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55 A cafeína é o estimulante mais consumido em todo o mundo. Acre- dita-se que esta substância faça parte da dieta de aproximadamen- te 90% dos adultos, pelo que todos nós ouvimos desde cedo falar dos seus alegados benefícios e malefícios. Mas de facto o que se sabe hoje sobre o efeito da cafeína na saúde humana? A cafeína é um composto encontrado em sementes, folhas e frutos de certas plantas, onde atua como um pesticida natural. É frequen- temente mais consumida a partir de infusões extraídas de semen- tes da planta do café e folhas de chá, mas também refrigerantes, bebidas energéticas e cacau. O seu efeito neuro-estimulante é sem dúvida conhecido por todos. Na verdade, esta substância parece ter benefício na capacidade de concentração, memória e orientação. No entanto, os efeitos da cafeína no organismo vão muito além destes. A evidência atual demonstra que o consumo crónico de cafeína diminui o risco de doença de Alzheirmer e Parkinson, exceto para senhoras a fazerem terapêutica hormonal de substituição em que o consumo superior a 6 chávenas de café por dia parece aumentar o risco da última. Os efeitos da cafeína não se limitam no entanto ao sistema ner- voso. O sistema cardiovascular é também igualmente visado. Um “mito” a desmistificar é o risco de elevação da Tensão Arterial. Se o consumo ocasional de café pode levar a uma elevação da tensão arterial em indivíduos que não o consumam habitualmente (princi- palmente idosos hipertensos), o consumo crónico de café tem um efeito residual ou mesmo nenhum, na elevação da tensão arterial. Já no que se refere ao risco de arritmia cardíaca, para indivíduos sem fatores de risco e para consumos moderados, não parece haver qualquer risco acrescido. Atenção que este conceito não é válido para indivíduos com doença cardíaca conhecida, os quais deverão evitar o consumo de grandes quantidades de café. Fica então mais claro que o preconceito de maleficio cardiovascular associado ao consumo de cafeína só é válido para consumos excessivos e para populações de risco. De facto, consumir até 3 chávenas de café di- minui o risco de enfarte agudo do miocárdio. Sendo a cafeína um estimulante do músculo do intestino, natural- mente poderá ser uma ajuda em situações de obstipação persis- tente. Existe ainda uma relação inversa, dose dependente, entre o consumo de café e a incidência de cirrose hepática alcoólica (doen- ça crónica terminal do fígado). O risco de certas neoplasias (cancro) como da orofaringe, hepática e endométrio (parede interior do úte- ro) parecem diminuir com o consumo de café. No entanto, é fundamental que se entenda que o café não é com- posto apenas por cafeína. Existem outras substâncias antioxidan- tes que poderão estar na base de muitos dos efeitos benéficos associados ao seu consumo. Por exemplo, hoje sabe-se que o con- sumo de café quer com cafeína, quer descafeinado, se associa a um menor risco de desenvolvimento de Diabetes mellitus tipo 2, bem como de neoplasia da próstata, com efeito máximo verificado para maiores consumos de café (superior a 4 cafés/dia). Obviamente também existem efeitos menos positivos face ao con- sumo de cafeina. Em indivíduos com perturbações de ansiedade, esta pode ser exacerbada pelo consumo de café, com risco aumen- tado de insónia e até mesmo ataques de pânico. Ao diminuir a den- sidade mineral óssea, o consumo de café pode ainda aumentar o risco de fratura nomeadamente em mulheres mais velhas com bai- xo aporte de cálcio. Ao estimular o músculo da bexiga e aumentar a produção de urina, o consumo elevado de cafeína parece associar- se a um risco aumentado de incontinência urinária. O consumo de café com cafeína parece ainda aumentar o risco de neoplasia do pulmão mas apenas de forma marginal para indivíduos não fuma- dores. Para além destes efeitos associados à ingestão de café, todo o consumidor habitual já sentiu o efeito da sua privação, nomeada- mente cefaleias (dores de cabeça), cansaço, irritabilidade e dificul- dade de concentração. Concluindo, o consumo de cafeína, nomeadamente na forma de café e chá, está associado a múltiplos efeitos no nosso organismo e não apenas os evidentes como estimulante do sistema nervoso. Na verdade, em vários estudos realizados, o consumo de café com cafe- ína associa-se a uma redução da mortalidade. Desta forma, se é um consumidor habitual de café e não tem nada que contra-indique, está no bom caminho para viver mais e melhor! josé Pedro Azevedo rodrigues Médico Interno de Gastrenterologia Cento Hospitalar de Lisboa Ocidental SAÚDE era um café e a conta sff…

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A cafeína é o estimulante mais consumido em todo o mundo. Acre-dita-se que esta substância faça parte da dieta de aproximadamen-te 90% dos adultos, pelo que todos nós ouvimos desde cedo falar dos seus alegados benefícios e malefícios.

Mas de facto o que se sabe hoje sobre o efeito da cafeína na saúde humana?

A cafeína é um composto encontrado em sementes, folhas e frutos de certas plantas, onde atua como um pesticida natural. É frequen-temente mais consumida a partir de infusões extraídas de semen-tes da planta do café e folhas de chá, mas também refrigerantes, bebidas energéticas e cacau.

O seu efeito neuro-estimulante é sem dúvida conhecido por todos. Na verdade, esta substância parece ter benefício na capacidade de concentração, memória e orientação. No entanto, os efeitos da cafeína no organismo vão muito além destes. A evidência atual demonstra que o consumo crónico de cafeína diminui o risco de doença de Alzheirmer e Parkinson, exceto para senhoras a fazerem terapêutica hormonal de substituição em que o consumo superior a 6 chávenas de café por dia parece aumentar o risco da última.

Os efeitos da cafeína não se limitam no entanto ao sistema ner-voso. O sistema cardiovascular é também igualmente visado. Um “mito” a desmistificar é o risco de elevação da Tensão Arterial. Se o consumo ocasional de café pode levar a uma elevação da tensão arterial em indivíduos que não o consumam habitualmente (princi-palmente idosos hipertensos), o consumo crónico de café tem um efeito residual ou mesmo nenhum, na elevação da tensão arterial. Já no que se refere ao risco de arritmia cardíaca, para indivíduos sem fatores de risco e para consumos moderados, não parece haver qualquer risco acrescido. Atenção que este conceito não é válido para indivíduos com doença cardíaca conhecida, os quais deverão evitar o consumo de grandes quantidades de café. Fica então mais claro que o preconceito de maleficio cardiovascular associado ao consumo de cafeína só é válido para consumos excessivos e para populações de risco. De facto, consumir até 3 chávenas de café di-minui o risco de enfarte agudo do miocárdio.

Sendo a cafeína um estimulante do músculo do intestino, natural-mente poderá ser uma ajuda em situações de obstipação persis-tente. Existe ainda uma relação inversa, dose dependente, entre o

consumo de café e a incidência de cirrose hepática alcoólica (doen-ça crónica terminal do fígado). O risco de certas neoplasias (cancro) como da orofaringe, hepática e endométrio (parede interior do úte-ro) parecem diminuir com o consumo de café.

No entanto, é fundamental que se entenda que o café não é com-posto apenas por cafeína. Existem outras substâncias antioxidan-tes que poderão estar na base de muitos dos efeitos benéficos associados ao seu consumo. Por exemplo, hoje sabe-se que o con-sumo de café quer com cafeína, quer descafeinado, se associa a um menor risco de desenvolvimento de Diabetes mellitus tipo 2, bem como de neoplasia da próstata, com efeito máximo verificado para maiores consumos de café (superior a 4 cafés/dia).

Obviamente também existem efeitos menos positivos face ao con-sumo de cafeina. Em indivíduos com perturbações de ansiedade, esta pode ser exacerbada pelo consumo de café, com risco aumen-tado de insónia e até mesmo ataques de pânico. Ao diminuir a den-sidade mineral óssea, o consumo de café pode ainda aumentar o risco de fratura nomeadamente em mulheres mais velhas com bai-xo aporte de cálcio. Ao estimular o músculo da bexiga e aumentar a produção de urina, o consumo elevado de cafeína parece associar-se a um risco aumentado de incontinência urinária. O consumo de café com cafeína parece ainda aumentar o risco de neoplasia do pulmão mas apenas de forma marginal para indivíduos não fuma-dores. Para além destes efeitos associados à ingestão de café, todo o consumidor habitual já sentiu o efeito da sua privação, nomeada-mente cefaleias (dores de cabeça), cansaço, irritabilidade e dificul-dade de concentração.

Concluindo, o consumo de cafeína, nomeadamente na forma de café e chá, está associado a múltiplos efeitos no nosso organismo e não apenas os evidentes como estimulante do sistema nervoso. Na verdade, em vários estudos realizados, o consumo de café com cafe-ína associa-se a uma redução da mortalidade. Desta forma, se é um consumidor habitual de café e não tem nada que contra-indique, está no bom caminho para viver mais e melhor!

josé·Pedro·Azevedo·rodriguesMédico Interno de Gastrenterologia Cento Hospitalar de Lisboa Ocidental

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