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24-05-2019 D ocente numa Esco- la Profissional Agrí- cola e residente em Vila Nova de Fama- licão, Ana Rute Marceli- no é a candidata de Braga que integra a lista do Blo- co de Esquerda ao Parla- mento Europeu. Afirma que a aplicação de fun- dos comunitários no país não tem diminuído as as- simetrias regionais e que o projeto Europeu tem que responder às neces- sidades das pessoas sob pena de falhar. Diário do Minho (DM) – Muito recentemente, al- guns eurodeputados, con- cretamente dos partidos de esquerda, afirmaram Entrevista Ana Rute Marcelino É preciso dar resposta às necessidades das pessoas, caso contrário o projeto europeu falha. É preciso ir mais além na habitação, saúde, educação e segurança social. Fundos não têm contribuído para diminuir assimetrias regionais que o vencimento pago pelo Parlamento Euro- peu é «imoral», quando comparado com os or- denados de um país que paga 600 euros de orde- nado mínimo. Revê-se nessas críticas? Ana Rute Marcelino (ARM) – Sim, inclusiva- mente, em anos anterio- res, o Bloco de Esquerda apresentou propostas de revisão dos salários e ou- tros benefícios dos euro- deputados. Apesar da pro- posta não ter sido aceite pela maioria das forças políticas, temos a regra do não enriquecimento na ocupação de cargos públi- cos. Isto é, atualmente, a eurodeputada Marisa Ma- tias fica apenas com uma parte do salário, o equi- valente ao que ganhava enquanto investigadora, acrescido de uma peque- na parcela corresponden- te à diferença de poder de compra, que é mais eleva- do em Bruxelas que em Portugal. O restante é doa- do ao partido ou utilizado para apoiar iniciativas da sociedade que vão de en- contro ao projeto político do partido. Além disso, o gabinete da eurodeputa- da também não utiliza a totalidade da verba dispo- nível, devolvendo o mon- tante que não é gasto ao Parlamento Europeu. Relativamente à compara- ção com o salário mínimo português, esta associação é falaciosa, quando com- parada com a média de salários na Europa. Assim, considero que também seria imoral os eurode- putados serem pagos em função do país de origem. DM – Os fundos comu- nitários têm sido apre- sentados como um dos mecanismos de comba- ter assimetrias entre paí- ses e regiões da Europa. Mas o facto de Portugal não ter regionalização faz com que a distribuição dos dinheiros europeus seja feita centralmente. Não era tempo de se criarem as regiões, para se acabar com a injustiça de numa mesma Euroregião existi- rem municípios que rece- bem quatro vezes mais que outros, como acontece no Norte de Portugal-Galiza? ARM – Em Portugal, há um problema fundamen- tal que está relacionado com a aplicação dos fun- dos comunitários. O país recebe esses fundos por ter regiões de baixa den- sidade e com fraco desen- volvimento, como Trás- -os-Montes, Alentejo e Algarve, mas aplica-os maioritariamente no li- toral e nas áreas metropo- litanas. Portanto, o prin- cipal objetivo dos fundos, que era diminuir as as- simetrias regionais, não tem sido atingido. Exigin- do-se, assim, que os fun- dos fossem efetivamente aplicados para aquilo que são atribuídos. O Bloco de Esquerda de- fende a Regionalização, através de um processo de criação de estruturas eleitas democraticamente,

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Page 1: Entrevista - Universidade de Coimbra · 2019-06-12 · Diário do Minho (DM) Muito recentemente, al-guns eurodeputados, con-cretamente dos partidos de esquerda, afirmaram Entrevista

24-05-2019

Docente numa Esco-

la Profissional Agrí-

cola e residente em

Vila Nova de Fama-

licão, Ana Rute Marceli-

no é a candidata de Braga

que integra a lista do Blo-

co de Esquerda ao Parla-

mento Europeu. Afirma

que a aplicação de fun-

dos comunitários no país

não tem diminuído as as-

simetrias regionais e que

o projeto Europeu tem

que responder às neces-

sidades das pessoas sob

pena de falhar.

Diário do Minho (DM)

– Muito recentemente, al-

guns eurodeputados, con-

cretamente dos partidos

de esquerda, afirmaram

Entrevista Ana Rute Marcelino

É preciso dar resposta às necessidades das pessoas, caso contrário o projeto europeu falha.É preciso ir mais além na habitação, saúde, educação e segurança social.

Fundos não têm contribuído para diminuir assimetrias regionais

que o vencimento pago

pelo Parlamento Euro-

peu é «imoral», quando

comparado com os or-

denados de um país que

paga 600 euros de orde-

nado mínimo. Revê-se

nessas críticas?

Ana Rute Marcelino

(ARM) – Sim, inclusiva-

mente, em anos anterio-

res, o Bloco de Esquerda

apresentou propostas de

revisão dos salários e ou-

tros benefícios dos euro-

deputados. Apesar da pro-

posta não ter sido aceite

pela maioria das forças

políticas, temos a regra

do não enriquecimento na

ocupação de cargos públi-

cos. Isto é, atualmente, a

eurodeputada Marisa Ma-

tias fica apenas com uma

parte do salário, o equi-

valente ao que ganhava

enquanto investigadora,

acrescido de uma peque-

na parcela corresponden-

te à diferença de poder de

compra, que é mais eleva-

do em Bruxelas que em

Portugal. O restante é doa-

do ao partido ou utilizado

para apoiar iniciativas da

sociedade que vão de en-

contro ao projeto político

do partido. Além disso, o

gabinete da eurodeputa-

da também não utiliza a

totalidade da verba dispo-

nível, devolvendo o mon-

tante que não é gasto ao

Parlamento Europeu.

Relativamente à compara-

ção com o salário mínimo

português, esta associação

é falaciosa, quando com-

parada com a média de

salários na Europa. Assim,

considero que também

seria imoral os eurode-

putados serem pagos em

função do país de origem.

DM – Os fundos comu-

nitários têm sido apre-

sentados como um dos

mecanismos de comba-

ter assimetrias entre paí-

ses e regiões da Europa.

Mas o facto de Portugal

não ter regionalização faz

com que a distribuição dos

dinheiros europeus seja

feita centralmente. Não

era tempo de se criarem

as regiões, para se acabar

com a injustiça de numa

mesma Euroregião existi-

rem municípios que rece-

bem quatro vezes mais que

outros, como acontece no

Norte de Portugal-Galiza?

ARM – Em Portugal, há

um problema fundamen-

tal que está relacionado

com a aplicação dos fun-

dos comunitários. O país

recebe esses fundos por

ter regiões de baixa den-

sidade e com fraco desen-

volvimento, como Trás-

-os-Montes, Alentejo e

Algarve, mas aplica-os

maioritariamente no li-

toral e nas áreas metropo-

litanas. Portanto, o prin-

cipal objetivo dos fundos,

que era diminuir as as-

simetrias regionais, não

tem sido atingido. Exigin-

do-se, assim, que os fun-

dos fossem efetivamente

aplicados para aquilo que

são atribuídos.

O Bloco de Esquerda de-

fende a Regionalização,

através de um processo

de criação de estruturas

eleitas democraticamente,

Page 2: Entrevista - Universidade de Coimbra · 2019-06-12 · Diário do Minho (DM) Muito recentemente, al-guns eurodeputados, con-cretamente dos partidos de esquerda, afirmaram Entrevista

para que as pessoas das vá-

rias regiões possam deci-

dir sobre os seus destinos.

DM – Existe no eleitora-

do a ideia de que as gran-

des opções de governação

dos Estados-Membros são

condicionadas por um

pequeno núcleo de eu-

rocratas que não foram

sujeitos ao veridícto elei-

toral. Partilha da leitura

de que o “diretório fran-

co-alemão” é que decide

o destino dos europeus?

ARM – O único órgão elei-

to democraticamente é o

Parlamento Europeu, daí

a importância da parti-

cipação nestas eleições.

Os restantes órgãos, Co-

missão Europeia, Con-

selho Europeu e, ainda,

um que não faz parte dos

tratados mas tem muito

poder, o Eurogrupo, não

são sujeitos ao escrutí-

nio democrático, apre-

sentando um problema

de legitimidade. Acresce

que, atendendo à dimen-

são económica da Fran-

ça e Alemanha, exercem

pressão para que os seus

interesses sejam assegu-

rados, descurando os in-

teresses com países com

menor expressão demo-

gráfica e económica.

DM – Como vê a possibi-

lidade de um avanço pa-

ra o federalismo, com a

eleição de um Governo

Europeu?

ARM – Não somos favo-

ráveis a nenhuma solução

do tipo federalista, que

ponham em causa a so-

berania nacional dos paí-

ses. No nosso entender,

o caminho da integração

deve ser efetuado através

de um orçamento euro-

peu, que já existe, mas

que não está direcionado

para o que efetivamen-

te resolve os problemas

das pessoas. Enquanto as-

sistimos ao aumento de

verbas para a defesa, que

dinamizará economia do

armamento e guerra da

Alemanha e França, não

vemos qualquer medi-

da que combata a frau-

de, evasão e elisão fiscais.

Por isso, defendemos que

as verbas do orçamen-

to europeu perdidas pe-

la saída do Reino Unido

sejam compensadas pela

criação de uma taxa so-

bre os lucros das gigan-

tes tecnológicas e

que essas

ve r-

DR

Perfil

Ana Rute Marcelino tem 47 anos, é natural de Rio Maior e reside em Vila Nova de Famalicão. É licenciada em Geografia, tem Mestrado em Sociologia e uma pós-graduação em "Governação, Conhecimento e Inovação", na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É professora numa Escola Profissional Agrícola e particularmente empenhada nas causas da defesa do ambiente e dos direitos humanos. É também dirigente do Bloco de Esquerda.

bas sejam utilizadas pa-

ra a construção de um

Estado Social forte, que

responda às necessidades

das populações, como

saúde e escola pública,

gratuita e de qualidade.

DM – A União Europeia

encontra-se numa si-

tuação crítica: o

desafio do Bre-

xit, que ainda

ninguém

sabe ver-

dadeira-

mente o

que po-

de po-

derá causar; graves pro-

blemas estruturais em

algumas das principais

economias da Zona Eu-

ro; e a inexistência de líde-

res carismáticos e respei-

tados pelos eleitores dos

diferentes países. Consi-

dera que está em causa o

projeto europeu?

ARM – Sim, e a absten-

ção verificada nas elei-

ções europeias é um sinal

disso mesmo. Não é um

problema de lideranças,

mas de propostas políti-

cas. O processo do Brexit

foi mal conduzido desde

o início. A partir do mo-

mento que a Comissão

se alheou de toda a dis-

cussão, permitiu que os

eleitores ingleses deci-

dissem abandonar a UE.

Neste momento, é im-

portante é que a vonta-

de do povo seja respei-

tada e que seja feito um

acordo que salvaguarde

todas as partes. A inter-

dependência económica

e social é muito elevada

e não podemos colocar

em causa os direitos dos

cidadãos e das empresas.

DM – Como vê a vaga cres-

cente dos populismos a

que estamos a assistir den-

tro da Europa?

ARM – Com muita preo-

cupação. As pessoas não

se sentem representadas

nas decisões que são to-

madas ao nível europeu,

porque vêm que para a

banca e finança há sem-

pre dinheiro, mas não há

para salários e pensões.

É preciso dar resposta às

necessidades das pessoas,

caso contrário o proje-

to europeu falha. Além

da paz, é preciso ir mais

além na habitação, saú-

de, educação e seguran-

ça social. O resurgimento

de movimentos racistas e

xenófobos é alarmante e

é premente políticas so-

lidárias e que respeitem

a dignidade de quem fo-

ge da fome e da miséria.

DM – Que leitura faz da

criação de “muros” em al-

guns Estados-Membros e

do Estado português, que

canalizou menos de me-

tade das verbas europeias

disponíveis para ajuda aos

refugiados?

ARM – Defendemos uma

Europa solidária, capaz de

receber todos os que pre-

cisam de ajuda, em que os

direitos humanos estejam

presentes em todas as po-

líticas e ações. O problema

demográfico que Portu-

gal e a Europa enfrentam,

provocado pelo envelhe-

cimento da população e

da baixa natalidade, ape-

nas é resolvido através da

imigração. Por isso, não se

compreende que as verbas

disponíveis para o acolhi-

mento de refugiados não

tenham sido gastos.

Ana Rute Marcelino: as pessoas não se sentem representadas nas decisões tomadas a nível europeu

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No nosso entender, o caminho da integração deve efetuado através de um orçamento europeu, que já existe, mas que não está direcionado para o que efetivamente resolve os problemas das pessoas.

que essas

ve r-

encontra se

tuação

desaf

xit

n

Defendemos que a perda de verbas sejam

compensadas pela criação de uma taxa

sobre os lucros das gigantes tecnológicas.

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Ave

lino

Lim

a

Alto Minho quer atrair visitantescom turismo náutico

SEXTA-FEIRA.24.MAI 2019 WWW.DIARIODOMINHO.PT 0,95 € Diretor: DAMIÃO A. GONÇALVES PEREIRA | Ano C | n.º 32132

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Celeirós

DR

Aliança pede fim da subserviênciaeuropeiaa Berlim e Paris

ENTREVISTA P.12-13

DR

Bloco quer usode fundos da UEpara diminuirassimetriasregionais

ENTREVISTA P.14-15REGIÃOREGIÃO P.P.0808

Braga P.03

STARTUP BRAGA JÁ AJUDOU A CRIAR 600 POSTOS DE TRABALHO

região P.11

CÂMARADE FAMALICÃO INVESTE 1,3 MILHÕES EM SANEAMENTO BÁSICO

desporto P.24

AVANÇADODO SP. BRAGADYEGO SOUSA REGRESSAÀ SELEÇÃO NACIONALD

M

DR

PAN empenhadoem defenderprojeto europeu orientado por causas

ENTREVISTA P.16-17