er15 junho09 · 2017-07-18 · caça fantasmas empresas de fachada são monta-das com facilidade...

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5Editorial

6QUEM SE BENEFICIA COM ADESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA

8DEVASTAÇÃO S/A

24ENTREVISTA: VALMIR ORTEGA

26CONEXÃO SÃO PAULO-AMAZÔNIA

28QUEM GANHA COM ADEVASTAÇÃO

34SÃO PAULO, CONSUMIDOR VORAZ

38PECUÁRIA É SETOR PROBLEMÁTICO

43MAIS BOI QUE GENTE

44SOJA AVANÇA SOBRE AMAZÔNIA LEGAL

50POVOS INDÍGENAS AMEAÇADOS

52FINANCIAMENTO: INVESTIMENTO DERISCO

58NOTAS

Sumário

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EM REVISTAEsta edição da revista do Observatório Social apresenta o resultado de

uma profunda investigação sobre empresas que financiam a devastaçãoda Amazônia. Mais de 15 mil quilômetros foram percorridos ao longo denove meses de um trabalho extenuante e metódico, que contou comuma ampla rede de colaboradores e de organizações. As informações

garimpadas permitiram fechar os elos de uma corrente perversa, que começano interior da floresta e termina na casa de consumidores em todos oscontinentes.

Ao longo de seus 11 anos de existência, o Instituto Observatório Social realizoudezenas de pesquisas em empresas nacionais e multinacionais. Muitas delascontribuíram de forma decisiva para mudar o perfil de negócios que tinham emsua base a exploração de trabalhadores, com desrespeito aos direitos humanose graves violações ambientais.

Foi assim quando mostrou, em 2004, como grandes empresas do setorsiderúrgico lucravam com o trabalho escravo na Amazônia. A históricareportagem desencadeou uma série de iniciativas que culminaram com olançamento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Foi assim também em 2006, quando reportagem sobre trabalho infantil em OuroPreto (MG) revelou como grandes multinacionais se beneficiavam da exploraçãodo trabalho de crianças e adolescentes em jazidas de minério de talco. Após apublicação, as corporações envolvidas promoveram drásticas mudanças emsua metodologia de monitoramento de cadeias produtivas.

Outra reportagem, nesse mesmo ano, desvendou o uso de trabalho degradanteno setor do vestuário, que empregava mão-de-obra de imigrantes bolivianosem jornadas de até 18 horas diárias. Passados quatro anos, para se desvencilhardo aumento da fiscalização em São Paulo, diversas empresas transferiramparte da produção para a China, onde as condições de trabalho são ainda piores.O problema merece atenção das organizações que se preocupam com osdireitos humanos e com as práticas empresariais sustentáveis.

Com esta 15ª edição de sua revista, o Instituto Observatório Social esperacontribuir para que o discurso da responsabilidade social se torne efetivamenteuma prática cotidiana entre as empresas que têm a Amazônia como origem desuas matérias-primas.

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Quem se beneficia com a

Madeireiras que operamilegalmente, funcionáriospúblicos corruptos e gruposempresariais ligados direta ouindiretamente a esquemascriminosos estão na base doprocesso de devastação daFloresta Amazônica. A madeiraoriunda de empresas quedesmatam vai parar na casa deconsumidores de todos oscontinentes, da América do Norteà Ásia, da Europa à Oceania. Emdezenas de países, o que éretirado ilegalmente da florestatorna-se matéria prima naconstrução civil e em diversosramos da indústria.

A derrubada clandestina, obeneficiamento e o comércio deuma árvore seguem conhecidas

André Campos,Carlos Juliano Barros,Dauro Veras,Leonardo Sakamoto,Marques Casara,Paola Bello eSérgio Vignes.

rotas de ilegalidades e crimesambientais, fiscais e trabalhistas.Diversas organizações dasociedade civil ligadas àproteção do meio ambiente eórgãos do governo admitem queboa parte da madeira origináriada Amazônia é retirada de formailegal e sofre um processo de“esquentamento” até chegar aoconsumidor final.

MERCADO EXTERNOEsta reportagem, que

demorou nove meses para ficarpronta, está dividida em duaspartes. A primeira, intituladaDevastação S/A, desvenda ocomércio internacional demadeira retirada ilegalmente dafloresta.

A madeira passa por umesquema fraudulento que dá aela uma aparência 100% legal.Isso é possível porque no meiodo processo existe umaquadrilha dentro da Secretariade Estado de Meio Ambiente doPará, que opera em parceriacom madeireiras e empresas deexportação. No final do caminhoestão gigantes do setor demadeira e construção civilbaseados nos Estados Unidos,

GRANDES EMPRESASBRASILEIRAS E

ESTRANGEIRASESTÃO NA PONTA DA

CADEIA PRODUTIVAQUE FINANCIA A

DEVASTAÇÃO DAFLORESTA

AMAZÔNICA. NOVEMESES DE

INVESTIGAÇÃOJORNALÍSTICA

RESULTARAM NAAPURAÇÃO DE

PROVAS QUEMOSTRAM COMO

FUNCIONAM ASREDES DE NEGÓCIOS

IMPLICADAS EMCRIMES AMBIENTAIS E

TRABALHISTAS.

GRANDES EMPRESASBRASILEIRAS E

ESTRANGEIRASESTÃO NA PONTA DA

CADEIA PRODUTIVAQUE FINANCIA A

DEVASTAÇÃO DAFLORESTA

AMAZÔNICA. NOVEMESES DE

INVESTIGAÇÃOJORNALÍSTICA

RESULTARAM NAAPURAÇÃO DE

PROVAS QUEMOSTRAM COMO

FUNCIONAM ASREDES DE NEGÓCIOS

IMPLICADAS EMCRIMES AMBIENTAIS E

TRABALHISTAS.

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destruição da Amazônia?

Europa, Ásia e Oceania. Todas asempresas aqui citadas aparecemem documentos que comprovamo problema.

As empresas no exterior,apesar de não participaremdiretamente desse“esquentamento”, salvo asexceções citadas na reportagem,estão implicadas na devastaçãoda floresta: ao comprarem amadeira de empresasenvolvidas, estão financiando ocírculo vicioso. Elas não têmmecanismos minimamenteeficientes para monitorar suascadeias produtivas.

MERCADO INTERNOA segunda parte, intitulada

Conexão São Paulo - Amazônia,

mostra como funciona ocomércio interno da devastaçãoflorestal. Essa apuraçãocomeçou no primeiro semestrede 2008, graças à iniciativa doFórum Amazônia Sustentável edo Movimento Nossa São Paulo.As duas organizaçõespatrocinaram uma amplapesquisa, realizada porjornalistas da ONG RepórterBrasil e da Papel SocialComunicação, para determinarexemplos de empresas comnegócios em São Paulo quefinanciam a destruição dafloresta.

Os resultados apareceramem outubro de 2008 noSeminário ConexõesSustentáveis, quando foram

lançados três pactos para tentardeter quem lucra com adestruição da floresta e de suagente: soja, madeira e carne.Os pactos estão em vigor e delefazem parte dezenas decorporações. Posteriormente,para a publicação destareportagem, a apuração foiaprofundada e as empresasenvolvidas, novamenteprocuradas.

Cabe ressaltar que todas asempresas aqui citadas tiveramsuas ligações com a cadeiaprodutiva da devastaçãocomprovadas por meio dedocumentos ou de entrevistasgravadas com funcionários,diretores e gerentes daspróprias organizações.

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DEVASTAÇÃOComo operam as

multinacionais e asempresas de

exportação que enviampara Estados Unidos,

Europa e Ásia amadeira retirada

ilegalmente da FlorestaAmazônica.

O comércio predatórioenvolve desde lojas

francesas do segmento‘faça você mesmo’ atéfornecedor de produtospara shows televisivos

americanos sobrereformas residenciais.

Pátio de empresa fantasma localizada em Anapu (PA) : 100% de madeira

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Em 2007, o Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis (Ibama) aplicouquase R$ 1 bilhão em multas contrao desmatamento ilegal na Amazônia.Em 2008, só no Pará foram aplica-das multas no valor de R$ 600 mi-lhões. Não é novidade que a madeiraoriunda da Amazônia é, em sua mai-or parte, obtida de forma ilegal. Asmultas são um exemplo disso, já queuma ínfima parcela de madeira ilegalé apreendida.

Estimativas do Ibama, do Minis-tério Público, do Greenpeace e do Ins-tituto do Homem e do Meio Ambien-te da Amazônia (Imazon) apontamque apenas um terço da madeira ex-traída da floresta está de acordo comas leis. A maior parte sai de terrasindígenas ou de reservas de forma ile-gal. O processo está contaminadopela corrupção de funcionários públi-cos. No Pará, por onde sai a madeiraexportada via porto de Belém, a cor-rupção funciona até mesmo dentro daSecretaria de Estado de Meio Ambi-ente (Sema).

Duas autoridades confirmam adenúncia: o procurador regional daRepública do Pará, Daniel Avelino, eo superintendente do Ibama no esta-do, Aníbal Picanço. “Pessoas inescru-pulosas, incluindo servidores da pró-pria Sema, têm aprovado planos demanejo fora dos padrões normais”, dizPicanço. “Aprovam planos em áreasonde não existe mais vegetação ouonde há apenas espécies de madeiraque não são comercializadas”.

Segundo o procurador da Repú-blica, a fraude envolve desde a inva-são do sistema da Sema por hackersaté a corrupção de funcionários pú-blicos para inserção de número mai-or de créditos ou para a aprovaçãode planos de manejo que fogem doscritérios mínimos de viabilidade: “Háuma forte inserção de créditos demadeira falsos dentro do sistema, dasmais variadas formas possíveis”.

Caça FantasmasEmpresas de fachada são monta-

das com facilidade para “esquentar”madeiras de origem ilegal. Lojas deautopeças, oficinas mecânicas, resi-dências e terrenos baldios são utiliza-dos no esquema. Em apenas um mês,entre fevereiro e março de 2009, aoperação Caça Fantasmas, realizadapor Ibama, Sema e Ministério Públi-co, bloqueou mais de 100 dessas em-presas em Belém e na região metro-politana. As multas aplicadas na ope-ração somavam, até o primeirotrimestre do ano, mais de R$ 100 mi-lhões, enquanto a movimentação fei-ta por essas empresas em 2008 ul-trapassava R$ 250 milhões.

Atualmente o Pará é o segundoestado brasileiro que mais compramadeira de outros estados, atrás ape-nas de São Paulo. Acontece que amaior parte dessa madeira nunca éde fato transportada de um estadopara outro. As operações ficam nopapel. O que as empresas querem nãoé madeira, mas crédito de madeira, opapel que autoriza a comercialização.

“Elas compram o crédito de ou-tros estados, mas a madeira não vem,até porque não há viabilidade econô-mica nenhuma para essa operação”,confirma o procurador da República.“Com esses créditos, consegue-secomercializar madeira de terra ilícita,como de terra indígena, de área deconservação, de planos de manejonão aprovados”. Conforme Avelino,o órgão ambiental é responsável porfazer a conferência de toda a madei-ra que chega ao estado e inserir oscréditos no sistema, mas isso nãoacontece.

A desculpada reforma agrária

No final de 2008, até o InstitutoNacional de Colonização e Reforma

S/A

ilegal, toda ela para exportação

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Agrária (Incra) entrou para o esque-ma. Denunciada pelo Jornal Nacio-nal da Rede Globo no final de janei-ro, uma fraude milionária de explo-ração irregular de madeira no Paráenvolveu assentamentos, madeireirosda região e a Sema.

Segundo a denúncia, planos demanejo florestal que não existiameram aprovados pela Sema. Além deos assentamentos não possuírem flo-restas, a madeira autorizada era reti-rada de outros lugares, distantes e pormadeireiros. Ao todo, foi autorizada aretirada de 109 mil metros cúbicos demadeira nos assentamentos do Incra.O volume representa cerca de 20 milárvores, que renderiam mais de R$ 30milhões. Na época, o secretário deMeio Ambiente do Pará, Valmir Or-tega, reconheceu a fraude e confir-mou que várias empresas haviammovimentado mais de 10% do totalautorizado pela Sema antes de o pro-blema se tornar público.

Em 2007, o Greenpeace já haviadenunciado o Incra por facilitar a atu-ação das madeireiras em áreas deassentamentos rurais no Pará. Segun-do documentos obtidos pela organiza-ção, o Incra favorecia o estabeleci-mento de parcerias entre madeireirase supostas associações de assenta-dos. Em vez de criar assentamentosem áreas griladas ou já desmatadas,o órgão foi acusado de desrespeitarnormas e acelerar a criação de deze-nas de assentamentos em áreas ricasem recursos madeireiros.

A denúncia, que culminou nopedido, pelo Ministério Público doPará, de cancelamento de 99 assen-tamentos criados no estado entre 2005e 2006, incluía assentamentos-fantas-ma, renda da exploração da madeiraàs empresas e escolha, por parte dasmadeireiras, de áreas para criação dosassentamentos. Este último delito foiconfirmado por depoimento de madei-reiros à CPI (Comissão Parlamentarde Inquérito) da Biopirataria em 2006.Segundo a denúncia, as áreas dos as- Madeira apreendida no pátio da Madeball. A empresa já foi lacrada pelo Ibama mas

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sentamentos eram escolhidas deacordo com a disponibilidade de ma-deira de maior valor comercial.

Aproveitando a brechaEste esquema foi utilizado pela

madeireira Madeball. Localizada emAnapu, município do Pará onde, em2005, foi assassinada a missionárianorte-americana Dorothy Stang, aempresa foi multada e teve madeiraapreendida diversas vezes, inclusivepor envolvimento com associações deassentados. Em 2006, a Madeballchegou a ser lacrada pelo Ibama porfuncionar sem licença de operação epor armazenar, sem origem compro-vada, centenas de metros cúbicos dejatobá, ipê, tatajuba, angelim, sucupi-ra, cedro e muiracatiara. A empresaempregou recursos judiciais para re-verter a situação e pouco tempo de-pois recomeçou a operar. Os proces-sos ainda não foram julgados e, coma demora, dois deles já prescreveram.

A madeireira também consta nalista das ouvidas pela Comissão Par-lamentar de Inquérito (CPI) da Bio-pirataria. Em 2006, a Comissão inves-tigou os indícios da concessão, peloIbama, de Autorizações de Desma-tamento (ADMs) irregulares em tro-ca de apoio financeiro para campa-nhas políticas. Denominado “PlanoSafra Legal 2004”, o esquema, orga-nizado por Ibama, Incra, madeireirose organizações representativas dostrabalhadores rurais, teria possibilita-do ADMs para lotes de assentamen-tos rurais onde não havia mais ma-deira, mas que eram usados para en-cobrir cortes ilegais em outras áreas.

Entre 2005 e 2008, o Ibama apli-cou à Madeball nove autos de infra-ção, dos quais sete ainda estão emjulgamento. Incluem venda de madei-ra serrada sem autorização de trans-porte, comercialização e armazena-mento de madeira sem licença e com-provação de origem. Considerandoapenas a última autuação, em janeiro

de 2008, a empresa foi multada emquase R$ 810 mil. Somadas, as infra-ções ainda não pagas contabilizamcerca de R$ 1,5 milhão.

Silvino Gomes Barros, sócio daempresa, confirma todas as autua-ções. Embora afirme que, desde oano passado, trabalha apenas commadeira legalizada, reforça que acompra de madeira de assentamen-tos e sem comprovante de origem éuma prática comum na região. “Asvezes em que fui multado foram porter madeira sem documento, madeirailegal”, diz. “Isso não é certo, de ma-neira nenhuma, mas eu fiz porque aquitodo mundo trabalha assim, todo mun-do compra madeira assim”.

A Madeball, assim como outras de-zenas de madeireiras no Pará, continuaoperando, mesmo com pendências nosórgãos ambientais. Conforme o Ibama,o Ministério Público e a Sema, são pou-cas as situações em que a empresa éfechada definitivamente. Na maioriadas vezes há a possibilidade de entrarcom recursos até que o caso seja julga-do. Nesses casos, o máximo que sepode fazer, segundo o Ibama, é a apre-ensão da madeira ilegal.

Cortina desustentabilidade

As madeireiras irregulares conti-nuam operando porque há demandade madeira no mercado. Elas não sãoas únicas que se beneficiam com aineficácia da legislação. Em 2008, se-gundo a Secretaria de Comércio Ex-terior, o Pará exportou mais de 2 mi-lhões de metros cúbicos de madeiraserrada, volume traduzido em cercade US$ 685 milhões. Os principaisdestinos da madeira brasileira foramUnião Europeia, com 643 mil metroscúbicos de madeira serrada, EstadosUnidos – 192 mil m³ – e China, comquase 120 mil m³.

Na lista das maiores exportadorascontinua trabalhando com madeira ilegal.

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do Estado do Pará, a Vitória RégiaExportações é uma das grandes cli-entes da Madeball. Fundada em 2001,a empresa exportou no ano passadocerca de US$ 9 milhões (R$ 21,2milhões pelo câmbio de 31 de dezem-bro de 2008) em madeira para 12 pa-íses, entre eles Estados Unidos, Fran-ça, Alemanha, Canadá, Portugal, Itá-lia e Suécia.

A Vitória Régia baseia sua propa-ganda no conceito de sustentabilida-de. É certificada pelo Forest Stewar-dship Council (FSC), um dos mais im-portantes certificadores ambientais domundo, que atua no Brasil comoConselho Brasileiro de ManejoFlorestal (FSC Brasil). Fazem suces-so suas iniciativas como a criação doEcoflooring, piso com três camadasde madeira. “Por conter madeira re-ciclada, este piso diminui em 200% oimpacto ambiental, fazendo com queseu lar se destaque pela sua beleza,sem agredir a natureza”, diz o textono site da empresa.

De acordo com a imprensa para-ense, a Vitória Régia foi uma das pri-meiras a fechar contrato de parceriacom o governo do estado e com enti-dades ambientais por meio do Proje-to de Apoio ao Manejo Florestal Sus-tentável na Amazônia (ProManejo),do Ibama. A empresa e associaçõesdo Plano de Desenvolvimento Susten-tável da região conseguiram autori-zação da Sema para explorar anual-mente mil hectares florestais em áre-as de assentamentos. Essa parceriavisa a certificação pelo FSC das áre-as exploradas e, consequentemente,a garantia da certificação da origemda madeira comercializada.

Nas casas dos famososIniciativas como estas garantem à

Vitória Régia clientes como a ameri-cana Lumber Liquidators, de TomSullivan. Ele é criador do conceito dereformas-relâmpago e reaproveita-mento de materiais, vistos em diver-

sos países em programas norte-ame-ricanos de televisão como ExtremeMakeover, This Old House e DreamHome, exibidos em tevês a cabo dediversos países.

O site da Lumber Liquidators infor-ma que seus pisos podem ser encon-trados nas casas de Jacqueline Kenne-dy Onassis, Donald Trump, AngelinaJolie, Kim Bassinger e outras persona-lidades. Provavelmente esses clientesfinais desconhecem que a Lumber Li-quidators compra madeira brasileiraserrada por empresas sistematicamen-te envolvidas em crimes ambientais.

Questionado sobre o rastreamen-to da cadeia produtiva, o vice-presi-dente de Tecnologia, Marketing e Co-mercial da Vitória Régia Exportado-ra, Sandro Bracchi, assume que háfalhas. “Quase 70% da nossa madei-ra tem origem controlada por nósmesmos”, admite sem constrangimen-to. “Se eu tivesse um plano de mane-jo sustentável, eu poderia ter 100%de credibilidade, mas infelizmente, não

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é assim que acontece”, completa.Bracchi afirma ser possível que

seus fornecedores derrubem árvoresem quantidades superiores às permiti-das, mas tenta se eximir da culpa ale-gando a dificuldade de rastrear toda amadeira e exigir que eles cumpram aslimitações do plano de manejo: "Preci-saríamos ter uma estrutura de fiscali-zação tão grande quanto o órgão dogoverno". Quanto à compra de madeirada Madeball, sistematicamente multa-da pelo Ibama, Bracchi afirma queessa empresa é um fornecedor antigocom o qual há uma questão comercialpendente. Diz que sua empresa ficouquatro meses sem comprar dela, masrecentemente voltou a comprar e estáacompanhando a situação.

Sustentabilidade defachada

Maior do que a Vitória Régia, notopo da lista de exportadores de ma-

deira paraense, a empresa PampaExportações (Pampex) somou US$20,5 milhões em vendas para o mer-cado externo em 2008. Os principaiscompradores foram França e Esta-dos Unidos. Outros 21 países com-puseram a lista de clientes da empre-sa, entre eles Bélgica, Alemanha, Rús-sia, Japão e China.

Como tantas outras empresas pa-raenses, a Pampa tem os pisos comobase da produção – os internos, pre-ferência europeia, e os deques paraos norte-americanos. Fundada há 22anos, possui em sua carteira de cli-entes grandes referências no setor depisos e laminados, como o grupo di-namarquês DLH Nordisk, o francêsBrico Dépôt e as americanas NovaUSA Wood Products e ThompsonMahogany.

A grande propaganda da Pampa,que emprega 550 funcionários dire-tos, encontra-se em divulgar ações desustentabilidade. Tanto que um dossócios, o geólogo Demorvan Tomedi,

faz parte do conselho de sustentabili-dade do Banco Real. No sítio da ins-tituição financeira na internet há elo-gios às ações da empresa: “...produzpisos e componentes de madeira eadota práticas sustentáveis, como autilização de todo o resíduo da indús-tria para a geração de energia elétri-ca e reflorestamento em áreas alta-mente degradadas, com excelentesresultados em espécies exóticas e tro-picais”.

A Pampa faz parte do grupo Com-pradores de Produtos Florestais Cer-tificados, que reúne empresas “com-prometidas em dar preferência aoconsumo de produtos provenientes deflorestas certificada”, diz o estatuto.Segundo Tomedi, a exportadora tam-bém está em processo de certificaçãoda cadeia de custódia (rastreamentoda madeira proveniente de uma flo-resta certificada até o produto final)pelo FSC Brasil. Uma empresaexemplar, não fossem os gravesproblemas em sua cadeia produtiva.

Pátio da Rio Pardo Madeiras, empresa fantasma que vende para a Pampa Exportações

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Criado em 1993, o selo Forest Stewardship Council(FSC), ou Conselho de Manejo Florestal, é uma certificaçãoreconhecida internacionalmente que busca o controle daspráticas produtivas florestais por meio da valorização deprodutos originados de manejo responsável de florestas. É osistema de certificação florestal de maior credibilidadeinternacional e o único que consegue incorporar interessesde grupos sociais, ambientais e econômicos sob os mesmosprincípios.

Com sede na Alemanha, o FSC possui hoje mais de 112milhões de hectares e 12,7 mil cadeias produtivas certificadasem 81 países. Embora a rigidez nos processos de auditoria eo acompanhamento constante dos processos certificadostenham dado ao FSC credibilidade em todo o mundo, o uso doselo pelas empresas em campanhas de marketing tem semostrado o calcanhar-de-aquiles da certificação. Não é rarover empresas baseando campanhas institucionais inteiras noselo FSC, quando na verdade possuem certificadas apenasuma ou duas cadeias de seus produtos.

“O uso indiscriminado do selo pelas empresas é umproblema que o sistema precisa encarar e de fato buscarmecanismos para solucionar”, afirma o presidente do conselhodiretor do FSC Brasil, Rubens Gomes. “Há assembléias evárias moções na tentativa de se ter um controle maior dosprocessos, assim como vários segmentos estão fazendo omonitoramento para que isso não venha fragilizar o controledo sistema”.

Segundo Gomes, apesar de a propaganda ser permitida,o uso inadequado do selo em campanhas pode levar àsuspensão temporária e até à retirada sumária da certificação.O mesmo vale para casos em que a empresa certificada admiteproblemas condenados pelo conselho em cadeias nãocertificadas.

“A mensagem passada pelo selo envolve a obediência àlegislação do país, o combate ao trabalho escravo, o combateao trabalho infantil, a não degradação das florestas”, explica.Ele conta que as operações avaliadas são extremamenterigorosas: “Quando surgem indícios de irregularidade, hámecanismos eficazes de monitoramento que podem identificá-la e, se necessário, punir a empresa”. O presidente do FSCBrasil garante que todas as empresas certificadas apontadaspor esta reportagem serão investigadas

Certificação questionada

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A Pampa é hoje uma das mais impor-tantes clientes da Madeball, que in-clusive já foi autuada algumas vezespor causa de carregamentos irregula-res para a exportadora.

Outro fornecedor irregular é aRio Pardo Indústria Comércio deMadeiras Ltda. Em visita ao pátioda madeireira em Anapu, foram en-contrados diversos lotes que esta-vam destinados à Pampa. Segundofuncionários da Rio Pardo, há umapessoa a serviço da Pampa Expor-tações que visita regularmente opátio da madeireira.

O problema da Rio Pardo é queela formalmente não existe. Em pes-quisa junto aos órgãos que fiscali-zam e regulam empresas no estado,foi localizado o nome da empresaapenas na Junta Comercial do Pará.No órgão, constam o nome, o endereçoe a inscrição estadual, mas falta o maisimportante: o Cadastro Nacional dePessoa Jurídica (CNPJ). Segundo a JuntaComercial, embora a Rio Pardo estejaativa em seu sistema, sem o CNPJ elanão é autorizada a comercializar,armazenar ou transportar produto algum,uma vez que todos os demais órgãosresponsáveis pela expedição dasautorizações necessitam desse cadastro.

Tomedi demorou quase um mêspara se manifestar. Só o fez depois

que a reportagem entrou em contatocom o Banco Real, onde é conselhei-ro da área de sustentabilidade. Elenegou qualquer relação com a RioPardo Madeiras. Foram então envia-das a ele, por e-mail, fotos do pátioda madeireira, com lotes de tábuasendereçadas à Pampa. Sua respostapor e-mail:

A empresa Rio Pardo Madeirasnão consta em nenhum registro nos-so.

Não encontramos nenhum regis-tro da existência da mesma juntoaos órgãos públicos.

Entramos em contato com pesso-as conhecidas na região de Anapu eninguém ouviu falar nesta empresa.

A Pampa não tem e nunca tevefuncionário ou representante mo-rando em Anapu ou cidades próxi-mas.

Esta foto nos surpreende e nospreocupa, pois desconhecemos to-talmente a existência da mesma.Pode-se observar nesta foto que amadeira é de 2ª qualidade, total-mente fora do padrão de matéria-prima usada na Pampa.

Com toda certeza, o nome Pam-pa, usado nesta madeira, é indevidoe deve ter sido usado para encobriralguma pilantragem. Esta situação éextremante grave e nos preocupa

muito.Mais uma vez gostaria de enfa-

tizar que a Pampa tem um perfil eum trabalho voltado para legalida-de e sustentabilidade. Temos umtrabalho forte junto aos nossosfornecedores para que toda a ca-deia produtiva seja legal e susten-tável.

A foto enviada à Pampa foi tiradaàs 14h56min. do dia 3 de setembrode 2008 pelo repórter fotográfico Sér-gio Vignes. Na ocasião, acompanha-vam-no o gerente do Ibama em Alta-mira, Roberto José Scarpari, doisagentes do setor de fiscalização doórgão federal e o jornalista MarquesCasara. Quem alertou o fotógrafosobre a madeira destinada à Pampafoi o próprio gerente do Ibama, apósinterrogar os funcionários e inspecio-nar a carga e a documentação.

Por outro lado, a Pampa Exporta-ções confirma ter entre seus forne-cedores a empresa Madeball, alegan-do que, nos sistemas dos órgãos defiscalização, não há nada contra aempresa. Informado sobre as multase autuações recebidas pela Madeballnos últimos anos, Tomedi é enérgicoem acusar os órgãos ambientais deomitirem informações essenciais àsexportadoras. “Seria uma grande bur-rice aceitar uma madeira de origem

Fiscais do Ibama medem toras apreendidas

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ilegal sabendo disso”, diz. “O grandeproblema é que a gente nunca sabe,e acaba descobrindo só depois as fal-catruas que o fornecedor faz”.

Questionado sobre a responsabili-dade que exerce na cadeia produti-va, o proprietário da Pampa Exporta-ções não se exime da culpa, mas acu-sa o Estado de negligência, por multarno final da cadeia produtiva e nãoprender os infratores na origem doproblema. “É a mesma coisa quedeixar o traficante livre e prender to-dos os usuários de drogas – isso é asolução?”, questiona.

Ilegalidade justificadaO dono da exportadora Lacex

Timber, Luís Cláudio Andrade, recla-ma que dois órgãos ambientais omi-tem informações aos empresários:“Como pode uma empresa em pro-cesso de embargo estar apta no sis-tema? Como a empresa, enquantoespera pra ser julgada, não está blo-queada?”, pergunta. “Quando eucompro madeira de um fornecedor,peço o número da empresa na Semae entro no Ceprof [Cadastro de Ex-ploradores e Consumidores de Pro-dutos Florestais do Estado do Pará].Se o Ibama e a Sema me dizem quea empresa está OK, é porque elaestá apta a vender”, justifica. “Eunão tenho o poder de polícia e nãovou ficar indo a todos os lugares ondeeu compro madeira pra me certifi-car pessoalmente”.

Contrariando o discurso do seudono, o site da empresa destaca, logona abertura: “A Lacex Timber tem omaior cuidado na escolha de seus for-necedores, garantindo a completa le-galidade da sua matéria-prima”. Em-bora não esteja entre as maiores em-presas do estado, a Lacex Timber ex-portou, em 2008, 8,9 mil metros cúbi-cos de madeira beneficiada para 21países, principalmente para EstadosUnidos, França, Holanda e China. En-

Madeira ilegal é preparada para o beneficiamento

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tre os clientes de destaque estão as ame-ricanas Cecco Trading, certificada FSC,e Thompson Mahogany.

Assim como a Pampa, a LacexTimber está na lista de clientes daMadeball. Questionado sobre a lega-lidade da madeira fornecida, Andra-de diz saber das irregularidades daempresa, mas afirma que continuarácomprando enquanto a madeireiraestiver liberada nos sistemas de fis-calização. “A Madeball me fornecemadeira”, diz. “Se você verificar, elaesta liberada no Sisflora [Sistema deComercialização e Transporte de Pro-dutos Florestais, da Secretaria Esta-dual do Meio Ambiente] e no Ibama”.

“As empresas sempre vêm coma desculpa de que a documentaçãodos fornecedores está toda OK; quea madeira pode vir de um plano demanejo clandestino, mas que, na nota,está tudo OK. Quem investe com-prando madeira algo em torno de R$300 mil, R$ 500 mil não tem condi-ções de enviar alguém para conferiressa compra? Eu acho isso intolerá-vel”, rebate o superintendente do Iba-ma no estado, Aníbal Picanço. “Omonitoramento é obrigação do órgãoambiental, mas as empresas tambémtêm que se guarnecer de alguma ga-

rantia de que a madeira não vai darproblema”.

A Sema admite que nem todas asinformações estão à disposição dosempresários. “Ouvimos bastante aqueixa de que as empresas não têminformações sobre os fornecedores”,diz o coordenador de fiscalização,Bruno Versiani. “Eles têm acessoparcial através do Sisflora, onde po-dem, por exemplo, saber quem é o for-necedor”. Versiani conta que em bre-ve o órgão irá divulgar listas para aspessoas terem um link com o nomedos fornecedores irregulares, acessí-vel na hora da compra da madeira.

Segundo a Associação das Indús-trias Exportadoras de Madeira do Es-tado do Pará (Aimex), essa melhoriano sistema e a divulgação das empre-sas com problemas ambientais deve-ria ter sido resolvida ainda em 2008.Mudanças no sistema federal e no sis-tema estadual foram previstas no Pac-to pela Madeira Legal e Sustentável,firmado em julho de 2008, entre o se-tor produtivo, o governo do Pará e oMinistério do Meio Ambiente. Entre-tanto, até o fechamento desta repor-tagem, Ibama e Sema não haviam fei-to as mudanças previstas.

Medidas internacionaisEnquanto a ponta inicial da cadeia

produtiva da madeira sofre com cor-rupção e desrespeito às leis ambientais,a ponta final, dos consumidores inter-nacionais, tenta amenizar o problemada aquisição de madeira ilegal.

Nos Estados Unidos, compradorde 25% da madeira extraída na Ama-zônia, está em vigor desde setembrode 2008 uma lei que proíbe a comer-cialização de madeira ilegal no país.Aprovada pelo Congresso america-no em junho, a legislação inclui tam-bém produtos derivados, como móveise papéis. De acordo com o texto dalei, passa a ser uma violação à lei fe-deral americana a "importação, ex-portação, transporte, venda, recebi-mento, aquisição ou compra" de qual-quer planta que tiver sido "retirada,possuída, transportada ou vendida"em violação às leis estrangeiras.

A União Europeia, maior compra-dora de madeira brasileira, anunciouem maio de 2003 o Plano de Açãopara Cumprimento da Legislação,Governança e Comércio no SetorFlorestal (FLEGT, na sigla em in-glês). O plano inclui investimentos namelhoria da administração dos seto-res florestais dos países produtores,

Lista das multasaplicadas aMadeball

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incluindo a implantação de sistemasde rastreamento e licenças que ga-rantam de fato a procedência legalda madeira importada pela Europa.A iniciativa europeia é de adesão vo-luntária, destinada aos países quequeiram assumir compromisso polí-tico para solucionar o problema. OBrasil, mesmo tendo acordos comer-ciais com os europeus, não é parcei-ro do plano.

Em texto aprovado por seu Parla-mento em setembro de 2008, a UniãoEuropeia manifesta preocupação pelofato de os acordos voluntários não se-rem suficientes para garantir que osprodutos comercializados no merca-do comunitário tenham origem legale sustentável. “A UE deve começara estabelecer internamente normas ju-ridicamente vinculativas, acompanha-das de instrumentos destinados a san-cionar o respectivo descumprimento”,ressalta o documento. O objetivo éque os consumidores tenham a garan-tia de que compram madeira de ori-gem legal e procedente de florestas

com gestão sustentável.A maior preocupação atual das

organizações ambientais, entretanto,é a China. Segundo o coordenadordo programa de desmatamento naAmazônia do Greenpeace, MárcioAstrini, a China não possui leis am-bientais rígidas e também não exigerastreamento da madeira importada.As exportações do Brasil para o gi-gante asiático aumentaram significa-tivamente nos últimos anos. “A Chi-na é um dos países que mais com-pram madeira brasileira individual-mente”, conta.

Ilegalidade às clarasNa contramão das grandes ex-

portadoras e da tendência mundialde fechar o cerco contra o desma-tamento, ainda há quem pareça pre-ferir a ilegalidade. Exemplo disso éo grupo francês Interwood. Até hádois anos, o grupo fazia parte doconglomerado Pinaul PrintempsRedoute, que possui, entre outras,

as marcas Fnac, Redcats, Confo-rama, CFAO, Puma e Gucci. Atu-almente, Interwood S.A. pertenceàs francesas DF Synergies (40%),SITI (40%) e Mr Gueit (19%).

Fundada em 1984, Interwood atuaem todo o mundo no comércio demadeira e produtos derivados. Ogrupo é administrado pela empresaSogena e pela DF Synergies SA. Comsede em Paris, possui capital socialde mais de 10 milhões de euros (R$28,1 milhões), e é dirigida pelas famí-lias Gueit e Duval-Fleury, duas dasmais tradicionais famílias francesas.

A família Duval-Fleury, sozinha,gere alguns dos mais importantes gru-pos empresariais da França. Possuiparticipação forte em setores comoferroviário, com a empresa De Die-trich & Cie, na importação de vinhos,com a Blue Coast Wine Import, nosetor imobiliário, de construção e naaquisição de participações em peque-nas e médias empresas, para financi-ar crescimento ou transmissão a ou-tros grupos. Apenas através da Co-

Documento comprova aligação da Interwood comempresa ligada aotrabalho escravo

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gepa S.A., holding familiar de inves-timentos também controlada pela fa-mília Duval-Fleury, são geridos fun-dos de cerca de € 200 milhões (R$563,7 milhões).

Segundo os arquivos da Sema, aInterwood Brasil, subsidiária do gru-po, possui licença para funcionamen-to desde 2004. De acordo o Ministé-rio Público do Pará, atualmente, aempresa responde judicialmente porcrimes contra a flora, contra o meioambiente e o patrimônio genético, fal-sificação de documento público e usode documento falso. Mesmo assim,também está ativa no sistema daSema, com Licença de Operação,para beneficiamento de madeira, vá-lida até novembro de 2010.

Se analisada a cadeia de custódiada Interwood Brasil, a situação ficaainda mais grave. A exportadorapossui, entre seus fornecedores, aempresa Comabil Indústria e Comér-

cio de Madeiras Biancarde Ltda. Seuproprietário, José Biancarde, respon-de judicialmente por crime ambiental,trabalho escravo, retirada de madei-ra em terra indígena, invasão de ter-ras públicas e falsidade ideológica. Omadeireiro foi denunciado à JustiçaFederal de Altamira, Oeste do esta-do, também por crime contra a orga-nização do trabalho.

Em abril de 2008, o Ibama encon-trou fraude nas autorizações detransporte de produto florestal apre-sentadas pela Comabil. Em julho, aempresa foi autuada pelo grupo mó-vel de fiscalização do Ministério doTrabalho por manter 15 trabalhado-res em condição análoga à de escra-vos. Biancarde também foi acusadode agredir fisicamente seus trabalha-dores e ameaçá-los e as suas famíli-as de morte. Se condenado e as pe-nas por esses crimes forem somadas,Biancarde, fornecedor da Interwood,

pode pegar até 17 anos de prisão.Segundo o Ministério do Desen-

volvimento, Indústria e Comércio eExterior, em 2008 a Interwood Brasilexportou madeira para Estados Uni-dos, Martinica, China, França, Portu-gal, Noruega, Bélgica, Portugal e Gré-cia, entre outros países.

Procurada pela reportagem porquase um mês, a subsidiária brasilei-ra do grupo limitou-se apenas a in-formar, por meio de uma auxiliar ad-ministrativa, que estava, na época(abril de 2009), impedida pelo Ibamade exportar. Carl Borg, responsávelpela Interwood Brasil, não quisconceder entrevista. O grupo francêsInterwood S.A. foi contatado, mastambém não respondeu.

Direitos dos trabalhadoresSegundo as confederações que re-

presentam os trabalhadores em seto-

Gerente do Ibama de Altamira (PA) inspeciona madeira apreendida

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res econômicos atuantes na Amazônia,a exploração ilegal de madeira reflete,também, na exploração do trabalhador.Para o presidente da ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores nas Indús-trias da Alimentação, Agroindústrias,Cooperativas de Cereais e Assalaria-dos Rurais (Contac-CUT), Siderlei Sil-va de Oliveira, é necessário que confe-derações e sindicatos se organizemmelhor e encabecem a luta por direitos,inclusive em regiões remotas.

O presidente da ConfederaçãoNacional dos Sindicatos dos Traba-lhadores nas Indústrias da Constru-ção e da Madeira (Conticon-CUT),Waldemar de Oliveira, afirma que aConticom, desde a sua fundação, em1992, discute a importância do ma-nejo e da certificação florestal como

forma de combate ao desmatamen-to e à venda ilegal de madeira: “Ogoverno está adotando medidas quehavíamos encaminhado há muito tem-po, como a utilização de madeiraoriunda de manejo florestal na cons-trução civil e no setor imobiliário”.

DesdobramentosTodas as empresas citadas nes-

ta reportagem foram contatadas.Algumas trataram o assunto comdescaso, outras ameaçaram comprocessos judiciais, outrasdemonstraram preocupação.

A empresa J.Gibson McIlvain, cli-ente da Interwood Brasil, declarou pore-mail que nunca compraria materialilegal, que faz grande esforço para

garantir a origem de sua madeira e quecertamente irá analisar o caso.

Em nota enviada por e-mail, o pre-sidente da Great Atlantic International,Richard McIntosh, defendeu que suafornecedora Lacex Timber nunca es-teve envolvida com retirada ilegal demadeira, nunca foi flagrada com possede documentos ilegais para exportaçãode produtos e que a empresa nunca foiproibida de exportar qualquer produtode madeira de origem brasileira.

Também em nota, o Banco Real li-mitou-se a dizer que “não tem elemen-tos para se manifestar sobre os fatosimputados ao Sr. Demorvan Tomedi”.

As empresas BRBR e RobinsonLumber preferiram comentar o assun-to apenas depois de terem acesso àreportagem publicada.

Madeira retirada ilegalmente é beneficiada no interior do Pará

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O mercadoconsumidor

DLH NordiskFilial americana do grupo dinamarquês de transporte

marítimo e madeira Dalhoff, Larsen e Horneman (DLH), fun-dado em 1908. Em janeiro de 2000, o grupo adquiriu a EACTimber e formou uma das maiores companhias mundiaisde comercialização independente de madeira. As fontes dematéria-prima do grupo estão na América do Sul, na África,na Europa Ocidental e no Leste Asiático. O grupo DLH tam-bém possui filiais na Bélgica (Indufor), França (InduboisNordisk e Bois), Holanda (Indufor) e Reino Unido (DLH Tim-ber). A característica principal do grupo é a compra de ma-deira de exportadores, ao invés da realização da exportaçãoem si. Segundo o Greenpeace, o principal mercado para amadeira comprada pelo grupo DLH na Amazônia é compos-to por França, Dinamarca, Portugal, Espanha, Holanda, Tai-lândia, Filipinas, China e Estados Unidos. O grupo já foi de-nunciado pelo Greenpeace e pela ONG Forests Monitor porcomercialização de madeira ilegal.

Lumber LiquidatorsA norte-americana Lumber Liquidadors tem dez anos

de existência e está hoje entre as maiores empresas devenda direta de madeira ao consumidor final. Com 140 lojase mais de 500 empregados, vale atualmente mais de US$250 milhões (R$ 523,9 milhões). O proprietário, Tom Sulli-van, teve faturamento líquido em 2007 de US$ 11 milhões e,em 2008, de cerca de US$ 20 milhões. O nome da empresaé visto nacionalmente no programa Dream Home, do canalHome and Garden Television, e semanalmente nos progra-mas Extreme Makeover: Home Edition e This Old House.

Brico DépôtA marca Brico Dépôt é uma das mais presentes nas

lojas francesas de um segmento de mercado batizado de“Faça você mesmo”. Ao lado da empresa Castorama, tam-bém do mesmo segmento, está entre as mais importantesdo grupo inglês Kingfisher, que também possui as marcasB&Q, Screwfix, Koçtas, e detém 20% das ações da alemãHornbach. A empresa atua na França, Espanha e Polônia. Ogrupo Kingfisher atua em oito países e é líder de mercadono Reino Unido, Polônia, Itália, Turquia e China. Tem maisde 800 lojas, 70 mil funcionários e seis milhões de consu-midores por semana. Kingfisher fechou o ano de 2008 comvendas superiores a US$ 13,5 bilhões (R$ 28,3 bilhões).

Nova USA Wood ProductsA norte-americana Nova USA Wood Products é especi-

alizada em importação direta de madeira brasileira. Comcadeia de custódia certificada pelo FSC, faz parte da Natio-nal Wood Flooring Association (Associação Nacional de Pi-sos de Madeira), da International Wood Products Associati-on (Associação Internacional de Produtos de Madeira) e daNorth American Wholesale Lumber Association (AssociaçãoNorte Americana de Vendedores de Madeira Serrada por Ata-cado). Compra madeira amazônica diretamente nos esta-dos de Rondônia, Amazonas e Pará. A empresa tambémpossui uma filial em Curitiba (PR), que negocia produtos noBrasil, Paraguai, Bolívia e Peru.

Thompson Mahogany CompanyFundada em 1843, a norte-americana Thompson Maho-

gany Company concentra a compra de madeira em paísesda América do Sul, América Central, África e Austrália. A em-presa é membro da National Hardwood Lumber Association(Associação Nacional de Madeira de Lei Serrada) e da Inter-national Wood Products Association (Associação Internacio-nal de Produtos de Madeira). Recentemente teve a cadeia decustódia certificada pelo programa SmartWood, reconheci-do pelo FSC pela certificação de florestas e de produtosmanufaturados.

Redwood EmpireO grupo Redwood Empire engloba a também norte-

americana Pacific States Industries. Juntas, as empresasdistribuem madeira para todas as regiões dos Estados Uni-dos. Suas vendas anuais somam, em média, mais de US$100 milhões (R$ 209,6 milhões). Atualmente as empresaspossuem cerca de 280 mil quilômetros quadrados de madeiraplantada nas regiões central e norte do estado da Califórnia.

Cecco TradingA Cecco Trading, divisão do grupo Timber Holdings,

está entre as maiores compradoras de ipê brasileiro. A em-presa possui certificação FSC e investe na divulgação deações de sustentabilidade, como aquisição de madeira cer-tificada e apoio a programas de baixo impacto ambiental.

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Confira, a seguir, o perfil de algumas das maiorescompradoras de madeira brasileira vendida pelasempresas Pampa Exportações, Vitória Régia, LacexTimber e Interwood Brasil, beneficiadas pordesmatamento ilegal. Algumas compram de mais deuma destas exportadoras.

Bois Aise of MontrealFundada em 1986, em Montreal, no Canadá, também

atua nos Estados Unidos e possui escritório na China. Seusprincipais fornecedores são Brasil e China, enquanto o mer-cado consumidor é predominantemente norte-americano.

Great Atlantic InternationalCom vendas anuais estimadas em US$ 100 milhões

(R$ 209,6 milhões), a norte-americana Great Atlantic Interna-tional, fundada em 1998, está entre as líderes na manufaturade madeira. A empresa foi denunciada por alimentar o merca-do de exploração ilegal de madeira na Nicarágua, no estudoEconomic and Environmental Impact of the Forest Emergency(Impacto econômico e ambiental da floresta em estado deemergência), publicado pelo Center of International Policy (Cen-tro de Política Internacional). Até o fechamento desta reporta-gem, a empresa também constava na lista de devedores deimposto de renda no estado de Massachusetts.

Robinson Lumber CompanyFundada em 1893 no estado norte-americano de Mis-

sissipi, a Robinson Lumber Company possui escritórios nosEstados Unidos, Bélgica, Honduras e três no Brasil – emBelém, Breves (PA) e Curitiba. Atualmente vende madeirapara mais de 70 países. A empresa é membro da Internatio-nal Wood Products Association (Associação Internacional deProdutos de Madeira) e apoiadora do International TropicalTimber Organization (Organização Internacinal de MadeiraTropical). Presente no Brasil desde 1960, possui 4,3 milhectares de florestas na Ilha de Marajó (PA).

Moxon TimbersA australiana Moxon Timbers foi fundada em 1903. Atua

nos Estados Unidos, Ásia, América Latina e Nova Zelândia.Com cadeia de custódia certificada pelo FSC, a empresapossui, ainda, escritórios na França e na China.

Advantage Trim & Lumber CoFundada em 1992, tem como lema madeira de melhor qua-

lidade a menor preço possível. Para isso, a companhia norte-ame-ricana importa apenas de países em desenvolvimento.

J. Gibson McIlvain CompanyEmpresa norte-americana certificada com o selo FSC

e membro da International Wood Products Association (As-sociação Internacional de Produtores de Madeira). Tem ven-das anuais entre US$ 25 e 50 milhões (R$ 52,4 a R$ 104,8milhões) e investe forte na propaganda da sustentabilidade.

Aljoma Lumber Inc.Desde 1976 a Aljoma Lumber trabalha com importa-

ção e exportação de madeira nos Estados Unidos. Seusprincipais clientes são lojas de construção, distribuidores efabricantes de móveis e utensílios de madeira. A empresadistribui madeira por todos os Estados Unidos e Canadá eexporta para o Caribe e a América Central, embarcando de por-tos nos Estados Unidos, na América do Sul e na na China.

Brazilian Wood DepotEmpresa norte-americana que há mais de três déca-

das importa madeira brasileira e a distribui nos EstadosUnidos. O fundador e presidente, Eric Groover, denomina-se, no site da própria empresa, como “um responsável ca-pataz das florestas ao redor do mundo”.

Appalachian FlooringEmpresa canadense fundada em 2001 que comerci-

aliza madeira nos Estados Unidos e no Canadá. Membro daWorld Floor Covering Association (Associação Mundial dePisos e Revestimentos) e da National Wood Flooring Associ-ation (Associação Nacional de Pisos de Madeira), possui pro-dução anual de US$ 20 milhões (R$ 41,9 milhões) em pisos.

BRBRA BRBR é a principal representante da exportadora Vi-

tória Régia no Reino Unido. Por isso, toda a propaganda daempresa é baseada nas ações da exportadora brasileira, comoo conceito de ecoflooring e o foco em sustentabilidade.

TW Wood ProductsFundada no estado americado no Texas, em 2005, a

TW Wood Products tem a África e a América do Sul comoprincipais fornecedores de matéria-prima para pisos e pro-dutos manufaturados.

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ENTREVISTA VALMIR ORTEGASECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO PARÁ

Como a Secretaria do MeioAmbiente (Sema) temreagido ao“esquentamento” demadeira ilegal e às fraudes?

Valmir Ortega - A mudança doantigo sistema de autorização paratransporte, em papel, para o atualsistema virtual tem como objetivocriar um mecanismo mais ágil nocombate à fraude. Mas nenhumsistema é imune. O que temos hojeé uma capacidade maior deidentificar essas fraudes, comvelocidade relativamente maior doque era no passado e, portanto, dereagir a ela. Nos últimos mesestemos feito um esforço grande paraa revisão do cadastro dosprodutores no sistema. Tambémtemos realizado um conjunto deoperações em campo para verificarse empresas cadastradas, que estãomovimentando crédito de madeira,de fato existem, se a existência écompatível com o porte, se o porteé compatível com o volume demovimentação feita no sistema.Apenas nos últimos dois meses,quase 1.500 empresas foram oubloqueadas ou notificadas.

Essas medidas sãosuficientes para combater a

Em entrevista aObservatório Social Em

Revista, o então secretáriodo Meio Ambiente do

Pará, Valmir Ortega, falasobre a corrupção existenteno negócio da madeira, asfraudes e o que está sendofeito para combater esses

problemas. Duas semanasapós conceder esta

entrevista Ortega pediudemissão do órgão, que

enfrenta sérios problemasde corrupção.

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venda de madeira ilegal,estimada em 70% de toda aexploração da madeiraamazônica?

Valmir - Parece-me um poucoexagerado afirmar que 70% damadeira da Amazônia écomercializada ilegalmente. Defato, parte da madeira que sai doestado do Pará passa por esseprocesso de “esquentamento”, eisso a gente está verificando. Amadeira que vai para exportação,em geral, passa por um sistema decontrole. São poucas as empresasexportadoras, o volume é menor eelas estão submetidas a ummonitoramento mais rígido. Dequalquer forma, é possível que issoaconteça.

A Sema também está mudandoos índices de conversão damadeira, que levam emconsideração a capacidade daempresa e a tecnologia que detém.Por que isso é necessário?

Estamos adotando índices maisrígidos em termos de conversão demadeira serrada, de tora paramadeira serrada e de madeiraserrada para outros tipos demadeira. Com essa mudança, serápossível calibrar a capacidadetecnológica de cada empresa.

Antes nós tínhamos um patamarmuito alto, que considerava umpadrão de operação ótimo, o quenão é a realidade de grande partedas empresas no estado do Pará.Agora estamos dando um piso depatamar tecnológico, um índice deconversão mais baixo, eeventualmente uma ou outraempresa que tenha patamartecnológico superior será avaliadaindividualmente. Essa é uma regraimportante para evitar a inserçãoirregular de créditos no sistema.

Como o Sr. vê o fato de oPará ser o segundo estadobrasileiro que mais compramadeira? É uma provaconcreta do tamanho domercado de créditos?

Valmir - Nós temos hoje umgrande volume de créditos vindosde outros estados, como Amazonas,Mato Grosso, Rondônia, Tocantinse Maranhão. É fundamental quetenhamos mecanismos deverificação e de certificação dessescréditos. Hoje, considerando ovolume de material que vem decréditos, é difícil se fazer umafiltragem mais rigorosa. Portanto,uma ação integrada com o Ibama ecom outros estados é fundamental

“Açãointegrada éfundamentalcontrafraudes”

para a verificação da origem. Emcaso de fraude ou de aparência defraude, precisamos acionarrapidamente o Ibama ou o órgãoambiental do estado. As eventuaisirregularidades nos índices, aquestão de empresas fantasmas quegeram créditos fraudulentos e aquestão de créditos interestaduaissão as três principais janelas queprecisamos fechar, e várias medidasforam adotadas nesse sentido nosúltimos meses.

Quais os mecanismos quejá estão disponíveis paraessa articulação?

Valmir - Nós criamos um novomecanismo de acesso exclusivo paraos órgãos externos. Agora,Ministério Público Federal, PoliciaFederal, Ibama, Serviço FlorestalBrasileiro e outros têm um sistema deacesso independente ao nossosistema, com gerenciamento deações que não é controlado pelaSema. Portanto, ele permite aoMinistério Público ter autonomia parafazer qualquer consulta, conseguir osdados em tempo real para que possainstruir as ações e procedimentos.Isso deve ampliar a transparência ediminuir a possibilidade de fraude nospróximos anos.

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A A floresta e seus povos têmsofrido com impactos perversos aolongo das últimas décadas. Aexploração não sustentávelaumenta o lucro de empresasnacionais e estrangeiras e alimentao consumo desenfreado nasgrandes metrópoles brasileiras.Não há como divorciar adestruição desse rico bioma dadinâmica de funcionamento dessascidades.

Em decorrência da extensa áreada Amazônia Legal, que representamais da metade do territóriobrasileiro, e das dificuldades detransporte na região, estareportagem optou por investigar abacia do rio Xingu e adjacências,distribuídas entre os Estados doMato Grosso e do Pará. Essa áreaé uma amostra bastanterepresentativa das mazelas que aregião Amazônica enfrenta.

Na identificação dos fluxoscomerciais e das cadeiasprodutivas que se beneficiam coma devastação ambiental daAmazônia, a reportagemconcentrou-se nas conexões com acidade de São Paulo, a principalcompradora de produtosamazônicos. Contudo, a lógica dosnegócios ligados ao desmatamentoé igual para todas as grandescidades brasileiras.

Durante meses foram

ConexãoSão Paulo -Amazônia

A capital paulista é oprincipal mercado

consumidor de produtosoriundos da Amazônia.

Contudo, uma parte dosnegócios não segue

práticas ambientalmentesustentadas e se beneficia

do desmatamento e dotrabalho escravo. À frente

do problema estão grandesempresas dos setores deconstrução civil, madeira,carne, grãos e utilidades

domésticas.Um grande fluxo de

negócios liga São Paulo àAmazônia brasileira. Do

Sul seguem investimentose mercadorias. Do Norte

vêm matérias-primas,energia e outros produtos

essenciais à sobrevivênciada região mais rica do país.

O atual modelo deexploração de um dos mais

ricos ecossistemas domundo ameaça seriamente

a sua própriasobrevivência.

ConexãoSão Paulo -Amazônia

percorridos milhares dequilômetros pela Amazônia.Através de um longo trabalho deapuração de conexões comerciais,identificamos casos de empresasque mantiveram negócios comproprietários e investidores ruraisflagrados pelo poder públicocometendo crimes ambientais ouexplorando trabalho escravo. Essacadeia de responsabilidades atingegrandes empresas com forteatuação na capital paulista.

A reportagem optou pordirecionar seu foco para setoresestratégicos no que diz respeito aodesenvolvimento da Amazônia e àsua relação com a cidade de SãoPaulo: pecuária bovina,extrativismo vegetal, plantio de sojae outros grãos, além dofinanciamento público.

Todas as empresas aqui citadasforam procuradas pela reportagemduas vezes. A primeira, emsetembro e outubro de 2008,quando as informações coletadassubsidiaram o seminário“Conexões Sustentáveis São PauloAmazônia”, organizado pelo FórumAmazônia Sustentável e peloMovimento Nossa São Paulo. Asegunda vez foi entre os mesesentre fevereiro e abril de 2009.Nas páginas seguintes o leitor teráacesso às explicaçõesapresentadas pelas empresas.

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Quem ganhaFornecedores de matérias-primas de

grandes empresas se beneficiam com odesmatamento ilegal, a exploração dotrabalho escravo e outras violações de

direitos na Amazônia Legal.

O impacto do extrativismo sobrea floresta é brutal, apesar de nemsempre tão visível quanto o desma-tamento associado ao setor agrope-cuário. Somente no Pará, o Ibamadivulga ter apreendido 115,7 mil me-tros cúbicos de madeira no ano pas-sado. Mas as apreensões de órgãosambientais são apenas a ponta doiceberg. Paralelamente ou infiltradono comércio “oficial”, o volume demadeira irregular que abastece omercado é enorme.

Também têm sido cruéis os con-flitos com comunidades tradicionaise indígenas quando serrarias clandes-tinas saqueiam unidades de conser-vação e territórios das populaçõeslocais. Por meio do “esquentamen-to” – técnicas para que a árvore der-rubada de forma ilícita chegue lega-lizada às grandes empresas – a de-vastação conecta-se com grandesnomes da indústria madeireira e daconstrução civil.

A siderurgia é outra atividaderesponsável por mazelas ambientaise trabalhistas na Amazônia. Em ter-

ras brasileiras, grande parte do car-vão vegetal utilizado para fabricarferro e aço provém de matas nativaslocalizadas no Arco do Desmatamen-to. Através do setor siderúrgico, a de-vastação chega à cadeia produtiva deindústrias como a automobilística e deequipamentos, entre tantas outras.

Não bastassem os vastos recursosflorestais, as áreas amazônicas tambémresguardam algumas das maiores reservas

minerais do planeta. Mais uma vez, ariqueza natural é fonte de exploração ilícita.Garimpos operando à margem da leiintegram a lista de relações insustentáveismantidas por companhias nacionais e mul-tinacionais com a maior floresta do mundo.

Veja o exemplo de cinco grandesempresas que se beneficiaram com oextrativismo predatório na Amazônia:Tramontina, Indusparquet, Sincol,Metalsider e Mahle.

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com a devastaçãoTramontina

PerfilA Tramontina nasceu de uma modesta serraria criada

em 1911, no Rio Grande do Sul. Atualmente fabrica 16 militens de utilidades domésticas fornecidos às principais redesde varejo do Brasil. Também exporta para diversos países,da América Latina aos Emirados Árabes, e suas vendas nomercado internacional giram em torno de US$ 150 milhões.Em 2007, o faturamento total da companhia alcançou R$ 2bilhões. A empresa possui dez fábricas no Brasil e centrosde distribuição em outros cinco países, empregando ao todocinco mil funcionários. Até recentemente, vendia madeiracom selo do Forest Stewardship Council (FSC), conceitua-da entidade certificadora internacional.

O problemaO selo da Tramontina foi cassado no começo de 2009.

O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola(Imaflora), que representa o FSC no Brasil, identificouque a empresa usava o selo de forma indiscriminada, tantoem madeira certificada quanto não certificada. Mas essenão é o único e nem o mais grave problema da Tramon-tina. Duas de suas fornecedoras estão diretamenteenvolvidas em diversos problemas ambientais. A primeiradelas, AgroIndustrial HP, foi autuada pelo recebimento,armazenamento e transporte de madeira sem autoriza-ção. A HP vendeu produtos sem licença regularizada eextraiu árvores de áreas de preservação permanente.

A Agroindustrial HP pertence a Hildefonso de AbreuAraújo, prefeito reeleito do município de Abel Figueiredo(PA), que em outubro de 2006 foi flagrado cometendo gra-ves violações aos direitos humanos. Em sua fazenda Jesusde Nazaré, localizada em Rondon do Pará (PA), os fiscaisdo Ministério do Trabalho e Emprego encontraram em si-tuação degradante 21 funcionários que eram coagidos aoserviço por conta de “dívidas” de até R$ 800,00 que teri-am com o gerente da propriedade. O salário combinadonão era suficiente para quitar as despesas contraídas nacantina da fazenda, o que os obrigava a continuar na lida.

Outra empresa que negocia com a Tramontina é a Acosta

e Figueiredo Ltda. Nos últimos quatro anos, ela recebeu novemultas ambientais por diversos crimes, tais como exploraçãode madeira acima do volume permitido e venda de materialem desacordo com a guia de transporte. Somadas, as multasaplicadas nos últimos anos à AgroIndustrial HP e à AcostaFigueiredo totalizam quase R$ 1,5 milhão.

O que diz a empresaNa primeira vez que a empresa foi procurada pela

reportagem, em outubro de 2008, afirmou, por meio desua assessoria de comunicação, que tanto a Agroindustri-al HP como a Acosta e Figueiredo Ltda. cumprem inte-gralmente as exigências feitas para o manejo da madeira,ao apresentarem a Autorização de Exploração de Produ-tos Florestais (Autef), fornecida pela Secretaria de MeioAmbiente do Estado do Pará – documento que habilita ofornecedor a vender o produto.

A Tramontina alegou que, antes de adquirir a madeira,tem acesso às informações fornecidas pelo próprioMinistério do Meio Ambiente, por meio de um site queidentifica as empresas com problemas ambientais. Po-rém, cabe lembrar que tanto a AgroIndustrial HP quantoa Acosta Figueiredo Ltda. foram autuadas em diversasoportunidades, informações disponíveis no próprio sítio doIbama na internet.

Em março de 2009, novamente procurada, a Tramon-tina informou o seguinte, por intermédio da assessoria decomunicação: “Desabilitamos a Agroindustrial HP ediminuímos em 80% a Acosta”. A empresa sustenta quesó compra madeira acompanhada de nota fiscal emconjunto com a guia de transportes florestais. “Além dis-so, solicitamos cópias dos documentos dos projetos e noscertificamos que a madeira fornecida pela Acosta temorigem em projeto de manejo”.

A Tramontina não é signatária do Pacto Empresarialda Madeira, lançado durante o seminário ConexõesSustentáveis São Paulo - Amazônia, em outubro de 2008.“Ainda não conhecemos os termos do pacto, mas acredi-tamos que não teríamos dificuldades de aderir ao mes-mo”, diz a nota da assessoria de imprensa. A empresaafirma ter aderido ao Pacto pela Madeira Legal e Sus-tentável, iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, dogoverno estadual do Pará e da Associação das IndústriasExportadoras de Madeira.

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PerfilA empresa fabrica pisos de

madeira. Sua unidade industrialestá instalada no município de Ti-etê (SP) e seus produtos atendemtanto o mercado interno quanto oexterno. Atualmente, segundo aempresa, 23 países recebem ospisos da IndusParquet. EstadosUnidos, Alemanha, Itália, França,Espanha e países da América Lati-na são os principais mercados.

O problemaO problema da Indusparquet é

que ela compra matéria-prima deprodutores com passivo ambien-tal na Amazônia. Entre seus for-necedores figuram ao menos qua-tro serrarias objeto de embargoslavrados pelo Ibama. A L.C. Frei-tas Escobar já foi autuada pormanter em depósito 3,5 mil metroscúbicos de madeira sem licençaambiental válida. Também rece-beu multa por vender 5,5 mil me-tros cúbicos de madeira irregular.A Madeirinha Madeiras já foi fla-grada pelos mesmos delitos. Tam-bém sofreu autuações por trans-portar madeira sem guia florestale por fazer funcionar sua serrariasem autorização ambiental. AMadereira 3R tem multas lavra-das pelo Ibama por transportarprodutos florestais sem documen-tação.

Importante consumidora demadeiras amazônicas como a cu-

Indusparquetmaru e a sucupira, a IndusParquetpossui ainda áreas próprias de re-florestamento de eucalipto e asso-alhos feitos desse material quecontam com a chancela do Ima-flora. Em São Paulo, tem lojas nosshoppings D&D e Lar Center.Seus produtos estão presentes naCasa Santa Marta (Vaticano), emlojas da Louis Vutton na AméricaLatina e Europa, no Palácio Pre-sidencial da Romênia e no Empó-rio Armani, na capital paulista.

O que diz a empresaQuando foi ouvida pela primei-

ra vez, em outubro de 2008, pormeio da assessoria de comunica-ção a Indusparquet disse possuirmeios para garantir que os produ-tos adquiridos de áreas amazôni-cas não advêm de práticas ilegais.Informou que os procedimentosadotados incluem consultas às Se-cretarias Estaduais do Meio Am-biente, ao Sistema Integrado de In-formações sobre Operações Inte-restaduais de Mercadorias e Ser-viços (Sintegra) e à Receita Fe-deral. A empresa ressaltou que in-tegra o grupo de Compradores deProdutos Florestais Certificados,por meio do qual assume publica-mente o compromisso de dar sem-pre preferência ao produto com aorigem monitorada.

Quando foi procurada pela se-gunda vez, no começo de 2009, aIndusparquet preferiu não se ma-nifestar.

PerfilLocalizada em Betim, pólo au-

tomobilístico de Minas Gerais, aMetalsider tem capacidade paraproduzir até 360 mil toneladas porano de ferro-gusa, principal maté-ria-prima do aço. A empresa for-nece para a indústria automotivae também exporta para EstadosUnidos e países da Ásia.

O problemaA Metalsider manteve relações

comerciais com a A.S. Carvão eLogística enquanto esta figuravana lista suja do trabalho escravopor submeter nove funcionários acondições subumanas na fazendaSanta Terezinha, em Nova Ubiratã(MT). A produção de carvãovegetal é uma atividade insalubree perigosa, por conta das altíssi-mas temperaturas dos fornos quequeimam os pedaços de madeira.Porém, os trabalhadores da A.S.Carvão e Logística não tinhamequipamentos básicos de proteçãoindividual, como botas e luvas. Asinstalações proporcionadas pelosempregadores eram precárias. Deacordo com os fiscais do Ministériodo Trabalho e Emprego, osfuncionários da empresa dormiamem locais sem condições de alojarseres humanos, sem ventilação eiluminação. A cozinha estava in-festada de moscas, comprometen-do a saúde dos carvoeiros.

Dentre os clientes da Metalsi-der, aparece a Teksid, também lo-

Metalsider

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calizada no município de Betim.Ela fabrica peças de ferro fundi-do, como blocos de motor e discosde freio, que abastecem as princi-pais montadoras de veículos ins-taladas no país. Uma parte consi-derável também é exportada: cer-ca de 30% das 300 mil toneladasproduzidas por ano são vendidaspara Argentina, Estados Unidos eEuropa. A Metalsider fornece ain-da para o Grupo Continental, mul-tinacional de origem alemã com150 mil funcionários em 36 países,que fabrica pneus e outros produ-tos para a indústria automotiva. Noano passado, o faturamento do gru-po atingiu 16 bilhões de euros.

O que diz a empresaProcurada pela primeira vez no

segundo semestre de 2008, a dire-ção da Metalsider forneceu as se-guintes explicações. “Com relaçãoà empresa A. S. Carvão e Logísti-ca, fomos informados que amesma firmou Termo de Ajusta-mento de Conduta [TAC] junto aoMinistério Público, já cumprido, eque por isso, a manutenção donome desta empresa em Lista Sujaé um equívoco que está sendo so-lucionado pela mesma. Desta for-ma, aguardamos posicionamentodesta empresa, inclusive para queexclua o nome daquela lista, sobpena de não mais efetivarmos tran-sações comerciais.” A Metalsiderdemonstrou desinformação sobreo assunto e apenas reafirmou oproblema, ao admitir que comprade um fornecedor que cometeu

esse crime.A “lista suja” de empregadores

que utilizaram mão-de-obra escra-va é um cadastro oficial mantido edivulgado pelo Ministério do Tra-balho e Emprego. Nele são publi-cados os nomes que tiveram os pro-cessos administrativos de suas au-tuações transitados e confirmados.O TAC é um acordo feito com oMinistério Público para garantirque a empresa não incorranovamente nas mesmas infrações,e pode prever indenização aos tra-balhadores ou à sociedade. Ouseja, mesmo com um TAC firma-do, empregadores podem ser inse-ridos no cadastro. Uma vez inclu-ída na relação, a pessoa física oujurídica só tem seus dados retira-dos depois de dois anos, se quitartodas as pendências trabalhistas eprevidenciárias, não cometer no-vas irregularidades e passar pormonitoramento do poder público.

A reportagem também entrouem contato com a assessoria decomunicação da Teksid, que pre-feriu não se manifestar sobre ocaso.

A diretoria da Continental emi-tiu nota oficial pela qual afirma terrígidos requisitos corporativos queexigem de todas as fábricas nomundo a certificação ISO 14001que trata de aspectos ambientaise legais. A empresa afirma quecobra de seus fornecedores amesma certificação. E que aMetalsider tem a ISO 14001 desde2006 e licença de operaçãoexpedida pelo órgão ambiental. “Acompanhia reafirma o seu compro-

misso, expresso através da sua‘Política Ambiental Corporativa’,de priorizar os interesses humanose as questões ambientais, sendomandatório que todos os nossosparceiros e colaboradores sejamobrigados a seguir esses padrões”,conclui a nota.

Quando foram procuradas pelasegunda vez, as empresas respon-deram o seguinte:

A diretoria da Metalsider afir-mou que, desde o mês de outubrode 2008, não mantém relação co-mercial com a A. S. Carvão e Lo-gística e que esta não consta maisda “lista suja” do trabalho escra-vo (em dezembro de 2008, a A. S.Carvão e Logística teve seu nomeretirado da “lista suja” por deci-são da 7ª. Vara do Trabalho deCuiabá).

A assessoria de comunicaçãoda Teksid enviou uma carta, apósa divulgação das informações noseminário “Conexões Sustentá-veis”, qualificando a Metalsidercomo uma “empresa séria”, cre-denciada havia anos como forne-cedora preferencial, certificadaqualitativamente e cumprindo to-das as exigências legais e ambi-entais. A Teksid também não cons-ta da lista de signatários dos pac-tos empresariais lançado em ou-tubro. A companhia afirma apoiarvárias iniciativas que visem umaeconomia sustentável, sem neces-sariamente aderir a movimentosespecíficos. Por sua vez, a Conti-nental limitou-se a informar quedeixou de ter relações comerciaiscom a Metalsider.

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PerfilCom matriz em Santa Catari-

na e filiais em São Paulo, Para-ná, Miami e Porto Rico (EUA), aSincol está entre as maiores em-presas do setor madeireiro nopaís. Produz portas, janelas, ba-tentes e casas pré-fabricadas,tanto para o mercado internoquanto para a exportação. Entre35% e 40% de suas vendas des-tinam-se a outros países. Atuaatravés de marcas próprias deportas como Silentia, Sinkit, Indo-or e Corta Fogo.

SincolO problema

O problema da Sincol está emuma das empresas que ela controla,a madeireira Sulmap Sul AmazôniaMadeiras e Agropecuária, sediadaem Várzea Grande (MT). A Sul-map, fabricante de esquadrias e pe-ças de madeira para instalações in-dustriais e comerciais, foi autuadapor diversos crimes ambientais. Éacusada pelo Ministério Público Fe-deral de envolvimento em grilagemde terras, uso de planos de manejoilícitos e invasão de área indígenaem Colniza (MT), onde fica a TerraIndígena Kawahiva do Rio Pardo. No

local ocorrem conflitos violentos e amadeireira é acusada de incentivar ati-vidades de associação de posseirospara expulsar os índios do território.

A Operação Curupira, levada acabo pela Polícia Federal em 2005,revelou as atividades da Sulmap naregião. Na ocasião, cerca de 80 pes-soas foram presas por crimes de des-matamento, extração e venda ilegalde madeira na Amazônia. Entre elas,um funcionário da empresa acusadode pagamento de propina para libe-ração de caminhões trafegando comcarga irregular. Seu nome está vin-culado à lista de áreas embargadaspelo Ibama, devido a um terreno de

PerfilDe origem alemã, a multinacional se dedica ao desen-

volvimento e à fabricação de peças para a indústria auto-motiva. Sua carteira de clientes engloba as principaismontadoras no país e no exterior. No Brasil, a companhiafica sediada no município de Mogi Guaçu (SP) e empregamais de 8 mil trabalhadores. No primeiro semestre desteano, a receita bruta com vendas e serviços da Mahle atin-giu cerca de R$ 929,5 milhões.

O problemaO problema dessa empresa é que um de seus fornece-

dores utiliza matéria-prima oriunda de garimpos sem licen-ça ambiental e que não respeitam a legislação trabalhista.

Em um pequeno povoado de difícil acesso conhecidocomo Vila Canopus, encravado em Altamira (PA), funci-onam diversos garimpos de cassiterita, sem qualquer li-cença ambiental para operação. Os trabalhadores revol-vem a terra com equipamentos improvisados, à procurada matéria-prima do estanho.

Até o início da década de 1990, o minério era extraído

Mahle

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753 hectares interditado no municí-pio de Vera (MT) – em 2006, foi iden-tificado desmatamento de floresta na-tiva em área de reserva legal.

A Sulmap vendeu seus produtosflorestais para ao menos duas gran-des construtoras de São Paulo entre2007 e 2008 – a Prese Empreendi-mentos Imobiliários e a Rovic BahiaEmpreendimentos. Elas são respon-sáveis pela construção de mais de40 edifícios, muitos deles de alto pa-drão, localizados em bairros comoMorumbi, Brooklin e Moema.

A Sincol é detentora do selo daForest Stewardship Council (FSC),principal certificação de madeira exis-

tente no mundo. Possui tanto áreasde manejo quanto produtos certifica-dos, que não englobam a Sulmap. Emseu compromisso com o FSC, no en-tanto, o grupo “reconhece que deveráter uma mesma política em todas asunidades de manejo sob sua adminis-tração, mesmo aquelas que não estãoabrangidas no escopo do certificado.”

O que diz a empresaNa primeira vez em que foi pro-

curada, em outubro de 2008, a direto-ria da Sincol preferiu não se manifes-tar. A diretoria da Rovic Bahia afir-mou não ter relações com a Sulmap e

comprar madeira única e exclusiva-mente da Sincol. Disse ainda que tempreocupação com esse tipo de assun-to e que nunca compraria nada de umaempresa que estivesse em situaçãoilegal. A Prese Empreendimentos Imo-biliários disse, através de um funcio-nário que preferiu não se identificar,desconhecer qualquer problema daSulmap com o Ibama.

Procuradas pela segunda vez nocomeço de 2009, a diretoria da Sincol– proprietária da Sulmap – novamen-te não se manifestou. A Rovic Bahiae a Prese Empreendimentos Imobili-ários também ficaram em silêncioquando procuradas pela segunda vez.

em larga escala por uma subsidiária da gigante francesaRhodia. Porém, a exploração da cassiterita foi literalmenteabandonada pelo grupo, quando as jazidas passaram anão ser mais viáveis economicamente.

Hoje, os garimpeiros à procura de um ganha-pão se sub-metem a condições bastante precárias. Dormem em barra-cos de madeira e palha, estão sujeitos no a todo tipo de aciden-te e não têm qualquer garantia de assistência em caso deinfortúnio, já que se encontram a centenas de quilômetros dequalquer centro urbano do Sul do Pará. Passam praticamenteo tempo todo encharcados, quando não mergulhados na águabarrenta. Ninguém possui carteira assinada. Cada um recebe5% do valor total arrecadado com a venda do minério.

A cassiterita da Vila Canopus é comprada por um in-termediário que revende para a segunda maior produtorade estanho do Brasil: a Melt Metais e Ligas, localizadaem Tiradentes (MG). O material tem vasta aplicação, des-de a fabricação de bijuterias até a utilização pela indús-tria automotiva. Um de seus principais clientes éjustamente a Mahle, que fabrica peças para motores,abastecendo as principais montadoras no país e no exterior.

O que diz a empresaQuando procurada em outubro de 2008, a gerência de

compras da Mahle disse que conta com um manual paradesenvolver fornecedores, na busca da excelência e no

compromisso com os princípios de melhoria contínua daqualidade e do meio ambiente. Informou exigir como re-quisito mínimo que todos os seus fornecedores possuamsistema de qualidade certificado conforme a Norma ISO9001:2000 e sejam licenciados por órgãos ambientais com-petentes. A multinacional afirma ter entrado em contato coma fornecedora para solicitar esclarecimentos.

Por sua vez, a Melt Metais esclareceu que, diante dasurpresa causada pelas informações, providenciou deslo-camento imediato de integrantes de seu setor de qualida-de e de seu setor jurídico para apurar os fatos. “Uma vezconstatada qualquer irregularidade, a Melt Metais e Li-gas procederá ao rompimento imediato de suas relaçõescomerciais com os responsáveis”, dizia a nota.

Em 2009, a diretoria da Mahle informa em nota que, aseu pedido, a Melt Metais chegou a acionar uma empre-sa especializada a fim de elaborar um programa decertificação. Entretanto, a Mahle decidiu desabilitar estefornecedor e cancelar todos os documentos de compra.

A gestora de Qualidade da Melt Metais, Odila Rodri-gues, afirmou que, antes mesmo da regular apuração dosfatos, procedeu à imediata suspensão das relações co-merciais com o fornecedor apontado, até que o mesmoapresentasse a documentação comprobatória de sua re-gularidade. “A suspensão persiste até o momento na me-dida em que, por ser completamente independente, talfornecedor não apresentou qualquer documento”.

3434

Segundo dados do Ministé-rio do Meio Ambiente (MMA), cer-ca de 12,7 milhões de metroscúbicos de madeira da Amazô-nia abastecem anualmente osmercados de São Paulo. Amaior parte desse volume vemprocessada – madeira serrada,o principal subproduto dessa in-dústria na Amazônia – por ummotivo simples: a cobrança doImposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços (ICMS)para toras brutas é bem maisalta. A Diretoria de Florestas doIbama aponta o Estado de SãoPaulo como o principal compra-dor desse item: os paulistas ab-sorvem 23% do que se extrai nafloresta.

O volume de material irre-gular que abastece o mercado éenorme. Apesar dos esforços dopoder público para intensificar afiscalização e monitorar a cadeiaprodutiva do setor, os mecanis-mos para mensurar o rombo docomércio ilegal ainda não sãoconfiáveis. Nas etapas de extra-ção, beneficiamento e transpor-te, parte considerável da madei-ra assume aparência de legali-dade mediante práticas fraudu-

O Estado consome23% da madeira que

sai da Amazônia

São Paulo,consumidor

voraz

3535

lentas. O material apreendido pe-los órgãos ambientais é uma pe-quena parcela do mercado ilegal.No Pará, responsável por mais de50% da produção nacional demadeira oriunda de extrativismo,o Ibama divulga ter apreendido115,7 mil metros cúbicos de ma-deira serrada e em tora em 2008.

Poder públicoNos últimos anos, autorida-

des estaduais e municipais de SãoPaulo passaram a adotar medidaspara tentar restringir o fluxo deprodução ilegal. Em setembro de2007 o governo estadual anunciou

que fortaleceria as fiscalizaçõesfronteiriças para barrar carrega-mentos sem comprovação de ori-gem. Em 2002 a então prefeitaMarta Suplicy baixou portarias im-pedindo a compra de mogno. Trêsanos depois, o governador Geral-do Alckmin e o prefeito José Ser-ra assinaram decretos estabele-cendo procedimentos de contro-le do uso de madeira nativa emobras e serviços de engenharia.

De acordo com estimativasdo Greenpeace na época da as-sinatura dos decretos, pelo me-nos um terço da madeira con-sumida na cidade de São Pau-lo era comprado pelo poder pú-

blico por meio de licitações. Asmedidas tomadas pela Prefeitu-ra em diferentes gestões leva-ram a capital para a lista dos 24municípios de São Paulo como status de “Cidade Amiga daAmazônia”, programa criadopelo Greenpeace para impedirque governos municipais ali-mentem o desmatamento. Ou-tras 11 cidades brasileiras ade-riram à iniciativa.

Entretanto, o controle refor-çado não impede que empresascriminosas escapem do crivodos órgãos públicos, valendo-sede diversos mecanismos para o“esquentamento” da madeira.

Garimpos ilegais fornecem matéria-prima para grandes empresas do sudeste

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Pecuária é setorA imagem de um dos mais im-

portantes setores do agronegócio na-cional, a cadeia produtiva da carnebovina, também foi manchada por pre-ocupantes violações às legislaçõesambiental e trabalhista. Até mesmoos frigoríficos de ponta do país,empresas de renome internacional quefazem do Brasil o maior exportadordessa commodity em todo o mundo,apresentam problemas no seu lequede fornecedores.

A reportagem identificou algunsexemplos de compra de gado de fa-zendeiros autuados por trabalho es-cravo e por desmatamento ilegal dafloresta amazônica. Há o caso até de

um frigorífico que operava sem licençaambiental, e que teve de assinar umacordo com o Ministério Público doTrabalho para garantir condiçõesmínimas de serviço a seus própriosfuncionários.

Nos últimos anos, organizaçõescivis e poder público vêm pressionandoo setor na tentativa de restringir omercado aos que desrespeitam aslegislações ambiental e trabalhista. Umpasso importante se deu em 2005,com o lançamento do Pacto Nacionalpela Erradicação do Trabalho Escra-vo, coordenado pela Organização In-ternacional do Trabalho (OIT), pelo Ins-tituto Ethos de Responsabilidade So-

A criação de gado bovinodo bioma amazônico

está associada aatividades ilegais como

desmatamento etrabalho escravo.

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problemáticocial, pela ONG Repórter Brasil, e queconta com a participação do InstitutoObservatório Social. Mais de 160empresas e associações comerciaisjá aderiram à iniciativa, comprometen-do-se a combater o trabalho escravoem suas cadeias de fornecedores.

Ajustamentode conduta

Grande parte dos frigoríficos bra-sileiros de ponta - como JBS-Friboi,Bertin e Margen – aparece na lista designatários. Contudo, há aqueles que,mesmo após identificação de proble-mas em suas cadeias produtivas, se-quer se dispuseram a discutir a ques-tão. O Ministério Público do Trabalho(MPT) e o Ministério Público Estadualdo Mato Grosso (MP/MT) firmaram,em março de 2008, um termo de ajus-tamento de conduta (TAC) com 19 fri-goríficos filiados ao Sindicato das In-dústrias Frigoríficas do Mato Grosso(Sindifrigo). Por esse acordo, as com-panhias assumiram o compromissode aderir ao Pacto, entre outras me-didas para melhorar a situação traba-lhista e social de seus negócios.

Grupos importantes e com his-tórico de graves problemas, como oQuatro Marcos, juntaram-se ao acordodevido à obrigação prevista no TAC.Outro frigorífico de peso no cenárionacional, o Marfrig, ainda não faz parteda iniciativa, mas vem conversandocom o comitê gestor do Pacto, apósser informado sobre fornecedores queusaram mão-de-obra escrava.

No início do ano passado, de-pois de avisado pelo comitê gestor deque estaria adquirindo gado de propri-edades rurais presentes na “lista suja”do trabalho escravo, o grupo Bertinemitiu comunicado afirmando que,

com base nessa informação, teriacortado seis produtores (cinco deles,pecuaristas do Sul do Pará) de sualista de fornecedores. A ação foiimportante para pressionar os produ-tores da região a seguirem a lei àrisca, mas também mostra que a em-presa ainda precisa avançar na auto-detecção dos problemas da suacadeia produtiva.

IniciativasO setor da carne bovina também

vem se movimentando por conta pró-pria e, no final de 2007, criou o Grupode Trabalho da Pecuária Sustentável.Trata-se de um fórum de discussãoque reúne os principais frigoríficos dopaís, dentre os quais aparecem Bertin,Frigol, Independência, JBS-Friboi,Mercosul e Quatro Marcos.Instituições financeiras que oferecemcrédito a esses grupos empresariais– como o IFC, braço para financiamen-tos privados do Banco Mundial, e oBanco Real, do grupo Santander – es-tão à frente do grupo, que conta ainda

com a participação de grandes redesvarejistas, outras empresas com atu-ação direta nessa cadeia produtiva, deambientalistas, entidades ruralistas eorganizações da sociedade civil.

O poder público também estápressionando. Um dos principais ins-trumentos veio com o decreto presi-dencial 6.514, editado em julho do anopassado, que proíbe a compra de pro-dutos provenientes de áreas embar-gadas por desmatamento, o que atin-ge diretamente os frigoríficos Hoje, éimpossível afirmar com segurança queaté mesmo a carne de frigoríficos lo-calizados fora do bioma amazôniconão foi obtida a partir de animais quepastavam em áreas situadas na prin-cipal floresta do planeta. Existe umcomércio bastante freqüente entre ospróprios frigoríficos e é muito comumque uma unidade transfira parte de seuestoque para outra planta industrial damesma empresa localizada em umestado diferente.

Veja casos de problemas ambien-tais e trabalhistas nas cadeias produti-vas de grandes frigoríficos brasileiros.

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QUATRO MARCOSPerfil

O primeiro frigorífico foi inaugurado em 1986, no Mato Grosso, estado ondea empresa desenvolve a maior parte de suas atividades. É um dos maiores dopaís em números de abates. Suas vendas de carne in natura representam 85%dos negócios e o comércio de couro responde por 10%. Um terço da receita vemde exportações. A empresa fornece carne bovina para o varejo paulistano, produ-tos para outros frigoríficos e de sebo para indústrias de biodiesel – combustíveladicionado ao diesel e distribuído em postos de todo o país.

O problemaUnidades de abate apresentaram graves problemas ambientais e traba-

lhistas. A empresa comprou gado de empregador que figura na “lista suja” dotrabalho escravo. A unidade localizada em Juara, no bioma amazônico, tevesuas atividades embargadas pelo Ibama em junho de 2008 por operar semlicença ambiental. O Ministério Público Estadual também acionou judicialmenteo Quatro Marcos por descartar os resíduos orgânicos dos 500 abates de bovi-nos realizados diariamente no frigorífico, de forma totalmente irregular e semqualquer tipo de tratamento, em áreas de preservação permanente próximas aassentamentos rurais do município.

O caso trabalhista mais grave aconteceu em fevereiro de 2008, quandoum mecânico morreu após ser eletrocutado, cair e fraturar a coluna cervical naunidade de Alta Floresta (MT). Em dezembro de 2007, o Quatro Marcos haviafirmado acordo com o Ministério Público do Trabalho comprometendo-se amelhorar as condições a que estavam submetidos seus funcionários. A iniciati-va ocorreu depois que a fábrica do grupo localizada no município de Vila Rica foiinterditada por conta de um vazamento de gás que intoxicou 14 pessoas. Outrostrês episódios semelhantes ocorreram no mesmo ano e local.

Na lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia, divulgada no finalde setembro pelo Ministério do Meio Ambiente, a pecuarista Rosana SorgeXavier, cuja família administra o frigorífico Quatro Marcos, figura em nono lugarno ranking. Seu nome aparece duas vezes na relação. No total, ela devastouilegalmente 12.640 hectares de floresta, o que lhe rendeu uma multa de aproxi-madamente R$ 48 milhões.

A fazenda Santa Luiza, em Nova Bandeirantes (MT), e que pertence à mes-ma família, já integrou a “lista suja” do trabalho escravo – cadastro oficial doMinistério do Trabalho e Emprego com os nomes dos produtores que incorre-ram nessa prática. O frigorífico também adquiriu gado bovino de Antenor Duartedo Valle, que consta da atual edição do cadastro do MTE por reduzir 188 traba-lhadores a condições análogas às de escravos em sua fazenda Nova Maringá,no município de Comodoro (MT).

O que diz a empresaEm outubro de 2008, quando foi procurado pela primeira vez, o frigorífico

Quatro Marcos afirmou por meio de sua gerência de marketing que havia contra-tado uma consultoria externa e estava passando por uma reestruturação e reor-ganização de processos das suas atividades. De acordo com o comunicado,esse “período de transição” deveria durar de três a quatro meses. “Pela suaimportância no cenário nacional e mundial, a questão de sustentabilidade esta-rá sendo devidamente desenvolvida e trabalhada”, acrescenta a resposta.

Alguns meses depois, no começo de 2009, a Quatro Marcos foi procuradanovamente para responder se havia cortado relações comerciais com o pecua-rista Antenor Duarte do Valle, se tinha resolvido os problemas ambientais etrabalhistas em suas unidades frigoríficas e se possuía interesse em aderir aoPacto Empresarial da Carne Bovina, criado durante as atividades do seminário“Conexões Sustentáveis São Paulo – Amazônia”. Desta vez, a diretoria da em-presa não respondeu às perguntas.

PerfilA empresa iniciou suas

atividades de processamento deprodutos à base de proteína animalem 1982. Localizado na rodoviaAnhanguera, no município de Osasco(SP), seu parque industrial forneceprincipalmente derivados de carnebovina para grandes redes derestaurantes com atuação na capitalpaulista. Também está habilitada aexportar para mais de 30 países. Aempresa pertencia originalmente aogrupo norte-americano OSI que, emjunho deste ano, firmou contrato devenda ao Marfrig de 15 plantasindustriais no Brasil e na Europa,dentre as quais a própria BrasloL.

O problemaEsta empresa manteve relações

comerciais com frigorífico que abategado proveniente da Amazônia depoisde se comprometer publicamente anão utilizar carne bovina oriundadesse bioma em sua cadeiaprodutiva. O compromisso da Braslode não utilizar carne bovina de gadoda Amazônia em seus produtos estáexpressamente publicado na página20 do seu Balanço Social 2006,divulgado em 2007, e disponível napágina da empresa na internet.

Porém, a empresa adquiriudiversas vezes carne da unidade doMarfrig de Tangará da Serra (MT),entre 2007 e 2008. O frigorífico, porsua vez, tem em sua carteira declientes pecuaristas que criam gadono bioma. Outro fato que merecedestaque é que essa mesmaunidade de Tangará da Serra tambémaparece como compradora deanimais criados por dois fazendeirosque figuram na atual edição da “listasuja” do trabalho escravo (ver casoMafrig). As compras ocorreramposteriormente ao compromissofirmado publicamente.

O que diz a empresaQuando foi procurada pela

primeira vez, a empresa, por meio de

BRASLO

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PerfilSediado na capital paulista, o JBS Friboi é o maior

frigorífico do mundo em capacidade de abate de bois, e omaior exportador de carne do planeta. No ano passado, ogrupo faturou R$ 4,7 bilhões e entrou no mercado de suí-nos com a compra da norte-americana Swift Foods. Produ-tos industrializados das marcas Anglo, Sola e Swift, vendi-dos nas principais redes varejistas do país, também sãofabricados pelo JBS Friboi. A empresa atua ainda no seg-mento de transportes e tem cerca de 40 mil empregados.O JBS Friboi é fornecedor de grandes redes varejistas nacapital paulista. Também vende sebo bovino para indústri-as de biodiesel.

O problemaA unidade do Friboi de Barra do Garças (MT) adquiriu

gado de um pecuarista que teve área de sua fazenda em-bargada pelo Ibama por desmatamento ilegal.

Em julho de 2008, a unidade manteve relações co-merciais com o pecuarista Marco Aurélio Morales Branco,dono da fazenda Rancho Blanco, no município de Querên-cia, a 450 quilômetros do frigorífico. No mês anterior, oprodutor havia sido autuado pelo Ibama por desmatamen-to sem autorização dentro da sua fazenda. Uma área de485 hectares acabou embargada pelo órgão ambiental.

O que diz a empresaNo segundo semestre de 2008, após realizar uma

auditoria em suas unidades no Mato Grosso, o JBS Friboiinformou, por meio de sua assessoria de imprensa, que oprodutor Marco Aurélio Morales Branco se valeu de umatriangulação irregular com outra de suas propriedades paravender gado ao frigorífico, passando assim pelo sistemade bloqueio de compras da empresa. Segundo a direção,o problema foi resolvido e o pecuarista, cortado da lista defornecedores. O JBS Friboi ainda propôs a criação de bar-reiras à aquisição de gado tomando como base o nome doprodutor, e não apenas a propriedade onde tenham ocorri-do problemas ambientais ou trabalhistas.

Em 2009 o JBS Friboi aparece na lista de signatáriosdo Pacto Empresarial da Carne Bovina, lançado em outu-bro do ano passado. A direção do frigorífico foi questionadasobre as medidas que adotou para cumprir os compro-missos que constam do Pacto, e se voltou a ter relaçãocomercial com o pecuarista Marco Aurélio Morales Branco.Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa afir-mou que as novas questões levantadas já haviam sidocontempladas pela resposta dada pela empresa em outu-bro do ano passado.

sua assessoria de comunicação,emitiu esclarecimento afirmando que“mantém e honra uma política emrelação à floresta amazônica desde asua instalação no país, pela qual secompromete a realizar a compra decarnes que não contribuam para odesmatamento”.

A Braslo também disse quefirma carta de compromisso formalcom seus fornecedores, que por suavez “garantem que não adquirem nemvirão a adquirir gado proveniente defazendas em áreas que integrem afloresta tropical amazônica ou dedesmatamentos recentes”. Informouque faz auditorias periódicas para secertificar de que seus fornecedoresestão realmente cumprindo osacordos firmados com a empresa.Além disso, alegou possuircoordenadas georreferenciadas deseus fornecedores a fim de monitorarse eles estão situados no biomaamazônico.

Com relação aos negóciosfeitos com o Marfrig localizado nomunicípio de Tangará da Serra, aBraslo afirma que não mantém maisrelações comerciais com essa plantaindustrial. “A empresa aprimorou suapolítica relativa à Floresta Amazônica,passando a adotar os parâmetros doIBGE para a preservação da áreadefinida como Bioma Amazônia.Desde 1º de setembro de 2008, aBraslo utiliza o georreferenciamentopara definir as plantas frigoríficasque são suas fornecedoras.Permanecem como fornecedorascinco plantas do Marfrig, tendo sidoexcluída a planta do Marfrig emTangará da Serra (MT), localizada noperímetro definido pelo IBGE comobioma Amazônia”.

Convém frisar que ocompromisso público assumidopela empresa de não comprarprodutos oriundos da região éanterior a essa data. Com aconclusão das negociaçõesiniciadas no ano passado, a Brasloagora faz parte do Grupo Marfrig.

Dessa maneira, a nota deresposta emitida pela assessoria deimprensa do grupo também valepara o caso da Braslo.

JBS FRIBOI

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MARFRIGPerfil

Em 2007, o faturamento do Marfrig atingiu a casados R$ 2,7 bilhões. O grupo é o quarto maior produtormundial de carne bovina. Em julho de 2007, abriu seucapital na Bolsa de Valores de São Paulo e angariou R$1 bilhão – dinheiro investido agressivamente na expan-são de suas atividades e na compra de outras 20 em-presas dentro e fora do país. Possui dez unidades deabate de gado bovino no Brasil, cinco na Argentina eoutras quatro no Uruguai. Também processa carnes deaves e de suínos. Marcas conhecidas no mercado vare-jista paulistano, como Pena Branca, Da Granja e Bassi,compõem o portfólio do Marfrig. O grupo abastece asprincipais redes varejistas do país, e outras empresasde processamento de proteína animal. Também forne-ce sebo para indústrias de biodiesel.

O problemaUma de suas unidades frigoríficas, o Marfrig de

Tangará da Serra (MT), manteve relações comerciais comdois pecuaristas do Mato Grosso depois de eles entra-rem na “lista suja” do trabalho escravo. Um deles é An-tenor Duarte do Valle, que figura na relação desde junhode 2004. O frigorífico comprou animais para abate doprodutor quando ele se encontrava havia mais de trêsanos na “lista suja”.

Antenor Duarte do Valle é acusado por movimen-tos sociais de ser um dos mandantes do Massacre deCorumbiara, em 1995, quando 11 sem-terra foram cha-cinados por policiais militares e jagunços, em Rondô-nia. Ele jamais quitou as dívidas com os 188 trabalha-dores libertados da sua fazenda Maringá, em Comodo-ro (MT), apesar de contar até com avião à sua disposi-ção. Segundo relato da fiscalização do grupo móvel doMinistério do Trabalho e Emprego, ele teria inclusivemandado amarrar e espancar um empregado descon-tente com as condições a que ele e seus companheirosestavam submetidos.

Outro fornecedor do Marfrig de Tangará da Serraque aparece na “lista suja” é Renato Bernardes Filguei-ras. Em dezembro de 2006 ele teve seu nome incluídono cadastro oficial do MTE por reduzir a condições aná-logas às de escravo dez trabalhadores da fazenda San-ta Eulália, em Tapurah (MT).

O Marfrig também teve sua imagem atingida poracidentes graves em uma de suas próprias plantas fri-goríficas. A empresa foi acionada na Justiça pelo Minis-tério Público do Trabalho (MPT), que pede indenização

por danos morais coletivos no valor de R$ 3 milhões.Depois de uma fiscalização ocorrida em fevereiro desteano, motivada pela morte de um trabalhador na unidadede Porto Murtinho (MS), o MPT decidiu mover uma açãocivil pública contra a empresa. De acordo com o órgão,além de negligências básicas no atendimento ao aci-dentado, os trabalhadores eram submetidos a jornadasexaustivas, dentre outras irregularidades.

O que diz a empresaEm outubro de 2008 o grupo se pronunciou por meio

da assessoria de imprensa. Com relação aos dois pecu-aristas que constam da “lista suja” do trabalho escravo, aempresa argumenta que desde o dia 29 de fevereiro de2008, a unidade de Tangará da Serra não mais realizacompras de gado dos dois produtores mencionados eque o mesmo procedimento é seguido por todas as de-mais unidades do grupo. Vale lembrar que Antenor Duartedo Valle entrou na “lista suja” em junho de 2004. Já Rena-to Bernardes Filgueiras aparece desde dezembro de 2006.A nota ainda informa que o Marfrig adota práticas adequa-das às legislações ambientais e trabalhistas vigentes,sendo signatário do acordo assinado em março de 2008e no qual a empresa se compromete com o Pacto Nacio-nal pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Quando foi procurada pela segunda vez, alguns me-ses depois, a assessoria de imprensa da companhiaenviou a seguinte nota à reportagem: “O Grupo Marfrigreitera seu compromisso com relação à adoção de práti-cas adequadas às legislações ambientais e trabalhis-tas vigentes, e informa que mantém a promoção de suapolítica rigorosa de fiscalização em concordância com aassinatura do Pacto Nacional pela Erradicação do Tra-balho Escravo, em 15 de outubro de 2008, no qual secompromete a não manter relações comerciais com pro-priedades que tenham áreas embargadas por infraçõesambientais ou que violam leis trabalhistas e humanitári-as. A empresa informa também que a instalação de Comi-tês de Gestão Ambiental em todas as Unidades do Grupoencontra-se concluída, estando apenas a unidade PenaSul, de abate de aves, em processo de finalização”.

O Marfrig ainda não consta da lista de signatáriosdo Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escra-vo, pois ainda não atendeu aos convites para se reunircom o conselho gestor do Pacto a fim de apresentar ques-tões relacionadas à sua rede de fornecedores – condi-ção necessária para a assinatura do acordo. Na realida-de, a assessoria de imprensa está se referindo ao com-promisso previsto no Pacto Empresarial da Carne Bovi-na, lançado em outubro durante o seminário “ConexõesSustentáveis São Paulo-Amazônia”.

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Em 2004, o Brasil assumiu o posto de maior exportadormundial de carne bovina, e atualmente faz negócios com quase130 nações. No ano passado, o comércio com países estrangei-ros dessa commodity atingiu a cifra recorde de US$ 5,3 bilhões,de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exporta-doras de Carne (Abiec). Mas a crise econômica global que ex-plodiu nos últimos meses já deixou marcas nesse importantesegmento do agronegócio. Apenas em janeiro de 2009, as ven-das no mercado internacional tiveram forte queda de 45% nareceita, 35% no volume e 16% no preço médio, em compara-ção com o mesmo período de 2008.

Especialistas no setor acham difícil que o faturamento as-tronômico registrado do ano passado se repita em 2009, e esti-mam que a queda na receita pode chegar até 20%. Por outrolado, os pecuaristas mais otimistas esperam que, a partir dosegundo semestre, o ritmo das exportações de carne bovinarecupere o fôlego e volte a crescer. A União Européia, por exem-plo, que nos últimos anos vinha colocando uma série de barrei-ras ao produto brasileiro, já sinaliza com aumento da demanda.Há perspectivas de que compradores tradicionais, como Rússiae Egito, aumentem o volume de encomendas.

Mesmo em meio à maior crise econômica das últimas oitodécadas, os criadores de gado bovino no Brasil estão rindo àtoa, pois a pecuária de corte vem se desenvolvendo a passos degigante. De 2000 para cá, segundo o Instituto Brasileiro de Ge-ografia e Estatística (IBGE), o número de cabeças de gado sal-tou de 170 milhões para aproximadamente 206 milhões – incre-mento de 21%. E esse crescimento está calcado principalmentena Amazônia. O Mato Grosso detém o maior rebanho do país,com 26,1 milhões de cabeças. Já o Pará aparece em quintolugar, com 17,5 milhões de animais – mas há quem desconfiedas desencontradas estatísticas oficiais e estime que esse nú-mero tenha superado a casa dos 20 milhões.

De acordo com o estudo “O Reino do Gado”, divulgadopela ONG Amigos da Terra no ano passado, a Amazônia contacom 74 milhões de cabeças de gado, na proporção de 3,3 porhabitante – relação três vezes superior à média nacional. Em2007, pela primeira vez na história, o número de abates ocorri-dos na região ultrapassou a marca dos 10 milhões – 41% dototal no país. A pesquisa revela que um terço da carne in naturaexportada no ano passado saiu de frigoríficos situados nessaparte do território brasileiro.

Há conexão direta entre a abertura de novas frentes de expansão na Amazônia e aexploração criminosa de trabalhadores.

Mais boi que genteA pesquisa traz outros números que deixam ainda mais evi-

dente o avanço da pecuária sobre a Amazônia. Entre dezembrode 2003 e o mesmo mês de 2006, apenas 4% dos 10 milhões denovos animais adicionados às fazendas do país não estavampastando sobre terrenos que um dia já foram floresta. Em ou-tras palavras, o crescimento da criação de bois fora da região épraticamente insignificante.

Frente pioneiraAo se deslocar em direção à Amazônia, a pecuária escapa

da disputa com outras culturas vigorosas do agronegócio, comoa soja e a cana-de-açúcar, que tendem a dominar as terrasmais valorizadas das regiões de melhor infra-estrutura e maispróximas aos principais centros consumidores.

Por ser uma atividade predominantemente extensiva, apecuária bovina necessita de terras baratas. E essas áreas debaixo preço se encontram principalmente na região de fron-teira agrícola, como a floresta. O próprio presidente da co-missão para assuntos da Amazônia Legal da CNA (Confede-ração Nacional da Agricultura e Pecuária), Carlos Xavier, ementrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, admitiu categori-camente que “a pecuária está sendo empurrada para cá”, emalusão ao Sul do Pará.

Durante décadas a derrubada da mata foi encarada, princi-palmente durante a ditadura militar, como uma demonstraçãolegítima de posse. Quem quisesse ter direito sobre uma áreaprecisava mostrar serviço, devastando a floresta. Essa semprefoi a deixa para que a pecuária entrasse em cena. A pecuáriatambém é responsável pela esmagadora maioria das denúnciasde utilização de mão-de-obra escrava na Amazônia. Não à toa,Pará e Mato Grosso aparecem como campões históricos naincidência desse crime. Há conexão direta entre a abertura denovas frentes de expansão e a exploração criminosa e desuma-na de trabalhadores.

Levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT),principal entidade dedicada à defesa dos direitos humanos e tra-balhistas no campo, revela que 58% das fazendas fiscalizadasaté julho do ano passado pelo grupo móvel de fiscalização doMinistério do Trabalho e Emprego (MTE), que atua na liberta-ção de escravos, tinham como atividade principal a criação debovinos para corte.

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Os produtores têmrelação conflituosa

com o meioambiente e com ospovos da floresta.

Soja avançasobre

AmazôniaLegal

Soja avançasobre

AmazôniaLegal

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O Brasil tem a segunda maior pro-dução de soja do mundo, atrás apenasdos Estados Unidos. Na safra de 2009,estima-se em 21,6 milhões de hecta-res a área ocupada pela cultura no país,equivalentes a 46% de toda a lavourabrasileira de grãos. Em forma de grão,farelo ou óleo, a soja é hoje a principalcommodity agrícola da pauta de ex-portações. Em 2008, foi responsávelpor 9,1% do total das vendas brasilei-ras no mercado internacional. O mer-cado interno absorve parte da produ-ção – os derivados da soja são utiliza-dos em diversos segmentos econômi-cos, desde a indústria alimentícia atéo biodiesel, os produtos de higiene, delimpeza e cosméticos.

Até a década de 1970, as lavourasde soja estavam concentradas nos es-tados do Sul. Mas as bases sedimen-tadas pelas políticas de expansão dafronteira agrícola, principalmente emdireção ao Centro-Oeste, mudarameste panorama. O Cerrado foi ocupa-do por migrantes envolvidos em pro-jetos de colonização, em parte sulistasjá familiarizados com a cultura da soja.

A soja ganhou o Mato Grossocomo o carro-chefe da atividade agrí-cola nos anos 1980, quando a produ-ção, organizada em torno da mecani-zação de grandes propriedades, sal-tou de 117 mil toneladas/ ano para trêsmilhões de toneladas/ano. Na déca-da seguinte, a lavoura se expandiufortemente no Brasil, impulsionadapela abertura econômica e pelo for-

talecimento do agronegócio exporta-dor. A área ocupada com a culturapraticamente dobrou no país nos últi-mos 15 anos. Desde 2001, a partici-pação mato-grossense predomina,sendo atualmente responsável por30% da produção nacional. Metadedas terras do estado se situa no bio-ma amazônico.

Apesar de, historicamente, a ex-pansão do grão ter se dado princi-palmente no Cerrado, o aumento dademanda no mercado internacionalimpulsionou uma maior penetraçãoda cultura na Amazônia. Em núme-ro considerável de áreas, a soja tor-nou-se motivação direta de queima-das e desmatamentos para a conver-são em lavoura. Já na safra 2004/2005, de acordo com estudo lançadopelo Greenpeace em abril de 2006,5% da produção de soja brasileiraera proveniente de terras localizadasno bioma amazônico.

Trabalho escravo edesmatamento

Apesar da intensa mecanizaçãoda soja no Centro-Oeste demandarprofissionais com melhor remunera-ção, práticas de empregos temporá-rios sem o cumprimento dos direitostrabalhistas e casos de trabalho es-cravo continuam acontecendo princi-palmente no momento de abertura denovas áreas de lavoura. Análises ba-

seadas nos relatórios de fiscalizaçãodo Ministério do Trabalho e Empregoindicam que a principal atividade exer-cida por trabalhadores reduzidos aescravos na lavoura de soja é a cata-ção de raízes, que antecede a prepa-ração do terreno para a semeadura.

Criada em novembro de 2003, ocadastro de empregados flagradoscom mão-de-obra escrava, a chama-da “lista suja”, abrigou até hoje aomenos 14 propriedades produtoras desoja. Entre estas, sete estão em mu-nicípios total ou parcialmente inte-grantes do bioma amazônico, sendocinco no Mato Grosso, uma no Paráe uma no Tocantins. Estes dados evi-denciam a existência de uma relaçãoconcreta entre a utilização de trabalhoescravo na soja – geralmente associ-ado à abertura de novas áreas ou àadaptação de antigos pastos – e aexpansão da lavoura em áreas noArco do Desmatamento.

A Associação Brasileira das In-dústrias de Óleos Vegetais (Abiove),que congrega a indústria de soja noBrasil, é signatária do Pacto Nacio-nal pela Erradicação do Trabalho Es-cravo. Compradoras de soja – ADMdo Brasil, Bunge, Caramuru, Cargille Grupo André Maggi – também sãosignatárias individuais do compromis-so. “Tolerância zero” com o trabalhoanálogo ao escravo também é partedos compromissos assumidos pelosetor través da Moratória da Soja, umacordo firmado em julho de 2006.

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Sob pressão de ambientalistas edo mercado internacional, a Abiovee suas associadas se compromete-ram na ocasião a não comercializarnenhuma soja oriunda de áreas queforem desflorestadas, após estadata, dentro do bioma amazônico.O acordo, originalmente válido pordois anos, foi renovado em julho de2008, passando a vigorar por mais12 meses. ONGs envolvidas com aMoratória ressaltam que, apesar dosresultados positivos do monitora-mento de campo, persistem fatoresde risco, visto que uma elevação dospreços das commodities agrícolaspode estimular o desmatamento denovas terras.

As instituições signatárias dospactos sobre pecuária, madeira,soja e compras públicas lançadosno seminário Conexões Sustentá-veis, em outubro de 2008, compro-metem-se a não comprar de em-pregadores da "lista suja" do tra-balho escravo e de Bunge

PerfilSediada na Holanda, a empresa

atua em território brasileiro tanto naprodução de insumos quanto na fa-bricação de produtos para consumofinal na indústria alimentícia. Obte-ve, em 2007, faturamento de US$8,1 bilhões no Brasil. Tais números,23% maiores em relação ao anoanterior, colocam a Bunge Alimen-tos na 14ª posição entre maioresempresas do país em vendas, deacordo com o anuário Melhores eMaiores da revista Exame. A multi-

nacional holandesa também atua naprodução de fertilizantes.

O problemaO problema da Bunge é que ela

adquiriu soja de fazenda com áreaembargada pelo Ibama.EurydesCeni, pai do goleiro Rogério Ceni, éproprietário da fazenda Dona Do-zolina, localizada no município deSanta Carmem (MT). Em junho de2007, o Ibama embargou uma áreade 230 hectares da propriedade,onde foi constatado desmatamentoa corte raso sem autorização do ór-gão competente. A fazenda possuiuma área total de cinco mil hecta-res, onde se produz milho e soja.

Em junho de 2008, um ano apóso embargo, que ainda permanece emvigor – Ceni vendeu à Bunge sojaplantada na fazenda Dona Dozoli-na. Além de exportar o produto, aempresa possui, em Rondonópolis(MT), uma esmagadora que proces-sa parte dos grãos adquiridos em ter-ras matogrossenses. De lá chegamàs redes de supermercados na ci-dade de São Paulo diversos lotes doóleo Soya, uma das principais mar-cas vendidas no país. Os óleos desoja das marcas Pão de Açúcar eCompre Bem também são produzi-dos pela Bunge.

O que diz a empresaProcurada em outubro de 2008,

através de sua direção corporativa deComunicação, a Bunge afirmou queconsulta, a cada negociação, a relação

CPFs e CNPJsde embargos disponibilizada pelo Iba-ma, tomando as devidas providênciasa fim de não adquirir matéria-primaplantada em tais áreas. Em relação aEurydes Ceni, a empresa afirmou que,segundo documentação apresentada,inclusive com fotos aéreas e referên-cias de GPS, a área embargada nãoera de produção de soja.

A empresa ressaltou ser signa-tária da Moratória da Soja, assumin-do o compromisso de não comerci-alizar soja plantada em terras des-matadas, no bioma amazônico, en-tre julho de 2006 e julho de 2009.Sobre questões trabalhistas, a Bun-ge reiterou que possui cláusulas es-pecíficas reservando-se o direito derescisão unilateral caso haja confir-mação de práticas irregulares nasfazendas. A empresa também des-tacou seu envolvimento com açõespara a promoção de boas práticassocioambientais junto a produtores.

Em 2009 a empresa foi ouvidapela segunda vez. Quando indaga-da se o fornecedor Eurydes Ceniainda está habilitado a manter re-lações comerciais com a Bunge, aempresa respondeu que, de acor-do com seu controle interno, nãoforam mais realizadas negociaçõesdesde então. A multinacional afir-ma, no entanto, que “conforme ex-plicado anteriormente, o referidoprodutor não tinha produção desoja sobre a área objeto de em-bargo. Desta maneira, seguindo alegislação estabelecida pelo gover-no brasileiro, esse produtor esta-ria habilitado a vender sua produ-ção no mercado.”

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SÃO JOÃOALIMENTOSPerfil

Fundada em 1968, a empresa atua no be-neficiamento, seleção, padronização e empa-cotamento do produto. Comercializa arroz,feijão, grão de bico, lentilha e outros grãos.Possui frota própria de caminhões para levarseus produtos a estabelecimentos varejistasde diversos municípios paulistanos, incluindoa capital. Arroz das marcas Patéko, EmpórioSão João, Baviera, Taiô-Mai e Billy são ven-didos em redes de supermercado que ope-ram na cidade de São Paulo.

O problemaA São João Alimentos comprou arroz de

produtor autuado por desmatamentoilegal.Valdir Antonio Grando, agricultor resi-dente em Rio Verde (GO), é dono da fazendaGabriela, no limite com o Parque Indígena doXingu. Em 2006 ele foi autuado pelo desmatede 495 hectares nessa propriedade. O muni-cípio de Querência (MT), onde a fazenda estáinstalada, é uma das principais áreas de ex-pansão de culturas graneleiras sobre áreasoriginalmente ocupadas por florestas. Está nalista dos 36 municípios campeões do desma-tamento divulgada pelo Ministério do MeioAmbiente (MMA).

Em 2007, sacas de arroz produzidas na fa-zenda Gabriela abasteceram a São João Ali-mentos, instalada no município de São Josédo Rio Pardo (SP). Em regiões como Que-rência, o arroz é usado para “amansar” a terra

após o desmate, ou seja, muitas vezes é aprimeira safra produzida após a abertura denovas áreas, visto que a terra ainda precisade correção química antes de receber outrasculturas, como a soja. A fazenda Gabrielatambém produz este grão.

Outra autuação recaiu sobre Grando emabril de 2008. Desta vez, o Ibama embargouuma área de 1,8 mil hectares desmatada ile-galmente na fazenda e multou o seu propri-etário em R$ 2,7 milhões. Este produtor ocu-pa atualmente a 99ª posição na lista dosmaiores desmatadores divulgada pelo MMA– justamente por conta dos crimes identifi-cados em Querência.

O que diz a empresaProcurada em outubro de 2008, a empre-

sa não quis se manifestar. Em março de2009, seu diretor de Vendas Marcos Pego-rer informou que a empresa não tem maisnenhum tipo de relacionamento comercialcom o produtor Valdir Antônio Grando. Dis-se ainda que, desde julho de 2007, data daúltima comercialização com o referido pro-dutor, não compra mais arroz proveniente deáreas localizadas na Bacia Amazônica. Seusfornecedores, segundo a empresa, localizam-se na região Sul do Brasil e em países doMercosul. A companhia ressaltou que a re-lação comercial com Valdir Antônio Grandodeu-se de acordo com os parâmetros legaisvigentes e que, à época da negociação, nãopossuía quaisquer informações sobre autua-ções ambientais relacionadas a ele.

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CARAMURUALIMENTOS

PerfilFundada em 1964, a Caramuru é a maior

empresa do setor graneleiro no país com capital100% brasileiro. Atua na fabricação de produtosindustrializados de grãos para consumo animal,industrial e final. Atualmente, possui unidades denegócios em sete estados: Goiás, Paraná, MatoGrosso, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Cea-rá. A companhia tem capacidade para processar1,6 milhão de toneladas de soja e 677 mil tonela-das de milho por ano, além de refinar 230 miltoneladas de óleos de soja, milho, girassol e ca-nola. Em 2007, seu faturamento em vendas foide US$ 831 milhões, crescendo 16% em relaçãoao ano anterior.

O problemaO problema da Caramuru é que ela adquiriu

girassol de produtor autuado por desmatamentoem diferentes propriedades. Integrante do GFNAgrícola, grupo familiar responsável pelo plantiode grãos em dezenas de milhares de hectares noMato Grosso, Carlos Vian possui passivos ambi-entais registrados tanto pela Secretaria Estadualdo Meio Ambiente (Sema-MT) quanto pelo Iba-ma.

Em 2006, o órgão estadual o autuou por des-matamento na fazenda Santa Bárbara III, locali-zada em área de floresta no município de Bras-norte. Emem janeiro de 2008, Vian foi alvo demulta do Ibama no valor de R$ 360 mil. Dessavez o motivo foi a supressão da mata nativa em

71,7 hectares de reserva legal na Fazenda NovaFronteira, em área de cerrado. Essa última in-fração colocou Vian na lista de embargos que oIbama disponibiliza na Internet.

Em julho de 2008, a unidade da Caramuruem Itumbiara (GO) comprou girassol produzidopor Vian em Brasnorte. Com sede neste mesmomunicípio goiano, a companhia fabrica, entreoutras coisas, óleo de cozinha à base de girassol.A Caramuru comercializa o produto através demarca própria – Sinhá – e também é responsá-vel pelo refino do óleo de girassol da marca Car-refour. Os produtos são vendidos em redes desupermercados que operam na capital paulista.

O que diz a empresaNo final de 2008 a Caramuru, por intermédio

do gerente Cristiano Grade, ressaltou que o gi-rassol adquirido foi cultivado em outra proprie-dade de Carlos Vian, que não as citadas anteri-ormente, mas também localizada no municípiode Brasnorte. A assessoria de comunicação daempresa também informou que os contratos comfornecedores possuem cláusula pela qual o pro-dutor se compromete em ter sua produção agrí-cola respaldada pela legislação ambiental vigen-te, bem como a não utilizar mão-de-obra infantilou em condição análoga à escravidão.

Em 2009 a empresa divulgou, por meio daassessoria de comunicação, a seguinte nota: “ACaramuru informa, pública e oficialmente, quenão está mais adquirindo qualquer tipo de mer-cadoria do produtor Carlos Vian”.

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PerfilTerceira maior entre as tradings

de soja que atuam no Brasil, a Ar-cher Daniels Midland Company(ADM) foi fundada em 1902 nos Es-tados Unidos. A empresa atua na ex-portação de grãos e farelo de soja.Também fabrica, em território brasi-leiro, produtos para a indústria ali-mentícia local e biodiesel. Por meiodos leilões da Agência Nacional doPetróleo (ANP), a empresa já ven-deu mais de 130 milhões de litros doproduto, que chega, misturado ao di-esel, nos postos de todo o país. Seufaturamento em 2007 foi de US$ 2,6bilhões. Nesse ano, foi a 77ª maiorempresa em atuação no país em ven-das, de acordo com o ranking “Me-lhores e Maiores” da revista Exame.

O problemaO problema da ADM do Brasil

manteve relações comerciais comprodutor autuado por crimes ambien-tais na floresta amazônica. VilsonMiguel Vedana, dono de um armazéme de fazendas em Nova Ubiratã (MT),cultiva soja e milho em áreas no en-torno da rodovia MT-242, que ligaSorriso (MT) ao município. Uma desuas propriedades é a fazenda Dese-jado, que ocupa 1,7 mil hectares.

Desde agosto de 2007, ela estáinterditada pelo Ibama e faz parte dalista de embargos divulgada no sitedo instituto. Lá foi identificada a prá-tica de atividades agrícolas sem adevida licença ambiental, o que ge-rou multa de R$ 20 mil ao produtor.Na fazenda Desejado II, contígua à

ADM do Brasilcitada, a Secretaria Estadual do MeioAmbiente aponta desmatamentossem autorização entre 2001 e 2003.Eles teriam ocorrido em área de re-serva legal, em desacordo com a ma-nutenção dos 80% exigidos para pro-priedades no bioma amazônico.

Na safra 2007/2008, ADM do Bra-sil adquiriu soja produzida por VilsonMiguel Vedana em Nova Ubiratã.Grande parte do grão adquirido pelamultinacional no Mato Grosso é pro-cessado em Rondonópolis (MT), ondeela possui um dos maiores complexosindustriais do setor no país. Atualmen-te, suas instalações na cidade tambémdetêm a quarta maior capacidade na-cional de fabricação de biodiesel. Aunidade Rondonópolis também utilizaa soja para produzir óleo de cozinha.A empresa possui uma marca própria– Corcovado – presente nas pratelei-ras de supermercados paulistanos. Oóleo de soja da marca Sadia tambémé envasado nas plantas industriais daADM do Brasil.

O que diz a empresaProcurada em outubro de 2008, a

ADM do Brasil, por intermédio desua assessoria de imprensa, afirmouque tem como procedimento, antesdo início de cada negociação, con-sultar tanto a “lista suja” do Ministé-rio do Trabalho e Emprego (MTE)como a lista do Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e Recursos NaturaisRenováveis (Ibama) para conferirqualquer irregularidade de seus for-necedores. “No caso de o produtorestar citado em quaisquer das listas,as negociações são interrompidas e

a ADM envia uma correspondênciapara que ele adote medidas de regu-larização junto a esses órgãos.”

Em abril de 2008, quando foi dis-ponibilizada na Internet a lista de em-bargos do Ibama, o nome de VilsonMiguel Vedana já constava no cadas-tro. Na última atualização consultadapela pesquisa (10/10/2008), sua pre-sença também foi verificada. A ADMdo Brasil diz, no entanto, que o mes-mo não se dava à época da relaçãocomercial com o produtor. “O forne-cedor em questão, Vilson Miguel Ve-dana, arrendatário das Fazendas De-sejado I e Desejado II, não constavana lista do Ibama no dia 11/06/2008,mês no qual foram realizados negóci-os entre a empresa e o produtor. Ocontrato com a ADM foi realizado nodia 05/06/2008 e finalizado no dia 13/06/2008”, coloca a ADM, através desua assessoria de comunicação.

A empresa reitera que preza pelodesenvolvimento sustentável e seguetodas as normas de mercado e de pre-servação ambiental no que diz respei-to à compra de matérias-primas. Eressalta ser uma das maiores empre-gadoras do Centro-Oeste em épocade safra, contando com mais de 27mil funcionários em todo o mundo.

No começo de 2009, foi pergun-tado à empresa se ela tomou algumtipo de medida em relação ao pro-dutor em questão, e se ele está ha-bilitado, atualmente, a manter rela-ções comerciais com a empresa. Amultinacional também foi questiona-da sobre seu interesse em aderir aoPacto Empresarial da Soja. Acompanhia não respondeu aos ques-tionamentos.

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Povosindígenas

ameaçadosA fronteira agrícola chega

às portas do Parque doXingu e de outras terraspertencentes aos índios,

poluindo as águas dos riose ameaçando sua

subsistência.

Mulheres do Xingu realizam ritual no Festival Indígena de Bertioga (SP)

FOTO TATIANA CARDEAL

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O agravamento do efeito estufae as conseqüências climáticas maisóbvias relacionadas à supressão dasmatas não são as únicas preocupa-ções que remetem ao avanço da soja.Em áreas de expansão da fronteiraagrícola, povos indígenas, comunida-des tradicionais e assentados tam-bém acusam prejuízos advindos darecente convivência com o grão. OParque Indígena do Xingu – localiza-do no Nordeste do Mato Grosso,onde moram cerca de cinco mil índi-os de 14 etnias – é um exemplo.

Dos 19 municípios apontadospelo governo federal como principaisfocos de desmate naquele estado,seis se localizam em áreas parcial-mente integradas à área de proteção.No entorno sul do parque, a culturasojeira é a principal atividade econô-mica. O impacto hidrológico causa-do pela atividade é uma das princi-pais preocupações dos índios xingua-nos. A demarcação, ocorrida em1961, deixou de fora as nascentes dosprincipais afluentes do rio Xingu. É nacalha deste rio e de seus formadoresque a maior parte das aldeias estáassentada.

Devido ao corte da mata ciliar,que barra o depósito de sedimentostrazidos pela chuva, o assoreamentodesses afluentes é hoje um proble-ma evidente. Como a cultura sojeirademanda intensa utilização de agro-tóxicos, cresceu a apreensão quantoà contaminação das águas que che-gam ao território indígena, uma situa-ção ainda carente de estudos conclu-sivos. Rios mais escuros, episódiosde mortandade de peixes e dificulda-

des crescentes para a pesca são al-guns dos efeitos sentidos pelos índi-os. O peixe é alimento imprescindívelpara a dieta das populações dentrodo Parque.

Campanha de proteção

A seriedade das ameaças impul-sionou a criação de uma articulaçãoentre diversos setores para protegero rio Xingu e suas cabeceiras. Exe-cutada por ambientalistas, agentesmunicipais, produtores, indígenas eassentados, entre outros, a Campa-nha Y Ikatu Xingu desenvolve, desdeoutubro de 2004, ações que incluemparcerias pioneiras com fazendeirosde soja para a recuperação das ma-tas ciliares dentro de suas proprieda-des. A difusão de práticas agrícolasmenos danosas ao meio – como, porexemplo, o plantio direto, que diminuia erosão do solo – é outro dos objeti-vos da campanha. Apoiador da inicia-tiva, o Grupo André Maggi é o únicoparticipante entre as grandes empre-sas do chamado Complexo Soja.

Na Terra Indígena Pimentel Bar-bosa, distante 100 km do Parque In-dígena do Xingu – área de transiçãodo cerrado para a floresta amazôni-ca, onde vivem cerca de dois mil índi-os xavantes –, a situação da fauna éuma das principais preocupações. Osxavantes são caçadores e, devido àdiminuição das matas nativas, cres-ceu nos anos 1990 uma percepçãode rareamento das espécies de mai-or porte. Além de base protéica da ali-mentação, a carne de espécies comoqueixada, veado e tamanduá é com-

ponente central de cerimônias ineren-tes à cultura do povo, incluindo as ce-lebrações de casamentos.

Novas fronteiras

Para além das terras mato-gros-senses, outras regiões fronteiriças –ou internas – ao bioma amazônicotambém fazem parte da rota atual deocupação do grão. No Tocantins, du-rante a safra de 2006/2007, plantou-se soja em 12 municípios total ou par-cialmente inseridos no bioma amazô-nico, englobando um perímetro decerca de 32,5 mil hectares – que cor-respondem a 0,15% da lavoura nacio-nal do grão. Já nos campos de Rora-ima, iniciou-se, em 2004, projetos ain-da incipientes de produção sojeira.Em municípios paraenses próximosao Mato Grosso, como Redenção eSantana do Araguaia, o grão tambémjá está presente.

Cortado pela BR-364, rota de es-coamento da soja de através do rioMadeira, em Porto Velho (RO), Ron-dônia viu crescer em dez vezes suaprodução de soja nos últimos dezanos, atingindo 90 mil hectares plan-tados em 2007 – maior área, segun-do o IBGE, entre os estados do Nor-te. Do rio a soja chega a estruturasportuárias no Amazonas, de onde vaipara o Oceano Atlântico. Esta mesmarota impulsiona a presença incipientedo grão em alguns municípios no Sulamazonense. Há locais onde inclusivejá surgem queixas de comunidades in-dígenas relativas à suposta contamina-ção de igarapés por agrotóxicos.

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Nos últimos anos o governo brasileiro e o setor finan-ceiro vêm criando mecanismos para conter a devasta-ção acelerada pela expansão da fronteira agrícola. Nocaso da Amazônia, algumas providências foram tomadasmais recentemente. Uma das mais relevantes se deu emfevereiro de 2008, quando o Banco Central, por meio doConselho Monetário Nacional, baixou a Resolução 3.545,fechando o cerco aos produtores em situação irregularem municípios do bioma amazônico.

De acordo com a medida, em vigor desde 1° de julhodo ano passado, quem quiser recursos de instituiçõesfinanceiras públicas ou privadas para custear a produçãoprecisa apresentar documentos que comprovem aregularidade do registro fundiário da propriedade e aslicenças ambientais autorizando a exploração. Se o pro-dutor já tiver conseguido o crédito, a liberação do finan-ciamento pode até ser suspensa em definitivo, caso ocorrao embargo da área sem que as pendências ambientaissejam sanadas em até 12 meses.

A determinação, concebida por influência direta dopresidente Luiz Inácio Lula da Silva, tenta apagar umfogo que o próprio governo ajudou a acender. A relaçãoentre dinheiro público e desmatamento aparece nitida-mente em instrumentos como o Fundo Constitucional deFinanciamento da Região Norte (FNO), do qual o Bancoda Amazônia (Basa) é gestor.

Pecuária sem controleUm estudo feito pelo Instituto do Homem e Meio Am-

biente da Amazônia (Imazon) sobre o setor da pecuáriabovina de corte mostra que produtores desse segmento –reconhecidamente, os que mais contribuem para a devas-tação da floresta – foram contemplados com R$ 1,89 bi-lhão do FNO, desde o início da gestão de Lula até 2007.

Não há um sistema adequado de controle. Levando emconta o acelerado ritmo de abertura de novas pastagens naregião Norte, fica difícil acreditar que todos os pecuaristasda região sigam à risca o que reza a legislação.

A Resolução 3.545 descontentou expoentes políticosdo agronegócio como Blairo Maggi, governador de MatoGrosso. O mandatário, que é também grande produtor desoja, chegou a afirmar em reunião do 1° Fórum de Go-vernadores da Amazônia Legal, realizada em junho de2008, que a restrição de crédito por irregularidadeambiental atingiria 45% da área agrícola e 42% da produ-ção de seu estado – evidenciando o grau de irregularida-de do setor. Com dois meses e meio de vigência da reso-lução, os financiamentos públicos concedidos pelo Basae pelo Banco do Brasil despencaram até 15%. Por outrolado, a procura de produtores para regularizar a situação

FINANCIAMENTOInvestimento

Desde os tempos da ditadura militar,quando o processo de colonização e de

“integração” da Amazônia ganhou fôlego,generosos financiamentos de instituições

públicas e privadas vêm bancando odesenvolvimento de atividades produtivasna floresta. Essa injeção de recursos não

tem levado em conta os impactossocioambientais dos empreendimentos. Na

área percorrida pela reportagem, algunsexemplos evidenciam elos preocupantesentre o setor financeiro e a atividade de

grandes grupos empresariais cujasatividades geram grandes impactos

socioambientais.

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Escolaridade - Anos de Estudo- Brasil

fundiária de suas terras aumentou em 60%, de acordocom o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

O condicionamento do crédito a exigências de susten-tabilidade é relativamente recente. Um dos marcos paraa consolidação desse debate se deu quando a Internatio-nal Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Ban-co Mundial, e o holandês ABN Amro promoveram umencontro internacional em outubro de 2002. Executivosde importantes bancos debateram os fatores que deveri-am ser levados em conta para garantir o financiamentode atividades produtivas mais responsáveis dos pontos devista social e ambiental.

Princípios do EquadorO encontro deu origem, em 2003, aos chamados Prin-

cípios do Equador – que tratam basicamente da proteçãoà biodiversidade e à diversidade étnica e cultural, do res-peito aos direitos de populações indígenas e do combateà exploração criminosa de mão-de-obra e ao trabalho in-fantil. Também prevêem medidas de incentivo ao uso ra-cional de recursos naturais e ao uso de fontes renováveisde energia.

Quatro empresas brasileiras – Banco do Brasil, Bra-desco, Itaú e Unibanco – são signatárias dos Princípiosdo Equador. De acordo com a Federação Brasileira deBancos (Febraban), que congrega as 29 maiores empre-sas públicas e privadas do setor, a preocupação com essetema é partilhada por mais associados. A própria entida-de já tomou iniciativas nesse sentido.

Em dezembro de 2005, por exemplo, o presidente daFebraban assinou uma declaração de intenções recomen-dando aos associados a restrição de crédito àqueles quefigurassem na “lista suja” do trabalho escravo, cadastrooficial do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que

torna públicos os nomes dos produtores flagrados na prá-tica desse crime. Segundo o último Relatório Social daorganização, que teve 2007 como ano base, “65,4% de 26instituições consideram aspectos socioambientais para aconcessão de créditos, privilegiando projetos que promo-vam o desenvolvimento sustentável”.

Desde dezembro de 2003, os gestores dos FundosConstitucionais de Financiamento nas regiões Norte, Nor-deste e Centro-Oeste não emprestam para empregado-res relacionados na “lista suja”. Em seguida, os bancospúblicos federais passaram a verificar essa relação antesde conceder qualquer modalidade de crédito ou financia-mento. Alguns bancos privados também incorporaram aprática e não emprestam para quem foi flagrado explo-rando mão-de-obra escrava.

A ferramenta tem sido muito útil para evitar que em-presários criminosos continuem obtendo apoio para pro-duzir e escoar sua produção. Permanecer sem apoio fi-nanceiro para a produção durante dois anos – prazo míni-mo de permanência no cadastro – pode inviabilizar em-preendimentos, dependendo do seu nível de capitalizaçãoe da sua capacidade de buscar recursos através de tra-dings ou da própria indústria.

Em agosto de 2008, outro acontecimento mostrou ocrescimento da importância desse assunto na agenda dosetor financeiro brasileiro. Cinco bancos federais assina-ram um “Protocolo Verde”, em cerimônia que contou coma presença do presidente e de oito ministros na sede doBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Soci-al (BNDES), em Brasília. Pelo documento, eles se com-prometem a levar em consideração os impactos de cus-tos socioambientais nas análises de risco de clientes e deprojetos de investimentos.

Apesar de largar na frente na discussão e adoção decritérios ecologicamente corretos, a ação da IFC já foi alvode ponderações críticas do próprio Banco Mundial. Divulga-do em julho de 2008, um relatório interno do Bird destacouque a supervisão da ação ambiental corretiva nos projetosfinanciados pela IFC na Amazônia é “inadequada e requermonitoramento independente”. O documento alerta para anecessidade de avaliar aspectos mais amplos do desmata-mento na região amazônica para o apoio de projetos.

Produção de sojaEm 2004 a Amaggi – braço no setor graneleiro do

Grupo André Maggi, da família do governador do MatoGrosso – recebeu US$ 30 milhões da IFC para a constru-ção de silos e pré-financiamento de fornecedores. Ape-sar de reconhecer os esforços da empresa para melhorarseus processos de monitoramento e mitigação, seja em

de risco

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suas fazendas de soja, seja em áreasde terceiros, o relatório observa que40% das compras da Amaggi não sãoobjeto de qualquer controle. Tal cons-tatação suscita cuidados, uma vez quea trading é signatária do Pacto Naci-onal pela Erradicação do Trabalho Es-cravo e está presente em regiõescom propriedades sojicultoras embar-gadas pelo Ibama.

Algumas empresas signatárias doPacto Nacional, entre elas a Amaggi,vêm buscando estender as restriçõescomerciais também aos escravagis-tas que obtiveram liminares na Justi-ça para sair da “lista suja” – conce-didas, via de regra, em ações quecontestam a legalidade do cadastroem si. A dificuldade para monitora-mento, no entanto, oferece brechasque permitem a continuidade do es-coamento da produção de áreas fla-gradas com trabalho escravo.

Exemplo é o caso de Valmor daCunha, proprietário da fazenda Flo-resta, que entrou na “lista suja” emjulho de 2006 e obteve uma liminarna justiça pouco tempo depois. AComissão Pastoral da Terra (CPT)denunciou inclusive que um trabalha-dor havia sido ameaçado de morte naárea. Em julho de 2008, a Amaggiadquiriu soja desse produtor, prova-velmente por não ter conhecimentode que ele está excluído da relaçãopor liminar. Durante o II Semináriodo Pacto Nacional pela Erradicaçãodo Trabalho Escravo, realizado emmarço deste ano em São Paulo, aempresa afirmou que conseguiu ze-rar o número de fornecedores presen-tes na "lista suja" em 2009.

A IFC também já foi criticada emdecorrência da liberação de recursospara a cadeia bovina no bioma ama-zônico. Em março do ano passado, 33entidades de defesa do meio ambiente– como Greenpeace e WWF – ques-tionaram um empréstimo de US$ 90milhões que a instituição vinculada aoBird liberou para o grupo Bertin, umdos maiores frigoríficos do Brasil. O

dinheiro está sendo aplicado na ampli-ação da capacidade da empresa deprocessamento de carne e couro debovinos na Amazônia. Na avaliaçãodos ativistas, que enviaram enviar umacarta à direção do IFC contestando onegócio, o crescimento da atividade doBertin na região poderia agravar ain-da mais problemas como desmata-mento, grilagem de terras e utilizaçãode mão-de-obra escrava.

Em entrevista à Repórter Brasil, oIFC rebateu as críticas dizendo que ascláusulas previstas para a liberação dodinheiro ajudariam o grupo a melhoraro padrão de seus fornecedores. Bertintambém conseguiu apoio financeiro doBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES). Entresetembro de 2007 e agosto deste ano,o frigorífico encabeçou a lista das prin-cipais contratações do principal bancoestatal de fomento. O grupo tem à suadisposição R$ 2,5 bilhões para consoli-dar seu plano de internacionalização eampliar a capacidade de suas fábricas.

Outros dois gigantes do segmentode processamento de carne bovina, ecom presença marcante na Amazônia,também foram contemplados por finan-ciamentos do BNDES, no mesmo pe-ríodo. O JBS-Friboi, maior frigorífico domundo em capacidade de abate, e oMarfrig, que abriu seu capital no anopassado na Bolsa de Valores de SãoPaulo, aparecem respectivamente nasegunda e terceira posições, deixandoclaro o avanço do segmento da pecuá-ria de corte no Brasil, que vem cres-cendo principalmente no Norte do país.Vale lembrar que, de acordo com a pes-quisa de cadeia produtiva da pecuáriabovina, ambas as empresas mantive-ram relações comerciais com proprie-dades que apresentaram problemas.

Na ponta,as motosserras

A injeção desses recursos públi-cos não é bem vista pelos ambienta-

listas. “Fundamental é evitar que ocrédito continue fomentando a devas-tação”, afirmaram Roberto Smeraldie Fábio Feldmann, da diretoria daONG Amigos da Terra, em artigopublicado em fevereiro de 2008 naFolha de S. Paulo: “A tarefa principalé condicionar o financiamento à ca-deia, não só ao produtor. Se o BN-DES ou o Banco Mundial continua-rem a subsidiar obras de infraestru-tura que estimulam a grilagem ou aampliação da capacidade dos frigorí-ficos, sempre haverá alguém na pon-ta com uma motosserra”.

Outro projeto polêmico que contacom financiamento do BNDES é aexploração das jazidas de níquel, lo-calizadas em três municípios do Suldo Pará, pela Mineradora Onça Puma– subsidiária da Vale. Em abril de2007, o banco de fomento concedeuo maior limite de crédito rotativo detoda a sua história para a Vale. Omontante chegou a R$ 7,3 bilhões.Mas o dinheiro não será aplicado in-tegralmente na extração do níquel, quedeve começar já no primeiro semes-tre de 2009, consumindo um investi-mento total de cerca de U$S 2,3 bi-lhões. O projeto Onça Puma integrauma lista com outros 17 empreendi-mentos da mineradora que têm am-paro do BNDES.

Desde julho de 2008, a Vale travauma briga na Justiça com o InstitutoNacional de Colonização e ReformaAgrária (Incra) por conta do projetoOnça Puma. A Procuradoria do órgãofederal entrou com uma ação solici-tando a suspensão das atividades damineradora, acusada de comprar ile-galmente, entre 2003 e 2007, lotes emassentamentos próximos da jazida deníquel. Alguns dos moradores quevenderam as terras alegam que foramcoagidos a aceitar a oferta da empre-sa. O problema é que a Vale deveriater feito a negociação diretamentecom o Incra, pois as áreas pertencemà União e não aos assentados, quetêm apenas uma espécie de direito de

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uso da área.No documento de defesa entre-

gue à Justiça Federal no Pará, a em-presa reconhece que não possuíaautorização formal para a comprados lotes. Porém, alega que se ba-seou numa expectativa de direito, jáque o órgão federal tinha conheci-mento das transações, e que estavaapenas adiantando o processo dedesocupação da área de seu inte-resse, antecipando-se à burocraciado Incra. A Vale obteve vitória emprimeira instância, mas a Procura-doria do órgão federal recorreu e ocaso agora segue para Brasília.

Financiamentoa infratores

Há casos também de financiamentodireto ao infrator. Em outubro de 2004,o produtor Elton Renato HollenbachZimpel obteve recursos do FinameAgrícola – programa para a aquisiçãode máquinas e equipamentos do BN-DES. Em parceria com familiares deNova Ubiratã (MT), ele adquiriu trêscolheitadeiras avaliadas em R$ 1,4 mi-lhão. No ano seguinte, foi multado pordesmatar floresta nativa na fazendaVó Ruth e, em 2006, sofreu nova au-tuação por destruir área de preserva-ção. A área de 1,4 mil hectares foi em-bargada pelo Ibama. Para completaro quadro, um mês após receber recur-sos do BNDES, Zimpel foi fiscalizadopelo grupo móvel do Ministério do Tra-balho e Emprego (MTE), numa açãoque resgatou 13 trabalhadores em con-dições degradantes e gerou indeniza-ções trabalhistas de R$ 25 mil.

O Banco do Brasil financiou, noinício da década, a compra de 360matizes e dez reprodutores bovinosem favor do pecuarista Eder Poli-tano, criador em Peixoto de Azeve-do (MT). Anos depois, em 2008, elefoi autuado por desmatar floresta einstalar empreendimento agropasto-

ril sem autorização ambiental emMarcelândia (MT), município vizi-nho. Os recursos para a aquisiçãodos animais vieram do Fundo Cons-titucional de Financiamento do Cen-tro-Oeste (FCO), administrado peloMinistério da Integração Nacional(MIN).

Os impactos sociais e ambientaisque podem ser gerados por obras deinfraestrutura de grande porte moti-varam a articulação de 20 organiza-ções sociais, reunidas na chamadaPlataforma BNDES. Em setembro de2008, essas organizações enviaramuma carta ao principal banco de fo-mento do país, solicitando a não apro-vação dos pedidos de financiamentode hidrelétricas. Esses projetos se en-contram em fase de análise pela ins-tituição e chegam à casa dos R$ 14bilhões. As entidades também cha-mam a atenção para o fato de queexistem pelo menos quatro AçõesCivis Públicas que questionam a sus-tentabilidade dos empreendimentos. Ageração de energia elétrica na Ama-zônia conta com aporte de instituiçõesfinanceiras públicas e privadas.

Outro problema em discussãoé o das pequenas centrais hidre-létricas (PCHs). A Secretaria Es-tadual de Meio Ambiente de MatoGrosso tem concedido licençaspara operação das usinas, mas hápopulações tradicionais que ques-tionam a sua instalação. Em feve-reiro de 2008, por exemplo, entrouem operação a usina ParanatingaII, a primeira PCH da cabeceirado rio Xingu. O projeto chegou aser paralisado por ação do Minis-tério Público Federal, que contes-ta as bases do licenciamento am-biental da obra. A usina é contro-lada pela Atiaia Energia, que con-ta com o apoio financeiro de Uni-banco, Santander, Banco Real eBradesco por meio de linhas decrédito rotativo no valor total deaproximadamente R$ 50 milhões.

Além de poluição e de prejuízosà flora, indígenas temem que a cons-trução de barragens afete o ciclo devida dos peixes, base alimentar lo-cal. A usina possui um sistema decanais para viabilizar a migraçãodos cardumes na época da pirace-ma, o que não remove a apreensãodos ambientalistas. A Atiaia Ener-gia, por sua vez, afirma que cuida-dos com o meio ambiente são prio-ritários desde o início do empreen-dimento e que a reprodução de pei-xes não será prejudicada.

Manifesto de investidoresDurante o 2º Seminário do Pac-

to Nacional pela Erradicação doTrabalho Escravo, realizado emSão Paulo no dia 18 de março, foilançado um manifesto público deinvestidores nacionais e internaci-onais, por meio do Fórum Latino-Americano de Finanças Sustentá-veis (Lasff), sobre os riscos do en-volvimento direto e indireto de em-presas na exploração de mão-de-obra escrava.

O conglomerado pede que em-presas de capital aberto se posicio-nem sobre atitudes pró-ativas rela-cionadas à erradicação do trabalhoescravo nas suas operações e emsua cadeia produtiva. O Lassf – ini-ciativa do Centro de Estudos emSustentabilidade da Fundação Ge-túlio Vargas de São Paulo (GVCes)e do International Finance Corpo-ration (IFC), braço privado do Ban-co Mundial (Bird) – recomenda ain-da o suporte ao Pacto Nacional deErradicação do Trabalho Escravo –por meio da adesão ao mesmo e doincentivo à adesão de seus forne-cedores – e a adoção de formas demonitoramento do possível aprovei-tamento criminoso de trabalho es-cravo no ciclo produtivo da própriaempresa ou em alguma das etapasde suas cadeias produtivas.

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No dia 18 de março o IOS lançou oficial-mente o site e a Plataforma de Monitoramentodo Pacto Nacional pela Erradicação do TrabalhoEscravo. O lançamento aconteceu durante o 2ºSeminário Nacional do Comitê de Monitoramen-to, em São Paulo, realizado em parceria com OIT,Instituto Ethos e Repórter Brasil. O objetivo daPlataforma é registrar e tornar públicas as inici-ativas realizadas em todo o país contra a escra-vidão de trabalhadores.

"Já atuamos na pesquisa de sensibilizaçãode 50% das instituições signatárias do Pacto em2007, a convite da OIT”, disse a pesquisadora doIOS e coordenadora do projeto de monitoramen-to, Ana Yara Paulino: “Com a plataforma, preten-demos dar ainda mais visibilidade às iniciativasque têm ajudado o Brasil a avançar e virar a pági-na de um crime inafiançável”. Desde a concep-ção do projeto, o IOS buscou desenvolver umaferramenta que reforçasse a autodeclaração das

Monitoramento do trabalho escravo

empresas signatárias e que integrasse a socie-dade civil. “Quando a entidade assina o Pacto,assume um compromisso internacional contra otrabalho escravo”, reforçou. “É fundamental quetenha consciência disso e que favoreça a trocade informações sobre as ações desenvolvidas".

A diretora nacional do projeto de combateao trabalho escravo da Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT), Andréa Balzon, ressaltoua importância do comprometimento público e daunião de empresas e organizações da socieda-de na luta contra o trabalho escravo.

De acordo com a diretora, o Pacto Nacio-nal pela Erradicação do Trabalho Escravo con-centra empresas responsáveis por 20% do PIBbrasileiro, dado que reforça ainda mais a im-portância do comprometimento e que tornamo Brasil um país exemplar para a OIT. Paraconhecer o site e ter acesso à Plataforma, aces-se www.os.org.br/pacto.

A reportagem Tradição dizimada, publicada na edição 14 de ObservatórioSocial Em Revista, foi premiada na 25ª edição do Prêmio Direitos Humanos deJornalismo. Paola Bello e Tatiana Cardeal contam o drama vivido em Sergipe pelasmulheres catadoras de mangabas, cuja atividade está ameaçada. Tradição dizi-mada foi uma das vencedoras da categoria “Premiação Especial”, criada paramarcar o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo é promovido pelo Movimento deJustiça e Direitos Humanos (MJDH), Ordem dos Advogados do Brasil, seccional doRio Grande do Sul (OAB/RS) e Secretaria Regional Latino-Americana da UniãoInternacional dos Trabalhadores na Alimentação, Agricultura e Afins (UITA), comapoio da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio Gran-de do Sul (Arfoc/RS) e da Arfoc/Brasil.

Prêmio de Direitos Humanos

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Nos dias 11, 12 e 13 demarço, o Instituto ObservatórioSocial participou do 1º EncontroLatino-Americano de Trabalha-dores no Grupo AkzoNobel. Oevento acontece em São Paulo(SP) e envolve representantessindicais e trabalhadores queatuam no grupo no Brasil e naArgentina. O principal objetivo doevento foi a troca de informaçõesentre trabalhadores de diferen-tes unidades, a divulgação depráticas sindicais e a consolida-ção da rede como ferramentados trabalhadores para o diálo-

Em janeiro o ObservatórioSocial publicou dois novos es-tudos. Lançado durante o FórumSocial Mundial, A Cadeia Produ-tiva de Alumínio na Região Nor-te do Brasil envolveu as quatromaiores empresas do setor nopaís e os sindicatos a elas liga-dos. Entre os objetivos está aavaliação das práticas das em-presas quanto aos direitos eprincípios fundamentais no tra-balho, conforme definidos pelaOIT. A publicação, em portuguêse ingl6es, é resultado pesquisasrealizadas pelo IOS entre outu-bro de 2006 e outubro de 2007nas empresas Albrás, Alunortee MRN e o Projeto Juriti, locali-zados no Pará, e a empresa Alu-mar, situada no Maranhão.

Comportamento sócio-

Rede de Trabalhadores na AkzoNobel

recomendações às empresaspara que cumpram plenamentecom suas responsabilidadessociais e trabalhistas. A publica-ção também serve como um in-sumo para as organizações sin-dicais, tanto dos países de ori-gem das empresas como dasfiliais latino-americanas dessasmultinacionais. Traz informa-ções qualificadas que podemservir de subsídios para proces-sos de diálogo social, campa-nhas de denúncia e demandasjudiciais. A longo prazo, os estu-dos também pretendem auxiliarna melhoria das condições detrabalho nos países onde atuamessas empresas. Estas e outraspublicações podem ser baixa-das no site do IOS ou solicita-das gratuitamente.

Novos estudos do IOStrabalhista das empresas BBVA,Telefônica e Unilever na Améri-ca Latina é um apanhado de ar-tigos e estudos realizados em2006 e 2007 através da RedeLatino-americana de Pesqui-sas em Empresas Multinacio-nais (RedLat), com apoio e fi-nanciamento da central sindicalholandesa FNV. A publicaçãobilíngue (português e espanhol)mostra a realidade das empre-sas na Argentina, Brasil, Chile,Colômbia, México, Peru e Uru-guai. Tem como objetivo ofere-cer não só um olhar sobre aspráticas das empresas em cadapaís, como também uma análi-se comparativa que mostra ospontos comuns e divergentesnestas práticas.

Destaca-se um quadro de

pliação do grupo”, disse. “O forta-lecimento da rede e o reconheci-mento alcançado aconteceramatravés do esforço dos próprios tra-balhadores – é o que buscamosna América Latina”.

O comportamento da Akzo-Nobel frente aos seus emprega-dos em diferentes unidades noBrasil foi o tema apresentadopelas pesquisadoras Ana YaraPaulino e Leila Zidan. Realizadapelo IOS em 2006 e 2007, a pes-quisa fez parte da terceira fasedo projeto Monitor de Empresas,apoiado pela central sindical ho-landesa FNV. Foram identifica-dos como desafios: maior repre-sentação sindical nas unidades,equiparação salarial e de bene-fícios, redução de terceirizaçãoe eliminação de práticas intimi-datórias pela empresa. Tambémfoi apontada a necessidade demaior abertura para o diálogosocial e para as ações de res-ponsabilidade social. O IOS irárealizar até o final deste ano ofi-cinas nas unidades de SantoAndré (SP), Mauá (SP), e SãoGonçalo (RJ) e Recife.

go social. As organizações detrabalhadores na Europa, na Ar-gentina e no México tambémparticiparam das discussões.

Para Sergio Carasso, coor-denador do Comitê Sindical de Tra-balhadores na AkzoNobel , o en-contro é o começo da inserção dasredes existentes na América Lati-na na rede global do grupo, atual-mente mais fortalecida na Europa,uma vez que a empresa tem sedena Holanda. "Na Europa temoshoje a participação massiva econstante dos trabalhadores emquestões como demissões e am-

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Encontro sobre UnileverEm novembro, o Observatório Social

participou em Montevidéu de uma oficinainternacional de divulgação de informaçõesrelacionadas à empresa Unilever. O eventofoi promovido pelo Instituto Cuesta Duarte,ligado à central uruguaia PIT-CNT, e fezparte das ações apoiadas pela FNV nopaís. Representado pela pesquisadora Li-lian Arruda, o Observatório Social apresen-tou as metodologias utilizadas em suaspesquisas ligadas à multinacional. Foram

Oficina de papel e celuloseEntre 30 de março e 1º de abril, o Instituto Observatório Social participou da Oficina de Planeja-mento do Setor de Papel e Celulose da América do Sul. Realizada pela Federação Internacionalde Sindicatos da Química, Energia, Minas eIndústrias Diversas (ICEM) e apoiada peloCentro de Solidariedade Sindical da Finlân-dia (SASK), a oficina visou desenvolver umprojeto e definir ações integradas pela me-lhoria nas condições trabalhistas nos qua-tro principais países produtores de papel ecelulose da América Latina – Brasil, Argenti-na, Chile e Uruguai.

O projeto será a base para as açõesque serão desenvolvidas pelo setor nos pró-ximos três anos. Idealizado pelo ICEM, serácusteado pela SASK. Como forma de apoiar a iniciativa, o Observatório Social ofereceu subsídi-os para o diagnóstico do setor nos quatro países. Apresentada no evento pela pesquisadoraDaniela Sampaio, a pesquisa Panorama Econômico e Sindical do Setor de Papel e Celulosenos Países do Cone Sul apontou a dimensão do setor na região, a importância econômica quepossui e a forma como está estruturado sindicalmente nos quatro países. Também impulsio-nou o levantamento de problemas trabalhistas.

Fazem parte do projeto alguns temas prioritários para atuação conjunta dos sindicatos,como comunicação (entre sindicatos e externa), banco de dados com informações sobre acor-dos coletivos, criação de redes sindicais em multinacionais presentes nos países e unificaçãodata-base. Também foi levantada a possibilidade de o Observatório Social realizar pesquisasem algumas multinacionais de maior importância. Em dezembro de 2008, o IOS também parti-cipou de uma apresentação similar, na conferência internacional do setor de papel e celuloserealizada na cidade de Piriápolis, no Uruguai.

debatidas pesquisas por fontes secundá-r ias, of icinas sindicais, pesquisas poramostragem com trabalhadores e os rela-tórios oriundos dessas pesquisas: perfil deempresa, mapa sociotrabalhista e relató-rio sociotrabalhista. Observatório Social,Observatório Laboral do Chile e Plades, doPeru, trocaram informações sobre pesqui-sas envolvendo trabalhadores da Colôm-bia, Peru, Uruguai, Equador, Chile, Brasil,Argentina e México.

Em novembro de 2008, o Observatório So-cial participou em Johannesburg de um encon-tro de pesquisa sobre empresas multinacionaisalemãs atuantes na África do Sul. Entre os obje-tivos estiveram a avaliação dos projetos em an-damento, a identificação de desafios e priorida-des sobre o assunto para 2009, o debate sobrea metodologia utilizada – que alia educação eação sindical – e a discussão de possíveis for-mas de cooperação entre os participantes. Tam-

bém estiveram presentes pesquisadores da Áfri-ca do Sul e do Vietnã, dirigentes sindicais dosramos químico e metalúrgico e da DGB Bildun-gswerk, financiadora do projeto. O Observatóriofez apresentações sobre o panorama socioeco-nômico e sindical brasileiro e sobre a metodolo-gia das pesquisas realizadas. Também condu-ziu discussões sobre dificuldades práticas noandamento dos projetos de pesquisa, com basena experiência em projetos similares.

Empresas alemãs na África do Sul

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NOTA

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Fórum Social Mundial de 2009

Seminário sobre ISO 26000

Nos dias 2 e 3 de março, em SãoPaulo, representantes do IOS, do Departa-mento Intersindical de Estatística e Estu-dos Socioeconômicos (Dieese) e da CUT-Brasil participaram do seminário sobre aISO 26000. A norma internacional é dedica-da à Responsabilidade Social e está emfase decisiva – os 80 países que partici-pam de sua construção realizam as últi-mas modificações no texto que a define. Oprocesso de construção da norma foi inici-ado em 2002 e deve ser encerrado em2010. Assim que for aprovado o texto final,a norma poderá ser adotada por qualquerorganização da sociedade.

Mais de 140 participantes de todas

O Instituto Observatório Social participou do Fórum Social Mundial 2009,que reuniu, entre 27 de janeiro e 1º de fevereiro em Belém do Pará, mais de 133mil participantes de 142 países. Ao todo, foram cinco atividades realizadas peloIOS. Direitos dos trabalhadores do Pará, trabalho escravo, impactos de investi-mentos chineses na América Latina, impactos de multinacionais no meio ambi-ente e cadeia produtiva do alumínio compuseram as pautas dos painéis, poronde passaram mais de 320 pessoas. A cobertura completa da participação doIOS no evento pode ser conferida em www.os.org.br.

as categorias envolvidas na construção danorma, como trabalhadores, indústria,ONGs, governo, consumidores e academia/consultores, estiveram presentes no even-to. No documento, as questões relativasaos Direitos Humanos e Práticas Trabalhis-tas cobrem todas as conquistas e conven-ções consagradas pelos trabalhadores,presentes nas Declarações dos DireitosHumanos e Convenções da OrganizaçãoInternacional do Trabalho. Em maio, naConferência Internacional do Grupo de Tra-balho em Quebec (Canadá), os represen-tantes das categorias envolvidas e dos ór-gãos normalizadores em todos os paísesapresentaram seus votos.