entrevista ronald martin dauscha executivo faz balanço da...
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E N T R E V I S T A
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por Patrícia Mariuzzo e Simone Pallone
R o n a l d M a r t i n D a u s c h a
À frente da Associação Nacional dePesquisa, Desenvolvimento e Empreen-dedorismo das Empresas Inovadoras(Anpei) por dois anos, o diretor de tec-nologia corporativa da Siemens noBrasil, Ronald Martin Dauscha, passouo cargo para o cientista-chefe da EmbraerHugo Borelli, durante a conferênciaanual da associação, realizada em junho.Antes, porém, fez um balanço sobre asiniciativas adotadas no país com o obje-tivo de oferecer um arcabouço mais avan-çado de incentivos para que se consoli-de uma política e uma cultura inovati-va no setor produtivo. Apresentandodados do sistema de inovação nacional,tais como o de gastos de 1% do PIB emP&D, e a pequena participação dasempresas industriais em atividades ino-
vativas — apenas 33%, segundo dadosda Pesquisa de Inovação Tecnológica(Pintec) de 2003 —, Dauscha lembrou dealgumas ações tais como a criação daAgência Brasileira de DesenvolvimentoIndustrial, a promulgação da Lei 11.196(Lei do Bem), ainda não regulamenta-da, a regulamentação da Lei 10.973 (Leide Inovação), o aumento do orçamentodo Ministério da Ciência e Tecnologia,o lançamento do Portal de Inovação, doMCT e do Centro de Gestão de EstudosEstratégicos (CGEE), bem como a apro-vação de novas linhas de financiamen-to do Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES) e denovas ferramentas da Financiadora deEstudos e Projetos (Finep), entre outras. Ronald Dauscha destacou a atuação
da Anpei em vários momentos desseprocesso, seja apresentando propos-tas ou participando de discussões naárea, em nome dos associados ou porsolicitação dos órgãos governamen-tais, textos para as leis e decretos, assimcomo para novos tipos de financiamen-to, sugerindo e instigando, ainda, aimplantação de centros de inovação emodernização entre os empresáriosligados à entidade.
À FRENTE DA ASSOCIAÇÃO POR DOIS ANOS, EX-PRESIDENTE APONTA A NECESSIDADE DE ARTICULAÇÃO DAS EMPRESASEM TORNO DA TEMÁTICA DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Executivo fazbalanço da
participação daAnpei nas políticas de
fomento à inovação
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mento para incentivar a atividade
inovativa no país. A seu ver, o que
falta para haver uma aplicação efi-
ciente desses instrumentos por par-
te do setor industrial?
Ronald Dauscha - Em minha opinião,existem pelo menos três pontos a seremmelhor trabalhados para que se obtenharesultados mais satisfatórios. Um delesseria aumentar a quantidade desses
Formado em engenharia elétrica pelaEscola Politécnica da Universidade deSão Paulo (USP), Dauscha fez especia-lização em administração industrialna Universidade Federal do Paraná,MBA gerencial na Siemens e em finan-ças empresariais pelo Instituto Superiorde Administração e Economia daFundação Getúlio Vargas (FGV/ISAE).Trabalha há 20 anos na multinacio-nal alemã, onde assumiu a diretoria
de gestão corporativa de tecnologiaem 2002. Integra, ainda, a diretoriados conselhos da Certi, VDI, Finep,Uniemp e CPC/MCT.
Na última conferência da Anpei, rea-
lizada em junho, comentou-se em
mais de uma apresentação que nos
últimos anos foram criados vários
mecanismos fiscais e de financia-
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incentivos e o volume de cada um, poishoje temos, por exemplo, contingencia-mentos o que acaba por limitar o alcan-ce dos recursos. Deve haver, também,maior direcionamento desses benefí-cios para as empresas pois, hoje, a maio-ria deles ainda é alocada nas institui-ções de pesquisa, as chamadas ICTs. E,finalmente, se buscar maior eficácia eabrangência em casos como algunsincentivos novos — por exemplo, a Leido Bem — que até agora tem atingidomais grandes empresas.
Os dados apresentados sobre a Pintec
mostraram que houve pouco avanço e
que, das empresas que não inovam, 51%
não o fazem porque não vêem necessi-
dade. Nesse sentido, qual pode ser o
papel do governo, das agências de fomen-
to e de entidades como a Anpei, o Sebrae,
a CNI para tentar convencer essas
empresas a inovarem?
Dauscha - Do lado do governo, estimu-lando o mercado e incentivando forte-mente a inovação tecnológica nas empre-sas, oferecendo fomentos atrativos aP&D; da parte das agências de fomen-to, seu papel é viabilizar e operaciona-lizar esses benefícios nas empresas; e,no caso das entidades, trabalhar em con-junto na conscientização da importân-cia e na capacitação em inovação tec-nológica das empresas.
A conferência contou com a apresenta-
ção de duas empresas estratégicas no
país — Petrobras e Embraer — que são
talvez os principais exemplos de inova-
doras brasileiras, ambas viabilizadas
com grande injeção de recursos públicos.
A que o senhor atribui o sucesso alcan-
çado por elas?
Dauscha - A Embraer definiu claramen-te seu nicho de mercado, e aliou a istouma estratégia de inovação, entre outras,bem focada nos objetivos que desejavaalcançar. A Petrobras conseguiu, igual-mente através de investimentos consis-tentes em inovação, em tecnologias deexploração em águas profundas, con-quistar seu crescimento.
O que o senhor considera mais eficien-
te como política de fomento à inovação:
aumento da subvenção que eleve o núme-
ro de empresas inovadoras, ou foco em
setores estratégicos?
Dauscha - Pessoalmente, acho que devehaver um misto das duas políticas: defen-do fomentos em escala, independentesde setor, com algumas inserções priori-tárias em áreas onde o Brasil tem voca-ção ou potencial para se tornar um dife-rencial em nível internacional.
Qual o balanço das conquistas e difi-
culdades, que o senhor faz, dos dois últi-
mos anos em que esteve no comando da
Anpei?
Dauscha - Se fosse resumir em poucaspalavras, diria que foram dois anos emque participamos muito na criação denovos instrumentos de P&D junto aogoverno, não presenciamos, no entan-to, nenhuma evolução das atividadesinovativas e de P&D nas empresas emgeral e acompanhamos, infelizmente,pouca ou nenhuma melhoria em temasimportantes como a situação da pro-priedade intelectual no país e o contin-genciamento de verbas de incentivo àinovação. Por outro lado, foi um perío-do em que se começou a falar muito maisem inovação nas empresas e presencia-mos um sem número de eventos, asso-ciações e grupos discutindo esse tema.O que é muito bom.Outra dificuldade que encontramos foio de nos relacionarmos, no governo, comvários parceiros e interfaces na temáti-ca de política industrial e tecnológica,porém todos com baixa institucionali-dade para tratar do tema (basta ver quan-tos atores participaram e alteraram aLei de Inovação e a Lei do Bem). Do pon-to de vista das empresas, também nosdeparamos com uma baixa articulaçãoe unidade em torno da temática da ino-vação tecnológica. Em minha avaliação,considero que precisamos urgentemen-te de um sistema de representação dosetor produtivo.
Na última assembléia dos associados
da Anpei decidiu-se por criar comitês
temáticos. Como devem funcionar esses
comitês?
Dauscha - Esses comitês reunir-se-ãosistematicamente para tratar de temasimportantes, densos e que não podemesperar as diversas conferências e
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“ DEFENDO FOMENTOS EM ESCALA, INDEPENDENTES DE
SETOR, COM ALGUMAS INSERÇÕES PRIORITÁRIAS EMÁREAS ONDE O BRASIL TEM
VOCAÇÃO OU POTENCIAL PARASE TORNAR UM DIFERENCIAL EM NÍVEL INTERNACIONAL”
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encontros para serem discutidos, comocompras governamentais, atrativida-des de centros de P&D para o Brasil,entre outros.
A inovação em gestão tem sido um recur-
so para aumentar a competitividade das
empresas. Esta tem sido uma prática
comum às empresas ligadas à Anpei?
Dauscha - A maioria das empresasassociadas à Anpei têm um perfil bas-tante inovador, possui áreas específi-cas de pesquisa, desenvolvimento ouengenharia, e fazem uso de fomentospúblicos à inovação. Enxergam em suagestão de inovação tecnológica um ins-trumento claro de aumento de compe-titividade.
A Anpei deve apresentar em breve os
resultados da última pesquisa, feita em
parceria com a Fundação Seade, sobre
as atividades de P&D das indústrias
brasileiras, a exemplo do que faz o IBGE
com a Pintec. Qual foi o objetivo da pes-
quisa e quais os principais resultados?
Dauscha - O objetivo foi oferecer umaleitura mais detalhada sobre a P&D nopaís (mais restrito que inovação tecno-lógica), os resultados em detalhe aindanão podem ser disponibilizados, mas oprincipal deles é que as empresas aindarealizam muito pouco P&D no país efazem pouco uso de fomentos públicos.
O senhor poderia detalhar por que as
empresas ainda têm essa atitude? O
que falta para elas recorrerem a esses
fomentos?
Dauscha - Acredito que o motivo paraesta baixa atratividade em realizarP&D esteja na percepção das empre-sas dos altos riscos econômicos e altoscustos da inovação, falta de estímulosà P&D e pouco conhecimento sobretodos os instrumentos públicos exis-tentes.
Em que medida esses indicadores têm
contribuído para a adoção de políticas
de fomento à inovação?
Dauscha - As bases de dados da Anpeisempre foram utilizadas como basede estudos e definição de políticaspúblicas por parte de órgãos gover-namentais.
Em que linhas de ação ou programas
governamentais a Anpei pode ser mais
produtiva e ter ações de interferência
mais efetiva?
Dauscha - A Anpei continuará a aumen-tar a oferta de serviços de apoio à P&Daos seus associados, deve manter asparcerias com os órgãos governamen-tais no desenvolvimento de novos ins-trumentos de incentivo à inovação paraempresas e, junto com a sociedade orga-nizada, trabalhar insistentemente naconscientização geral de que a inova-ção tecnológica se faz nas empresas eque, como na maioria dos países quetiveram um desenvolvimento econômi-co acentuado, os fomentos e incentivosà inovação devem ser direcionados àsempresas.
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Washington Possato
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