escolhas e decisões

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Todo organismo vivo (vegetais e animais) busca, antes de tudo, manter sua vida e a da espécie. Nascemos para cumprir essa determinação. O resto é um sonho, preocupações secundárias e derivadas do princípio funda-mental e único: não morrer e nem deixar a espécie desaparecer.

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Escolhas e

decisões

Compilação de Felix J Lescinskiene

Publicação desenhada para ser lida também em dispositivos móveis.

2014

Créditos na ultima pagina

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Como atingir seus objetivos

Nossa visão do mundo

Princípios, Condutas, escolhas e decisões

Comandos conflitantes Biológico e Cultural

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Todo organismo vivo (vegetais e animais) busca, antes de tudo, manter sua vida e a da espécie. Nascemos para cumprir essa deter-minação. O resto é um sonho, preocupações secundárias e derivadas do princípio funda-mental e único: não morrer e nem deixar a espécie desaparecer. Nós, da espécie “Homo sapiens” (colocaram mais um “sapiens” e ele virou “Homo sapiens sapiens”; um só era pouco), fazemos parte de um grupo de seres semelhantes aos obedien-tes cupins, às ordeiras formigas, às belas e simpáticas abelhas e aos teimosos salmões. Esses animais, bem como todos os outros não citados, formam um batalhão de seres vivos disciplinados, em marcha continuada, do nas-cimento à morte, na sua busca frenética e in-cansável por metas imaginadas, somente i-maginadas, como sendo estabelecidas ou as-sentadas por eles próprios.

Somos assim também. A diferença está nos poderes que dominam uma espécie e outra.

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Os outros animais estão aprisionados pelos seus instintos e reflexos. Os homens, por ou-tro lado, estão aprisionados, da mesma for-ma, pelos instintos e reflexos e, também, tal-vez mais ainda, pelas regras, deveres e prin-cípios aprendidos pela cultura. Estamos en-carcerados pelas leis biológicas e pelas nor-mas impostas pela nossa cultura: valores, modo de perceber, fundamentos para racio-cinar, etc.

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Somos, de fato, dominados por inúmeras condutas irracionais (comandadas por parte do cérebro subcortical que nascemos com e-le) num momento. Em outros instantes so-mos comandados pela “razão”, a parte do cé-rebro ligada aos córtices cerebrais, ao apren-dido no meio ambiente muito cedo, isto é, quando éramos incapazes de julgar o apren-dido. Conforme nossa estrutura biológica e as regras ou normas aprendidas na comunidade onde vivemos, percebemos, prestamos aten-ção e explicamos as condutas dos objetos e das pessoas.

Experiência sensorial e avaliações de comportamento

Para nomear os objetos humanos e não-humanos (mulher, homem, pedra, chuva, couve, pardal, Lua, temperatura, televisor, etc.) a tarefa é relativamente fácil e seme-lhante para todos os homens, independente da cultura onde nasceram e viveram. Entre-tanto, quando observamos e explicamos o comportamento humano, este não é exami-

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nado e julgado conforme nomeamos os obje-tos do meio ambiente. A conduta humana é julgada e explicada, na maioria das vezes, in-tuitivamente, isto é, conforme o desencade-amento de tipos diferentes de emoções em nosso organismo produzidos pelas lentes (padrões, princípios) usadas para captar, ob-servar e valorizar o comportamento focaliza-do. As regras morais aprendidas como certas numa determinada cultura não fazem parte das ciências, isto é, não podem ser compro-vadas, refutadas e generalizadas. A maneira correta ou errada de se comportar varia de lugar para lugar, de grupo para grupo. A mai-oria dos julgamentos é construída conforme o momento, a cultura e nosso organismo par-ticular (homem, mulher, jovem, idoso, crian-ça, sadio, louco, alegre, deprimido, doente, etc.) As pessoas em Lumeeira, estando sempre a-tentas às condutas alheias, desperdiçam uma boa parte de suas vidas avaliando, geralmen-

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te negativamente, a conduta do outro. Uma outra parte do tempo é gasta na defesa das críticas recebidas dos vizinhos, companhei-ros e inimigos. Por outro lado, quando lhes sobram alguns momentos de liberdade e de folga para pensar, cada habitante da Cidade Luz, trancado em seu cantinho, deitado no amigo travesseiro, através de sua maldita e severa consciência inundada por exigências fora do possível para o homem, mergulha em meditações impiedosas. Eles questionam, sem clemência, se agiram ou não conforme as regras impressas muito cedo em suas cabeças moldáveis. As regras acerca de valores de conduta, uma vez tendo invadido nossa mente altamente plástica - ela aceita quase tudo - nos força a acreditar que nossas avaliações são mais ló-gicas e corretas que as elaboradas por nossos vizinhos. Frases, como as que serão descritas abaixo, todos nós já ouvimos: “Meu filho, eu sei o que é o melhor pra você. Vai tomar seu banho e escove os dentes”, “Não coma tanto”, “Está frio. Ponha esse agasalho”, “Você preci-

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sa levantar cedo”, etc. Tentamos, presos a es-ses julgamentos tendenciosos e preconceitu-osos, impor às pessoas com as quais convi-vemos, e também conosco, o que achamos justo, adequado, viável ou certo. Será? O biológico, o “eu ideal” e o “eu obrigação” A intenção ou propósito (plano) não existe na natureza não-viva, mas ela é universal nos organismos vivos. Para alguns teóricos, a in-tenção ou propósito da pessoa inicia um comportamento para “ser” o que ela imagina que quer ser (eu ideal) ou age para ser o que acha que deve ser (eu obrigação). Em Lume-eira, cada indivíduo deseja ser alguma coisa ou atingir alguma meta própria e, também, se comportar conforme as prescrições da cida-de: esses são os dois objetivos gerais. De ou-tro modo, agimos conforme nosso “eu ideali-zado” ou conforme nosso “eu dever” (“eu o-brigação”). Para isso o indivíduo assimila e adota alguns princípios orientadores implíci-tos (velados) no que diz respeito aos dois “eus”: o que ele aspira ou deseja ser, e outro

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conforme as pressões socioculturais que o estimulam ou o obrigam a agir conforme o modo aceito pelos valores culturais da comu-nidade da qual ele é parte. Mas isso não é tudo: o comportamento dos habitantes de Lumeeira é controlado, tam-bém, pelos atributos biológicos de cada orga-nismo. As características biológicas de cada um se entrelaçam aos princípios que derivam dos aspectos mais abstratos do pensamento. O resultado final visível ou observável dessa reunião de fatores é o que chamamos de comportamento.

Os diferentes “eus”: A memória e o controle durante a ação

Sempre estamos oscilando conforme nossas emoções: ora explodindo para o elogio e bus-ca de aproximação, ora para a crítica azeda e para o afastamento ou agressão. Partindo do princípio de que nós todos somos comanda-dos ou condicionados devido às nossas pecu-liaridades biológicas e socioculturais, talvez

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fosse mais viável evitar toda atribuição de responsabilidade ou todo julgamento moral, pois nossas escolhas são muito mais idiotas que costumávamos supor, como diz o ditado popular: “Em boca fechada não entra mosca” ou “Quem fala demais dá bom-dia a cavalo”. A neurociência atual mostra que muitos dos atos frequentemente considerados sob con-trole do indivíduo na realidade não o são. O homem é, como tudo, também um objeto da natureza (cientificamente previsível). É isso que todos os cientistas, biólogos, psicólogos, sociólogos e outros estão tentando fazer: descobrir leis associando o comportamento estudado e desconhecido com outros já estu-dados e conhecidos. Com o desenvolvimento das ciências sérias, os disparates acerca da conduta devem diminuir: é o que todos espe-ram, caso tenhamos uma ajudazinha de Deus. Os hábitos, pensamentos, sentimentos e ex-pressões - as condutas de modo geral - po-dem ser, pelo menos em princípio, passíveis de serem classificados e submetidos a hipó-

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teses e leis sistemáticas, como acontece com os comportamentos de outros objetos da na-tureza. Esse é o trabalho conjunto da psicolo-gia e de outras ciências relacionadas.

A multidão de idéias ao mesmo tempo; seu controle

A pessoa, durante suas ações, entre elas, con-versas e leituras, age e, ao mesmo tempo, li-mita ou impede o aparecimento de outras cognições (idéias ou raciocínios) inúteis para a ação proposta naquele instante. Se não exis-tisse essa obstrução, em cada momento, nos-sa mente seria invadida por uma multidão de idéias que de nada serviriam à conduta que está sendo ativada e intencionada. Se nossa mente fosse inundada, a cada instante, com as milhares de imagens armazenadas nela, todas ao mesmo tempo, seria impossível qualquer raciocínio e conduta orientados pa-ra um objetivo, ou seja, dirigidos para um ou uns poucos propósitos.

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Imagine, meu caro leitor, você conversando com seu chefe com a intenção de lhe pedir um aumento do salário. Entretanto, ao come-çar a conversa - a pensar para expressar seu desejo - surge, de uma só vez, tudo, ou mes-mo parte do que você armazenou em sua memória, como, por exemplo: a barriga do chefe está enorme; ele parece ter um caso com Divina; parece ser burro; tem esse poder por causa do pai; anda mal vestido; está fe-dendo; etc. Se você soltasse tudo isso de uma vez ou, mais ainda, bilhões de outras experiências armazenadas que nada tinham a ver com a conversa, como, “Esse ano irei passar minha férias em Cabo Frio; não sei se o dinheiro vai dar; acho que meu namoro não vai continuar; meu bairro está cada vez mais barulhento; minha cachorrinha passou a ter convulsões; minha mãe tossiu muito essa noite” e outras coisas mais, seria internado imediatamente. Algumas hipóteses acerca do pensamento es-quizofrênico afirmam que esse paciente per-de sua capacidade de “filtrar” estímulos, in-

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ternos e externos, dando origem a um pen-samento e conduta desagregada e solta, se-melhante à acima descrita. Isso dificulta ou impossibilita a compreensão de sua fala e comportamento. Esse controle das ações pessoais parece ser coordenado por conjuntos de auto-esquemas mentais - noções gerais acerca de si mesmo - levando ao aparecimento de outras represen-tações na consciência. Exemplo: “eu sou ho-nesto” ou, ainda, “sou religioso”. Falarei mais tarde sobre esse assunto.

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Dificuldade para atingir o objetivo desejado

Dificuldades

Nem sempre as pessoas conseguem atingir as metas pretendidas (intencionadas). Algumas vezes, devido aos obstáculos físicos ou por incompetência, ficamos no meio do caminho e não chegamos onde queríamos. Desse mo-do, muitas vezes, abandonamos nossas me-tas, aspirações ou intenções. Quando uma pessoa encontra grandes dificuldades em a-

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tingir suas metas, por mais esforço que tenha feito, ela tende a abandonar a conduta antes existente que era dar uma solução ao pro-blema X e focaliza sua atenção em outras di-reções, entre essas, a avaliação das probabili-dades positivas ou negativas acerca da ocor-rência do resultado desejado: “Minha coceira nos olhos não deu em nada; meu olho conti-nua a coçar apesar do que tentei”. Pensando assim, devo partir para examinar outras al-ternativas. A interrupção da ação (coçar) e a avaliação (não adiantou nada me coçar) podem ser ini-ciadas de diversos modos. Uma primeira ava-liação e mais simples é a frustração: “não consegui nada; ele continua ardendo, sou um azarado”. Nesse caso houve um obstáculo que me impediu de atingir a meta desejada; falhas ou restrições externas (cocei mal ou minha unha está grande e irritou a pálpebra) ou in-ternas, como as devidas ao déficit na minha habilidade, falta de conhecimento das causas da minha coceira, etc. Uma outra classe não rara de impedimentos para o êxito da ação é

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a ansiedade. Esta é despertada, em certas pessoas, quando o acontecido é percebido como mais ameaçador e as medidas tomadas como ineficazes tornam a pessoa mais pessi-mista quanto ao resultado da ação. O processo, ele mesmo, de avaliar o resultado de nossas ações durante sua execução, pode despertar em nossa mente uma grande quan-tidade de informação estocada pertencente não só à situação propriamente dita, como também às qualidades internas nossas (nossa capacidade para solucionar aquele problema específico; nosso ânimo ou desânimo diante das dificuldades e frustrações; a quantidade de esforço que serei capaz de usar e as op-ções de respostas disponíveis), como, por e-xemplo: “Tudo que faço dá errado” ou “Não desanimo fácil: vou continuar a agir até a co-ceira acabar”. Como mostrado no exemplo, quase sempre a avaliação das expectativas diante do obstáculo faz uso de lembranças de experiências anteriores, que dará uma maior confiança ou dúvida com respeito à atividade que está sendo executada (nunca fui um bom

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coçador de olhos). As expectativas acerca do resultado da ação constituem um determi-nante importante para que a pessoa respon-da às adversidades através de um esforço contínuo para atingir a meta pretendida ou decida pela desistência da tentativa.

A expectativa e o afeto durante a execução da ação

Quando as expectativas quanto ao resultado são favoráveis, as pessoas tendem a ter afetos positivos (humores, emoções). Estes são ex-perimentados como entusiasmo, esperança, excitação, alegria, sensação de bem-estar e, além disso, nascimento de um pensamento mais rico e continuado de modificações, isto é, não-fixo ou mais criativo. Por outro lado, quando as pessoas têm expectativas desfavo-ráveis (“Não vai dar certo”) quanto à ativida-de executada ou a executar (há produção de afetos negativos), elas apresentam sentimen-tos negativos, tais como a ansiedade, deses-perança, sofrimento e um tipo de pensamen-

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to repetitivo e pobre em conteúdo ou não-criativo e restrito. As pessoas, ao agirem, constantemente moni-toram suas ações verificando se estão ou não se aproximando do objetivo pretendido e, também, se a velocidade em atingir a meta está lenta, normal ou rápida. As emoções sen-tidas, satisfação e bem-estar ou insatisfação e mal-estar, ocorrem conforme a velocidade na qual a pessoa está caminhando para atingir a meta pretendida ou se afastando da meta ameaçadora. Assim, se a velocidade imprimi-da, bem como o sucesso para atingir o objeti-vo, é boa, ocorrem emoções positivas (“Estou feliz, fiz até agora tudo mais depressa que pensei”); se a velocidade é baixa ou muito lenta, surgem emoções negativas (“Hoje le-vantei com o pé errado. Nada dá certo; não conseguirei fazer o que queria”). Caracteriza-se a auto-regulação consciente do indivíduo como um processo de monitorar sua ação presente e comparar as qualidades que ele percebe nisso com os valores de refe-

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rência que ele tem. Conforme a avaliação ela-borada, a pessoa faz adaptações necessárias para tornar as desarmonias mínimas entre o desejado e o que está de fato acontecendo. O monitoramento é fundamental para controlar a conduta intencional. Em resumo, o monito-ramento ou a avaliação do sucesso da ação utiliza-se tanto da aproximação do objetivo, quanto da rapidez da aproximação (rapidez com que a tensão produzida pela discrepân-cia entre o esperado e o real, está sendo re-duzida); e não se ela está apenas sendo redu-zida, isso no caso de metas desejadas. Se ela está sendo reduzida rapidamente, a percep-ção do progresso do término da tensão é alta. Se a discrepância está sendo reduzida muito lentamente, a ação do progresso é baixa; se não há nenhuma, a redução é zero, exemplifi-cada em tarefas tais como: estudar para uma prova (“Ainda não aprendi nada”); caminhar uma distância determinada; realizar naquele dia vários compromissos como pagar uma conta no banco (“Estou há meia hora na fila e ela não caminhou”).

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Essa avaliação ou monitoramento se dá de duas formas: o primeiro sensor é avaliativo, confuso ou enevoado e não-verbal, ou seja, é a expectativa do resultado (“Tenho a impres-são que já estudei mais da metade do neces-sário”); o segundo sensor é puramente afeti-vo, uma qualidade de sentimento, ou um sen-tido de positividade ou negatividade, ou seja, qualidades que o organismo sente como mu-danças emocionais ocorridas durante uma ação qualquer (“Estou animado, pois tudo es-tá indo bem”). Quando não há mudança na discrepância, o afeto é neutro ou nulo; quando a ação está se fazendo contínua e equilibradamente, pro-gredindo para a redução da desarmonia, mas a taxa de redução dessa desarmonia é mais lenta que o valor imaginado pela pessoa, ha-verá um grau de dúvida e de afeto negativo, proporcional ao tamanho dessa discrepância. Quando a taxa de redução de discrepância na ação é mais alta que o valor de referência i-maginado há uma desarmonia positiva - um excesso de sucesso na execução da conduta,

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isso é refletido através da confiança e de sen-timentos positivos (“Tudo está correndo da melhor maneira possível”). Algumas vezes um fracasso tem uma grande repercussão nos nossos sentimentos, outras vezes nem tanto. Tais casos parecem depen-der do nível de abstração no qual a pessoa está focalizando. Se o fracasso atingir os ní-veis mais elevados, a percepção da conse-quência do fracasso será mais intensa (“Che-guei um pouquinho atrasado ao dentista e não fui atendido”, difere bastante de “Cheguei na hora marcada e ele não me atendeu”). Um ponto interessante: se a pessoa se excedeu na taxa de progresso, isto é, se está realizando sua atividade ou trabalho mais rapidamente que esperava, ela tende a agir mais devagar em seus esforços posteriores e, como resul-tado, o afeto positivo diminui.

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A velocidade da aproximação

da meta desejada As pessoas estão continuadamente agindo para alcançar diversas metas simultanea-mente e vários níveis de esforços mais baixos contribuem para minimizar as discrepâncias nos níveis altos. À medida que um movimen-to dirigido a uma meta alcança esta mais rá-pido que o esperado numa certa área, isso irá permitir à pessoa mudar sua atenção e esfor-ço para uma outra área. Quando uma pessoa pára e examina a situação em que ela se en-contra, ela, tipicamente, traz à mente uma sé-rie de possibilidades com respeito às situa-ções que são avaliadas quanto às suas conse-quências para a ação desejada: “Se eu, em lu-gar de agir dessa maneira, agisse dessa outra, talvez me saísse melhor”; “Isso é a única coisa que eu posso ver, e se assim agir as coisas i-rão piorar”. A pessoa pode também recuperar outras lembranças acerca de si mesma: “Eu nunca fui bom em mecânica de automóvel”; “As pessoas nunca gostaram de mim”; “Vá em

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frente: você é capaz de fazer isso, dê duro”, etc. Noutras vezes torna-se necessário uma busca mais minuciosa de lembranças e de possibilidades. Presumivelmente essas lem-branças são acumulações ou consolidações de exemplos de julgamentos ou reflexões de ações anteriores existentes no seu compor-tamento; o passado clareando e orientando o futuro. Algumas vezes o valor de referência é impos-to de fora, como as regras de conduta deter-minadas pela sociedade. Outras vezes ele é auto-imposto, como, por exemplo, seguir uma carreira e, em outras vezes, ainda, o valor de-riva de comparações sociais, como no caso das pessoas estarem competindo umas com as outras: “Estou ficando cada dia pior que meus colegas”. Às vezes as exigências são muito grandes, outras, pequenas, como o ca-so de uma carreira médica como uma forma de exigência interna e externa.

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O padrão utilizado para comparações

A severidade do padrão que é usado pelo in-divíduo ou por seu ambiente tem implicações para a sua vida emocional. Assim, por exem-plo, se os degraus exigidos para o progresso idealizado usado como ponto de referência são altos demais, eles raramente serão alcan-çados, mesmo se, objetivamente, a produção da pessoa for muito alta. Nesse caso, o indiví-duo experimentará um afeto muitas vezes negativo e raramente o positivo. Ao contrá-rio, se os passos de progresso imaginados como referência são baixos, fica fácil a pessoa reduzir a taxa idealizada para redução da dis-crepância, de modo que, frequentemente, ela consegue excedê-la. Nesse último caso a pes-soa experimentará facilmente o afeto positivo e raramente o negativo. Entre os fatores que restringem o alcance do padrão posto está o tempo gasto na execução para que a tarefa seja executada, como nos exemplos: “tenho que entregar essa tarefa

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amanhã”, uma exigência mais preocupante que outra, como, “Quando puder irei à China”. Há ainda certas atividades que as pessoas de-sejam terminá-las e, ao mesmo tempo, não têm nenhum desejo de realizá-las, como as atividades penosas e ingratas. Nesse caso a pessoa deseja terminá-las o mais rápido pos-sível (catar lixo, limpar privadas, lavar pilhas de pratos, fazer uma mudança, preparar a de-claração do imposto de renda, etc.). Nesses casos ocorre que a taxa de progresso, por si só, não serve como padrão. O afeto positivo pode aparecer caso a pessoa focalize, não a tarefa que está sendo executada, mas seu término. Pensando assim, seu afeto positivo poderá ir aumentando à medida que ela pre-vê seu término mais próximo. Acredito que fazer exercício físico nas academias, bem co-mo tomar banho frio e ir a velório situam-se nesse caso discutido. O “prazer” não ocorre com sua execução, mas sim com a percepção de seu término ou com a aproximação desse. É uma alegria ficar livre dela e ter realizado uma tarefa indesejável, mas que acredita-se

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fazer bem, semelhante a submeter-se a uma cirurgia, tratar de dentes, etc. Em todos esses casos, ficamos felizes pelo término do indese-jado. Em função do tempo e da experiência, ao nos acostumarmos com a tarefa, o prazer e o sofrimento dela decorrentes podem ir di-minuindo, devido ao costume ou adaptação do organismo. Geralmente essas mudanças são graduais, havendo um momento de espe-ra e de possível modificação cognitiva: “Vou parar de ser tão exigente com os outros e mais satisfeito com o que está ocorrendo”.

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A Cultura destaca dois modos para observar e representar o Mundo:

Percebido (mais realista), e Imaginado (mais livre e criativo)

Observar o Mundo

A nossa visão do mundo é, quanto à causa, dependente tanto do modo como o mundo é (a realidade externa) quanto do modo como nós somos (criativos, simbólicos); da “lente”

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usada para decifrar as informações no mega computador . Todo o nosso conhecimento do mundo (o casamento ou a diarréia) depende da nossa capacidade para construir modelos (esquemas, moldes, os vários diagnósticos) dele e, como esta capacidade é um produto da seleção natural, o nosso conhecimento, na verdade, depende de nossa característica bio-lógica de ser humano, como também das coi-sas como elas mesmas são, incluindo a cultu-ra onde fomos criados, isto é, os vários a-prendizados mágico/religiosos, ideológicos, científicos e do valor atribuído a cada uma dessas “ferramentas” mentais. Para entender e se adaptar ao meio externo (ambiente físico e social) e interno (o próprio organismo), cada morador de Lumeeira (a cidade luz) precisa conhecer razoavelmente esses dois universos, isto é, rudimentos (no-ções, pré-saber) acerca da conduta humana, dos animais e vegetais, das substâncias quí-micas e físicas, etc. Este aprendizado é adqui-rido através de diversas informações: geno-ma humano, experiência própria (ensaio e

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erro) e informações provenientes de relatos de experiências e explicações de outras pes-soas. A importância desse último aprendiza-do é enorme. Recebemos, a partir do nasci-mento, informações vindas dos nossos pais, amigos, vizinhos, professores, imprensa, li-vros, etc. O terceiro aprendizado, relatos de ou-tros/abstrações, opera unicamente com idéi-as ou associações de idéias e não com a reali-dade sensível, como ocorre com a experiência própria do indivíduo. Portanto, o conheci-mento abstrato (teórico ou de idéias) é uma informação de “segunda mão”, “leituras”, “traduções” ou opiniões de outras pessoas acerca de determinado assunto: político, reli-gioso, educacional, comportamental, etc. Por-tanto, a maior fatia de informações (conhe-cimento) por nós adquirida e usada origina-se das intuições (opiniões e idéias) de outras pessoas sobre determinado tema. Pois bem. É através desses instrumentos pre-cários, nos quais apenas uma pequena parte

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decorre da experiência do seu proprietário, que percebemos e formamos o mapa do mundo onde estamos inseridos. Munidos dessa representação, em parte alheia e de o-rigem duvidosa, assimilamos os dois univer-sos (organismo e meio ambiente externo) que nos cercam. Assentados nessas idéias es-púrias bem aprendidas e memorizadas resol-vemos nossos problemas, isto é, escolhemos um ou outro caminho e tomamos nossas de-cisões mais importantes, como, por exemplo, seguir esta ou aquela profissão, escolher esse ou aquele cônjuge, morar num ou noutro lu-gar. Portanto, agimos mais persuadidos (ori-entados) pelo que ouvimos dos outros do que pela experiência por nós vivida. O modo de representar o mundo simbólico (a linguagem), nos fornece um meio de não só representar a nossa experiência como tam-bém transformá-la em símbolos conforme nosso estado emocional, desejo e apego a uma ou outra área de conhecimento. O ho-mem, a cada dia mais, usa a forma simbólica, bem modificada e afastada da realidade, para

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representar seu mundo. Um modo de repre-sentar a realidade, como o uso da forma sim-bólica, pressupõe o empobrecimento de uma outra forma, como a motora e a sensorial (a-nalítica e observacional).

O sensorial, perceptual e o pensamento (cognitivo)

Para alguns autores existem três formas bá-sicas de representar o nosso mundo interno: representação motora, sensorial e simbólica. Essa última, a linguagem, nos fornece um meio de não só representar a nossa experiên-cia como também transformá-la em símbolos. O homem, a cada dia mais, usa a forma sim-bólica, bem modificada, para representar seu mundo. Um modo de representar a realidade, como o uso da forma simbólica, pressupõe o empobrecimento de uma outra forma, como a motora e a sensorial. O módulo sensorial/perceptual é desencade-ado (acessado) de forma automática e limita-do numa extensão de estímulos sensoriais,

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por exemplo: “vejo a chuva”, “sinto o gosto do café”, “tenho uma diarréia”. Como se vê, ele está geralmente associado pela limitação (co-ação, limitação) da arquitetura neural. Seu processamento é rápido, sem necessidade de conhecimento consciente (reconhecimento de face, da cor, identificação de objetos, sa-bor, dor, etc.) . Uma boa parte de nossos pensamentos e con-ceitos geralmente é evocada por experiências sensoriais e têm significado com referência a elas. Por outro lado, no entanto, outros pen-samentos são produtos de atividade espon-tânea de nossas mentes. Assim, esses últimos podem não manter relação lógica criteriosa com os conteúdos dessas experiências senso-riais; posso imaginar um anjo me visitando à noite. O fenômeno chamado de percepção consiste na associação, pelo observador, das regulari-dades de comportamentos distinguidos no organismo observado com as condições do meio que é visto como desencadeante dessas

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regularidades. Se alterarmos a estrutura do organismo, por exemplo, a da rotação em 180 graus do olho do sapo, ele, uma vez “defor-mado”, passa a errar seus botes em 180 graus, e, consequentemente, não mais pega nenhum inseto, pois há um erro dependente da estrutura do organismo. Os seres humanos, ao explicar os eventos, constantemente categorizam objetos e acon-tecimentos. Para isso certas regras são usa-das, mas essas, muitas vezes, são difíceis ou impossíveis de serem descritas verbalmente, como, por exemplo, a maneira feita pelo pro-vador de vinho para categorizar os sabores ou os artistas para categorizar as obras-de-arte que estão sendo observadas. Por outro lado, certas categorizações são fáceis de se-rem explicitadas, como um retângulo, um tri-ângulo, a laranja ou o limão. Pois bem. Conforme o exposto acima, uma ca-racterística da utilização cognitiva é sua evi-dente dificuldade de inibição ou crítica de sua atividade, ao contrário do conhecimento per-

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ceptivo: “Isto é uma laranja”. Esta afirmação, sendo sensorial/perceptiva dificulta a dis-cordância. Torna-se bem mais difícil catego-rizar o ET, a alma, a outra vida ou Deus, ou seja, classes cognitivas e não perceptivas. Nesse caso particular, uma vez possuidor da crença “Deus existe”, ou seu contrário, “Deus não existe”, a pessoa é também possuída (controlada) por uma ou outra crença (não uma realidade perceptível): a existência ou a não-existência de Deus. Tais crenças auxiliam (o modo certo ou errado não interessa aqui) seu possuidor a explorar, organizar, explicar e a conhecer o mundo que o circunda, ou seja, olhar as regularidades e irregularidades e buscar explicações das observações iniciais, conforme uma ou outra premissa (imagina-ção). Portanto, fazendo uso das crenças (teorias explicativas), diferente da percepção (obser-vação mais sensorial) da laranja, a pessoa poderá pôr ordem nas circunstâncias ordiná-rias e não se tornar ordenada por elas mes-

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mas; isso facilita a sobrevivência do indiví-duo. Por isso estamos sempre “ordenando”, com nossas crenças, o ambiente, qualquer que seja ele: um jogo de futebol ou a morte. Mas, por outro lado, o uso de crenças (o con-junto de elos que reúne fatos desconexos) tem uma possível grande desvantagem, pois dificulta a apreensão da “verdade”, o que está por detrás do cosmo que está sendo explica-do: a separação dos cônjuges. Por conseguin-te, as crenças originais, simples e fáceis de serem assimiladas ou adquiridas muito cedo, pouco ou nada ajudarão para conhecer a rea-lidade física mais complexa, enfrentada por todos nós o dia inteiro: dormir mal, escovar os dentes, tomar o ônibus lotado, etc. Ao con-trário, diversas crenças podem dificultar ou impedir o conhecimento mais exato do nosso meio ambiente, isto é, a entrada em nossa mente de outras informações mais práticas e menos imaginativas; mais adaptadas à reali-dade experimentada. É desse modo que as pessoas (todos nós) aprendem.

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O conhecimento popular é intuitivo (holísti-co, não analítico) e, como se sabe, as noções intuitivas são produzidas naturalmente, sem que haja nenhuma dificuldade para aprendê-las. Pesquisas mostram que mesmo os estu-dantes, pesquisadores e filósofos acham difí-cil abandonar totalmente as noções do senso comum aprendidas cedo. Essas crenças, mesmo quando sabidamente inadequadas pelo seu possuidor, muitas vezes, dominam a mente até mesmo dos mais sábios.

O domínio e ajuda dos princípios do megacomputador:

uma aquisição precoce A cultura humana adquirida pelo povo (senso comum) favorece uma rápida seleção das i-déias que prontamente ajudam as pessoas a resolver, de forma prática, problemas rele-vantes do meio ambiente (cuidados com a a-limentação, relações com pessoas, riscos de acidentes, etc.). Esses conhecimentos são fa-cilmente memorizados e processados pelo cérebro humano e ainda facilitam (servem de

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base ou molde) a retenção e a compreensão de idéias que são mais variáveis ou mais difí-ceis de aprender (ciência, filosofia). Com o tempo, diferentes culturas, estruturas taxonômicas (uso de termos para isso ou a-quilo) e conteúdo podem se tornar mais pro-fundos ou superficiais nas diferentes popula-ções. Não obstante, os princípios (modelos, esquemas, paradigmas) organizadores subja-centes ao organizado permanecem fortes e dominantes. Em resumo: a espécie de informação cultural que é mais sujeita a ser influenciada para compor o processamento das informações e a adquirida na infância é a mais facilmente transmitida de indivíduo a indivíduo (com-panheiros da escola ou da vizinhança mais experimentados), e mais apta para sobrevi-ver dentro de uma cultura determinada (os que vivem do lado de lá e do lado de cá da ferrovia) através dos tempos. E essa cultura particular irá fornecer a entrada adequada de apoio sociocultural, como, por exemplo, o uso

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de uma roupa ou cabelo, o modo de falar, bem como os termos usados, o gosto pelos líderes e heróis do grupo ao qual pertence, uma boa ou má auto-estima. As pessoas têm à sua disposição pelo menos dois sistemas de categorização separados: um sistema verbal baseado num raciocínio explícito que está sob controle consciente, aprendido mais tarde, e um sistema implícito que usa a aprendizagem processual (escre-ver, construir frase, digitar, etc.) e, também, os princípios implícitos, entre eles, a forma de avaliar ou de julgar a conduta moral nossa e dos outros; esse aprendizado é adquirido muito cedo.

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As Percepções e os Princípios

Etica-ou-Moral

Os observadores e críticos da história e da moral perceberam mudanças e diferenças en-tre um e outro grupo, entre um e outro indi-víduo quanto aos usos dos modelos morais. O que difere, entre um grupo e outro, o de Lu-meeira e o de Londres não é bem o conteúdo

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empírico percebido (a percepção) quase sempre semelhante (“Está chovendo”, “Esta comida parece estar estragada”), pois um e outro habitante de locais diferentes percebe mais ou menos os mesmos fatos. O que as sucessivas civilizações, as culturas diferentes (Moscou, Tóquio e Manaus) e mesmo os diferentes indivíduos “percebem” ou pensam de modo diverso são determina-dos pelos padrões básicos (princípios, fun-damentos), desejos, valores, forma de captar a informação. Mesmo diante de uma informa-ção percebida, pessoas diferentes poderão ter pensamentos avaliativos contrários, co-mo, por exemplo: “Graças a Deus está cho-vendo; vai melhorar a colheita” e, “Diabo de chuva; vai derrubar meu barraco” Segundo os exemplos acima, a chuva é “olhada” ou inter-pretada como um bem vindo de benfeitor (Deus) ou como um mal produzido por um malfeitor (Diabo). Portanto, o mesmo fenô-meno (chuva), percebido pelos dois grupos como um mesmo fato, foi causado, conceitua-do e valorizado de modo diferente. Esses

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fundamentos, sempre existentes subjacentes às nossas percepções, são utilizados para i-dentificar (esclarecer, tornar compreensível) ou julgar uma situação ou conduta. Agora um outro exemplo mais complexo a-cerca de princípios diferentes. No caso rela-tado abaixo não existem fatos possíveis de serem percebidos por nossos órgãos sensori-ais (não são factuais, nem mesmo, formais). Imaginemos dois habitantes de Lumeeira, sendo que um conceitua o mundo acreditan-do (não percebe diretamente) na existência de Deus (informação metafísica), e que, a par-tir dessa idéia inicial, acredita ter nascido com um propósito específico e que é possui-dor de uma alma imortal e, portanto, sua al-ma continuará após sua morte física. Um ou-tro habitante de Lumeeira não acredita (tam-bém não percebe) em nada do expresso pelo seu conterrâneo. Forçosamente a maneira de pensar e de agir em vários aspectos da vida desses dois indi-víduos será radicalmente diferente compara-

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dos um com o outro. O modo de compreender e explicar as ações, os códigos morais, as crenças políticas, os gostos, as relações pes-soais do primeiro vão ser profunda e siste-maticamente diferentes do outro. Os fundamentos básicos, a partir dos quais desencadeiam nossos pensamentos e percep-ções, nos dando motivos para agir e avaliar, têm sido chamados de modelos, princípios, paradigmas, esquemas, referenciais e outros nomes. Focalizamos, captamos, organizamos as informações selecionadas, compreende-mos e explicamos a realidade através de di-versas dessas lentes produtoras de pensa-mentos e comportamentos. Uma delas servi-rá para focalizar certos aspectos e não outros do mundo percebido e selecionado; uma ou-tra lente será usada para captar e manter na mente os fatos de interesse segundo as re-gras ou padrões da crença subjacente (ao mesmo tempo impedir a entrada de informa-ções que poderiam atuar contra a crença) e, por fim, uma outra “lente” de formato tam-bém diverso irá organizar (descobrir rela-

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ções) o selecionado de um modo ou de outro conforme os princípios, modelos, mapas ou paradigmas, etc. O produto final do trabalho dessas diferentes lentes dará origem a nossa cognição e raciocínio e, muitas vezes, a toma-da de decisões de um modo ou outro. Pensamos de modo diferente por possuirmos instrumentos diferentes para focalizar, nos informar (captar) e organizar o mundo de-frontado segundo esquemas (modelos, prin-cípios, etc.) diversos. O princípio (modelo) aglutina certos fatos, descarta outros, tor-nando o explicado coerente; lógico conforme o princípio subjacente aceito e adotado pelo sujeito. A crença em espíritos e feiticeiras, bem como a crença de que a Terra era o centro do Uni-verso, não se baseiam em fatos observáveis e ou logicamente inferidos (factuais ou for-mais). Essas crenças, como diversas outras (falsas teorias), foram defendidas porque se apoiavam em modos diferentes de captar e organizar a realidade mais generalizada con-

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forme certos modelos apenas conceituais (da cognição, pensamento, imaginação) e, conse-quentemente, e ao mesmo tempo, consolidar ou solidificar os fundamentos de como per-ceber e compreender o mundo de um modo e não de outro, conforme teorias religiosas da época. Há uma tendência humana de defender, custe o que custar, as idéias possuídas e aceitas como verdadeiras. Assim como cada morador de Lumeeira defende suas crenças não ob-serváveis, os governantes - Estado e Igreja - também se sentem obrigados a agir conforme as sujeições impostas pela força dos princí-pios autoritários seguidos. Entre essas “ver-dades reveladas” existia a de que a Terra era o centro do mundo, pois Deus pôs o homem aqui e não em outro planeta.

Surgem alguns problemas: princípios antagônicos

O mundo concreto e vivido por todos os ho-mens e animais mostrou também, além da

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bondade, que existe o seu oposto: a maldade. Para harmonizar a explicação, de um lado, a “bondade de Deus” e, de outro, a maldade do homem, houve necessidade de criar, também, um novo esquema ou modelo (princípio) pa-ra explicar as duas situações opostas; a mal-dade que escapava do poder de Deus, o cora-ção da bondade, justiça e perdão. Assim fo-ram criados termos (categorizações) opostos do atribuído a Deus; a maldade, a injustiça, a traição, etc., que foram percebidos a todo o momento em todos os lugares. Para isso foi construído o outro lado de Deus, isto é, a maldade ocorria devido a outros seres: os demônios (capetas, belzebus, diabos, satanás, espíritos maus e parentes destes). Esses entes, diferentes de Deus, foram cria-dos para representar a injustiça, o pecado, o ruim e criticado. Mas, por outro lado, eles e-ram também poderosos - quase-deuses - pois não puderam ser exterminados pelo bom Deus (do contrário estaríamos vivendo no paraíso); todos eles tinham o poder de deso-bedecer ou escapar - conforme seus desejos -

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ao comando do Deus todo poderoso e bondo-so, criador de tudo, portanto, inclusive dos demônios. Essas minhas considerações são lembranças e deduções de relatos míticos, ou seja, um modo de pensar de um grupo religi-oso; não de outros. Os demônios, para os possuídos por essas crenças (modos de conceituar), podiam pra-ticar o mal e se encarnar em algumas pesso-as. A pessoa, uma vez possuída pelo demônio, para retornar a sua normalidade, deveria ser exorcizada, isto é, era preciso promover a sa-ída do malfeitor do corpo da pessoa, ou, em certos casos, matar o capeta e a pessoa ao mesmo tempo; tudo para o bem dos santos e conforme os princípios que defendem a idéia de Deus, com poder, criador do mundo e do homem, etc. Todos esses “conhecimentos” (terorias) adquiridos através de intuições mí-ticas - não de observações sensori-ais/perceptuais ou deduções formais e lógi-cas - têm sido descritos, também, como “co-nhecimentos metafísicos”, ou seja, significan-do afirmações impossíveis de serem prova-

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das ou refutadas. As informações metafísicas (filosóficas) fazem parte constante de nossas conversas do dia-a-dia.

Princípios opostos em outras áreas do conhecimento

Pois bem. Não é só a religião que carrega nas costas uma multidão de incoerências; a polí-tica e sua e nossa adorada “democracia” se-guem o mesmo caminho, caso aprofundemos um pouco mais nossas observações e dedu-ções especulativas. A “teoria” explicitada a-cerca do que é “democracia” difere bastante do que realmente ocorre (o percebido ou concreto): o descrito num momento é negado na prática existente. Por exemplo: a demo-cracia é o governo do povo para e pelo povo. Entretanto, o povo vota nos candidatos esco-lhidos por um grupinho dos partidos mais poderosos e, além disso, não temos a liberda-de de não votar, sob pena de sofrermos inú-meras punições. Também, uma vez eleitos, pouco ou nada poderemos fazer para criticar o governo “democrático”. Em Cuba, o “herói”

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Fidel Castro, junto aos companheiros, lutou contra o execrável governo de Batista; entrou triunfante e não mais saiu. Getúlio Vargas, de modo semelhante, governou por quinze anos o país sem eleições e, mais tarde, Médici, Gei-sel, Costa e Silva, Figueiredo e outros agiram de modo bondoso e democraticamente para “salvar o país”. Sempre na política, como na religião, nas propagandas de sabões e chine-los, medicamentos para emagrecer e para memória, o falado é muito diferente do ob-servado; a teoria difere integralmente da prá-tica. A propaganda é feita como se o objetivo desta fosse ajudar o distraído freguês, eleitor, religioso, cliente em geral, mas, de fato, o que “leva vantagem em tudo” é o que diz estar a-judando o seguidor da propaganda, pregação, etc. Na Medicina, minha querida profissão, a cada dia mais nota-se a submissão dos médicos ao poder de grupos. Estes últimos estão mais in-teressados na saúde da empresa que dos cli-entes. Tratamentos e medicamentos, muitas vezes desnecessários, são receitados; apare-

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lhagem técnica complexa e cara são usadas, muitas vezes, sem precisar. De modo simples: a idéia (verborréia menti-rosa) se alastrou em todas as áreas deixando de lado os fatos observados. A informação conceitual (abstrata, idealizada) ao dominar a mente da maioria da população, seduziu o povo a “trabalhar” para o crescimento da ri-queza e domínio dos charlatões (os que gos-tam de “charlar”, conversar fiado iludindo a pessoa com discursos e trejeitos espalhafato-sos). Estamos cercados por todos os lados desses profissionais da charlatanice. Em re-sumo, passamos a dar muito valor ao falado e pouco ao observado ou deduzido logicamen-te. Uma crença, uma vez assimilada e estabeleci-da, passa a dominar a mente de seu possui-dor e, consequentemente, prepara um exce-lente terreno para o aparecimento, nascimen-to e crescimento de novas crenças do mesmo tipo.

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Aproveito a oportunidade para citar a idéia de Immanuel Kant: “Por mais que minhas pa-lavras te espantem, não deves condenar-me por dizer que cada homem cria o seu Deus. Do ponto de vista moral, é preciso criar Deus para poder adorá-lo como nosso criador. Qualquer que seja a forma...em que tomemos conhecimento da divindade; mesmo...se Deus se revelasse diretamente a nós...precisaríamos decidir se nos é permiti-do (pela nossa consciência) crer nele, e ado-rá-lo”. Temos criado diversos deuses: artistas, joga-dores, escritores, médicos, mercadorias, igre-jas, medicamentos e diversões; escolhemos crer neles e adorá-los como afirmou Kant.

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A Verdade e os diferentes modos de explicar

Explicações

A conduta (a tomada de decisões) do homem é determinada pela maneira como ele capta (apreende, obtém), percebe, emociona-se, pensa e prevê os acontecimentos. Através do trabalho sensorial, perceptual, cognitivo, e-mocional e imaginário o ser humano tenta construir (representar) para si um mundo significativo (inteligível, compreensível) e emocionalmente sentido como agradável ou desagradável, para aproximar ou escapar de-le. Para executar esse trabalho, o homem cap-ta, classifica e ordena uma multidão de estí-

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mulos focalizados e importantes para ele no momento e, ao mesmo tempo, descarta as mensagens desnecessárias: fatos, objetos e pessoas. Em seguida avalia o compreendido através do bem-estar emocional produzido por sua crença, ou relaciona o concebido com outros conhecimentos existentes. Diante des-se encontro o homem usa modelos para or-ganizar o percebido ou conjeturado e, tam-bém, geralmente, sente emoções diante da composição do caos disposto de forma orde-nada. O conhecimento é adquirido através do modelo (padrão, esquema) utilizado e das emoções sentidas. Os acontecimentos estão constantemente o-correndo em torno de nós e são ordenados conforme as diferentes concepções ou inter-pretações que, uma vez armazenadas em nossa memória, são usadas automática e im-plicitamente. Somos nós, conforme nosso próprio modelo mental, que organizamos, em nosso pensamento, certos acontecimentos e não outros. Enfatizamos alguns deles, valori-zamos uns mais que os demais e criamos as-

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sim sentido para fatos antes soltos e desor-ganizados no meio ambiente e que, sem a participação de nossa mente única (diferente de todas as outras), encontravam-se sem sig-nificado. Apesar de todo o esforço de nossa mente ja-mais iremos conseguir alcançar a verdade “verdadeira”, pois a verdade captada é criada de acordo com o momento que estamos vi-vendo, com o conhecimento captado e os modelos usados no instante, adequado ou i-nadequado àquela situação particular, isto é, ela varia de pessoa para pessoa e de momen-to para momento. Com frequência, acreditamos estar de posse da verdade ao percebermos existir certa rela-ção prática e funcional entre os nossos dese-jos e esperanças e os resultados aparentes de nossas ações. Ao estabelecermos apenas uma concepção da realidade caótica, eliminamos várias outras interpretações possíveis, e fi-camos convencidos de ser a nossa análise a única aceitável ou correta. Vejamos alguns

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exemplos extremamente simples: um garoto residindo na zona rural criou um modelo de diversão a partir de uma bola, um cão e al-gumas brincadeiras existentes em sua cidade. Um dia ele veio passear em Belo Horizonte e visitou um parque de diversões. Provavel-mente, ficou boquiaberto e confuso ao ver tanto brinquedo desconhecido. Ora, o “des-lumbramento” acerca da “verdadeira diver-são” será oposto caso o menino estivesse a-costumado a visitar a Disneyworld. Um se-gundo exemplo: uma adolescente de 15 anos conquista o seu primeiro namorado, um im-berbe de 16 anos. Fica encantada com suas declarações de amor e com sua técnica efici-ente de abraçá-la e beijá-la. Posteriormente, conhece um rapaz treinado nessa arte com esmero. A mocinha passa a ter um novo mo-delo, uma nova “verdade” do que seria um “bom” ou “excitante” namorado e reformula-rá o seu julgamento inicial. O amigo leitor poderá lembrar-se de vários exemplos pessoais: suas preferências culiná-rias antigas e as de hoje; suas escolhas passa-

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das e as atuais quanto à música, passeios, po-lítica, literatura, programas de TV, futebol, etc. A sua concepção do mundo, com a idade, tornou-se diferente; seu “mapa mental”, ain-da que vivendo num “território” muito seme-lhante ao antigo, não é mais o mesmo. Agora, possuindo novos modos de “enxergar” a rea-lidade, pois faz uso de novas “lentes”, desco-brirá novos valores. Você passa a perceber acontecimentos antes não notados, represen-ta fatos ao seu redor de maneira diferente e visualiza o mundo de outro modo. Chamo a atenção do leitor que as nossas pri-meiras “lentes” usadas para detectar as “ver-dades” da realidade não foram criadas por nós. Algumas, como as emoções sentidas, fa-zem parte de nosso organismo biológico (nascemos com elas), outras foram aprendi-das através de nossos educadores: pais, pro-fessores, companheiros e outros. Esses mo-dos de captar estímulos e “olhar o mundo” nos foram transmitidos, na maioria das vezes, de maneira simples, ingênua e até mesmo to-la. Uma vez inculcadas essas “verdades”, elas

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nos darão uma representação do mundo se-melhante à existente na mentes dos nossos educadores. As novas informações que nos chegam posteriormente, com frequência, vêm fortalecer as idéias primitivas, pois o comum é convivermos com pessoas que pensam de modo semelhante ao nosso, lermos livros previamente examinados e não censurados e assim por diante. Temos a tendência de gos-tar de ler ou de ouvir discursos ou pregações fáceis de serem assimiladas, ou seja, que es-tão de acordo com o aprendido e valorizado por nós. Psicologicamente é mais fácil manter as ver-dades iniciais, pois assim não temos que re-pensar e jogar por terra crenças queridas e familiares, que davam coerência ou sentido ao mundo experimentado. A entrada de no-vos modos de pensar - de conhecer a realida-de - nos perturba e nos faz perder a harmonia antes existente diante da derrubada de nos-sas “sólidas” crenças. Não é fácil trocar uma crença, como “Minha mãe sempre me amou”, por outra, tal como “Minha mãe, de fato, me

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odiava”. Essa mudança nos obrigaria a re-formular nossa opinião, sentimento e condu-ta nos mais diversos aspectos, pois a nova crença cria modos diferentes de organizar nossos modelos mentais. Também, a troca da crença “Minha namorada só se encontra co-migo” pela “Minha namorada anda me train-do com outro; talvez, outros”, também iria produzir sérias mudanças na maneira de pensar, sentir e viver. Muitas vezes, apesar de todas as evidências dos fatos, contrárias ao modelo estabelecido, a pessoa continua a adotar a crença inicial. Quase sempre, só com algum sofrimento, até mesmo com algum sentimento de culpa, é que conseguimos mudar as “verdades” gerais ou princípios iniciais, principalmente quando as novas são totalmente diferentes das anti-gas. Por outro lado, não é difícil mudar a per-cepção de fatos sensoriais, como passar a gostar de espinafre ou de ovos após prová-los algumas vezes ou, ainda, passar a escovar os dentes, pois, caso contrário, será criticado pe-lo mau hálito.

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O homem é um inventor de verdades, um conceitualizador de acontecimentos, um re-presentador de uma realidade que ele nem sabe quanto de real ela tem. E como se dá es-sa invenção? Por capricho, raciocínio, emoção ou pressão dos fatos? Ainda não possuo essa verdade, mas gostaria muito de possuí-la.

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Créditos Publicado em: Publicações ›› Segredos da Mente ›› O poder modelador da cultura ›› Pressão cultural: Prescrições para um modo de pensar e agir padronizado

Por Galeno Alvarenga 4 de fevereiro de 2010