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Entrevistas aos Educadores de Infância 448 Entrevista com a Educadora 1 Invest. – (…) Se vos pedisse uma avaliação por escrito, não sei quando é que a tinha, não sei se a tinha ... Educ. – Nunca tive dificuldade, não é, em falar consigo. Invest. – Aquilo que eu queria era falar de alguns “grandes blocos”. Em primeiro lugar, queria saber a vossa opinião sobre que repercussões das actividades que fizemos no trabalho, no desenvolvimento das crianças, na vossa maneira de ver e de trabalhar, até no dia a dia nas actividades… Educ. – Influência do trabalho, do seu trabalho aqui dentro? Para começar eu notei muita diferença do ano passado para este ano. Embora tivesse pouco tempo eu sei que os miúdos… também tiveram as mudanças de educadoras, foi aquela trapalhada toda de eu sair. Pronto, e acho que eles este ano estão muito direitinhos e integraram-se perfeitamente, não é? A nível do meu trabalho, eu já tinha conhecimento deste tipo de experiências no curso. O que eu não pensei era que se conseguisse. Invest. – E, no fundo, no início, até era um bocadinho renitente à ideia. Educ. – Eu acho que se deve fazer isso mas sempre com condições para fazer. Acho que as condições que nós tivemos ainda não são as ideais nem de perto nem de longe, não é. Porque isto faz-se muito bem, mas continuo a ter a mesma ideia – com condições para o fazer. Depois destas obras com certeza, que vai haver condições físicas muito melhores para poder proporcionar às crianças este tipo de actividades, o que eu acho importantíssimo. Eu acho que isto desenvolve muito, muito as crianças mas tem de ter um conjunto à volta. Invest. – Ao nível de organização. Basta não ter casa de banho para eles tomarem banho, e não ter água quente para eles… Educ. – Naquelas vezes que eles tiveram de tomar banho foi uma estafadela. E depois é todo um conjunto. O trabalho deve ser feito sim, eu acho que sim, desenvolve muito as crianças. A maior parte das

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Entrevistas aos Educadores de Infância

448

Entrevista com a Educadora 1 Invest. – (…) Se vos pedisse uma avaliação por escrito, não sei quando

é que a tinha, não sei se a tinha ...

Educ. – Nunca tive dificuldade, não é, em falar consigo.

Invest. – Aquilo que eu queria era falar de alguns “grandes blocos”. Em

primeiro lugar, queria saber a vossa opinião sobre que repercussões das

actividades que fizemos no trabalho, no desenvolvimento das crianças,

na vossa maneira de ver e de trabalhar, até no dia a dia nas

actividades…

Educ. – Influência do trabalho, do seu trabalho aqui dentro? Para

começar eu notei muita diferença do ano passado para este ano.

Embora tivesse pouco tempo eu sei que os miúdos… também tiveram as

mudanças de educadoras, foi aquela trapalhada toda de eu sair. Pronto,

e acho que eles este ano estão muito direitinhos e integraram-se

perfeitamente, não é? A nível do meu trabalho, eu já tinha

conhecimento deste tipo de experiências no curso. O que eu não pensei

era que se conseguisse.

Invest. – E, no fundo, no início, até era um bocadinho renitente à ideia.

Educ. – Eu acho que se deve fazer isso mas sempre com condições para

fazer. Acho que as condições que nós tivemos ainda não são as ideais

nem de perto nem de longe, não é. Porque isto faz-se muito bem, mas

continuo a ter a mesma ideia – com condições para o fazer. Depois

destas obras com certeza, que vai haver condições físicas muito

melhores para poder proporcionar às crianças este tipo de actividades,

o que eu acho importantíssimo. Eu acho que isto desenvolve muito,

muito as crianças mas tem de ter um conjunto à volta.

Invest. – Ao nível de organização. Basta não ter casa de banho para

eles tomarem banho, e não ter água quente para eles…

Educ. – Naquelas vezes que eles tiveram de tomar banho foi uma

estafadela. E depois é todo um conjunto. O trabalho deve ser feito sim,

eu acho que sim, desenvolve muito as crianças. A maior parte das

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pessoas, eu noto, e foi o que conversei hoje com a Educ.. ..., de manhã,

é que nós estávamos abertas a este tipo, fomos formadas, estamos

abertas a este tipo de actividades. Mas acho que não somos só nós que

devemos ser formadas e estar aptas para fazer isto. O que eu notei é…

comentários. Por exemplo, das auxiliares que não percebem, e como

não percebem comentam, e tornam as coisas… Eu como não ligo nada,

ouvia e toca a andar, nem sequer respondia, mas acho que elas é que

têm de ter formação para isto.

Invest. – Mas o que é engraçado é que elas não sabiam porque é que

nós estávamos a fazer exactamente, e o que íamos fazer.

Educ. – Elas não percebem, elas acham que aquilo é uma brincadeira.

Invest. – Exactamente, mas ao mesmo tempo elas nunca mostraram

má cara.

Educ. – Não mostram, mas eu por exemplo já as conheço minimamente

e sei que ou é pelo trabalho que têm a seguir ou por não haver

condições assim muito boas para o fazer. Acho que elas devem ser

trabalhadas, elas é que devem ser trabalhadas, porque a Educ.. … está

farta de dizer que se puder continua a fazer, e eu também já lhe disse

que havendo condições lá em cima é coisa que eu mais gosto de fazer, é

este tipo de trabalhos com os miúdos, quando puder fazer, mas tenho

de ter a colaboração delas, não é, obrigatoriamente. Que isto

desenvolve, desenvolve, mas…

Invest. – Quais foram, nas crianças, as principais diferenças, ou, o que

é que sentiu mais? Acha que há diferenças entre os meninos que, este

ano, estão a trabalhar?

Educ. – Há …

Invest. – E mesmo deles em relação ao grupo? Quais são as grandes

diferenças que sentiu ou sente nele?

Educ. – Eu, a maior diferença foi na Mariazinha, porquê? Porque a

Mariazinha era muito fechada, uma miúda muito introvertida, e ela

agora, chega a qualquer situação é a primeira a explorar. Em relação ao

restante grupo, ao grande grupo, nota-se uma diferença brutal, mesmo

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sendo a Mariazinha a miúda que teve uma evolução assim mais… E o

Pauleta? Eu acho que o Pauleta também se abriu às novas experiências

e tal… E uma das coisas que me entristece foi não ter proporcionado

aos outros aquilo que estes fizeram. Nem era viável fazer-se com…

Agora, continua a haver este tipo de trabalho em área de creche, mas

acho que é proporcionar a todos, uns e outros, que é para todos terem a

mesma possibilidade de desenvolvimento. O Frederico desenvolveu-se

muito, o Marcos teve um desenvolvimento logo no início mas depois

parou.

Educ. – A Mariazinha foi uma coisa impressionante. A Mariazinha não

fazia nada, nada, nada e desenvolveu-se muito. Continua a falar é com

mimo (ainda não percebi, nem consegui perceber aquilo), porque ela

com os outros manda, que é o que faz lá fora. Mesmo nas brincadeiras

na sala e na cozinha é ela que manda e, em qualquer brincadeira em

que ela esteja, ela gosta de mandar, mas connosco… Lá fora com o

adulto, ela «nh nh nh, mia”. A única pena que eu tenho é que os outros

não tiveram a reacção que tiveram os da Educ.. ..., começar a chorar.

Invest. – Foram reacções completamente diferentes uns dos outros.

Educ. – Habituaram-se. Eu acho que o grupo é assim. Eu tenho, (eu sei

bem as peças que tenho de “artilharia” que tenho ali), mas acho que é

um grupo que a partir de agora, bem “puxadinho” vai prometer, vai

prometer porque apreendem. Eu noto em relação à Educ.. ... há coisas

que (são mais velhos um bocadinho), mas noto diferenças nos miúdos.

São revolucionários, mas até aí uma pessoa tem de ajudar.

Invest. – Mas isso são as idades. Também temos de ir acompanhando

as idades deles, não é?

Educ. – Mas acho que são abertos a tudo porque desde o início se eu

não notei grande diferença desde que a … [Investigadora] entrou. Não

fizeram nada, experimentam assim bocadinho, de resto habituaram-se

perfeitamente e acho que se continuarem e mesmo em parte do jardim

há experiências que posso continuar a fazer.

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Invest. – Exactamente, até porque eles continuam. A grande

preocupação, para com estes mais pequeninos é dar-lhes objectos e

materiais que eles possam meter à boca, cheirar e isso tudo. No jardim

já se pode ir fazendo outro tipo de opções porque eles já não metem

tanto na boca, já conhecem o mundo.

Educ. – Eu acho que o desenvolvimento nestas idades é muito maior. É

mais importante proporcionar nestas idades este tipo de experiências, e

nas outras mais avançadas, outro tipo.

Invest. – As crianças estando bem trabalhados ao nível sensorial, nas

grandes movimentações no espaço ilimitado e nas interacções com os

outros, quando passam para fases seguintes já têm outras bases, e

portanto, já têm outro contacto com o mundo.

Educ. – Só que a maior parte… eu dei-lhe um exemplo muito concreto.

Eu chegava a casa farta de me rir com as asneiras que eles faziam aqui

(asneiras salvo seja é claro!), dizia ao meu marido, e ele ……. “Para quê?

Vocês só brincam.” Mas eu posso tentar explicar – ele agora já não diz

tanto mas não percebe porque é que faz mexer com ovos, deixá-los cair,

parti-los, não percebem, não atingem como a maior parte das pessoas

não atinge.

Invest. – Porque acho que só vendo. Este ano, fizemos duas grandes

modificações ao nível de desenvolvimento de actividades, porque no

fundo as crianças trabalharam com os mesmos materiais. Primeiro, foi

retirar-lhes as cadeiras, e a segunda …

Educ. – Que lhes dá a retirada das cadeiras dá-lhes…

Invest. – Uma ampliação do espaço e uma mobilidade, e eles assim

procuram o que querem, quando querem, e interagem como querem. E

a outra foi modificar, de alguma forma, a vossa atitude.

Educ. – A intervenção.

Invest. – A vossa intervenção. Estavam atentas, participavam, falavam,

mas não iniciavam as interacções. E, parece-me que essas grandes

mudanças tiveram alguns efeitos na forma de reagir das crianças. Um

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facto concreto foi, quando eles entravam em conflitos, eu dizia à Educ..

... «deixe».

Educ. – Isso mete-me medo, ainda. Um bocado de aflição. Eles acabam

por resolver, eu sei…

Invest. – Foi capaz de perceber que eles resolviam os problemas.

Educ. – Foram as minhas únicas coisas que me metem muita aflição.

Foi com o gelo. Eu com gelo fiquei apavorada do início ao fim a pensar

que eles podiam pôr os pés em cima dos blocos grandes.

Invest. – O Leandro andou a fazer “patinagem artística”.

Educ. – Precisamente por causa disso porque a Educ.. ... já tinha feito e

tinha-me dito que tinham posto os pés e andado a fazer patinagem. Eu

estava apavorada que me dessem com a cabeça no chão. Eu sei que eles

têm… Mas isso já é de mim. Eu tenho medo, eu posso dar um berro

para o ar, mas há coisas que me metem uma aflição tremenda e esse

tipo de experiência por exemplo ainda bem que eles não fizeram. Eu sei

que era bom para eles. Mas o medo é o meu medo, sim porque eles não

têm medo nenhum, é tanto que eles se magoem que…

Invest. – Se eles tivessem experimentado e vivenciado uma situação

que lhes provocasse, ou medo ou demasiada instabilidade eles não iam

repetir. O que conta é que eles descobrem novas formas de locomoção,

novas formas de andar, e isso para quem está a começar, para quem

está acabar e sedimentar o próprio andar, só é bom, andar em espaços

irregulares, em altos e baixos, em diferentes superfícies.

Educ. – É que eles não têm medo nenhum…o problema está aí. Eu

reconheço, que é uma aflição. Eu era assim, espero bem que eles não

ponham os pés em cima do gelo e aquilo a derrapar.

Invest. – Quando eles entravam em conflito o que é que eles faziam em

primeiro lugar? Olhavam para si, para «resolve o problema». E a partir

do momento que eles viram que a Educ.. ... estava atenta mas não

reagia, eles resolviam o problema, ou entre, ou um terceiro que vinha

resolver.

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Educ. – Lá está, são coisas que uma pessoa aprende e eu em casa já

apliquei isso e custou-me um bocadinho, não é? Mas já apliquei com a

minha filha. (…)

Invest. – Nós educadores estamos atentas na mesma. O que me parece

é que não nos podemos substituir a eles próprios, que é aquilo que os

adultos fazem nas brincadeiras, na resolução dos problemas, na

linguagem…

Educ. – Mas custa. O pai também olhou para mim e eu deixei continuar

mas não andaram ali montes de tempo, não é? Mas, pronto, deixei

continuar porque ela olhou para mim e eu lembrei-me, uma pessoa vai

vendo, vai aprendendo, não é? E eu lembrei-me, o meu marido já ia e eu

«deixa estar, ela resolve» e lá resolveram e depois veio e «oh mamã é», «ó

tia isto… ó tia aquilo» e eu lá falei com eles. Mas resolvi o problema o

meu marido perguntou «mas porque é que tu deixaste?», «por que tem

que se deixar»

Invest. – Eles resolvem, como vê eles resolvem.

Educ. – Mas custa-me, há coisas que me custam e mete-me aflição.

Mas deixá-los, realmente eu acho que se deve mas custa-me um bocado

e deixar experimentar coisas que eu à partida tenho medo, não é medo

de eu fazer, porque se eu se não souber aquilo não faço, mas deixá-los

fazer coisas assim mete-me aflição.

Invest. – Não acha que de alguma forma pode haver aí uma

contradição. Porque é que a Educ. tem medo, por exemplo, do gelo, que

eles caiam e não tem medo de trazer cá dois cães. Trouxe-os cá

perfeitamente à vontade, os miúdos não tiveram problema nenhum,

ninguém se magoou, mas trouxe dois cães. À partida até podiam ser

mais «perigosos» entre aspas, não é?

Educ. - Talvez por eu adorar.

Invest. - Agora não tem medo, claro e evidente, pensou nos riscos ou

pensou nos cuidados que teria que ter.

Educ. – Exacto. Também sabia que os cães à partida eram de confiança

mas…

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Invest. – Não seria mais perigoso?

Educ. – Era.

Invest. – No ponto de vista da criança até, não seria mais perigosa uma

coisa do que a outra?

Educ. – Muito mais, muito mais. Lá está, não sei, mas é que não tinha

medo, quer dizer, era capaz de ter medo de me pôr em cima de um

bloco de gelo, aquilo escorregar e mandar-me…

Invest. – Não, e aquilo escorrega, quer dizer por exemplo o Leandro pôs

o pé e ia pelo seguro quando viu que aquilo patinava e nunca mais

tentou pôr o segundo, porque viu que não era capaz, e perder o

equilíbrio – portanto andava com um pé no chão e o outro em “skate” e

andou assim muito tempo.

Educ. – Lá está nós transmitimos sempre aquilo que nós sentimos.

Invest. – Eu penso que uma das… no fundo acaba por ser uma

aprendizagem, é deixá-los experimentar, deixá-los estar atentos, mas

deixar ver como é que eles reagem, sem nós anteciparmos esse medo.

Porque eles têm competências que nós muitas vezes não deixamos vir

ao de cima.

Educ. – Pois têm, mas isso é uma mudança muito grande.

Invest. - Repare, a Andreia já foi lá para fora para as pipocas, fazer o

trabalho com as pipocas este ano? Eu nunca tinha visto aquela miúda a

falar tanto.

Educ. – E nunca mais fez. Lá está, é uma das tais que precisava deste

tipo de actividades mais vezes.

Invest. – Que ela todo tempo que esteve falou, ela trabalhou, ela…

Educ. – Ela aqui dentro não fala, fala o essencial, connosco fala o

essencial, e com eles, também, muito pouco. É uma miúda muito,

muito… Ela tem competências mas não mostra, mas a pena que eu

tenho é não poderem participar todos, porque acabaram por ser aqueles

os privilegiados.

(…)

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Educ. – E por isso mesmo é que eu disse à Educ…., e perguntei à

Educ…., o que lhe tinha dito hoje de manhã se a Invest. ia ficar cá com

as cassetes porque isto, o programa que fez aqui é positivo para

qualquer criança, não há negatividade nestes programas, não há

nada…

Invest. – Não há riscos…?

Educ. - Nem riscos. Portanto tudo o que é feito é bom para qualquer

tipo de crianças em idade de creche. Eu acho é que se deve continuar a

fazer e a fazer com todos. Já não há a preocupação de estar a estudar o

comportamento de um, de uma criança específica.

Invest. – Mas, eu penso que, mesmo vocês se fizessem em sistema

rotativo, com um grupo pequeno… porque este trabalho para surtir

efeito nas crianças, e para nós termos um mínimo de capacidade de

observação, tem que ser mesmo com um número reduzido de crianças

para além da rentabilidade da própria actividade. Se é em grande grupo

não há hipóteses.

Educ. – Ai não, não, tem que ser em pequeno número. No Pauleta o que

eu achei mais engraçado foi com a massa, porque foi a primeira vez, e

quando viu que meteu a massa preta no dedo… e foi a primeira vez,

salvo erro, que ele mexeu completamente à vontade no material.

Invest. – Mas houve alguns materiais em que ele o ano passado não

mexeu?

Educ. – Pois não.

Invest. – O ano passado, inclusivamente metia as mãos debaixo da

mesa. Agora, falou-me e disse-me «mais», muito embora agisse e

imitasse muito nesta fase.

Educ. – Mas chegou a dar ordens. Agora nas últimas. Ou seja, se

continuasse este processo de experiências ele ia andar sempre para a

frente, não acha?

(…)

Invest. – Em relação à minha presença o que é que sentiu de facto? O

facto de eu estar de câmara, de ser uma pessoa estranha, o que é que

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sentiu com a minha presença, com o meu trabalho nestes dois anos,

com o grupo, consigo e aqui na instituição.

Educ. – Não senti diferença é isso que eu lhe digo talvez por eu já a

conhecer, há uns anos, para mim foi um ponto a favor, não é? O meu à

vontade já era completamente diferente do à vontade delas. Em relação,

portanto eu não tive dificuldade nenhuma com a sua presença

Invest. – Sentiu alguns bloqueios por eu estar na sala consigo.

Educ. – Nenhuns, eu isso não costumo bloquear muito. Em relação aos

miúdos, não senti, senti o quê, a primeira e a segunda que veio cá, mas

é o normal, qualquer pessoa estranha que entre na sala…

Invest. – Foi na sua sala que eu tenho imensa pena em não ter

registado mas houve uma criança que chorou. Foi a única que chorou

quando eu entrei, penso que foi o Marcos, eu sei que era um pequenino.

Educ. – Eu lembro-me disso.

Invest. – É provável que tenha sido ele, eu lembro-me que foi um

pequenino que estava ao colo da Educ.. ..., da … [auxiliar] ou de

alguém, estava ao colo e quando me viu chorou mas eu não lhe liguei e

a partir daí nunca mais tive …

Educ. – Mas lá está, mesmo o grupo ou porque eu também sei e tenho a

certeza, isso toda a gente sabe que uma pessoa os influencia na

maneira de ser, e sem dúvida nenhuma eles passam o dia todo comigo.

Ou é por eu estar sempre a … Transmito-lhes isso e o à vontade que eu

transmito com as outras pessoas eles vão acabar por ter, não é? Porque

eu não senti grande diferença, há miúdos que basta entrar uma pessoa

na sala que eles trepam quase as paredes. O Dudu o que fazia e o

Hilário que são os mais… mais mexidinhos fazem exactamente o que

fazem consigo lá dentro mas fazem comigo. Portanto a diferença não é

nenhuma. Até aí nesse aspecto não posso, não posso falar muito…

Invest. – A minha presença na sala não a incomodou?

Educ. – Nada. Não me incomodou nada a câmara, não me incomodou

nada a sua presença, as suas intervenções foram sempre bem vindas

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porque acho que há coisas que eu não sei mas que eu aprendo, e há

coisas que eles fazem consigo e que não fazem comigo, mas pronto.

Invest. – Como o quê?

Educ. - Como falar baixinho. Mas isso é uma das coisas de não estar

sempre presente na sala. Também é, não é?. Eles fazerem barulho,

barulho, barulho mas eu já tentei montes de vezes fazer isso. Barulho,

barulho, barulho, e eu começo «meninos»…

Fiquei danada quando fez isso e eles calaram-se.

Invest. - Há aqui uma coisa, que me parece importante que vocês

metam na cabeça. Vocês estão a querer impor regras muito cedo, ou

seja, como eles estão muito tempo sentados, quietos e calados, quando

começam a mexer e a falar, as suas energias e necessidade de

movimento têm de sair por algum lado. Vocês querem pôr ordem para

depois os mandar trabalhar e eles estão incapazes. Portanto, se vocês

optarem por tempos muito pequeninos, eles vão ser capazes e vocês vão

ser capazes de impor a disciplina e a ordem que querem, como esticam

muito eles não são capazes, aliás, eu já o ano passado lhes disse e este

ano tornei a dizer: eles estão muito tempo sentados, repare, eles entram

não sei a que horas, não interessa. Às nove horas, quando nós

chegamos estão todos sentados.

Educ. – Estão…

Invest. - Vão para a sala, cantam os bons-dias, comem a maçã e só às

nove e meia, dez menos um quarto é que … Já estão sentados há muito

tempo. Portanto, quando a Educ. ... quer falar baixinho com eles e

captar-lhes a atenção …

Educ. – Já não consigo…

Invest. – Não têm capacidade e portanto se mudarem a rotina, mesmo

que estejam cansados, deixá-los expandir.

Educ. – E é. Por isso é que eu estou contente em ir para cima. Porque

eu em relação ao outro grupo que tive … e é diferente. O sistema lá em

cima é completamente diferente. Os miúdos chegam e estão a brincar e

Entrevistas aos Educadores de Infância

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só quando vão para a sala é que se sentam. Também são idades, são

mais velhinhos mas é diferente o facto de estar …

Invest. – Quanto mais pequeninos mais necessidade têm de não estar

quietos.

Educ. – É ao contrário. Por isso é que eu estou tão contente que isto

mude tudo. E aqui falta, mas isto é tudo um conjunto de situações, e eu

não posso começar o dia antes das nove e meia, o dia salvo seja, mas

não posso porque senão arrisco-me a começar o dia com quatro ou

cinco, entretanto até às dez vão chegando, porquê? Porque os pais

também não respeitam o horário. E depois os desgraçadinhos, eu falo-

lhes nisso todos os anos na reunião, «cumpram-me os horários porque

há miúdos que às sete e meia da manhã estão aqui, e esses não têm

culpa de ter de estar aqui às sete e meia e estar à espera até às dez

horas para começar o dia para trabalhar». Portanto, mas sempre bati

nessa tecla, eu tenho consciência disso mas obrigatoriamente quase

temos que pô-los sentados.

Invest. – Mas eventualmente, mais vale quando eles vão para a sala,

pô-los logo a trabalhar e só cantam os bons-dias às nove e meia, porque

já estão mais, comem a maçã e isso tudo, percebe?

Educ. – O problema é poder mudar a rotina.

Invest. - Tem de mudar porque, eu penso que contar uma história ou

fazer uma actividade ou isso, às vezes é muito tempo que eles estão

sentados quietos. Ora eles são incapazes de estar quietos sem alguma

coisa: desapertam os cordões, brincam com os do lado. Eles têm

necessidade desse movimento. E como têm necessidade, vocês por um

lado querem estabelecer regras, querem que eles respeitem as regras…

Não podem! Estão a exigir, a querer exigir uma coisa, quando eles ainda

não estão capazes. Têm que lhes dar é os tempos para eles estarem com

atenção e tempos para eles se descontraírem

Educ. – Pois é, tem razão, eu sei que tem.

Invest. – Porque se mudarem…Eu não sei o que é que fiz nessa vez

quando diz que eu os calei, mas eventualmente andarem a rastejar,

Entrevistas aos Educadores de Infância

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esticar as pernas, encolher, andar de avião depois é que os acalmei.

Primeiro estive a fazer movimentos, esticar a perna, andar de avião,

andar de carro…

Educ. – Só sei que começou a falar baixinho, elas aos gritos e passado

um bocadinho todos calados… Eu já de mim falo alto, eu às vezes bem

tento controlar, mas isto, quer aqui quer em casa, e tenho consciência.

Invest. – Mas a sala também não ajuda, o espaço não ajuda.

Educ. – Eu também acho que é influência de estar aqui há já algum

tempo, mas tento mudar e, talvez indo para outro sítio mais sossegado,

uma pessoa consiga falar… mas eu nunca berrei e agora passo a vida

«Ahhhhh» eu não consigo, eu chego a casa e faço a mesma coisa e a

minha filha diz-me «fala mais baixo». E eu «Ai meu Deus do céu»

qualquer dia estão-me a dizer que sou professora primária.

(…)

Invest. – Fizemos uma reunião sobre observação e registo, penso que

foi a última. Partindo dessa reunião, fez ou acha que fez ou houve em si

algumas alterações, na sua prática, na sua forma de registar, na sua

forma de observar? Pode dizer assim, eu continuo sem fazer registos

mas…

Educ. – Esses registos fazem-me…

Invest. – Vamos fazer por partes então. Ao longo deste tempo, a nível da

observação das crianças, dos comportamentos das crianças, acha que

alguma coisa mudou em si ou não? Está mais atenta a alguns

pormenores ou está na mesma de uma maneira geral?

Educ. – Eu estou mais atenta aos pormenores, agora, o registar as

observações que faço, é que essa parte ainda não …

Invest. - Mas diga-me uma coisa, não faz porque não gosta de fazer,

porque não tem tempo..

Educ. – Não gosto.

Invest. - Não entende o significado…

Educ. – Não gosto. Eu entendo o significado. Acho que é importante.

Isso é um esforço que ainda vou ter de fazer, não é? Acho que é

Entrevistas aos Educadores de Infância

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importante registar porque há coisas que noto já nos miúdos, em todo o

conjunto de trabalho que se tem feito e que depois esqueço, portanto

depois digo assim: «Caramba! Podia ter». Eu tenho um único problema é

registar mesmo, não é perceber como é que se regista, eu percebo, é

registar

Invest. – É o problema de escrever…

Educ. – É, é mesmo o registar. Porque sei que faz falta. Eu sou capaz de

falar sobre o Francisco, mas há coisas que eu poderia dizer sobre o

Francisco se não me esquecesse. Que a minha memória também não dá

para tudo, não é? Se tivesse registado era muito mais fácil, e eu sei que

é um erro mas…

Invest. – E acabava eventualmente por saber dominar se o Frederico já

consegue fazer isto, e agora vou experimentar com ele a ver se ele

consegue fazer isto… E não havendo bases… eles são muitos e alguns

com características muito próprias.

Educ. – Pois são, é aí que eu noto que me faz falta, mas ainda não

consegui, não consegui, não consegui, eu ainda tenho de me preparar

psicologicamente, porque eu sei que é preciso, mas isso qualquer

pessoa não é preciso também pensar muito, não é, é importante?

Invest. – Outra pergunta em relação ao longo destes dois anos.

Relativamente à formação, e eu posso dizer que quando se faz uma

formação, estou a pensar nos momentos das reuniões semanais, nas

nossas conversas informais, aqui, nas reuniões mensais, qualquer

coisa, que de alguma forma a Educ. ... sinta que aprendeu, alguma

coisa, que aprendeu ou se lembrou novamente… Porque às vezes não é

só o aprender, «eu já sabia isto» «eu nunca mais me lembrei disto», «eu

podia fazer isto», «eu devia fazer isto». Quais foram dentre todos esses

momentos, quais foram as situações em que a Educ. ... chega agora ao

fim do 2º ano e diz “disto não me vou esquecer, este momento para mim

foi interessante”.

Educ. – É assim, há muita coisa em que falou que para algumas era

novidade mas que para mim era relembrar. Eu acho que é um aprender

Entrevistas aos Educadores de Infância

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constante, mesmo o relembrar há coisas, que eu por exemplo, vou dar

um exemplo, o das «sombras chinesas» que me disse que não eram para

se fazer…

Invest. - Não era a idade adequada para se fazer as «sombras chinesas».

Educ. – E eu fui para casa e era assim: «mas porque não é a idade

adequada se eles me responderam?» Continuo com esta minha

incógnita: se eles me responderam ao que eu queria alcançar com as

«sombras chinesas» alcancei. 1º uma novidade para eles porque … e

continuo a não perceber porque é que não, vendo que há receptividade

da partes deles, se eu chegasse ali com as «sombras» e eles não

dissessem nada, nunca mais continuava. Eu reparei e fez-me um

bocado de confusão, reparei que os miúdos estiveram extremamente

atentos, para além de estarem atentos, porque podiam estar atentos à

novidade só, não é?, não perceberem nada do que se estava a passar.

Invest. – Como é que sabe que eles estiveram atentos, se estava atrás

do biombo?

Educ. – Porque eu tinha a Educ. …, eu tinha a Educ. … à frente, eu é

que estava atrás.

Invest. – Então não sabe se eles estavam atentos. Eles estavam

calados…

Educ.– Mas a Educ. ... diz que eles estavam a olhar, podiam estar a

olhar e estarem pasmadinhos e não perceberem nada do que se estava

a passar, mas eu depois, precisamente… e foi uma coisa muito

comentada, «Educ. ..., mas eu ainda não percebi porque é que não

podia fazer as sombras».

Invest. – Mas eu não disse que não pode.!

Educ.– Mas porque…

Invest. – Há duas justificações teóricas, eu não disse para não fazer, eu

só disse que não era a idade ideal para se fazer. Há duas coisas: em 1º

lugar porque as «sombras» requerem um adulto por trás do biombo, ou

seja, o elemento de segurança que é a Educ. ..., neste caso, vai ficar

escondido…

Entrevistas aos Educadores de Infância

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Educ.– Exacto.

Invest. - E se eles precisam desse elemento de segurança, dessa pessoa

de segurança, e ela vai estar escondido, até porque nós mudamos as

vozes conforme as personagens não deixamos de ser nós, já só por isso

não é a idade mais adequada; por outro lado a descoberta da sombra,

da sombra enquanto sombra só se dá mais tarde, por volta dos 3, 4

anos.

Educ.– Mas essa não era a minha intenção.

Invest. – Ora porque é que eles estiveram absorvidos? Porque aquilo

que aconteceu por trás do biombo foi um filme, não foi uma técnica de

sombras chinesas. Foi um filme de cor, de movimento, com animais que

podiam já mexer numa história que já conheciam.

Educ.– Mas a partir do momento, quando se faz uma actividade, e que

depois se tem … que eu depois vim para a frente do biombo, certo, falei

com eles, mostrei-lhes as “sombras”, bonequinhos, porque eu nem disse

que eram sombras, mas mostrei-lhes, deixei-lhes pegar, o que é que

aconteceu, e se eles me respondem às perguntas básicas da historinha,

é uma …

Invest. – É uma estratégia diferente para contar uma história, como

poderia ter usado um fantoche. E quando lhe disse – não é – era só por

isso, são as razões teóricas. Pode fazê-las, mas não porque o seu

objectivo não é trabalhar a sombra. Enquanto descoberta da sombra, é

uma estratégia diferente como é usar uma caixa de televisão ou o dito

“cineminha” como há muitas educadoras que o fazem. São estratégias

diferentes e no fundo o que a Educ. ... esteve a fazer foi contar uma

história. O material e recursos que utilizou foram o «teatro de sombras».

Eles estiveram a ver, e o facto de ser uma novidade, uma técnica

diferente, prendeu-os, porque é uma novidade. E o que é que aconteceu,

por que é que eles estavam “presos”? … Porque eles tinham a Educ. ...

ali e portanto embora a Educ. ... não estivesse, havia alguém que eles

conheciam, que estabilizava e controlava de alguma forma se houvesse

alguma situação…

Entrevistas aos Educadores de Infância

463

Educ.– Mas como isso, muitos exemplos, há coisas que, por exemplo…

Uma pessoa está sempre a aprender, não é por nada que sabe muito

mais do que nós. Naquelas fotocópias … Ela [Rizzo, 2000] tem coisas

interessantíssimas. A duração das actividades …

Invest. – A duração das actividades… façam aqueles tempos e vão ver

que conseguem “pôr as regras”…

Educ.– A nós forneceu-nos uma data de coisas, que é só pegar nelas

para utilizar, que eu já recomendei esse livro não sei a quem. Eu na

altura li e há coisas que estão lá escritas que me lembro de se ter falado

na Escola, como há outras coisas que … eu acho que no conversar e em

atitudes que se tomem há coisas que mudei 200%, na maneira de falar

com eles, mesmo falando alto, há coisas que já não lhe sei dar os

exemplos porque já mudei e não sei como é que fazia e estou a tentar

mudar para melhor, que é o que eu digo sempre. Eu não sei tudo, tenho

ainda muito que aprender e vou aprendendo aquilo que acho … E

mesmo a maneira de trabalhar com eles, eu sinto que de ano para ano

melhoro e com estas experiências … Eu gosto de tudo o que seja

tourada para mim dá, gosto dessas coisas novas só que já não lhe sei

dizer, é mudanças mesmo em mim que já não me lembro, porque já

mudei.

Invest. – Acha que consegue, hoje, reflectir sobre a sua maneira de

estar, sobre a sua acção pedagógica? Hoje consegue ser mais crítica de

si própria?

Educ. – Muito mais.

Invest. – Porquê, onde foi buscar essa força? O que é que… que sino

tocou dentro de si?

Educ. – Não sei. Se bem que eu na altura falei consigo na postura em

algumas actividades, não achava que estivesse, podia estar alguma

coisa mal mas, por exemplo, em relação à Educ. ... que falava muito eu

não me identificava assim, e achei que não estaaaaava ... tanto é que

contei. Mas o ver o vídeo, o me criticarem a mim, eu se vierem com

Entrevistas aos Educadores de Infância

464

duas pedras eu não aceito, dou logo com duas, ou quatro, ou ainda

mais, mas se for em conversa: «Oh Educ. ... não faças assim porque» …

(…)

Educ.– Eu paro muitas vezes em casa a pensar «eu hoje errei com este»

«devia ter feito assim» ou fiz isto assim. Atitudes que eu tome mesmo a

nível de trabalhinhos, que isto não ficou bem, devia ter ficado … dou

comigo a pensar muito mais, ou por eu estar mais velha, não sei, a

maturidade de uma pessoa vai crescendo, ou por também já ter

apanhado assim algumas porque também já apanhei, noto diferença em

mim e se me perguntar se faço tudo direitinho ali na sala, não faço,

nem de perto nem de longe. Há erros que eu digo assim “ai meu Deus

do céu nem conto isto a ninguém”, mas consigo criticar-me. Há coisas

em que eu não sei dizer ao certo em que mudei. Eu sei que mudei

porque sinto que mudei, a nível de atitudes com os miúdos, de

preocupação em trabalhar. Não é mais direitinho. Eu acho que nunca

descuidei assim muito, porque eu gosto, porque eu gosto. É o que eu

digo a toda a gente. Uma pessoa deve ir para aquilo que gosta, embora

às vezes se saia daqui assim, mas eu gosto, é uma coisa que me dá

gozo. Mas eu acho que é um trabalho diferente pela experiência que eu

tenho tido ao longo dos anos e por tudo pelas conversas que tenho tido

consigo, pelas experiências que se têm feito, com as reuniões lá em

cima, com as bofetadas que também tenho levado, porque eu via

alguma coisa que não estava certo, disparatava logo e agora não. E é

engraçado que não tem nada a ver com o trabalho, directo aqui, foi uma

das coisas que me disseram na última reunião de avaliação lá em cima,

com o Padre

(…)

Educ. – As pessoas que estão de fora é que me vêm dizer e eu noto

diferenças mas também não sei explicar …

Invest. – Há pessoas que são permeáveis e outras que são

impermeáveis a todos os níveis, quer ao nível pessoal, quer ao nível

profissional, quer ao nível de forma de estar na vida. E depois, o facto

Entrevistas aos Educadores de Infância

465

de vez em quando acontecer alguma coisa ou se dizer alguma coisa, sei

lá, como quando no ano passado eu disse à Educ. … que ela falava alto,

falava muito, foi naturalmente cedo de mais para eu fazer uma crítica,

nem foi uma crítica … Só lhe disse: “Deixe os meninos falar. Faça a

pergunta, espere que eles respondam, e depois faça outra pergunta.

«Dê-lhes tempo»” porque a Educ. … fazia a pergunta e não demorava

segundos a fazer outra pergunta. Quer dizer, eles não têm tempo para

decifrar a informação, de organizar uma resposta …

Educ. – Mas… por exemplo comigo, eu… como já a conheço hà muitos

anos, não é, eu não a senti. Portanto, qualquer coisa que me dissesse

“Oh Educ. ..., está mal feito, não faça assim” …, eu aceitava porque

também já tinha uma confiança que as outras não tinham e elas são

capazes de ter posto o pé mais atrás na altura, por não a conhecerem e

eu como já a conhecia, foi minha professora, havia a distância, mas eu

já a conhecia. Uma pessoa amiga é diferente não é? Elas quantas vezes

me diziam: “ Tu é que te dás bem”… e eu: “Oh pá, foi minha professora,

já a conheço há tantos anos, porque é que eu…, e eu tenho um feitio

que também falo com toda a gente… e, e…

(…)

Educ. – Eu acho que foi bom para mim a sua presença aqui não como

investigadora aqui. Porque a investigação é sua … Agora aquele

contacto com uma pessoa que sabe mais do que eu, que sabe é lógico

que sabe, que me vai dando dicas daqui ou dali ou dali, e eu, juntando

as suas dicas mais as dicas das outras colegas, mais vendo eu os meus

erros diariamente, vou fazendo as coisas melhor, …

(…)

Invest. – Repare, os seus meninos disseram que o Gentil era “bonito”,

que “cheirava bem”, que o pêlo não sei quê…, portanto eles de imediato

foram capazes de (e eu não estou só a ligar às sensações, aos sentidos),

foram capazes de captar essas informações todas, eles perceberam as

informações e verbalizaram-nas. Repare o quanto eles foram capazes, a

informação que chegou lá dentro…

Entrevistas aos Educadores de Infância

466

Educ. – Eu levei para a escola o caso da Sofia e do Pauleta por eles não

terem mexido. Tanto que a professora disse-me assim: “ A Educ. ... vai

se conseguir fazer, que era uma coisa que eu disse logo que não, não

consigo porque os cães, um deles é meu mas o outro não, portanto não

tenho aquela possibilidade de pô-los constantemente… Porque ela o que

queria era que eu fizesse experiências com os dois meninos e com os

cães e ir aumentando gradualmente o tamanho do cão até chegar ao

Gentil… E ver se os meninos começavam a interagir porque eu, na 2ª

vez que trouxe cá o Gentil [cão] a Sofia e o Pauleta vieram para dentro;

com o Neco [cão] a Sofia e o Pauleta ficaram lá fora, tocaram no Neco e

vieram para dentro, portanto, e eu… se eles me demonstram medo, à

2ª vez já puseram a mão, à 3ª eram capazes de fazer festas e brincar

com eles, ou não à 3ª mas, com o continuar mas nunca devia… e foi

essa a questão que eu pus: “Obrigo? Não obrigo?”, mas tinha quase a

certeza que não se devia obrigar, não é, tanto que eu deixei-os e nem

sequer insisti, mas insiste-se, não se insiste, o que é que se faz?

E para testar isso vai fazer… mas lá está, há sempre aquela do vai e

vem quando há a indecisão que às vezes até se podia, a nível de

formação e a questionar-se para ajudar a crescer…

(…)

Invest. – Em relação à formação, no ano passado nós tivemos as

reuniões semanais que este ano não existiram…

Educ.– Foi mau

Invest. – Não sei se existiam mesmo, ou se vocês já faziam mensal. Não

acha que o facto de não existirem reuniões, a falta desse tipo de

intercâmbio e experiências entre colegas, de planificar em conjunto,…

de alguma forma pode…

Educ.– É assim, eu em relação às planificações, a Educ. ... e a Educ. …

fazem como eu fazia, planificações semanais e eu não sei, eu saí um

bocado da regra e porquê? Eu acho que é importante, nós interagirmos

e vermos aquilo que as outras fazem e aquilo que nós vamos fazer, não

é? Mas eu não concordo e isto é uma crítica à … [educadora] e ela não

Entrevistas aos Educadores de Infância

467

está presente, eu não concordo que se faça isto no mesmo dia e à

mesma hora, aqui neste grupo que é o que está a acontecer.

Invest. – Porque o ano passado aconteceu

Educ.– Aconteceu e eu disse à Educ… ., (…), disse que não dava muito

jeito, e que me dava jeito a mim fazer, porque me orientava melhor,

dava-me jeito fazer planificações mensais. Porquê? Porque a

planificação mensal ia de acordo, àquilo que eu penso que deve ser

feito. As reuniões devem ser feitas de planificação para uma pessoa

dizer assim: olhe, durante este trimestre … temos o Outono para

trabalhar, vamos começar com um tema qualquer, ideias gerais, isto é,

isto e isto e eu chegando a casa pego nas ideias que uma tem, que outra

tem, que outra tem e ponho no papel. Coisa que não acontecia. Na

segunda-feira história, ia ver o nome da história e ia ver à planificação

das três salas e estava em todas. Porquê? Porque cada grupo é um

grupo, cada menino é um menino, e eu saí de rasteirinho, mas não

disse nada.

(…)

Educ. – Lá está e isso é que era capaz de guiar um bocadinho, mas isso

são as minhas maneiras de trabalhar, que eu acho que estão correctos,

e eu continuo a dizer que a minha maneira de pensar em relação a

planificações, estou de acordo sim que se fale, se converse, que se

programe mas os miúdos também contam muito.

Invest. – Não acha que esta dificuldade se manteve no ano passado e

este ano também? Centra-se essencialmente em Março, Abril, quando é

o dia do Pai, dia da Mãe, dia da Arvore, dos Avós, Carnaval… e as festas

e as prendas sucedem-se e parece-me que às vezes há … e, no ano

passado, quando estava nas reuniões senti muito isso. Estavam a

trabalhar a «abelhinha» ou não sei o quê, aí temos que fazer a prenda

para o dia dos Avós, para o dia do Pai, dia da Mãe e passaram meses a

fazer prendas…

(…)

Entrevistas aos Educadores de Infância

468

Educ. – Nós também já fizemos essa crítica entre nós. É umas coisas

em cima das outras, é a preocupação de se fazer tudo e acaba-se por

não se fazer nada.

Invest. – Mas vocês cá em baixo, acabam por fazer as prendas durante

mais tempo, porque são mais pequeninos e é preciso fazer em grupos

mais pequeninos, durante mais e estão uma semana ou mais a fazer as

prendas porque vão daí a …

(…)

Invest. – Eu fiquei em estado de choque, espantada, quando cheguei

aqui em Setembro e vi o mapa de Portugal, as bandeiras de Portugal e a

Península Ibérica, as províncias de Portugal… perguntei-me: Que

sentido faz isto para estas crianças?

Educ. – Não faz.

Invest. – São crianças que não sabem o que é Braga, quanto mais o que

é Portugal ou as províncias…

Educ. – Eles agora olham para o mapa e falam como papagaios. Era o

que eu dizia: eu posso pôr o mapa mas o que é que eu vou falar? “Ali

aquela bolinha é Braga”, “o que é aquilo? É o mapa de Portugal, é o

nosso país”. O hino? O hino é uma canção, para eles é uma canção.

Eles aprenderam muito bem, pois aprenderam, é uma canção e eu

ensinei o hino como ensinava qualquer outra canção, é igual. Agora eu

estou a falar por exemplo, dos reis, … eu não faço. Acho que tem muito

mais piada a história dos «Três Porquinhos», acho que tem muito mais

piada eles pintarem e fazerem como o bonequinho, do que a 1ª dinastia,

os primeiros cinco reis. Na altura ainda gozei e elas levaram um bocado

a peito, mas depois passou…,

(…)

Educ. – Senão não aprendem e passado algum tempo não sabem. E

mostrar-lhes ao vivo os animais. Eu já andei atrás da minha cunhada

para ver se havia um porquinho, não consegui, porque a senhora, à

última hora lembrou-se de dizer que não porque tinha medo que o

porquinho morresse, mas se eu pudesse ter trazido o porco, eu tinha

Entrevistas aos Educadores de Infância

469

trazido para aqui um leitão. Chegava ali à sala e corriam-me daqui. Se

chegasse à sala com o leitão, eles então aí fugiam. Então foi uma coisa

que eu disse à Educ. …: -“então uma coisa que eles vibram é os animais

em qualquer idade, até aos 6 anos”. Se os miúdos vibram com os

animais, é das coisas melhores, eu também gosto. Portanto é mais fácil

para mim entrar mas… aí, isso aí…

Invest. – Não é só pegar em imagens

Educ. – Pegar naquelas coisas que os meninos dizem, que eu lembro-

me de ter feito no ano de estágio, «a festa da boneca», porquê? Porque

levei uma boneca e contei uma história qualquer e eles agarraram-se à

boneca, fizeram o baptizado… e eu não vejo isso há anos, aqui.

Invest. – Quanto tempo é que essas crianças me falaram nos

papagaios, ou falaram no Gentil ou no Vulcão? Quanto tempo? Porque

eles viram, tocaram, cheiraram, puseram-se em cima deles…

(…)

Invest. – Pedia-lhe para me dizer duas ou três situações destes dois

anos de implicação no projecto, o que é que acha que a marcou mais?

Educ. – Como assim, de actividades?

Invest. – De tudo. Situações concretas.

Educ. – Mas consigo, com crianças…?

Invest. – Pode ser comigo, com as crianças, das reuniões…

Educ. – Uma das coisas que eu gostei imenso foi da sua apresentação lá

em cima.

Aos pais. A maneira, acho que foi excelente. A maneira como … pronto

…são coisa… como data-show, nunca tinha visto aquilo, portanto

aquilo era novidade para mim, adorei. Em relação aqui, a mim o que me

marcou mais a nível de actividades foi os ovos…

Invest. – Deste ano ou do ano passado?

Educ. – Do ano passado. Porque este ano eles já sabiam o que eram os

ovos e no ano passado, não sei se, se lembra, quando eu pus os ovos na

mesa, o espanto deles. Primeiro eram muito pequeninos e depois eram

coisa que eu nunca tinha feito com eles, e eles a largarem assim os ovos

Entrevistas aos Educadores de Infância

470

e tudo, com as cascas. Lembro-me tão bem da Sofia, foi a Sofia. Não era

a Sofia nada, foi a que saiu.

Educ. – Foi a Dany a pegar na casca… Aquelas carinhas pequeninas a

fazerem aquelas coisas… Das actividades, foi a que gostei mais, do ano

passado. Deste ano foi com a água, lá fora, e eu tenho imensa pena de

não poder estar com eles a brincarem…

Agora, marcas, marcou-me tudo. Porque marcas assim… com as suas

actividades. A sua apresentação achei espectacular, a maneira como

falou com os Pais mas isso é a sua posição, é o que eu estou a ver.

Pronto, gostei, mas isso uma coisa fora do programa quando falou com

os Pais, mas não consigo. Mas dos miúdos, talvez por ter sido das

primeiras, porque depois, eles ficaram com as caras de espanto e eles

este ano ficaram, espantados nem ficaram muito, eles queriam era

qualquer coisa para trabalhar, mas já estavam tão envolvidos com o

programa que estavam sempre à espera de coisas novas.

Invest. – Ontem à tarde, quando me viram, disseram …

Educ. – Vamos trabalhar. Este ano, eles, já estavam tão integrados no

sistema que era a exploração que lhes interessava. Não há dúvidas…

agora o espanto deles o ano, passa do terem ido buscar as casquinhas e

as meter em água, essa já me picou.

Invest. – A diversidade de coisas que eles este ano faziam era …

Educ. – Era muito maior. Porque já tiveram um desenvolvimento, uma

preparação e eu em relação ao ano passado, os ovos, as pipocas, e da

massa e eu não consigo, foi uma falha, isto foi falha mas tinha pena de

não ter estado presente porque aí é que eu podia ver.

Invest. – Depois vê as cassetes e vê os seus meninos …

Educ. – Ver … porque uma pessoa nota, nota diferenças mas comparar

uma actividade feita ao meio-dia com a mesma coisa, este ano e o ano

passado, eu não consegui ver, eu não consegui fazer essa distinção

porque eu não estive, para mim é um bocado difícil falar do ano

passado mas é que realmente aquilo dos ovos me marcou, marcou

Entrevistas aos Educadores de Infância

471

porque eu achei um piadão àquilo. Em relação à inovação, eu gosto, eu

não lhe sei explicar…

Invest. – Houve algum material, ou alguma coisa que fosse de alguma

forma imprevista?

Educ. – Foi um a coisa que me lembro de ter comentado na altura,

nunca me ter passado pela cabeça meter nas mãos dos meninos, o que

é que nós metemos?

Invest. – O alho e a cebola? Teria sido?

Educ. – Teria sido? Essa foi numa de cheiro, mas houve uma coisa

qualquer, esquisita que nós também pusemos com eles. Coisa

esquisita? Na gelatina, pronto, já é …Leite condensado? Acho que era

liquido… Foi a espuma. Nunca me passava pela cabeça pôr espuma da

barba aos meninos. Nunca. Primeiro, com medo que lhes fizesse mal,

mesmo que não metessem à boca. Eu sabia que era qualquer coisa que

eu nunca faria… A massa, gelatina, leite condensado, são umas coisas

mais corriqueiras de fazer com os meninos, não é? O café…o café…

Invest. – Estiveram muito tempo nesta actividade, nem me apercebi, na

altura, que tivessem estado tanto tempo. Depois de ver as cassetes é

que me apercebi.

Educ. – Na altura, comentámos que eles estavam-se a interessar muito

tempo com uma coisa que não ia… mas prontos, são, são, são coisas

mais … Agora, espuma de barbear, nunca me passava pela cabeça

pôr… Os ovos era também capaz de nunca pôr, embora tivesse sido a

actividade que eu mais gostei.

(…)

Educ. – É uma coisa que eu lhe queria perguntar, já agora é: estas

experiências com os miúdos, que se fazem, se é bom ou mau, meter

alimentos, assim, eu posso-lhe falar nos ovos que são coisas que, como

é que eu lhes hei-de explicar…

Invest. – Se eles apanharem em casa podem fazer o mesmo e ir

brincar…

Entrevistas aos Educadores de Infância

472

Educ. – Eu sei que nós ao apresentarmos, não apresentamos na

travessa, que não se deve, não é? Agora a minha dúvida é que isso

proporciona um desenvolvimento, uma experiência nova, tudo bem, se,

se deve é utilizar esse tipo de coisas que em princípio são caras, não é?

Invest. – Caras, mas que acabam por ser mais baratas, do que a

modelagem ou a plasticina ou muitas outras coisas…

Educ. – Por exemplo p´ra gelatina…

Invest. – Repare numa coisa: por exemplo a gelatina. Quando os

meninos comiam gelatina eles faziam digitinta ou brincavam a qualquer

outra coisa?

Educ. – Não vi

Invest. – Educ...., eu acho que é o seguinte: no próximo ano, a

continuar, não faz com estes alimentos, tem que fazer com outros. Põe

exemplo, legumes cozidos, tipo esparregado de cenoura ou beterraba,

ou batata cozida…

Educ. – Pois a batata não está filmada.

Invest. – Foi batata cozida. Está filmada e eu não analisei porque só

tenho uma criança que é sua.

Educ. – Mas pôr qualquer tipo de alimentos?

Invest. – Não exactamente, porque a nossa opção pelos alimentos é

para eles poderem meter à boca. Nós não estamos a querer tirar da

boca.

Educ. – Mas eles acabam por estragar o alimento.

Invest. – Estragar?

Educ.– Eles acabam por brincar, podem meter à boca, mas acabam por

desperdiçar o alimento…

Invest. – Porque estão a comê-lo?

Educ. – Não!

Invest. – Estão a conhecê-lo de outra maneira.

Educ. – Não. Por exemplo, os ovos podem ir comendo, mas acabam por

ir para o lixo.

Entrevistas aos Educadores de Infância

473

Invest. – Vai para o lixo como a pasta de farinha vai depois de muito

usada.

Educ. – A minha confusão é essa: é eles utilizarem uma coisa que

depois vai para o lixo, mas ao mesmo tempo…

Invest. – Mas tem um fim.

Educ. – Brincar, mas ao mesmo tempo é posto como alimento. Isso não

lhes causa um bocado de confusão a eles?

Invest. – Há aquela questão da assimilação e acomodação do Piaget,

esses processos podem ter críticas… um dos nossos cuidados tem que

ser exactamente a forma como apresentamos os materiais e o contexto

em que o fazemos. Nós não vamos colocar na mesa um prato com

esparguete nem pegar em colheres para eles mexerem porque aí pode

haver assimilação e acomodação…

Educ. – Claro…

Invest. – Portanto, quando vier um prato de esparguete para a mesa

eles vão fazer digitinta ou espalhá-lo pela parede, como fizeram este

ano? Nós fizemos tudo isto em contextos perfeitamente informais e

inclusivamente modificamos cores, sabores, introduzimos cheiros

nessas coisas todas, portanto, os materiais embora sejam comestíveis

podem ter sabores ou cheiros alterados.

Educ. – E que naquela situação acabam sempre por não fazer confusão

à criança.

Invest. – Não, porque ela sabe quando está a trabalhar e quando está a

comer. É uma crítica ou uma dúvida que eu vou ter que saber

defender…

Educ. - O utilizar alimentos? Eu cá acho muito bem, mas fiquei sempre

com a dúvida se seria o mais correcto o pôr-se alimentos, quando eles…

Invest. – Vocês que dão de comer todos os dias verificaram que as

crianças comem normalmente, não começaram a fazer mais porcaria,

por isso poderia até ser que entornassem para fazer digitinta…

Educ. – Nem tive nenhum caso nem ouvi a … [educadora] reclamar

nada.

Entrevistas aos Educadores de Infância

474

Invest. – E repare que a quantidade de esparguete este ano posto na

mesa, era um monte de massa de muitas cores, com sabores diferentes,

umas salgadas, outras com diferentes sabores. Eles sabem que aquilo é

para trabalhar. Assim como se dissesse “não mexe aqui”, eles não vão

mexer….

Educ. – Mas qualquer tipo de alimento pode ser….

Invest. – Qualquer tipo. Eu acho, por exemplo que se pode espetar uma

alface, uma batata crua, uma batata cozida, diferentes coisas, para eles

provarem, para eles mexerem, amontoarem, para organizarem. Por

exemplo, a laranja e limão.

Educ. – Viu que era só laranja e limão.

(…)

Invest. – Agora que está no fim da creche e vai entrar no jardim, que os

seus meninos vão ser “promovidos” para o jardim, acha que atingiu os

seus objectivos? Os seus meninos estão como queria no final da creche?

Pensa “vou começar com eles no jardim, e acho que um menino de 3

anos deve entrar para o jardim ….”?

Educ. – Tenho 2 ou 3 que me preocupam mas isso faz parte do normal,

mas no geral até acho que estão bem, mas sabe quais são, não sabe?

Entrevista com a Educadora 2 Invest. – A Educ. ... foi a única Educadora que começou há dois anos

aquilo que eu vou levar daqui. Portanto a Educ. ... foi a educadora que

mais trabalhou.

Educ. – Olé prestígio!

Invest. – A Educ. ... foi a Educadora que deu mais continuidade ao

projecto e que esteve mais tempo a trabalhar comigo. Este tipo de

trabalho pode não ter muito de inovador, porque eu sei que vocês,

algumas coisas já faziam.

Educ. – Algumas. Mas algumas também firam inovadoras.

Invest. – Mas assim com esta frequência não faziam.

Entrevistas aos Educadores de Infância

475

Educ. – Não, porque isto também tem muitas exigências e é aquilo que

eu tenho dito aqui. Tenho pena de termos outro tipo se calhar agora

vamos ter lá em cima), outro tipo de instalações, e tenho pena, também

de não me ter dado com toda a gente. Mas esperemos que para o ano dê

para se fazer alguma coisa que se tenha feito este ano com os outros

meninos, que não fizeram.

Invest. - Eu penso que de facto essa posição, uma vez chegada ao fim

dos dois anos e a Educ. ... dizer «Se eu tiver condições, continuo» é

porque acha que há alguns efeitos positivos para as crianças …

Educ. – Então não há? E muitos. E mesmo em mim, eu aprendi

imenso. Tanto pelo negativo, inicialmente, não é, quando eu falava

muito, por exemplo, foi uma coisa que eu aprendi por mim de positivo.

Eu estava a fazer de forma errada.

Invest. – Pois, consciencializou-se de uma coisa que…

Educ. – Só por isso acho que já foi óptimo e por tudo o resto. Mas só

por isso gostei imenso. Na altura foi se calhar, um bocado, pronto…

fiquei um bocado surpreendida mas depois de ver o vídeo, uma pessoa

consciencializa-se de outra forma.

Invest. – Penso que às vezes as pessoas nem se apercebem de

determinado número de coisas, de determinados hábitos.

Educ. – Não. Se uma pessoa tiver outra pessoa a dizer-nos é mais fácil,

sem repreensão nenhuma, mas é um carácter crítico que é positivo para

nós.

Invest. – Eu pelo menos quando lhe disse isso, não foi numa

perspectiva crítica.

Educ. – Eu sei. Isso para nós é bom mas acaba por ser crítica positiva,

porque vamos aprendendo, acabam-se as pequenas coisas.

(…)

Educ. – Eu se calhar faço isso. Só que a minha Cátia, se calhar, espero

uma resposta imediata que não espero dos outros.

Invest. – Quando ela não responde fica um bocado desarmada. «Então,

como é, não respondes, não sabe responder?»

Entrevistas aos Educadores de Infância

476

Educ. - Isso acontece.

Invest. – É não é? Eu acho que são curiosidades. É evidente que são

estudos que são feitos, mas que para nós acabam por ser curiosidades,

de alguém que está de fora, que está a ver e que tem uma percepção

diferente das coisas que nós fazemos. E eu lembro-me porque

realmente, me tocou e nas crianças pequeninas em que eu estudo de

alguma forma o cérebro e o processo de formação, e é uma coisa muito

complicada para eles: eles têm de ouvir, de ouvir têm que mandar cá

para cima para processar a informação, e depois têm que pensar a

resposta e têm que dar e só depois falar…

Educ. – Não sei se, se recorda que no ano passado, aconteceu-me isso…

No início do ano a Educ. … numa altura disse-me «Tem que ter calma,

tem que esperar que eles pensem, que tenham poder de resposta»…

Invest. – E isso porque falava muito depressa, recorda-se?

Educ. – Mas porquê? Também se calhar eu vinha dos cinco anos. Eu

sou uma pessoa que fala muito já, mas vinha dos cinco anos onde a

resposta era imediata e mais directa do que me aconteceu. Eu por

exemplo agora já obtenho resposta. É uma idade completamente

diferente, que dá para estar a conversar, portanto acaba-se por não se

estar ainda muito tempo … mas aquele que se está a conversar com os

outros, o que não aconteceu no início do ano passado.

Invest. – Porque quando eles não falam, o adulto ainda tem muita….

Educ. – Mais tendência de falar. Aconteceu-me isso no início do ano

passado.

Invest. – Eles não nos dão resposta e por isso há que interpretar aquele

vazio.

Educ. – E se não fosse aquela chamada de atenção da Educ. … que tive

na altura, não ma dava conta disso. Se calhar, no próximo grupo que

tiver, de ano e meio, se calhar… pois tenho mais consciência daquilo

que se possa ou não fazer.

Invest. – Penso que foi importante, quer a nível de consciência, porque

eu acho que a Educ. ... fazia aquilo como o melhor que sabia fazer.

Entrevistas aos Educadores de Infância

477

Lembro-me que uma vez falamos disso. Não é pelo facto de nós falamos

muito que nos desenvolvemos muito a nível de linguagem.

Educ. – Se eu não tinha resposta, a linguagem deles também não se

desenvolveu…

Invest. – Eles não tinham tempo de treinar, não é?

Educ. - Não tinham, não tinham, tenho consciência plena

Invest. – Pois. A Educ. ... queria falar e queria que eles estivessem a

raciocinar, portanto, a sua intenção era a melhor possível. Não estava a

perceber que eles não estavam a falar porque não lhes estava a dar

tempo.

Educ. – Pois não, pois não, eu tenho consciência. Foi uma das coisas

que foi positivo terem me chamado a atenção porque acho que se nunca

ninguém me tivesse dito eu continuaria, se calhar, a ajudar da mesma

forma. Não sei se chegava a ter algum dia consciência do que estava a

fazer.

Invest. – Repare que o facto de me ter dito “não”, surtiu o efeito que

surtiu, e depois ter visto a cassete.

Educ. – Pois não. Eu acho que nós vendo… daí a importância que eu

acho, até já disse às minhas colegas “vocês filmarem duas ou três

actividades que vocês façam e depois vê-se”. Porque elas chegaram a ver

as minhas e elas disseram, realmente … eu não disse «Vão ver isso e

vão fazer uma crítica, vão dizer o que é que acham» e foi, eu lá estive a

dizer como é que foi o processo, o que é que estava a acontecer e

realmente foi uma das chamadas de atenção dessa senhora,

precisamente até eu falar de me terem dado oportunidade à actividade

que eles iam desenvolver. E aquilo era uma actividade, não era um

início. No início então ainda era pior, ainda mais em grande grupo, ou

então manipulava completamente a conversa porque não tinha nem

discurso, porque não tinha feedback…

Invest. – Exactamente. Não havia feedback do diálogo

Educ. – Do diálogo que tinham para mim. E eu convencidíssima que

eles estavam a entender tudo o que eu dizia, mas que estavam a

Entrevistas aos Educadores de Infância

478

interpretar muito bem aquilo que eu estava a dizer e que ia ter algum

tipo de resposta

Invest. – Aliás ver agora os primeiros vídeos é engraçadíssimo porque

eles são muito pequeninos e estão a aprender ainda

Educ. - A andar muitos deles, a aprender a caminhar, há que ver o

grupo assim.

Invest. – Eles são muito pequeninos. O que queria era puxar por eles,

não era? Bom, no ano passado, fizemos actividades com varias

crianças, este ano é que nos centramos só em algumas, acha que essas

actividades os ajudaram de forma a desenvolver as competências de

uma maneira diferente daquelas que eles faziam?

Educ. – Era diferente. É assim: quando digo, se alguém diga já ter feito

isso. Não! Nunca tinha estado com estas idades. Se calhar já tinha

ouvido falar, sim senhor. Agora para eles foi importantíssimo. Acho que

sim. Se calhar no ano passado não soube gerir tão bem como fiz este

ano. Eu acho que aí esteve o meu problema. Se calhar no ano

passado…

Invest. – Não soube gerir o quê?

Educ. – Ao nível de estar com eles. Este ano já estive numa posição

diferente com eles e a actividade para eles já foi mais benéfica. Eu acho

que estraguei muito, no ano passado em falar, em estar eu a dizer

tudo… acabaram por não desenvolver tanto quanto desenvolveram este

ano, os cinco que tiveram as actividades. Percebe?

Invest. – Pois… por causa da orientação que lhe queria dar…

Educ. – Este ano foi mais produtivo para eles do que o ano passado.

Porque este ano, eles estiveram sozinhos, foram criando… Tinham

obstáculos, foram tentando resolvê-los, ajudaram-se uns aos outros. No

ano passado era eu que resolvia, era eu que manipulava. Recordo-me

daquele ovo…

Invest. – A Educ. ... também viu a cassete de actividades em que estive,

foi das primeiras. Não foi na primeira, que essa foi a da massa, mas

podia ter sido das primeiras…

Entrevistas aos Educadores de Infância

479

Educ. - Mas a massa também … que eu até fiz aquela janelinha da

casa…

Invest. – Exactamente. Mas de qualquer maneira, a sua postura era

muito aquela. Penso que era exactamente porque não havia resposta

das crianças, eles brincavam pelo prazer de brincar, pelo mexer, pelo

provar, pelo esticar p´ra frente na mesa, não é? Eu acho que a Educ. ...

sentia falta de outras coisas diferentes, incentivava-os, exemplificava,

isso tudo. Este ano, nessa atitude de não iniciar nenhuma interacção…

Educ. – Acabavam por criar eles o que eles pretendiam…

Invest. – E eles foram capazes de criar muito.

Educ. – E no ano passado, se calhar, também seriam, não com tanto

permanecer como agora fazem as coisas, mas teriam da mesma forma.

Invest. – Claro. Eram mais pequeninos, e este ano, percebiam. Eu

estou quase que em “estado de choque” com algumas actividades em

que acho que eles estiveram tempo demais, e houve actividades que as

começamos mais cedo este ano e que tiveram que acabar porque a

carrinha chegou.

Educ. - Eu acho também o seguinte. Acho que se eu este ano tivesse

adoptado o mesmo comportamento as actividades melhoravam sim, eles

não eram tão criativos e não gostavam tanto, não se empenhavam tanto

como faziam sem a minha orientação. Não acha?

Invest. – Eventualmente. Porque repare, uns criavam, inventavam,

ampliavam o seu espaço, imitavam algumas atitudes e alguns

comportamentos, ou imitavam e depois criavam novos ou imitavam só

por imitar. Mas, por exemplo, o ano passado a massa foi feita sentada e

este ano foi de pé.

Educ. – É completamente diferente. Há outra abordagem e outra

manipulação de andarem mais à vontade.

Invest. – Repare, eles deitaram (e aliás a Educ. ... depois ajudou) a

massa para o chão porque eles entornaram, inclinaram a mesa…

Educ. – Completamente…

Entrevistas aos Educadores de Infância

480

Invest. – Mas é o ampliar o espaço. Quer dizer, às vezes a mesa é

demasiado pequena, não é a posição ideal e eles, como são muito

naturais, muito pequeninos, vão procurar outra posição. Lembro-me

que a Cátia este ano pegou nas coisas de cima da mesa e foi para o

chão.

Educ. – Foi para o chão.

Invest. – Aliás, era aí que ela ia estar bem, e como lhe era dado essa

liberdade…

Educ. – O mesmo acontece actualmente na sala, desde aí. Eles no outro

dia pegaram num papel e canetas e foram desenhar para o chão. Não

lhes apeteceu desenhar na mesa. Ficaram sem cadeiras. Lembraram-se

também de tirarem as cadeiras, «não queremos, queremos desenhar

assim nas mesas», e uma delas exprime a ideia, se não estou em erro,

trazer o desenho para o chão. Os outros por imitação foram todos.

Foram todos iguais… É engraçado nós às vezes limitarmos muito, o

espaço… o espaço das cadeiras das mesas, têm que estar ali, não se

podem pôr a pé, e porque é que não se podem pôr a pé?

Invest. – Tantas regras…

Educ. - Porque é que somos nós que damos os marcadores e até não

são eles que vão buscar se lhes apetece desenhar?

Invest. – Não foi a Educ. ... que disse que eles começaram a ir sozinhos

buscar as coisas! Estavam os ovos pousados na relva e eles começaram

a ir buscar conforme queriam. E a Educ. ... até disse «Realmente nós

temos a mania de controlar tudo e dar-lhes o material e eles afinal,

quando precisam…

Educ. – Vão buscar. Estando ao acesso deles, eles vão buscar. O

mesmo acontece na expressão plástica, concretamente, uma pessoa tem

a mania de perguntar: «O que é que tu queres?» Colocamos-lhe à frente.

Para quê? Eu actualmente, já fazia assim. Ultimamente. «Queres ir, vai

buscar o material que queres e depois... É uma liberdade diferente, que

é isso que eu acho que não temos muita consciência. Uma pessoa

pensa assim: vai desenhar na mesa. Há coisas que tem que ser daquela

Entrevistas aos Educadores de Infância

481

forma, porque até nos foi dito assim, porque até estamos habituados a

que sejam assim e se fizermos de outra forma não tem mal nenhum e

eles até gostam mais. Porque eles no fundo arranjam estabilidade igual

no chão. Porque o meu maior problema, a minha maior preocupação

era eles terem estabilidade. Aconteceu a mesma situação nos jogos:

Quererem ir fazer os jogos para o chão. Não é tão estável mas para eles

era, de perninhas à chinês, ou se estavam cansados, deitavam-se, e

acabavam por arranjar…

Invest. – E repare, tem um espaço mais …

Educ. – Maior, mais abrangente. É.

Invest. – Não caem as peças abaixo da mesa, não tem mais nada …

Educ. – Se calhar é isso. O tradicional gostar de ficar em cima da

mesa… tem de ser em cima da mesa… e acho que pensamos muito

dessa forma e, se calhar, não deveríamos pensar tanto assim e dar-lhes

mais liberdade.

Invest. – A nossa formação inicial de educadoras leva-nos a orientar…

a prepararmos tudo para que estejam as coisas latentes?

Educ. – Eu falo por mim e a minha formação é de há 6 anos atrás. Eu

acho que somos muito preparadas a ter tudo, a não dar tanta liberdade

e é pena porque eu acho que devíamos ensinar a dar mais liberdade,

estar a supervisionar, mas a dar mais liberdade para ver até que ponto

é que chegam, o que é que eles podem fazer. Eu digo-lhe: algum dia se

voltar a pegar num grupo de ano e meio, acho que vai ser um bocado

eles trabalharem de forma que eles quiserem, nada de muito

implementado, muito… Tem que ser dado desta forma, não é?...

Invest. – Eles têm que brincar nestas idades. A brincar, descobrir…

Educ. – Brincar e descobrir por si só. Agora não é muito bem, depois

dos três, quando já estão muitas coisas enraizadas…

Invest. – O papel do educador é ir ajudando e explorando, mas deixa-

las ir descobrindo o mundo

Educ. – Eu acho que nós temos muito a mentalidade, que nós temos

que ajudar, sim senhor, por exemplo nos conflitos, uma pessoa tem logo

Entrevistas aos Educadores de Infância

482

tendência… Falo por mim. Se calhar outra das coisas que eu fui

aprendendo… Aí está. Isto para nós, acho que se pode falar em nome de

todas, mas para mim acabou por ser muito benéfico nisto. Na sala já

não intercedo tanto, só se mesmo há uma mordidela ou uma estalada

como no outro dia houve consigo, e eu então pegava assim. Mas já vou

deixando um bocado mais, alguns conseguem, outros não. Mas acabam

por conseguir de alguma forma, ou então estou a olhar para nós para

ver porque muitos deles olharem para nós a ver o que é que nós vamos

dizer… e ficam estranhos. Portanto, para aqueles que não fazem parte

do programa tenho reagido da mesma forma e ficam a olhar para mim.

Devem estar a pensar «ela não parece bem!» e ficam a olhar para mim.

Não sei. E eu então: «eu não tenho nada a ver com isso. Resolvam,

vejam o que é que vocês …eu não tenho nada a ver com isso». Para

alguns é positivo, para outros é negativo. Não conseguem. Tenho alguns

meninos que não conseguem enfrentar o problema e resolvê-lo

automaticamente… Aí nós interferimos, penso eu, tem que ser da

melhor forma, porque senão alguns…

Invest. – É evidente que aí tem que se ter atenção. Porque depois

entram em interacções de forma negativa e agressiva. Tem de se

controlar antes de chegar a esse ponto, não é ? Mas é preciso deixá-los

experimenta essa sensação de ter de ultrapassar … resolver o problema.

Porque é engraçado e eu penso que foi das grandes aprendizagens que

eu fiz, já que eu nunca tinha visto resolver os conflitos tão bem

resolvidos como os vi aqui, de uma forma tão independente. Porque o

facto de eles estarem a olhar, eles entravam em conflito e era raro

entrarem em conflito: quando entravam era por disputa dos materiais,

não era por nada de muito complicado, nada de grave, mas de imediato

olham para o adulto a pedir socorro, não é?

Educ. – É, é. E nós temos a tendência de… para eles não ficarem

tristes, não ficarem frustrados de os «resolvemos». E é assim uma

frustração.

(…)

Entrevistas aos Educadores de Infância

483

Invest. – Se pensarmos na autonomia e na independência cria-se…

Educ. – Cria-se também com processos, com dilemas e com resolução

de problemas, sem dúvida.

Invest. – A verdadeira autonomia é quando nós somos capazes de

resolver os nossos próprios problemas e conflitos

Educ. – É verdade, tem razão. Eu acho que é por causa deles serem

muito pequeninos. Eles eram tão pequeninos no ano passado. Pronto,

resolviam na mesma os problemas, acredito que sim, só eu nunca

trabalhei com esta idade e achava-os tão sensíveis com uma cabecinha

tão pequenina…

Invest. – É. Eventualmente os mais pequeninos não eram capazes,

porque nem sequer conseguem…

Educ. - Mas se calhar até seriam … Uma pessoa tem tendência de

resolver mas se calhar e como eu digo, é quando eu tiver outra vez

outro «um ano», se calhar os meus comportamentos vão ser de outra

forma, a minha actuação, espero eu e esperemos que dê para filmar

nessa altura, vai ser de forma diferente.

Invest. – Realmente é engraçado ver o crescimento deles a nível de

determinadas competências que eles têm. Essas, para mim, foram

espectaculares; ou a criatividade que eles apresentarem em algumas

coisas que faziam. Eles faziam coisas que não me passavam pela

cabeça.

Educ.– Completamente. Eles foram buscar, a verdade…

Invest. – Eles foram sensacionais. Agora em relação a esta dinâmica

toda, chamemos-lhe assim, a Educ. ... diz: «No próximo ano se tiver

condições, eu avanço». Avança porquê? Porque acredita que este

trabalho desenvolve mais as crianças…

Educ. – Não é assim. Eu sempre acreditei. Nós aqui é que não temos…,

acabamos por não ter muito…

Invest. – Eu acho que se fizeram, de alguma forma, «milagres» porque

as condições eram complicadas.

Entrevistas aos Educadores de Infância

484

Educ.– Eu tendo uma pessoa ao meu lado que me ajude, eu gostava de

fazer mais coisas, sem dúvida alguma, dar uma continuidade. E então

lá fora, acho que vindo um tempo bom, dar uma continuidade, sem

problema algum. Com condições, com espaço, eu acho que não

queremos melhor coisa, não é? Pelo menos eu penso dessa forma. Eu

fui contando a amigas minhas, e elas ficavam «Vocês se fizerem isto,

vocês vão ver que não é problema nenhum. Ou elas diziam a mesma

coisa: e o tempo depois? Nós lá conseguimos melhor ou pior, nunca

tivemos problema nenhum. Podíamos atrasar um bocado mais no

almoço. O que as pessoas vão dizer é realmente… «as condições, não

tem condições…» Acabam por estar um bocado como nós, cá…

Invest. – Eu acho que pior do que o que vocês têm, não conheço

nenhum…

Educ. – E conseguimos fazê-las. Portanto não me venham falar em

condições…

Invest. - Pior do que aquilo que vocês têm não conheço, porque basta

não ter água quente…

Educ.– Pois, aqui não há. A nossa sorte, no fundo, era o tempo que

contribuiu e se conseguiu fazer cá fora.

Invest. – Este ano, felizmente, praticamente desde Março, fizemos tudo

lá fora. E avançamos uma semana porque estava pior o tempo. Mas na

semana seguinte estava bom e conseguimos fazer tudo, com muito bom

tempo, e as ultimas que fizemos foi com óptimo dia e eles puderam

pintar-se à vontade, estarem verdadeiramente à vontade.

Educ. - O que é que nos acontece? Feita no grupo inteiro é que

estivemos uma semana com a mesma actividade que o pequeno

grupinho. Temos é que saber depois gerir isto. É assim. Agora íamos

com cinco, como temos vinte, são quatro dias com a mesma actividade

para nós, e para eles não com a mesma actividade. Eu acho é que

temos que pensar um bocado desta forma. Outra das coisas que

aprendemos ao longo deste ano foi a nível de planificação. Acabamos

por fazer diferente, acabamos por planificar, pensamos sim senhor, o

Entrevistas aos Educadores de Infância

485

que fazer, só que acabávamos por colocar no papel depois de ter feito,

até porque surgiam coisas novas, acabavam por surgir objectivos novos,

na actividade nunca pensávamos que se calhar iam acontecer, pelo

menos nós… Eu trabalhei… este ano já trabalhamos assim e eu acho

que por mim foi mais lucrativo. Aprendi muito mais, consegui

desenvolver-me. E até a nível de português eu continuava com muita

dificuldade em passar para o papel, acho que foi melhor desta forma.

Porque eu acho que estamos muito centradas também, em que este dia

tem que ser assim, aquele dia tem ser uma coisa diferente do dia

anterior para não ser igual, não é? Eu acho que nós, Educadoras

pensamos um bocado assim. E não tem que ser. Porquê? Podemos fazer

e a Educ. … até já nos dizia isso, que até conversávamos com ela e

disse «não», porque é que tem que ser assim? Não tem que ser assim

«Vocês podem estar perfeitamente, estar uma semana com a mesma

actividade, mas não é para os meninos…». E é uma coisa que nós

pensávamos… E falo por mim agora e contra mim, que, se calhar,

pensávamos que devíamos ter cada dia uma actividade e não temos. O

que temos é que ter também uma pessoa junto a nós que nos

proporcione, também, isso.

Invest. – Há actividades que podem fazer. Umas que sujem menos e em

que podem estar …porque nós este ano limitamo-nos a cinco crianças

dadas as minhas condicionantes. Mas há algumas que dão para fazer

com mais crianças, desde que não seja um grupo muito grande, mas

num grupo que seja relativamente pequeno, que seja de 6 crianças ou

por aí…

Educ. – É melhor, a nível de confusão e a nível de oportunidade que é

maior num grupo menor do que num grupo menor.

Invest. – Claro, mas se houver algum comportamento que seja

realmente relevante, vocês percebem-no perfeitamente.

Educ. – Evidente. É muito mais fácil

Invest. – Num grupo muito grande perdem, até porque estão no

controlo (se toda a gente tem material, se não falta material), e perde-se

Entrevistas aos Educadores de Infância

486

o verdadeiro papel ou função da Educadora, que é estar e não a

controlar o grupo, é estar a interagir, a ir explorando e ajudando as

crianças a crescer. Portanto, em vez de fazerem com cinco, podem fazer

com seis, com sete, com oito dependendo… Desde que caibam nas

mesas, tenham acesso ao material, desde que não se atropelem é

possível. Agora, também não tem que ser todas as semanas, fazer

todas… quer dizer, podem ir mais ou menos intercalando. (…) Mas ir

modificando os materiais. O que me parece importante é que não sejam

os mesmos; o que é que eu quero quando utilizo o chantilly? É

essencialmente trabalhar o cheiro e o paladar, porque o tacto e a visão

por inerência estão lá. Mas essencialmente é o cheiro e o paladar… e

pensar em função disso, quais são os materiais que me dão mais leque

mais alargado e depois pensar. Porque aquilo que me parece, porque

embora os ovos, a gelatina, o não sei quê, sejam materiais não baratos,

acabam por ser mais baratos do que comprar plasticina para os

meninos brincarem. A plasticina para ser em quantidade é cara. Se lhes

der aqueles palitinhos que há, de plasticina, não adianta porque eles

não podem fazer nada.

Educ. – Não, não, não…

Invest. – Portanto tem que funcionar com a quantidade

Educ. ... – O barro

Invest. – O barro é demasiado duro, não dá. Eles desistem…

Educ. – Desistem, desistem…

Invest. – Desistem porque aquilo é muito duro; a plasticina que é mais

fraca é dura e eles não gostam.

Educ. – Aí temos o factor realmente económico mas pronto…

Invest. – Mas repare, isso também não se faz todos os dias. Faz-se uma

actividade por semana. Ao fazer com o grupo todo, por exemplo, pode

gerir com outras actividades…

Educ. – Podem ir intercalando, ir intercalando metade do grupo até, faz

esta actividade com os ovos, outro faz com outras coisas. É assim.

Também não estou a dizer que tem que ser toda a gente a fazer, por

Entrevistas aos Educadores de Infância

487

exemplo, com os ovos, mas dar oportunidade a toda a gente a passar

experiências destas. Percebe? No próximo ano eu pretendo fazer um

bocado isso… Pronto. Ir modificando…

(…)

Invest. – Ou dois ovos para cada um. Portanto ir gerindo o material em

função destas coisas todas.

Educ. – Eu acho que sim porque é assim: nota-se realmente, situações

diferentes, apreciações diferentes destas actividades, daquelas

actividades regulares que nós fazemos, trabalhos de plástica. Eu nunca

fiz nenhuma este ano, pensei ainda filmar algumas actividades de mesa

para poder comparar com as que fazemos lá fora. É evidente que o

entusiasmo é outro, o diálogo é outro entre eles, a interacção é

completamente diferente. Há interacções no trabalho de mesa, há, mas

é diferente, não é tão entusiasmado, é diferente, é mais pousado, é tudo

mais subtil, não há o comparar…é diferente. Nota-se uma diferença

muito grande.

Invest. – A Cátia fica amuada se não vai fazer, fica zangada quando não

tem material vai-se embora… e essas reacções dela, dela e das outras,

são significativas. Sabe o que é que o Alfredo me estava a dizer agora?

Que a mãe lhe tinha dito hoje (quando falar com a mãe pergunte-lhe),

que a mãe lhe tinha dito hoje para ele ir para a piscina. E a última

actividade que nós fizemos foi com a piscina. Portanto a senhora devia

ter achado que viesse tomar banho na piscina ou qualquer coisa no

género… mas porque é que ele me veio dizer que a mãe disse que ele

hoje ia para a piscina? Isto, eu acho curioso. Eventualmente a mãe fez

algum comentário em relação ao banho, porque ele estava. O Leandro é

que não estava na piscina. Eu acho que há um deles que não estava.

Acho que o Alfredo estava…

(…).

Invest. – Como considera que foi a minha presença nestes dois anos ao

nível de Instituição, com o seu grupo, com os seus meninos, consigo,

com o pessoal. Quer dizer, de que maneira interferi no seu trabalho?

Entrevistas aos Educadores de Infância

488

Como considera a minha presença enquanto mais um membro de

equipa.

Educ. – Eu penso que com elas [crianças], não sei se concorda comigo,

não houve grandes problemas. Sempre aceitaram muito bem, lembram-

se muito bem de si, acho que não houve problema nenhum ali na sala,

mesmo a sua presença não interferia muito naquilo que poderíamos

estar a conversar, eu com elas, não sei se acha da mesma forma.

Realmente entrava na sala e eles ficavam todos entusiasmados, iam ter

consigo e eu já não era ninguém. Passava para segundo plano

automaticamente quando entrava. O que eu acho que é absolutamente

normal, sabe porquê? Isto também acontece um bocado quando vem cá

a psicóloga. Quando entra a Dª… na sala também passo

automaticamente para segundo plano, ou quando entra a Educ. …

nota-se muito quando entram pessoas que elas já conhecem, têm

alguma estima e que têm à vontade em estar com elas,

automaticamente a Educadora passa para segundo plano e elas vão ter

com a pessoa e se eu falar um bocadinho… Aqui com o pessoal é que eu

penso que foi tudo mobilizado, algumas pessoas aderiram logo, outras

pessoas aderiram, é normal… Portanto eu penso que a algumas pessoas

meteu alguma confusão o estarmos com aquelas actividades ou estar a

brincar com os ovos, a brincar e a sujar, a sujar o sitio onde elas depois

tinham de limpar. Acho que este ano aceitaram melhor; no início do ano

passado foi um bocado mais complicado, pareceu-me. Não que me

tivessem dito directamente. Se calhar foi só pela forma como elas

reagiam, se calhar estou a falar propriamente da pessoa que estava

comigo na sala. Mas também uma pessoa que está comigo na sala tem

umas actuações um bocado mais… educadas, é complicado. Comigo,

este segundo ano, adorei, gostei imenso. No primeiro ano, se calhar,

retraí-me porque houve aquilo a meio do ano, não sei se se recorda,

com a … [Educadora substituta], pronto, fiquei e estava um pouco mais

apreensiva. Estava porque eu na altura até estive a conversar com a …

[investigadora]., não sabia muito bem como é que me havia de colocar;

Entrevistas aos Educadores de Infância

489

então, se a miúda agora ficava assim um bocado, meu Deus, até tinha

algum receio em dizer qualquer disparate. Deixa-me mas é portar

direitinho, não sei, será que estou a fazer algum disparate?...não sabia

muito bem que posição…eu estava à vontade só que ao mesmo tempo

eu não estava, percebe? A partir do momento em que conversamos, na

altura chegamos a conversar, recorda-se? Penso que fiquei cada vez

mais solta…. Este ano gostei imenso.

Invest. – Eu não podia ter dito aquilo do ano passado com intenção

com que a Educ. ... absorveu. Eu não podia ter dito porque eu não sou

assim. E, como não sou assim e mesmo a trabalhar a Educ. ... é

diferente da Educ. … e diferente da Educ. ..., são todas muito diferentes

e eu tento respeitar o máximo possível cada uma na sua sala, na

orientação não dei aos seus meninos. Se achar que devo dizer alguma

coisa, digo, e…

Educ. – E acho bem. Tenha sido ou não como Investigadora, acho bem

que diga. É que eu, às vezes, peço ás pessoas que, quando chegarem à

sala, seja quem for, se alguma coisa não esteja correcta é preferível

dizer do que nós pensamos que estamos a fazer correcto e continuamos

a fazer errado.

Invest. – Eu acho que, independentemente, de eu falar, eu não estou a

avaliar as educadoras, não estou …

Educ. – Não, pronto, se calhar eu no primeiro ano pensava muito de

forma diferente. É claro que este ano nunca pensei ajudada. Se calhar,

não sei explicar também porque é que eu senti aquilo, mas eu senti

algum desagrado no ano passado e, na altura, chegamos a conversar e

acho que foi o melhor. Opção em conversar, também acho que

conversando as pessoas acabam por chegar a algum consenso, seja

positivo, seja negativo, concordem ou não. Eu não estava a sentir-me

muito bem, pronto, não estava e então eu não estando a sentir-me bem

com qualquer coisa, se eu já sou muito presa nas relações…

(…)

Entrevistas aos Educadores de Infância

490

Educ. – Mas o que é que achou? … Comigo no ano passado e comigo

este ano?

Invest. – Em relação ao ano passado, eu achei que embora as

actividades do P.E.S.m. fossem realizadas, ainda estava muito enraizada

naquelas actividades tradicionais.

Educ. – No ano passado?

Invest. – No ano passado. Este ano acho-a muito mais liberta.

Educ. – Não. Este ano como digo eu adorei as situações. É assim: eu

adoro estas actividades, só que, no ano passado eu não sabia muito

bem orientar-me, como é que é… Que posição havia de tomar, como é

que as coisas eram, como devia actuar, como é que eu não poderia

achar…

Invest. – Mas na sala, no grupo, no contexto, acho-a muito mais

descontraída este ano, muito mais brincalhona, muito mais informal,

parece que está menos preocupada com a disciplina quando está

igualmente preocupada e as coisas funcionam melhor.

Educ. – Eu acho que este ano estou mais à vontade consigo e então sou

mais informal estando na sala e se calhar, era mais formal o ano

passado na sala. Se calhar não a conhecia tão bem e como não sabia

muito bem o que se estava a passar, e se calhar era… sei lá… Eles

tinham que estar direitos para mostrar que estava tudo muito bem.

Invest. – Pois é isso, este ano não. E as coisas acontecem e se eles não

estão…

Educ. – Não havia tanto reboliço e eu, no ano passado, ficava um

bocado nervosa, no inicio, não sei se notou… E este ano não. Eles

também sentem se nós estamos nervosas, eu sinto às vezes isso. Uma

pessoa até vem mais chateada por qualquer motivo, e eles não param

de nos perguntar o que é que nós temos, também andam mais

agitados…

Invest. – No ano passado fazia as actividades P.E.S.m.…

Educ. – Porque tinha que ser…

Entrevistas aos Educadores de Infância

491

Invest. – Exactamente porque tinha que ser, era isso. E este ano as

coisas eram naturais, pareciam naturais. Portanto, tudo isto influía na

forma de estar e mesmo no divertimento das crianças, até nas

brincadeiras, na forma descontraída…

Educ. – Eu acabava por ter, só que era sem pessoas presentes,

percebe? Que era o que me acontecia no ano passado, enquanto agora,

estando ou não estando a … [investigadora] na sala, ajo da mesma

forma. Como não sabia como é que havia de actuar com uma pessoa

diferente na sala, que não conhecia, se fosse outra pessoa da Instituição

que já conhecíamos, actuávamos da mesma forma, percebe? Porque isto

a mim calhou-me no grupo anterior. Se conversar com a Educ. … ou

com alguém, é o meu feitio de ser este ano, o meu comportamento com

o grupo anterior. Eu acho que acabo por levar as coisas um bocado a

brincar e eles acabam por ter alguma disciplina. Uns melhor, outros

pior, mas eu acho que isso deve ser em todos os grupos. No ano

passado eu tinha, se calhar, quando as outras pessoas não estavam na

sala, acontecia… Eu não a conhecia, não sabia muito bem, depois

acabou por acontecer aquilo, então mais me retrai. Este ano ainda bem

que eu me consegui soltar muito mais, e fui completamente diferente. E

até para eles. Foi diferente lá fora porque não me sentiam tão

comprimida e a actuar tanto que eles também acabavam por aderir

doutra forma e chegavam à sala com a satisfação que, se calhar no ano

passado não sei se se notava tanto como se nota quando agora chego, e

contam aos amiguinhos o que estava a fazer. Uma coisa negativa que

achei e agora no final com grande dificuldade, era os outros e o que

diziam aos outros. Foi muito complicado. Chegaram-se a zangar

comigo. Chegaram em grande grupo a dizer «Tu andas nervosa,

porquê?». É como eu digo, se eu tivesse outro espaço, eu se calhar ia ver

se me controlava. Não tinha, era um bocado complicado, aqui, porque

com outro espaço eu cheguei a comentar isso com as colegas, eu fazia,

eu continuava com os outros meninos. Se calhar não tanto tempo, se

Entrevistas aos Educadores de Infância

492

calhar não tanto como nós estávamos, se calhar limitava um bocadinho

mais…

(…)

Educ. – Eles não têm é aquela experiência…

Invest. – Eles estão a ter um desenvolvimento dito normal tradicional,

pelo menos comum. Os outros, é que têm um tipo de enriquecimento

diferente. De qualquer maneira, quando nós chegamos ao fim do 2º ano

e eu penso que agora sim, que nos começaram a surgir as diferenças

porque no ano passado, se por um lado só foi um ano, que foi pouco…

eles ainda estavam muito na novidade, foi pouco… e nós somos capazes

de notar as diferenças, mesmo dentro do próprio grupo.

Educ. – Mas os outros chegavam lá dentro e diziam «eu fui lá para fora

e tu não foste», percebe? Já começa a haver esta…eu vi-me ali um

bocado aflita até depois da …[investigadora] sair e mesmo à tarde ainda

se lembraram e o meu Zé, principalmente «Porque é que eu não fui?», e

«E eu também quero ir». E no dia seguinte… muitas coisas e não era

pelo material, era pelas condições em si, não dava… eu às vezes nem

queria dizer «Nós vamos tentar experimentar aqui», mas não queria

dizer coisas que não são correctas e eu pensava assim: há coisas que

não lhes vou dizer porque eles também não conseguem pensar o que é

para o ano, mas em principio estou a pensar algumas rotatividades e a

repetir com aqueles que ficaram. Com os que fizeram, com os cinco,

não, acho que não há necessidade nenhuma. Agora as da água, as da

tinta, as da água com sabão, aquelas de fazer as da água com sabão,…

há uma série delas que dá para termos lá fora sem grandes custos,

aquelas com alguns custos… falando com a Educ. … aquelas que puder

ser…

Invest. – Por exemplo, as de bolinhas de sabão, não tem nada de

especial, …

Educ.– Mas eles adoraram. Foi uma nova técnica que não sabíamos.

Invest. – A do café, não fica tão cara assim, porque pedindo as borras

aqui ou ali,

Entrevistas aos Educadores de Infância

493

Educ. – Não, não, …

Invest. – Nós trouxemos o pó mas se. se pedir e deixar secar dá o

mesmo efeito porque nós não vamos fazer café com ele, e cheira na

mesma; se, se pedir ao Srº José dois dias antes ou se, se meter um

bocado no forno para secar, já fica um húmido, outro seco e meia dúzia

de grãos. Portanto, dá, não é assim tão complicado. Economicamente, é

viável. Outra coisa dessas aventuras todas que nós fizemos, há algumas

situações ou algum momento, pode ser a nível de actividades ou de

conversas, a nível, até, das próprias reuniões que fizemos, que a tivesse

marcado especialmente?

Educ. – Para o positivo e para o negativo? É assim. Quando chamava a

atenção inicialmente, para o positivo, é claro que como nós não

gostamos muito de ouvir, não é?, mas para mim foi positivo e acho até,

foi principal. Se calhar fui aceitando no início não tão bem como agora,

agora estamos em conversa e no início eu pensava que poderia ser

alguma crítica. Adorei essa parte para mim e acho que entre reuniões e

em tudo isso para mim, foi principal: e em ter visto em que é que eu

estava errada, e ter pensado, e ter sofrido, e ter ficado triste comigo

mesma, (que fiquei! Cheguei a ficar desiludida), nunca pus em causa o

profissionalismo, mas punha assim em causa «Como é que é possível eu

estar a fazer tal coisa?». Eu devia ter por obrigação não estar a fazer

isto, sou realmente uma pateta. Não me punha abaixo como Educadora

mas me punha abaixo como pessoa, tirando a parte de Educadora,

estou a fazer tal disparate? Isso para mim foi o que me custou, pronto,

foi um bocado sofredor, mas que para mim foi positivo, agora aceito

muito melhor e agradeço, no fundo, estas coisas pequeninas, chamadas

de atenção para nós, são positivas e são muito benéficas porque vamos

aprendendo. A nível de reuniões, prontos, gostei, acho que também me

ajudaram, mas acho que me ajudaram mais as críticas que eu fui

fazendo aqui, algumas que, se calhar, levei para a reunião, mas que

aqui eram feita e que eram pensadas, do que propriamente as críticas

positivas e negativas que também fizemos. Positivas, também tivemos,

Entrevistas aos Educadores de Infância

494

meu Deus, mas gostei principalmente das chamadas de atenção que me

fazia aqui, sem dúvida alguma.

Invest. – Eram, mais no terreno, mais na altura, mais directas…

Educ. – Eram mais directas, eram mesmo no momento porque às vezes

nós ate nos esquecíamos depois na reunião onde há tantas coisas que

temos, se calhar passava um bocado ao lado. Para mim prefiro, seja

com quem for, me dizer no momento do que na reunião que ate já nem

me recordo como é que aconteceu ou como é que não aconteceu. Custa

sempre, uma pessoa ouvir dizer coisas, mas está mal e custa, é assim,

custou no 1º ano talvez porque eu não a conhecia, se calhar agora já

aceito bem, percebe? Aí está, eu acho que este ano foi mesmo um

trabalho… como no 1º ano, o não estar tão à vontade, o não saber

muito bem porque se agora alguém me disser alguma coisa, uma colega

de trabalho ou a Educ. …, eu aceito muito bem, penso e não sofro como

se calhar, se eu algum dia fui… Foi mesmo pena o 1º ano ter corrido

assim porque eu acho que podia ter corrido uma maravilha como correu

este. Para mim, escusava às vezes quando pensava em si, estar tão

apreensiva sem necessidade alguma, e agora… Foi pena.

Invest. – Lá está, eu tento sempre pôr as pessoas à vontade.

Educ. – E punha, eu é que estava, se calhar, mais retraída. E nós não

sabíamos muito bem, com quem é que se contava, e, se calhar, agora já

temos um à vontade mais de dizer o que é que está bem e o que é que

não está. Uma pessoa sente isso, pelo menos eu sinto mais, qualquer

coisa que não ache eu digo é vice-versa e diz, se eu levar isso com uma

crítica muito má, mas uma crítica construtiva. Porque eu no ano

passado não levava isto assim.

Invest. – Porque no ano passado, eventualmente, a reacção era mais

distante, era uma relação mais distante e portanto tinha-se sempre o

“Se está a dizer isto onde quererá chegar?” ou “Se disse isto onde é que

quererá chegar?”.

Educ. - Disse o ponto fulcral e agora, se calhar, agora ao dizer estas

coisas é muito natural.

Entrevistas aos Educadores de Infância

495

(…)

Invest. – Em relação às reuniões que fizemos, a última foi sobre

observações e registos.

Educ. – Eu ainda tenho dificuldades.

Invest. – Mas em quê? Na observação ou nos registos?

Educ. – Nos registos. Na observação está muito bem, é mesmo passar

para o papel. Fizemos e contamos à Educ. … e não em nada daquilo. Eu

não era nada daquilo. Ai meu Deus, eu não sei, eu vou ter que falar

disso na reunião. Eu não consigo. Lembra-se, foi consigo até estava

comigo, até viu que era da Cátia… Mas a Educ. … não pretendia assim

daquela forma. Eu “ai meu Deus, eu então não sei fazer de outra

forma”. Eu tenho uma dificuldade muito grande e acho que é um dos

erros da nossa formação inicial, … A escrita para mim é um problema.

Consoante falam, consoante escrevem. Eu não quero frases muito

elaboradas, direitinhas. Mas é mesmo. Por exemplo, eu passando para o

papel consoante falo, está bem, não há problema. Agora estruturar, eu

tenho muita dificuldade e tenho pena. Mas isto também é uma lacuna

da minha infância. Também não andei no Jardim, também os meus

Pais não me desenvolveram tão bem quanto isso é lacuna muito grande

e agora quando amigas minhas me falam «Achas importante ir para o

infantário?», ai, eu acho. Até aqui, se calhar, se não estivesse nesta

idade, eu digo… tudo o que faço com os três eu faça agora com um ano.

«Não pode ser Educ. ...». Eu tenho amigas minhas que trabalham com

creche e quando eu vou mostrar, ou quando eu vou dizer ou mostro

fotografias, ou quando mostro planificações, «Tu fazes isto?» «Sim,

fazemos perfeitamente com a ajuda da … [investigadora], outras não,

outra com a ajuda da directora pedagógica, fazem isto». «Como é que é

possível fazer isto com esta idade e funciona como nós?» Eu acho que

em Portugal nós temos uma creche muito mal organizada e sem

desenvolvimento nenhum. E eu acho que é a base para tudo se nós

repararmos Pronto, eu agora sei porque estou a trabalhar nele, e uma

pessoa vai lendo mais e vai aprofundando mais, é a base para quase

Entrevistas aos Educadores de Infância

496

tudo depois na vida futura. É impressionante como é que, é possível,

nós não darmos o valor devido! Agora, se calhar, eu dou mais porque

estou nisto…

(…)

Educ. – Eu acho que devia ser muito prático [Cursos de Complemento

ou Qualificação], eu acho que se aprende imenso. Por exemplo, eu acho,

que aqui na instituição era uma maravilha estas reuniões que nós

vamos fazendo. Porque há convívio entre nós, partilha de opiniões, nós

fazemos assim ou assim e isto é fundamental e isto não se vê na maior

parte das instituições. Eu acho que aqui é a exigência. Eu costumo

dizer às minhas colegas que nós temos uma coordenadora que é uma

maravilha que está sempre presente connosco, que exige, mas ao

mesmo tempo também se põe à nossa disposição e aprendemos imenso.

Ela é exigente mas…

(…)

Educ. – E depois a pessoa consciencializa-se e vê: tem razão, não tem,

vamos ver, que é que se passa, e é um crescimento a nível de trabalho,

pelo menos eu sinto isso. E o mesmo aconteceu consigo este ano. Tudo

aquilo que nos dizia também era para nos tentarmos, pela positiva ou

pela negativa, percebe? Acabamos por ter uma proximidade diferente

este ano. Mas não era nas conversas que nós tínhamos, mesmo lá fora,

o à vontade que tínhamos, o meu próprio chegar a eles e estar à

vontade, isso também era… já se notou perfeitamente que eu estava à

vontade quando chegavam. E que agora me arrependo de não ter estado

assim no ano passado, mas também não adianta…

(…)

Educ. – Sabe também o que é que pode acontecer futuramente?

Pessoas que estiveram, se calhar, durante um período a conviver

consigo - é uma sugestão - se calhar, estar um período… As pessoas

deveriam estar um ano a conviver com a pessoa na sala e só depois ir

fazer as filmagens. É a continuidade que acaba por ter resultados nelas;

agora com esta abertura das pessoas e com esta simplicidade…

Entrevistas aos Educadores de Infância

497

Invest. – Dar-vos três anos para fazer isso, não é?

Educ. – Pois o problema é esse, porque se para o ano continuássemos

cada vez ia sendo melhor…

Invest. – Diga me só mais uma coisa antes de acabar: acabaram uma

fase. Vão ser promovidas para o “Jardim”. Acha que os seus meninos

estavam bem trabalhados? Ou seja, chega ao fim da Creche e diz que os

objectivos que tinha traçado, estão bem trabalhados?

Educ. – Todos? É assim, e já disse isso na Jardim: «A próxima vez que

estiver na creche eu volto à fórmula de…se calhar, há coisas que eu

podia ter trabalhado mais, podia ter feito mais, e, se calhar, não fiz

porque estava com algum receio. Mas isso, eu acho que se fica sempre

com a sensação (eu fiquei com a sensação quando acabei os cinco) de

que quando tiver outra vez o grupo dos cinco não vou fazer da mesma

forma que actuei com aqueles. E agora digo a mesma coisa. Acabo a

creche, vou para o jardim e acho que se voltasse para a creche, eu acho

que fazia outras coisas, aprofundava mais do que me fizeram. Quero

dizer, estão preparadas para o Jardim? Estão. Poderiam ir melhor? Se

calhar poderiam. Poderiam ter feito mais? Se calhar poderiam.

(…)

Educ. – É. Eu acho que tive, tive um crescimento por nunca ter

trabalhado, é como digo, acho que estão bem, acho que sim, mas, se

calhar outras coisas poderiam ir de outra forma. Acho que sim, não sei

se partilha ou não da mesma ideia, o que é que acha?

Entrevista com a Educadora 3 Invest. - Ao longo destes dois anos em que estivemos aqui a trabalhar,

foi feito um desafio que vocês aceitaram. Esse desafio e no seu grupo

mais ainda, tanto quanto ele foi feito também. De qualquer maneira

aquilo que me parece é que, independente de ter sido só para no

primeiro ano, e portanto acaba por ser pouco tempo, até porque

Entrevistas aos Educadores de Infância

498

gravamos muitas crianças e não nos centramos em nenhuma em

especial, penso que há determinado número de efeitos ou

consequências, ou vantagens e que podem não estar assim muito…

Educ. – Testadas.

Invest. – Testadas e que não se pode fazer uma verdadeira avaliação,

mas penso que enquanto princípios do P.E.S.m., daquilo que se sente de

necessidade da estimulação sensorial, eu queria que me falasse um

bocado disso. Ao nível do desenvolvimento das crianças, o que é que

sentiu? Acha que há alguma diferença ou não há, entre as actividades

ditas normais (eu considero actividades normais, digamos, aquelas que

fazem parte … as, pinturas, as colagens, os recortes, aquelas mais

tradicionais que são trabalhadas no Jardim ou na Creche). Qual foi a

diferença que sentiu ao nível das crianças, na forma de elas estarem, do

deu desenvolvimento, umas actividades das outras?

Educ. – Eu acho que este tipo de actividades exige e permite à criança

uma maior exploração dos próprios materiais e assim. Não quero dizer

que a gente só com a …[investigadora] tenha começado a fazer, porque

nós já antes fazíamos algumas. Talvez não com tanta frequência, mas já

fazíamos algumas. Mas eu acho que são actividades que permitem à

criança explorar juntos, os vários sentidos: o tacto, a visão, o olfacto, e

conhecer melhor aquilo com que a criança está a trabalhar, não é?

Conhecer melhor aquilo, e saber que, como é que hei-de dizer? Eu acho

que é um trabalho muito rico para o desenvolvimento de todas as

capacidades da criança.

Invest. – Há!

Educ. – Isto de trabalhar com materiais diferentes… É verdade que

algumas actividades (não estou a recordar assim nenhuma em

particular), mas acho que, por exemplo, houve actividades que eu de

certeza absoluta nunca tivesse tentado introduzir, e outras que, talvez

tivesse pensado introduzir, mas isto nós depois também vamos

conversando, vamos pôr realidade. Mesmo eu estava assim um bocado

Entrevistas aos Educadores de Infância

499

também,… será que devo deixar fazer tudo, será que não devo, houve

algumas situações…

Invest. – Eu gostava de saber exactamente a sua opinião nesse sentido.

Como é que se sentiu quando, eu propunha uma actividade e até já

podia ter arranjado o material, mas…

Educ. – A gelatina lembro-me que, no berçário eu tinha feito, plasticina,

com o leite também cheguei a fazer… Cheguei a fazer com chantilly, não

chantilly não, não foi chantilly, não cheguei a fazer… Pasta de farinha

também cheguei a fazer, mas houveram outra que talvez a mim …tipo,

como o que é que eu devo agir, acabou por… como é que eu vou … é a

primeira vez, como é que eu faço? A pintura com os pés, estou-me a

lembrar agora, achei aquilo, espectacular. Achei.

Invest. – E a pintura na parede aqui fora com aquelas bolas que eles

atiraram,…

Educ. - Sim, eu no início estava assim… eles vão-se sujar todos. Mas

depois, também nessa altura nós não tínhamos pensado direito.

Devíamos ter colocado primeiro, os sacos que só colocamos depois. Para

mim estava a ser muito orientado. Eles depois é que fizeram.

Começaram a …a criatividade deles levou mesmo a isso. A gente acabou

por não pensarmos nessa hipótese e acabamos por ter que…

Invest. – Mas como é que se sentia nessas coisas?

Educ. – Por exemplo, na dos pés achei que era um espectáculo. Achei…

e nunca pensei, mas eles aderiram tão bem que…

Invest. – Eu acho que até aderiram bem demais…

Educ. – Eu acho que sim.

Invest. – Estiveram muito tempo à espera e eu acho que isso é uma das

coisas …mas como todos queriam fazer acabaram por estar tempo…

Educ. - Eu acho que sim. Eu acho que foi um bocado prejudicado nesse

aspecto porque estiveram muito tempo à espera e a olhar para o que o

colega estava a fazer, mas eu acho também era um bocado impossível.

Poderíamos, era ter retirado um grupinho… E não em grande grupo

Entrevistas aos Educadores de Infância

500

porque isso não facilitou nada. Conclusão, todos ao mesmo tempo ia

dar confusão.

Invest. – Mas também não foi uma actividade que tivesse sido

planeada. Ela surgiu um bocado na sala com a conversa com eles…

Educ. - Não sei se foi a Lúcia, mas eu lembro-me de falarmos e, «porque

não?» E vamos fazer isso.

Invest. – Exacto. Não foi planeada, não foi pensada com o objectivo

muito…

Educ. – Eu acho que sim, são coisas muito giras e para eles, também. É

assim, permite-lhes não estar sempre a «não fazer isso» e deve permitir-

lhes mesmo esse à vontade.

Invest. – Pois, a liberdade de serem eles a criarem?

Educ. – Embora às vezes a pessoa tenha sempre a tendência a limitá-

los um bocadinho, não é? Eu acho que sim, a gente às vezes… há

actividades que a gente exige…

Invest. – Eu concordo consigo. Gostava de perceber porque é que isso

acontece.

Educ. – É assim, porque é assim também há regras? Mas quando é que

a gente vai estar a explicar, por exemplo, aquilo das tintas, quando é

que a gente vai estar a explicar que vai sujar as paredes, imaginarmos

que tinha o papel, como é que a gente vai explicar que não pode sujar a

parede mas sim, só o papel? A gente também não pode, não é… Há

parede para aqui, para acolá, mas a gente também tem de criar, é

assim, deixar explorar ao máximo mas também… criar algumas…

(…)

Invest. – Agora, ao nível de alterações. Houve diferenças ou alterações

na forma como mudou, muda, ou como pensa ou como olha. Este ano

até já está noutro nível, noutra valência da infância, já passou ao pré-

escolar. Mas a nível de creche, acha que este tipo de propostas de

actividades, a fizeram ver a creche de uma forma diferente? A minha

questão é: nós temos, muito a tendência, e penso que a nível de creche

(e quando digo «nós» não quero dizer que seja esta instituição, nós é

Entrevistas aos Educadores de Infância

501

quem trabalha em creche) a imitar de alguma forma o Jardim! A andar

para trás?

Educ. – Sim. O Jardim-de-infância, eu acho que aí também perde

muito; aliás, nós acabamos por ir ter o nosso curso, acabamos por não

ter essa …

Invest. – Pois era isso que eu queria que me dissesse. Acha que é falta

de formação?

Educ. – Formação é isso. Acho que nós devíamos ter formação para…

Devíamos estar preparadas para a creche. Eu acho isso, porque é

assim, nós temos muita tendência e principalmente, quem vem dos

cinco anos, vai para o berçário, é completamente diferente. Aquilo não

tem nada a ver; nós próprias estamos habituadas a que os próprios

miúdos nos digam alguma coisa e naquele momento nós é que temos de

falar com eles, nós é que temos de perceber e temos de adaptar as

actividades que temos em mão, não é, e acabar por exigir, aliás nós

temos que tentar criar actividades de acordo com aqueles meninos que

temos ali à frente, que não têm nada a ver, que a gente se apercebe

disso, que não tem nada a ver com o Jardim, mas nós acabamos por de

uma forma, acabamos por, às vezes, claro, sem aquela coisa de, tirar

ideias do Jardim. E às vezes misturavam…

Invest. – É o andar um bocado para trás, é imitar o Jardim, mas andar

um bocado para trás.

Educ. – Acabamos por apanhar, por ter tendência para fazer isso. Por

exemplo, eles no berçário, ainda não estão preparados, penso que ainda

não estão preparados, penso que não estão mesmo preparados para

pegar na caneta e não sei quê. Eu lembro-me que um dos dias foi dar-

lhes uma caneta nova, não foi um marcador, dar-lhes um marcador

para ver o que eles faziam e eles riscaram tudo mais alguma coisa.

Acabei por perceber, é assim, não sei se seria a idade ideal para lhe dar

aquilo, claro que já foi mais no final do ano, mas comecei a pensar; será

que era a idade? Não era porque eles para pegarem, não não era porque

antes havia devia haver outro tipo de técnicas para trabalhar a

Entrevistas aos Educadores de Infância

502

destreza, e não é a motricidade fina para depois dar-lhe o marcador. E é

assim, a gente acaba por aprender com a nossa experiência.

Invest. – O rever o resultado das reacções e comportamentos que eles

têm...

Educ. – Pois porque eles acabam por não pegar, pegar no lápis para

tudo menos para aquilo que a gente quer, às vezes para meter à boca

para estoiro onde é complicado. Eu acho que é complicado nas

afectividades, não é? Eles requerem outro tipo de material que possam

meter à boca, que eles possam rasgar, que eles possam atirar para o

chão, que possam fazer daquilo um bocado....., manipular....

Invest. – Eu estava a lembrar-me agora de uma actividade do ano

passado e que foi com serrim… eu penso que fizeram aquelas bolinhas e

que puseram depois as sementes, lembra-se? E uma das gémeas

provou de imediato a semente e a Educ. … ficou logo toda aflita.

Educ. – Aflita porque é uma coisa que..... e depois a gente acaba por...

aquilo pode ter lasquinhas que os podem magoar ou não sei quê,

porque raio, lá está .... esse tipo de material assim aflige-me porque eu

acho que o serrim é um tipo de material que pode magoar e ao engolir

também pode asfixiar....

Invest. – Mas não acha que nós ao nível de creche, às vezes, damos-

lhes um brinquedo, damos-lhes uma coisa que é atraente para logo a

seguir lhes dizermos “não metas à boca, tira da boca, não põem a mão

...” por aí fora, “é só para ver porque não podes tocar…”. É a mesma

coisa que nós termos um bolo à nossa frente tão bom e dizerem-nos

“agora não podes comer, é só para olhar”.

Educ. – É isso. E eles não sabem porque o facto de olhar é mexer,

aprender a mexer e isso para eles é um bocado complicado porque é

uma tendência que eles já têm deles mesmos.

Invest. – É assim que eles conhecem o mundo.

Educ. – Pois é assim que eles conseguem identificar e conhecer melhor

o que têm à frente. Mas lá está, a nossa tendência é um bocado essa,

mas então por isso mesmo vamos dar-lhes material que eles possam

Entrevistas aos Educadores de Infância

503

manipular, que eles possam meter à boca, que não haja problemas

nenhuns. Começar a partir daí, não é, a gente......

Invest. – Mas não acha que isto pode ser apresentado, este tipo de

trabalho, este tipo de estimulação, eu diria que exigem mesmo trabalho

de pequeno grupo.

Educ. – É porque em grande grupo é capaz de... É complicado, é

complicado e tem que ser em pequenos grupos.

Invest. – Isso de alguma forma pode ser uma limitação? Pode ser uma

vantagem? O que é que, no facto de se trabalhar com 4, 5 ou 6 crianças

pode de alguma forma ajudar ou prejudicar o trabalho da Educadora e

no trabalho de desenvolvimento das crianças?

Educ. – É assim: aquilo que eu acho, é que se fizerem em pequeno

grupo, pronto faz-se com aquelas 4 crianças, depois há que fazer com

outras 4 até que faça o grupo todo, até que toda a gente consiga viver

essa experiência e isso vai fazer com que a actividade seja planeada

para uma semana, imaginemos, não sei, dependendo do número de

crianças do grupo, do número de crianças que a gente faz por grupo,

mas permitir que toda a criança da sala passe por esta experiência. Eu

acho que isso também fica um bocado a partir daí. Agora quer-me dizer

tipo em relação ao resto do grupo.

Invest. – Acha que isso prejudica de alguma forma...

Educ. – A interacção?

Invest. – Não, a rotina da sala.

Educ. – Não, porque é assim, aquele grupo está connosco a trabalhar e

o resto do grupo acaba por estar na sala a fazer outras actividades, se

estou a entender direito.

Invest. – A minha questão é: o facto de ter participado só durante um

ano, mas participou, durante um ano neste tipo de trabalho, acha que

teve algumas repercussões no seu trabalho, nas suas propostas ao

grupo de meninos, e ao nível de desenvolvimento das crianças, ou não?

Educ. – Sim, eu acho que sim, acho que acabou por ser um trabalho....

hum....

Entrevistas aos Educadores de Infância

504

Invest. – Em que é que sentiu alguma experiência chamemos, seja para

bem ou para mal, seja mais positiva ou menos positiva, das minhas

propostas ou deste tipo de programa.

Educ. – É assim: como eu tinha dito, algumas actividades não eram

actividades que a gente não tenha pensado já, algumas actividades a

gente já tinha feito no meu caso anteriormente, outras mesmo a falar às

vezes que nós tínhamos e continuamos a ter aquelas reuniões com as

Educadoras das mesmas idades, onde a gente vai dando sugestões e

depois vai adaptando as actividades que pensamos, de acordo com o

nosso grupo, com o grupo de cada uma. Eu acho que foi uma

experiência boa, foi, trabalhar aquilo é sempre uma experiência boa

porque é trabalhar estes materiais de forma como foi trabalhado...

Invest. – Mas dentro do seu trabalho pensa que mudou alguma coisa,

ou seja, mesmo uma actividade que eventualmente, até pudesse já ter

pensado nela, ou que sentisse que era a coisa mais ou menos comum, o

facto de estar implicada nesta proposta, pode explorar este sentido, esta

vertente da actividade. Não tendo que estar mais atenta quando contar

uma história ou quando fizer determinada actividade, de lhes estar a

proporcionar determinadas experiências. Houve de alguma forma

alguma mudança ou forma de sensibilização... uma mudança...

Educ. – É assim: a mudança que houve pode ser filmada, que a mim ...

Invest. – Acha que interferiu isso nas suas....

Educ. Isaura Mota – É assim: no início foi assim aquela coisa de ...

hum, ‘tár a ser vigiada’, ‘tár a ser....’ não sei o que é, uma pessoa acaba

por ser, eu senti isso. Assim tipo, qualquer coisa que eu vá fazer assim

menos.... como é que eu vou fazer, como é que eu vou reagir, como é

que ..... mais a gente acaba por ficar assim mais ....

Invest. – Controlada? Sentir-se controlada ?

Educ. Isaura Mota – Isso, sentir-me controlada. Mas depois acabei por

conseguir hum.... Dar a volta e tentar assim, é assim “por amor de

Deus” a gente só está a mostrar o nosso trabalho, não é? Vamos

trabalhar, aqui não vai haver alteração nenhuma e nã temos que reagir

Entrevistas aos Educadores de Infância

505

tal e qual como nós somos senão isso também a nível de trabalho

também não resulta. Mas que no início isso a mim bloqueou-me um

bocadinho e eu temi.

Invest. – Até porque as próprias crianças iam-se aperceber ou

apercebem-se de que lá pelo facto de estar a ser filmada, ...

Educ. – De eu estar a ser filmada, que eu também estava a ter um

comportamento completamente diferente. É assim: “alto que aqui

passa-se alguma coisa”. Eles até poderiam ter tendência para abusar

um bocadinho mais e notar que eu não estava tão à vontade para

chamar a atenção, por isto ou por aquilo. No início, quando nós falamos

em ser filmada, eu disse assim: “ai meu Deus e eu que não gosto nada

de ser filmada”, mas depois consegui, pronto, não digo na primeira

actividade mas na segunda: que isso deve-se notar no filme, não sei ?

Invest. – Não sei. A análise que eu faço dos vídeos nunca é com o foco

na Educadora, é sobretudo nas crianças.

Educ. – Nas crianças

Invest. – É. Lembro-me, e falei aliás quando vos propus que vissem as

vossas próprias actividades nos filmes, ...

Educ. – Que eu acho isso importante, ver-nos a nós. Eu acho que isso é

super importante, eu acho que isso é daquelas coisas, porque a gente

acaba por não se aperceber de pequenos detalhes quando a gente lá

está com a rotina, porque já está completamente interiorizado que a

gente acaba por não se aperceber de pequenos detalhes, e às vezes

podem ser detalhes menos próprios, assim acabamos de nos vermos tal

e qual como nós somos e ao ver-nos assim podemos, pronto, reparar

neste detalhe ou noutro que nós realmente não deveríamos fazer assim,

devíamos tratar desta forma nesta altura ou mudar a nossa atitude

nesta altura, é assim eu acho que nós, é isso, nós auto....

Invest. – O facto de nós, por exemplo, termos falado...

Educ. – Acho que isso é importante.

Invest. – Porque eu senti um pouco isso e acho que senti muito mais

efeito vocês verem o vídeo do que muitas das conversas que nós

Entrevistas aos Educadores de Infância

506

mantivemos, porque normalmente, no fim das actividades nós

falávamos um bocadinho de aspectos: de como tinha corrido, se tinha

que ter mais material ou das reacções das crianças, de diferentes coisas

que nós íamos falando. É aquilo que eu acho que surtiu efeito não

foram as nossas conversas, foi muito mais o terem visto... Aquilo que

nós vimos nos filmes

Invest. – Exactamente. A análise que fizeram dos vossos vídeos foi feita

sozinhas, eu não vos dei sequer a minha opinião, até porque a vossa

análise não foi feita. Eu só faço a análise das crianças e não das

Educadoras. Indirectamente a Educadora é focada porque se a

Educadora diz: “ó Pedro anda cá”, eu vou ver se ele vem ou não vem em

resposta àquilo que a Educadora diz. Portanto nesse sentido a

Educadora está presente na análise, fora isso não, porque o que me

interessa são as crianças e não tanto as Educadoras de Infância.

Indirectamente está ligado mas não é o essencial. É evidente que eu

quando vos emprestei as cassetes para verem, acho que era importante

não só para verem o desenvolvimento e a quantidade de coisas que as

crianças fazem e que nós conseguimos apanhar no vídeo que não

conseguimos apanhar no dia a dia da sala, .....

Educ. – Há muitas coisas que nos escapam.

(…)

Educ. – E mesmo a nível de planificações ainda acaba por se aperceber

de quando na nossa planificação a gente traçou determinado número de

objectivos mas acho que acabávamos por aproveitar.... Eu lembro-me

que estava a acabar de ver o filme e achava que também podia falar

disto, também podia falar daquilo onde às vezes uma pessoa acaba

por.... não digo limitar mas não é expandir mais, não é, eu acho que, eu

lembro-me de estar a ver o filme e pensar também podia falar nisto,

também podia falar naquilo, coisas assim.

(…)

Entrevistas aos Educadores de Infância

507

Educ. – Para conseguirmos aperfeiçoar um pouco mais, tirar aquilo que

achamos que não é tão próprio e dar valor mais àquilo que a gente está

a fazer, que também...

Invest. – Este ano continua a decorrer as reuniões semanais de

planificação?

Educ. – Sim, é mais mensais. A gente trabalha assim mais ou menos,

falamos mais ou menos daquilo que vamos falar, vamos trabalhar isto

ou trabalhar aquilo, agora é lógico, dependendo da motivação do grupo

e eu acabei por trabalhar mais, porque eles ficaram com a quinta,

fomos visitar uma quinta e eu acabei por trabalhar o projecto de acordo

com a quinta para que não fugisse muito porque eles estavam

motivados para aquilo, tentei adaptar o próprio projecto da quinta. Eu

trabalhei assim dessa forma e as outras colegas trabalharam da forma

delas mas eu aproveitei que eles estavam muito motivados. Mas tudo

começou com a Avó, no dia das Avós, um Avô veio cá contar uma

história, foi uma actividade feita por uma avó, que tinha uma quinta e

falou, falou, falou que acabou por surgir a ideia da visita a quinta. E a

partir daí tratamos de tentar organizar a visita e resultou numa quinta

na sala. Não deu por ser muito mais explorada por causa do tempo que

não permitiu. O tempo foi limitado, não é porque chegamos a esta

altura e depois tivemos a exposição dos trabalhos, depois tivemos os

ensaios para o CD e gravação do CD e essas coisas todas, mas enfim,

não deu para explorar muito mais, mas ainda agora vai tentando...

Invest. – Não acha que essa calendarização dessas festas todas, digo

festas porque é o dia do Pai, dia da Mãe, dia dos Avós, dia da Árvore é o

dia de não sei o quê, é o dia da árvore, é o dia da Páscoa, dia de Reis, é

densa

Educ. – Acho que isso acaba por nos ocupar assim,... estamos numa

actividade e de repente aparece o dia da Mãe e temos que trabalhar

porque o dia da Mãe interrompe a actividade que estamos a fazer. E

assim são dias que nós trabalhamos e se não trabalhamos também há

aquela coisa que os Pais... mandam recado...

Entrevistas aos Educadores de Infância

508

Invest. – Não há uma ruptura aí?

Educ. – Pois é isso, nós estamos a fazer uma actividade e de repente

aparece o dia da Mãe e nós temos que... ou tentar planear a actividade

para que consigamos acabar mais ou menos a tempo para

conseguirmos fazer as actividades para o dia da Mãe, acho que aquilo

acaba por interromper.

Invest. – Cai assim às vezes um bocado de pára-quedas, ou então estão

uma semana inteira preocupadíssimas porque têm que fazer a prenda

para o dia da Mãe, fica de lado...

Educ. – Pois o dia da Mãe, fazer a prenda para o dia do Pai... fazer a

prenda para ..., mas é assim, são coisas que a gente acaba por sentir-

se...

Invest. – Lembra-se que no ano passado começamos exactamente nisso

porque a 19 de Março é o dia do Pai, a 21 dia da Árvore depois entrou...

Educ. – Tem o dia da Criança, tem o dia dos Avós. É assim, este ano

acaba por pertencer um bocado ao projecto. Tentamos organizar as

coisas de forma a encaixar isso também. Mas acho que há alturas,

pronto há anos. Mas é assim, uma pessoa sente-se obrigada também a

fazer isso porque os Pais, não é, se a gente não fizer nada para o dia da

Mãe.... os Pais ficam assim “não trabalharam o dia da Mãe” e já está

completamente de tal forma...

Invest. – Digamos que é uma institucionalização...

Educ. – Tem que se fazer porque tem que se fazer. É para o próprio dia.

Poderíamos talvez pensar...

Invest. – Acha que os Pais dão real valor a isso? Já se questionaram

sobre isso?

(…)

Invest. –Mas há pouco, e vamos voltar um bocado atrás, falava na

questão da filmagem que, de início, foi um bocado...

Educ. – A mim foi, foi.

Invest. – Digamos limitador. Foi um obstáculo que ter que ultrapassar,

ou que se convenceu que tinha que ultrapassar, eu julgo.

Entrevistas aos Educadores de Infância

509

Educ. – Foi. Eu primeiro pensei que os miúdos também não fossem

reagir muito bem, julguei que eles passassem o tempo todo a olhar, a

actividade toda a olhar para a câmara, era uma coisa diferente.

Invest. – Mas isso repare... no primeiro dia, mostrei-lhes a máquina,

estiveram a ver como era a máquina, o que era que se via na máquina e

isso foi básico para eles. Este ano mudei de máquina e fiz exactamente

o mesmo com esta máquina.

Educ. – Sim porque isso também é importante. Mostrar a máquina.

Mas eu acho que o facto de a …[investigadora] também se apresentar e

essas coisas todas, portanto houve sempre um trabalho para isso. Mas

eu, sou sincera, na primeira actividade pensei mesmo que eles vão estar

na actividade, vou estar a falar com eles e eles vão estar a olhar para a

máquina, mas foi coisa que não aconteceu isso, eu acho muito bem.

Agora para mim e que eu achei bem, correu muito bem, não é? Para

mim foi, nas primeiras actividades foi um bocado daquilo do medo.

Principalmente no caso da primeira e da segunda actividade, foi, foi um

bocado...

Invest. – Independentemente da máquina a minha presença acha que

foi de alguma forma interferir, influencir, quer a sua maneira de estar,...

Educ. – Não...

Invest. – A sua maneira de ser ou de estar com o grupo? Qual é a sua

opinião em relação às crianças? O que é que elas (e pergunto isto depois

da manifestação de recepção que eu tive hoje à tarde) acho que ainda

mais posso ver. No fundo é, o que é que acha que foi a minha presença,

qual foi o meu papel, o que é que andei a fazer aqui nestes dois anos?

Quer em relação ao trabalho que foi sendo desenvolvido, quer em

relação à interacção Com as crianças, com o pessoal, com a dinâmica

da instituição?

Educ. – É assim: Eu acho que em relação ao grupo, ele a aceitou bem.

Foi muito bem aceite no grupo. Acho que todos eles a falar, é assim…

Não houve ninguém que a gente dissesse assim, ou não gostou ou não

se sentiu bem… Pelo contrário, eu acho que todo o grupo recebeu-a

Entrevistas aos Educadores de Infância

510

mesmo de braços abertos. A interacção, o trabalho e tudo… eu acho

que foi muito bem vinda, foi muito bem recebida no grupo, todos a

aceitaram muitíssimo bem. E em relação a nós…

Invest. – Desculpe interrompê-la, mas também acho que a minha

presença de alguma forma interfere…

Educ. – É assim. Nesta altura, nesta altura eu acho sim, nesta altura,

às vezes noto que a …[investigadora] chega e eles «oh,oh,oh» e acaba

por… é assim, eu digo «sentem-se, ou vamos fazer isto ou vamos fazer

aquilo» mas acaba por não ter grande interesse para eles aquilo que eu

digo. Mas na altura eu acho que, que eles sabiam perfeitamente…,

talvez porque, a …[investigadora] estava mais presente, e enquanto

agora, não chega, dá os bons dias, fala com os meninos, continua a ter

aquela conversa com eles…, acho que agora é diferente, penso que eles

têm tendência, tipo para abusar, como agora, eu acho que hoje eles

estavam a abusar, a ultrapassar um bocadinho…

Invest. – Uma das coisas que me marca, que me marcou, é que eu

trouxe o papagaio em Fevereiro ou Março do ano passado…

Educ. – E eles continuam…

Invest. – E eles, passado um ano e tal, pedem-me papagaios. Aliás não

sei se no outro dia se apercebeu. Eu no outro dia disse «Eu não trago

papagaios, eu vou trazer papagaias», e eles hoje pediram-me as

papagaias. Queriam «papagaias». Portanto, foi alguma coisa…

Educ. – Sim, desculpe. Depois de ter trazido aquela actividade, o

trabalho com os meninos a trabalhar, aquela apresentação, mesmo

depois disso eles continuaram a pedir o anterior – os animais.

Invest. – Exactamente, mas nessas actividades também havia

papagaios. É evidente que aqui também há associação. Foi uma

actividade que demorou, não recordo quanto tempo, foi um tempo

longo, tivemos que repetir, tanto da primeira vez como da segunda. Era

coisa em que eles só viam a imagem, portanto funcionou como um

filme. Eu não sei se este pedido dos papagaios ainda hoje se tem

alguma coisa a ver comigo enquanto pessoa, se é para pedir a minha

Entrevistas aos Educadores de Infância

511

presença junto deles, ou se tem a ver com o momento que se filmou em

vídeo ou qualquer outra coisa. No princípio achavam um bocado

estranho porque é que eu não ia para a sua sala, o que também é

natural…

Educ. – Não. Mas houveram algumas questões em relação a isso.

Prontos, quando a …[investigadora] chegava havia lá meninos, «bom-dia

meninos» e acabava por ser só isso, embora houvesse um dia ou outro

que se sentasse lá, mas houve uma altura em que deixou de o fazer, em

que eles diziam «A …[investigadora] onde vai?». «A …[investigadora] vai

trabalhar com os meninos da Educ. ... e da Educ. ...». «E ela não vem

para aqui?» Eu disse «Ela vem, no final vem falar com vocês um

bocadinho, vem para se despedir» e a …[investigadora] acabava por não

ir no início ou no fim. Mas se não fosse lá, era isso que eles faziam. Eu

às vezes até acabava por … a gente ia para o refeitório, acabava por

estar no refeitório, a …[investigadora] saía e por isso não a viam. Às

vezes eu esquecia-me e não dizia nada ou porque a …[investigadora] já

tinha saído ou porque ia a sair na altura e acabava por me dedicar…

Mas houve uma alturas em que me perguntaram e acho que eles

estranharam, eu acho que eles estranharam mesmo mais no início.

Depois eu estive a falar com eles porque agora a …[investigadora] tinha

outros trabalhos, que de vez em quando vinha falar com os meninos, e

porque tem outros trabalhos, não deixa de ser amiga dos meninos, mas

que tem que trabalhar com outros meninos como trabalhou com eles.

Agora se eles ao fazerem isso, por exemplo, o Guilherme foi desde o

início, independentemente da …[investigadora] lá continuar ou não

continuar ele foi assim, não é? Desde aquele tempo, desde o ano

passado em que a …[investigadora] continuou a trabalhar connosco, ele

continuou comigo. Sempre que via a …[investigadora], ele pedia, era

automático. Eu acho que ele olhava para si e pedia os papagaios. Eu

acho que era isso, não lhe surgia mais nada à cabeça, na memória, a

não ser os papagaios. Acho que aquilo era mesmo obsessão, era

exageradamente.

Entrevistas aos Educadores de Infância

512

(…)

Invest. – Pois, poderia ser a esse trabalho, não sei. Eu acho que é uma

relação engraçada porque eu, mesmo estando um ano sem trabalhar

com eles, eles acabam por…

Educ. - Esteve aqui presente também?

Invest. – Não estive presente…

Educ. – Mesmo sem estar na sala, está presente na Instituição.

Invest. – Exacto, mas mesmo assim, ainda estão muito à vontade

comigo, não é? E falam e perguntam essas coisas todas. Bom, e em

relação às educadoras, mesmo às auxiliares, e isso tudo? Qual é? …

Educ. – É assim: Toda a gente participou, não é? Acho que houve… que

toda a gente deu o seu melhor, que nós educadoras acabamos também,

prontos, permitiu-nos também trocar de ideias e experiências, com uma

pessoa diferente, com uma pessoa que também já teve um trabalho à

um tempo atrás e continua a estudar. Eu acho que, não sei… eu acho

que correu bem. Não há assim nada de especial para analisar.

Invest. - É evidente que cada pessoa é diferente da outra mas, quer ao

nível das auxiliares, e isso eu tenho um sentimento muito especial por

elas porque mesmo depois daquelas «porcarias» todas que nós fazíamos,

toda a gente se junta para limpar e nunca vi má cara…

Educ. – Independentemente de ser da sala A, da sala B, ou sala C

Invest. – É. Nunca vi má cara. Porque as educadoras não me

mostrarem má cara é natural; elas sabem o que é que se vai fazer,

porque é que se vai fazer, estão por dentro das actividades. As

auxiliares não sabem. As únicas coisas que sabem são as

consequências que aquilo vai ter, não é? E nunca vi em momento algum

nenhuma delas com má cara ou a responder de forma menos agradável

ou até com uma atitude menos agradável com as crianças por estarem

molhadas ou sujas. É evidente que com as educadoras o processo é

diferente porque elas sabem o que se vai seguir e como é que se vai

seguir.

Entrevistas aos Educadores de Infância

513

Educ.– Que o trabalho vai ser aquele e o resultado vai ser aquele.

Embora às vezes nos surpreendamos com outra coisa … mas claro.

Invest. – O produto final é completamente diferente daquilo que nós

esperamos ou imaginamos…

Educ. – Sim, às vezes acabamos por ser surpreendidos, um bocado, isto

dependentes dos grupos que são. Dos grupos que são e das actividades

que estamos a fazer, mas por vezes que somos surpreendidos, que

somos. Acho que é ao fazer essas actividades que nós somos

surpreendidos quase sempre. É isso.

Invest. – Só mais duas perguntas. Primeiro, em relação à última ou

penúltima reunião que nós tivemos: foi aquela questão de observação e

dos registos. Partindo dessa conversa sobre as questões de observação,

a forma de registar, as dificuldades que daí surgem, ou alguma

mudança na sua forma de registar, de planificar, de observar…

Educ. – É assim, observar, eu… eu… antes de termos aquela reunião,

eu cheguei a fazer uma observação por escrito, em que todos os dias,

apanhava assim qualquer coisa que eu achasse assim «fora do normal»

que me chamasse a atenção, tipo uma cor que fez isto, o qual eu

fiquei… prontos eu gostei de ver, é sinal de desenvolvimento, sinal de

que está a aprender. Cheguei a fazer isso. È complicado. Eu acho que é

complicado. É assim, ou às tantas é só complicado no início, é só

complicado no início. Eu não vou dizer que não, mas na altura eu

registava. Eu lembro-me que tinha uma, eu ainda tenho lá esse caderno

em que tenho …

Invest. – No ano passado fazia algumas coisas…

Educ. - Eu fazia registos, sim, e já fazia há dois anos também, mas

chegava a um certo ponto em que eu não sei, achava que… ou estava a

escrever demais ou não sei e acabava por deixar Ou esquecia-me das

coisas, de registar qualquer coisa ou não sei, acabava por deixar, ou

repetia sempre a mesma coisa ou estava sempre com os mesmos

miúdos porque eu tinha uma folha para cada criança, com o nome de

cada criança, e é assim, não fiz mais do que três, quatro registos de

Entrevistas aos Educadores de Infância

514

cada criança, e… é assim, às tantas, também preguiça, talvez, deixei

aquilo. Porque achava que estava sempre… às vezes eu queria, por

exemplo ver um miúdo só, e achava que ao tentar observar só aquele

miúdo acabava por … Acabava por deixar um bocadinho de lado as

outras crianças. Porque é assim eu conseguia ver, ao registar por

escrito, eu conseguia ver qual era a criança que eu estava a observar

mais e qual era a criança que me estava a escapar, não é? Porque às

vezes aquelas crianças que são mais faladoras e participam mais e não

sei quê, acabam por me chamar mais a atenção ao contrário daquelas

crianças que, ao contrário não, e aquelas crianças que são muito

caladinhas e … não sei quê… Também acabam por… e as outras

também a gente acaba por … acaba por nos escapar que é assim. Eu

pensava «que é que ele fez hoje?» Nuca me lembrava assim de nada,

assim de especial, pois lá está, acabava por registar assim, as mais

activas e as menos.

Invest. – As mais faladoras, as mais activas. ... E as menos…

Educ. – E as menos também. Pronto, depois quando tivemos essa

última formação, não é? Eu cheguei à conclusão que aquilo que eu

estava a fazer é assim, deixei de o fazer por achar que estava a fazer

mal, porque acaba por dar a minha opinião, porque a …[investigadora]

falou lá que é assim. Nós devemos registar aquilo que vemos e não

aquilo que achamos que vemos. Não é? Porque a gente acaba por dizer

assim: ele fez isto com a intenção de fazer isto, mas a gente não sabe

qual é a intenção dele. A gente vê aquilo, a gente deduz que seja para

aquilo mas pode até nem ser… Na cabeça do menino pode até nem,

nem lhe passou fazer aquilo com aquela intenção e eu às vezes digo que

ele tentou apertar os sapatos e às tantas só estava a mexer nos cordões.

E não estava nada a tentar apertar os sapatos, não sei, acabava por

afirmar

Invest. – Atribuiu uma intencionalidade e não sabe se ela existe.

Educ. – É isso. Prontos. Agora depois da formação tentei fazer outra

coisa. Falei com a Educ. ... E digo assim: «Olhe…»

Entrevistas aos Educadores de Infância

515

Invest. - O perigo, que não é perigo, é que acabam por complicar aquilo

que não tem que ser complicado.

Educ. – Mas desculpe, nós temos tendência para fazer isso.

Invest. – Sim. Mas aí é que está. Repare que quando escreve que a

criança mexeu nos cordões, esteve durante muito tempo a mexer nos

cordões…

Educ. – Na tentativa de apertar os sapatos.

Invest. - … Não sabe se é isso. Ela esteve muito tempo a brincar com os

cordões. Se tiver esse tipo de registos, vai ver que quando lhe chamar a

atenção, se ela faz um movimento. Vai pensar, vou estar atenta para ver

se a criança faz um movimento para apertar ou se é só um movimento

de prazer físico ou um mexer, tirar os sapatos, dar os nós… Lembro-me

que no ano passado havia uma das suas meninas, a Job que dava nós

sucessivos, lembra-se? Isso é um movimento de prazer. Ela tinha um

prazer imenso em fazer isso, e aliás não sabia fazer nada daí para a

frente, portanto…

Educ. – Ela aprendeu a fazer aquilo e então estava…

Invest. – Porque enquanto a educadora falava ela não estava a fazer

nada. Ela arranjou um exercício físico, ela precisava de uma actividade

motora, arranjou uma coisa motora e foi fazendo. E deu nós nos

sapatos.

Educ. – Ela ocupou aquele tempo

Invest. – Aquela necessidade do mexer, porque elas precisam de mexer,

ela canalizou para ali, o prazer da movimentação e não propriamente

uma intencionalidade de aprender a apertar o cordão, nem coisíssima

nenhuma, não é? Se eu lhe pedisse para me dizer três ou quatro coisas,

situações que ache que foram mais relevantes ao longo do ano passado,

que já foi no ano passado já que este ano nem tanto, mas do seu

envolvimento no P.E.S.m.. Deste ano aprendi isto que nunca me passou

pela cabeça, ou a situação que me marcou mais foi esta, desta situação

não gostei e portanto marcou-me. Diga-me três ou quatro situações que

a tivessem de alguma forma marcado e considerado novidade.

Entrevistas aos Educadores de Infância

516

Educ. – A pintura com os pés. Ainda hoje digo foi… é assim, nunca me

passou pela cabeça, foi um espectáculo. Eu acho que sim, já vi isso na

televisão e porque não tentar? Mas daí a tentar, para crianças tão

pequeninas que não me passou pela cabeça. Não sei … acho que é uma

actividade que era cedo de mais para…

Invest. – E os pincéis eram finos, tanto quanto me lembro não foi?

Educ. – Mas eram os que nós tínhamos.

Invest. – Para ser bem feita não eram propriamente muito adequados,

poderiam ser…

Educ. – Pincéis mais grossos para eles conseguirem … mas acho que foi

daquelas coisas que eu olhei, e realmente marcou-me pela positiva, não

é? Porque faço alguma coisa com esses meninos embora, lá está, eu não

achava que eram próprios para aquelas idades, mais velhinhos talvez.

Outra coisa que eu tenha visto… não me lembro assim… nenhuma

actividade… Acho que nós trabalhamos o Verão, trabalhamos a praia …

foi uma actividade muito…

Invest. – Agora em grande grupo, …

Educ. – Acho que não conseguimos os objectivos, não conseguimos os

objectivos. Eu acho que da forma que foi, que não foi… e eu acho que

foi das actividades que eles «stressaram» muito, «stressaram» muito,

muito. Acho que no final a gente chegou a comentar, chegou a falar

sobre isso. Mas eu acho que foi uma actividade que marcou bastante.

Outra assim … não me recorda. Assim não estou a ver, assim, uma

situação…

Invest. – Podem ser situações de actividades ou outras coisas. Eu não

quero é dar alguns exemplos. Podem ser conversas, podem ser coisas

que tenham acontecido, até mesmo nas reuniões.

Educ. – Eu acho que acima de toda aquela troca… aquela informação

que nos foi dada, aquela troca de experiências, aquela troca de opiniões

que a gente dava no final, eu acho que também era importante. Alguém

que viu o nosso trabalho e que possa connosco dar uma opinião,

sugerir ou … Eu acho que isso também é importante mas que seja visto

Entrevistas aos Educadores de Infância

517

de uma forma construtiva, pronto, acho que isso também é importante.

A gente saber, não só é assim, nós termos a nossa própria opinião em

relação ao nosso trabalho, mas vem uma pessoa de fora, que é formada

também como nós acaba também por dar a sua opinião também, dar o

seu ponto de vista, mostrar a sua opinião em relação àquele trabalho

que foi realizado, para que nós consigamos, concordando ou não,

melhorar a nossa maneira de trabalhar e … A minha preocupação foi

sempre essa. Eles no final da actividade «o que é que acha, correu bem,

poderíamos melhorar»? Eu acho que nós tivemos sempre essa conversa

no final e eu acho que isso também é importante. Tipo mesmo para as

colegas que nos viram… pois lá está a tal coisa, depois de nós também

nos vermos no filme.

Invest. – E às vezes, também pensar mesmo que seja à posteriori, eu fiz

assim mas mal, realmente há outras formas de se dar a volta, de se

explorar as situações, de reagir às situações, isso tudo… Não há

receitas porque se houvesse seria bem mais fácil…

Educ. – Sim, mas é uma forma de a gente ver as coisas e se adaptar, de

pedir opinião e se adaptar, de pedir opinião e se essas opiniões se

adaptarem a nós, tentaremos adaptá-las, se concordarmos com elas,

tentaremos adaptá-las à nossa rotina. Também porque eu acho que

também é importantíssimo, a gente não se limitar só àquilo que a gente

sabe mas também aquilo que os outros nos possam fornecer.

Invest. – Eu não queria estar a dar a minha opinião, mas acho que, por

mim, são os verdadeiros momentos de aprendizagem, porque realmente

é quando o grupo dissesse «Podias ter feito assim» e eu nunca tinha

pensado nisto, «bom fizeste isto, mas para a próxima se experimentares

assim, eventualmente vai dar mais resultado». Isto para mim

constituem real momentos de aprendizagem «porque não me lembrei»,

«porque não sabia, …», «porque…»

Educ. – Isso nem me passou pela cabeça

Invest. – E ao ver ou ao ouvir, nas revistas ao trocarem essas

informações, penso que é importante ver o ponto de vista do outro,

Entrevistas aos Educadores de Infância

518

ouvir o que e introduzir o que outro nos diz, introduzir e ir vendo.

Porque há coisas a que eu não adapto para mim e a Educ. … como

profissional, não é assim, porque eu não sou assim, portanto…

Educ. – Há coisas que uma pessoa não consegue, é assim por mais que

lute, mas é tipo lutar contra o…

Invest. – Por isso é que lhe perguntava o que é que sentiu porque se me

permite, parece-me que é educadora, é uma pessoa, que gosta das

coisas muito direitinhas.

Educ. – Simplesmente, tento.

Invest. – Como é que hei-de dizer, é disciplinadora, é organizadora,

gosta dos meninos em grupo, gostas das coisas direitas, e este tipo de

trabalho que é de exploração, que é de mexer, que é de cheirar, de

tocar… de alguma forma travava…. Como hei-de dizer? É incompatível

com a sua organização.

Educ. – Mas eu acho… Mas eu achei aquilo interessante e o facto de

explorar e que não sei quê achei interessante, só que acho que há

momentos em que tenho mesmo que sair da organização

Invest. – Sem duvida nenhuma. Eu senti isso nesta actividade aqui da

parede, em que a Educ. …, no princípio…

Educ. – Hesitei um bocado…

Invest. – Não, mas depois deixou e no fim começou a ficar… eu não lhe

mostrei a cassete.

Educ. – Não, acho que não.

Invest. – Foi a das bolas à parede. No final, o seu estado de ansiedade,

digamos, de angústia, por aquilo estar a virar um bocado de confusão

dentro dos seus parâmetros. Eles estavam divertidíssimos mas para si

estava a ser confusão a mais.

Educ. – Porque houve uma fase em que eles estavam a querer pintar a

parede. E até a …[investigadora] disse «Na parede não, no papel»

Invest. – Exacto. Porque a bola caiu na parede, ou calhou, não me

lembro bem agora.

Educ. – Acho que houve uma situação em que eles iam com as mãos

Entrevistas aos Educadores de Infância

519

Invest. – E por isso é que eu lhes estava a perguntar…

Educ. – Eu acho que sim, eu acho que eles devem explorar, devem

explorar, aliás eu não acho que deve, eles têm que explorar, que é

mesmo assim, só que acho que há situações em que tem que haver

mesmo regras, não é?, tipo …, porque o comboio, tipo na manta quando

estão sentados, não estamos a brincar para aqui outros para acolá, e a

seguir uma historia, sei lá, eu acho… que eles devem, têm que explorar,

faz parte das necessidades deles. Eles necessitam de isso mesmo, eles

necessitam de explorar, a mim talvez… lá está, limito mais, talvez para

não dar confusão depois, tipo eles andar na tinta podem escorregar,

eles … terem um bocado de receio que eles se possam magoar, de que

eles possam ultrapassar aqueles limites, tipo a parede chegar lá e

pintar, temos papel para pintar em cima e papel para pintar em baixo,

porque é que nós vamos pintar na parede?

Invest. – Estava a falar e eu estava-me a lembrar da nossa conversa

sobre isto. Lembra-se que estava com medo por causa do carro que

passou… Os seus receios….

Educ. – Até aí transmitiu, às tantas, para, para….

Invest. – Não sei se transmiti, e eu este ano não estive e é um ano

fundamental, e os três anos também é uma idade fundamental. Mas eu

não acompanhei. Mas esta sua forma de ser, não acha que é

incompatível (por isso é que eu acho que estes seus medos, estas suas

regras, esta disciplina, se assim lhe posso chamar) de alguma forma

não lhe permite alargar as próprias experiências que eles fazem.

Lembro-me que naquela conversa a Educ. … disse: «Eu tenho medo de

ir lá para fora, porque se algum vai para a estrada…». E agora foi e

fartou-se de passear este ano.

Educ. – É assim. Por acaso foi um ano em que eu saí muito para a rua.

Mas é assim, até aí o que se passou foi isto: Eles iam lá para fora mas

sabiam exactamente que não podiam ir para cima da relva porque ali

também é um sitio também é um bocado não muito… pronto…

principalmente a relva tem… Sabiam perfeitamente que não podiam

Entrevistas aos Educadores de Infância

520

passar dali, dos carros, da beirinha onde estavam os carros

estacionados, dali para a frente não podiam passar. Tinham perfeita

noção disso. E até isso acontecer eu tinha a certeza absoluta que eles

não passassem. Embora estava sempre alerta, é lógico, estávamos a

trabalhar mas não era aquela preocupação. A preocupação foi no início

para os adaptar a isso. No início quando se ia lá para fora, a minha

preocupação foi essa. Depois senti-me muito à vontade porque eu

confiei neles e notava que havia ali a regra, que eles sabem

perfeitamente que não podiam calcar a relva, aquele tipo de situações

podem dar a volta à vontade, desde o momento que não façam isto e

isto porque é perigoso. Não se faz. Pode passar um carro… Ora naquele

dia que passou aquele carro numa velocidade enorme é assim… o carro

da Educ. ... estava estacionado e ele levou-lhe o espelho. Aliás não

chegou a prejudicar o espelho pelo que eu vi, mas afastou o espelho

para trás, dobrou o espelho ao contrário. É assim, aquilo a mim deu-me

assim um medo, digo assim: «Se um dia um miúdo ou por isto ou por

aquilo, se lembrar de correr» porque logo a seguir acaba o Jardim. À

frente tem o fotógrafo e a cabeleireira. Ora, na cabeleireira está a

Madrinha de um dos meninos, o... É assim, se algum dia se lembra de

sair e ir ver, o que eu acreditava que não, mas mesmo assim havia

aquele receio… é assim «vai-me passar, vai-me atropelar o menino» e aí

surgiu o meu medo, nessa altura com essa situação. Entretanto lá está

uma das boas coisas da gente falar com as colegas sobre o que se está a

passar, ajudou-me a voltar a ter aquela confiança que tinha nos

miúdos. Hoje eles vão lá para fora e continuam a andar lá…

Invest. – Mas, não acha que se generalizar,… pense assim «eles podem-

se cortar se eu lhes der uma tesoura, podem cortar ou picar a boca se

eu lhes der um garfo, e faço…, há determinado número de coisas que

não os vai deixar fazer.

Educ. – Mas deixo

Entrevistas aos Educadores de Infância

521

Invest. – Não lhes tire as pedras do caminho, ensine-lhes a passar por

cima delas. Ensine-lhes a ultrapassar os obstáculos mas não lhos tire

porque eles precisam de enfrentar as realidades.

Educ. – Só que às vezes se a gente não lhes tira as pedras do caminho,

há pedras que magoam muito

Invest. – É evidente que há determinados riscos que não pode correr.

Agora este, não me parece! Porque depois de já terem durante muitos

meses não me parecia que fosse assim um risco demasiado grande,

percebe?

Educ. – Mas que a mim me assustou bastante. Aquela situação

assustou-me imenso

Invest. – Aquilo que eu lhe estou a dizer é «Pense neles», nos seus

meninos. Eles precisam de saber resolver os conflitos, saber responder

de forma adequada ao problema que surge, eles têm que saber fazer

essas aprendizagens. Essa antes de qualquer outra; eles têm de ser

capazes de … porque isso é que lhe vai dar o verdadeiro sentido de

autonomia e independência. É eles verem as escadas e saberem como

as descem, verem uma faca e um garfo e saberem que não é para

andarem à facada uns aos outros; ter uma tesoura não é cortar o

cabelo; verem as coisas e saberem usá-las. Esta é a minha perspectiva.

É evidente que de princípio com muito mais controlo, mas deixá-los

fazer as coisas, ensiná-los a sem propriamente estarmos a evitar e fazer

por eles…

Educ.– Há situações que têm mesmo que ser porque a consequência,

tem sei lá, pode ser grave…

Invest. – Só uma pergunta mais. Acha que quando começou a

trabalhar na creche, na parte dos mais pequeninos (e no ano passado,

até que tinha determinados objectivos para os meninos), se fizer agora

uma análise desses momentos da creche até agora, em que já entrou

para o Jardim, acha que preencheu todos os objectivos, ou seja, acha

que os meninos, se mudassem de educadora agora, teriam ido

«preparados» para o Jardim? Ou seja, os seus objectivos foram

Entrevistas aos Educadores de Infância

522

alcançados, eles têm as competências que deviam ter, desenvolvidas de

forma geral (eventualmente há alguns que estão acima e outros a baixo)

(…)

Educ. – Que há…

Invest. – Não estou a falar nesse sentido. De uma forma geral acha que

eles estão globalmente desenvolvidos, dada a sua idade? Os seus

objectivos foram alcançados?

Educ. – Eu acho que sim, de uma forma geral acho que sim. Há

situações assim de menos, há objectivos que não tanto, não é? Mas de

uma forma geral acho que sim.

Invest. – Posso só fazer mais uma pergunta? Quais aqueles que acha

que trabalhou mais? Mais ou demais, não sei…

Educ.– É assim, eu acho que de uma forma ou de outra os consegui

desenvolver e atingir em alguns, não na totalidade, acho que alguns

realmente ainda não estão preparados, quer dizer a nível; acho que há

muitas coisa ali, há muita coisa, entre aspas, mas acho que há coisas

que ali que ainda têm de ser trabalhadas e bem trabalhadas. Noutros

casos acho que já está, já estão atingidos, a nível de linguagem, o

respeito pelo… aí ainda acho que há coisas que ainda estão um

bocadinho a nível de regras, dependentes das situações, não sei. Mas

acho que para a idade deles, eu acho que está, está, está bem, acho que

está no seu… Perguntou como está mas eu acho que consegui atingir os

objectivos

Invest. – È porque eu acho importante e a Educ…. mudou de ciclo este

ano. A pergunta que podemos fazer ao nível de creche, o que é que acha

que o menino que tem três anos e entra para o Jardim, que tem

competências, é que eu acha que ele deve ter? Ao nível emocional, ao

nível cognitivo, ao nível da linguagem …. O que é que acha que o

menino aos três anos deve ter? Claro, que numa média…

Educ. – É assim. Realmente há coisas que não estão tão bem, há

determinadas crianças que deveriam ser mais trabalhadas, ou que têm

que ser, neste momento mais trabalhadas, há outras coisas em que eu

Entrevistas aos Educadores de Infância

523

acho que, sim senhor, que está muito bem mas também depende um

bocado da criança. A criança a nível geral, no grupo, eu acho que está.

Eu acho que sim, o grupo para a idade que tem, eu acho que está. Eu

acho que sim.

(…)

Educ. – Mas eu acho que há muita teoria que não se enquadra muito,

há coisas que uma pessoa tem mesmo que tentar adaptar. Tentar, ….

Eu acho que teoria é teoria.

(…)

Educ. – Há uma falta de informação. A gente entra «de olhos vendados»

para a creche

Entrevista com Educador 4 Invest. – Queria falar com Educ. … porque embora só tivesse um ano

de trabalho com o P.E.S.m., eu penso que há sempre alguma avaliação

que pode ser feita no sentido de ver até que ponto é que um tipo de

trabalho destes pode ser ou não implementado, se é viável ou não,

quais são as limitações e as vantagens que eles têm. Mas para isso é

preciso fazer uma avaliação mais ou menos global. Eu penso que a

maneira mais simples é conversarmos um bocado sobre o assunto do

que propriamente estar a escrever já que escrever vocês não gostam

muito, e parece-me mais fácil assim.

Educ. – Conversinha…

Invest. – É, acho que sim. E a primeira questão que se me levanta, até

porque esse é essencialmente o objectivo do meu trabalho, é fazer uma

avaliação do desenvolvimento das crianças em função deste tipo de

actividades, até que ponto estas tiveram interferência, se acha que

houve alguma interferência ou se sente que houve alguma modificação

quando comparadas com outras actividades ditas tradicionais ou

comuns, porque pintura, colagem… todos fazem no jardim ou na

Entrevistas aos Educadores de Infância

524

creche. Agora estas actividades são de certa maneira diferentes. Até que

ponto é que elas se tornam diferentes, se acha que elas desenvolvem

mais ou não; o que é que sentiu com aquelas actividades que

desenvolveu com os seus meninos?

Educ. – Senti que estavam adequadas e de encontro às necessidades

que elas naquela idade tinham, de mexer, de tocar. Porque não era mais

fácil nós pensarmos em materiais específicos para elas mexerem, para

tocarem, que se calhar eu no dia a dia não dispunha com tanto acesso

nem com tanta facilidade, nem lhes dava, se calhar, orientava mais do

que lhes deixava que eles criassem e assim com este tipo de programa,

eu acho muito vantajoso quer para mim, que fiquei com mais ou menos

uma linha geral daquilo que as crianças deveriam ser ela próprias a

serem autónomas, a mexerem, a explorarem, a tocarem, não é, a

descobrirem, e para elas foi muito rico receber porque elas não

precisavam da «minha ajuda», sempre precisando da orientação, mas

tornaram-se mais autónomas. Se calhar com este tipo de programa eu

nem pensaria, não passava sequer pela minha cabeça alguns materiais

que utilizamos, se calhar tive medo de arriscar e arriscamos, não é?

Acho que foi um bocadinho por isso.

Invest. – Então quer dizer que este tipo de actividades, de alguma

forma também, não só interferiu no desenvolvimento deles, na forma

como eles contactaram os materiais, na forma como os exploraram, mas

também na sua própria forma de trabalhar nas outras actividades

Educ. – Exactamente, acho que sim. Embora eu já conhecesse do meu

estudo, da minha formação, aquilo que se poderia desenvolver nas

creches, se calhar se não tivesse este tipo de implementação deste

programa, se calhar pelas condições da própria sala, tinha um bocado

de medo de arriscar, pelo facto de só ter uma pessoa para me ajudar,

não é?... Se calhar estava com receio de não querer arriscar, e assim…

acho que mesmo para mim foi bom, não é? Pensei mais e se calhar era

capaz de naquela idade dos 2/3 anos, de orientar o meu trabalho mais

a nível, vamos supor «para preparar a pré entrada no Jardim» era fazer-

Entrevistas aos Educadores de Infância

525

lhes isso e… continuamente aquilo que no ano e meio já lhes tinha

dado, que era «os ovos», mexer nos ovos, na gelatina, isso num ano e

meio fiz, mas se calhar não estando dentro deste programa, se calhar

nos 2/3 anos não iria fazer. Pensava mais que ia trabalhar as cores, a

linguagem, e não, não lhes iria dar tanta liberdade.

Invest. – Digamos, com tarefas a cumprir ou funções mais regulares.

Educ. – Exactamente, mais regras do que propriamente aquilo que foi.

Acho que nem o próprio grupo tinha crianças que, pensando bem,

realmente fez-lhes falta, foi bom para elas, e só tenho pena que todas

elas não tivessem participado muitas, que aí é que…

Invest. – Acabou por ser pouco tempo

Educ. – Foi

Invest. – Foi pouco tempo para elas e para as actividades. Lembra-se de

algumas que para si tenha sido especial por algum motivo?

Educ. – Lembro-me. A do gelo. A descoberta do gelo acho que… até o

gelo. Tocaram no gelo, nunca pensei que eles fossem lá com a boca,

pensava que… Tinha estudado que eles com a mão tocariam porque a

sensação era diferente, mas com a boca, aquela curiosidade de mexer

com o gelo na boca, mesmo com a água, a água também me marcou

muito. A piscina com aquelas coisas, eles adoraram…

Invest. – Por acaso foram espectaculares essas duas…

Educ.– Acho que é muito enriquecedor tanto para mim como para eles.

E acho que, se calhar, se não tivesse o programa, sido implementado,

eu se calhar não arriscaria tanto em continuar a fazer esse tipo de

actividades. Porque há sempre aquele receio… mesmo as nossas

organizações na Instituição, não estavam…

Invest. – Houve algumas modificações …

Educ.– Exactamente. Se calhar, naquela idade já não pensaríamos que

continuava aquele tipo de trabalho que tínhamos feito no ano anterior.

Não havia essa preocupação

Invest. – Mas acha que de alguma forma, estando este ano nos 3 anos,

estas actividades favoreceram alguma sensibilidade nas crianças em

Entrevistas aos Educadores de Infância

526

relação a alguma coisa? Quer dizer, elas hoje são mais sensíveis? Nota

alguma diferença pelo facto de terem experimentado muito, de terem

descoberto muito por elas próprias, terem essa liberdade nessas

actividades, acha que elas este ano manifestaram também essas

características?

Educ.– Acho que sim. A nível de verbalização. A gente, não é? Aborda

qualquer assunto, ou vamos despertar interesse. Ela podem não

recordar, não contextualizar aquilo que fizeram, mas facilmente vão

buscar assim o áspero, lembram-se e depois fazem muitas comparações

que quando a gaivota ia na água, tinha uma bóia … vão buscar outras

coisas que, se calhar, se não se tivesse feito aquele trabalho, se calhar

eles não verbalizavam

Invest. – Ficou mesmo gravado.

Educ.– Acho que sim.

Invest. – Foram coisas que ficaram mesmo gravadas e ainda bem. Em

relação com essas actividades, e não lhes queria chamar avaliação,

aquela conversa que íamos tendo sobre as actividades, sobre a forma

como eles reagiram ou iam fazendo determinado número de coisas.

Esses momentos, essas conversas, foram de alguma forma, para a

Educ…., momentos de relembrar alguma coisa que tinha estudado,

momentos de formação, ou não? Estavam enquadrados no trabalho, e,

digamos, como que faziam parte desse mesmo trabalho?

Educ.– Não, acho que não. Acho que contribuiu para a continuação da

minha formação. Porque uma coisa é a gente ter lido e outra coisa é

fazer e quando se reflecte fala-se e vai-se buscar aquilo e realmente já

se percebe porque é que aquilo estava assim fundamentado, porque é

que não é… não era só avaliar aquilo que tinha feito naquele momento,

mas sim também tentar perceber aquilo que para trás eu tinha

estudado, acho que me ajudou a interligar, e se calhar pensava as

coisas de uma forma mais expansiva e que com a ajuda da

…[investigadora] também nos ajudava a ir buscar pequenos pormenores

que na altura tinha só lido e não estava tão atenta …

Entrevistas aos Educadores de Infância

527

Invest. – A passar para a prática aquilo que tinha lido. Eu acho que a

Educ. …passou por uma experiência penso que única, que foi o facto de

ter ido ao congresso lá das ludotecas e lá apresentar a comunicação do

vosso trabalho O que é que sentiu nessa ida, na preparação da sua ida?

Educ. – Senti que havia ali uma valorização pessoal e institucional.

Achei que quer eu quer as minhas colegas iríamos expor uma coisa não

só um mero trabalho de uma rotina diária, não é como qualquer

profissional que vai todos os dias para o trabalho e que faz isto, faz

aquilo ou aqueloutro mas que não, que havia algum grande valor e que

acreditávamos muito naquilo que estamos a fazer e acho que dá muito

ânimo às pessoas. Uma pessoa vai mas não vou para ler aquilo que se

calhar toda a gente já disse, não é?, mas a nossa apresentação não foi

muito repetir o que os teóricos dizem, mas sim mostrar na prática

aquilo que nós fazíamos e acho que aí, dá valor e dá mais vontade de

querer fazer, voltar a fazer outra vez aquelas experiências que dá

vontade.

Invest. – Este ano fez algum tipo de actividades, ou alguma

experiência?

Educ.– Fiz

Invest. – Que dê continuidade?

Educ.– Que dê continuidade… Fiz, por exemplo, o gelo – quente e o frio

– No Inverno trabalhei mesmo com o gelo, dei-lhes bocados de gelo e

eles mexeram; com as uva nas vindimas, eles trouxeram de casa e

demos-lhes bacias e eles tiraram e espremeram, fizeram eles o vinho e

chegamos a uma altura que já estavam todos cheios de vinho, era

canecas… porque logo no início e como estavam habituados a mexer, a

mexer … e também fiz aquela, voltei a repetir as coisas que afundavam

e as que não afundavam e aí eu já me recordei como lhes tinha no

início, que eles já se iam recordando, iam verbalizando não

contextualizando a outra actividade, mas se calhar verbalizaram já as

coisas não afundam porque era leve e já diziam que era leve e sabia,

pesado e desce, aqueles conceitosinhos que hoje têm, eu acho que eles

Entrevistas aos Educadores de Infância

528

exploraram e tinham, eu acho que não foi preciso eu orientar porque eu

acho que eles sabiam o que podiam fazer.

Invest. – Pois, naturalmente, eles já sabiam.

Educ.– Já, eles sabiam. Não era preciso eu estar a orientar o trabalho.

No próprio momento em que eu pus o recipiente, que era transparente,

e eram umas esponjas, umas esferovites, eram umas coisas que … eles

próprios quando me viram, antes de eu colocar dentro da água eles já

sabiam o que ia acontecer, sem eu dizer nada, eles pegavam e punham,

já sabiam …

Invest. – Essa iniciativa delas é que me parece que… Há algum tipo de

alterações na sua forma de actuar por ter estado incorporada no

programa? Em relação à sua forma de estar na sua actividade, no seu

dia a dia? Eu digo isto porque já me apanhou nessas mudanças, que

nós fizemos este ano no programa. Fizemos duas alterações. As

actividades mantiveram-se rigorosamente as mesmas e fizemos duas

mudanças: uma delas foi retirar as cadeiras, porque na instituição

funcionava tudo com cadeiras, tirava imenso espaço e tudo se fazia

sempre sentados. E a Educ. … não recorria tanto às cadeiras, como na

instituição.

Educ.– Mas, mesmo o espaço era outro no equipamento da instituição.

A outra modificação que nós introduzimos, foi exactamente o pedir às

Educadoras que nunca iniciassem coisa nenhuma, as interacções nem

a manipulação dos objectos, mas que quando a criança solicitasse ou

falasse, a Educadora estava e era mais uma ele/ela do grupo. Mas que

fossem elas a iniciar porque há sempre a tendência das crianças a

imitar o que o adulto está a fazer. E isto foi uma das mudanças que

surtiu muito efeito na forma de estar das Educadoras da istituição. Em

relação à Educ., houve alguma coisa que, no desenvolvimento do

P.E.S.m., que a tivesse feito mudar, muito concretamente?

Educ.– Acho que sim, acho que na altura não estava, acho que quando

iniciava uma actividade em pequeno grupo eu se calhar, se não tivesse

estado no programa, se calhar era eu que iniciava na construção de

Entrevistas aos Educadores de Infância

529

alguma…, se calhar era eu que sugeria como fazer, e agora, não é,

tenho eu consciência que as coisas que eles fizeram foi da iniciativa

deles. Eu simplesmente punha lá a tinta e os pincéis e o que era e eles

faziam como eles queriam, não tentava em orientar, e uma coisa que eu

deixei de fazer é o «não toca, não mexas». Se calhar eu tinha muita

tendência… não é, estou no início da carreira, tipo «não mete à boca» e

se calhar agora não digo «não toques» e deixo meter e deixo tocar e

depois, se vir que eles estão se calhar é que vou e que actuo. Acho que

nisso aí tenho mais a noção que é isso que tenho mudado em mim.

Invest. – Outra coisa. A nível de formação profissional, quais foram os

momentos que interferiram mais na sua formação? Pelos vistos, um

deles foi o ter estado no próprio programa já ajudou de alguma forma

na formação, na medida em que conseguia perceber essa articulação da

teoria com a prática, não é?

Educ.– Exactamente.

Invest. – Lembra-se de que afinal aquilo que já tinha lido, tinha de

alguma forma de ser concretizado na prática. Tirando esse estar

envolvido no programa, há assim algum momento que lembre a nível de

formação profissional, ou alguma situação como reuniões, conversas,

…?

Educ.– Que o P.E.S.m. me tenha ajudado, não estou a perceber …?

Invest. – O P.E.S.m. ou a minha passagem por aqui, se de alguma

forma a tenham ajudado nesta formação profissional?

Educ. – Há. A nível das conversas acho que sim. Com a

…[investigadora] não precisamos de estar a contextualizar em livros

nem a procurar mas nas simples conversas também tínhamos as trocas

de impressão e ate não fazíamos as avaliações mas as trocas de

impressões experiências e as sugestões da …[investigadora], eu acho

que foi muito importante para a minha formação profissional.

Invest. – Pois, porque realmente nas reuniões eu nunca falei em muitos

autores nem em teorias muito científicas. É evidente que por trás havia

sempre teorias, embora as minhas preocupações não fossem que vocês

Entrevistas aos Educadores de Infância

530

soubessem os autores ou as teorias que estivessem por trás mas sim

que percebessem que a prática tem uma teoria e a teoria tem uma

prática subjacente – era só essa a minha intenção. Em relação à última

reunião sobre observação e registos… essa reunião fê-la alterar em

alguma coisa a sua forma de observar e registar, a sua forma de estar,

digamos que aprendeu no sentido de relembrar conhecimentos que já

tinha …

Educ. – Sim

Invest. – Eu digo a última porque é mesmo a última, uma coisa muito

objectiva pedida pelas Educadoras. Acho que essa reunião introduziu

efectivamente na sua prática alguma mudança?

Educ. – Sim, porque deixei de pensar que observar as crianças e avaliá-

las era só, precisamos de ter um a grelha à frente, chegar ao fim do ano

e chegar lá e marcar como se fosse, não é? Fazer uma lista e, toca aí

vamos lá conhecer que até os conheço. Se calhar, que é que me fez com

isto? Fez-me pensar que, se calhar, é melhor eu estar mais atenta em

certos comportamentos deles e atitudes que só era mais oportuno no

momento eu chegar e até me ocorrer na lista e ir ver, do que estar só no

final do ano… e verificar os conhecimentos que, se calhar, como a

…[investigadora] dizia, posso pegar na lista e, se calhar, aquilo não me

diz nada porque, se calhar, eu também os conheço, não é? Posso dizer

que conheço, mas olhando para a lista é o tem que, é o dobro do tempo

que vou gastar para preencher aquilo. Se eu estiver mais atenta e

actuar sobre os comportamentos que realmente me chamem a atenção

é mais fácil eu estar, não é? E começar a perceber aquilo que eu posso

desenvolver neles …. E eu comecei a fazer isso e houve assim, 2 ou 3

meninos que eu consegui ver, mas realmente, se calhar, vou ter que

fazer mais… Eu acho que esse momento na nossa formação foi muito

importante. Foi porque acho que desmistificar muitas coisinhas que nós

tínhamos na nossa cabeça. Estávamos habituados a um certo número

de coisas e se calhar essa conversa …

Entrevistas aos Educadores de Infância

531

Invest. – Só não consegui tirar o medo dos registos, porque continua a

ser um bloqueio, e esse ainda não consegui desmontar de alguma

forma.

Educ. – Acho que é por causa que as pessoas ainda se lembram muito

da passagem do estágio. No estágio havia aquela carga da avaliação e

que dependíamos da nota, por causa dos registos da observação. Acho

que aí marca toda a gente e é pensar agora a sala é minha, eu preciso

fazer aquilo. Eu acho que é por aí. Eu acho que os alunos quando eram

preparadas, não deviam ser preparadas, não deviam ser preparadas

como uma obrigação de o fazer. Eu sentia-me, quando foi no meu ano

de estágio aquilo era obrigatório e criava o tédio, isto é, criava o medo

da gente colocar, não sei, tenho que medir tudo. E eu pensava assim:

vou começar a trabalhar e não preciso mais daquilo. E é por isso que a

gente começa a trabalhar e ainda bem não preciso é o medo e mão se

quer fazer.

Invest. – Pois, e depois acaba por não se ver o sentido e a utilidade

Educ. – Que aquilo tem, o mal está aí. Eu acho que as próprias

professoras deveriam alertar as alunas, não lhes dar a oportunidade de

ter que ver 20 meninos. Mas se calhar era mais importante que

preenchessem só 1 ou 2 ou só 1…

Invest. – E aprender a fazer

Educ. – Aprender a fazer. Não de 20, não a quantidade de observação.

Acho que aí é que devia ser mudado. Porque eu acho que o nosso medo

é aquele e depois nós passamos para profissionais para trabalhar

diariamente e pensamos assim «não preciso daquilo».

Invest. – E é que não descobrindo o sentido da observação e do registo,

este não faz falta. Eu consigo fazer isto, contar uma história, fazer um

jogo, fazer um plano de trabalho sem ter esse registo. Enquanto não se

fizer essa junção e a necessidade desse registo, cada um tem que sentir

a necessidade desse registo, o como é que vai evoluindo e se essa

junção não for feita, realmente as Educadoras não são formadas para

as questões da observação. Porque se elas não estiverem interligadas

Entrevistas aos Educadores de Infância

532

não fazem sentido e quando vocês não vêem a utilidade, o meu sentido

da observação e dos registos, passam perfeitamente sem eles. Não vos

fazem falta…

Educ. – É verdade, é. É assim mesmo.

Invest. – Quando não têm utilidade e portanto não precisam de os

fazer.

Educ. – Acho que nós profissionais e nas conversas que tenho com as

outras Educadores, acho que ninguém quer estar atenta a uma lista e

preencher. Mesmo por causa disso, eu já tive que fazer de tantos que

aquilo era uma obrigatoriedade e porque é que vou estar a fazer aquilo

no meu trabalho se já tive que fazer tantos? não há aquela descoberta

de…

Invest. – Se eu lhe pedisse para me dizer 3 ou 4 situações / momento (é

evidente que vai ter que ir buscar à sua memória, porque já passou um

ano), que tivessem sido relevantes para si, de todo o trabalho que

fizemos ao longo desse ano, quer seja pela positiva ou pela negativa.

Porque pode ter havido alguma situação que a marcou por ter sido

negativa, embora o seguinte passo em frente tivesse sido positivo. Se eu

lhe pedisse 3 ou 4 situações importantes para si.

Educ. – No PESm?

Invest. – No PESm. De que é que se lembra? O que é que lhe vem logo à

memória?

Educ. – Lembro-me da ida ao Congresso. Que me marcou

Invest. – A ida ao Congresso, não pela ida, mas sim pelo trabalho de

preparação. Porque parece-me que foi um dos grandes momentos da

vossa formação o terem que parar, que pensar, porque é que preparar,

seleccionar…

Educ. – Exactamente. Acho que foi um grande momento. Outro

momento foi um dos dias em que a …[investigadora] esteve lá, brincou

com os meninos, interveio, e conseguiu tirar da sua prática alguma

coisa para a minha prática. Acho que sim. Foi uma manhã que esteve

Entrevistas aos Educadores de Infância

533

lá, não esteve a filmar, esteve a brincar com eles. E depois lembro-me

de uma situação que nunca mais me esquece, do Tiago.

Invest. – A vinda do Tiago.

Educ.– Exactamente. Foi uma coisa que me marcou. Marcou-me como

profissional porque consegui ver noutro profissional com mais

experiência que eu, mais conceituada. Foi uma boa troca, marcou-me.

Mas marcou-me também aquelas actividades que nós fazemos, deles

explorarem.

Invest. – A felicidade deles!

Educ.– Acho que sim.

Invest. – Realmente essas situações do Tiago, foi medir forças, …

Educ.– Que me marcou pela positiva. Como profissional adorei. Acho

que em próximos PESm que a …[investigadora] fizer, deve estar lá uma

semana a intervir com eles. Acho que para nós Educadoras é bom

vermos outras educadoras a intervir na nossa sala, acho que não é por

causa da …[investigadora] que eu sinto assim, é por causa da

…[investigadora] Educadora, vai intervir na minha sala com os meus

meninos que me vá sentir diminuída, ou que me vá interferir no meu

trabalho, até pelo contrario, acho que neste caso marcou-me porque era

outro profissional a trabalhar …

Invest. – Mas sabe que se há educadoras que até gostariam de passar

por essa experiência eventualmente outras não, porque é entrar no seu

mundo, porque é entrar nos «meus meninos», na «minha sala» e às vezes

não gostam muito dessas interferências. Não estou a dizer que algumas

das educadoras envolvidas no P.E.S.m., tivesse essas reacções, mas não

é fácil exactamente por isso. Por outro lado, corre-se sempre o risco,

porque eu ou outro estranho não somos modelos. Sei que tenho muitos

anos de experiência, sei que sou de formação Educadora, e portanto

tenho alguma capacidade de lidar com determinadas situações e apoio-

me muito nas questões da psicologia, nomeadamente com o Tiago eu

tive que recorrer à psicologia juntamente com o facto de ser educadora,

porque até eu tive que ser serena, calma mas firme. Eu não me zanguei

Entrevistas aos Educadores de Infância

534

com ele, mas com a muita calma (que já estava quase a perder), tive que

lhe dar a volta quando ele é que se estava a pôr a dar a volta. Foi

mesmo medir forças… já não sei muito bem porque é que foi…

Educ. – Foi a Xica.

Invest. – Ah, foi ele que deu um pontapé a uma construção da Xica e

eu levei a mal, quer dizer, não se pode permitir que ele destrua o

trabalho dela quando ela estava feliz e contente a fazê-lo. Ele chegou e

destruiu-o e levou a mal que eu tivesse falado com ele. Ele mediu

forças.

Educ. – Aquilo ali marcou-me também e a ele foi mais um ajuste do

comportamento, passou-lhe à frente, mas a mim como educadora

Invest. – Porque eu não ralhei sequer com ele

Educ. – Exactamente. A mim como educadora foi um momento que me

marcou

Invest. – Às vezes a gente faz coisas … eu tenho muito essa postura

com as crianças. Falo com elas como costumo dizer de homem para

homem. Portanto ele tinha que perceber que aquela atitude não era a

mais correcta, e falar ao nível deles. Lembro-me que me sentei no chão

com ele ao colo e portanto nem sequer houve quebra da relação. Ele

estava ao meu colo e depois queria sair e eu não deixei, também foi um

facto. É engraçado como as coisas marcam e a gente não se apercebe de

determinadas atitudes que toma e o quanto isso pode marcar, quer as

crianças quer a educador. Outra coisa em relação à minha presença

dentro da sua sala e em toda a equipa da Instituição, com as crianças,

com as auxiliares, como o definiria ou como é que considera que foi o

meu papel, quer dizer quais foram ou são os aspectos mais positivos ou

menos positivos de eu ter estado presente. Para todos os efeitos eu era

uma pessoa estranha; de si não era muito estranha mas o nosso

conhecimento até era o de professor/aluno, portanto até podia ter

havido um certo receio…

Educ. – Não. Acho que a relação que a …[investigadora] sempre teve

connosco, foi uma relação muito aberta, muito flexiva, em que

Entrevistas aos Educadores de Infância

535

podíamos falar de tudo, não ter receio, não ter medo, porque a

…[investigadora] alem de partilhar connosco a sua experiência, também

estava sempre aberta a sugestões, a tudo quanto nós achávamos que

não estava tão bem ou que não conseguiríamos fazer. A

…[investigadora] teve sempre um papel muito bom porque sempre nos

ajudou e acompanhou. Com as crianças foi uma relação óptima porque

eles gostavam; sempre que a …[investigadora] lá ia, eles diziam, não era

uma pessoa estranha, não interferia na negativa, o trabalho não se

alterava e era ajustado.

Invest. – Virava confusão de vez em quando

Educ. – Só de vez em quando mas isso também era o mais negativo,

mas isso também era a questão da própria organização da rotina diária,

não é? De não termos tempo, se calhar, tínhamos que andar mais

aceleradas um bocadinho, não havia aquele tempo para estarmos mais

à vontade, não podíamos explorara mais as coisas com elas porque

havia o almoço, era preciso…

Invest. – Limpar, organizar os espaços…

Educ. – Limpar, organizar os espaços, e isso se calhar era o aspecto não

tão positivo mas de resto acho que a relação foi óptima, foi uma

formação de muita partilha que ajuda muito ao querer chegarmos ao

fim e apetece fazer mais. Não foi uma coisa que foi imposta, que venha

a professora e eu tivesse que fazer porque tinha que lhe mostrar, nunca

senti que tinha que lhe provar nada, até pelo contrario era uma pessoa

que me iria ajudar, que não estava ali para me testar nem para ser

avaliada mas que me iria ajudar, que eu iria ficar com mais

conhecimentos e enriquecer.

Invest. – Nunca se sentiu pressionada a fazer as actividades ou …?

Educ. – Nada, nada, nada.

Invest. – Ainda bem

Educ. – Nem o facto de ser minha professora me influenciou em nada.

Acho que nunca houve da minha parte assim o sentiu que havia uma

obrigatoriedade, nem que eu tivesse que estar porque a directora me

Entrevistas aos Educadores de Infância

536

sugerisse para estar, não me sentia obrigada, … Por fim e embora já

esteja no grupo dos 3 /4 anos do Jardim, acha que os seus meninos

estão desenvolvidos, quer dizer, considerando os objectivos que traçou a

nível de Creche, chegou ao fim e acha que tinha os objectivos

globalmente atingidos, e que o seu grupo está bem trabalhado? Que foi

para o Jardim-de-infância bem trabalhado ou acha que ficou alguma

coisa por trabalhar a nível de creche

Invest. – Enquanto educadora integrada já na valência Jardim, acha

que há algumas coisas que deveria ter trabalhado na valência creche,

ou acha que, tal e qual o seu trabalho foi desenvolvido, estava bem e

que as crianças chegaram de uma forma adequada ao Jardim?

Educ. – Acho que sim, acho que à chegada ao Jardim o

desenvolvimento deles estava adequado, eles conseguiram dar o salto

para a fase seguinte. Acho só que a nível de desenvolvimento de

motricidade, por causa do equipamento que era, acho que se calhar eles

até havia qualquer coisa que podia ter sido mais desenvolvida, o nosso

espaço não permitia fazer trabalho a nível de motricidade. Eles não

podiam rebolar, saltar, as salas não estavam apetrechadas com esse

material… Acho que nisso falhou um bocadinho, porque eles quando

chegaram aqui, e isto tinha um espaço aberto como é o salão, aquilo era

demais. Eles podiam saltar, correr, saltar a pé coxinho, subir as

escadas a correr… e não ali havia o adulto que os impedisse de correr.

Enquanto na instituição aquilo era limitado, era muito pequeno, nós

não os podíamos deixar andar tão livremente como ali no salão e acho

que aí nessa parte é a única parte que se calhar na altura não estava

tão bem desenvolvida. Se calhar, até foi aquilo que me custou mais. Se

estivessem na creche e os equipamentos fossem mais apetrechados,

com material essencial para aquela idade, quando passassem para o

jardim não teriam tanta dificuldade em subir as escadas com tanta

rapidez; mesmo isso lá eles tinham que se segurar na parede porque

tinham medo não estavam habituados, e mesmo o querer chegar ao

Entrevistas aos Educadores de Infância

537

salão eles para correr livremente precisavam, no ano anterior, de ter um

bocadinho desse espaço. Foi pena

Invest. - E até porque essa é a grande fase de desenvolvimento físico e

eles não passaram por ela

Educ. – Por causa das condições e do equipamento das instalações.

Invest. – Pois, não tinham espaço exterior

Educ. – Quando passaram para o Jardim notava-se que eles

precisavam daquele espaço e houve mesmo, no início do ano, em

Setembro ou Outubro a meio da manhã em que eu não fazia

actividades, pegava neles e iam correr, eles tinham mesmo necessidade

de correr, eles precisavam de…

Invest. – Pois, e faz muito bem, porque o crescimento físico e a

descoberta do esquema corporal é tão necessário quanto qualquer área

de desenvolvimento.