escola, matrÍcula e frequÊncia (1900-1961): a … · o estudo aqui explanado é de natureza...

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 557 ESCOLA, MATRÍCULA E FREQUÊNCIA (1900-1961): A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA PIAUIENSE NAS MENSAGENS GOVERNAMENTAIS E RELATÓRIOS DA EDUCAÇÃO Camila Oliveira Neves 1 Maria do Amparo Borges Ferro 2 Introdução Cada vez mais a história da educação no Piauí ganha esclarecimentos e informações pertinentes resultantes de pesquisas científicas. A produção no estado tem crescido graças a elementos impulsionadores como a criação do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 1991, núcleos de pesquisas específicos nos Programas de Pós- Graduações com articulação nacional, bem como os trabalhos de conclusão de curso (TCC) das instituições de ensino superior de Teresina que abordam a temática sob diferentes vertentes e períodos. No tocante ao ensino primário observam-se estudos com fundamentação em fontes a nível local, tais como, leis, decretos, biografias, livros de políticos importantes, jornais, entre outros. Partindo desta gama de fontes disponíveis pretende-se investigar a partir de dois tipos de documentos de mesma natureza, bem como organizar e sistematizar os dados divulgados localmente sobre o citado nível de ensino. O presente estudo pretende discutir sobre a matrícula e frequência na instrução primária no Piauí e suas vinculações com as edificações escolares no período de 1900 a 1961 a partir de dois tipos de documentos produzidos pelo Poder Legislativo de natureza técnica: as Mensagens Governamentais e os Relatórios da Educação. Os objetivos dizem respeito a caracterizar, analisar e organizar informações sobre este dado nível de ensino, especificamente sobre matricula, frequência e escolas. 1 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Pedagogia pela UFPI. E- mail:<[email protected]>. 2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora Adjunta no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós- Graduação em educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:<[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 557

ESCOLA, MATRÍCULA E FREQUÊNCIA (1900-1961): A INSTRUÇÃO PRIMÁRIA PIAUIENSE NAS MENSAGENS

GOVERNAMENTAIS E RELATÓRIOS DA EDUCAÇÃO

Camila Oliveira Neves1

Maria do Amparo Borges Ferro2

Introdução

Cada vez mais a história da educação no Piauí ganha esclarecimentos e informações

pertinentes resultantes de pesquisas científicas. A produção no estado tem crescido graças a

elementos impulsionadores como a criação do Mestrado em Educação da Universidade

Federal do Piauí (UFPI) em 1991, núcleos de pesquisas específicos nos Programas de Pós-

Graduações com articulação nacional, bem como os trabalhos de conclusão de curso (TCC)

das instituições de ensino superior de Teresina que abordam a temática sob diferentes

vertentes e períodos.

No tocante ao ensino primário observam-se estudos com fundamentação em fontes a

nível local, tais como, leis, decretos, biografias, livros de políticos importantes, jornais, entre

outros. Partindo desta gama de fontes disponíveis pretende-se investigar a partir de dois

tipos de documentos de mesma natureza, bem como organizar e sistematizar os dados

divulgados localmente sobre o citado nível de ensino.

O presente estudo pretende discutir sobre a matrícula e frequência na instrução

primária no Piauí e suas vinculações com as edificações escolares no período de 1900 a 1961 a

partir de dois tipos de documentos produzidos pelo Poder Legislativo de natureza técnica: as

Mensagens Governamentais e os Relatórios da Educação. Os objetivos dizem respeito a

caracterizar, analisar e organizar informações sobre este dado nível de ensino,

especificamente sobre matricula, frequência e escolas.

1 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Pedagogia pela UFPI. E-mail:<[email protected]>.

2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora Adjunta no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação em educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail:<[email protected]>.

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Para a consecução do estudo é preciso configurá-lo não como uma simples descrição a

partir do documento legal, mas vendo-o como sinônimo de problematização dessas fontes,

bem como dialogar com autores que já se propunham a discutir sobre a temática.

A periodização adotada compreende os anos finais da República Velha estendendo-se

até os primeiros da Era Vargas, período em que o país ensaiava uma fase de “modernização”

apresentando mudanças significativas em todos os setores da sociedade. No tocante a

educação o período escolhido foi marcado por reformas, difusão de movimentos em

prol da educação (sobretudo na década de 1920), criação do Ministério da Educação (1930) e

da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (1961), entre outros destaques.

O presente estudo alicerçou-se na Nova História Cultural pela possibilidade do uso de

fontes diversificadas como, por exemplo, os documentos. O estudo aqui explanado é de

natureza qualitativa do tipo documental e bibliográfico tendo a análise de conteúdo como

metodologia para análise dos documentos. Com o intuito de alcançar os objetivos propostos

foi realizado levantamento bibliográfico buscando-se amparar na fundamentação teórica de

alguns autores, como: Burke (1992), Lopes & Galvão (2001), Le Goff (1990), Félix (1998),

Bardin (1977), entre outros. Como também levantamento organização das fontes objetivadas

no Arquivo Público do Estado do Piauí ‘Casa Anísio Brito’.

É buscando e divulgando dados legais que possibilitem reflexão sobre aspectos

históricos especialmente a nível primário, sobretudo de seu processo de expansão que se

espera contribuir para melhor compreensão da história da educação no Piauí, bem como, da

história da educação no Brasil.

Os Documentos como fonte de Pesquisa

Inicialmente é pertinente definir-se o conceito de documento. São considerados

documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação

sobre o comportamento humano” (LÜDKE Apud PHILLIPIS, 1986, p.38). Neste sentido

podem ser cartas, leis, regulamentos, relatórios, diários, jornais, revistas, periódicos, normas,

autobiografias dentre outros. Tal diversidade permite inúmeras perspectivas de estudos,

porém também pressupõe algumas ponderações quando os se tem como objeto para análise.

Cellard (2012) a respeito do documento escrito refere-se a ele como uma fonte

extremamente pertinente e única configurando-se como reconstrutor da memória sem

provocar alterações nestas ou desfigurar os acontecimentos. Ressalta-o ainda como “[...]

insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,

pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em

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determinadas épocas” (CELLARD, 2012, p.295). Além disso, comumente, o documento

permanece como o único testemunho de atividades privadas ocorridas num passado remoto.

Le Goff (1990) relata que não deve haver apenas uma nova concepção do documento,

como também uma nova crítica do mesmo. A finalidade também deve ser observada, pois os

documentos escritos nunca são parciais, sua impressão sempre está impregnada pelos

objetivos do autor do texto, por suas expectativas e interesses:

O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele próprio parcialmente determinado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto para dizer “a verdade”. (LE GOFF, 1990, p.54)

Em relação aos textos impressos Le Goff (1990) define alguns pontos a serem avaliados

sobre os documentos escritos e a reconstrução dos fatos nele contidos quando diz que é

necessário considerar a relação entre três pontos: o texto, o objetivo que lhe serve de suporte,

e a prática que dele se opera. O autor ressalta a divergência de interpretação sobre o mesmo

texto impresso devido a fatores que dependem desde o tipo de leitura realizada ao modo

como este chega ao público alvo.

A principal vantagem para o uso de documentos na pesquisa é o fato de que, por

exemplo, o acesso aos dados não altera a realidade ou os fatos/sujeitos que se pretende

compreender, visto que se trata de um material já concluído, já posto (não sofre alterações na

íntegra), bem como refletir sobre dada realidade a partir dos próprios autores de

determinado contexto.

O tratamento dado aos documentos traz implicações quando usados em pesquisa.

Lopes (2001, p.92) relata “que o documento em si não é História, não faz História”, é o

pesquisador mediante a problematização e questionamentos destas fontes que lhes atribuem

significado. Apontam que enquanto existir questionamentos os mesmos não estarão

totalmente explorados.

É de pleno conhecimento os pontos positivos e negativos que perpassam os

documentos e sua análise, como também dos autores e interesses do exposto nas Mensagens

Governamentais e Relatórios da Educação, mas acredita-se assim como Félix (1998) que o

fato que ocorreu não muda o que muda é o modo como é analisado, o foco, ou seja, a

interpretação muda.

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Da Metodologia e Coleta dos dados

A pesquisa aqui apresentada é de natureza qualitativa do tipo documental e

bibliográfica tendo a análise de conteúdo, segundo Bardin (1977), como metodologia para

análise dos documentos.

Optou-se pela análise de conteúdo, com base na qual Bardin a define como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores quantitativos ou não, que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens (BARDIN, 1977, p. 38).

Segundo a autora a análise de conteúdo é a manipulação do conteúdo e expressão deste

com o intuito de evidenciar os indicadores que permitem inferir sobre uma realidade que não

a da mensagem. A técnica se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação

(oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento, ou seja, se refere a um conjunto de

instrumentos metodológicos que se aperfeiçoa constantemente e que se aplica a discursos

diversificados.

Para efetivação do estudo foi realizada atividade de levantamento e organização das

fontes documentais objetivadas – neste caso, mensagens governamentais, relatórios da

educação– contidos no Arquivo Público do Estado do Piauí ‘Casa Anísio Brito’

correspondente aos anos alvos deste trabalho. O acervo total de coleta foi de 33 Mensagens

Governamentais e três Relatórios da Educação.

O Arquivo Público do Estado do Piauí ‘Casa Anísio Brito’ localiza-se no centro de

Teresina-PI. O acervo do Arquivo Público foi constituído no momento de sua criação, pela

documentação da Secretaria de Governo, abrangendo, naquela data, documentos dos séculos

XVIII e XIX. Essa documentação, que de fato criou o Arquivo Público foi oficializada pela Lei

nº 533 de 1909, no governo de Anísio Auto de Abreu. Em meados do século XX, os arquivos

permanentes dos Poderes Judiciário e Legislativo passam também a compor o seu acervo,

além de periódicos, fotografias e livros (BORGES, 2008).

As mensagens Governamentais e os Relatórios da Educação são documentos oriundos

do Poder Legislativo apresentando de forma detalhada, mas sucinta, as ações desenvolvidas

pelo governo no ano anterior ao da data de sua publicação, nos mais variados âmbitos da

sociedade (Agricultura, Educação, Saúde, Transportes, etc.). No tocante a Educação apontam

as principais realizações promovidas, bem como evidenciam (ou pretendem assim o ser) de

forma sintética a situação nesta área. Este componente era produzido pelo diretor da

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instrução pública tendo os governadores a incumbência de inferir comentários sobre todos os

pontos suscitados.

Analisar o conteúdo destes documentos é relevante no sentido que possibilitam a

exploração de um dos aspectos que compõem o olhar sobre a educação: à visão oficial acerca

do assunto. Assim a observação das questões vigentes expostas nestes possibilitam a

compreensão de uma educação não apenas quantificada, como também as ideias em curso,

visto que por serem produzidas sistematicamente, todos os anos, favorece a observação da

evolução/aperfeiçoamento do sistema de ensino, assim como retrata o desenvolvimento de

iniciativas na área.

Matrícula, Frequência e Escola: A Instrução Primária Piauiense

A matrícula escolar é o elemento mais citado e ressaltado em todas as Mensagens e

Relatórios pesquisados. Os Governadores ressaltavam por meio de listas e gráficos de

pequenos períodos, muitos construídos e anexados “a mão” (Figura 1) o acréscimo no

número de matrículas, mesmo que pequeno. Tais dados nunca eram apresentados

isoladamente, e sim em comparativo ao Governo anterior, visto ser a comparação o elemento

central na exaltação ou depreciação dos projetos e demais políticas dos governos.

Figura 1 – Diagrama referente à matrícula e frequência média nas escolas primárias do Estado no período de 1933-1937; Mensagem Governamental de 1938.

A partir dos dados exposto nas Mensagens Governamentais e Relatórios da Educação

criou-se um quadro (Quadro 01) com o número de matrículas por ano.

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QUADRO 1 MATRÍCULA ESCOLAR PRIMÁRIA (1900-1961)

Fonte: Mensagens Governamentais e Relatórios da Educação de 1900 a 1961. Organização da autora deste trabalho.

O quadro evidencia elevado crescimento no número de matrículas atingindo índices

duplamente maiores de uma década a outra. O aumento no número de matrículas era

ressaltado pelos governadores como sinônimo na qualidade do ensino ou como um

acontecimento notório. Relato desta natureza pode ser observado quando o governador de

1924, João Luiz Ferreira, revela que “já alcançamos a matrícula de 55 crianças por escola,

quando o regulamento fixa esse numero em 30” (FERREIRA, 1924, p. 8).

É pertinente citar que o número de matrículas não correspondia ao de frequência

escolar apresentando defasagem em média de 10% do total de matrículas, em alguns anos

ANO NÚMERO DE MATRÍCULAS

ANO NÚMERO DE

MATRÍCULAS

1900 2.968 1928 1.759

1901 2.963 1929 8.000

1902 2.816 1930 7.397

1904 2.526 1931 11.101

1905 2.943 1932 14.922

1908 3.944 1933 16.054

1909 3.190 1934 20.638

1910 2.979 1935 25.532

1911 3.991 1936 28.426

1912 4.010 1937 32.383

1913 3.545 1938 35.316

1914 3.220 1939 37.689

1915 2.563 1940 39.882

1916 2.546 1941 43.262

1917 2.825 1942 44.307

1918 3.084 1946 36.259

1919 3.057 1947 44.179

1920 3.476 1948 42.615

1921 4.081 1949 43.695

1922 4.706 1950 56.506

1923 4.787 1951 59.120

1925 4.864 1961 63.770

1927 1.370 ------- -------

TOTAL = 622.615

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este número chega quase à metade dos ditos matriculados. No tocante a esta última não foi

possível à construção de quadro, como o do número de matrículas, pois a frequência escolar

não era elemento associado a matrícula em todas as Mensagens Governamentais e

Relatórios. A afirmativa em relação à frequência deu-se como resultado da média a partir dos

números disponíveis. O Quadro 02 representa uma mostra do número de frequência média

escolar em alguns anos, servindo de justificativa às afirmações referidas sobre este último

aspecto.

QUADRO 2

AMOSTRA DE FREQUÊNCIA MÉDIA ESCOLAR

Fonte: Mensagens Governamentais de 1910, 1922, 1934, 1935, 1937, 1950, 1951 e 1953. Organização da autora deste trabalho.

Em relação às matriculas um dado positivo é exposto em 1940 com a publicação da

estatística do ensino primário no Brasil durante os anos de 1932 a 1936 realizado pelo

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Nos resultados desta pesquisa, o Piauí

ocupou o segundo lugar no item crescimento de matriculas referente ao período pesquisado.

Mesmo com a elevação de matriculas, os números ainda são relativamente baixos. É

partir da década de 1950 que são notadas tentativas para explicar a diminuição gradativa no

número de matrículas e frequência. Neste sentido os governadores justificam a situação pela

não criação de novas escolas, sendo o Departamento da Educação responsável por tal ação.

A obrigatoriedade escolar pode ser elencada como fator decisivo na matrícula e sua real

frequência. Em 1901 foi abolido no Piauí o ensino obrigatório. Como podemos observar no

Quadro 01 nos dois anos seguintes houve queda nas matrículas. A partir de 1915 os governos

ANO MATRÍCULA FREQUÊNCIA

MÉDIA

1910 2.979 2.450

1922 4.081 2.354

1934 20.600 11.882

1935 25.532 14.712

1937 32.383 21.206

1948 42.615 29.184

1949 43.695 33.386

1950 37.263 27.343

1953 74.006 55.727

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iniciam defesa pela oficialização do ensino e obrigatoriedade de frequência, os discursos de

defesa elencavam benefícios, pois acarretaria na criação de novas escolas em numero

suficiente para a população escolar, além da distribuição de roupas e de livros para os alunos

desfavorecidos economicamente.

Apenas em 1921 é que o ensino passa a ter caráter obrigatório. O Quadro 1 nos mostra a

dimensão desta fixação quando podemos observar o dobro, e em alguns anos o triplo, no

aumento de matriculas, em comparação aos anos iniciais do quadro onde o crescimento se

centrava em 200 a 300 matriculas, agora o registrado varia de 1.000 a 3.000 matriculas. A

partir de 1948 o ensino passa a ser inteiramente gratuito.

Em relação aos estabelecimentos de ensino observa-se que houve predominância de

três tipos no Estado: Escolas Nucleares3, Escolas Reunidas4 e Escolas Isoladas5, sendo esta

última a que apresenta maior número de estabelecimentos.

As edificações escolares apresentaram crescimento de 20% de uma década à outra. Do

total de 2.228 estabelecimentos tidos como existentes nas mensagens e relatórios apenas

1.194 tiveram atividade efetiva durante o citado período. Total este que implica no não

funcionamento de quase 400 dos estabelecimentos existentes. Nenhuma das mensagens ou

relatório faz alguma alusão aos motivos deste não funcionamento.

Segundo os governadores o tipo de escola que mais convinha ao Estado seriam as do

tipo Escolas Reunidas, por requererem menos despesas, visto a junção de outras escolas em

um mesmo espaço, maior aproveitamento das classes, sendo de fácil instalação.

No tocante ao crescimento da rede escolar vale ressaltar que somente em 1960 é que se

verificam reclamações por parte da população em relação à exigência de construção de novos

prédios escolares. As reclamações das famílias giravam em torno da ausência de novas

matrículas nas escolas públicas da capital. Diante da situação, foram instaladas três novas

unidades escolares na capital que se localizariam nos bairros Vermelha, Piçarra e Matadouro.

Com a instalação dessas novas unidades o governo sanou apenas uma das reclamações

referentes à matrícula. Na capital, o déficit ainda configurava-se como um problema, fato

relatado pelo próprio governador:

Reconhecemos, entretanto que estamos ainda longe de uma solução definitiva para o deficit de matrícula de vez que, segundo as estatísticas, êle

3 Escolas Nucleares: Eram instaladas em período temporário em povoados que obtinham no mínimo 25 crianças em idade escolar. Tinha caráter nômade oferecendo um ensino rápido com duração de um ano de curso.

4 Escolas Reunidas: constituíam do agrupamento de três ou mais escolas em um mesmo prédio com organização seriada ou em duas séries, funcionando sob uma mesma direção. Uma pessoa acumularia a função de professor e diretor.

5 Escolas Isoladas: ministravam apenas o ensino elementar.

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se eleva mais de 50%, fato que não ocorre apenas no nosso Estado, senão em quase todas as Unidades da Federação (RODRIGUES, 1960, p. 53)

Como solução para essa situação deficitária o governo propôs a criação de 10 novos

grupos escolares (Figura 2) dos quais três seriam localizados na capital, e sete nas cidades do

interior que apresentem maior densidade demográfica. Os grupos escolares foram criados em

1952, entretanto, todos foram localizados em zonas rurais, nenhum na capital. Outra medida

seria à elevação de algumas Escolas Isoladas à categoria de Grupo Escolar, tendo como

finalidade o aumento do número de classes existentes e consequentemente o crescimento da

matrícula.

Figura 2- Grupo Escolar Domingos Jorge Velho, em Teresina; Mensagens Governamental de 1936.

Finalidade do Ensino Primário e o Papel da Escola

A instrução primária é veemente discutida pelos governadores, onde por meio da

exposição da realidade vivenciada apontavam, mesmo que indiretamente, as melhorias que

se faziam necessárias, bem como os recentes avanços. Nas Mensagens e Relatórios as

dificuldades e melhoramentos eram definidos, porém a que proposito? Qual o objetivo do

aludido nível de ensino?.

A finalidade do ensino primário apenas é exposta na Mensagem Governamental de

1952. Neste ano o governador, Pedro de Almendra Freitas, informa sobre as finalidades do

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ensino “aprovado pelo decreto-lei n. 1.306, de 2 de Setembro de 1496, na conformidade do

decreto-lei federal n. 8. 585, de 8 de janeiro do mesmo”:

a) Proporcionar a iniciação cultural que a todos conduza ao conhecimento da vida nacional e ao exercício das virtudes morais e cívicas, que a mantenham dentro de elevado espirito de fraternidade humana;

b) Oferecer, de modo especial, às crianças de 7 a 12 anos, as condições de equilibrada formação e desenvolvimento da personalidade;

c) Elevar o nível dos conhecimentos úteis à vida na família, à defesa da saúde e à iniciação no trabalho (FREITAS, 1952, p. 60).

Com base nesses princípios é que o Departamento da Educação estava elaborando a

regulamentação do ensino primário, que segundo o governador, encontrava-se em fase final.

Regulamentação esta que não é sequer citada nas mensagens e relatórios dos governos

seguintes. A Mensagem de 1928 exibe o objetivo da educação primária, que seria a de formar

futuros cidadãos possuidores de vantagem no ingresso nas “lutas” pela vida.

No tocante ao papel da escola há refereciação na Mensagem de 1911. À escola não

caberia mais somente à função de preparar gerações que saibam ler, escrever e contar, sua

ação alargou-se. O seu problema e sua firmação em sana-lo seria o de criar e desenvolver o

espírito de iniciativa e de persistência que se constituiriam nas verdadeiras características das

‘gerações fortes’.

Antonino Freire, atual governador de 1911, reforça sua perspectiva de que as exigências

da educação devem acompanhar o desenvolvimento dos múltiplos avanços do espírito

humano em todos os segmentos. A escola teria tal missão, alega como preceito os dizeres de

um educador francês, Picard: “fabricar homens, vai ser de agora em diante a palavra de

ordem dos educadores. Homens no sentido mais largo da palavra: fortes pelo caráter e

convencidos de suas responsabilidades.” (FREIRE, 1911, p.21) Desse modo à escola, ou

melhor, a organização do ensino, tem um caráter essencialmente alterável com vista a

progressos. A partir do publicado pode-se induzir o surgimento e busca de meios para

efetivação da ideia da educação como mecanismo de promoção da sociedade por meio do

desenvolvimento dos múltiplos aspectos do homem.

Considerações Finais

Durante o período analisado o tema recorrente diz respeito à oferta de condições

mínimas de funcionamento das escolas e de ampliação do acesso à educação, vista por longos

períodos como equivalente a quantidade. Apesar das dificuldades que perpassaram deste o

âmbito administrativo até questões relacionadas à falta de recursos humanos, neste período é

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que há a consolidação e sistematização do ensino, sobretudo primário, ou como nos dizeres

de Ferro (1996, p. 124) a “escola se firmou no Piauí ...”.

Diante do exposto nas fontes consultadas observa-se certo grau de entendimento e

compreensão do sentido da instrução, os ‘prédios’ em si, para os governos, já representavam

um grande avanço com ímpeto modernizador visto às dificuldades financeiras para custeio de

tais estabelecimentos.

Com a determinação do ensino primário como obrigatório, leigo e gratuito as famílias

passaram a reivindicar em certa medida seus diretos exigindo dos governos a criação de

estabelecimentos de ensino para cumprirem assim com suas novas obrigações previstas em

lei.

É evidente a expansão das edificações escolares por todo o Estado, bem como a

transferência de alguns tipos conforme as necessidades do governo e da população. Nestes

anos o estado procurou ajustar os tipos ao montante monetário disponível. Os

estabelecimentos de ensino eram vistos como elemento concreto de modernização do ensino,

não apenas no tocante à estrutura, assim como uma nova dinâmica organizacional e

fiscalização desta nova lógica.

Na fala dos Governadores se observa principalmente “otimismo” no tocante ao ensino

primário, mesmo diante de uma realidade pedagógica estagnada retratada pelos mesmos.

Assim a construção de novos prédios sanaria a questão da frequência escolar, prestando real

serviço aos efetivamente matriculados.

Ao reconstruirmos este momento da história das edificações escolares no Piauí

acreditamos estar contribuindo pra ampliar os conhecimentos sobre a História da Educação

no Piauí fornecendo informações relevantes para o perfil histórico educacional deste Estado e

consequentemente para a história da educação brasileira.

Referências

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