesso universidade pblica. Conclumos, ainda,

    que h um espao de construo de representaes sociais que remete nova realidade da

    acessibilidade nas universidades pblicas. Por fim, os resultados mostraram que o mundo

    do trabalho uma via privilegiada para a ancoragem de representaes sociais que

    aproximam a escola pblica de ensino bsico e a universidade pblica.

    Palavras-chave:representaes sociais, Ensino Superior, Ensino Mdio, democratizaodo acesso.

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    ABSTRACT

    This paper had as aim investigating the reasons that interfere so that ex-pupils, from public

    schools, consider the possibilities of giving continuity to the student career in a public

    university. It matters, above all, the symbolic aspects of this problem, which are

    constructed in the psychosocial living of the individuals. For this, we proposed to

    investigate: (a) the life choices effectuated by the individuals, (b), the reasons of their

    choices, (c) the strategies which were used to effectuate them and (d) the social

    representations which were constructed concerning the public university and how these

    social representation are related with their choices. With the expansion of High School,

    which occurred in the last decades, we so the number of concluders of this level to

    overcome two million students in 2008. 85% of the total of concluders belong to the public

    school. In this moment of basic education concluding, most of these egresses, young

    people between 17 e 24 years old, need to confront the problems of the life choices in

    relation to their future. To understand which were the destinies of these individual after the

    conclusion of the High School, it was applied a questionnaire for 36 individual who

    concluded the High School in 2007, in a So Joo del-Rei state school. In second place,

    two groups, with six individuals were separated, composed by a distinctive characteristic:

    those who tried vestibular and entered in a public university and the ones who did not tried

    any vestibular. There were made interviews with these individuals in deep using the social

    representation theory of Serge Moscovici (1978, 2003) as theoretical referential. And as

    methodological referential, the analysis of the purpose content by Bardin (1977). The

    results show that to the group of those who entered in the University, the social

    representation of the public university works as support of mobilization to an entry in the

    institution. To the other group, the constructed social representations constitute symbolicobstacles to the entry and contribute to justify the choices which keep the individuals way

    of the perspective of the access to the public university. We conclude still there to be one

    space of construction of social representation that remits to new reality of the accessibility

    in the public universities. At last, the results show that the job world is privileged via to the

    anchorage of social representation that approximates the basic public school and the public

    university.

    Keywords:social representation, Higher Education, High School, access democratization.

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    SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................. 14

    CAPTULO I - A TRANSIO DO ALUNO DA ESCOLA PBLICA PARA A

    UNIVERSIDADE PBLICA: O PROBLEMA DO PONTO DE VISTA SOCIAL

    E EDUCACIONAL ........................................................................................................ 18

    1.1 Expanso do Ensino Mdio: mais jovens aptos ao ensino superior.............................. 18

    1.2 Os jovens brasileiros e o mercado de trabalho ............................................................ 20

    1.3 A longevidade escolar e equidade no Ensino Superior ................................................ 27

    1.4 Aluno da escola pblica na universidade pblica ........................................................ 32

    CAPTULO II TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS E O CAMPO

    DA EDUCAO............................................................................................................ 40

    2.1 Uma leitura dos principais conceitos da Teoria das Representaes Sociais ................ 40

    2.2 Representaes Sociais na Educao: algumas contribuies...................................... 52

    2.3 Longevidade escolar entre os alunos nas camadas populares: um olhar

    da sociologia da educao ................................................................................................ 60

    CAPTULO III - CONCEPES METODOLGICAS E PERCURSO

    PRTICO DA PESQUISA ............................................................................................ 66

    3.1 Primeira fase: levantamento de perfil e escolhas feitas via questionrio ...................... 68

    3.2 Segunda fase: entrevista semiestruturadas .................................................................. 75

    3.2.1 Anlise de Contedo: mtodo para a identificao das representaes sociais ... 77

    CAPTULO IV - OS SUJEITOS, SUAS ESCOLHAS E AS REPRESENTAES

    SOCIAIS DA UNIVERSIDADE PBLICA ................................................................. 81

    4.1 Caracterizao dos jovens ex-alunos do Ensino Mdio de So Joo del-Rei,

    situao scio-econmica, insero social e escolhas de vida ........................................... 824.1.1 Eixo ADados cadastrais ................................................................................ 82

    4.1.2 Eixo BPerfil dos sujeitos ............................................................................... 83

    4.1.3 Eixo CPerfil econmico e de consumo .......................................................... 85

    4.1.4 Eixo DEscolaridade dos pais ......................................................................... 87

    4.1.5 Eixo EHistria recente de escolhas educacionais e profissionais ................... 88

    4.1.6 Eixo FInsero profissional .......................................................................... 94

    4.1.7 Eixo GQuestes complementares .................................................................. 954.1.8 Sntese das escolhas de vida aps o Ensino Mdio ............................................ 97

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    4.2 Razes das escolhas e estratgias dos Grupos N e U ................................................... 98

    4.2.1 Apresentao individual dos sujeitos do Grupo N ............................................. 99

    4.2.2 As razes das escolhas do Grupo N ................................................................ 104

    4.2.3 As estratgias do Grupo N .............................................................................. 107

    4.2.4 Apresentao individual dos sujeitos do Grupo U ........................................... 108

    4.2.5 As razes das escolhas do Grupo U ................................................................ 113

    4.2.6 As estratgias do Grupo U .............................................................................. 115

    4.2.7 Comparao entre os grupos ........................................................................... 116

    4.3 Representaes sociais da universidade pblica construdas pelos Grupos N e U ...... 119

    4.3.1 Diferenas e semelhanas entre os grupos ....................................................... 125

    CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 133

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 144

    ANEXOS ...................................................................................................................... 154

    ANEXO 1: Questionrio ......................................................................................... 155

    ANEXO 2: Roteiro de perguntas para a entrevista semiestruturada.......................... 160

    ANEXO 3: Termo de consentimento livre e esclarecido .......................................... 161

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    LISTA DE TABELAS E QUADROS

    Tabela 1 Nmero total de vagas oferecidas, candidatos inscritos e total deingressantes conforme forma de ingresso nos anos de 2008, 2000, 1990 e

    1980 no Ensino Superior ................................................................................ 33

    Tabela 2 Nmero de concluintes no Ensino Mdio conforme modalidade e rede de

    ensino em 2008 .............................................................................................. 34

    Tabela 3 Controle de etapas de delimitao do nmero de sujeitos ............................... 74

    Tabela 4 Nmero de sujeitos segundo autodeclarao de cor/etnia ............................... 83

    Tabela 5 Nmero de sujeitos segundo caractersticas na moradia .................................. 84

    Tabela 6 Classificao dos sujeitos segundo o Critrio de Classificao Econmica

    Brasil (CCEB) ............................................................................................... 85

    Tabela 7 Levantamento de lares com determinados bens de consumo nas famlias

    dos sujeitos .................................................................................................... 86

    Tabela 8 Escolaridade dos pais dos sujeitos investigados .............................................. 87

    Tabela 9 Nmero de sujeitos que frequentou cursos preparatrios para vestibular e

    que prestaram vestibular ................................................................................ 89

    Tabela 10 Principal deciso tomada pelos sujeitos aps o Ensino Mdio ........................ 90

    Tabela 11 Atividade atual dos sujeitos investigados ....................................................... 91

    Tabela 12 Principal plano para o futuro dos sujeitos investigados ................................... 92

    Tabela 13 Cursos frequentados pelos sujeitos aps o Ensino Mdio ............................... 93Tabela 14 Cursos que os sujeitos investigados sentiram falta aps o Ensino Mdio ........ 94

    Tabela 15 Principais contribuies do Ensino Mdio segundo os sujeitos da

    pesquisa ......................................................................................................... 95

    Tabela 16 Significados associados a fazer um Curso Superior em universidade

    pblica ........................................................................................................... 96

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    Tabela 17 Contedos associados universidade pblica nas entrevistas dos sujeitos

    do Grupo N (frequncia, nmero de sujeitos que mencionaram o tema,

    pontos e percentagem dos temas conforme distribuio) .............................. 122

    Tabela 18 Contedos associados universidade pblica nas entrevistas dos sujeitosdo Grupo U (frequncia, nmero de sujeitos que mencionaram o tema,

    pontos e percentagem dos temas conforme distribuio) .............................. 123

    Tabela 19 Comparao entre o Grupo U e Grupo N dos contedos associados

    universidade pblica nas entrevistas (nmero de sujeitos que

    mencionaram o tema e percentagem dos temas conforme distribuio dos

    pontos) ......................................................................................................... 125

    Quadro 1 Nmero de ocorrncia dos cursos escolhidos pelos sujeitos que prestaram

    vestibular ....................................................................................................... 90

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    LISTA DE SIGLAS

    ABEPAssociao Brasileira de Empresas de Pesquisa

    CCEBCritrio de Classificao Econmica Brasil EADEducao Distncia

    EJAEducao de Jovens e Adultos

    ENEMExame Nacional do Ensino Mdio

    FAPEMIGFundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais

    FONAPRACEFrum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios eEstudantis

    IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICG - ndice Geral de Cursos da Instituio

    IESInstituies de Ensino Superior INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IPTANInstituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves

    LDBLei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    OITOrganizao Mundial do Trabalho

    OSCIPOrganizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PEAPopulao Economicamente Ativa

    PIBProduto Interno Bruto

    PNADPesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PNEPlano Nacional de Educao

    ProUniPrograma Universidade para Todos

    REUNIPrograma de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso dasUniversidades Federais

    SENAIServio Nacional de Aprendizagem Industrial

    SPAServio de Psicologia Aplicada do departamento de Psicologia da UFSJ.

    SUSSistema nico de Sade

    TCLETermo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UFBAUniversidade Federal da Bahia

    UFLAUniversidade Federal de Lavras

    UFPRUniversidade Federal do Paran

    UFSJUniversidade Federal de So Joo del-Rei

    UNICAMPUniversidade Estadual de Campinas

    UNILAVRASCentro Universitrio de Lavras

    UNIPACUniversidade Presidente Antnio Carlos

    USPUniversidade de So Paulo

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    INTRODUO

    Inicio esta dissertao descrevendo parte da minha histria de vida. Fatos que me levarama interessar pelo problema da relao do aluno de escola pblica com a universidade

    pblica. Fiz toda a minha trajetria escolar em escolas pblicas. Como perteno s

    camadas populares e morava no interior do estado de Minas Gerais, estudei em escolas

    prximas minha casa. At a oitava srie do Ensino Fundamental cursei o perodo diurno,

    com um bom rendimento e sem grandes percalos. Concomitante, pela necessidade de

    contribuir no oramento familiar, trabalhava em colocaes informais desde muito novo.

    Quando estava cursando a oitava srie do Ensino Fundamental, em meio a uma greve das

    escolas estaduais, consegui um emprego em tempo integral com possibilidades futuras de

    formalizao e passei a estudar no perodo noturno. Desse momento em diante, no foi

    fcil continuar os estudos. Uma reprovao e a quase desistncia, em alguns momentos,

    so lembranas que me ajudam a refletir o quanto esse perodo foi difcil e como a escolha

    pela continuidade dos estudos, pela concluso do Ensino Mdio, impunha uma srie de

    sacrifcios. Depois de conseguir o diploma do Ensino Mdio, fiquei cinco anos sem

    estudar, apenas trabalhando. Os possveis prximos nveis de escolarizao simplesmente

    no figuravam na minha mente. Era como se no houvesse, na poca, nenhuma referncia

    simblica sobre o Ensino Superior, as quais, s foram constitudas mais tarde no contato

    com outros grupos sociais. Decidido por retornar os estudos, optei por cursar uma

    faculdade particular prxima minha cidade e me inscrevi em um cursinho preparatrio

    para o vestibular. Nesse cursinho, chegou s minhas mos um folder de uma instituio

    escolar pblica de So Joo del-Rei que aproveitava, em seu processo seletivo, as notas do

    Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM). Como dispunha de boas notas no exame,

    resolvi prestar vestibular na referida instituio, para fazer um teste de como eu me

    sairia. Acabei sendo aprovado e me inserindo em uma universidade pblica, uma federal,

    instituio que eu praticamente desconhecia.

    Aproximadamente um ano aps a minha entrada na universidade, fui convidado pela

    escola onde havia cursado o Ensino Mdio para fazer uma palestra sobre o meu curso, em

    um espao oferecido aos alunos, destinado reflexo sobre as vocaes. J de posse de

    algum conhecimento da instituio na qual estava inserido, sugeri falar sobre a

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    universidade pblica e sua relao com os alunos da escola pblica. A escola concordou e

    a partir da, passei a fazer uma srie de reflexes que remontavam, no apenas minha

    trajetria escolar, mas ao jogo escolar, ao projeto de vida de alunos provenientes da escola

    pblica, em geral, e principalmente s suas relaes com a universidade pblica.

    Observando empiricamente, pude constatar que a maioria dos meus colegas de escola

    bsica que se tornou bem sucedida economicamente no passou pelo Ensino Superior.

    Alguns nem terminaram o Ensino Mdio. Esses sujeitos demonstraram, em geral, um

    esprito empreendedor e muita ousadia para alterar suas condies scio-econmicas. Pude

    observar tambm que foram poucos os colegas que conquistaram um lugar socialmente

    privilegiado, usando como estratgia a perseverana na escolarizao. Porm, na minha

    histria individual, depois de algum tempo experimentando alternativas que no

    prosperaram, como o emprego no comrcio ou montagem de um negcio prprio, a

    possibilidade de cursar a graduao numa universidade pblica mostrou-se uma alternativa

    vivel e posteriormente, representou uma mudana significativa na perspectiva de vida e

    de futuro. Desde ento, mesmo sabendo que cursar uma graduao pode no ser a melhor

    escolha para determinados perfis, comecei a querer compreender melhor porque a

    universidade pblica no aparece como uma alternativa concreta para a continuidade dos

    estudos de grande parte dos alunos provenientes de escolas pblicas.

    A partir daquele momento em que fui convidado pela direo de uma escola para dar uma

    palestra, minha vida acadmica no curso de Psicologia da Universidade Federal de So

    Joo del-Rei (UFSJ) passou a ser permeada por essa questo. Foram quatro anos

    desenvolvendo um projeto de extenso que auxiliava alunos de escola pblica a refletir, de

    forma crtica, sobre suas possibilidades de escolarizao em universidades pblicas,

    projeto que resultou numa bolsa de Iniciao Cientfica na qual se buscou compreenderquais as representaes sociais1 eram construdas por esses sujeitos sobre o acesso

    universidade pblica. Vislumbrei a possibilidade de cursar o mestrado, a oportunidade de

    lanar um olhar mais abrangente para esse problema e construir um conhecimento mais

    sistemtico sobre essa questo.

    1

    Segundo Denise Jodelet (2001), representaes sociais seria uma forma de conhecimento, socialmenteelaborada e partilhada, que tem um objetivo prtico e concorre para a construo de uma realidade comuma um conjunto social(p.22).

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    Deste modo me propus, no mestrado, a investigar de que forma a universidade pblica

    representada por sujeitos que cursaram a escola pblica e como essas representaes

    sociais se relacionam com suas escolhas de vida ps-Ensino Mdio, me perguntando

    tambm, quais so as razes sociais e simblicas de tais escolhas e as estratgias

    mobilizadas para efetiv-las. O intento identificar, para alm das questes objetivas, as

    questes simblicas que podem se constituir em obstculos para que esses sujeitos

    ingressem na universidade pblica.

    No capitulo I, apresentaremos a problemtica do ponto de vista social e educacional. Ser

    mostrado como a recente expanso do Ensino Mdio faz emergir o problema da insero

    dos jovens aps a escolarizao bsica, seja no mundo do trabalho ou dando continuidade

    aos estudos. Examinaremos a importncia do mundo do trabalho para os jovens e a

    dificuldade que estes tm de se inserir profissionalmente. Refletiremos sobre a necessidade

    do aumento da escolarizao do brasileiro e as consequncias que esse aumento pode ter

    no quadro de insero profissional dos jovens. Analisaremos ainda a iniquidade no Ensino

    Superior e as mudanas que vm transformando as perspectivas de escolarizao e

    impactando a relao entre estudantes de escola pblica e a universidade pblica. Ao final

    do captulo, retomaremos o problema de pesquisa, a hiptese defendida e os objetivos

    especficos deste trabalho.

    No captulo II, apresentaremos a fundamentao terica do estudo proposto focando,

    sobretudo, na teoria das representaes sociais e de sua aplicao no campo educacional.

    Faremos tambm uma breve descrio de estudos sociolgicos que se ocupam dos estudos

    sobre longevidade escolar nas camadas populares.

    No captulo III, descreveremos o percurso metodolgico, os procedimentos e instrumentosutilizados na pesquisa. Optou-se pela realizao de um estudo que articulasse uma

    perspectiva quantitativa com o uso de um questionrio que foi respondido por 36 sujeitos

    de um universo de 140 alunos provenientes de uma escola pblica do municpio de So

    Joo del-Rei. Posteriormente foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dois

    grupos de sujeitos, Grupo U, composto por aqueles que fizeram o vestibular e ingressaram

    na universidade pblica e Grupo N, caracterizado por aqueles que no fizeram vestibular e,

    portanto, no ingressaram na universidade pblica ou privada.

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    No captulo IV, tentaremos apresentar e analisar os resultados produzidos pela pesquisa,

    destacando as representaes sociais construdas pelos dois grupos de sujeitos, bem como a

    anlise das escolhas e das trajetrias de vida desses ex-alunos do Ensino Mdio.

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    Captulo I

    A TRANSIO DO ALUNO DA ESCOLA PBLICA PARA UNIVERSIDADE

    PBLICA: O PROBLEMA DO PONTO DE VISTA SOCIAL E EDUCACIONAL

    Acredita-se que a questo do acesso ao Ensino Superior seja parte de uma problemtica

    mais ampla, qual seja, a da insero do jovem que conclui o ensino bsico na sociedade s

    possibilidades de conquistas que se abrem para o seu futuro, bem como os limites que

    esto colocados a partir do seu lugar social. Esse ser o nosso ponto de partida e dele

    caminharemos para a especificidade do acesso do aluno proveniente da escola pblica

    universidade pblica na atualidade. Iniciamos mostrando como o Ensino Mdio se

    expandiu nas ltimas dcadas, colocando novos horizontes de possibilidades para esses

    sujeitos que so defrontados com a questo: continuidade da escolarizao ou interrupo

    do processo e a entrada no mercado de trabalho. Analisamos as dificuldades da relao do

    jovem com o mundo do trabalho, caracterizadas pelo desemprego e pela baixa qualidade

    das ocupaes e a possibilidade do aumento da escolarizao e da qualificao para

    melhorar as condies de insero nas prticas sociais. No terceiro tpico, apresentamos os

    nmeros que representam o baixo acesso ao Ensino Superior no Brasil. Examinamos a

    importncia do Ensino Superior para o desenvolvimento do pas, tal como a recente

    expanso e o problema da equidade nesse nvel de ensino. No ltimo tpico, analisamos a

    histria recente de oportunidades de acesso ao Ensino Superior pblico por parte dos

    egressos de escola pblica, trazendo a perspectiva do aumento de vagas e as polticas de

    ao afirmativa que geram impactos objetivos no aumento das oportunidades de

    escolarizao de estudantes das camadas populares. Finalizamos apresentando nossa

    experincia de enfrentamento da questo, retomando o problema de pesquisa, construindo

    a hiptese norteadora e explicitando os objetivos especficos do trabalho.

    1.1 Expanso do Ensino Mdio: mais jovens aptos ao Ensino Superior

    Atualmente temos um grande nmero de brasileiros em idade escolar que est cursando o

    Ensino Mdio. um direito do cidado, garantido pela Constituio Federal de 1988 e

    reafirmado na Lei n 9.394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases

    da educao nacional (LDB), nas quais se defende a universalizao do ensino bsico emais especificamente est prescrito que dever do Estado garantir a progressiva extenso

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    da obrigatoriedade e gratuidade do Ensino Mdio(Constituio, 1988, p. 34). O inciso II

    do artigo 208 da Constituio Federal que foi modificado pela emenda constitucional n 14

    de 12 de setembro de 1996, embora deixe, segundo Bachetto (2003, p.20), o estado numa

    posio mais confortvel, uma vez que diminui sua obrigao, ainda indica como

    atribuio do Estado a garantia da progressiva universalizao do Ensino Mdio gratuito

    (Emenda 14, 1996).

    Contudo, a expanso desse nvel de ensino para amplos setores da sociedade um

    fenmeno recente na histria da educao no Brasil. Segundos dados do IBGE2, em 1968 o

    nmero de matrculas iniciais para esse nvel de ensino era de 801.075, o que representava

    apenas 0,90% da populao. J em 2001, o nmero de matrculas havia aumentado em

    1.121% e eram registrados 8.983.866. Esse nmero significa um aumento real, pois a

    populao cresceu cerca de 189% no perodo (Bachetto, 2003). Com os dados mais atuais

    disponibilizados pelo INEP3, possvel precisar que, em 2008, havia 10.016.284 alunos

    matriculados no Ensino Mdio, nmeros que abarcam tambm o Ensino Mdio na

    modalidade de educao de jovens e adultos (EJA) (INEP, 2010c).

    A promulgao da LDB, em 1996, pode explicar parte desse crescimento, pois prope uma

    reorganizao das responsabilidades de cada esfera da Unio, de modo que os estados

    ficam incumbidos de oferecer prioritariamente o Ensino Mdio e os municpios

    responsveis pelas creches e pr-escolas, mas com prioridade para o Ensino Fundamental.

    A LDB ainda promulga que permitida a atuao das diferentes esferas de governo em

    outros nveis somente quando atendidas as necessidades das quais so prioritariamente

    incumbidas (Bachetto, 2003). Os impactos podem ser medidos em nmeros, pois apenas

    no perodo de 1995 a 2006, mais de 3,5 milhes de jovens foram includos no Ensino

    Mdio, representando um aumento de 65% no nmero de alunos (Nascimento, 2009). E ataxa de escolarizao dos jovens entre 15 e 17 anos, que em 1981 era de apenas 52,4%, vai

    para 59,7% em 1992 e chega a 82,3% em 2007 (IBGE, 2010d e Camarano, Pazinato,

    Kanso & Viana, 2003).

    Logicamente esse incremento da oferta veio atender a uma demanda da populao por

    maior escolarizao e por uma democratizao do acesso a esse nvel de ensino,

    2IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica3INEPInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira.

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    historicamente marcado no s pela pequena abrangncia, mas tambm pelo acesso

    desigual da populao, impactando principalmente os cidados mais pobres, os de cor/raa

    preta4, os das reas rurais e para o gnero feminino. Em termos gerais, em 1992, o nvel de

    escolaridade da populao com 15 ou mais anos de vida e com oito e mais anos de estudo

    era de 29,8%. Com o incremento da escolarizao, esse nvel cresce ano a ano at chegar a

    51% em 2006 (IBGE, 2010c). O maior alcance no Ensino Mdio dependia, contudo, de

    melhores resultados no Ensino Fundamental. Segundo Bachetto (2003, p.24):

    A ampliao [de atendimento do Ensino Mdio] s foi possvel por conta dasmodificaes que melhoraram o rendimento do sistema escolar na etapa anterior.Vrias polticas de correo de fluxo e combate evaso e repetncia foramintroduzidas no Ensino Fundamental. A organizao da escola em ciclos, asclasses de acelerao, a recuperao de frias e os programas de bolsa escola

    foram algumas das novidades implementadas em vrias regies do pas.

    Com o aumento de concluintes do Ensino Mdio, principalmente em relao populao

    de 18 a 24 anos, o pas passa a ter um grande contingente de jovens tendo de lidar com

    questes prprias da transio da escolarizao bsica para novas formas de insero

    social. Como alternativas aparecem basicamente trs opes: o ingresso no mercado de

    trabalho de forma prioritria, o ingresso no mercado de trabalho conjugado com a

    continuidade dos estudos ou estritamente o prosseguimento dos estudos, seja no Ensino

    Superior incluindo aqui a preparao em curso pr-vestibular ou no ensino

    profissionalizante. Para esses jovens, torna-se imprescindvel a construo de um projeto

    de futuro que implica na efetivao de escolhas mnimas capazes de lidar com as incertezas

    e dificuldades de realizao dos desejos frente s necessidades sociais, econmicas e

    culturais que pressionam os sujeitos. O resultado do enfrentamento das contradies

    psicossociais que envolvem esse perodo da vida, alm de contribuir para a formao

    identitria, refletir diretamente na sade mental dos sujeitos. Segundo dados, que sero

    mostrados ao longo deste estudo, a escolha concreta desses jovens, na maioria das vezes,relaciona-se com o mercado de trabalho. Cabe aqui ento discutir essa relao.

    1.2 Os jovens brasileiros e o mercado de trabalho

    As relaes que a juventude estabelece com o mundo do trabalho, juntamente com a

    educao e as demais questes especficas da condio juvenil vm, nos ltimos anos,

    4Estes termos so utilizados pelo IBGE.

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    sendo objeto de inmeras pesquisas que tentam compreender o problema e apontar os

    caminhos para as polticas pblicas. Como exemplos de trabalhos mais especficos nessa

    rea, optamos por trabalhar com Abramo (2005), Branco (2005), Camarano et al (2003),

    Guimares (2005), Raitz & Petters (2008), Rocha (2008), Sarriera, Silva, Kabbas & Lopes

    (2001), Sposito (2005) e Schwartzman & Cosso (2007).

    Segundo a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), o jovem pode ter a carteira assinada

    a partir dos 16 anos, porm, at os 18 anos, ele no pode trabalhar no perodo noturno e

    nem em condies perigosas e insalubres. Abaixo dessa idade, vetado o trabalho. So

    concedidas excees na condio de aprendiz, conforme a Lei n 11.180 de 23 de setembro

    de 2005, a partir dos 14 anos. Ou seja, antes dos 18 anos o trabalhador jovem se enquadra

    em uma categoria especial, com regras especficas. Nesse perodo, a lei privilegia a escola

    em relao ao trabalho e isso se reflete nos nmeros de ocupao da populao

    economicamente ativa (PEA). Segundo dados de uma pesquisa amostral, realizada em

    2003, com jovens de 15 a 24 anos de idade, na coorte5de 15 a 17 anos, 48% dos jovens

    ainda no esto na PEA. Esses nmeros evoluem de modo que, entre 18 e 20 anos, apenas

    19% ainda esto fora da PEA. Dos 21 aos 24 anos, 92% dos jovens fazem parte da PEA.

    (Abramo, 2005). Contudo, lanando um olhar mais acurado para as estatsticas, pode-se

    verificar que o reflexo da legislao6 nos nmeros da PEA se d, na prtica, de forma

    bastante tmida. Analisando dados da mesma pesquisa, Sposito (2005) comenta o resultado

    que mostra que, nesse perodo, 36% dos jovens brasileiros trabalhavam; 40% estavam

    desempregados e 24% fora da PEA:

    Apesar do incremento da escolaridade, o que em tese aproximaria os jovens dascondies socioculturais de um modelo moderno da condio juvenil,caracterizado pelo acesso aos sistemas de ensino dissociado do mundo dotrabalho, os investigados situam-se majoritariamente na rbita do trabalho, pois

    para 76% dos jovens essa dimenso est em seu horizonte vital (p.102).

    Por outro lado, analisando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD),

    de 2005, sobre os indivduos de 6 a 25 anos, Rocha (2008) mostra que, no Brasil, a

    dedicao exclusiva escola se d de forma predominante at os 18 anos. Nessa idade, h

    um equilbrio entre estudo e trabalho, de modo que 53,5% continuaram frequentando a

    5Termo estatstico utilizado na bibliografia que significa grupo de pessoas com caractersticas comuns.6

    No apenas as leis trabalhistas, mas principalmente as que tratam da educao. Atuando de forma conjuntae inspirando polticas pblicas, as leis esto organizadas no sentido de tentar fazer com que os jovens tenhamuma experincia mais efetiva de escolarizao antes de entrar no mundo do trabalho.

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    escola e 50,2% ingressaram no mercado de trabalho. A partir dessa faixa etria, a categoria

    que predomina e segue o curso de forma ascendente a dos sujeitos que s trabalham. A

    categoria dos que nem trabalham e nem estudam se mantm de forma estvel at os 25

    anos e a dos que trabalham e estudam descresse, assim como a dos que s estudam.

    Constata-se que o grande impacto da transio para o mundo do trabalho se d entre os 17

    e os 19 anos e a curva segue aumentando a partir desse momento de forma linear at os 25

    anos. O Ensino Mdio torna-se ento, para a grande parte dos jovens, o marco de transio

    da escola para o mundo do trabalho (Rocha, 2008).

    Fazer essa transio, porm, muitas vezes um desafio inquietante para o jovem. O mundo

    do trabalho, para fazer frente s novas demandas do mundo globalizado, vem sofrendo

    grandes mudanas estruturais, tornando-se mais complexo e impactando, principalmente, a

    populao jovem. So caractersticas da nova condio do trabalho:

    (...) menos emprego tradicional, isto , o emprego formal a tempo completo,nico por toda a vida; mais ocupaes temporrias, intercaladas por perodos deinatividade e desemprego; mudana contnua dos requerimentos de qualificaoe obsolescncia rpida de competncias, o que requer formao continuada eresulta em trajetrias profissionais no-lineares (Ibid., p.547).

    Essas modificaes na estrutura e no funcionamento do mercado de trabalho implicam em

    tenses e instabilidades com as quais os jovens devem lidar:

    O perodo de insero , provavelmente, um perodo instvel e incerto e umpasso importante para a transio da juventude para a idade adulta. Poderepresentar, ao mesmo tempo, uma fonte de esperanas no futuro, pelapossibilidade de mobilidade social e/ou de frustraes, pois pode significartambm rotinas, precariedade e excluso social (Camarano et al, 2003, p.53).

    Acontece que, ao entrar no mundo do trabalho, o jovem se depara, dentre outras coisas,

    com a perspectiva do desemprego, uma vez que na populao jovem que o desempregose faz sentir com mais intensidade. Em 2005, a taxa de desocupados7com idade entre 18 e

    25 anos era de 17,1%, enquanto que a taxa dos desocupados que tinham 26 anos ou mais

    era de 5,8% da populao. Vale lembrar que esses nmeros so mais expressivos entre os

    jovens pobres.

    7

    Taxa de desocupao a percentagem das pessoas desocupadas (de um grupo etrio) em relao s pessoasque j esto na PEA (do mesmo grupo etrio). Geralmente diz respeito quantidade de mo de obra que omercado pode dispor.

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    Essa situao no exclusiva do Brasil. O desemprego fenmeno mundial a impactar de

    forma mais substantiva a populao juvenil. A Comunidade Europeia, por exemplo,

    apresentava, em 2006, nmeros equivalentes que apontavam para uma maior intensidade

    do desemprego entre os jovens em relao a outros grupos etrios da PEA. Considerando a

    faixa etria de 15 a 25 anos, a taxa era de 16,6% de desemprego na populao jovem e de

    7,8% da geral. Em termos mundiais, houve um aumento do desemprego entre pessoas de

    15 a 24 anos, no perodo de 1994 a 2003, segundo dados da Organizao Mundial do

    Trabalho (OIT). O impacto na juventude, em 2003, representava 47% do total de

    desempregados, sendo que os jovens so apenas 25% da populao trabalhadora (Branco,

    2005; Raitz & Petters, 2008; Rocha, 2008).

    Aquele que est desempregado permanece dentro do percentual da PEA ou da taxa de

    atividade dentro do grupo etrio de referncia. A taxa de atividade (pessoas ocupadas e

    desocupadas) dos jovens de 18 a 25 anos, seguindo uma tendncia geral, aumentou no

    Brasil de 71,5% para 76,3%, de 1996 para 2005 (Rocha, 2008). Os dados mostrados acima

    indicam que, no obstante a capacidade deficitria do mercado de trabalho de incorporar

    plenamente a demanda da PEA, principalmente a dos jovens, o contingente de pessoas

    interessadas em ingressar no mundo do trabalho vem aumentando. Segundo Rocha (2008),

    isso est ligado a uma mudana estrutural e cultural, j que, cada vez mais, a participao

    no mercado de trabalho vista como uma condio para a realizao plena dos

    indivduos, independentemente de sexo, condio na famlia e nvel de renda(p.537).

    Alm do desemprego, h tambm o problema da qualidade das ocupaes dos jovens. Boa

    parte da insero do jovem se d por meio do trabalho informal. Segundo Abramo (2005),

    63% dos trabalhadores de 15 a 24 anos, em 2003, estavam em colocaes informais. O

    trabalho informal, ou emprego sem carteira assinada, alm de proporcionar salrios abaixoda mdia e jornadas excessivas, deixa o jovem margem de seus direitos de cidado

    trabalhador. A despeito do impacto da informalidade na ocupao dos jovens, Camarano et

    al(2003) nos trazem os seguintes dados:

    Entre 1989 e 2001, foram destrudos 950 mil postos de empregos formais paratrabalhadores com idades entre 15 e 24 anos. Por outro lado, foram criados 3,7milhes de postos para o restante da populao. J a populao de 25 anos e maiscresceu 35% e o emprego formal desse grupo aumentou 20% nesse perodo. Apopulao jovem cresceu 32% e o nmero de jovens em empregos formais caiu14,8% (p. 64).

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    As autoras ainda salientam que grande parte da demanda de trabalho dos jovens se d por

    atividades pouco qualificadas e mal remuneradas. No caso das mulheres, atividades

    domsticas, e no dos homens, atividades em que os principais requisitos residem na

    prpria fora da juventude(Idem, p. 64).

    Diferentemente da perspectiva ideolgica de que os ciclos de vida movem os indivduos do

    ambiente familiar para o ambiente escolar e deste para o ambiente profissional

    (Guimares, 2005, p.166), a experincia de transio do jovem brasileiro se faz

    predominantemente de outra maneira. Notadamente, h uma incurso no mundo do

    trabalho, antecipada para a maioria dos jovens, que independe da concluso do ensino

    bsico. Trata-se, em primeiro lugar, de uma disposio simblica, pois independente de ter

    sucesso na tarefa de se empregar, h a atitude de se colocar disponvel para o mercado de

    trabalho.

    Contudo, houve um aumento, nos ltimos anos, do nmero de indivduos que posterga a

    sua entrada no mundo do trabalho em funo de sua permanncia na escola. Do ponto de

    vista das polticas pblicas para a juventude, essa vinculao estrita escolarizao adiaria

    o ingresso do jovem na PEA, capacitando-o para o trabalho e melhorando os ndices de

    desemprego juvenil. (Rocha, 2008). No entanto, essa estratgia tem seu nus, pois de

    acordo com Rocha (2008)

    (...) postergar a entrada no mercado de trabalho tambm tem custos. Sabe-se que,para os jovens [entrarem no mercado de trabalho], ter alguma experincia detrabalho mais importante que a escolaridade. De fato, h evidncias empricasque, para os indivduos de 15 a 24 anos, o mercado de trabalho valoriza mais aexperincia que a escolaridade e que um ano a mais de experincia aumenta em20% a probabilidade de o jovem estar ocupado, enquanto um ano a mais deescolaridade aumenta essa probabilidade em apenas 1% (p.540).

    O aumento da escolaridade pode melhorar as condies de insero no emprego, tanto de

    forma quantitativa como qualitativa, principalmente se o Ensino Mdio for concludo. A

    grande valorizao da experincia dada pelo mercado, que um fenmeno mundial, ocorre

    em todos os nveis de qualificao, mas tem peso maior para os postos de trabalho que

    requerem menor qualificao. Por outro lado, a insero inicial no mundo do trabalho

    bem mais complicada para o jovem pouco escolarizado (Rocha, 2008).

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    Discutindo dados sobre o prolongamento da condio juvenil no Brasil, Abramo (2005)

    defende que o fenmeno possa ter outro significado para os jovens:

    (...) podemos dizer que a moratria juvenil hoje tem menos o sentido desuspenso e espera para poder realizar melhor as coisas no futuro, quandoforem adultos; e mais a noo de uma possibilidade de vivncia eexperimentao diferenciada (uma vivncia em todas as esferas do mundoadulto, mas de maneira singular, no igual ao dos adultos): sexualidade, estudo,trabalho, diverso, mas com menos compromissos e encargos do que quando secasa e tem filhos, com vnculos menos definitivos (como namorar semcompromissos), com mais alegria e liberdade, em funo do maior vigor edisponibilidade para a experimentao e menor nmero de constrangimentos(p.69).

    Os jovens estariam, ento, vidos para a experimentao das possibilidades de futuro e em

    busca da constituio de sua identidade. Nesse contexto, seria profcuo o contato com

    alternativas que pudessem oferecer orientaes mais seguras para a vida do sujeito e

    impactar a juventude como um todo. Por sua vez, a demanda subjetiva de experimentao

    no satisfeita soma-se ao contexto de necessidades objetivas de renda ou independncia

    financeira e ao sistema educacional deficiente8, podendo fazer com que ocupao

    profissional rivalize com a escolarizao.

    No estudo de Raitz & Petters (2008), jovens estudantes do turno noturno de uma escola

    estadual de Santa Catarina foram questionados sobre o que consideravam mais importante

    na vida. O trabalho, perdendo em importncia s para a famlia, foi considerado de carter

    prioritrio pelas autoras, estando hierarquicamente mais bem posicionado que a educao.

    Defendendo a ideia de que o trabalho ocupa uma posio central na vida dos jovens, as

    autoras observam que, na fala dos sujeitos investigados, o trabalho se configura como uma

    vantagem na vida deles, a falta representa uma angstia, uma frustrao, consiste em um

    dos maiores problemas da vida juvenil (p.413). As autoras esto discutindo resultados de

    pesquisas com alunos do ensino noturno, onde, evidentemente, ocorre maior adeso dos

    alunos que tentam conciliar a escola com o trabalho. Mas a grande importncia dada ao

    trabalho pelos jovens recorrente na literatura que trata da relao jovem, educao e

    trabalho.

    Guimares (2005) tambm cita a importncia do trabalho na vida dos jovens:

    8

    Em seu estudo, Schwartzman & Cosso (2007) argumentam que o abandono da escola por parte dos jovens,principalmente das camadas populares, se d mais em funo da precariedade do sistema educacional quepela necessidade socioeconmica.

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    (...) instigados a manifestarem-se com respeito ao significado e importncia dediferentes esferas de atividade e sociabilidade, os jovens brasileiros ouvidos empesquisa amostral representativa realizada em 2003 no deixam dvidas; paraeles, o trabalho no apenas ainda est na ordem do dia, como se destaca comrelao a outros aspectos tidos como reveladores de interesses tipicamente

    juvenis (p.150).

    Em funo da grande importncia que o trabalho tem na vida dos jovens, a sua busca por

    emprego acaba por gerar grande impacto nos ndices de desemprego da juventude. A

    despeito disso Branco (2005, p.131) pondera:

    (...) todos os indicadores disponveis tm evidenciado uma forte presso dosjovens na procura por ocupao, denotando que, se eles estivessem apenas sededicando s atividades de escolarizao e aprendizagem profissional, as taxasde desemprego cairiam substancialmente, uma vez que seu ingresso na fora detrabalho seria adiado. E, alm disso, estariam adquirindo melhor preparoeducacional e profissional, requisitos indispensveis para que pudessemenfrentar com maiores chances de xito os desafios e obstculos colocados porum mercado de trabalho cada vez mais excludente e competitivo.

    Contudo, o prprio autor admite as dificuldades de aumentar o contingente de jovens que

    priorizam a escolarizao. Uma poltica pblica que desestimulasse o ingresso juvenil na

    PEA certamente contrastaria fortemente com vrios determinantes da realidade, que vm

    transformando, para muitos jovens, a busca por ocupao numa opo imperiosa (idem,

    p. 131).

    Com efeito, esse um problema que o Brasil precisa enfrentar. Do ponto de vista

    estratgico, em um cenrio de grande confiana na economia, com expectativas de

    crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por volta dos 5%, em 2010 e 20119,

    imprescindvel que se estime as implicaes da incompatibilidade de estudo e trabalho,

    levando o jovem ao mundo do trabalho em detrimento da longevidade escolar. De acordo

    com Rocha (2008), em caso de crescimento econmico na ordem de 5%, haver demanda

    por mo de obra qualificada e

    Caso o perfil da oferta de mo-de-obra no se coadune com as necessidades domercado, o resultado ser excluso crescente do contingente de no-qualificadose prmios salariais crescentes para os qualificados, levando, inclusive, a umapossvel reverso da queda da desigualdade de rendimentos. Nesse sentido, anfase, quando se trata da insero dos jovens no mercado de trabalho, recai,necessariamente, sobre as questes de melhoria da educao e de reduo do

    9

    Segundo o Boletim FocusRelatrio de Mercado de 23 de abril de 2010, divulgado pelo Banco Central doBrasil, a expectativa de crescimento do PIB era de 6% em 2010 e 4,5% em 2011. Informao disponvel em30/04/2010 em http://www4.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20100423.pdf.

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    dramtico dficit de escolaridade de um importante contingente dentre eles.(p.548)

    Em outras palavras, o crescimento econmico brasileiro pode esbarrar na falta de

    qualificao e escolaridade da populao, levando a um retrocesso nos nmeros dadesigualdade social, que ainda esto longe do ideal.

    Reconhecendo a amplitude do problema da qualificao, enquanto estratgia para facilitar

    a insero profissional do jovem, tal como a necessidade de ampliao dos ndices de

    escolaridade do brasileiro, optou-se, neste trabalho, por refletir sobre as implicaes que

    esto associadas possibilidade de continuidade dos estudos, realizando uma graduao na

    universidade pblica. Do ponto de vista da insero profissional, essa opo justifica-se

    pelo fato de, no Brasil, o Ensino Superior estar intimamente ligado educao

    profissionalizante (Rocha, 2008; Nunes & Carvalho, 2007). Para tanto, veremos no

    prximo tpico como se d o quadro de oportunidades de acesso ao Ensino Superior no

    Brasil.

    1.3 A longevidade escolar e equidade no Ensino Superior

    A mdia de tempo de estudo das pessoas de dez anos ou mais de idade, no Brasil, tem

    nmeros bem pequenos. Segundo a srie estatstica do IBGE, em 1995, a mdia era de 5.2

    anos, evoluindo para sete anos em 2007. Um ano depois, a mdia era de 7.1 anos,

    conforme dados do PNAD, de 2008. Para os jovens entre 20 e 24 anos, esse nmero sobe

    para 9.4 anos e a maior mdia entre os grupos etrios pesquisados (IBGE, 2009 e 2010b).

    Esses nmeros refletem o aumento da escolarizao dos brasileiros ocorrido nos ltimos

    anos. Porm, a despeito do crescimento, ainda h muito espao para melhorar e a evoluo

    que vem ocorrendo tem sido lenta.

    Em relao aos nveis de ensino, o que mais contribui para a baixa mdia de escolarizao

    logicamente o Ensino Superior, cujo acesso, no Brasil, extremamente pequeno. Alm

    de herdar os impactos acumulados dos estgios anteriores, esse nvel de ensino ainda

    apresenta problemas de oferta. Segundo Bertolin (2009), a taxa de escolarizao bruta10da

    educao superior passou de 8,1%, em 1991, para 15,1%, em 2002. Comparado com

    10 A taxa de escolarizao bruta a comparao do total da matrcula num dado nvel de ensino com apopulao na faixa etria adequada a esse nvel.

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    outros pases, fica explcita a sua insignificncia. Na Amrica do Sul, pases como

    Argentina e Bolvia apresentam ndices bem superiores48% para a Argentina, em 1999,

    e 36% para a Bolvia, em 2002. A situao brasileira torna-se mais crtica quando a

    comparao feita com os dados da taxa de escolarizao lquida11. Em 2004, a taxa

    brasileira era de 10,6% contra 24,8% do Mxico, 53,1% da Argentina, 65% dos EUA,

    65,4% da Blgica e 93,4% da Coria do Sul (Neves, Raizer & Fachinetto, 2007). A busca

    por maior escolarizao e consequentemente por Ensino Superior, que no

    necessariamente uma demanda por universidade, ocorre no mundo todo, e passou de 48

    milhes de matrculas, em 1990, para cerca de 100 milhes nos primeiros anos deste

    milnio (Penin, 2006). No caso especfico dos pases em desenvolvimento que ainda tm

    baixas taxas de escolarizao, para fazer frente ao novo contexto de globalizao da

    economia e emergncia da sociedade do conhecimento e da informao, os governos

    precisam refletir sobre o projeto de desenvolvimento que querem, no apenasdesenvolvimento econmico, mas principalmente o desenvolvimento humano esocialmente sustentvel. nesta orientao que a educao, de modo geral, temum papel fundamental de fortalecimento das dimenses socioeconmicas eculturais (Neves et al, 2007, p.128).

    Penin (2006) argumenta que a importncia atual do Ensino Superior se d por dois motivos

    principais. O primeiro reporta ao papel de desenvolvimento dos pases que se efetivaria

    pela disseminao de conhecimentos e a formao de profissionais e lideranas para

    estarem frente desse processo. O outro motivo faz aluso s representaes e dinmica

    da populao sobre o problema:

    Segundo, em razo da leitura que a populao, mesmo a no-letrada, parece fazerdas caractersticas da atualidade, colocando a educao como papel central dessecenrio, incitando-a a demandar por mais escolarizao, incluindo a superior, e,assim, pressionando a sociedade e os governos a definir um caminho para suaexpanso (Penin, 2006, p.332).

    Com efeito, essa uma demanda da populao brasileira, expressa, sobretudo, pelos

    movimentos sociais ligados a grupos que se sentem excludos e que lutam por mais acesso

    e equidade no Ensino Superior12. Essa luta remete ao direito de usufruir de uma formao

    profissional, cultural e humana de qualidade.

    11A taxa de escolarizao lquida relativa ao percentual da populao em determinada faixa etria que seencontra matriculada no nvel de ensino adequado sua idade. Para o Ensino Superior, a idade adequada

    considerada no Brasil de 18 a 24 anos.12 Como exemplos de movimentos da sociedade civil organizada, temos a OSCIP Educafro e o MSU Movimento dos Sem Universidade, que se destacam na luta pelo acesso democrtico ao Ensino Superior.

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    Tentando ampliar o acesso a esse nvel de ensino no Brasil, as diretrizes do Plano Nacional

    de Educao (PNE) tinham como metaprover, at o final da dcada, a oferta de educao

    superior para, pelo menos, 30% da faixa etria de 18 a 24 anos (INEP, 2001, p.67).

    Segundo dados preliminares do Censo da Educao Superior 200813, o nmero de

    matrculas na graduao presencial aumentou cerca de 46% em 6 anos, indo de um total de

    3.479.913, em 2002, para 5.080.056, em 2008 (INEP, 2010d). Analisando a estimativa

    populacional do IBGE para o ano de 2010 que de aproximadamente 23,8 milhes de

    jovens entre 18 e 24 anos (IBGE, 2010a), conclui-se que, para atingir a meta proposta do

    ponto de vista da taxa de escolarizao bruta, deveramos fechar o ano de 2010 com 7,14

    milhes de matrculas no Ensino Superior. O que significa que em dois anos teremos que

    crescer 40%, o que equivale ao acumulado dos ltimos seis anos.

    Apesar de ser insuficiente a oferta para o projeto de desenvolvimento da educao

    brasileira, inegvel a recente expanso no Ensino Superior. A taxa de frequncia lquida

    da populao de 18 a 24 anos nesse nvel de ensino passou de 4,6%, em 1992, para 13%,

    em 2007 (Castro, 2009). Esse crescimento se deu em maior parte na rede privada, cuja

    participao em cursos de graduao aumentou de 61,3%, em 1991, para 71,1%, em 2004

    (Neves et al, 2007). J em 2007, a participao da rede privada em todo o Ensino Superior

    era de 76%, e de 24% a da rede pblica que inclui as instituies federais, estaduais e

    municipais (IBGE, 2008). Como defende Felicetti e Morosini (2009), o Ensino Superior

    que foi propiciado pela LDB tem como marca a expanso. Num primeiro momento via

    privatizao e mais recentemente via polticas para o setor pblico. (p.14).

    Alm da baixa oferta, o problema da equidade, recorrente em outros nveis de ensino,

    chega ao pice no Ensino Superior. Tanto que, para essa questo especfica, a meta 19 da

    educao superior no PNE prescreve:

    Criar polticas que facilitem s minorias, vtimas de discriminao, o acesso educao superior, atravs de programas de compensao de deficincias de suaformao escolar anterior, permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdadede condies nos processos de seleo e admisso a esse nvel de ensino (INEP,2001, p.67).

    A necessidade de democratizao do acesso ao Ensino Superior pode ser constatada na

    medida em que certas categorias sociais esto parcialmente excludas desse nvel de

    13Os dados de 2008 so os mais recentes disponibilizados pelo INEP, no primeiro semestre de 2010.

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    ensino. Apresentam baixos ndices relativos de acesso ao Ensino Superior, os negros

    (pretos e pardos conforme autodeclarao para o IBGE), indgenas, populao das regies

    norte e nordeste, populao rural, mas, sobretudo, os pobres. A carncia scio-econmica

    atravessa as outras categorias citadas, impactando negativamente os indicadores

    educacionais em todos os nveis e, de forma mais acentuada, os do Ensino Superior. Os

    dados especficos da populao indgena no foram encontrados na literatura utilizada, mas

    os relativos s outras variveis so muito claros.

    No entanto, observa-se que os baixos nmeros de variveis como cor ou raa, regio e

    localizao de domiclio so atravessados e fortemente impactados pela questo da renda.

    A longevidade escolar um desafio para as camadas populares no Brasil e motivo de

    polticas pblicas em todos os nveis de ensino. A mdia de tempo de estudo das pessoas

    com 25 anos ou mais de idade de 4,1 anos para o quinto da populao mais pobre e 10,1

    anos para o quinto mais rico. Falando especificamente dos estudantes do Ensino Superior,

    em 2007, um total de 57,6% veio do quinto mais rico da populao e apenas 1,5% do

    quinto mais pobre. Um grande desequilbrio, pois se formos levar em conta os trs

    primeiros quintos de rendimento da populao, a participao no Ensino Superior, em

    2007, era de apenas 16,9%, enquanto os 83,1% so provenientes dos ltimos dois quintos,

    ou seja, dos 40% da populao com renda mais alta (IBGE, 2008).

    Andrade & Dachs (2003), em seu estudo, Acesso educao por faixas etrias segundo

    renda e raa/cor, concluem que a varivel renda influi mais diretamente na escolaridade

    dos brasileiros do que a varivel raa/cor. Utilizando dados da PNAD, de 2003, os autores

    analisaram os efeitos da situao econmica do grupo familiar e da raa/cor no acesso

    escola, at o Ensino Superior, considerando as principais transies escolares e grupos

    etrios. De acordo com os autores, a variao da escolaridade entre brancos e no-brancosocorre em todas as faixas de renda com desvantagem para os no-brancos. Contudo, as

    variaes de raa/cor so menores do que a de renda e as mesmas podem ser explicadas

    pela renda, uma vez que a populao no-negra mais expressiva nas faixas de

    rendimentos menores. Essa concluso refora o peso negativo da situao econmica na

    longevidade escolar e na equidade de acesso. Por essas razes, cabe a pergunta: Por que o

    jovem das camadas populares tem tanta dificuldade de ingressar no Ensino Superior?

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    Vrios pesquisadores que debatem a questo da equidade concordam que o principal

    motivo da falta de igualdade no acesso ao Ensino Superior o fato dos jovens no

    conseguirem se qualificar para essa etapa, principalmente os das camadas populares. Ou

    seja, em funo de atraso e evaso escolar, no chegam a concluir o Ensino Mdio, ou

    concluem depois dos 24 anos (Andrade & Dachs, 2007; Neves et al, 2007, Schwartzman,

    2006). Mesmo com o aumento significativo de pessoas cursando o Ensino Mdio, a taxa de

    escolaridade dos adolescentes com idade entre 15 e 17 anos, em 2008, no Brasil, foi de

    84,1% (IBGE, 2008). Isso quer dizer que, mesmo sem considerar o nmero de alunos que

    ainda estavam atrasados na sua escolarizao, tnhamos, em 2008, pelo menos 15,9% da

    populao dessa faixa etria fora do Ensino Mdio. Em relao taxa de frequncia lquida

    dos alunos de 15 a 17 anos no Ensino Mdio, ela evoluiu mais de 160% de 1992 para 2007,

    mas, mesmo assim, no atingiu metade dos jovens nessa idade, alcanando apenas 48%

    dessa populao (Castro, 2009) Outro nmero que aponta para a insuficincia do alcance

    do Ensino Mdio o que mostra que, em 2008, 2.343.152 alunos deixaram de frequentar o

    ensino bsico, sendo que 56,5% evadiram do Ensino Fundamental e 43,3% do Ensino

    Mdio (INEP, 2010c).

    Evidentemente esse abandono nem sempre definitivo, de toda forma, no deixa de se

    somar s outras variveis e influenciar negativamente o nmero final de jovens com idade

    entre 18 e 24 anos com o Ensino Mdio completo, qualificao mnima para pleitear a

    entrada no Ensino Superior. O entendimento do impacto da escolarizao bsica no quadro

    de desigualdade no Ensino Superior crucial para o avano dentro da temtica:

    (...) tendo em vista que a razo principal da iniquidade do acesso ao EnsinoSuperior continua sendo o insucesso dos nveis anteriores de ensino com relao incluso social, possvel estabelecer condies melhores de abordagem ecompreenso do que se tem passado com a educao superior no pas (Neves et

    al, 2007, p.138).

    Aps o breve exame da questo da igualdade de acesso, parece-nos que o caminho

    principal de democratizao do ingresso no Ensino Superior passa pela busca da

    universalizao do acesso e da qualidade no ensino bsico. Pois

    O processo de democratizao do acesso ao Ensino Superior, bem como dadistribuio mais equitativa em termos de gnero, classe e etnia, no podeignorar que a populao fica, em mdia, 6 anos na escola e que quase 70% deseus jovens de 18 a 24 anos no se encontram em nenhum espao de educao

    formal (Neves et al, 2007, p.155).

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    Contudo, sem abrir mo dessa perspectiva, h problemas a serem enfrentados

    contemporaneamente, pois h um nmero crescente de jovens que, apesar do quadro

    diverso, conseguiram complementar sua escolarizao bsica e buscam as melhores

    alternativas para a insero na vida produtiva. Diante de uma situao grave de

    desemprego juvenil, eles podem, como alternativa, lanar mo da estratgia de aumentar

    sua escolarizao para chegar ao mundo do trabalho em melhores condies. E para esses

    jovens especificamente, qual o quadro atual?

    1.4 Aluno da escola pblica na universidade pblica

    Se olharmos para um passado recente, veremos que estamos em um momento de

    significativas transformaes do quadro de democratizao do acesso ao Ensino Superior,

    devido ao aumento das oportunidades de ingresso pela parcela mais alijada nesse processo.

    Com o argumento de promoo de incluso social, diminuio das desigualdades sociais e

    capacitao de recursos humanos para o desenvolvimento do pas, as possibilidades dos

    alunos do Ensino Mdio, oriundos da escola pblica e, pertencentes s camadas populares

    continuarem sua escolarizao no Ensino Superior esto bem maiores do que h 10 anos.

    Para corroborar essa afirmao, h alguns indicadores. Em primeiro lugar, como se pode

    ver na TAB. 1, existe uma oferta maior de vagas. Em 2000, havia 1.216.287 vagas

    oferecidas para o Ensino Superior. Em 200814, sem contar as vagas da EAD (Educao

    Distncia), so quase trs milhes de vagas para as graduaes, e a perspectiva de

    nmeros maiores para 2010. Concomitante a esse fato, h um aumento das polticas de

    ao afirmativa15 que beneficiam candidatos das camadas populares que fizeram a maior

    parte da sua escolarizao em instituio pblica, onde se encontra a maioria das categorias

    mais excludas de sujeitos.

    14Utilizaremos nmeros do ano de 2008 porque os de 2010 s estaro disponveis entre 2011 e 2012.15A ao afirmativa configura um conjunto de polticas pblicas e privadas de carter compulsrio,facultativo ou voluntrio, que visam ao combate da discriminao racial, de gnero e de origem nacional(Barbosa Gomes, 2001, como citado por Gomes, 2003, p.77). Para Oliven (2009) a ao afirmativa visaremover barreiras, formais e informais, que impeam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho,universidades e posies de poder. Nessa perspectiva, a sub-representao de minorias em instituies e

    posies de maior prestgio na sociedade considerada um reflexo de discriminao. Portanto, visa-se, porum perodo provisrio, a criao de incentivos que busquem certo equilbrio da representatividade dosdiversos grupos que fazem parte de determinada sociedade, nesses espaos (p.66).

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    Alm de programas de ao afirmativa, prprios das universidades pblicas, h o Programa

    Universidade para Todos (ProUni)16, do governo federal, que concede bolsas integrais ou

    parciais em faculdades particulares para estudantes de escola pblica com renda familiar

    per capta menor que trs salrios mnimos17. Em 2010, foram concedidas 165 mil bolsas,

    sendo 86 mil integrais e 79 mil parciais.

    TABELA 1Nmero total de vagas oferecidas, candidatos inscritos e total de ingressantes conforme forma de

    ingresso nos anos de 2008, 2000, 1990 e 1980 no Ensino Superior

    Ano e rede de

    ensino

    Vagas

    Oferecidas

    Candidatos

    Inscritos

    Ingressantes

    Total Vestibular

    Outros

    Processos

    Seletivos (1)

    Outras

    Formas de

    Ingresso (2)

    2008* 2.985.137 5.534.689 1.873.806 1.359.600 146.219 367.987

    Pblica 344.038 2.453.661 352.615 275.595 31.718 45.302

    Privada 2.641.099 3.081.028 1.521.191 1.084.005 114.501 322.685

    2000 1.216.287 4.039.910 897.557 - - -

    1990 502.784 1.905.498 407.148 - - -

    1980 404.814 1.803.567 356.667 - - -

    * Cursos de Graduao Presenciais sem os dados da Educao Distncia. Diferenciao de redepblica e privada. (1) Outros Processos Seletivos: Vestibular, ENEM, Avaliao Seriada no EnsinoMdio, Vestibular + ENEM e Outros Tipos de Seleo. (2) Outras Formas de Ingresso: Mudana decurso dentro da IES, Transferncia (vindo de outras IES, excludo ex-offcio), Transferncia ex-offcio, Acordos internacionais, Admisso de diplomados em Curso Superior, Reabertura dematrcula e Outros tipos de ingresso.Fonte: Dados de 2008Sinopse do Ensino Superior 2008 (INEP, 2010d), dados 2000, 1990 e 1980MEC/INEP (Neveset al, 2007).

    Marcada pela diversificao das organizaes acadmicas, liberao do setor privado, no

    qual se apostava, e pela diminuio dos recursos no setor pblico, a expanso do Ensino

    Superior no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) teve grandes avanos

    numricos, mas se mostrou sem flego para atingir as metas do PNE. Com estratgia

    diferente e lanando mo de forte interveno do setor pblico, as polticas do governoLuis Incio Lula da Silva (de 2003 at os dias atuais), tais como o ProUni e o REUNI18,

    esto promovendo, alm da expanso das vagas, uma incluso significativa de parcelas da

    populao excludas desse nvel da educao. (Corbucci, 2004, Pacheco & Ristoff, 2004).

    16O ProUni foi criado pela Medida Provisria n. 213, de 10 de setembro de 2004 e depois transformado na

    Lein . 11.096, de 13de janeiro de 2005. Para ter uma viso crtica sobre o programa ver Segenreich (2009).17A bolsa integral destina-se a estudantes com renda familiar per capta de at um salrio mnimo.18REUNIPrograma de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais

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    Sem entrar no mrito da discusso da viabilidade, qualidade ou limites do modelo de

    expanso adotado acredita-se que o crescimento da rede privada de Ensino Superior

    favoreceu e pode favorecer ainda mais a democratizao do acesso ao Ensino Superior.

    Considera-se que, por estarem inseridas nas prticas de mercado, essas instituies iro

    buscar e motivar sua clientela, tanto na escola pblica, como na rede privada. Mas e a

    universidade pblica? De que forma essa instituio se apresenta e tenta estimular sua

    clientela na escola pblica, uma vez que, na escola particular, parece j haver uma cultura

    de estmulo ao ingresso na universidade pblica? E mais, por que essa relao relevante

    hoje em dia?

    TABELA 2

    Nmero de concluintes no Ensino Mdio conforme modalidade e rede de ensino em

    2008

    Rede de EnsinoModalidade

    Total %Ensino Mdio regular EJA

    Pblica 1.491.812 292.623 1.784.435 85,5

    Privada 269.613 32.864 302.477 14,5

    Total 1.761.425 325.487 2.086.912 100,0

    Fonte: Resultados do Censo Escolar 2008 (INEP, 2010c)

    H uma carncia de dados e pesquisas que apresentem nmeros sobre a relao de

    ingressantes da escola pblica na universidade pblica a nvel nacional. A pesquisa mais

    recente do FONAPRACE19que afirma que 46,2% dos entrevistados de uma amostra de

    33.958 alunos matriculados no segundo semestre de 2003 e no primeiro semestre de 2004,

    em 47 instituies federais, passaram pela escola pblica, incluindo a, os que tiveram uma

    passagem parcial. O restante, 53,8%, fez toda escolarizao na rede privada (Fiuza, 2005).

    Pode-se falar pouco sobre esses dados, pois a amostra no representativa da totalidade

    das universidades pblicas. Porm, essas informaes revelam certo desequilbrio. Fazendo

    um exerccio de simular o impacto de nmeros dessa natureza na transio do Ensino

    Mdio para o superior, para um universo mais recente e amplo de alunos, teramos a

    seguinte proporo: de 307.313 ingressantes em instituies pblicas de Ensino Superior,

    em 2008, por vestibular e outros processos seletivos (TAB. 1), 53,8% teriam feito sua

    escolarizao em escolas particulares (Fiuza, 2005). Observa-se, conforme TAB. 2, que o

    percentual de alunos concluintes do Ensino Mdio, em 2008, foi de 85,5% para a escola

    19Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis.

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    pblica e 14,5% para a rede privada. Esses dados mostram a seguinte relao de

    concluintes do Ensino Mdio para ingressantes no Ensino Superior pblico: 54,7% da rede

    privada e apenas 8,1% da escola pblica. Ou seja, como dizer que do total de quase 1,8

    milhes de alunos egressos do Ensino Mdio pblico, apenas 8,0% foram capazes de

    vencer os processos seletivos e ingressar em instituies pblicas de Ensino Superior.

    Certamente esse nmero remete aos problemas de equidade j reportados neste trabalho e

    principalmente denuncia a questo da qualidade do ensino bsico pblico. Mas parece

    haver algo importante da dimenso simblica presente na questo.

    Pesquisas realizadas com universitrios oriundos de escola pblica, ingressantes atravs de

    aes afirmativas, em universidades como a Unicamp, USP (Marques, 2008), UFPR e

    UFBA (Mielki, Biondi, Hammes & Rossi, 2008) mostram que esses alunos conseguem

    desempenho igual ou superior aos ingressantes de entrada universal. Como exemplo, o

    desempenho de alunos da escola pblica na Unicamp, referncia em excelncia

    educacional, no primeiro ano de estudo, em 2005, surpreende:

    No ranking do vestibular, eles tiveram mdias superiores s de colegas formadosem escolas privadas em apenas quatro dos 56 cursos. Mas, ao cabo de 1 ano deestudo, as mdias desses mesmos jovens j eram superiores em 31 dos cursosquando comparados ao grupo vindo do ensino particular (Marques, 2008, s.p.)

    Contudo, tal como os processos seletivos das universidades pblicas estavam

    estabelecidos, as chances de alunos de escola pblica, principalmente os das camadas

    populares, ingressarem em universidades pblicas, eram reduzidas. Reconhecendo essa

    realidade, atendendo a uma recomendao do governo federal e tentando atender j

    citada meta 19 do Ensino Superior no PNE, h atualmente um grande nmero de

    universidades adotando polticas de ao afirmava. Essas polticas criam mecanismos que

    visam ampliar, no quadro de discentes das universidades, a participao de grupos sociaisda populao que buscam igualdade de direitos em relao ao acesso ao Ensino Superior.

    Segundo Felicetti & Morosini (2009, p.14)as aes afirmativas vm colaborar para que

    uma maior diversidade de alunos possam ter acesso ao Ensino Superior, embora as

    estratgias usadas pelas aes afirmativas no resolvero de todo os problemas da

    iniquidade nesse nvel de ensino. Segundo a OSCIP Educafro, acredita-se que haja

    atualmente 91 instituies pblicas de Ensino Superior que incorporaram polticas de ao

    afirmativa em seus processos seletivos. Os modelos de poltica de ao afirmativa adotadosso diversos, mas a grande maioria tem um recorte social e beneficia os alunos oriundos

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    das escolas pblicas. Dentro desse recorte, algumas instituies beneficiam ainda os

    candidatos que se autodeclaram negros e ndios. Em ambos os casos, ampliam-se as

    oportunidades para os jovens da escola pblica que at ento estavam, em sua maioria,

    distantes das possibilidades de acesso s universidades pblicas.

    Um dos motivos das medidas de ao afirmativa de recorte social serem direcionadas aos

    alunos das escolas pblicas o fato de ser nessas instituies que se encontra grande parte

    da populao pobre para quem se destina as polticas pblicas de democratizao do

    acesso. Na dificuldade de estabelecer critrios de avaliao da condio socioeconmica,

    adota-se o tipo de rede de ensino cursado (pblica ou privada). Para se ter uma ideia,

    segundo dados da Sntese de Indicadores Sociais 2008 (IBGE, 2009), entre os estudantes

    do Ensino Mdio do quinto de renda mais pobre da populao, 98,1% esto na escola

    pblica. Caso se leve em conta os trs primeiros quintos de rendimento que representam

    apenas 21,8% da renda total das famlias, eles totalizam 69,7% dos estudantes da escola

    pblica. Na rede privada, h 2,3% do quinto mais pobre, e sobre eles Pinto (2004)

    considera:

    Existe um dado que pode enviesar as estatsticas e que no deve ser desprezado,e que se trata do mecanismo utilizado por muitas instituies particulares do

    Ensino Mdio de, mediante a realizao de vestibulinhos para a oferta debolsas, retirar das escolas pblicas seus alunos mais preparados, vitaminando,com isso, seus ndices de aprovao no vestibular. O que aparece na publicidadecomo compromisso social dessas instituies (a oferta de bolsas) na verdadeinvestimento de retorno garantido e baixo custo (p.744).

    medida que as universidades pblicas, por meio da ampliao do nmero de vagas ou

    por medidas de ao afirmativa, aumentam o acesso para jovens estudantes de escolas

    pblicas oriundos das camadas populares, necessrio que se preocupem tambm com a

    permanncia e o rendimento dos alunos, como argumentam Felicetti & Morosini (2009):

    (...) pode-se acreditar que a equidade no Ensino Superior no se refere somenteao acesso, mas tambm permanncia com qualidade. Neste sentido, a equidaderepresenta a intensidade em que os alunos podem se beneficiar da educao e daformao, atravs de acesso, oportunidades, acompanhamentos e resultados(p.21).

    Todavia, outra preocupao das universidades pblicas que adotaram aes afirmativas

    deve ser a busca pelos melhores talentos da escola pblica para compor seus quadros.

    Neste sentido, a meta 33 do PNE para a educao superior recomenda estimular asinstituies de Ensino Superior a identificar, na educao bsica, estudantes com altas

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    habilidades intelectuais, nos estratos de renda mais baixa, com vistas a oferecer bolsas de

    estudo e apoio ao prosseguimento dos estudos(INEP, 2001, p.67). Esse cuidado deve ser

    aplicado principalmente s instituies que adotam cotas ou reserva de vagas. Pois no

    ensino pblico brasileiro, o aumento quantitativo da escolaridade no veio acompanhado

    do crescimento qualitativo que os novos alunos demandavam. A despeito disso, Oliveira

    prev:

    Em breve, todos tero oito anos de escolarizao, mas nem todos tero acessoaos mesmos nveis de conhecimento. Muitos, nem mesmo a patamaresmnimos. Elimina-se, assim, a excluso da escola, no a excluso do acesso aoconhecimento, criando-se condies historicamente novas para demandas porqualidade de ensino (Oliveira, 2000, como citado em Zago, 2006, p. 232).

    Se no houver grande interesse por essas vagas, corre-se o risco delas serem preenchidaspor estudantes que concluram o Ensino Mdio, mas que esto pouco preparados, o que

    dificultar a prpria permanncia desses estudantes no Ensino Superior. Para a

    potencializao dos impactos desse tipo de poltica pblica, preciso, tambm, que os

    beneficirios estejam, alm de preparados, motivados para conquistar o espao que lhes

    est sendo oferecido. Mais que isso, que as representaes sociais sobre a universidade

    pblica contemplem a nova realidade de maior possibilidade de ingresso e acessibilidade.

    Preocupados com essa perspectiva, conduzimos, de 2003 a 2007, um projeto de extenso

    que levava aos alunos de algumas escolas pblicas uma discusso crtica sobre a entrada de

    jovens da escola pblica nas universidades pblicas (Assis, Oliveira, Silva & Leal, 2006).

    Tendo, nesse projeto, presenciado a surpresa dos jovens quando se apresentava a

    universidade pblica, a qual a maioria desconhecia realmente, comeamos a especular que

    a falta de conhecimento era um dos motivos a afast-los desse tipo de instituio escolar.

    Essa suspeita aumentou quando entrevistamos alunos que receberam o projeto e entraram

    em uma universidade pblica. Alguns deles alegaram que no prestariam vestibular e, que

    antes de conhecer o projeto, no se imaginavam naquele ambiente (Assis et al, 2006). Em

    relao ao baixo ndice de acesso desses alunos s referidas instituies de ensino, j

    tnhamos dados das questes objetivas mencionadas nesse estudo, mas parecia-nos haver

    algo da dimenso subjetiva desses sujeitos, talvez das representaes sociais construdas

    sobre universidade pblica, que poderia representar obstculos para o ingresso efetivo

    nesse nvel de ensino.

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    Na busca de compreenso de alguns dos mecanismos subjetivos implicados no acesso

    universidade pblica por parte de jovens oriundos da escola pblica, realizamos uma

    pesquisa na qual investigamos as representaes sociais de um grupo de 141 alunos do 3

    ano do Ensino Mdio de uma escola pblica de So Joo del-Rei a respeito de seu ingresso

    em uma universidade pblica (Assis & Silva, 2008). Esse estudo nos mostrou que as

    representaes sociais do referido grupo colocavam a instituio universidade pblica em

    lugar de destaque, como local de realizao pessoal e profissional, de alto valor positivo e

    presente nos sonhos mais remotos do grupo. Concomitante a esse contedo, outro apontava

    para a impossibilidade do ingresso, para as dificuldades percebidas na realizao de um

    sonho distante. A pequena ocorrncia de contedos que viam a universidade pblica como

    um direito ou como uma meta clara tambm reforou o entendimento de que as

    representaes sociais que esses alunos constroem sobre a universidade pblica pouco

    favorecem que eles lutem por esse espao. Isso significativo, pois que as representaes

    sociais so valorativas e indicam uma direo para a qual pode fluir o comportamento do

    grupo (Moscovici, 2003a). Com os resultados da pesquisa, conclumos que lutar para

    entrar em uma universidade pblica no seria a atitude predominante naquele grupo,

    mesmo representando a instituio como socialmente valorizada.

    Como vimos anteriormente, os jovens em vias de concluso do Ensino Mdio esto s

    voltas com a questo da insero no mundo do trabalho e/ou vida adulta. A escolha pela

    escolarizao em uma universidade pblica pode ser, para eles, uma opo interessante, tal

    como pode fugir de seu interesse profissional ou rivalizar com necessidades imediatas de

    renda e colocao no mundo do trabalho, mesmo que de forma precria. Dessa

    encruzilhada que retiramos nosso problema de pesquisa: Quais as razes que interferem

    para que ex-alunos do Ensino Mdio, oriundos de escola pblica, considerem a

    possibilidade de dar continuidade carreira estudantil em uma universidade pblica?

    Com certeza, h uma srie de fatores, objetivos e subjetivos, a subsidiar a escolha desses

    ex-alunos. Porm, preocupa-nos a dimenso subjetiva desse problema, aquela construda

    na interao dialtica entre o social e o psicolgico. A nossa hiptese que as

    representaes sociais construdas sobre a universidade pblica ajudam a orientar o sentido

    das escolhas desses ex-alunos, aps o Ensino Mdio, e podem fazer com que a opo de

    continuidade dos estudos em uma universidade pblica seja ou no considerada, de modo aencontrar diferentes representaes, conforme a escolha realizada.

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    Por meio de informaes coletadas informalmente na escola anteriormente pesquisada,

    observou-se, que do referido grupo de 141 alunos investigados, alguns poucos prestaram

    vestibular e conseguiram entrar em uma universidade pblica. Outros no tiveram sucesso

    nessa empreitada. E, a grande maioria realizou outras escolhas que no envolviam a

    universidade. Para verificar nossa hiptese e dar continuidade aos esforos de compreenso

    da relao desses jovens oriundos da escola pblica com a universidade,