jovens e escolhas profissionais

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  • 7/28/2019 Jovens e escolhas profissionais

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    Observatorio (OBS*) Journal, vol.6 - n4 (2012), 077-107 1646-5954/ERC123483/2012 077

    Jovens e escolhas vocacionais em magazines informativos portugueses(2000-2008)

    Cristina Ponte*

    * FCSH-Universidade Nova de Lisboa

    ResumoEste artigo caracteriza o tratamento jornalstico de matrias relacionadas com jovens (15-35 anos), assuas escolhas vocacionais e a sua situao perante o trabalho em trs revistas generalistas de grandeexpanso, entre 2000 e 2008. Como enquadramentos, apresenta as caractersticas deste jornalismo de

    revista, na sua dimenso de proximidade e de aconselhamento ao leitor, por um lado. Por outro,caracteriza o contexto portugus com uma ateno aos valores relacionados com emprego e experincialaboral, nesses anos. A escolha de revistas orientadas para leitores onde se destacam leitores do sexofeminino e a ateno ao tempo longo permitiu contrastar discursos entre as revistas seleccionadas: acontinuidade da ateno mobilidade e ascenso social, na revista de cariz popular; a sbitaconsciencializao do problema do desemprego juvenil quando passou a afectar os seus filhos,educados e com formao superior, nas revistas orientadas para leitores de classes mdias.

    Palavras-chave: Jovens e media; representao meditica; magazines; anlise de imprensa;emprego

    AbstractThis article presents how Portuguese news magazines reported issues related to young people (15-35 years) and their vocational choices and employment from 2000 to 2008. The analysis is framedby the Portuguese context in those years, introducing values concerning employment and workexperience, and it also introduces the news magazines style and its particular proximity to femalereaders. The choice of leader magazines targeted to different social groups and the focus on longtime made visible distinctive discourses: the continued attention to mobility and social mobility in thepopular magazine; the sudden awareness of the problem of youth unemployment when it started toaffect "their children", in magazines oriented to the middle classes.

    Keywords: Youth and media; magazines; news analysis; employment and economic crisis

    Introduo

    Este artigo viaja a um tempo anterior ao da crise econmica mundial desencadeada no Vero de 2008 e

    cujos impactos na sociedade portuguesa se fizeram sentir anos depois. Procura identificar como se falava

    do emprego juvenil em tempos j distantes, de 2000 ao incio de 2008. Em revistas informativas nacionais

    de grande circulao e numa perspectiva longitudinal, assinala-se a frequncia e os momentos em que

    aparecem referenciadas opes vocacionais e perspectivas profissionais dos jovens, caracterizando que

    jovens aparecem(e, por corolrio, que jovens esto ausentes) e comoso apresentados.

    Copyright 2012 (Cristina Ponte). Licensed under the Creative Commons Attribution Noncommercial No Derivatives (by-nc-nd). Available at http://obs.obercom.pt.

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    A presente anlise fez parte do projecto O futuro em aberto: incertezas e riscos nas escolhas escolares

    (2007-2010), coordenado por Maria Manuel Vieira, do Instituto de Cincias Sociais e financiado pela FCT,

    de que comearam a sair publicados alguns artigos (Vieira, 2012; Vieira, Pappamikail e Resende, 2012). Os

    resultados aqui presentes foram apresentados no seminrio internacional de concluso do Projecto,

    realizado em Outubro de 2010 (Ponte, 2010). Resultados do mesmo Projecto, realizados atravs de

    inquritos extensivos e por entrevistas semi-estruturadas a jovens que frequentavam o ensino secundrio,

    apontaram que, no que se refere aos modos como iam elaborando as suas escolhas vocacionais, os meios

    de comunicao social (das notcias s sries de fico) ocupavam um lugar subalterno em relao ao peso

    das redes familiares e de pares (2011). Estas concluses claramente contrariam uma viso algo simplista

    sobre o poder persuasivo dos mediajunto dos mais novos.Uma anlise de oito anos permite confrontar o que foi a cobertura jornalstica sobre questes relacionadas

    com jovens, estilos de vida e escolhas vocacionais, nesse tempo longo do incio do sculo XXI, com a

    cobertura jornalstica no presente, onde as escolhas vocacionais e a situao de precaridade do

    desemprego juvenil esto na ordem do dia. Desse modo possvel, olhando para trs para encarar o

    presente, dar conta das suas continuidades e mudanas.

    O artigo comea por apresentar uma contextualizao da sociedade portuguesa no que se refere aos

    valores relacionados com o trabalho profissional e as suas carreiras, para de seguida caracterizar o tipo de

    suporte meditico que foi alvo de anlise: as revistas de informao geral. Partindo destes dois pontos

    como enquadramentos, apresenta a metodologia activada para a anlise das peas e os seus resultados, deonde ressaltam interessantes diferenas entre os jovens excepcionais e os jovens como grupo geracional,

    entre a revista de cariz mais popular e as revistas mais orientadas para classes mdias. O artigo conclui

    com uma sntese de resultados e pistas para investigao futura.

    1. Valores modernos e ps-modernos sobre o mundo laboralA investigao sociolgica tem assinalado como avultam nas ltimas dcadas profundas alteraes do

    modo como se realiza a entrada no mundo laboral. Com o fim da estandardizao do trabalho, assistimos

    passagem do pleno emprego para a sua flexibilizao e a permanncia de um desemprego estrutural, numcenrio de riscos e de oportunidades. As fases da vida associadas ao desemprego j se tornaram parte

    das biografias de base de grande parte da populao, e esta normalizao biogrfica corresponde a uma

    normalizao institucional com um final em aberto, escreve o socilogo Ulrich Beck, (1992: 149, aspas

    do autor).

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    Se este um cenrio das sociedades de modernidade avanada, na sociedade portuguesa de

    modernidade inacabada (Machado e Costa, 1998), interessa identificar como que se procede o

    confronto entre valores relacionados com o trabalho como os valores materialistas (em torno da

    segurana fsica e econmica) e os valores ps-materialistas (em torno da atribuio de sentido e

    desenvolvimento pessoal, de sentimentos de pertena e de auto-estima), como aponta o estudo liderado

    por Antnio Caetano, em relao escolha de uma vocao/profisso (ver Caetano et al, 2003: 431-2).

    Numa anlise a um perodo j distante e de oito anos, procuramos ver see comose verificou a passagem

    entre valores materialistas e ps-materialistas, e se essa transio contm elementos de regresso

    derivados dos efeitos como crises econmicas e de emprego.

    Mais do que as diferenas de gnero, os nveis educacionais e as caractersticas ocupacionais das variveisdemogrficas so considerados referncias para a definio dos valores do trabalho (Caetano et al., idem).

    A educao ponto-chave em todas as estratgias de desenvolvimento e o esforo de modernizao na

    sociedade portuguesa foi notrio nas ltimas dcadas. Se a populao com acesso ao ensino superior

    sextuplicou entre 1970 e 2002, chegando a 9,4%, era ainda menos de metade da mdia europeia; em

    2004 a sada da escola sem completar o 12 ano andava pelos 40% (Telo, 2007: 326-333). A

    democratizao do ensino superior abriu o acesso a uma populao socialmente heterognea, cujos pais

    continuam a apresentar baixas qualificaes escolares (Martins, Mauritti e Costa, 2005; Vieira e Almeida,

    2012). E se hoje estudantes do sexo feminino so maioritrios na maioria dos cursos superiores,

    estudantes de minorias tnicas esto relativamente pouco presentes.Nas profisses, as dinmicas de modernizao no ocorreram em todos os sectores. Enquanto o sector

    primrio caiu brutalmente de 46,6% em 1960 para 4,1% em 2001, e as profisses intelectuais quase

    quadruplicaram (de 2,8 para 8,6%), os operrios no especializados mantiveram o peso de h 50 anos,

    cerca de 30%. O declnio do sector primrio no foi assim compensado por uma correspondente subida de

    profisses especializadas nas novas indstrias e servios. Em meados da primeira dcada de 2000, o sector

    transformativo tradicional na indstria e a prestao de servios pouco qualificados em pequenas empresas

    e na administrao pblica continuavam a ser a paisagem laboral dominante, apesar do dinamismo da

    banca, dos seguros, do imobilirio e do emergente sector ligado a novas tecnologias (ver Cardoso et al.,

    2005: 39).Em 1997, resultados do International Social Survey a maiores de 18 anos sobre um conjunto de 15 valores

    sociais ligados ao trabalho, mostravam que Portugal se destacava por apresentar uma muito menor

    atribuio de valor iniciativa pessoal (em 13 lugar, para o 7 lugar na mdia europeia). Contrastava

    tambm da maioria dos pases europeus na elevada salincia de valores relacionados com as condies de

    emprego (remunerao, bom horrio) no contexto do trabalho. A comparao com resultados de 1990

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    revelava no s os mesmos valores de topo (trabalho bem pago, ambiente humano agradvel, segurana),

    mas tambm a ascenso de tendncias que contrariavam o perfil de desempenho profissional esperado em

    economias de forte dinamismo: ter iniciativapassou de 52,8% em 1990 para 35,9% em 1997. Desceram

    tambm a realizao(de 64,3% para 48,1%) e o uso das capacidades(de 56,6% para 46,5%). Estes trs

    valores ficavam assim abaixo da metade, traduzindo uma ritualizao do acto laboral, dado como tendo

    vnculo assegurado. Podemos ver aqui um contraste com dinmicas laborais ps-modernas, que privilegiam

    o envolvimento individualizado, as competncias e os talentos (Caetano et. al., 2003: 437-455).

    Perante estes indicadores, os autores notam que parece ter vindo a emergir uma certa inclinao hednica

    face ao trabalho desde que este no implique pr-actividade e oferea estabilidade no que se refere a

    recompensas, ambientes e segurana (idem: 453).Em 2007, resultados do Eurobarmetro a jovens europeus (15-30 anos) fornecem outros pontos de

    reflexo. Interrogados sobre as dificuldades de encontrar emprego, os jovens portugueses foram os que

    mais assinalaram que a principal razo era a falta de oportunidades no pas (63%, para 38% na mdia

    europeia) e os que menos referiam ser difcil encontrar um emprego por no terem suficiente experincia

    prtica(13%, para 24% de mdia europeia). Estas respostas sugerem uma postura que privilegia factores

    externos (o pas, os outros) sobre os internos (as caractersticas do sujeito e da situao, a vontade em as

    ultrapassar).

    Na comparao de valores emergentes nesse estudo europeu, entre as qualidades mais necessrias para

    encontrar um bom trabalho, apareciam: comunicao e a capacidade de trabalhar em equipa (27%); tercompletado um curso de formao ou uma aprendizagem (21%); saber trabalhar com computadores e

    novas tecnologias (17%) e dominar lnguas estrangeiras (16%). Os jovens portugueses foram os que

    menos valorizaram a comunicao e trabalho em equipa (14%,) e os que mais mencionaram a necessidade

    de ter completado um curso de formao ou aprendizagem (34%), sugerindo que as competncias

    relacionais cediam espao s competncias formais (ter um canudo). Por seu lado, os jovens portugueses

    estavam abaixo da mdia europeia nas dificuldades com lnguas estrangeiras e com aspectos

    organizacionais, mas acima na considerao de no terem condies financeiras para ir trabalhar para fora

    do pas e poderem vir a ter dificuldades no reconhecimento das suas qualificaes. Podemos encontrar aqui

    uma certa resistncia ao enfrentamento da mudana que no alheio a dificuldades econmicas e a baixocapital econmico das famlias para um apoio nos primeiros tempos da mudana.

    No terceiro trimestre de 2007, segundo dados do INE, as taxas de desemprego por grupos etrios e nvel

    de escolaridade atingido apontavam que entre os jovens licenciados (25-34 anos) cerca de um tero

    (32,1%) estava desempregado. Na mesma faixa etria, jovens com ensino bsico (3 ciclo) e com o ensino

    secundrio e ps-secundrio apresentavam um ratio de desempregados na ordem dos 13%.

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    neste contexto portugus e nesse tempo j distante que iremos apreciar a cobertura jornalstica sobre as

    escolhas profissionais de jovens nas revistas de informao generalista, meios de comunicao social que

    aconselham e orientam leitores enquanto parte dos sistemas periciais (Giddens, 1990) que os ajudam a

    lidar com situaes de risco, incerteza e insegurana.

    2. O registo jornalstico das revistas de informao geralA primeira revista de informao geral, a norte-americana Time, em 1922, introduziu uma nova escrita

    informativa, abandonando o modelo dominante de registo ou relato de factos sem contextualizao, um

    modelo dominante nos jornais anglo-americanos de ento (Chalaby, 2002). Os quatro conceitos-chave queintroduziu marcam as publicaes magazine so: a organizao das notcias por uma forma lgica, em

    seces especficas; uma avaliao e interpretao do que as notcias significavam para os leitores; uma

    escrita clara, curta e exaustiva; e uma nfase nas personagens que protagonizavam as notcias (Johnson e

    Prijatel, 1999, in Cardoso, 2012. Estes aspectos continuam a marcar a escrita de revistas generalistas, nos

    nossos dias.

    A personalizao ter sido decisiva para o sucesso editorial deste modelo. Atribuindo um rosto humano aos

    acontecimentos, desvendando a pessoa por detrs do protagonista da notcia, as suas caractersticas fsicas

    e psicolgicas com as quais qualquer leitor capaz de se identificar, a Timeter encontrado a ponte certa

    para ultrapassar a aridez da factualidade e fazer compreender a realidade (Cardoso, 2012).Outros traos apontados por analistas destes meios (Vilas Boas, 1996; Charon, 1999; McLaughlin, 2000)

    so: a encenao da informao, uma estticade seduo onde se combinam o design, a narrativa visual

    e a narrativa lingustica; umaproduocuidada, num papel de qualidade que favorece uma perenidade do

    meio; uma periodicidadedilatada que permite uma menor dependncia da actualidade imediata e que

    desafia a criatividade, antecipao e sensibilidade a tendncias; um contrato de leitura, que parte das

    caractersticas dos leitores para lhes apresentar uma agenda de contedos heterogneos, da poltica

    economia, cultura e aos tempos livres.

    A revista generalista apreciada assim pela sua capacidade em surpreender e em fornecer temas

    inesperados, mas ao mesmo tempo tambm por confirmar aquilo que era j uma impresso. Proporcionaaos leitores um espelho onde se encontram, no na totalidade mas parcialmente, nos domnios que lhes

    interessam. Convoca-os directamente, interpelando-os no singular a entrarem na histria, pela sugesto

    identitria dopodia ser voc.

    Este efeito de espelho realizado pela escrita e pela imagem. Os textos seguem os padres de construo

    narrativa, com os seus grandes elementos: o contexto (onde se marca o tempo, o lugar e outras

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    circunstncias, incluindo os perfis dos participantes); o problema; a resoluo;e a moral, uma sugesto de

    orientao ainda que apenas implcita na leitura, o que Vilas Boas (1996: 21) designa como ponto de vista.

    So textos escritos de um modo vivo, dialogante, fazendo intervir amide relaes entre participantes,

    numa polifonia de vozes (o que dizem, o que dizem deles, como respondem ao que dito). Aqui a

    narrativa combina-se com momentos descritivos, de detalhes aparentemente banais e de outras

    impresses que fornecem um backgroundsobre a sociedade envolvente, as suas referncias, preocupaes,

    objectos materiais, os seus sinais de distino(Bourdieu, 1979).

    Embora tenha marcas de dilogo, o discurso destas revistas dominado pela voz editorial que se apresenta

    como prxima e conselheira, recorrendo primeira pessoa do plural (ns inclusivo), a uma expressividade

    que se aproxima dos padres orais dos leitores, deste modo sugerindo uma conversa. Este estilo informalelabora assim um discurso do mundo da vida (Fairclough, 1991), e esta mistura de discursos cria uma

    credibilidade que contrasta com o tom mais formal da imprensa diria de referncia.

    Enquanto a imprensa diria de referncia foi durante dcadas associada ao leitor adulto do sexo

    masculino,cidado culto e letrado, as revistas conseguem penetrar mais nas leitoras dessas idades, pela

    sua linguagem. Lakoff (1975) faz notar como as mulheres recorrem a certos traos de linguagem que a

    amenizam e a tornam menos distante: usam mais expresses defensivas, imprecisas, menos grosseiras,

    mais carregadas de emoo do que de avaliao intelectual; recorrem mais a intensificadores de expresso,

    a diminutivos e outros adjectivos. Estas marcas lingusticas encontram-se nas revistas, nomeadamente nos

    artigos de comportamento, reportagens, testemunhos, perfis e histrias exemplares.Tambm a imagem nas revistas pode ser considerada como uma narrativa com, pelo menos, trs funes

    (Charon, 1999):

    - uma funo indicativa, de conciso e informao sobre o contexto, as circunstncias, os protagonistas e

    as caractersticas da aco;

    - uma funo de orientao, por guias, sinais, pequenos smbolos e fotos, onde se incluem aspectos de

    produo como o recurso a jogos de luzes, planos, cores, formas e outros sinais que permitem a interaco

    e a cumplicidade do leitor;

    - e uma funo esttica, de prazer e fruio, que convida ao retorno s pginas e que confere s revistas

    um maior tempo de vida.Com base neste jornalismo, e considerando que a orientao mais vincada para mulheres destas

    publicaes, pelos pontos atrs apresentados, iremos explorar que jovensaparecem e em que posies

    foram colocados. Ou seja, pela anlise ser possvel tambm evidenciar como que estes textos se

    apresentam como textos de aconselhamento e de auto-ajuda contribuem para o seu lugar de mes, com

    um papel fortssimo na transmisso de valores e na educao dos seus filhos (Buchner, 2003).

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    3. Orientaes metodolgicas para a anlise de imprensaA escolha dos trs ttulos (Viso, Domingo Magazinee Notcias Magazine) incidiu no facto de serem lderes

    nos seus segmentos em 2007, segundo dados da Markest. No se pretende com esta anlise de casos

    extrair concluses generalizadas para o conjunto de toda a imprensa magazine de informao. Por

    questes pragmticas e de gesto de tempos e recursos, decidimos focar a ateno apenas nas revistas

    lderes e proceder a um levantamento exaustivo das suas peas sobre o tema dos jovens e das suas

    escolhas vocacionais. Vejamos um breve retrato de cada uma.

    A Viso surgiu em 1993, dirigida por Carlos Cceres Monteiro. Sucessora do semanrio O Jornal visa

    satisfazer todos os que, no tendo tempo a perder, preferem a qualidade jornalstica, a independncia

    editorial, o ngulo original e a sntese prospectiva, como se l no seu primeiro nmero. Apesar daconcorrncia de novos ttulos, surgidos no final dos anos 1990, em 2007 era lder do mercado no segmento

    das newsmagazines, com cerca de 110 mil exemplares de circulao mdia e tinha como leitores adultos de

    classe mdia e mdia alta, a viver em meios urbanos .

    A Domingo (Domingo Magazine at 2005), publicada no Correio da Manh, o jornal lder de audincia,

    apresentava-se com leitores dos segmentos de classe mdia e mdia baixa. Editorialmente, fazia uma

    reviso da semana pelo destaque e contextualizao dos principais acontecimentos, realando figuras

    pblicas e cidados annimos em torno de protagonismos e de histrias exemplares. Pelo

    aconselhamento em matrias de sade, educao, comportamentos, relaes, era uma revista muito

    centrada nos quotidianos. De 2000 a 2008, mudou frequentemente de grafismo e de ordem nas seces,mas estas mudanas foram maiores do que as de contedo.

    Distribuda por trs jornais (Jornal de Notcias, Dirio de Notcias e Jornal de Notcias da Madeira), a

    Notcias Magazineem 2007 era a revista semanal de maior tiragem do pas, atingindo uma audincia mais

    transversal em termos de classe do que as anteriores, ainda que se orientasse para a classe mdias.

    Apresentava uma agenda menos marcada pela actualidade da semana e com menos espao para cidados

    annimos enquanto protagonistas de histrias exemplares. Figuras pblicas, nacionais e internacionais,

    eram as mais presentes, em perfis e entrevistas. O discurso em primeira pessoa e o tom coloquial eram

    vincados, com um grafismo mais sbrio e com mais pginas do que a sua concorrente do Correio da

    Manh.A constituio do corpus compreendeu pesquisa nas edies em papel, entre Janeiro de 2000 e Abril de

    2008, de peas jornalsticas (reportagens, perfis, artigos de comentrio) com referncia a jovens (15-35

    anos) como agentes ou alvo de ateno da pea, e a termos como profisso, escolha profissional,

    emprego/desemprego, formao, vocao e afins. Numa das revistas, recorreu-se tambm a uma

    pesquisa no arquivo digital, pelas mesmas palavras-chave. Algumas peas que incidem em histrias de

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    vida, gostos e interesses de jovens que se destacaram numa determinada rea foram includas por se

    poderem constituir como referncia, nas suas histrias exemplares de realizao pessoal e de

    contextualizao tambm das suas biografias em ambientes familiares e culturais.

    Na ateno representao como actores sociais (van Leeuwen, 1996), a anlise ao protagonismo dos

    jovens distinguiu entre os que aparecem enquanto classes que constituem o real (uma representao

    genrica, geracional) ou por representaes especficas, situados em mundos concretos, povoados por

    pessoas comuns, stios, objectos e aces concretas e especficas (Bourdieu, 1979: 444), na linha do que o

    autor considerava a viso dominante da imprensa popular. Foram considerados atributos como gnero,

    etnia e marcas sociais como o vesturio ou a linguagem, bem como os interesses, comportamentos, estilos

    de vida e preocupaes a que aparecem associados e ainda os modos como incorporada a sua linguagemno texto e que outras vozes so ouvidas. Procurou-se assim analisar as escolhas vocacionais e os percursos

    profissionais que apareceram, quem os protagonizou, a que discursos sobre os valores do mundo do

    trabalho estavam ligados e como apareceram o sucesso e o insucesso profissional e pessoal.

    As peas foram agrupadas em duas categorias: uma centrada em jovens especficos e que se destacam de

    modo positivo pelas suas actividades, escolhas diferentes do padro, talentos e interesses (os jovens

    excepcionais); outra centrada nos jovens numa representao geracional, numa panormica sobre

    identidades e trajectrias de estudos e profissionais.

    4. Escolhas vocacionais nos magazines: os padres, as presenas, as ausnciasA anlise de imprensa sobre a cobertura noticiosa de crianas e jovens no ano de 2005 (Ponte e Afonso,

    2009) tinha apontado que a Notcias Magazinee a Domingoapresentavam poucas peas sobre o segmento

    de idade 16-18 anos. No espervamos, contudo, encontrar apenas 35 peas, tendo em conta o perodo

    alargado de oito anos, que abrange mais de 400 edies de cada ttulo. Este primeiro resultado revela a

    escassa ateno e espao editorial atribudo a problemticas associadas a jovens e sua considerao

    enquanto agentes dessas escolhas, durante os oito anos.

    O Quadro 1 apresenta a sua distribuio por data, revista, seco, nmero de pginas e presena em capa.

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 085

    Quadro 1: Jovens e escolhas vocacionais, peas por data, revista, ttulo, seco, nmero de

    pginas e ttulo de capa

    Data Revista Ttulo Seco N pags Ttulo de Capa

    22.10.2000 Domingo Estudar l fora um desafio e um sonho S/Seco; 3

    22.10.2000 Domingo Miguel gosta de nmeros e licenciou-se emprobabilidades

    S/Seco2

    16.08.2001 Viso Os gurus do amanh Economia 5

    18.11.2001 Domingo Vieram de fora perdidos mas j seencontraram 3

    30.12.2001 Domingo Crescer com a msica 423.05.2002 Viso A gerao Y Sociedade 7 Gerao.com

    14.12.2003 Domingo Jovens: como eles vem o pas Abertura/

    Juventude 15

    05.09.2004 Domingo A escola em 5 passos: de beb a doutor Educao10

    As cinco idades daescola

    10.02.2005 Viso O mundo aos 18 anos Sociedade 9 O mundo aos 18 anos

    01.05.2005 DomingoMagazine

    Cames na ponta da lngua Capa/Integrao

    8

    Sou moldavo e omelhor aluno aPortugus

    25.08.2005 Viso Seleco de esperanas Sociedade 7

    07.08.2005 NotciasMagazine

    Escolas de toureio: o bero dos matadores9 O bero dos matadores

    22.09.2005 Viso Onde ainda h emprego Economia 6

    30.10.2005 DomingoMagazine

    Ser mdico checa Tema decapa 7

    Mdicos formados aleste

    28.05.2006 DomingoMagazine

    Ser cientista para saber muito mais destavida

    Portugusdasemana 2

    13.08.2006 Notcias

    Magazine

    Entrevista: Joana Carneiro

    5

    27.08.2006 Domingo

    Magazine

    A primeira doutorada em Msica por

    Oxford

    Portugus

    dasemana

    2

    17.09.2006 Notcias

    Magazine

    E depois dos dezoito?

    9

    24.09.2006 DomingoMagazine

    Aventureiro nas grutas da Serra daArrbida

    Portugusdasemana 2

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)086

    01.10.2006 DomingoMagazine

    Ah fadistas Tema decapa 6

    Os novos fadistas

    08.10.2006 DomingoMagazine

    O curso da avaliao Especial6

    26.11.2006 DomingoMagazine

    s do volante corre para novo desafio Portugusdasemana

    2

    03.12.2006 DomingoMagazine

    O cientista que abriu portas cura docancro

    Portugusdasemana

    2

    14.01.2007 DomingoMagazine

    A marcha dos desalinhados Estrias5

    21.01.2007 DomingoMagazine

    Da barra dos tribunais aos prmios docinema

    :Portugusdasemana 2

    11.02.2007 DomingoMagazine

    Jovem arte de tourear Foto-reportagem 6

    01.04.2007 DomingoMagazine

    Saiu dos relvados para chegar ao topo dojudo

    Portugusdasemana

    2

    01.04.2007 DomingoMagazine

    Uma gerao precria Foto-reportage

    m 608.07.2007 Domingo

    MagazineDiferentes entre iguais nas Foras Armadas Histrias

    4

    15.07.2007 DomingoMagazine

    Um futuro cosida com as linhas da moda Tema decapa 6 Jovens criadores

    23.08.2007 Viso Aqui h talento Sociedade10

    Como se descobre otalento

    20.09.2007 Viso Gerao dos trinta Sociedade7

    Ter 30 anos emPortugal

    14.10.2007 DomingoMagazine

    Fala a vossa comandante Tema decapa 8

    Fala a vossacomandante

    06.12.2007 Viso 10 empregos com futuro Economia

    8

    10 empregos com

    futuro

    28.02.2008 Viso Gerao em saldo Portugal/Emprego 8 Gerao em saldo

    Fonte: Projecto O Futuro em Aberto/Ponte (2010)

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 087

    Da leitura do Quadro 1 podemos observar continuidades e diferenas na ateno ao tema:

    - A revista com mais peas (23) a Domingo, mas sem peas em 2002 e 2008; a Visotem 9 peas, das

    quais nenhuma em 2000, 2003, 2004 e 2006; a Notcias Magazinetem 3 peas, e apenas de 2005 e 2006;

    - H uma clivagem no nmero de peas, quando o disparo do desemprego de jovens licenciados nas

    estatsticas se tornou mais visvel: antes de 2005, foram encontradas oito peas; de 2005 a 2007, foram

    encontradas mais do triplo, 27.

    - A matria das peas foi manchete de capa em 13 edies: 6 na Domingo, 6 na Visoe 1 na Notcias

    Magazine;

    - Na Visoas peas oscilam entre Economiae Sociedade;na Domingo, sete peas aparecem na seco

    Portugus da Semana, que destaca uma figura nacional, conhecida ou no, e quatro como Tema de Capa;- Apenas trs peas tiveram 10 ou mais pginas, duas da Domingoe uma da Viso;

    - Os meses do segundo semestre, com 25 peas, tm mais do dobro das peas publicadas no primeiro

    semestre (10); Agosto, Setembro e Outubro tm o maior nmero de peas, coincidindo com a poca de

    frias e o incio de um novo ano escolar. No houve peas nos meses de Maro e Junho. A sazonalidade

    parece ento depender mais da falta de matrias (no Vero) e do calendrio de incio de ano escolar do

    que de momentos de escolha de reas de prosseguimento de estudos, como os do final do primeiro

    semestre.

    5. Ser jovem em revista: entre o excepcional e o geracional5.1 - Jovens excepcionaisDas 18 peas sobre jovens excepcionais, 13 foram publicadas na Domingo, trs na Visoe duas na Notcias

    Magazine.

    Estes jovens distinguem-se pelos seus projectos e desempenhos: jovens estudantes com notvel sucesso

    escolar, jovens artistas, cientistas e desportistas de alta competio. So tambm cosmopolitas: na maior

    parte das biografias, a sua experincia de vida transcende fronteiras, mistura-se com outros espaos e

    reconhecimentos. As actividades artsticas e cientficas so as que se prestam mais a esses perfis, pelo

    fascnio e paixo das histrias de cincia em luta pelo saber e pela beleza e vigor que acompanham asimagens das artes e do desporto.

    Nas Artes, desempenhos ligados Msica e Tauromaquia so os mais referidos, com tenses entre

    tradio e modernidade: a interdio do feminino nas touradas, que comea a ser derrubada; a renovao

    do fado pelos novos fadistas; o acesso feminino a uma profisso tradicionalmente masculina, a direco

    de orquestra. Entre as actividades ligadas Cincia - Cincias Mdicas, Biotecnologias, Economia,

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)088

    Matemtica Aplicada as cincias Biomdicas lideram e a Medicina a grande meta nos seus discursos e

    interesses.

    So de jovens com desempenhos excepcionaisquatro das 13 capas, mas apenas duas foram publicadas

    antes de 2005, sugerindo uma mais recente visibilidade do valor de diferenciao, uma maior ateno a

    percursos individuais de mrito, de sucesso e de empenho.

    Em duas capas, os jovens olham o leitor, numa postura frontal, interagindo com ele: a imagem de uma

    jovem escritora j premiada, deitada sobre um fundo de palavras, sugere o seu mergulho no mundo das

    letras; noutra, um jovem imigrante, o melhor aluno a Portugus da sua turma, sorri e apresenta-se pela

    frase escrita no quadro negro: Sou moldavo e o melhor aluno a Portugus. Noutras duas capas, o contacto

    visual violado e o leitor colocado como algum que penetra nos momentos e nos espaos de entregadestes jovens, a arena e a casa de fados. No olhando o leitor, a representao destes jovens parecem

    coloca-los como no Olimpo, entregues ao canto (a fadista) e concentrao (o candidato a matador de

    touros).

    Tambm associadas s artes so as imagens-espectculo que, a toda a largura das pginas par e mpar,

    mostram jovens em aco no seu ambiente: de novo a arena e o toureio, o ambiente intimista da casa de

    fados, o palco da orquestra sinfnica e a sua jovem maestrina em aco.

    Outras imagens dos jovens cientistas e artistas seguem padres de identificao: em pose, nos seus locais

    de trabalho, com os instrumentos como fundo, olhando o leitor com ar confiante e descontrado, braos

    cruzados sobre o peito; em aco, como os desportistas. So jovens afirmativos em imagem e quecomplementam a mensagem afirmativa do texto. Imagens e legendas assinalam tambm diferenas: entre

    tantos jovens talentosos apenas dois so de minorias tnicas. A dominante tnica impe assim como

    referncia naturalizada, hegemnica, so jovens de uma maioria tnica (jovens brancos) os que tiveram

    mais oportunidades para singrar.

    Os jovens talentosos tm voz activa nas peas, que seguem na sua maioria o gnero jornalstico do

    retrato ou perfil, narrando, descrevendo e comentando as suas vivncias. raro que entrem vozes de

    adultos, ao contrrio da categoria seguinte. Uma ou outra referncia vem de algum que os conhece bem,

    em regra um professor ou mestre, mais raramente um familiar. Estes so jovens com autonomia e agncia,

    que falam por si e de si. O dilogo decorre entre a voz da revista e os seus testemunhos directos eassertivos.

    Para identificar como se exprime esta escolha vocacional e os seus contextos, foram agrupados excertos

    por sentidos que emergiram aps vrias leituras: a descoberta da vocao ou a mostra do seu

    empenho/esforo; as influncias de redes; as perspectivas presentes e futuras; a vivncia da actividade e

    de tempos livres; as consideraes sobre os constrangimentos do ser portugusem tempos de globalizao.

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 089

    Vocao e esforo

    A descoberta da vocao dos jovens excepcionais d-se quase sempre cedo e a quase totalidade dos

    percursos parece fazer-se de um modo linear e determinado pela sua iniciativae escolha. O discurso a duas

    vozes, do jovem e da revista, revestido de valores idealistas, ps-materialistas (como o envolvimento

    afectivo e o desenvolvimento pessoal), com recurso a termos como paixo, sonho, emoo. A influncia

    familiar, uma vida de contacto com o ar livre e a escola (com o detalhe de, por vezes, se indicar queescola

    foi essa) so apontados pelos jovens cientistas:

    Eu sempre gostei muito de Matemtica mas tive uma professora primria que me incentivava e a minha

    me tambm gostava dessa disciplina. (Domingo, 22.10.2000)

    No 11 ano do liceu, feito na Escola Americana de Lisboa, decidiu: O ambiente e os recursos naturaisseriam a minha escolha. Depois, procurei os cursos que existiam na rea. (Viso, 16.08.2001)

    Para Hlder Maiato [cientista em Biologia Molecular], a gnese da paixo que agora o consome nasceu do

    contacto com a natureza desde mido. (Domingo, 03.12.2006)

    Desde pequeno que me interessei por compreender a natureza. Depois do sonho, que muitos midos

    acalentam, de ser astronauta decidi que o melhor que tinha a fazer para tentar responder s minhas

    perguntas era tornar-me um cientista. (Domingo Magazine, 28.5.2006)

    Tambm para jovens artistas, a vocao aparece pressentida desde cedo, como compulso. Predominam

    contudo sinais de uma transmisso cultural por parte das famlias, de recursos variados, embora

    predominem os meios socioeconmicos mais favorecidos e com maior capital cultural:Maria Joo Arajo abraou a msica com apenas cinco anos com aulas de piano no Conservatrio de

    Msica Calouste Gulbenkian de Braga. Para a precoce iniciativa contribuiu muito o facto de os pais tantas

    vezes organizarem, na sua prpria casa, tertlias culturais. (Domingo Magazine, 27.08.2006)

    Comecei a cantar aos 3 anos e aos 9 j sabia que no ia fazer outra coisa na vida. Nada e criada nas ruas

    de Alfama, Raquel lembra que no secundrio, enquanto os midos ouviam os Backstreet Boys e as Spice

    Girls as suas msicas tinham a voz da Berta Cardoso ou da Luclia do Carmo. (Domingo Magazine,

    01.10.206)

    Filho de uma professora de Matemtica e de um contabilista, nunca se entusiasmou com nmeros. Gostava

    mais das formas, das cores e das emoes que sentia quando, com os amigos da Margem Sul, animavacom latas de sprayas paredes sujas e cinzentas dos subrbios. Completou o ensino secundrio seguindo a

    opo de Artes Plsticas e foi crescendo dentro de si o sonho de uma carreira artstica. (Viso, 23.08.2007)

    Comecei a devorar tudo o que havia em casa, sem grande critrio, lembra. Os pais, mdicos, desistiram

    de a contrariar quando a viam desaparecer para o quarto com vrios livros debaixo do brao. Aos 9 anos j

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)090

    tinha uma conta-corrente numa livraria, onde ia sozinha escolher o que quisesse os pais depois

    pagavam. (Viso, 23.08.2007)

    Tudo o que aprendeu foi por observao. Achava fascinante, em pequena, acompanhar os ensaios, a

    transformao dos actores e ver os meus pais a criar um espectculo que, meses depois, era apresentado

    ao pblico. (Viso, 23.08.2007)

    Encontram-se referncias a que a formao artstica se fez com sacrifcios financeiros e a que o

    reconhecimento do talento do jovem foi por vezes obra de interveno exterior, de um padrinho ou de

    um evento disruptor.

    O Telmo sempre gostou de danar, lembra a me. Mas nem a cabeleireira Neide Gomes, 45 anos, nem o

    funcionrio das linhas reas angolanas Hlder Moreira, 43, sabiam que tinham em casa um potencialprimeiro. Reconheciam apenas que ele tinha uma veia artstica () Tenho pena de no saber quem me

    telefonou naquele dia. Nunca tive oportunidade de agradecer. (Viso, 23.08.2007)

    Foi apenas h sete anos, quando completara os 13, que um grupo de msicos foi sua escola e a fez

    apaixonar pela ideia de estudar numa escola profissional de Santo Tirso, a Artave. Sempre gostei de

    cantar e os meus avs diziam que eu tinha bom ouvido mas foi s ali, de repente, que senti que era

    aquilo que queria mesmo fazer, explica. Nessa tarde, entrou em casa e anunciou: Quero mudar de

    escola. Nascida na pequena aldeia de Selho So Cristvo, filha de operrios txteis do Vale do Ave, fazia

    um pedido difcil de satisfazer. Foi com sacrifcio que os pais pagaram as propinas e lhe compraram um

    instrumento. (Viso, 23.08.2007)

    Redes e trajectrias

    As redes sociais, as influncias de professores, os conhecimentos do meio e as hipteses econmicas de ir

    estudar para fora do pas so especialmente importantes para os jovens cientistas. Claramente h quem

    um capital social mais alargado ou mais restrito, em relao com a posse de capital econmico e cultural,

    recorrendo de novo aos conceitos de Bourdieu (1979). As oportunidades decorrentes no so iguais para

    todos.

    Alm dos amigos, Miguel Santos conta ainda com o forte apoio dos pais. () Pretende seguir a carreira

    acadmica de professor universitrio. Neste momento, o maior desejo de Miguel Santos fazer umdoutoramento em Bristol mas tudo depende da atribuio, ou no, de uma Bolsa por parte do Ministrio da

    Cincia e da Tecnologia. Est confiante. (Domingo, 22.10.2000)

    Concluiu a licenciatura [em Economia] em 1985. A mdia de 17 valores foi argumento bastante para que a

    Universidade Catlica o segurasse. Deu aulas durante um ano. Depois, seguiu para Chicago, nos Estados

    Unidos, para fazer o doutoramento. (Viso, 16.08.2001)

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 091

    Quando defendeu a tese de doutoramento, em 1995, conheceu o economista grego Anastasios Xepapadeas,

    da Universidade de Creta, membro do jri que avaliou a sua exposio e uma das suas referncias. O dolo

    de ontem , hoje, um parceiro de trabalho. Neste momento, Catarina, uma das filhas da deputada Helena

    Roseta, est em Creta, para continuar um trabalho que desenvolve com o economista grego. j um dos

    nomes importantes e trabalha com os melhores especialistas mundiais. (Viso, 16.08.2001)

    Existe a possibilidade de Lilian ingressar na Escola Carlucci American International School de Lisboa. Isto se

    conseguir uma bolsa de Estudo de Mrito que vai ser atribuda a alguns alunos do concelho de Sintra.

    Candidatei-me incentivado pela minha stra de ingls. Gostava de entrar. Era muito bom. (Domingo

    Magazine, 01.05.2005)

    Michelle tinha apenas 9 anos quando os pais foram abordados por um olheiro norte-americano. A jovemque crescera a jogar tnis no Jamor acabara de se sagrar campe nacional de juniores (). O pai

    despediu-se da agncia de publicidade, a me tratou das transferncias dos seus outros dois filhos, mais

    velhos, para escolas da Florida. Todos tiveram direito a visto de residncia nos Estados Unidos, mas apenas

    para acompanhar os estudos de Michelle. Ningum poderia trabalhar. Contudo, o ingresso na escola de

    Bollettieri garantiu logo apoio de vrios dgitos. (Viso, 23.08.2007)

    Vivncias

    A intensidade da vivncia da actividade, cientfica, artstica ou desportiva, sempre ilustrada com nfase e

    com base no testemunho directo. A renncia e o arrependimento cedem lugar (de novo) paixo, aovcio, compulso de um tempo sem horrios. O despojamento e a recusa de valores materiais so

    comuns nestes jovens cientistas e artistas:

    A independncia s se consegue longe das empresas. Gosto da liberdade de movimentos, de matrias de

    estudo e da livre gesto do meu tempo e da minha vida. Uma liberdade s condicionada pelo horrio da

    escola dos filhos, de 6 e 4 anos. (Viso, 16.08.2001)

    Para acabar o trabalho, recusou um emprego numa universidade privada, onde lhe exigiam metade da

    dedicao e ofereciam o dobro do salrio. Nas frias e no Natal arrependo-me da minha opo, confessa

    Valdemar, que recebe uma bolsa de ps-doutoramento sem direito a subsdios. Mas rapidamente admite a

    sua irremedivel paixo pela investigao e afirma: Sou muito pouco materialista. Quando morrer, o quequero levar comigo o conhecimento. (Domingo Magazine, 25.08.2005)

    Quem tem um trabalho como o meu uma pessoa de sorte, porque como se tivesse um hobby e no

    um emprego na verdadeira acepo da palavra. Quando existe um desafio para vencer trabalha-se 24

    horas sem cansao e com a mais alta motivao. (Domingo Magazine, 28.05.2006)

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)092

    Tenho fome de palco, de bastidores, da encenao do espectculo, mas no interessa se canto para uma

    plateia a abarrotar ou para as paredes do meu quarto. (Domingo Magazine, 01.10.2006)

    Gosto muito do que fao. Fao-o durante 12 horas/dia. Nunca paramos porque a cincia isso mesmo.

    No parar de pensar no que nos rodeia e isso acontece em casa, no caf, em todo o lado ( Domingo

    Magazine, 03.12.2006)

    Raras so as referncias a outros interesses e ocupaes, enunciadas por jovens cientistas, desportistas ou

    artistas, por vezes mesmo distantes da actualidade informativa, da leitura de jornais ou de actividades

    polticas:

    Pedro Teles confessa que no acompanha muito a actualidade. A anlise econmica feita nos jornais faz-

    me impresso. Irrita-me. Tenho mesmo averso. muito superficial. () Nos tempos livres, preferepassear pela cidade, na zona ribeirinha de Lisboa: Gosto muito de Lisboa e tento usufrui-la ao mximo.

    (Viso, 16.08.2001)

    Iniciativa e pioneirismo

    O sucesso dos jovens cientistas est sobretudo associado a habilitaes acadmicas e a sua credibilidade

    (graus, classificaes, universidades onde foram alcanadas). Contrastam com este padro outras formas

    de considerar o sucesso, na revista Domingo. Alm de ter sido a nica a incluir uma histria de um jovem

    imigrante com excepcional rendimento escolar, a revista incluiu nos perfis de sucesso um jovem sem

    indicao de formao universitria e destacou jovens do sexo feminino que optaram por profissestradicionalmente masculinas.

    Com os apoios possveis da Cmara Municipal de Sesimbra, Francisco [monitor de actividades de

    espeleologia] j realizou mais de trs mil actividades de campo e tem projectos futuros para fazer o

    levantamento da fauna em 150 grutas do Pas. Quando se gosta, garante, o trabalho compensa

    sempre. (Domingo Magazine, 24.09.2006)

    Depois de acabar o 12 ano, a 1 tenente Pereira Martins inscreveu-se na Academia da Fora Area, na

    Escola Naval e na Universidade de Coimbra, no curso de Matemtica Aplicada. Foi admitida nas trs,

    preferiu a segunda. Mas os pais, com medo que Mnica se arrependesse da escolha e no se adaptasse

    dura vida militar, pagaram a primeira propina na faculdade, para garantir o lugar. Ela disse que no, noera preciso. No foi. No chegou nunca a desenhar nmeros no quadro preto. Em vez disso, fez da escolha

    profisso que no se imagina a abandonar. A equao tem resultado. (Domingo Magazine 08.07.2007)

    Nestes depoimentos de jovens de talento e que abriram novos caminhos reencontramos valores ps-

    materialistas (atribuio de sentido, desenvolvimento pessoal, sentimentos de auto-estima, determinao

    na luta pelo ideal), por vezes em rejeio dos valores materialistas (segurana, remunerao superior).

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 093

    Vemos tambm nestes perfis, em contra-corrente com os valores profissionais da populao portuguesa, a

    afirmao da iniciativa pessoal, da realizao e da mobilizao de capacidades.

    C dentro/L fora

    So sobretudo os jovens cientistas os que comparam o aqui dentroe o l fora. Estados Unidos e Reino

    Unido/Inglaterra so grandes termos de comparao, e os discursos variam de tom:

    O ambiente universitrio ingls mais dinmico. Contactamos com as pessoas que publicam em grandes

    revistas. Existe um esprito mais produtivo. (Viso, 16.08.2001)

    Falta ainda uma certa cultura de colaborao, afirma o lisboeta que faz questo de referir a sua costela

    alentejana. Mas aqui tenho to boas condies materiais como em Oxford e a qualidade de vida melhor. (Viso, 28.5.2005)

    Sabamos que tnhamos resultados muito bons, mas tambm algum receio por sermos de Portugal,

    admite. Acrescenta, no entanto: C existem mais restries financeiras, mas no somos piores em nada.

    (Viso, 28.5.2005)

    Em Harvard eu era apenas mais um. Aqui tenho liberdade para fazer o que quiser e acho muito

    importante que as descobertas sejam feitas c. (Viso, 28.5.2005)

    H a ideia errada em Portugal, e cada vez mais enraizada, de que somos sempre piores que os outros.

    Isso no verdade. () O Estado investe tanto dinheiro na sua formao e depois no capaz de criar

    oportunidades para que eles trabalhem no seu pas, salienta o investigador. Ento nas empresasportuguesas para esquecer, sentencia. (Domingo Magazine, 28.05.2006)

    Em Inglaterra h um nvel de exigncia e transparncia mais elevado na seleco das pessoas para os

    cargos de responsabilidade. Em Portugal, na grande generalidade dos casos, no assim, reina o

    compadrio e as amizades. (Domingo Magazine, 27.08.2006)

    A voz editorial da revista corrobora este contraste de polticas pblicas de interveno nas cincias e artes,

    entre Portugal e outros pases, a assinalar dificuldades e atrasos nacionais:

    Continua a faltar uma aposta clara na Cincia, financiamento que chegue a tempo e horas e o

    fortalecimento da carreira de investigao. Os privados no investem nesta rea, ao contrrio do que

    acontece nos Estados Unidos ou no Reino Unido, onde fundaes e associaes se assumem comopatronos da investigao. No nosso pas, os que optam por este caminho arriscam-se a trabalhos precrios,

    financiamentos ao sabor das vontades polticas, muitas angstias e incertezas. (Viso, 25.08.2005)

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)094

    5.2 - Posturas geracionais e tempos de mudanaEsta categoria rene peas cujo foco incide em jovens no plural, como grupo de idade e gerao, em

    histrias marcadas pela actualidade: as oportunidades e desafios da condio de estudante nos contextos

    de mudana do sistema de ensino superior; a precariedade laboral acentuada nos ltimos anos; as

    vivncias geracionais num dado ciclo temporal de recesso e crise econmica.

    Das 17 peas (10 na Domingo, seis na Visoe uma na Notcias Magazine) ressaltam duas narrativas. Na

    Domingo, sete peas tm como foco a condio dosjovens estudantes, com os desafios das suas escolhas,

    oportunidades e constrangimentos do ensino superior em Portugal, ao longo dos oito anos. Na Visoe na

    Notcias Magazine, o foco vai para o retrato geracional, centrado nos interesses e preocupaes de jovens,

    por um lado, e para a empregabilidade, com um pico e destaque depois de 2005, por outro. Este contraste mostrado no Quadro 2, que apresenta por ano os ttulos e os focos das peas nas revistas:

    Quadro 2: Cronologia das peas com foco nos jovens como gerao, por ano e por revistas

    Ano Domingo Viso e Notcias Magazine

    2000 - Estudar l fora(Programa Erasmus)

    2001 - Vieram de fora perdidos mas j se encontraram

    (estudar na capital);

    - Crescer com a msica(formao musical)

    2002 - Gerao Y(interesses e vivncias) - Viso

    2003 - Jovens: como eles vem o pas(jovens universitrios)

    2004 - A escola em cinco passos(do pr-primrio ao superior)

    2005 - Ser mdico checa(estudantes de Medicina na

    Repblica Checa)

    - O mundo aos 18 anos(novos eleitores) - Viso

    - Onde ainda h emprego(sadas profissionais)

    - Viso

    2006 - O curso da avaliao(mudanas no sistema; reforma

    de Bolonha e escolhas)

    - E depois dos 18?(a chegada maioridade)

    Notcias Magazine

    2007 - A marcha dos desalinhados(programas alternativos);

    - Uma gerao precria(jovens trabalhadores)

    - O Futuro cosido na moda(jovens criadores)

    - A gerao dos 30(a gerao ps-25 de Abril) -

    Viso

    - 10 empregos com futuro(sadas profissionais)

    - Viso

    2008 - Gerao em saldo(desemprego de

    licenciados) - Viso

    Fonte: Projecto O Futuro em Aberto/Ponte, 2008

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 095

    Domingo e Viso em revista: A juventude no existe

    Nas duas revistas com mais peas, o contraste entre duas das mais extensas e quase coincidentes no

    tempo, os primeiros anos do novo sculo, ilustra a diversidade da(s) vivncia(s) e oportunidades dos jovens

    e de como, pelo ponto de vista jornalstico, se podem realar diferentes faces desse plural.

    Em Jovens, como eles vem o pas, de 14 de Dezembro de 2002, a Domingo apresenta seis jovens

    universitrios com um aviso: eles esto longe de representar o estado de alma de toda a juventude

    portuguesa, at porque a maioria provm de estratos scio-econmicos mdio, mdio-alto. As ambies

    destes jovens universitrios e os seus valores materialistas, em coro com a valorizao portuguesa do

    trabalho bem pago (a par dos alemes so os que esperam obter melhores salrios com a Educao

    Superior, l-se na entrada) so contextualizados nos cenrios de risco e de preocupao que pendem sobreas suas cabeas: Cada seis em 10 alunos querem entrar para o Ensino Superior, mas receiam no

    encontrar um emprego no fim do curso.

    Estes seis jovens apresentam perfis diferentes, que a revista sintetiza com dados biogrficos. Seguem-se

    ttulos e excertos onde se valorizam a mobilidade social, o optimismo, a competitividade, o calculismo e a

    ambio, os valores materialistas, as tenses entre o dever (dos estudos) e o prazer (dos desportos):

    Arnaldo dos Santos, O Menino Doutor [pai engenheiro civil, me empresria], um dos futuros gnios

    da Nao. Entrou para Medicina com uma mdia de 19,7 valores e est optimista em relao ao seu futuro

    profissional e ao do Pas em que nasceu h 18 anos. Aos poucos vamos levantar a cabea. O av o seu

    dolo: Era uma pessoa de poucas posses mas subiu a pulso na vida. um lutador.Thelma da Cunha, com Angola no corao [pai, empresrio, me bancria reformada]. Escolheu o

    curso de Estudos Africanos na Faculdade de Letras com o secreto sonho de trabalhar um dia numa

    Organizao No Governamental (ONG) e ajudar aquele pas devastado por 40 anos de guerra: Sinto a

    crise na pele. Em casa temos de contar os tostes. Na faculdade, Thelma garante sentir uma certa

    discriminao racial e demasiada competitividade entre colegas.

    Manuel Melo, o jogador [pai engenheiro informtico, me professora de ingls]. Pelo voleibol at j

    prejudicou os estudos, mas Manuel quer acabar o curso de Bioqumica e enveredar pela investigao.

    Raquel Rosa, no topo do mundo [pai trabalha numa empresa de transportes, me empregada de

    escritrio] Ainda no acabou o curso de Gesto mas j sonha em trabalhar numa multinacional noestrangeiro. A estudante da Catlica est certa que s os melhores resistem no mercado de trabalho mas

    trunfos no lhe faltam. Nesta rea h ainda muita oferta. Mas como no quero correr riscos, j ando

    procura de emprego. Raquel sabe que a mdia de 16 no basta. No currculo leva ainda a experincia do

    programa Erasmus, que lhe permitiu concluir o 4 ano na Dinamarca, onde esteve seis meses.

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    Pedro la Fria, uma revoluo por minuto [pai cirurgio, me enfermeira reformada]. La Fria ir

    querer seguir as pisadas do pai, um cirurgio geral no Hospital de Cascais? No. Quero ter uma profisso

    ligada Psiquiatria, uma rea onde no ser difcil arranjar um bom emprego. ()

    Denisa Alencastre: A lutadora [pai trabalha no escritrio de empresa de construo civil; me directora

    hoteleira]. J com um p fora da Universidade, tem apenas uma certeza: No quero exercer advocacia. E

    por isso que no vivo preocupada com o desemprego. Quero escolher uma rea que no esteja to

    saturada. O curso de Notariado pode vir a ser a carreira e aps a concluso deste, o mais provvel

    Denisa regressar s origens L, tenho melhor qualidade de vida.

    Nove meses antes, outros jovensapareciam na Viso. A 23 de Maro de 2002, a capa da Gerao.com,

    apresentava uma imagem de grupo: dois rapazes, trs raparigas, pele branca, roupa juvenil e caladodesportivo, em pose descontrada, sorriem para o leitor, com os seus apetrechos (skate, telemvel, porttil,

    mp3) vista. A condio de estudante ignorada e as escolhas vocacionais e o futuro parecem no fazer

    parte desta Gerao Y. So os jovens do skatee do surf, dos consumos e das tecnologias, defensores da

    ecologia e da anarquia. Introduzidas pela voz editorial, que contextualiza os ambientes, as palavras dos

    jovens, por vezes reproduzidas de forma minimalista, so comentadas por socilogos e por profissionais de

    empresas de prestgio que aqui intervm tambm enquanto potenciais empregadores. A sequncia de

    vozes, primeiro os jovens, depois os experts, repete-se cena aps cena, numa sugesto de hierarquias de

    autoridade: elesfalam deles, nscomentamos e avaliamos o que elesdizem.

    No parque de skateda Expo, em Lisboa, os pensamentos esto fixos nos movimentos. Pouco se fala. Asvozes s se ouvem para dar os parabns por manobras mais difceis. Somos todos amigos. Se ele andar

    melhor do que eu, fico feliz, afirma Ricardo Fonseca, 23 anos. H 12, ps-se em cima de um skate, pela

    primeira vez, e hoje faz da modalidade a sua profisso. Pagam-lhe para andar na tbua, vestido e calado

    a rigor. Interrompeu o curso de Engenharia Biotecnolgica para dar a cara a marcas de roupa

    emblemticas. () Francisco Penim, director da SIC Radical, aponta uma das principais caractersticas

    desta gerao: O feeling de tribo muito forte.

    Na Escola de Linda-a-Velha, Ins Morais, 17 anos, vai dedilhando o seu telel e, de olhos postos no

    pequeno ecr, confessa que chega a enviar 50 SMS por dia. () Esto desenhados para tirar partido das

    novas tecnologias e incluem-nas no seu dia-a-dia, mesmo no laboral, refere Rodrigo Carvalho, 27 anos,envolvido no recrutamento de pessoal da empresa Proctor & Gamble.

    Filipa Santos, de 21 anos, comenta as ltimas novidades, pendurada nos charriots da Salsa do Colombo.

    Mal tenho dinheiro, compro uma pea de roupa, diz a figueirense que estuda Cincias da Comunicao

    em Lisboa e cliente assdua do megacentro comercial lisboeta. H coisas que vejo e penso isto tem de

    ser meu e acabo por comprar, mesmo que depois fique um bocado apertada. E remata: No tenho

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 097

    outros vcios. () Pedro Pires, criativo da agncia The Basement, explica esta necessidade compulsiva de

    comprar. As marcas deixam de representar produtos e passam a identificar formas de estar. Eles tm de

    gostar do que vo comprar, do que aquilo representa e de onde aquilo os vai colocar em termos sociais,

    afirma. De tal forma que h mesmo quem diga como o socilogo Jos Machado Pais, que a integrao

    na sociedade d-se no mercado de consumo e j no no mercado de trabalho.

    Ser surfista no s praticar desporto, explica Pedro Vilhena, com um ar grave de adolescente. toda

    uma harmonia, com o mar, com a Natureza, com os amigos. Por detrs do aparelho dos dentes, vai

    explicando que anarquista. () Para a gerao anterior, um surfista est to distante de um anarquista

    como a gua do azeite, mas para os Y no h qualquer contradio. Explica o socilogo Vtor Srgio

    Ferreira, os referentes identitrios dos vrios grupos juvenis acabam por ser transversais.A sntese final trazida por duas jovens,pintadaspelo texto, com traduo da linguagem:

    Penteado com algumas rastras, tatuagens nas costas, piercing na lngua, pestanas pintadas de azul,

    pulseiras coloridas nos braos e um grande brinco na orelha esquerda (), risonha, Plen revela que

    gostava que a sua gerao deixasse uma marca: Era bom que ficssemos conhecidos como aqueles que

    mostraram que a vida para ser aproveitada. Para Ana, o importante no ceder a demasiadas

    preocupaes nem ter pensamentos negativos. Alis, chama a si e aos da sua idade, a gerao se bem.

    De est-se bem.

    Vejamos agora em detalhe o percurso de cada uma das trs revistas at 2008.

    Revista Domingo: aconselhando para a formao, a responsabilidade e a iniciativa

    Esta revista lida por muitos pais na maioria sem frequncia de curso superior, destaca uma condio que

    no viveram, a de ser estudante universitrio. O mundo novo das Universidades e dos Programas

    Erasmus, as opes para uma trajectria escolar bem-sucedida dos seus filhos e outros conselhos sobre

    formao cultural fazem parte deste discurso de aconselhamento, que inclui e sublinha os custos

    financeiros.

    Os percursos escolares e de formao foram capa em trs edies, mas apenas uma delas apresenta

    jovens em imagem: em semi-crculo esto cinco estudantes de um recm-criado curso de moda, dois do

    sexo masculino e trs do feminino, uma das quais africana. Fotografados no seu ambiente, entre tesouras,linhas e fitas mtricas, quatro olham directamente o leitor, e todos exibem expresses de sorriso e

    confiana (Um futuro cosido com as linhas da moda, 15 de Julho de 2007).

    As imagens de jovens da Domingovariam entre retratos identificativos (sorrindo para o leitor, sozinhos ou

    junto dos pais, em salas de estar ou na aula, ou ainda em ruas de pases distantes, onde estudam) e de

    jovens em actividade, concentrados (uma jovem violinista, um jovem em sala de estudo). A pea mais

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)098

    extensa apresenta fotos produzidas, de jovens universitrios, cada um segurando diferentes partes de um

    mapa-mundo numa associao globalizao e a horizontes largos - ou objectos simblicos da sua

    escolha (a bola de futebol, o estetoscpio), tambm a olhar o leitor com expresso de confiana ( Jovens:

    como eles vem o pas, 14 de Dezembro de 2003). Uma foto-reportagem insere os jovens entre outros

    trabalhadores, na manifestao contra o trabalho precrio (Uma gerao precria, 1 de Abril de 2007).

    Alm da voz editorial, as vozes de adultos, sobretudo pais e mes, so dominantes nestas duas revistas. Os

    pais e os seus testemunhos vividos permitem a identificao:

    Para uma grande maioria de jovens a frequentar os ltimos anos do liceu, a experincia de um ano a

    estudar num outro pas um desafio e um sonho. Nem sempre foi assim, h apenas 20 anos atrs, ir

    estudar para o estrangeiro era uma possibilidade reservada apenas queles que tinham dinheiro econhecimentos. () Qualquer opo para estudar no estrangeiro no sai ainda barata. (Domingo,

    22.10.2000)

    Quem quiser aprender Msica mais seriamente, ter que dispor de algum tempo e dinheiro para concretizar

    o seu objectivo. (Domingo, 30.12.2001)

    Para a me, a educao uma prioridade. Prefiro reduzir os custos noutras reas. um sacrifcio

    financeiro que vale a pena. Julgo que essencial apostar num bom colgio logo a partir dos trs anos de

    vida, importante para o desenvolvimento dela. (Domingo, 05.09.2004)

    Na Domingo, as vozes de jovens, sobretudo estudantes universitrios, incidem nas opes e indecises de

    escolha, entrecortadas com apresentaes e avaliaes da voz editorial. Coexistem discursosde jovenscomescolhas estrategicamente orientadas para a empregabilidade e de jovens indecisos, apesar de j estarem

    no ensino superior. Por vezes desponta tambm o conflito geracional em relao aos valores do trabalho.

    A Rita est meia perdida, decidir-se- no final, daqui a um ano. E a Susana limita-se a largar uns incertos,

    Lisboa? Farmcia Comunitria e Hospitalar? Sim, isso deve ser giro, o contacto com as pessoas e tal o

    mais provvel. (Domingo, 18.11.2001)

    H trs ou quatro anos decidiu que queria ser pediatra, ou talvez especializar-se em Pedopsiquiatria, mas

    para conseguir vestir a bata branca ainda vo ser precisos anos e anos de estudo. Nada que o intimide:

    Sinto que o 10 ano vai ser puxado e com mais rivalidade entre os colegas da turma. A partir de agora a

    srio. Tenho mesmo de me agarrar aos livros, confessa. Depois, olha de soslaio para a me e acrescenta:Mas estou motivado. Alm disso, no posso comear a tirar ms notas ou a deixar de estudar. Se fizesse

    isso deixava de ter autorizao para sair com os amigos. (Domingo, 05.09.2004)

    Quatro anos depois de ter chegado a Pilsen, Catarina ainda sabe de cor a admoestao paterna, de que um

    bom negcio bem melhor que a vida de um mdico ganha-se mais e tm-se menos chatices.

    (Domingo Magazine, 30.10.2005)

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 099

    Ainda no sei muito do curso [Estudos Europeus]. No estive atento a taxas de emprego ou sadas

    profissionais. Pensei: Vou para o que gosto!, depois conta ser bom e tambm ter um bocado de sorte,

    afirma, confiante. (Domingo Magazine, 08.10.2006)

    A Economia atrai-me e como no queria nada da rea da Sade porque tem disciplinas muito difceis, a

    escolha foi fcil, disse a jovem estudante. Mariana, que entrou com 13,02 valores, ainda no sabe o que

    quer fazer quando tiver o canudo. cedo para pensar nisso. (Domingo Magazine, 08.10.2006)

    Na altura trabalhava na Zara. Quando disse aos meus pais que queria l ficar e deixar de estudar, a minha

    me falou-me deste curso, por saber que eu gostava. O meu pai estava naquela: Vamos ver o que vai dar.

    Nos testes ele percebeu que ia dar certo. (Domingo Magazine, 15.07.2007)

    As propostas de Nair Xavier, tingidas com o gosto de frica: O consumidor ideal da minha coleco deveser aventureiro acima de tudo, simptico, idealista, vivido, viajante e viajado inclui na memria descritiva a

    jovem de 17 anos, que ingressou directamente na Magestil no final do 9 ano. A savana deu o mote para

    os coordenados masculinos que desenhou e confeccionou. Domingo Magazine, 15.07.2007)

    Notcias Magazine: uma presena quase residual do tema

    As vozes e o estilo impressos nas peas da Domingotm semelhana com as dos jovens apresentados na

    Notcias Magazine, quando tratou o rito de passagem dos 18 anos, na sua nica e extensa pea sobre

    geraes, onde se vincam diferentes maturidades de gnero, com as raparigas capazes de clculos mais

    estratgicos e determinados do que os rapazes:O Andr queria mesmo era fazer Histria e, apesar de as ms-lnguas lhe garantirem que chato brava,

    no foi isso que o demoveu, mas a ideia de que as sadas profissionais do curso so demasiado difceis. O

    seu futuro jogar-se- ento entre Sociologia e Relaes Internacionais que, na opinio deste estudante do

    12 ano, sempre tm um leque mais alargado de opes. Projecto adiado por um ano porque a lngua

    alem lhe foi muito traioeira. No escolhi, mas como no havia Latim, puseram-me numa turma de

    Alemo. Se no tivesse chumbado a esta disciplina, tinha mdia de 13 ou 14. E agora? Vou fazer o

    Alemo e trabalhar no tempo que sobra. Talvez numa loja ou restaurante, andam sempre procura de

    gente. () Medos? No conseguir concluir os estudos nem arranjar emprego. Mas a verdade que no

    tenho muitas preocupaes, quando o futuro chegar logo se v. (Notcias Magazine, 17.09.2006)S no momento de se candidatar faculdade tinha s 17 anos viu adiado por um ano o sonho de

    ingressar em Medicina. A mdia no chegava. Entretanto, aproveitou para frequentar o curso de Farmcia

    e no trocava o ano transacto por nada deste mundo. Foi o melhor ano de caloira que podia ter. Ainda

    assim, Carla no desistiu. Fez das fraquezas foras e estudou para os dois exames, garantindo uma mdia

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    de 18,9. Soube dos resultados estava de frias no Algarve e o corao quase parou. Fiquei feliz, sinto-me

    mais segura. Agora quase certa a entrada no Porto. (Notcias Magazine, 17.09.2006)

    Nesta revista para leitores de maior capital econmico est includa a experincia de um interregno

    sabtico como processo de formao:

    Da coluna dos deveres, o maior para o ano decidir o que quero fazer e faz-lo bem, j no h lugar a

    cedncias. E enquanto o ano que vem no chega, Maria que acabou o 12 com mdia de 14 (os exames

    no correram to bem quanto eu esperava), vai tirar uma licena sabtica, um gap year, como lhe chama,

    para conhecer outros mundos. O que custa mais sair, mas uma oportunidade nica que os meus pais

    me oferecem de alargar os horizontes. (Notcias Magazine, 17.09.2006)

    Viso: Do est-se bem gerao em saldo

    Nas peas da Viso entre 2002 e 2008 vai-se inscrevendo a narrativa da des(iluso), que vai do

    desprendimento da gerao Ye da apologia dos seus valores ps-materialistas preocupao da gerao

    em saldo, na procura muito terrena da segurana e estabilidade econmica. A gerao Y passa gerao

    realista, em 2005, e gerao em saldo, em 2008. Em 2002 e em 2005, os seus pais, filhos dos anos 1970,

    urbanos e relativamente bem instalados na vida, viviam ainda sob a confiana relativa de que o curso

    superior asseguraria sadas e que aos seus filhosno aconteceria o mesmo que aos filhos dos outros, at

    que o desemprego de jovens licenciados se comeou a notar nas estatsticas. As quatro capas que a revista

    dedicou a questes geracionais e de empregabilidade falam por si.A gerao realista, em 2005, apresenta os que vo votar pela primeira vez nas eleies de Fevereiro desse

    ano. Na capa, com o mar em fundo, um jovem, bronzeado e vestido desportivamente, sorri para o leitor e

    os seus braos imitam o gesto do voo da gaivota: livre, experimenta e vive o momento (trata-se de um

    jovem em trnsito, que veio de uma cidade do interior para a capital, tirar um curso mdio de Hotelaria,

    que descobriu o surf e cujo aproveitamento escolar se ressentiu nos primeiros meses). Entre factos e

    estatsticas so apresentados perfis de 11 jovens de 18 anos, de diferentes meios sociais, a viver no interior

    e na capital, e contrastadas as suas expectativas e trajectrias, agora com incluso da sua situao de

    estudante ou de quem entrou ou tenta entrar no mercado de trabalho. A tnica comum o desligamento

    da poltica, enunciado logo na entrada da pea:Individualistas e consumistas, cultivam mais o corpo do que os livros. No passam sem as novas

    tecnologias. Mas tambm so capazes de sentimentos mais nobres. Poltica que no: metade dos 357 mil

    novos leitores no tenciona votar, nas prximas eleies.

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 101

    As trajectrias e as escolhas vocacionais (ou a sua ausncia) em excertos nas legendas de imagens de

    jovens fotografados nos seus ambientes, evidenciam as diferenas entre os meios, os capitais educacionais,

    as perspectivas de futuro:

    Sofia Marques [sorri para o leitor, dossier no colo, bata branca, edifcio da Faculdade em fundo], aluna do

    1 ano de Medicina, no Porto: A mdia de 19,73 valores valeu-lhe um prmio da melhor aluna do

    secundrio.

    Puto da Musgueira [quis anonimato; punhos cerrados junto ao rosto em gesto de pugilista, camisola

    com capuz e bon a cobrir a cabea, olha o leitor em desafio; parede repleta de tags, em fundo], aluno do

    ensino recorrente, em Lisboa: Abandonou a escola aos 15 anos sem saber ler nem escrever. Era um

    rebelde.Ana Celeste Medeiros [de farda de trabalho, ao balco de restaurante, sorri para o leitor], empregada

    num fast food em Vila Real. Antecipou-se s dificuldades e arranjou emprego. Os estudantes no tm

    pensar nenhum, no sabem o que a responsabilidade.

    Ruben Chaves [encostado a parede, camisola de marca, gorro na cabea, olha o leitor de rosto fechado e

    braos cruzados], desempregado, de Vila Boim. Tem um curso profissional de Desenho mas meteu os

    papis para a Marinha. Aqui no se passa nada.

    Teresa Carreira [olha o leitor, de braos cruzados e expresso serena. Atrs, um enorme crucifixo e uma

    frase em grandes caracteres: Por eles eu me consagro], aluna do 1 ano de Medicina, em Lisboa: Ser

    mdica ajudar aqueles que sofrem.Fbio Silva [de luvas e bola de futebol na mo, olha o leitor com um sorriso; redes de baliza em fundo]. O

    seu mundo ainda gira volta da bola e dos mimos da av e da me.

    Mariana Dias [duas crianas, uma em cada brao, sorri timidamente para o leitor; descampado com um

    muro de pedras em fundo]. Aluna de um curso de cabeleireira, em S. Miguel. Aos 17 anos definia-se como

    uma criana. Com a chegada das filhas (Carolina e Andreia, hoje com 15 meses), tornou-se mulher, sem

    disso se aperceber.

    Dois anos depois, a 20 de Setembro de 2007, nova abordagem geracional, na pea Gerao dos trinta. Na

    capa, dois jovens adultos, homem e mulher, actores conhecidos, ambos de camisa branca, desabotoada,

    num fundo claro, olham o leitor, com meios sorrisos, como que troando da contradio da legenda: Tmmestrados e ps-graduaes. E tambm emprego precrio[e] baixos salrios.

    A expresso-choque de Vicente Jorge Silva, Gerao Rasca - lanada num editorial do Pblicoem 1994 e

    aplicada aos jovens estudantes universitrios - recorrentemente recordada e reelaborada sempre que se

    fala de jovens, volta a s-lo na entrada da pea:jovens adultos os mais habilitados de sempre rasca,

    numa sociedade competitiva, exigente e instvel.

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    Na casa dos 30, os jovens adultos inquiridos, sem lugar a minorias tnicas, solteiros ou casados e j com

    filhos nos braos, posam em imagens frontais, uns sorrindo para o leitor, outros de semblante mais

    fechado. So ouvidos um secretrio de Estado, um auditor, um licenciado procura de emprego, uma

    funcionria de uma associao recreativa, um autarca e uma actriz. A estrutura narrativa segue a anterior,

    combinando comentrios dos especialistas com testemunhos.

    Joo Rico tem 30 anos e continua a viver, como sempre, em casa da me, em Massam. O prolongamento

    dos estudos at licenciatura em Economia, a entrada no mercado laboral aos 24 anos e a precariedade

    no deixou espao para grandes aventuras. A sucesso de trabalhos pea e os contratos a prazo so

    muito comuns nesta faixa etria. Creio que a principal mudana que se deu com esta gerao, alm das

    questes de conjugalidade, a forma como se encara o mercado de trabalho, analisa Moura Ferreira,socilogo. Os jovens adaptam-se incerteza. Joo Rico acrescenta: Acho que esta uma gerao que

    se preocupa, sobretudo, com o presente. No planeia muito. (Viso, 20.09.2007)

    Mais tarde, no fim do secundrio, o menino a quem nunca faltou nada teve o primeiro banho de realidade.

    Com 40 contos metidos pelo pai no bolso do blaser e um bilhete de avio, foi viver um ano em Paris e

    Londres. Tocou guitarra no metro, cantou na rua, trabalhou em restaurantes e entrou no mundo da moda,

    como manequim. Aprendi a lidar com o facto de no ter dinheiro, lembra. Um ano depois, vivia sozinho e

    estava na faculdade a estudar Medicina Dentria. Entretanto, e aps algum tempo de insegurana

    profissional, montou a Clnica da Lapa, onde est desde 1999 a mudar o sorriso dos portugueses ricos.

    Segundo o socilogo Joo Teixeira Lopes, esta a primeira gerao a sair de Portugal em massa, paraestudar e no para ganhar dinheiro. (Viso, 20.09.2007)

    S um dos jovens no tem rosto. Introduzida em ltimo lugar, encerra a pea e faz destacar a moral:

    Na verdade, no h s uma gerao dentro dos trinta. Uma outra realidade escapa por completo aos

    perfis de consumo, aos dilemas dos licenciados e s hesitaes dos recm-unidos de facto. Trata-se de

    pura sobrevivncia. o caso de Madalena Coito. Com 31 anos, j tem trs filhos, entre os 4 e os quinze.

    () Eu era muito bandida. Dizia que ia para a escola mas no ia nada, confessa, com a rebeldia cravada

    no rosto uma longa cicatriz, no centro da testa, arranjada aos 8 anos, numa briga. (Viso, 20.09.2007)

    Na Viso, a empregabilidade [de jovens e no jovens] tema de Economia, em avisos e conselhos

    impressos, em peas publicadas em 2005 (Onde ainda h emprego, a 22 de Setembro) e 2007 (10empregos com futuro, a 6 de Dezembro). Nestas peas de aconselhamento, os peritos so fundamentais e

    vm sobretudo das reas de ponta, Tecnologias, Recursos Humanos, Gesto empresarial, Logstica,

    Marketing e Vendas:

    J no basta ser o melhor nem ter um canudo. preciso fazer a escolha certa, nem que seja preciso mudar

    de vida. () Enquanto se lanam especialistas inteis no mercado de trabalho, h um admirvel mundo

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 103

    novo por descobrir, muitas vezes sem traduo: Project managers, business unit managers, country

    managers, business controllers, Sales supervisors, trade marketing managers, entre outros. (Viso,

    22.09.2005, destaques no original).

    Coincidindo com a traduo do livro Mileuristas, de Espido Freire, publicado em 2006 em Espanha, em 2008

    chega a Gerao em saldo, tema de capa a 28 de Fevereiro, a nossa ltima pea. A enfatizar a quantidade,

    um friso de seis jovens, quatro do sexo feminino e dois do sexo masculino, etnicamente homogneos e

    vestidos informalmente, repetem uma mesma postura: olhar frontal para o leitor, boca fechada e mos nos

    bolsos, pose de espera, desafio e expectativa. A mesma linha de ilustrao repete-se no interior. Agora 25

    jovens (13 mulheres e 12 homens, entre eles um africano) so identificados pelo nome prprio e

    sumariamente apresentados (cursos, profisso). Mantm-se a postura frontal, a encarar o leitor com ironiae cumplicidade. Na grande maioria, a legenda informa, so formados em Artes (Arquitectura, Teatro,

    Msica, Cinema), Comunicao e Humanidades, embora aparea tambm uma jovem doutorada em

    Geologia Lunar.

    A pea segue o modelo habitual, entre a voz editorial, os depoimentos ilustrativos dos jovens enquanto

    casos singulares, mas surgem respostas colectivas, enquanto vozes organizadas, como os movimentos

    FERVE (Fartos destes recibos verdes), PI (Precrios Inflexveis) e Intermitentes do Espectculo e do

    Audiovisual. Continuam as estatsticas e os estudos, os comentrios, as justificaes de governantes, as

    reivindicaes de sindicalistas, enquadramentos de economistas ou socilogos. Novamente, elese ns.

    O socilogo Elsio Estanque alerta para o factor de retrocesso em termos de incentivos s novas geraesque pode constituir o facto de as empresas porem jovens a exercer tarefas para as quais esto

    sobrequalificados. Ins (nome fictcio) tem medo de chegar a essa fase: Nessa altura, o meu psiclogo

    vai ter de trabalhar ainda mais. Por enquanto, com 30 anos paga para estagiar num conceituado gabinete

    de decorao de interiores. (Viso, 28.02.2008)

    Muito longe da gerao Y, desencantados e acusadores (Porque no me limitaram a entrada na

    universidade se sabiam, partida, que no havia lugar para mim?), estes jovens que viveram infncias

    desafogadas surpreendem-se com a inverso da lgica ascensional:

    Os nossos pais deram-nos mais do que tiveram mas ns temos menos do que eles. (Viso, 28.02.2008)

    Vivo numa casa de classe mdia alta, mas sou mais pobre do que a porteira. (Viso, 28.02.2008)

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    Cristina Ponte Observatorio (OBS*) Journal, (2012)104

    Linhas em aberto

    Esta incurso pelas revistas informativas durante um tempo longo de oito anos deu conta a escassez de

    peas sobre o tema, como linha condutora, mas tambm uma maior visibilidade sobre jovens e escolhas

    vocacionais nos anos marcados por retraco do mercado de trabalho, depois de 2005. Evidenciou a

    tendncia para associar essa presena a meses de Vero, num momento em que a agenda de

    acontecimentos est mais reduzida. Por fim, destacou uma clara desigualdade na insero por revista, com

    a revista associada ao jornal mais popular a ter praticamente dois teros das peas do corpus.

    A anlise de discursos permitiu aprofundar diferenas entre revistas. Contrariando uma viso monoltica

    sobre o jornalismo, tornou-se claro que os discursos destas revistas se dirigem a leitores com posies

    sociais diferenciadas. Essa diferena perpassa em ambas as grandes narrativas identificadas: a dos jovensexcepcionais e a dos jovens enquanto grupo e gerao.

    A revista Domingo, associada ao jornal mais popular, apresenta mais conselhos teis para uma desejada

    mobilidade social dos filhos, com indicaes de ordem material (como os custos financeiros do que significa

    estudar no ensino superior) e simblica (maior nfase no esforo pessoal, na capacidade de vingar por si,

    sem auxlio de redes de conhecimentos e de influncias que so mais inexistentes nos meios populares).

    Destaca valores, como a iniciativa e o empreendorismo, vencendo barreiras de gnero e resistncias

    familiares. Menos elitista, no procura tanto como as outras duas revistas aqui includas, a incluso de

    vozes de autoridade, de poder e de saber, mas tem o cuidado de escutar jovens com discursos articulados

    e racionalizados, que ilustrem este paradigma do esforo individual e do exerccio de uma boa gesto deriscos. Se refere jovens que se afastam desse modelo (e a quem designa como desalinhados), inclui no

    grande modelo jovens africanos e jovens imigrantes, praticamente ausentes nas outras revistas, e

    apresenta-os tambm como vencedores ou batalhadores. Consagrando os valores da iniciativa, do esforo

    e do clculo e apostando em histrias exemplares (s quais dedica uma seco especial), a revista do

    Correio da Manh ter conseguido deste modo constituir-se como um espelho para aqueles que, em

    contextos de menores capitais educacionais e de desfavorecimento econmico, se empenhavam em virar

    o destino.

    Da Notcias Magazine, pelo escasso nmero de peas e a sua breve concentrao no tempo, ressalta a

    quase ausncia de ateno a este tema.Por fim, as peas da Visoreflectem o olhar hegemnico com que so considerados os jovens: como os

    nossos filhos, na perspectiva dos leitores de classe mdia, em certo contraste com os leitores da Domingo:

    jovens com condies de progresso nos seus estudos, de desenvolvimento das suas capacidades

    intelectuais e de redes sociais (acesso a livros, a boas escolas privadas, a viagens, a contactos, a um

    mundo cosmopolita). Nos primeiros anos aqui analisados, encontramo-los protegidos e mantidos longe do

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    Observatorio (OBS*) Journal, (2012) Cristina Ponte 105

    mundo material, das tenses da esfera das polticas, sem outras responsabilidades que no fossem e

    nem sempre as de serem bons alunos. Encontramo-los a viverem uma adolescncia e juventude

    prolongadas no tempo, um tempo de descoberta de si mesmos, da sua autenticidade, um tempo de

    instantes vividos intensamente t-se bem- claramente ps-moderno, mas sem responsabilidades. O seu

    comportamento explicado aos pais por vozes de autoridade entre elas, socilogos mas cujos excertos,

    no encadeado do texto, caem na generalizao e na banalizao. A voz editorial controla o saber do

    investigador, submete-o sua narrativa e s suas explicaes rpidas, reduzidas e redutoras. Num outro

    momento, o do final destes anos, os jovens que faziam sorrir o leitor, parecem agora faz-lo tremer

    quando o interpelam e questionam as (des)regulaes da economia liberal e de polticas que no lhe fazem

    face e que lhes recusam uma entrada no mundo laboral.Neste intervalo, entre 2000 e 2008, uma conjuntura de crise comea a desenhar-se e sugere como as

    novas geraes recuperaram os clssicos valores das agendas modernas: empregabilidade, bons salrios,

    hipteses de carreira futura, segurana no trabalho. A crise chegou s classes mdias e passou a afectar

    (tambm) os seus filhos. Nos tempos presentes, esta situao agudizou-se e generalizou-se, mas o olhar

    sobre o tempo longo revela que j vinha de trs. Como est o jornalismo e nomeadamente estas revistas

    a trabalhar estas problemticas e como as poderia trabalhar de modos a estimular a reflexividade e a

    participao dos jovens um desafio para outras anlises.

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