informaÇÃo estatística e política pÚblica: … · aceitação dos limites (estreitos) de seus...

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ARTIGO INFORMAÇÃO ESTATíSTICAEPOLíTICAPÚBLICA: DESAFIOSFUTUROSNO PRESENTE* STATISTICAL INFORMATIONANDPUBLlCPOLlCY: CURRENTFUTURECHALLENGES NELSONSENRA" RESUMO A informação estatística ocupa lugar de realce na concepção, naformulação e na realização das políticas pÚblicas. que orientam as decisões e as ações (diretas e indiretas) dos governos. Para esse fim, em razão das mudanças nos domínios de governo, a demanda por informações estatísticas (pÚblicas e oficiais) vem se diversificando e se ampliando. Perceber a dinâmica dessa demanda, e bem atendê-Ia. toma-se IIIngrande desafio para as agências (pÚblicas e oficiais) de estatística. Com efeito, pelo lado da oferta. por mais que se lance mão de novas e melhores tecnologias, dinâmicas por natureza, há uma incômoda (difícil de ser rompida) rigidez no processo produtivo. Assim. as agências (pÚblicas e oficiais) de estatística debatem- se no complexo equilíbrio entre sua legitimidade (relação com a demanda) e sua credibilidade (relação com a ciência e com a pesquisa, no âmbito da oferta). Muitos e difíceis desafios Ihes são postos emface do futllro. Pois, pensar esse futuro. e propor atitudes práticas no presente, de modo a garanti-Io. é o objetivo deste texto. Palavras-chave: IlIformação. IlIformação estatística. Política pÚblica. ABSTRACT Statistical information plays a key role in the conception, design and implementation ofpublic policy, which guide governmental decisions and actions (both direct and indirect). Thus - and as a reslllt of changes in the scope ofgovernment activities- the demandfor statistical information (public and official) has increased in scope and scale. Understanding the dynamics ofthis demand has become a challenge for official statistical agencies. InfactJrom the supply side, however, in spite of thefact that newer and better tecJlllologiesare introduced, there is always an awkward rigidity in the production process itself. Public statistical agencies must strike a difficult balance between their legitimacy (related to thedemandfor statistics) and reliability (from thesupplyside, as it aJJectsscientific research). Statistical agencies areconfrontedwith several tOllghchallenges I.' As opiniões aqui expressas são pessoais, podendo não coincidir com as opiniões vigentes nas instituições com as quais o autor mantém vínculo. I'" Pesquisador (no IBGE). Professor (na ENCE /IBGE - Mestrado), Doutor em Ciência da Informação (ECO / UFRJ). Mestre em Economia (EPGE / FGV). Economista (UCAM). Transinformação, v. 13, n!! I, p. 57-65, janeiro/junho/200 1

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ARTIGO

INFORMAÇÃO ESTATíSTICAE POLíTICA PÚBLICA:DESAFIOSFUTUROSNO PRESENTE*

STATISTICALINFORMATIONAND PUBLlCPOLlCY:CURRENTFUTURECHALLENGES

NELSONSENRA"

RESUMO

A informação estatística ocupa lugar de realce na concepção, naformulação e na realização daspolíticas pÚblicas. que orientam as decisões e as ações (diretas e indiretas) dos governos. Paraesse fim, em razão das mudanças nos domínios de governo, a demanda por informaçõesestatísticas (pÚblicas e oficiais) vem se diversificando e se ampliando. Perceber a dinâmicadessa demanda, e bem atendê-Ia. toma-se IIIngrande desafio para as agências (pÚblicas eoficiais) de estatística. Com efeito, pelo lado da oferta. por mais que se lance mão de novase melhores tecnologias, dinâmicas por natureza, há uma incômoda (difícil de ser rompida)

rigidez no processo produtivo. Assim. as agências (pÚblicas e oficiais) de estatística debatem-se no complexo equilíbrio entre sua legitimidade (relação com a demanda) e sua credibilidade(relação com a ciência e com a pesquisa, no âmbito da oferta). Muitos e difíceis desafios Ihessão postos emface do futllro. Pois, pensar esse futuro. e propor atitudes práticas no presente,de modo a garanti-Io. é o objetivo deste texto.

Palavras-chave: IlIformação. IlIformação estatística. Política pÚblica.

ABSTRACT

Statistical information plays a key role in the conception, design and implementation ofpublic

policy, which guide governmental decisions and actions (both direct and indirect). Thus - and

as a reslllt of changes in the scope ofgovernment activities- the demandfor statistical information

(public and official) has increased in scope and scale. Understanding the dynamics ofthis demand

has become a challenge for official statistical agencies. InfactJrom the supply side, however,

in spite of thefact that newer and better tecJlllologiesare introduced, there is always an awkward

rigidity in theproduction process itself. Public statistical agencies must strike a difficult balancebetween their legitimacy (related to thedemandfor statistics) and reliability (from thesupplyside,as it aJJectsscientific research). Statistical agencies areconfrontedwith several tOllghchallenges

I.' As opiniões aqui expressas são pessoais, podendo não coincidir com as opiniões vigentes nas instituições com as quais o autor mantém vínculo.

I'" Pesquisador (no IBGE). Professor (na ENCE /IBGE - Mestrado), Doutor em Ciência da Informação (ECO / UFRJ). Mestre em Economia(EPGE / FGV). Economista (UCAM).

Transinformação, v. 13, n!! I, p. 57-65, janeiro/junho/200 1

SI! N. SENRA

forlhejÚlure. rhis paper wil/ address some oflhese challenges and propose praclical measuresaI presenllhal wil/ help deal with lhefuture.

Key words: lnformalion. Stalislical informalion. Public policy.

INTRODUÇÃO

A estatística - e estamos nos referindo aos

números que expressam as realidades e não à ciênciaque, par a par com outras ciências, contribui para ageração dos mesmos - é informação por excelência. Jáao tempo da produção, passando à emissão, tem fortebase semântica; a informação estatística é peculiar e ésingular.

Depois de produzidas e emitidas (divulgadas edisseminadas), como convém, as estatísticas têm apotência de provocar diferentes significações naquelesque as recebem, conformando informações diversas edistintas. Mas, toda nova signi ficação que os receptoresvenham a lhes atribuir, para ser bem feita, dependerá daapreensão e da assimilação dos significados que Ihessão fundadores (que Ihes estão na origem). Dito deoutra forma, os significados atribuíveis às estatísticaspelos receptores (significados derivados, de ordenssegunda, terceira e superior), só serão válidos serespeitados os limites (estreitos) de seus esquemas deelaboração (significados primários, de ordem primeira),que, portanto, precisam ser apreendidos ecompreendidos.

De fato, as estatísticas configuram múltiplosorganizados na linguagem dos números, uma linguagem(que se quer, na tradição científica) universal. Valedizer, as estatísticas agregam (superam) registrosindividuais (sobre pessoas, sobre coisas); tomam eagregam aspectos observáveis e registráveis individuais,e, ao agregá-Ios, dizem do todo (do conjunto, docoletivo) e não mais das partes. Ora, essas partes, porserem diferentes, heterogêneas, não são agregáveis, amenos que se Ihes atribua, que se Ihes destaque algumelemento em comum, por meio de algum princípio deequivalência, ou seja, estaremos observando eregistrando. aqueles aspectos individuais quepreviamente configuraram os múltiplos organizados.Por exemplo: os alunos de uma certa escola sãodiferentes e não são, em si mesmos, comparáveis, mastrazem em comum serem alunos daquela escola(princípio de equivalência), dessa forma, podendo serobservados e agregados digamos em suas idades, emsuas religiões, em suas origens, etc.

Assim sendo, as estatísticas são mensuraçõesconstruí das das realidades (como tudo na ciência e na

pesquisa; em todas as ciências, naturais ou humanas,nada é espontâneo, tudo é construção dos espíritosdaqueles que fazem a ciência), e isso não Ihes tira ocaráter objetivo (o que Ihes empresta tanta relevância eimportância). Enfatizando: se na origem, as estatísticastêm significação (forte base semântica), derivar-Ihesdiferentes significações (digamos, na geração deindicadores), pressupõe uma boa e correta apreensão eaceitação dos limites (estreitos) de seus esquemasprodutivos fundamentais (escolhas conceituais eescolhas processuais). Em não se o fazendo, atenta ecorretamente, acaba-se (de boa ou má fé) por mal usá-Ias, atribuindo-Ihes mais do que são, tirando-Ihes maisdo que têm; as estatísticas podem muito, mas nãopodem tudo. [E mais, convém não esquecer, paraescapar-se a uma constante fonte de erro: as estatísticaspor sua natureza não voltam aos individuais que asfundaram, sendo sempre expressões coletivas.]

Por demais, para além de serem da ordem dasemântica, as estatísticas, por sua natureza numérica (oque, repita-se, Ihes marca o caráter objetivo), tambémsão da ordem da sintática. Isso Ihes concede especiaise distintas condições de armazenamento e deprocessamento eletrônicos, o que, claro e óbvio, facilitae estimula suas reutilizações, quando, então, se Ihespoderá (potencialmente) atribuir diferentes significados(diferentes dos contextos de origem). Mas, tenhamospresente: a potência verdadeira das estatísticas em,correta e adequadamente, desencadear significadosdiferentes não está apenas nos números, mas também (esobretudo) nos seus processos de concepção, deprodução, de divulgação, de disseminação que não são,em princípio, armazenáveis e processáveiseletronicamente (ao menos não osão facilmente). Donde,se, de uma lado, poder valer-se de seu caráter sintáticoé vantajoso, por outro lado, pode ser ruim, e mesmoperigoso, se nos levar a olvidar o seu caráter semântico(cuja busca, infelizmente, é exigente e dificil).

A informação estatística significa um saberessencial ao exercício do poder; poder como capacidadetransformadora, como capacidade de intervir em eventospara mudá-Ios.

Ora, exerce-se poder sobre pessoas e sobrecoisas distantes. Por estarem distantes, fica muito dificil(se não mesmo impossível) promover ou estimular açõesque as mudem, de modo que será preciso, essencialmesmo, aproximar essas pessoas e essas coisas (sem

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fazê-Ias presente); quer-se revelar o distante, deseja-semantê-Io ausente.

Pois a informação estatística tem a capacidadede aproximar o distante, fazendo-o objetivamente.Assim,pessoas e coisas distantes são trazidas à presençados decisores (às suas mesas) na forma de poucastabelas (quiçá também expressas em cartogramas). Valedizer, toda uma população, em toda sua complexidade,nosé revelada por inteiro (em algumas de seus aspectos)em poucas folhas de papel (o mundo real se faz ummundo de pape1!), de modo a permitir que ações sejampromovidas e estimuladas, que decisões sejam tomadas.Pelas estatísticas fazem-se discursos de verdade!

Dessa forma, como fonte de saber, a informaçãoestatística pode e deve ser vista como uma tecnologiade distância, ou seja, como procedimento formalizadode domínio, como tal, sendo tecnologia de governo oude poder. Entenda-se por governo, num sentido abertoe amplo, a capacidade que todos temos, uns mais,outros menos, de agir ou atuar sobre outros, o que vemse intensificando e ampliando nos últimos tempos, emtempos liberais, tanto no âmbito do mercado, quanto noâmbito da sociedade (ou comunidade), par a par com ointenso âmbito do governo dos estados.

Não obstante a importância das demandas dosatores ou agentes da sociedade e/ou do mercado,sobreleva a demanda dos atores ou agentes do governo(dos estados), a maior de todas, em todos os tempos.Desde tempos imemoriais, a informação estatística vemsendo essencial aos governos (dos estados), instruindosuas ações, variadas e variáveis ao longo do tempo. Asdecisões baseadas nas estatísticas parecem não serpolêmicas: tudo se passa como se diante dos númerostodos tomassem as mesmas decisões, ou, no limite, tudose passa como se os números é que tivessem decidido...não os decisores políticos. Assim, não é de se estranharque os discursos políticos, no âmbito do governo (dosestados), mais e mais, percam as letras e ganhemnúmeros.

A INFORMAÇÃO ESTATíSTICA;A DINÂMICA DADEMANDA.

Vive-se um tempo que força e aguça acompetição, em resposta a uma sociedade cada vezmais exigente, em atendimento a consumidores cadavez mais voluntariosos e conscientes de seus direitos,com a informação assumindo um papel mais e maisestratégico nos negócios privados e públicos (emespecial, para a elaboração das políticas públicas). Ademanda de produtos e serviços se diversifica, se

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sofistica, e, sobretudo, se torna apressada, querendo-se respostas imediatas, donde, cada vez mais, demanda-se informações capazes de engendrar conhecimentos,muito rápido e muito bem, o mais possível estruturadas(afinadas aos negócios privados e públicos).

A informação chega mesmo a nomear a sociedadepós-industrial, expressando mudanças de fundo na vidaeconômica, marcada por um novo modo de produção,no qual muda a própria origem da riqueza, que passa aser o conhecimento (em lugar do trabalho e do capital,fontes da riqueza na sociedade industrial), altamentemarcado pelas chamadas tecnologias da informação.Elas, alterando profundamente, revolucionando acomunicação e o processam~nto, parecem desligar opresente do passado, unido-o ao futuro; qualquerpassado, próximo ou distante, parece remoto. Opresente, sendo (quase) futuro, e (quase) não tendopassado, se mostra efêmero, fluído, se esvanece nocotidiano, assombrando e amedrontando; para o bemou para o mal, perde-se (quase) o sentido de história.

Nossas noções de tempo e de espaço sedissolvem; nosso mundo diminui; as fronteiras nacionaise institucionais se esgarçam, quando não se esfacelam.O mundo que nos rodeia tira-nos o chão e, não raro, oteto. Nos pede mais e melhores informações, nosafrontam com demandas assustadoras, para as quaisquer respostas imediatas. Os que demandaminformações parecem ignorar que para havê-Ias amanhãterá sido preciso começar a produzi-Ias ontem e tercontinuado a fazê-Io hoje; trata-se de um ciclo, umimperativo da técnica e não da vontade. Mas isso, nolimite, não diz nada aos dem:ndantes; só o aqui e agoraparece que Ihes interessa; assim também se apresentamos governos (dos estados) em suas demandas às agências(oficiais e públicas) de estatística.

A era de ouro das agências (nacionais oucentrais)de estatística aconteceu na segunda metade do séculoXX. Ao fim da segunda guerra mundial, mesmo ospaíses vencedores estavam destruídos (à exceção dosEstados Unidos), mais ainda os países derrotados. Urgiafazê-l os renascer, para tanto, urgia revelar os recursosdisponíveis; urgia promover os planejamentos dereconstrução nacional cuja distinta e especial matéria-prima são as estatísticas. De fato, nunca se demandoutantas estatísticas, nunca se o fez de modo tão ordenado;o planejamento nacional (com ou sem mercado)dinamizava e ordenava a demanda. Mais que tudo,percebia-se facilmente a demanda.

As agências (nacionais ou centrais) de estatísticarecebiam, à época, um estímulo jamais visto. Mas, nãohouvesse ocorrido alterações na produção, teriamfracassado; as demandas foram muitas e a oferta pôde

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ser muita na razão da adoção das pesquisas amostrais.Até então, a elaboração das estatísticas dependia ou daspesquisas censitárias, sempre longas e caras, ou dautilização de. registros (individuais) administrativos,sempre dispersos e limitados. Pois o uso das pesquisasamostrais (cuja maturidade metodológica deu-se àquelaépoca, por feliz acaso) permitiu que, pela primeira vez,se pudesse criar / gerar registros individuais (para fins)estatísticos, dispensando a onerosa aplicação depesquisas censitárias e a laboriosa utilização de registros(individuais) administrativos. O único senão estaria naperda das unidades espaciais intra-nacionais, naturalnas pesquisas amostrais, mas isso se neutralizava peladimensão nacional inerente aos planos.

Mas, havia o risco de não se saber associar(correta e adequadamente) a oferta, agora muitoaumentada, à demanda, bem dentro daquela difícil elimitada significação das estatísticas em contextosdiversos de que se falou antes. Pois disso se livrou comoutro feliz acaso: a maturidade metodológica dacontabilidade nacional que, como nada antes nem depois,põe ordem na oferta e, essencial àquela época, aassociava diretamente ao planejamento, evitando-se,assim, o mau uso das estatísticas.

Três acasos felizes - o planejamento nacionalcomo expressão da demanda, a contabilidade nacionalcomo expressão da oferta, as pesquisas amostrais comotécnica de produção dos registros individuais - tornaramas agências (nacionais ou centrais) de estatística centrosde cálculo, vale dizer, instituições públicas de pesquisae não meramente repartições (administrativas) públicasvoltadas à produção de estatísticas (por simples listagemou contagem). Viveu-se, mundo afora, uma era de ourosem par (no nosso caso, isso se deu a partir de um tardio1971, 35 anos após a criação do IBGE).

Mas, tanta benesse, se deu a dois custos: um, oabandono (quase total) dos registros (individuais)administrativos como fonte de registros individuaispara a elaboração de estatísticas (não se preocupou emdesenvolver métodos que viabilizassem e facilitassemsua utilização); outro, o não fortalecimento e mesmo oenfraquecimento de agências estaduais e municipais deestatísticas (mesmo de 'agências' federais-temáticas),em grande parte por conta do abandono aos registros(individuais) administrativos. Pois esses custos, hoje,refletindo no cotidiano, fragilizam a elaboraçãosistêmica das estatísticas.

Nos últimos vinte anos, décadas de 80 e 90, norastro das crises do petróleo na década anterior, anos70, a situação mudou muito. De um lado, no planointerno, a crise nos estados nacionais, incapazes desustentar as grandes políticas econômicas, promotoras

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ou estimuladoras do crescimento, e ainda menos asgrandes políticas sociais, de caráter universal, como, aprevidência, a educação, a saúde, dentre outros, paratodos. Por outro lado, no plano externo, a globalizaçãofinanceira e comercial jamais vista, a exigir dos paísesdisciplina monetária, aberturas econômicas, com oônusda perda de força das decisões nacionais (dos própriosestados nacionais).

Nesse ambiente, a solução dos problemaseconômicos é remetida ao espaço global, e a soluçãodos problemas sociais é remetida aos espaços locais(reforçados, no caso do Brasil, com a revitalização dafederação com a nova constituição, ao fim dos anos 80).Daí, novos temas surgem nas agendas dos governos,por exemplo, a questão ambiental (com a noção dedesenvolvimento sustentável), a questão do combate edo controle das drogas (economia ilegal), a questão dainsegurança das grandes (e mesmo das pequenas)cidades, par a par, com a retomada dos direitos sociaisde sentido ou caráter universal, por exemplo, a saúde,a educação, a previdência.

Mudam os domínios de governo, altera ademanda por estatísticas; nova visão do poder e novavisão do distante a ser aproximado. Quer-se maisestatísticas, quer-se novas estatísticas; não que osprogramas tradicionais percam sentido, mas, por certo,perdem dominação, hegemonia. Vai-se continuarmensurando o crescimento, a inflação, a renda, vai-secontinuar mensurando o emprego e o desemprego, vai-se continuar mensurando a previdência, a educação, asaúde; apenas, talvez, sejam necessárias novasconcepções metodológicas, conceituais e processuais.Mas, haverá de se começar (ou de se aprofundar) amensurar a economia informal, a economia ilegal, aciência e a tecnologia (tão vitais à concorrência), acomposição da produtividade (sobremodo nos setoresde serviço e de comércio), numa lista sem fim (sem fime, por certo, polêmica).

Com efeito, olhar para fora, mirar o mundo,mesmo sem maiores atenções e profundidades, se nosrevela uma enorme gama de temas que andam a pontilharo cotidiano das relações sociais e humanas. Vejamosalguns (sem exaustão, sem ordenação, sem exclusão demuitos outros), aqueles que mais de perto falam aos quegovernam os estados, foco da maior atenção dosprodutores (públicos e oficiais) de estatísticas.

A questão da (in)segurança pública, em especial(mas não só) nas grandes cidades, tendo em seu redor,em relação direta ou indireta, uma economia informal emesmo uma economia ilegal, e mais, tendo as favelasurbanas como grandes fatores de uma exclusão decidadania altamente perversa (por exemplo, a questão

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dosnegros), forma um mosaico que talvez não estejamostratando devidamente.

As questões do emprego e do trabalho; aformalidade e a informalidade; a questão dodesemprego; a reeducação tecnológica; a educaçãovoltada ao mercado; a preservação do humanismo emmeio ao pragmatismo das necessidades imperativas; oteletrabalho, etc. etc. etc. Essas são questões imbricadasque precisaríamos repensar atentamente.

A questão da educação e das condições de ensino;a formação dos professores, os conteúdos e os métodos;o capacidade dos estudantes, as tecnologias e asbibliotecas; as famílias, as drogas, os vícios, etc. etc.etc. Questões complexas que, por certo, vimos tratandoapenas parcialmente.

A questão ambiental, em si mesma, e sob adimensão do desenvolvimento sustentável; a geraçãode novos empregos, educação diferente; tudo isso, para par com as ameaças da desatenção e da degradaçãoambientais; a escassez dos recursos naturais, com ascrises de energia e de água, etc. etc. etc. Questões emque vimos claudicando já há muito tempo, não obstantesua gravidade.

Os temas clássicos que andam a exigir novasabordagens: o idoso, o jovem, a criança; os índios, osnegros; os excluídos da cidadania. E mais: o turismo,externo e interno; o lazer, a religião. E ainda: acomunicação, as tecnologias; as redes de comunicação;a Internet; as ONG. E também: os alimentos orgânicos.Etc. etc. etc.

Sem ignorar, como foi dito, que muitos tópicosque vêm atualmente integrando os programas de trabalhodas agências de estatística continuam perfeitamenteapropriados. Assim, ao se levar em conta esses e outrostópicos, serão grandes as chances de se estarsobrecarregando os já sobrecarregados programas detrabalho; e os recursos humanos, materiais e financeiros,escassos, terão a escassez relevada, o que por certoassusta.

E isso põe as agências de estatística diante deum dilema: de um lado, deixar-se envolver pelasdemandas flutuantes, o que pode ameaçar suacredibilidade; de outro lado, voltar-Ihes as costas, purae simplesmente, o que pode ameaçar sua legitimidade.Ora, credibilidade e legitimidade não são indissociáveis,ao contrário, são as duas faces da integridade dasagências de estatística, aquela sendo sua dimensãointerna, técnica e científica, e esta sua dimensão externa,social e política. Será preciso ajustá-Ias, e a saída estaráem algum ponto médio entre a credibilidade, pautadana independência proveniente da ciência e da pesquisa,

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e a legitimidade, pautada na dependência provenienteda sociedade (aí presente o Estado e, ai denós!, tambémpresente o Governo).

Pois alcançar este equilíbrio não é e não seránada fácil, a exigir muito engenho e muita arte dasagências de estatística; sobremodo, será precisoenfrentar (equacionar) os custos vistos antes. Como,em boa medida, será difícil (talvez mesmo impossível)criar / gerar registros (individuais) estatísticas emresposta às demandas emergentes, será vital a geraçãode métodos para uso dos registros (individuais)administrativos, e, até por isso, dado que tais registrossão por natureza descentralizados, será vital a atuantee intensa presença das agências estaduais e municipais(e mesmo de 'agências' federais-temáticas) deestatística, pese terem sido fragilizadas (sacrificadas?)ao tempo da consolidação da agência nacional deestatística (ela, que não deve e não pode perder seupapel).

À FLUIDEZDA DEMANDA,A RIGIDEZDA OFERTA

Enfim, feita a difícil detecção da demanda,elaborada a documentação pertinente e adequada, serápreciso verificar o quanto as agências (públicas eoficiais) de estatística serão capazes (por diversosenfoques: científico, técnico e tecnológico, gerencial,etc.) de realizar. O que não Ihes couber ou não Ihes forpossível realizar, será posto a cargo da poderosaindústria (privada) das estatísticas (mais e maispromissora). Ao fim e ao cabo, debatida a questão,alcançado um consenso sobre o programa de trabalhodas agências (públicas e oficiais) de estatística, serátempo de se passar à oferta, em suas etapas de produçãoe de disseminação.

Muitas vezes, atender às (novas) demandasimplicará apenas mudar pesquisas existentes, sejaalterando conceitos, seja alterando processos. Muitasvezes, nem isso será preciso fazer, bastando modificaros enfoques das análises dos resultados, lançando-Ihesdiferentes olhares (por exemplo os estudos sobre idosos,sobre crianças e adolescentes). Por outro lado, algumasvezes será inevitável implantar-se novas pesquisas, oque nem sempre será viável, seja à falta de métodos(conceitos e processos), seja à falta dos recursos(humanos e materiais), seja à razão dos custos (não raroaltos); pois, no caso em que não seja possível e/ouconveniente criar-se registros individuais de naturezaestatística (via pesquisas amostrais ou via pesquisascensi tárias), restaria utilizar-se registros individuais de

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natureza administrativa (justo o que temos dificuldadesde implementar).

Tenhamos clareza: o tempo da oferta tem duasfases seqüenciais (mas também simultâneas), a produçãoe a disseminação. Entre elas, sendo o final da produçãoe o início (de fato) da disseminação, estará uma base dedados, devidamente estruturada.

Na fase de produção, releva que as informaçõesestatísticas geradas se assentem em bases conceituaisadequadas e em bases processuais precisas, e mais, quesejam geradas de modo permanente e sistemático. Nafase de disseminação, releva que se promova umasólida cultura de atenção aos usuários, liberando-os omais possível da mediação de especialistas, estimulandoe valorizando o auto-atendimento (de modo que cadausuário possa realizar seu encontro particular com aimaginação e com a criatividade, conseguindo dardiferentes significações às informações estatísticas).

Num primeiro momento, em tempo deconcepção, será feito um diálogo com a ciência (locusda verdade); nesse instante, a questão será saber se aciência já pen'sou aqueles domínios de governo, objetosda demanda, e, se ao pensá-los, já lhes deu contornosdefinidos; a questão central é saber se há conceitosbastantes, bastantes e sólidos, a guiar as decisõesfundadoras dos pesquisadores. Ora, aquilo que estiverbem conceituado terá contornos mais visíveis e, emconseqüência, serão observados com mais propriedade,mais competência, sobremodo, com menos polêmica.E. afirmaria sorrindo o Conselheiro Acácio (criaçãogenial do genial Eça), quanto mais passível dequantificação for um dado domínio de governo (objetode demanda), mais fácil será quantificá-lo. E é justonesse sentido que as estatísticas econômicas são maisrobustas, ou seja, porque têm na retaguarda toda a forçada ciência econômica. Infelizmente, isso não pode serdito das estatísticas sociais, o que é especialmentecomplicado, dado que as questões sociais mais e maisvêm ocupando as agendas de governo, exigindo-lhesmais e melhores políticas públicas; o fato é que não setêm para o social uma retaguarda científica indiscutível.

Num segundo momento, será feito um diálogocom a pesquisa, com todas as incertezas, as insegurançase as indecisões que lhes são inerentes. Aqui, a questãoserá saber se já se dispõe de um marco-processualconsistente e suficiente e sólido, muito além dos marcos-processuais típicos do ensino acadêmico. Esses, pormais que ajudem, não bastam à condução do trabalho decampo, quando serão obtidos os registros individuais(nas fontes estatísticas ou nas fontes administrativas),nem à condução do trabalho de análise, quando aquelesregistros individuais serão transformados nas estatísticas

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propriamente ditas. Veja-se, por exemplo, que aspesquisas voltadas à elaboração das estatísticas, degrande magnitude como são as de caráter público eoficial, trazem a peculiaridade da delegação do olhar,vale dizer, a observação, rigorosa e autônoma, que feza glória da revolução científica, será simplesmentedelegada a inúmeras pessoas, e não realizadas pelosque idealizaram e conceberam as pesquisas; e isso oslivros textos não ensinam a enfrentar. Dessa forma,muito do necessário marco-processual terá que serassentado internamente, numa criação de métodos emlaboratório, o que tem exigências peculiares; então, para par com a condução das pesquisas temáticas,cotidianas, será sempre preciso promover pesquisacriadoras de métodos.

Ao fim e ao cabo, ter-se-á a dita base de dadosestruturada, tendo início, de fato, a disseminação. E seestará, então, diante de uma demanda ex post à oferta(diferente da demanda ex ante à oferta, que fundou oprocesso de trabalho).

O esforço, no instante da disseminação(reforçada pela divulgação) deverá ser no sentido dese conseguir dinamizar e simplificar as relações comos usuários, seja no que tange ao tempo, aumentado-se a interatividade, seja no que tange ao espaço,aumentando-se a interconectividade, tudo através dasmodernas tecnologias disponíveis. Está-se falando deuma crescente promoção do auto-atendimento,libertando os usuários da tutela dos especialistas;contudo, por melhor que se o faça, não serão eliminadosos modos clássicos de atendimento: o atendimentopadronizado (na forma de produtos e serviços ajustadosa uma tipologia básica de usuários) e o atendimentopersonalizado (na forma de produtos e serviços ajustadosaos desejos de alguns poucos usuários, sob a assessoriade especialistas da informação estatística, conhecedoresde suas metodologias). E tudo isso não podendorestringir-se à disponibilidade exclusiva dos números(o lado sintático das estatísticas), sendo essencial queseus significados (o lado semântico das estatísticas)sejam também tornados disponíveis, de modo que osreceptores possam associar diferentes significações àsestatísticas (claro, correta e apropriadamente).

Por fim, perceba-se que nesse tempo, lidandocom a demanda ex post, as agências de estatísticapoderão fazer frente a muitas demandas erráticas (evarejistas) que marcam o tempo presente. Novosprodutos e/ou novas análises poderão atender a novosusuários.

Antes de passar adiante, façamos uma reflexão.A resistência ou a relutância ou a lentidão das agênciasde estatística em promover mudanças no sistema ou no

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INFORMAÇÃO ESTATÍSTICA E POLÍTICA PÚBLICA: DESAFIOS...

programa estatístico, ainda que perversa e mesmodeletériaa médio e a longo prazos, porquanto ameaçandosua legitimidade, pode ser vista como saudável a curtoprazo,na razão em que as protegem da inconstância dosdemandantes (que é inerente ao mundo global, em suaincrível dinâmica), protegendo sua credibilidade.

Contudo, as agências de estatística não ficaminertes, ao contrário, buscam proveito nessa dinâmica,porexemplo, apropriando-se das avançadas tecnologiasdisponíveis, com vistas a aumentar a qualidade dosresultados, o que é bom, mas, infelizmente, só de raroem raro, o fazem em busca da redução dos prazostécnicos (quebrando sua natural rigidez) e assim poder

atende.raos desejos de rapidez que tempera a demanda.Para tanto, maiores e melhores esforços laboratoriaisprecisariam ser desenvolvidos procurando, por exemplo,flexibilizar as estruturas gerenciais de pesquisa, criandocondições de atendimento às demandas emergentes(sempre em busca de espaço no programa tradicional),e/ou, flexibilizar os métodos (processos) de pesquisa,criando noções mais "relaxadas" de qualidade (nadaque fira o bom nome), tendo em vista os interesses dademanda, muitas vezes em busca apenas das noções degrandeza ou de tendência dos eventos ou fatos. Semesquecer que os registros (individuais) administrativosprecisam ser recuperados como fontes geradoras dasestatísticas, com o concurso das agências estaduais emunicipais, e de 'agências' federais-temáticas, todasem união / rede com a agência nacional.

COORDENAÇÃO: pOlíTICA, SISTEMAS,HARMONIAS

Dito isso, convém remarcar que a relação, de umlado, entre a demanda ex ante e a oferta (produção), e,de outro lado, entre a oferta (disseminação) e a demandaex post, não se faz e não se fará no livre jogo dasforças de mercado, mas antes, através de algumainstituição. Uma instituição coordenadora, capaz depromover políticas e sistemas, capaz de buscar ouconstruir harmonias, vale dizer, capaz de promoveras identidades possíveis no respeito às diferençasinevitáveis, entre os atores ou agentes envolvidos.Pela coordenação, tendendo ora mais ora menos àregulação, é que se buscará alcançar um equilíbrioentre a legitimidade e a credibilidade, de que vimosfalando, e que conformam a integridade das agências deestatística (federais-temáticas, estaduais e municipais,atuando em sistema com a agência nacional, umaalterna tiva de hospedagem da coordenação).

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Coordenar pressupõe um querer, um saber e umpoder; é mais do que um ato de vontade, mesmo que deboa vontade, não sendo suficiente que se o saiba fazer;pressupõe sobremodo, necessariamente, um ato demanifesta vontade política. Coordenar é como regeruma orquestra: ao regente incumbi definir o programae as partituras a serem executados; lado a lado, cadamúsico tocará seu instrumento, mas, como trabalhadoresde conhecimento, desejavelmente virtuosos, podem edevem ser vistos como parceiros e não comosubordinados; no limite, podendo e devendo serchamados a participar da definição do programa a serexecutado. Então, dessa forma, imagina-se umacoordenação ancorada no diálogo e no debate, difíceismuitas vezes, mas, absolutamente necessários,pautando-se no imperativo da construção de consensos.

A fronteira da coordenação dependerá, claro, daextensão do mandato que se lhe deseje atribuir:credenciar, certificar, atestar; físcalizar, controlar,penalizar; recomendar, aconselhar, colaborar. Mas,ainda que o poder da coordenação possa variar, vindoa ser mais ou menos incisivo, importa que em seuexercício se resguarde as liberdades e as identidades, sepratique uma diuturna argumentação na construção deum convencimento democrático. Nesse sentido, omodllsvivendi (modo de agir ou viver; saber-fazer), o modllsJaciendi (modo de se relacionar; poder-fazer) e o modllsgovernandi (modo de estabelecer-se responsabilidades;poder-saber ou saber-poder) no seio da coordenaçãodeverão ocorrer no contexto de uma rede ou cadeia dealianças, buscando-se um equilíbrio entre a liberdadeinerente às redes, com o aprisionar inerente às cadeias,tendo-se em mente o evitar que os resultados doprograma de trabalho sejam fragmentados ou mesmodesconexos (no fundo, há de se ter uma política públicavoltada à informação estatística, ela que se volta, na suarazão de existir, à geração das políticas públicas).

A coordenação, de modo a realçar seu espíritodemocrático, deverá praticar uma intensa e variadaaccollntability em todas as etapas de sua atividade.Assim, documentos diversos devem ser elaborados edivulgados amplamente, em conteúdos analíticos eexplicativos, em formatos detalhados e resumidos, emveículos impresso e eletrônico (uma extranet pareceráessencial). Pondo-se ao crivo da contradição, no âmbitode conselhos e comitês variados, é de se esperar quecontroles sociais sobre a elaboração das informaçõesestatísticas possam se fazer mais e mais presentes eafinados. Antes que o temor de qualquer dependênciasocial e política (própria ao tempo da demanda), antesque odesejo de uma completa e irrestrita independênciacientífica e técnica (própria ao tempo da oferta), há de

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se querer edificar uma interdependência entre ambos ostempos. Trata-se, de fato, do equilíbrio entrelegitimidade e credibilidade, facetas da integridade dasagências de estatística (federais-temáticas, estaduais emunicipais, em sistema com a nacional).

CONSIDERAÇÕESFINAIS

Como visto, hoje em dia, a feliz tríade doplanejamento nacional dando ordem à demanda, dacontabilidade nacional dando ordem à oferta e bem

legando-a à demanda e da técnica das pesquisas poramostragem como dinamizadora e ampliadora daprodução, que fez a glória da agência nacional deestatística já não está mais presente. De um lado, osplanos nacionais caíram em desuso, passando-se aosplanejamentos regionais e locais, para os quais, emespecial para os locais, há carência de estatísticas, emface da domínio das pesquisas amostrais. De outrolado, a contabilidade nacional, embora continueessencial, nãb mais cobre a oferta, agora pontilhadapelas estatísticas ambientais e sociais, sem o domíniodas estatísticas econômicas (vitais aos planos nacionais,que não mais se faz).

De fato, hoje em dia, a demanda se expressa napolítica pÚblica,variada e variante, sem que se a percebacom facilidade. Muita dessa política pÚblica são decaráter social, onde estaria o centro da ação de governo,donde a importância das estatísticas sociais; mas, asquestões sociais primam pela qualidade, sendo poucoafeitas à quantificação, de modo que as estatísticassociais feitas nunca são suficientes e/ou satisfatórias(como foram e são as estatísticas econômicas). Pois, àessa complicação, some-se o fato de que a solução dosproblemas sociais estão voltadas bastante às esferaslocais, para as quais fazem-se muito poucas estatísticas.Quanto às questões econômicas, para as quais semprefizemos muitas e confiáveis estatísticas, ao se remeteremàs esferas globais, se ampliam de modo tal que ficadifícil fazer uma oferta adequada; aliás, ao econômicoglobalizado sobreleva a dimensão financeira, cujasestatísticas raramente estiveram na esfera das agênciasestatísticas.

Isso tudo significa que tanto para a vertentesocial na dimensão local, quanto para a vertenteeconômica, acrescida da financeira, na dimensão global,as estatísticas disponíveis são insuficientes einadequadas. Assim, a tônica que as agências estatísticascentram nas pesquisas amostrais, perdem força aindaque se relute (com razão) em reduzir-Ihes a importância,até porque a alternativa censitária não se mostra simples.

N. SENRA

Dessa forma, fica claro que as estatísticas atualmentenecessárias deverão resultar dos registros (individuais)administrativos, que recuperam importância como fontegeradora; mas, como visto, não avançamos métodospara utilizá-Ios, tanto nos apegamos aos registrosestatísticos que as pesquisas amostrais nos deram emprofusão. E aí está um desafio a se vencer, qual seja,aprender a utilizar os registros (individuais)administrativos, por dificil e trabalhoso que seja, pormenos que estejam informatizados (o que facilita emmuito usá-Ios).

Ora, tais registros são por naturezadescentralizados, estando no contexto dasadministrações temáticas e localizadas, donde parabem usá-Ios, seja lá como se o faça, criados os métodos,será preciso fazê-Io através de atores ou agentesdescentralizados. Então, as agências federais-temáticas,estaduais e municipais de estatística ganham enormerazão de ser, mas, não esqueçamos, elas foramdesprestigiadas e desvalorizadas ao tempo em que aagência nacional se fortaleceu (em sua era de ouro,sob a tríade já vista). E aí está outro desafio a sevencer, qual seja, estruturar e fortalecer as agênciasfederais-temáticas, estaduais e municipais de estatística,demasiado vulneráveis às indevidas influências

políticas. Isso precisa ser vencido, sendo uma razão amais para a necessidade de uma ação coordenadoraforte e ativa, seja no desenvolvimento de instrumentos,seja na formação de recursos humanos; e mais, criandovínculos e compromissos cooperativos.

A par com essas mudanças (o uso mais intensodos registros administrativos e a presença efetiva dasagências federais-temáticas, estaduais e municipais,em formação sistêmica com a agência nacional), há dehaver mudanças internas nos processos de trabalho,dando flexibilidade às estruturas gerenciais e aosprocessos técnicos de trabalho. Sem isso, como esforçode vencer, o mais possível, a rigidez técnica da oferta(produção e disseminação), não se será capaz desatisfazer à volatilidade da demanda, volatilidadeinerente à dinâmica do mundo, imerso em relaçõestemporais e espaciais jamais vistas. Importa resguardara credibilidade das agências de estatística, conquistadaao longo do tempo, mas importa igualmente fortalecersua legitimidade, sob pena de não serem vistas comovitais; vale dizer, a informação estatística comotecnologia de distância, e, como tal, tecnologia degoverno, precisam manter sua força como saber (sendodiscurso de verdade), mas sem perder de vista que sevoltam ao exercício de algum poder.

Em tempos de revolução da informação, como aque se viveu quando da introdução dos tipos móveis da

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INFORMAÇÃO ESTATÍSTICA E POLÍTICA PÚBLICA: DESAFIOS...

imprensa, e como a que se vive com a introdução edinamização dos computadores, o mais difícil não é aassimilação das invenções mecânicas. O mais difícil ésaber tirar o melhor proveito dessas invenções, o quepassa por modificar atitudes, mentalidades ecomportamentos. Além de difícil, isso é lento, e o êxitonão é. automático, muito menos seguro, a exigirformaçõesreformadas e renovadas, a exigir novas réguasenovos compassos. Isso nos leva a pensar se as agênciasde estatístic - a velha agência nacional, e as velhas ounovas agências federais-temáticas, estaduais emunicipais -estão / estarão à altura do tempo futuro quenão é mais novo, posto que já presente no presente.Oxalá estejam! Oxalá seja capazes de construírem umanova era de ouro, nova, não mais aquela do passado,que (parece) não voltará mais! Oxalá, mesmo!

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Rio de Janeiro, setembro / outubro de 2001

65 anos da criação do IBGE - Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (1936)

130 anos da criação da DGE - Diretoria Geral deEstatísticas (1871)

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