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UFRJ ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA Valdemar Figueredo Filho Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política. Orientadora: Ingrid Sarti Rio de Janeiro Dezembro de 2002

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UFRJ

ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA

Valdemar Figueredo Filho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de

Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em

Ciência Política.

Orientadora: Ingrid Sarti

Rio de Janeiro

Dezembro de 2002

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ii

ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA

Valdemar Figueredo Filho

Orientadora: Ingrid Sarti

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Mestre em Ciência Política.

Aprovada por:

___________________________________

Presidente, Profa. Ingrid Sarti

___________________________________

Prof. Marcus Figueiredo

___________________________________

Profa. Regina Novaes

___________________________________

Prof. José Paulo Bandeira da Silveira

Rio de Janeiro

Dezembro de 2002

iii

Figueredo Filho, Valdemar.

Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e política/ Valdemar Figueredo Filho. Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2002.

xi, 125f.

Orientadora: Ingrid Sarti

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS / Programa de Pós-graduação em Ciência Política, 2002

Referências Bibliográficas: f. 102-105.

1. Evangélicos. 2.Comunicação e política. I. Sarti, Ingrid. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em Ciência Política. III. Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e política.

iv

RESUMO

ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA

Valdemar Figueredo Filho

Orientadora: Ingrid Sarti

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência

Política.

A partir de uma amostragem restrita, este trabalho aborda a mídia

evangélica na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de compreender seu papel

central na relação entre política e religião no Brasil contemporâneo. Busca captar

também a imagem que se constrói a respeito dos evangélicos na mídia impressa do

Rio de Janeiro. Conclui que a mídia evangélica tem uma penetração considerável e

através dela se estabelecem vínculos entre igrejas e empresas, fiéis e empresários,

eleitores e políticos. Pretende mostrar como através do cultivo da identidade

religiosa, alguns grupos político-empresariais evangélicos utilizam-se

crescentemente do espaço de representação política. Conclui que, diante das

dificuldades de precisar as fronteiras entre o religioso e o político, tanto a mídia

evangélica como a laica tendem a alimentar a polarização entre Estado laico, de um

lado, e a figura de um governante evangélico, do outro.

Palavras-chave: mídia e política; evangélicos; empresários de comunicação.

Rio de Janeiro

Dezembro de 2002

v

ABSTRACT

BETWEEN O PALANQUE E O PÚLPITO: MIDIA, RELIGION AND POLITICS

Valdemar Figueredo Filho

Orientadora: Ingrid Sarti

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência

Política.

This study analyzes the media of evangelical-property in the city of Rio de

Janeiro. Its main objective is to explain the remakable role that it plays within the

relationship between politics and religion in contemporary Brazil. It also intends to

describe the image through which the evangelical followers are described as a

social group in the Rio de Janeiro’s press. This dissertaton intends to show the

interconnected relationship between evangelical churches and communicaton

enterprises as well as its expression at the political level of national representation.

It concludes that the polarization between secular State and religious governance is

the core of the conflict which is disclosed by both the religious and the secular

midia.

Key words: midia and politics, evangelical groups; communication enterpreneurs.

Rio de Janeiro

Dezembro de 2002

vi

AGRADECIMENTOS

A elaboração de uma dissertação proporciona ao seu autor o vislumbre de cenários

diversos. Descobertas a cada curva. Após os montes altos e escorregadios, vales

serenos e seguros.

Descobri livros impressionantes que falam dessa gente nossa, dessa vida

nossa, dessa ciência do cotidiano. Descobri instituições que propiciam aos seus

filhos legítimos, adotados e bastardos, ambiente propicio à boa reflexão. Descobri

mestres capazes de abrir seus tesouros e compartilhá-los com seus alunos.

Descobri onde fica o porto, o que encoraja a navegar em alto mar sem o perigo de

esquecer o caminho de volta.

Obrigado Ingrid Sarti pelo incentivo, ainda na graduação, para que me

dedicasse à pesquisa na área de comunicação e política. Agradeço pela atenção

constante, sem a qual não seria possível concluir esta dissertação.

Sou grato ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da

universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGCP-UFRJ. O fato de pertencer à

primeira turma foi significativo.

Obrigado Aluizio Alves Filho pelo carinho e dicas preciosas, obrigado Isabel

Ribeiro de Oliveira pelo rigor no trato com a teoria política, obrigado José Paulo

Bandeira da Silveira pelo interesse neste trabalho, obrigado Maria Helena de

Magalhães Castro pelo perfeccionismo na elaboração de projetos, obrigado Charles

Pessanha pelas aulas agradáveis e descontraídas.

Na pesquisa do tema proposto, Regina Novaes é referência obrigatória. Foi

bom demais contar com sua interlocução através de leituras, e principalmente

através de conversas esclarecedoras. Obrigado pela prontidão.

Agradeço aos companheiros de jornada, aos colegas de curso, que com

amizade e curiosidades fomentaram idéias que estão dispersas ao longo deste

trabalho.

Sou grato à Igreja Batista da Esperança pelo incentivo e compreensão.

Comunidade da partilha que alcançou-me com sua generosidade.

Lecionar no Seminário Teológico Betel é um grande privilégio. Agradeço a

professora Tabita Kraule Pinto pela inspiração que representa sua vida para todos

que a conhecem. Agradeço ao reitor, e querido amigo, Neander Kraul de Miranda

Pinto pelo exemplo vivo do que vem a ser um mestre.

Minha família observou atenta minha solidão pensante sem nada exigir.

Esperaram-me pacientes. Tudo que na vida produzo, procuro de alguma forma

vii

alcançá-los. A Raimunda Figueredo agradeço o leite materno, minha melhor

professora, de quem até hoje sugo a vida.

Agradeço aos componentes da Banca examinadora a forma como coroaram

essa dissertação. Intelectuais que aprendi a respeitar, leram o que produzi e deram

valiosas contribuições: Ingrid Sarti, Regina Novaes, José Paulo Bandeira e Marcus

Figueiredo.

A Patrícia, minha esposa, agradeço pela revisão do texto, mas sobretudo,

pela pontuação da vida. Posso navegar distante pois sei onde fica o porto. Patrícia

fundamental antes, durante e depois desta dissertação. Obrigado Patrícia pela

candura dos beijos que desconcentravam — enquanto tentava escrever esta

dissertação — eles também inspiravam. Obrigado por esperar por mim, enquanto

esperava o nosso primeiro filho. A Deus, toda Glória e Louvor!

viii

À memória de

Pedro José de Souza e David Gomes.

À Jonas Farias e Jércio Pereira.

À Elis Borre e José Nunes (Baiano).

ix

Glossário de siglas

CEB - Comunidade Eclesial de Base

Cehab - Companhia Estadual de Habitação

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

DCS - Departamento de Ciências Sociais

Edusp - Editora da Universidade de São Paulo

ES - Espírito Santo

EUA - Estados Unidos da América

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Iser - Instituto de Estudos da Religião

Iuperj - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

MG - Minas Gerais

ONG - Organizações não governamentais

PB - Paraíba

PFL - Partido da Frente Liberal

PL - Partido Liberal

x

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PR - Paraná

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados

PT - Partido dos Trabalhadores

RJ - Rio de Janeiro

SBPC - Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência

SP - São Paulo

TRE - Tribunal Regional Eleitoral

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

USP - Universidade de São Paulo

xi

SUMÁRIO

Introdução I

Capítulo 1. A diversidade conceitual na abordagem da relação entre

religião e política 1

Virtù e virtude cristã em Maquiavel

A ênfase na linguagem em Hobbes

O interesse em Bentham

A responsabilidade weberiana

A secularização em questão

Capítulo 2. A diversidade das Igrejas Evangélicas 20

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações teológicas

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações sociais

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações pessoais

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações do mercado

Capítulo 3. A relação ente os evangélicos e a política segundo a imprensa

41

O que diz a mídia secular sobre os evangelhos na política

O que diz a mídia evangélica sobre seus representantes na política

Capítulo 4. Observações sobre a diversidade na recepção dos discursos

76

Polifonia

Hermenêutica da profundidade

Alianças e resultados eleitorais

Conclusão 96

Referências bibliográficas 102

Introdução

A presença dos evangélicos no cenário cultural e político brasileiro é um fenômeno

recente que surpreende pela linguagem difusa, pela atenção que a mídia lhe

confere e pelos resultados eleitorais que conquista. Principalmente, no ambiente

acadêmico que investiga o exercício da política causa estranheza o movimento na

contramão da modernidade. A realidade de um Estado laico estaria sendo

ameaçada pelas pretensões políticas dos evangélicos? Afinal, é bom lembrar que a

secularização da política constitui fundamento da criação do Estado Moderno.

Uma das primeiras indagações sobre os evangélicos na política brasileira

questiona até que ponto, e como, as convicções pessoais de um evangélico com

mandato político podem interferir na ordem pública?

É inegável que grandes mudanças religiosas, na dita maior nação católica do

mundo, têm repercutido na política. Os evangélicos, como uma das grandes

novidades na política brasileira, têm despertado curiosidade e gerado várias

expectativas em acadêmicos, membros de partidos, institutos de pesquisas

eleitorais, igrejas, candidatos a mandatos legislativos e executivos, grupos

econômicos e jornalistas. E exatamente neste ponto encontramos o interesse da

sociedade brasileira, tão bem retratada pela vasta cobertura da mídia. Quem são

estes novos atores políticos? Como atuam? Observamos que há pouca clareza

sobre o que de fato representa a participação política dos evangélicos, quais as

suas motivações, seu potencial eleitoral, quais e como operam os seus principais

líderes, e quais os mitos que rondam esta discussão.

Essas questões estimularam-nos a abordar a recente participação dos

evangélicos na política brasileira, a partir da premissa de que seu discurso é

fragmentado e plural, pois constituem um grupo heterogêneo dotado de uma

complexa e abrangente distinção de denominações. Também como ponto de

partida, observamos que a visibilidade adquirida pela participação na política tem

como particularidade o engajamento dos evangélicos na mídia, inclusive e

principalmente na qualidade de empresários da indústria de rádio e televisão.

Assim, ocupamo-nos em analisar a retórica de algumas empresas de comunicação

destinadas, especialmente, ao público evangélico, buscando verificar a linguagem

usual e regular com que tratam temas políticos. Por outro lado, procuramos

também observar como a sociedade recebe informações da relação entre

evangélicos e política através da mídia secular. Desde o início, estão presentes dois

aspectos básicos que desenvolveremos no decorrer da dissertação:

1. não existe um projeto político comum a todos os evangélicos;

2. as igrejas evangélicas são tão segmentadas e diferentes entre si

que falar em articulações políticas contando com todo o bloco é

algo estranho à natureza do grupo.

No campo da ciência política, a produção temática ainda deixa muitas

lacunas. No entanto, a interligação entre política e religião não é uma questão nova

e localizada para a ciência política. Textos clássicos, referência fundamental para

nosso trabalho, ativeram-se ao tema com os instrumentos teóricos que dispunham,

para responder a questões suscitadas pelo contexto social e intelectual de seu

tempo. Na relação entre Igreja e Estado circulam retóricas em torno dos valores

com implicações políticas e religiosas. A nossa pesquisa se inscreve na lista de

trabalhos na área da ciência política que buscam entender como se articulam estes

discursos.

As implicações políticas da diversidade de igrejas evangélicas não estão

claras. Trabalhamos com a hipótese que a mídia que se destina ao público

evangélico tem um poder de síntese considerável. Esta mídia tem exercido

influências sobre as igrejas evangélicas que vão desde a liturgia até as definições

políticas. Muito do que se fala sobre os evangélicos na sociedade teve como fonte a

mídia evangélica. Entendemos que a visibilidade das Igrejas Evangélicas para a

sociedade brasileira está sendo produzida pelos empresários de comunicação, bem

II

mais do que pelos pastores em seus púlpitos. A mídia voltada para o público

evangélico tem relações estreitas com a política. Mas o nosso interesse neste

trabalho é refletirmos sobre as implicações políticas desta diversidade de igrejas

evangélicas. Nossa hipótese é de que muitas lideranças religiosas representam

fragmentação nos arranjos políticos. Não se tem registro na história republicana

brasileira de um partido político ou um candidato que tenha contado com o apoio

da totalidade das denominações evangélicas.

Outro aspecto a explorar é o comportamento político da Igreja. Se existem

denominações com candidatos oficiais, existem outras que entendem que política

não é arena própria à participação da Igreja. Existem igrejas proprietárias de

mídias e outras que comunicam apenas através do púlpito. Isso tem implicações

políticas sérias, já que são estabelecidas separações de espaços. Sendo a política

considerada coisa do mundo, prefere-se deixá-la para o momento e o espaço

adequado, que não seria o momento de culto no templo.

Mas se são tão fragmentados, que tipo de linguagem ou discurso conseguem

abarcar estes diferentes grupos? Nossa hipótese é que o discurso pela ética

consegue agregar e definir um espaço comum. Parece-nos que o que legitima

discursos religiosos para fins políticos, articulados por empresas de comunicação

que têm Igrejas Evangélicas como público alvo, é a chamada ética cristã. Discursa-

se a favor da moralização da coisa pública, dos valores da família, da luta contra o

aborto, da honradez diante das promiscuidades da política, das anistias fiscais para

as igrejas, da igualdade entre igrejas evangélicas e igreja católica. Importa-nos

verificar nesta dissertação como essa retórica se articula e como se traduz em força

política.

Sobre os católicos na política, no Brasil, é vasta e rica a produção acadêmica

(Azevedo, 1981). A teologia da libertação, por exemplo, promoveu um profundo

debate sobre reformulações eclesiásticas e teológicas na Igreja, visando à sua

efetiva participação na política republicana brasileira. Outro resultado visível está

III

nas universidades. Não são poucos os pesquisadores que descobriram a

antropologia, a sociologia e a ciência política através da chamada igreja

progressista. Já a literatura sobre os evangélicos na política é ainda incipiente na

universidade brasileira.

Pelo fato de sermos evangélicos, com formação teológica, ficamos a princípio

inibidos em concentrarmo-nos neste tema de pesquisa, vez que nosso

envolvimento, por ser profundo e de natureza pessoal, poderia dificultar a atividade

crítica própria da reflexão intelectual. Contudo, a imobilidade causada pela

identificação foi superada, ao percebermos que a posição de observação

privilegiada deveria ser aproveitada e refinada pelos métodos analíticos da ciência

política.

A pesquisa

Além de um jornal oficial da uma igreja evangélica, a pesquisa foi centralizada na

programação das duas rádios de maior audiência entre o público evangélico, a

Rádio El Shadai 93,3 FM e a Rádio Melodia 97,3 FM, cujas principais características,

que justificam nossa escolha, são expostas a seguir.

Rádio El Shadai 93,3 Fm. O proprietário da emissora é o deputado federal

Arolde de Oliveira, que nos seus cinco mandatos se notabilizou no

Parlamento pela participação na Comissão de Ciência, Tecnologia,

Comunicação e Informação da Câmara Federal, responsável, entre outras,

pelas questões das telecomunicações. Membro de uma igreja batista,

Oliveira preside o Diretório Regional do PFL no Estado do Rio de Janeiro

desde de março de 1993. Segundo dados divulgados pela emissora, o

ouvinte da 93,3 Fm fica ligado em média 4 horas e meia por dia, 60% dos

quais não trocam de estação. Em 15 dias de programação a Rádio El Shadai

atinge 7% dos ouvintes de FM, o que equivale a 62.000 ouvintes por minuto

diariamente de 6h. às 19h. O carro-chefe da rádio, o programa Debate 93

Fm, que vai ao ar de segunda-feira à sexta-feira de 11h. às 12h., alcança o

IV

índice de 129.000 ouvintes por minuto, disputando a liderança de audiência

das FMs do Rio de Janeiro com um público formado predominantemente por

evangélicos.1 O programa segue a orientação de um moderador que reúne

ao redor de si quatro convidados. Participam dos debates pastores,

profissionais liberais, autoridades civis e militares, jornalistas, cantores

gospel, atletas e políticos. O programa é interativo e os ouvintes participam

através de cartas, telefonemas e por correio eletrônico. Os temas são

diversos, em geral abordando a questões de valores e comportamento. As

opiniões geralmente revelam uma orientação cristã prática, sem

preocupação com reflexão teológica profunda. Nesse sentido, percebe-se a

tentativa dos produtores de organizar um programa didático e popular.

A pesquisa acompanhou sistematicamente e analisou a programação de

Debate 93 FM ao longo do ano 2001.

Rádio Melodia 97,3 FM. A outra empresa de grande penetração entre os

evangélicos analisada foi a Rádio Melodia 97,3 FM. O proprietário da Rádio

Melodia 97,3 FM é o deputado federal Francisco Silva (PL-RJ). Nas eleições

de 1994 foi o campeão de votos: 220.000. Se eleito nas eleições de 2002,

será a quarta vez que ocupará uma cadeira no Parlamento. Sua inserção no

universo das igrejas evangélicas deu-se a partir de uma opção comercial.

Adquiriu a Rádio Melodia em 1986 e se tornou conhecido do grande público

evangélico.2 Atualmente, é tido como o principal cabo eleitoral do

governador Garotinho junto aos evangélicos.3 Segundo o ranking geral de

1 Dados disponíveis em www.radioelshadai.com.br. Trata-se de uma auto-apresentação da empresa para possíveis anunciantes

2 Antes disto, Francisco Silva era proprietário do laboratório que fabricava o remédio Atalaia Jurubeba, preparado natural que servia como fortificante e remédio para o fígado

3 Apresenta, ao lado do governador, um programa diário com o governador que foi amplamente contestado pelo Partido dos Trabalhadores PT-RJ, que o considerou propaganda política disfarçada de pregação religiosa. A matriz deste programa teve que ser reformulada após decisão judicial

V

rádios FM do Rio de Janeiro, a Rádio Melodia, com seus 397.008 ouvintes

exclusivos, tem o maior índice de fidelidade absoluta entre todas as FMs. Na

disputa pela audiência, nos anos 2000 e 2001, esteve nas primeiras

posições. Em novembro de 2001 alcançou o significativo índice de 1,79 de

audiência, e no mês seguinte 1,80, o que representa o primeiro lugar. Em

termos quantitativos, a Rádio Melodia contou com 151.133 ouvintes por

minuto em novembro e, em dezembro, 151.886.4

A pesquisa acompanhou e analisou sistematicamente o programa A Paz do

Senhor Governador, que teve o título mudado para A Paz do Senhor de Coração, de

agosto a dezembro de 2001.

Jornal Folha Universal. Trata-se de um órgão oficial da Igreja Universal do

Reino de Deus, com distribuição gratuita nos templos, circulação semanal e

tiragem de 1.468.250. Tem sido importante veículo de unidade da Igreja

Universal do Reino de Deus. Informa as ações da Igreja no Brasil e em

diversos outros países. Contempla o universo interno da Igreja, é

distribuído dominicalmente nos templos e serve como propaganda

proselitista exclusiva à própria IURD.

Analisamos a coluna própria do bispo Rodrigues dos meses de agosto a

dezembro de 2001, no total de vinte números, com o objetivo de analisar o

conteúdo político das mensagens do deputado para os fiéis da Igreja Universal em

todo território nacional. Detivemo-nos na observação da retórica política, na

tentativa de perceber como se constrói a passagem do religioso para o político e,

em outros momentos, do político para o religioso. É necessário frisar que o período

monitorado não é de campanha eleitoral, o que nos possibilitou lidar com a retórica

4 Para facilitar a comparação, a Rádio FM O Dia ficou em segundo lugar com a audiência de 1,61 em novembro e dezembro de 2001. Isto representou 135.879 ouvintes por minuto. Em terceiro lugar na luta pela audiência ficou a Rádio 98 FM com 1,56 em novembro e 1,55 em dezembro. Ou seja, 131.495 ouvintes por minuto em novembro e 130.940 em dezembro

VI

política que é utilizada regularmente pelo órgão oficial da Igreja Universal do Reino

de Deus.

O Dia, O Globo e Jornal do Brasil. Para fins comparativos, monitoramos os

noticiários da mídia secular na tentativa de apontar como a sociedade está

sendo informada a respeito da relação entre evangélicos e política e como os

diversos grupos evangélicos cruzam as informações oriundas de uma mídia

confessional e de uma secular. Para tanto, pesquisamos o noticiário

referente ao nosso tema no ano 2001, nos jornais O Dia, O Globo e Jornal

do Brasil.

Desenvolvimento da dissertação

O primeiro capítulo aborda diálogos entre a igreja cristã — sem distinção entre

católicos e protestantes — e alguns autores clássicos como Maquiavel, Hobbes,

Bentham e Weber. Nosso interesse consistiu em ressaltar a diversidade de

conceitos cunhados pela tradição das ciências sociais, a fim de evidenciar a relação

entre religião e política. Cientes de que a consolidação do Estado Moderno apoiou-

se sobre a independência da política em relação à Igreja, chamamos a atenção para

a diversidade de conceitos adotados no intuito de definir a relação entre religião e

política. Trata-se, na verdade, de uma breve introdução à vasta retórica produzida

ou para submeter a política aos desígnios divinos traduzidos pela Igreja, ou para

defender um poder independente das motivações e métodos religiosos, ou seja, um

poder secularizado.

As igrejas evangélicas brasileiras serão introduzidas no segundo capítulo.

Este passo parece-nos relevante, vez que se convencionou no Brasil, generalizar e

classificar como evangélicos todas as igrejas cristãs não-católicas. Para

compreender a participação política dos evangélicos, é necessário pensar na sua

diversidade. Existem pontos comuns entre as Igrejas Evangélicas, mas também há

muitas divergências entre elas. Optamos por afirmar as divergências dos grupos de

VII

igrejas já que nosso interesse é perceber como se formam as composições

políticas.

Há quem explique a diversidade de igrejas evangélicas a partir das

motivações teológicas, outros preferem enfatizar o caráter desagregador das

motivações sociais. Circunstâncias históricas também servem para dar origem a

grupos denominacionais, e finalmente, novas igrejas evangélicas são formadas a

partir de motivações pessoais. O certo é que muitas razões, e não só as

apresentadas, caracterizam esse grupo religioso como plural. Qual seria então a

dinâmica social com poder de síntese em um grupo tão fragmentado? Que tipo de

linguagem pode agregar as partes em um grupo? Este trabalho sugere que a

mensagem através da mídia pode estar dando conta desta demanda. O que tem

ocorrido, e que aqui descreveremos, não é apenas o cenário de um líder do púlpito

regendo a vida dos seus fiéis, ou uma igreja dirigindo-se a outras igrejas. A mídia

evangélica não denominacional tem uma penetração considerável e a relação

adquire complexidade quando se estabelecem vínculos entre igrejas e empresas,

fiéis e empresários, eleitores e políticos. Procuraremos mostrar, em suma, como

através do cultivo da identidade religiosa via mídia, alguns grupos político-

empresariais evangélicos utilizam-se crescentemente do espaço de representação

política.

Como esse objetivo, o capítulo três analisa os discursos. A mídia secular

também foi pesquisada, para que os discurso das empresas de comunicação

voltadas para os evangélicos não estivessem auto-referidos.

O quarto capítulo considera a recepção dos discursos veiculados. Parece-

nos correto pensar que os contextos diversos de recepção destas retóricas políticas

geram vários resultados. Para tentarmos compreender como esse fenômeno social

ocorre, faremos uso do conceito de polifonia, conforme o concebe o lingüista russo

Mikhail Bakhtin (1988). Recorreremos também ao conceito de hermenêutica da

VIII

profundidade (Thompson, 1995). Este último capítulo termina com uma reflexão

sobre a expressão da diversidade dos evangélicos em relação à questão eleitoral.

IX

Capítulo 1

A diversidade conceitual na abordagem

da relação entre religião e política

A noção de que a liberdade das amarras religiosas é condição de existência de uma

sociedade regida por princípios políticos e jurídicos é um dos pilares da

modernidade. A transformação das sociedades constituídas sobre o poder do

cristianismo foi tida como fundamental para a promoção de novas formas de

organização social e política que fossem obra da razão dos homens. O surgimento

do Estado moderno esteve, portanto, intimamente vinculado às noções de

separação entre política e religião, entre o público e o privado. Considerava-se a

Idade Média como a Era das Trevas, tempo em que o saber e as expressões

humanas estiveram encobertas e contidas pelo manto da Igreja Cristã. Logo, a

afirmação do homem como senhor de si e senhor do seu destino, foi festejada

como a Era das Luzes.

A presença contemporânea do fenômeno religioso na esfera pública tem

merecido uma ampla gama de estudos que, em sua maioria, tendem a considerá-

la uma fase de retorno da religião às determinações políticas que abalaria a

consagrada secularização do Estado. Mas há também outra importante vertente,

que considera a hipótese de que a forte influência da religião sobre a vida dos

homens e de suas sociedades nunca tenha chegado a desaparecer. Teríamos uma

continuidade no lugar da suposta ruptura entre religião e política que caracteriza os

fundamentos do Estado Moderno.1

Sob qualquer dos ângulos, fato é que o retorno do religioso traz um

desconforto às ciências sociais, na medida em que situa a filosofia, a antropologia,

a sociologia e a ciência política frente a diálogos que pareciam esgotados. Urge

1 Como exemplo desta literatura, ver VELHO, O. Religião e Política.

2

pois, como bem aponta Velho,2 a necessidade de articulações intelectuais que

possam dar conta dessas manifestações sociais impregnadas do religioso.

Neste trabalho, inicialmente procuramos oferecer uma breve articulação

sobre o tratamento dado à relação entre política e religião por alguns autores

clássicos, que têm em comum a característica de relacionarem política, religião e

valores éticos, cada um no seu contexto e ao seu jeito. Não foram os únicos a

fazê-lo.3 Consideramos, não obstante, que a delimitação pela qual optamos é

suficiente para o nosso objetivo.4

Virtù e virtude cristã em Maquiavel

No final do século XIII, quando as cidades italianas eram palco de disputas entre os

governos dos déspotas, desenvolveu-se a arte retórica. Além do ensino da boa

redação e da preocupação com a forma, passou a existir a preocupação com o

conteúdo, com a nítida intenção de interferir nos assuntos cívicos através do

discurso. Autores clássicos são lidos como exemplo de forma e conteúdo. Floresce

o humanismo e a produção dos estudantes de retórica gera significativo conteúdo

político.

Esses iniciados na arte retórica interessam-se pela questão governamental.

Suas produções estimulam o espírito público, o bem comum, o espírito elevado do

governo para vencer as desavenças civis e os interesses, para que os ideais

proclamados pela república fossem assegurados. Neste contexto, um tema

2 Idem.: 3-4 3 A análise de Marx sobre a religião como lenitivo ao sofrimento do povo em contexto de exploração e pobreza é bem conhecida, mas sempre cabe a citação: A religião é o suspiro da criatura oprimida, o íntimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. É o ópio do povo. MARX, K. Crítica à Filosofia do Direito em Hegel: 80 4 Lacuna em nosso trabalho, o século XIX não recebeu a atenção que mereceria, deixando à margem um autor da importância de Tocqueville, cuja contribuição para o tema é decisiva. É nossa intenção recuperá-lo na continuidade de nossa formação.

3

privilegiado é o da virtude cívica. Os podestà deviam ser devidamente

aconselhados sobre esta questão.5

Conforme Cícero6, a virtude era alcançável, mas para isso uma boa

educação baseada na filosofia antiga e na retórica era necessária. Agostinho7

considerava que a natureza humana caída jamais alcança por si mesmo níveis

elevados da virtude. Já Petrarca,8 numa leitura cristã, mas profundamente marcada

pela valorização da Antigüidade clássica, discordava de Agostinho e defendia a

possibilidade de o homem alcançar a vida virtuosa mediante os seus esforços.9

Como se sabe, a Renascença Italiana representou a continuidade histórica

da antigüidade clássica, assim como significou um nítido rompimento com a

escolástica. A busca era por um saber prático, em contraste com as abstrações.

Rompe-se com a visão linear da história defendida por Agostinho para afirmar-se a

concepção de história cíclica.

Maquiavel avança em relação aos outros autores humanistas do seu tempo,

em particular, pela conceituação de virtù.10 O príncipe não pode ficar restrito a um

código de valores propagados pela igreja. O dever, conforme o cristianismo o

concebe, não pode imobilizar o exercício do poder. Pelo bem do seu governo, o

príncipe tem de se livrar dos absolutos religiosos que inviabilizam conquistas e a

manutenção dos principados.

Sugerindo uma moralidade típica para o exercício do poder, Maquiavel julga

que a política tem a sua própria moralidade e mostra a escala de valores que foi

5 SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 48-67. 6 CICERO, M. T. On moral obligation. apud SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno: 662. 7 AGOSTINHO, Santo. The city of God against pagans. vol. II: 245. 8 PETRARCA, F. On his own ignorance and that of many others. 9 SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 109-115. 10 MAQUIAVEL, O Príncipe. Além do texto original do autor, nosso trabalho apóia-se na introdução crítica à recente edição da obra de Maquiavel feita por Martins, que nela destaca a importância da filosofia da história e das

4

consagrada como imprescindível para os príncipes. Focaliza objetivamente o quanto

aquela sociedade estava referida na atitude religiosa, conforme a Igreja Católica

orientava. O príncipe teria que se ocupar das intrigas internas e externas, sem

esquecer-se de outros poderes que pudessem detê-lo. A compreensão de Maquiavel

sobre o conceito de virtù não subverte os valores, não desconhece a moral. O

príncipe virtuoso aprende a verificar as circunstâncias para definir seu

procedimento. Aquele que age conforme exigem as circunstâncias, sem ficar

imobilizado pela moral, é um governante virtuoso. O contraste entre virtù e a

moralidade cristã segundo Maquiavel reside, essencialmente, na posição de que o

bem geral da comunidade deve ser buscado a tal ponto que se, eventualmente, for

necessário contrariar valores cristãos, que o governante o faça sem reservas.

Como observa Skinner,

Maquiavel dá a resposta mais inequívoca possível. Não tem dúvidas de que a meta de manter a liberdade e segurança de uma república representa o valor mais elevado, e mesmo decisivo, da vida política. Por isso, não hesita em concluir que não tem cabimento utilizar uma escala de valores cristã no exame dos assuntos políticos.11

A partir da descrição do conceito de virtù, dois aspectos são especialmente

citados pelos estudiosos da obra de Maquiavel.

O primeiro remete à sua visão de história cíclica, i.é, para a oposição à idéia

cristã de história linear. Longe de afirmar profetismos históricos, Maquiavel

afirmava ser possível, através do estudo da história, exercer um governo

consistente no presente e promissor no futuro. De certa forma consolida a

importância do seu ofício de conselheiro e a põe como fundamental para o bom

governo.

O outro aspecto refere-se à sua percepção da natureza humana que, ao

contrário da concepção agostiniana da natureza humana caída, considerava que o

considerações sobre a psicologia humana. MARTINS, C. E. Maquiavel. Vida e obra 11 SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 203.

5

homem tende ao egoísmo, logo o príncipe teria que fazer valer sua autoridade

utilizando a força. Trata-se do conselho de vencer a natureza humana através da

coação.

Em suma, as considerações de Maquiavel em nada lembram as posições

cristãs quando trata da natureza humana, e que ao referir-se ao exercício do

governo público, limita-se a falar em salvação através do uso da força. Em

momento algum sugere atos heróicos dos príncipes, tentando transformá-los em

mártires salvadores. O estado dos homens em uma república, aconselhava

Maquiavel, precisa ser tratado por aqueles que governam com perspicácia e boa

medida de força.

A ênfase na linguagem em Hobbes

A criação do anglicanismo por Henrique VIII, fundamental para definições sociais,

políticas e religiosas na Inglaterra no século XVI, teve desdobramentos que

puseram em risco a pretensão universalista da cristandade. A igreja que estava

sendo formada era essencialmente nacional, alinhada com o grupo que protestava

contra os amplos domínios da Igreja Católica. O anglicanismo surge como igreja

oficial do Estado inglês, submissa ao poder secular.

A Guerra Civil inglesa foi um fato histórico de caráter político-religioso

determinante na trajetória intelectual de Hobbes. O conteúdo do Leviatã tem como

contexto o perigo da dissolução de uma Inglaterra que Hobbes conhecia como terra

de muitos senhores, na qual o poder estava fragmentado e a religião era

justamente um importante componente desagregador.

Hobbes recusa as influências da escolástica e pretende desenvolver uma

ciência experimental. Não se ignora que as atividades dos pregadores católicos e

protestantes eram intensas naquele contexto. A partir das suas bases teóricas,

Hobbes amplia e participa do debate. Como seus contemporâneos, convivia com

6

uma linguagem que se tornava essencialmente religiosa. A religião ganhara as

ruas.12

Hobbes desenvolve a sua abordagem da linguagem mediante severas

críticas à retórica religiosa do seu tempo e através de uma exegese própria da

Bíblia. Visando a abalar a retórica dos pregadores ingleses, lança mão de uma

retórica própria e voltada para instalação da ordem e da paz pública, que utiliza

discursos com linguagem religiosa para fins políticos e sociais.13

Em linhas gerais, o conteúdo do Leviatã revela que seu autor considerava os

homens tão iguais, que buscariam as mesmas coisas e seriam uns para os outros

grandes obstáculos. Sem leis estabelecidas os homens estariam vivendo em estado

de natureza, ameaçados constantemente por disputas, pela guerra generalizada e

pelo medo da morte violenta. O estado de natureza é um estado de guerra porque

cada um se imagina poderoso, perseguido, traído. como os conflitos não poderiam

ser resolvidos através da lei da natureza, impunha-se a presença do Estado como

mediador das relações humanas. Além da base jurídica, o Estado deveria fazer uso

da espada.

O contrato social que funda o Estado formar-se-ia a partir do momento em

que indivíduos transferissem todos os seus direitos para o governante. Com a

tarefa de estabelecer a paz entre os homens, o Leviatã seria este poder necessário,

acima dos indivíduos, para ordenar a vida humana, para exigir o cumprimento das

leis de natureza e para usar legitimamente a força sempre que necessário. Os

direitos dos soberanos seriam irrestritos, incomunicáveis e inseparáveis. Trata-se

de um poder ilimitado para manter a paz, para possuir as prerrogativas de pacificar

através da justiça a relação de guerra que os homens mantêm. A organização do

12 RIBEIRO, R. J. A marca do Leviatã: 23. 13 Idem: 23

7

Estado supõe a renúncia dos poderes pessoais para formar um poder único que

reúna a todos.

Ao avaliar a relação entre Igreja e Estado, Hobbes considera ameaçadora a

existência de um poder que possa ser comparado ao poder do Estado. Religiosos

que vivem sujeitos a um código legal próprio, que reconhecem uma escala de

valores ensinada com motivações espirituais e que, supostamente, estariam no

Estado e para além dele, representariam a fragmentação do poder.14

A leitura da terceira parte do Leviatã15 — Do Estado Cristão —revela que o

exercício exegético de Hobbes se concentra na discussão da salvação dos homens,

obviamente uma salvação distinta da proposta pelo cristianismo. A paz e a

harmonia entre os homens seriam adquiridas no interior do Estado. Tratava-se de

uma salvação terrena.16

É interessante observar como se sobrepõem a linguagem religiosa e a

linguagem política em Hobbes. Ao considerar a salvação dos homens através da

intervenção do Estado, Hobbes precisou debater com aqueles que arrogavam a si a

administração da salvação a saber, o clero. E para isso, concentrou-se em duas

idéias teológicas básicas:

1. como premissa teológica basilar do protestantismo que tinha implicações

políticas decisivas, propunha a substituição dos muitos dogmas por uma

necessidade única para o crente: a fé em Jesus Cristo.

2. referia-se ao Reino de Deus, caracterizando-o, em poucas palavras,

como aquele que não é deste mundo, demarcando assim a separação

entre o mundo da religião e o da política.

Em suma, a retórica religiosa hobbesiana reflete o espírito do seu tempo. As

pretensões temporais da Igreja Católica, a leitura bíblica literal dos puritanos, a

14 BOBBIO, N. Thomas Hobbes: 54. 15 HOBBES, T. Leviatã: 275-421. 16 RIBEIRO, R. J. A marca do Leviatã: 12.

8

grande atenção dada aos pregadores presbiterianos e a afirmação de uma Igreja

oficial do Estado configuravam um cenário complexo em termos religiosos e

políticos. A abordagem da linguagem desenvolvida por Hobbes buscava dar conta

dessa realidade.

O interesse em Bentham

Na sua principal obra, Bentham17 defende a tese de que a utilidade é o fundamento

da conduta social e individual. Diz que este princípio está de acordo com a

natureza humana, mas em desacordo com os preconceitos humanos. Ou seja,

assim as pessoas agem, mas conceitualmente consideram este tipo de ação

detestável. Trata-se de um fosso entre a teoria e a prática, entre o agir e o pensar.

Assim, a tarefa que Bentham se impõe é de desmistificar conceitos morais que

estavam profundamente enraizados na sociedade por ele analisada.

Autor amplamente utilizado quando se pretende estudar a consolidação do

Estado moderno, Bentham aborda o ordenamento interior do indivíduo em

contraste com o ordenamento exterior que o circunscreve. Isto é, demonstra o

quanto a moral pessoal pode ser um empecilho para o estabelecimento de uma

legislação satisfatória.

Como os autores citados anteriormente, também está preocupado com a

formação de um Estado ordenado por leis racionais, mas se volta em particular

para os aspectos enraizados na sociedade que costumam servir de obstáculo ao

comportamento racional. Os termos-chave do título da sua principal obra são em si

reveladores: moral e legislação.

Segundo Bentham, dependendo das circunstâncias, um mesmo ato pode ser

tido como mau ou bom. As circunstâncias precisam ser analisadas antes dos atos.

Esse pensamento dá margem a relativização de qualquer enquadramento moral do

tipo: classificação de atos ignóbil e de atos virtuosos. Bentham pede para que se

17 BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação.

9

olhem as circunstâncias.18 Adota a classificação de atos que são intencionais e

outros que não o são, bem como de algumas conseqüências intencionais e outras

não intencionais. Considera ainda a possibilidade do ato ser intencional e as

conseqüências não. Conclui que uma pessoa consciente dos atos e conseqüências

não pode ser julgada como uma que premeditou determinado ato sem consciência

da conseqüência que seu ato acarretaria. Assim como as circunstâncias, a

intencionalidade acrescenta novos elementos para o julgamento dos atos. Os atos

devem ser julgados, segundo Bentham, considerando os diversos elementos que o

compõem e não de maneira isolada.19

Para fundamentar sua tese, relaciona uma série de situações distintas que

são consideradas como boas e outras como más. Mas o seu grande interesse é

mostrar que os atos bons e maus tiveram o mesmo tipo de resultados. Sendo

assim, conclui-se que não existe nenhuma espécie de motivo que seja má em si

mesma, como tampouco existe motivo algum que seja em si mesmo

exclusivamente bom. 20

Note-se que o Estado idealizado por Bentham pressupõe um desmonte de

ordem moral. Ocorre-nos a imagem de quebra das tábuas das leis mosaicas para o

estabelecimento de outros mandamentos que possam viabilizar o prazer de quem

os cumpra.

Bentham apresenta três princípios contrários ao da utilidade: princípio do

ascetismo, princípio da simpatia e da antipatia, e o princípio teológico. Este

terceiro princípio, segundo ele, não chega a ser contrário ao da utilidade porque é

vago. Pode-se entender como vontade de Deus, inclusive, ações que estejam

fundamentadas no princípio da utilidade. Justificações de tipo se é bom para mim,

é porque Deus aprova.

18 Idem: 20. 19 Idem: 23-24. 20 Idem: 40.

10

Neste ponto da argumentação de Bentham, verificamos a sua tentativa de

ordenar a sociedade através de uma legislação elaborada e executada através de

uma motivação que não seja religiosa ou tradicional. Faz uso do argumento de que

as Sagradas Escrituras dão margem às mais diversas interpretações, logo, tentar

descobrir a vontade de Deus para assim reger a vida e a sociedade, pode gerar

confusão e manter a desordem social. Bentham recusa a moralidade cristã como

definidora das leis que regem a sociedade. Declara que o princípio da utilidade não

necessita nem admite outra norma reguladora além de si mesma.21

A responsabilidade em Weber

Como acredita que a conduta humana é, em certo ponto, determinada pela religião,

o olhar de Weber sobre as religiões busca entender suas influências na ética

social.22 Com o propósito de investigar a ética econômica, tão decisiva para a

organização social, analisa as éticas religiosas, mais especificamente, a confuciana,

a hinduísta, a budista, a cristã, a islâmica e a judaica.

Inicialmente, elabora o conceito de salvação religiosa. Se for certo que o

sofrimento advém de uma esfera espiritual, buscar-se-á amenizá-lo, superá-lo,

detê-lo, no uso da punição auto-imposta ou dos chamados cultos da redenção. Ou

seja, o ímpeto do sofrimento seria contornado pela magia. Se a comunidade se

ressente da fortuna e vive sob o signo do sofrimento, buscará uma religião que

possa viabilizar a salvação comunitária. 23

Ponto importante em Weber é a consideração sobre as apropriações de

sentido do mundo pelas religiões — o processo de racionalização — que, não se

teria dado de maneira homogênea. Não apenas as condições sociais foram

fundamentais na definição dos sistemas éticos e religiosos, como cada camada da

sociedade respondeu a essa tendência de uma maneira própria. As camadas

21 Idem: 12. 22 WEBER, M. A psicologia social das religiões mundiais: 313.

23 Idem: 316.

11

desfavorecidas socialmente encontraram no comprometimento ético a esperança de

redenção que não podiam encontrar no mundo encantado. Intelectuais primaram

por um racionalismo teórico. Classes de comerciantes foram mais afeitos ao

racionalismo prático. 24

Weber demonstrará como as religiões reproduzem as tensões existentes na

sociedade, concluindo que a ética religiosa serve diretamente aos interesses

econômicos, vez que no seio das religiões a oficialidade busca abafar a tendência

virtuosa. A ética é compartilhada como valor de todos e esse partilhar, que confere

sentido, também inibe a espontaneidade da virtude. Ante a ameaça do imprevisível

e do espontâneo da religião, importa afirmar uma racionalização ética que dê conta

do cotidiano, que o ordene metodicamente e, assim, não fira os interesses das

camadas detentoras do poder. Este ordenamento metódico inclui a economia.25

As religiões que tiveram nos intelectuais os formadores dos preceitos éticos

conviveram com a pretensão de assumir uma ética teológica, coerente, racional.

Weber sugere que essa pretensão pode não ter sido alcançada. As religiões

redentoras cristalizam a fala profética e a transformam em normas fixas que

ordenam o cotidiano e não se restringem ao espetacular e extraordinário. Ao

desenvolverem éticas regulares, essas religiões vivem tensões, pois o mundo em

volta tem seus próprios valores e maneiras de regular a vida cotidiana. Trata-se da

dupla pertença: a mesma pessoa tendo que se equilibrar entre a ética religiosa e a

ética secular.26

Weber focaliza a tensão entre a ética que rege a religião e a que rege o

mundo. A economia capitalista moderna, por si só, é uma negação à ética religiosa

de fraternidade e igualdade. Apresenta dois casos em que o racionalismo

econômico e a religião encontram saídas para a tensão existente: a ética puritana

24 Idem: 319-323. 25 Idem: 335-337. 26 Idem: 372-375.

12

da vocação e o misticismo benevolente.27 Segundo Weber, os motivos que levaram

os reformadores a elaborarem suas concepções teológicas não foram de caráter

ético nem político, mas se deveram ao fato de eles estarem imbuídos de

motivações religiosas, alheios ao espírito do capitalismo.28

Um ângulo que merece destaque na sociologia da religião elaborada por

Weber é pois a certeza de que o movimento religioso agiu sobre o desenvolvimento

da cultura material.29 Aponta a mudança de perspectiva da Igreja, da fase na qual

o ascetismo era mantido dentro dos muros do mosteiro, para o momento em

atingiu a vida profissional, ou seja, o convite à vivência da fé na ordem secular.30

Sentiram-se então seus impactos na economia e, nesta mudança, identifica-se o

espírito capitalista.31

Definitivamente, para Weber, a ética política tem sua racionalidade própria,

não pode estar contida num universo ético religioso calcado na generosidade.

27 Idem: 380-381. 28 Analisa os antecedentes históricos que motivaram a Reforma, os fatos por ela promovidos e as conseqüências deste significativo fomento na cultura secular. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 29 Idem: 62.

30 Existe um amplo material histórico que registra esta mudança. Para o aprofundamento da questão, é significativa a contribuição histórica e analítica de Dumont. Para o autor, as opções, com motivações religiosas, de renunciar ao mundo social e manter-se distante, para com isso alcançar o aperfeiçoamento pessoal, constituem clara demonstração de que se está frente ao holismo e a ele se responde com uma postura individualista. O individualismo extramundano do cristianismo na sua origem tem uma justificativa plausível: viviam a esperança da volta do Messias e a inauguração de novos tempos, novo céu e nova terra. A esperança escatológica dos primeiros cristãos ocasionava o não-apego ao mundo. No século IV, a situação muda de igreja perseguida à igreja subvencionada pelo Estado. As intervenções dos imperadores nas questões doutrinárias foram enfrentadas na consolidação da ortodoxia da Igreja e na fixação das suas doutrinas. Como evolução dessa relação tensa com a Coroa, no século VI, a Igreja mostrou-se ambiciosa nas suas pretensões. O Papa Gelásio I elaborou uma teoria da relação entre a Igreja e o imperador que nada fazia lembrar a postura dos primeiros cristãos com o mundo. Propunha uma diarquia em que o poder da Coroa e da Igreja estavam assegurados e diferenciados. Os interesses da Igreja evoluíram a ponto de defender uma monarquia espiritual. Dumont faz perceber como a Igreja, de uma postura distante do holismo, se transforma numa instituição que reivindica para si o poder temporal. Ou seja, como a Igreja passou do estágio de indivíduo-fora-do-mundo ao do indivíduo-no-mundo. DUMONT, L. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.

31 Idem: 130

13

Houve apropriações por parte do capitalismo de pontos da ética do protestantismo

que lhe interessavam. Isso não é o mesmo que afirmar que governos capitalistas

cumprem uma ética cristã com leitura protestante. Weber demonstrou como se

deu historicamente a influência da ética pessoal na economia e na política, como os

sentidos religiosos podem estruturar uma sociedade. Mas, fica evidente na leitura

deste autor que numa mesma sociedade onde se pretende dar curso à ética pessoal

religiosa e à ética política, necessariamente elas colidem em algum momento.

Weber considera que o trato com o poder faz da carreira política algo

complexo e perigoso. Para este ofício existem perfis próprios. Pergunta-se que

tipo de pessoa estaria habilitado para usar honesta e justamente o poder em

benefício da coletividade. A ética que vigora nas diversas esferas da sociedade é a

mesma que vigora na política?32 Desafiando a possibilidade de conciliação entre

ética e política, volta-se às sociedades nas quais o cristianismo é hegemônico e

questiona se nelas seria possível o exercício da política baseado na ética do

evangelho, da qual é emblemático o Sermão do Monte. Cabe lembrar que no

Sermão do Monte Jesus recomenda a renúncia no trato com o próximo e concebe

uma sociedade onde o amor é a mola-mestra; espera que as demandas jurídicas

sejam resolvidas com acordos, considera que não apenas os atos, mas também as

intenções egoístas são imorais, que a verdade deve ser dita sempre, que devemos

amar os inimigos sem nunca revidar as agressões, jamais ostentar em público as

boas ações e não viver para acumular riquezas materiais. Além disso, define como

feliz o homem que, mesmo sendo perseguido, é humilde, manso, justo, puro,

pacificador e firme.33

Seriam esses valores compatíveis com o ofício político? Haveria a menor

possibilidade de um político vocacionado conciliar o exercício político com suas

32 WEBER, M. A política como vocação: 142. 33 O Sermão do Monte pode ser lido na íntegra no Evangelho de Mateus do capítulo 5 ao 7, no Evangelho de Lucas capítulo 6.

14

convicções pessoais? Weber responde à sua questão distinguindo entre dois

modelos éticos. O primeiro é a ética das últimas finalidades, que consiste na

convicção de que os princípios morais que norteiam a vida pessoal também servem

para a vida pública. Recomenda fazer o certo independente dos resultados, o bem

como fim em si mesmo. O exemplo citado desta postura é o próprio cristianismo.

O monoteísmo cristão acaba por definir valores absolutos: Deus uno e moral una.

Nesta perspectiva, as convicções religiosas dariam os princípios de atuação política.

Mas Weber não se convence de que a política deva ser gerida por convicções

religiosas. Considera como segundo modelo ético para o exercício da política a ética

da responsabilidade, i.é, o fim justifica os meios. Não são os valores absolutos e

imutáveis que norteiam o político vocacionado, as circunstâncias poderão levá-lo a

mentir, a perseguir os opositores, à vingança e a proclamar os próprios feitos. Em

suma, desde que o resultado final seja satisfatório e os objetivos de um bom

governo sejam alcançados, a atividade política está liberada da chamada ética das

convicções religiosas.

A ética da responsabilidade proclama o resultado final como norteador e

justificador. Weber alerta que o político será indagado sobre os resultados da sua

gestão, está imbuído de responsabilidades que o homem comum não tem. Para

todos os efeitos, tem um compromisso com os resultados antes de ter com os seus

valores pessoais.34 Em suas palavras, Weber assim se expressa ao avaliar a

relação entre política, religião e ética:

Quem deseja dedicar-se à política, e especialmente à política como vocação, tem que compreender esses paradoxos éticos. Deve saber que é responsável pelo que vier a ser sob o impacto de tais paradoxos. Repito: tal pessoa se coloca à mercê de forças diabólicas envoltas na violência (...) O gênio ou o demônio da política vive numa tensão interna com o deus do amor, e com o Deus Cristão expresso pela Igreja. Essa tensão pode, a qualquer momento, levar a um conflito inconciliável.35

34 Idem: 144. 35 Idem: 150.

15

Em síntese, existe tensão entre religião e política, pois há identidade de

propósitos, já que ambas se prestam à mesma missão: salvar os homens. Como a

religião, a política faz promessas de amenizar os sofrimentos e aumentar a fortuna

e o bem-estar social. Mas a ética que vigora na política não é a mesma adotada

pelas religiões. Segundo Weber, a ética da responsabilidade põe em perigo a

salvação da alma porque não se ajusta aos imperativos absolutos. Não são valores

absolutos que regem a política, mas as circunstâncias. Para Weber o político

virtuoso é aquele que sabe agir conforme as circunstâncias e alcançar resultados

positivos.

16

A secularização em questão

Vimos que, em Maquiavel no contexto da Renascença, o processo de

secularização da política encontrou um hábil defensor. Em Hobbes verificamos a

defesa da secularização da política através da utilização própria de uma linguagem

teológica, insistente na distinção do público e do privado.36 Bentham argumentou

que a secularização exige o ordenamento das leis conforme motivações que não

sejam religiosas e Weber enfatiza o reconhecimento da separação entre ética

privada e ética pública como condição de autonomia da política.

Como dissemos inicialmente, a tradição da ciência política forma-se em

oposição à concepção de sociedades regidas pelas paixões religiosas.

Convencionou-se delimitar a religião ao espaço do fervor pessoal, privado,

enquanto que a política ocuparia o centro decisório da vida social, pública.

Atualmente, porém, a validade prática dessa fundamentação tem sido posta em

questão, quando confrontada com o que se observa um processo em curso de

dessecularização ou pós-secularização.37

Interessado em ressaltar o sentido original do conceito de secularização,

Pierucci denuncia o equivoco freqüente na sua utilização, chegando a fazer um tipo

de profissão de fé:

Modestamente, minha proposta hoje me parece menos resignada e, além disso, mais viável. A saber: não abri mão da secularização. Nem teórica, nem prática, nem terminológica, nem existencialmente. Urge, isto sim, que cada um de nós se esforce por saber do que está falando.38

Enfatiza que a sociologia da religião fundamentada na secularização, conforme a

concebia Weber, é um projeto viável e necessário: não é uma profecia nem um

prognóstico, antes, é uma análise histórica. Se analisado na sua temporalidade, o

36 Para uma análise da questão do público e privado postulado por Hobbes, consultar o trabalho de SARTI, I. Ética e política na relação entre o público e o privado. 37 PIERUCCI, A. F. Secularização segundo Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar um velho sentido: 108-110.

17

texto de Weber se refere à secularização como algo dado, reconhecido,

incontestável. Assim, Weber não projeta o futuro, mas sendo a secularização um

dado objetivo, o analisa.39

Importa observar ainda que secularização é um daqueles termos que

carrega consigo um vasto campo semântico. A maneira como setores da Igreja

lidam com o conceito não tem o mesmo sentido dado pelos círculos anticlericais. O

trabalho de Berger merece nossa atenção. Afirma que o processo de secularização

na disputa ideológica se caracteriza pelo peso valorativo que ganha.40 Considera

que as sociedades constituídas lidam com a ameaça freqüente do mal, das

catástrofes, do sofrimento, da morte, do caos e, para que haja legitimações

religiosas, faz-se necessário dar explicações convincentes. Em outros termos,

quando esta racionalidade religiosa não responde, não confere sentido e não explica

os porquês que a sociedade questiona, esta entra em colapso.41 Preocupado com

que o conceito não se perca nos sentidos ideológicos que usualmente lhe atribuem,

Berger redefine secularização:

Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos.42

Para Berger, um indivíduo pode habitar em um contexto onde a sociedade é

proclamada como secularizada, os centros decisórios não estão sujeitos as

38Idem: 154.

39 Pierucci retoma Weber enfatizando que, para o autor, o direito natural moderno é fruto de um processo de regulamentação das leis que levou à dessacralização das mesmas. A burguesia se serviu do ordenamento fixo das leis, deu-lhe condição de organizar-se. A racionalidade funcional é marcada pela possibilidade de revisões e foi nesse contexto que Weber utilizou o termo secularização com mais freqüência. O termo aparece esporadicamente nos seus textos sobre sociologia da religião sem grande importância. Foi para responder à questão da racionalidade jurídica que Weber fez uso do conceito de secularização. Idem: 146. 40 BERGER, P. L. O dossel sagrado: 118.

41 Ou seja, a manutenção do mundo conta com a teodicéia. Para aprofundar a compreensão do termo teodicéia, consultar WEBER, M. A psicologia social das religiões mundiais. É excelente o comentário desse estudo, especificamente sobre a noção de teodicéia, na obra de BERGER, P. L. O dossel sagrado.

18

hierarquias religiosas, no entanto, este indivíduo tem uma consciência religiosa —

como é o caso das sociedades ditas secularizadas da Europa, onde a maneira do

indivíduo comportar-se é em grande parte ditada por uma consciência ainda

religiosa.43 Segundo o autor, a secularização ocorre quando a religião deixa

efetivamente de ser fator de unidade a regulamentar a vida social ou, numa

sociedade que estava sob o controle da religião, a secularização se dá quando a

vida econômica é regida por leis próprias e a ordem política se caracteriza pela

completa separação entre Igreja e Estado.

... a secularização causa o fim dos monopólios das tradições religiosas e, assim, ‘ipso facto’, conduz a uma situação de pluralismo. 44

Berger conclui apontando a diversidade religiosa como conseqüência natural do fim

do monopólio de legitimação religiosa em uma sociedade secularizada e plural. Não

existindo este tipo de religião absoluta, capaz de impor as demais religiões e a toda

sociedade seus valores e plausibilidade, os seguimentos religiosos se submetem ao

mercado. Funciona a lógica da competição do mercado econômico onde a clientela

é cativada para consumir o produto oferecido. A diversidade religiosa é, portanto,

típica das sociedades secularizadas45

Parece-nos plausível afirmar que sociedades secularizadas têm na

diversidade sua marca. Quando deixa de existir uma religião absoluta que dita o

comportamento, a cultura, a economia, os sentidos simbólicos e as mitologias, há

claros sinais de secularização. Trata-se de secularização quando deixa de existir

uma religião oficial e absoluta sobre a ordem social, quando outros sentidos são

dados à teodicéia. A cultura secular não admite monopólio de valores de uma

religião.

42 Idem: 46. 43 BERGER, Peter Ludwig. Idem: 121. 44 Idem: 121. 45 Idem: 147-151

19

Por outro lado, a demarcação do espaço religioso como de caráter particular,

intimista, emocional e subjetivo, e de outro lado, o espaço político como social,

coletivo, racional e concreto, é tão tênue, que por vezes estas demarcações dão

ocasião a paradoxos e surpresas. No cenário contemporâneo, pergunta-se também

se o que hoje presenciamos na política brasileira pode ser caracterizado como

secularização. Sob o risco de nos repetirmos, cabe frisar a pergunta que norteia

esta pesquisa: a procura religiosa pela política é um retrocesso na história

republicana?

20

Capítulo 2

A diversidade de igrejas evangélicas

Convencionou-se no Brasil identificar os evangélicos a todas as igrejas cristãs não

alinhadas ao catolicismo. Neste caso, a identidade evangélica é definida a partir da

referência do catolicismo, o que remete às raízes históricas da Reforma Protestante

do século XVI na Europa, cujo expoente foi Martinho Lutero. Isto porque o

movimento liderado por Martinho Lutero também tinha a Igreja Católica como

referência.

Há quem note diferenças entre o que foi o Protestantismo europeu e o que

temos hoje no Brasil definido como igrejas evangélicas. Diríamos que dependendo

do grupo para que se olhe, pode ser difícil verificar similaridades com o

protestantismo histórico. Se o observador detiver-se nos anglicanos ou luteranos,

por exemplo, terá como alinhar amplas semelhanças a ponto de caracterizá-los

como provenientes de uma origem comum localizada no século XVI. Mas se o

observador se detiver na Igreja Pentecostal Deus é Amor ou Igreja Universal do

Reino de Deus, pode se sentir inclinado a defender a idéia de que essas Igrejas são

antes seitas que resultaram do contexto social brasileiro, do que propriamente do

protestantismo histórico.

Não é possível compreender a participação política desse grupo religioso tão

pulverizado, insistindo em ignorar sua diversidade. A pergunta que fazemos neste

capítulo não é original: que tipologia pode dar conta dos diversos grupos

denominacionais evangélicos?

A literatura acadêmica que versa sobre os evangélicos brasileiros, procura

inicialmente enfrentar a complexidade do termo evangélicos, em alguns trabalhos

21

chamados de protestantes.46 O resultado apresenta uma variedade de

classificações dos diferentes grupos denominacionais, na tentativa de se criar uma

tipologia pertinente. A tipologia proposta por Rubem Alves, por exemplo, privilegia

aspectos doutrinários.

1. Tipologia proposta por Rubem Azevedo Alves

Protestantismo da Reta Doutrina Ênfase nas formulações Doutrinárias

Protestantismo do Sacramento Ênfase Litúrgica e nos Sacramentos

Protestantismo do Espírito Ênfase na experiência subjetiva

Fonte: ALVES, R. A. Protestantismo e repressão: 36

Já a de Antônio Gouveia Mendonça, a seguir, é uma tipologia construída a

partir da história dos protestantes no Brasil. O trabalho de Freston, entre os

estudos na área das ciências sociais que têm mostrado grande interesse no

fenômeno pentecostal nas igrejas evangélicas, caracteriza o potencial de

fragmentação deste grupo, com uma tipologia que nos permite atentar para a

grande diversidade denominacional dos pentecostais.

46 FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Inpeachment: 27-147; DOMINGUES, J. Tempo de colheita: o crescimento das igrejas evangélicas no estado do Rio de Janeiro: 55-82; FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil:19-43; CONRADO, F.C.S. Cidadãos do Reino de Deus: representações, práticas e estratégias eleitorais. Um estudo da Folha Universal nas eleições de 1998:14-18; SANTANA, L. K. A. Tensão atrás das muralhas: a identidade batista brasileira em questão: 34-72; GIUMBELLI, E. A vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo brasileiro:87-119

22

2. Tipologia proposta por Antônio Gouveia Mendonça

Igrejas de Imigração Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (1824)

Evangélica Luterana do Brasil (1868)

Igrejas de origem

Missionária

Congregacional do Brasil (1855)

Presbiteriana (1859)

Metodista (1881)

Batista (1881)

Episcopal (1898)

Igrejas Pentecostais Assembléia de Deus (1910)

Congregação Cristã no Brasil (1911)

Cura Divina Deus é Amor e similares

Paraeclesiásticas Visão Mundial (Evangelização de Massa)

Palavra da Vida (Acampamentos para Jovens)

Editoras (Betânia, Vida Nova, etc.)

Tabela elaborada a partir do texto de MEDONÇA, A. G. Um Panorama do Protestantismo Brasileiro atual: 53-84

3. Tipologia proposta por Paul Freston

Primeira Onda do

Pentecostalismo Brasileiro

Congregação Cristã (1910)

Assembléia de Deus (1911)

Segunda Onda do

Pentecostalismo Brasileiro

Evangelho Quadrangular (1951)

Brasil para Cristo (1955)

Deus é Amor (1962)

Terceira Onda do

Pentecostalismo Brasileiro

Universal do Reino de Deus (1977)

Internacional da Graça de Deus (1980)

Fonte: FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment: 54-112.

23

A diversidade de igrejas evangélicas pode ser observada no resultado de

pesquisa que relaciona 53 grupos evangélicos no Rio de Janeiro, num universo de

1332 entrevistas. É de se supor que, se a amostra da pesquisa fosse maior, maior

seria também o número de denominações evangélicas encontradas, e se a pesquisa

fosse ampliada para todos os Estados brasileiros, provavelmente revelaria uma

diversidade extraordinária.47

Cabe aqui fazer uma observação quanto ao caráter plural das igrejas

evangélicas. As igrejas pentecostais têm uma tendência reconhecida para a

pulverização, a ponto de termos atualmente as nomenclaturas pentecostais e

neopentecostais.48 A tipologia proposta por Freston nos convence de que se trata

de um grupo religioso multifacetado.

E quanto às chamadas igrejas evangélicas históricas? A própria história

destas igrejas históricas — ou de missão — revela o quanto estão também

fragmentadas. A tal ponto que quando a referência é feita aos metodistas é

oportuno perguntar de quem se está falando, vez que existe no Brasil mais de uma

denominação metodista autônoma em relação umas às outras e, em alguns

momentos, também hostis entre si. O mesmo ocorre com os batistas,

presbiterianos e outras denominações, como revela a tabela que se segue.

47 FERNANDES, R. C. Novo nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política. 48 MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.

24

4. Dissidência denominacional —pulverização

Metodistas (igrejas de

santidade)

Igreja Metodista

Igreja Metodista Livre

Igreja Evangélica Holiness do Brasil

Irmandade Metodista Ortodoxa

Igreja do Nazareno

Presbiteriana (igrejas da

Reforma calvinista)

Igreja Presbiteriana do Brasil

Igreja Presbiteriana Independente

Igreja Presbiteriana Conservadora

Igreja Presbiteriana Fundamentalista

Igreja Reformada de Colônias

Batista (igrejas de volta

ao cristianismo

primitivo)

Igreja Batista Brasileira

Igreja Batista Regular

Igreja Batista Restrita

Missão Batista da Fé

Igreja Cristã Batista Bíblica

Igreja Batista Revelação

Menonita

Fonte: MEDONÇA, A. G. Um panorama do protestantismo brasileiro atual: 46

Como se constata, a capacidade de fragmentação e organização de novos

grupos evangélicos é grande entre pentecostais e não-pentecostais, configurando

um fenômeno amplo em termos de espaço e tempo, que ocorre no Brasil assim

como alhures.49

49 Para compreender melhor como se dá as segmentações entre os evangélicos e as tentativas de agrupá-los em tipologias, ver o artigo de GIUMBELLI, E. A vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo brasileiro. Neste artigo, a literatura pertinente é apresentada e comentada.

25

A seguir, vejamos como algumas motivações corroboram para aguçar esta

tendência de fragmentação dos evangélicos em grupos denominacionais, no âmbito

nacional. Não é nosso objetivo elaborar mais uma tipologia, ao contrário,

buscamos enfatizar as diferenças e não propriamente os encontros de identidade.

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações teológicas

A Reforma Protestante ocorrida no século XVI na Europa esteve dentro de um

contexto histórico que permitiu relativa rapidez no seu florescimento. Relativa

porque não se pode pensar em origem do protestantismo tendo como única

referência o movimento luterano. Antes de Lutero (1483-1546) já era intenso o

movimento, dentro e fora da igreja, que abordava questões depois recuperadas e

ampliadas pela Reforma Protestante.

No que se refere às pesadas críticas à Igreja, Lutero tão somente manteve a

tradição humanista que há muito vinha apontando para contradições vividas por

esta instituição. O movimento luterano teve nos humanistas importantes aliados

intelectuais que ajudaram a propagar as idéias contrárias a um certo tipo de ser

igreja, embora os objetivos das críticas humanistas não fossem de caráter religioso.

Tratava-se de dois segmentos opostos à mesma instituição. A tradução da Bíblia

para as línguas nacionais, empreendimento dos reformadores, enquadrava-se nos

objetivos religiosos dos reformadores luteranos, e era significativa para a causa

humanista por promover a educação do povo e afirmar os Estados Nacionais.

No que tange ao poder da Igreja sobre as pessoas e nações, as críticas, bem

anteriores ao movimento liderado por Lutero, eram feitas por príncipes,

comerciantes, parte do clero e pensadores. Movimentos que foram considerados

heréticos foram abafados pelo poder da Igreja, mas quando floresceu a cisão

luterana, os argumentos desses movimentos voltaram — lolardos e hussitas.

Desde o século XII, com a Reforma Gregoriana, havia longa tradição de resistência

26

à idéia oficial de uma monarquia absoluta pontifícia, que contestava os poderes da

Igreja e do papa.50

Os princípios fundamentais da teologia protestantes foram sola gratia, sola

fide e sola seriptura,51 que constituíam uma crítica às práticas da Igreja Católica.

Lutero aceitava as concepções agostinianas sobre a natureza humana e, neste

ponto, discordava dos humanistas. Segundo ele, a natureza humana caída

empurra os homens para o abismo sem Deus e, como os homens têm tendência

natural para o pecado, estariam destinados à condenação eterna. Considerando que

existem pessoas que buscam a Deus, mas por conta de sua natureza dele se

afastam, , Lutero alegava que o homem é justificado perante Deus pela fé e não

através das boas obras. Tendo como fundamento que a justificação se dá pela

graça de Deus mediante a fé, Lutero relacionava o Velho com o Novo Testamento,

afirmando que pelas leis presentes no Velho Testamento o homem tomaria

conhecimento da sua natureza e só encontraria sossego para alma mediante a

descoberta da graça de Deus, conforme descreve o Novo Testamento.52

A tese teológica luterana da justificação pela fé somente trazia consigo

severas críticas à prática da Igreja de então. No entender dos reformadores, a

Igreja tutelava a vida dos indivíduos do nascimento até depois da morte. E todo

este poder de interferir na vida pública e privada tinha uma fundamentação

teológica que propunha a mediação da Igreja para a salvação dos homens. Em

poucas palavras, viver conforme a Igreja orientava redundava na justificação.

Confundia-se e se relacionava estilo de vida com salvação. Neste sentido, a tese

da justificação pela fé somente deslocava a legitimidade de doutrinas estruturais da

Igreja Católica, como purgatório, venda de relíquias, penitências, e sobretudo,

venda de indulgências. Lutero negava a posição que fora conferida à Igreja. Não

50 SKINNER, Q. SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno:316-330. 51 Só pela graça, pela fé e pela Sagrada Escritura.

27

aceitava que esta instituição tivesse a possibilidade de administrar a salvação dos

homens, que ela fosse mediadora entre os fiéis e Deus. Diante de tal posição, sua

crítica atinge nitidamente as funções dos papas, padres e monges. Lutero expõe o

clero afirmando na sua teologia o Sacerdócio Universal do Crente, i. é, o crente não

precisa de mediação para chegar a Deus, o acesso é livre por conta da mediação de

Jesus.

Abordando as implicações políticas dessa teologia, Skinner sugere que ao

relativizar o papel da Igreja como senhora absoluta sobre a vida das pessoas,

Lutero estaria promovendo uma sociedade laica. Teria questionado tanto até onde

iria a jurisdição da Igreja para regular a vida das pessoas, como as próprias

instituições da Igreja, negando privilégios ao clero.53

A infalibilidade única da Bíblia foi um outro pressuposto teológico luterano.

Tratou-se de mais uma afirmação que se opunha radicalmente a um dos pilares da

Igreja: a infalibilidade papal. A Reforma Protestante foi insistente em contrapor a

autoridade da tradição da Igreja à autoridade da Bíblia. Buscou-se viabilizar a

leitura da Bíblia para o povo, afim de que pudesse comparar a prática da Igreja

com o conteúdo do livro sagrado. A defesa da leitura bíblica não mediada pelo clero

era, portanto, fundamental para os objetivos reformistas.

Essas breves noções teológicas nos remetem para o potencial pulverizador

do Protestantismo enquanto expressão religiosa. Nega um centro religioso de onde

possa existir administração da salvação dos homens; afirma o sacerdócio universal,

o que possibilita uma aproximação pessoal da divindade; orienta e estimula o livre

exame das Escrituras; e ao criticar a Igreja, propõe novos modelos a partir de

reformulações fundamentais. No século XVI, quando o protestantismo se fez

conhecer na Europa, já havia diversidade teológica e de processos de

institucionalização. Com o passar dos séculos o que era uma tendência se

52 SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 291. 53 Idem: 295.

28

transformou numa realidade inequívoca: as muitas faces do protestantismo não

param de criar novas faces.54 Não foram produzidas estruturas unificadoras,

inviabilizou-se a figura do líder comum.

Alguns pressupostos da Reforma Protestante teriam reforçado esta opção

pela desintegração. O Sacerdócio Universal do Crente e o livre exame das

Escrituras provocariam mais o individualismo do que a unificação. Para Alves, as

muitas faces do protestantismo podem ser entendidas se considerarmos que O

individualismo protestante contém em si as sementes da desintegração ... Falta-nos

um critério unificador. Não existe uma unidade estrutural.55

Pergunta-se: sendo a verdade descoberta pela leitura da Bíblia e tendo o

protestantismo no livre exame um princípio claro, não se corre o risco de diversas

leituras levarem a diversas interpretações? Neste caso o cisma seria um resultado

óbvio, pois haveria diversas verdades. Segundo Alves, este perigo real foi

contornado com a elaboração racional das chamadas confissões, que dão a

interpretação do texto à priori. Em suma, na busca pelos absolutos, elimina-se as

dúvidas, e elimina-se o livre exame. Há livre leitura do texto bíblico, mas não há

livre interpretação. A tarefa intelectual do protestantismo tem se detido no repetir,

a produção teológica não é investigativa e crítica, mas contemplativa.56

Ao considerarmos propriamente a realidade do protestantismo brasileiro,

diríamos que a tendência para a diversidade e a proliferação de novas igrejas

dissidentes não ocorre por causa de cismas teológicos que tiveram por base

confissões denominacionais, pois muitos grupos denominacionais brasileiros sequer

têm uma definição teológica explicitada. Sem dúvida, existe uma gama de motivos

que levam à diversidade, mas nosso foco se centra na própria concepção do

protestantismo, marcada por um aparente paradoxo: de um lado implica uma

54 ALVES, R. Dogmatismo e tolerância:57 55 Idem.:58 56 Alves, R. Protestantismo e repressão.:111-113.

29

suposta liberdade de pensamento; do outro, repousa no dogmatismo teológico. O

ponto é claro em Alves, que reproduzimos a seguir:

A vocação protestante para as denominações, para as seitas e para o cisma, portanto, não pode ser interpretada como uma expressão de liberdade. A verdade é o oposto. É porque o protestante habita uma linguagem, e esta linguagem é rigorosamente definida, que qualquer falar desviante provoca uma crise e uma ruptura. É porque o universo protestante é intelectualmente compacto, sem espaços livres, sem indefinições, sem dúvidas, que qualquer leitura divergente dos evangelhos é sentida como ato de rebelião que deve ser resolvido com a saída voluntária do dissidente ou a sua expulsão. Não é a liberdade intelectual que cria os cismas. O oposto é a verdade.57

Outro aspecto teológico que aponta para a diversidade de igrejas

evangélicas no Brasil é o carismatismo. Em linhas gerais, a doutrina do Espírito

Santo, conforme concebe a maioria das igrejas pentecostais, fundamenta-se na

experiência do batismo no Espírito Santo, chamado pelos fiéis de a segunda

bênção.58 Em síntese, uma vez experimentado o batismo no Espírito Santo o

crente é capacitado para desempenhar funções espirituais. Destaca-se o ato do

falar. Essencialmente o crente carismático fala: oráculos de Deus, línguas

estranhas, pregações, ensino. No protestantismo carismático as vozes se cruzam

numa polifonia legitimada pelos dons do Espírito, logo, se em alguns momentos se

verificam harmonia e complemento dos dons numa comunidade, em outros

acontecem os choques e conflitos. As lideranças espirituais se sobrepõem num

primeiro momento e se separam quando já não há possibilidade de conciliação.

Na literatura sociológica o termo líder carismático foi consagrado por Weber,

que emprega o conceito de modo semelhante à sua utilização na teologia

carismática de algumas igrejas evangélicas. Segundo Weber, essa liderança não

podia cair na rotinização, o político vocacionado deveria sempre dar provas de suas

57 Idem.:125. 58 A primeira bênção seria a conversão e a segunda a capacitação dada ao crente pelo Espírito Santo. Com este batismo o crente recebe dons espirituais como falar línguas estranhas — glossolalia — o dom da profecia, dom de cura, dentre muitos outros.

30

virtudes e afirmar seus encantamentos.59 O vínculo com os liderados seria mantido

pelos frágeis laços da crença enquanto a expectativa é de que o líder carismático

realizaria proezas, milagres, enfim atividades extracotidianas. Cabe portanto a

analogia, na medida em que, em certa medida, exige-se do chamado crente

batizado no Espírito Santo provas concretas do seu carisma.

É relevante notar que a doutrina do Espírito Santo contém em si o mesmo

potencial pulverizador das doutrinas do Livre Exame das Escrituras e do Sacerdócio

Universal do Crente. Existem, aliás, variados casos em que grupos das chamadas

igrejas evangélicas históricas optaram por organizar outras denominações,

motivados principalmente pela doutrina do Espírito Santo. E muitos outros casos

em que indivíduos, dizendo ser possuidores de um carisma dado pelo Espírito,

fundaram novas igrejas e puseram seus dons a prova. Vejamos, a seguir,

diferentes motivações que buscam especificar as causas da fragmentação das

igrejas evangélicas em casos distintos.

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações sociais

Em sua análise das denominações protestantes americanas, Niebuhr sugere que

para entender as segmentações dos grupos protestantes não se devem procurar

motivos teológicos.60 O que ocorre com o denominacionalismo é uma acomodação

aos valores éticos das castas ou classes sociais. As barreiras que mantêm os

grupos afastados não são de motivação religiosa, mas antes, são barreiras sociais.

Niebuhr chama atenção para a secularização do protestantismo americano quando

considera o denominacionalismo um fracasso ético dessas igrejas. Os pobres

desenvolveram práticas e ênfases religiosas que deram origem a novas

denominações, isto porque foram deserdados economicamente e deserdados pelos

grupos Protestantes estabelecidos. Os líderes dos novos grupos surgem do

59 WEBER, M. A política como vocação:100.

60 NIEBUHR, H. R. As origens sociais das denominações cristãs: 21.

31

voluntarismo e do carisma pessoal, sem passarem por uma formação intelectual

formal. A ênfase recaía sobre o emocionalismo.61

A proliferação de novas denominações evangélicas no Brasil também pode

ser entendida por este ângulo. A comparação entre os chamados evangélicos

históricos e os pentecostais permite pensar a identidade social em relação à

identidade denominacional. A observação do caso brasileiro pode autorizar em

diversas situações a afirmar que os deserdados economicamente são deserdados

também pelas denominações e terminam por organizar novas denominações, mas

este certamente é um dos motivos e não o único.

Em franca interlocução com Weber, Niebuhr considera ainda os movimentos

religiosos que na sua origem foram revolucionários, conquistaram a adesão dos

pobres e na segunda e terceira geração se acomodaram a um nível religioso e

social que os afastou dos pobres.62

A perspectiva de diversidade denominacional brasileira a partir das

motivações sociais é tratada com rigor por Corten, que afirma a possibilidade da

análise sociológica das emoções religiosas a partir das simetrias semânticas entre o

pentecostalismo e a pobreza brasileira.63 Considera que as igrejas cristãs

estabelecidas perdem muito da capacidade de mobilização pelo peso institucional,

afastando-se assim da população menos favorecida. Corten faz uso do conceito de

seita no seu aspecto sociológico e aponta uma proliferação de seitas pentecostais

no Brasil dirigidas por pregadores leigos. Pondera que essas revoluções no campo

religioso têm o seu momento de acomodação.

Parece inegável que, no Brasil, a expansão numérica dos evangélicos e sua

crescente visibilidade social, em muitos aspectos, estão associadas à crise

econômica e à ineficiência do Estado em estabelecer políticas públicas. A conjuntura

61 Idem.:26. 62 Idem.:51.

32

política e social do país certamente favorece o argumento de uma religiosidade

popular potencialmente pulverizada que subverte os controles institucionais, suscita

liderança carismática e dispensa o preparo formal dos seminários. Foi justamente a

população menos privilegiada que recebeu o lenitivo para o sofrimento nas igrejas

evangélicas. As igrejas evangélicas cresceram mais nos bairros populares, nos

grandes centros urbanos, que integraram os seus templos à arquitetura das

favelas, das roças, dos subúrbios e dos conjuntos habitacionais populares.64

Contudo, é preciso esclarecer que essa abordagem isolada não dá conta da

questão. Como já observou Novaes em estudo sobre a visibilidade dos evangélicos

na sociedade brasileira, a explicação do fenômeno pelo viés exclusivo da pobreza

eqüivaleria a dizer que as igrejas ocupam espaços onde havia um vazio estatal e

assim, engrossam suas fileiras com novos conversos. Em suas palavras:

Mais uma vez o pentecostalismo acaba sendo explicado pelas ‘faltas’: falta de políticas geradoras de emprego, falta de presença de agências de estado nas áreas mais pobres e conflituadas pela presença do narcotráfico, falta de políticas de segurança pública, falta de sentido da vida e de perspectivas de futuro.65

É certo que o desprezo pelo aspecto social levaria a generalizações e erros,

contudo, outros aspectos tão importantes quanto devem ser considerados também.

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações pessoais

Outro ângulo que merece destaque é o da organização interna, ou, o

sistema de governo eclesiástico, que contém uma variedade de tipos de lideranças

de acordo com cada modelo. A tipologia proposta por Leandro Piquet Carneiro, ao

enfatizar o aspecto doutrinário conjugado com a organização interna dos grupos

63 CORTEN, a. Os pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil:165 64 A publicação do relatório da pesquisa realizada sobre os evangélicos no Rio de Janeiro possibilita avançar nas elaborações de seu perfil. Ver FERNANDES, R. C. Novo Nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política.

65 NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:106.

33

denominacionais, contempla esse aspecto. As denominações são agrupadas a partir

de características de sistema de governo e de tipo de liderança.

5. Tipologia proposta por Leandro Piquet Carneiro

Não Carismático, com moderada autonomia local e

participativo

Carismático, com moderada autonomia local e

moderadamente participativo

Carismático, descentralizado e participativo

Carismático, descentralizado e moderadamente participativo

Carismático, centralizado e não participativo

Fonte: CARNEIRO, L. P. Cultura cívica e participação política entre os evangélicos: 186-187

Acrescente-se ainda que as igrejas da mesma denominação podem ter um

comportamento diversificado entre si ou podem operar dentro de uma

uniformização projetada pela cúpula eclesiástica. Existem igrejas com poucos e

igrejas com muitos membros, igrejas em bairros de classe média e em bairros

pobres, igrejas do interior e das cidades, em suma, cada igreja local tem suas

características peculiares, mesmo tratando-se de um mesmo grupo

denominacional. Por mais que as igrejas evangélicas tenham suas estruturas de

governo interno, suas lideranças a nível local, regional e nacional, e que os

membros não sejam passivos na condução da dinâmica da igreja na qual

participam, chamamos a atenção para o potencial de fragmentação próprio ao líder

carismático: divisões tendem a ocorrer a partir do desempenho pessoal de líderes

que têm poder de influência sobre determinado grupo.

Alguns casos são emblemáticos no Brasil. Por exemplo, a Igreja de Nova

Vida, fundada em 1960 no Rio de Janeiro pelo missionário canadense Walter Robert

34

McAlister. Logo depois da morte do pastor fundador (1993), houve o cisma entre o

grupo McAlister Jr. e o líder da igreja em São Paulo, pastor Tito Oscar, que acabou

por diluir a Igreja pentecostal Nova Vida. Quanto a Igreja Universal do Reino de

Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus, a primeira, fundada em 1977,66

abrigou dois líderes do porte de Edir Macedo e Romildo Ribeiro Soares por três

anos, até que, em 1880, R.R. Soares, como é conhecido no meio evangélico,

deixou-a para fundar a segunda. Não surpreende, portanto, que a Igreja Universal

do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus sejam tão semelhantes

em tantos aspectos, ambas identificadas sob a rubrica de neopentecostais e

centradas na mídia.

Novas igrejas evangélicas foram formadas a partir da importância da visão

espiritual de pequenos grupos ou de líderes carismáticos. Isto porque entre os

evangélicos as reuniões de pequenos grupos nos lares são consideradas

importantes fatores de conversão.67

São também dignos de nota os muitos grupos evangélicos que não possuem

templo nem registro civil, formado por pessoas que transitam por várias igrejas

sem filiar-se a nenhuma. Têm características tanto das igrejas evangélicas

históricas quanto das pentecostais, eventualmente adotando um discurso crítico em

relação ao denominacionalismo. Podem ter como liderança espiritual a chamada

irmã de oração ou, em outros casos, um teólogo resistente às instituições. Tendem

a ser formados por pessoas que tiveram envolvimentos com algum grupo

denominacional e, freqüentemente, acabam por experimentar etapas de

institucionalização: definem o espaço de reuniões, estabelecem dias e horários de

66 Em 1975, Edir Macedo deixa a Igreja Nova Vida para fundar com um pequeno grupo a Igreja Cruzada do Caminho Eterno. Em 1977 Macedo cria a Igreja Universal do Reino de Deus, com Romildo Ribeiro Soares e Roberto Augusto Lopes. MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil: 56. 67 Pode ser um grupo de comunhão entre membros de igrejas que procuram estudar a Bíblia e orar, ou um grupo que se reúne em torno de um líder carismático. Trata-se, em suma, de pequenos grupos de pessoas convertidas.

35

encontros, distribuem funções específicas entre os membros, escolhem o líder e se

propõem a aumentar o grupo através do proselitismo como missão de todos.68 Este

processo termina na organização de novas igrejas independentes.

Em suma, é nítida a tendência de fragmentação das Igrejas Evangélicas

motivada por desempenhos pessoais. A morte do líder fundador pode resultar em

fragmentações na segunda ou terceira geração dos fiéis. Os conflitos entre

lideranças podem ocasionar a formação de novos grupos. O carisma pessoal tem

sido usado para convencer pessoas a fundarem grupos evangélicos para

desenvolverem ministérios específicos. O estudo comparativo das religiões revela

que a formação de religiões a partir do carisma pessoal de um líder não é rara, na

verdade é a regra. No caso da Igreja Católica, historicamente sempre houve

posições cismáticas defendidas por líderes carismáticos, em alguns casos,

institucionalizaram-se os movimentos espontâneos através de formação de ordens

religiosas e, em outros, classificaram-se os movimentos como heréticos e os

extinguiram. Isso só foi possível pela estrutura hierárquica e centralizada da Igreja

Católica. No caso das igrejas evangélicas brasileiras, não há centro decisório que

possa abarcar ou perseguir os novos grupos que surgem a partir das convicções e

conveniências de líderes carismáticos.

68 Não temos conhecimento de referências sobre estes grupos na literatura especializada. Reconhecemos que é uma tarefa difícil de ser levada a cabo num trabalho científico. No nosso caso, a posição de pertencimento a um grupo religioso favorece nossa observação. Entende que este é um tema relevante para futuras pesquisas dentro de uma metodologia adequada.

36

Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações do mercado

Hoje no Brasil o número de evangélicos é considerável para justificar a existência

de um mercado aquecido que atenda aos interesses desse público. Algumas igrejas

assumem que precisam adequar-se à lógica do mercado, vez que suas ambições

sociais são elevadas. Os grupos denominacionais que são orientados por esta lógica

geralmente não têm uma atitude de cooperação com outras igrejas, situam-nas em

contexto de competição e optam pela profissionalização dos seus quadros

administrativos.69 No entanto, quando se referem aos pastores, não exigem desses

uma profissionalização do tipo dada nos seminários das igrejas evangélicas

históricas.

Podem ser encontrados pelo Brasil afora templos de igrejas evangélicas uns

ao lado dos outros, ruas pequenas com cinco ou mais templos de denominações

diferentes. Nestes casos, não se conclui que essas igrejas estejam juntas

atendendo às demandas locais, na verdade, competem entre si pela adesão dos

moradores mediante a realização de eventos e propagandas e promovem um

ministério independente das outras igrejas que estão ao redor. Disputam o público

alvo, os bens simbólicos, os espaços na mídia, a notoriedade dos seus líderes, o

estabelecimento dos usos e costumes, e outros itens que caracterizam o universo

dos evangélicos brasileiros.

Algumas chegam a implantar sólidas estruturas empresarias, como ocorre

com a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Renascer em Cristo. Pelas

atividades comerciais que desenvolvem e os resultados que alcançam, que esses

dois grupos são bem sucedidos nas suas empreitadas religiosas e também nas

questões comerciais. Ambas têm um sistema de governo eclesiástico centralizado

69 Contratam profissionais para áreas, como marketing, comunicação, contabilidade e outras, que tenham a ver com a estrutura empresarial montada. Sobre a racionalidade administrativa aplicada às igrejas midiáticas ver FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil: 177-182.

37

e usam amplamente a mídia.70 A maneira como esses grupos são conduzidos por

seus líderes conjuga os três tipos de liderança descritos por Weber — liderança

legal, tradicional e carismática.71

A mobilidade dos indivíduos pelas religiões brasileiras é notável. Muda-se

de religião, bem como se pratica e se identifica com mais de uma, dependendo das

circunstâncias. A reconhecida proliferação de Igrejas Evangélicas no Brasil está

intrinsecamente relacionada à diminuição do rebanho católico e a investidas

constantes dos evangélicos para conduzir adeptos dos cultos afro-brasileiros à

conversão. 72 Toda esta dinâmica religiosa no Brasil faz com que se reconheça a

existência de regras do mercado, competições que assediam aos indivíduos para

que se tornem consumidores de religiões que são postas como produtos. Prandi

registra como hoje se pode identificar o mercado religioso a partir da percepção de

que se paga pelos serviços da religião. Especificamente refere-se às religiões afro-

brasileiras e às pentecostais. Olha com desconfiança para os grupos religiosos que

se mantêm através do levantamento de fundos. Segundo o autor, os

neopentecostais baseados na teologia da prosperidade levam os fiéis a entenderem

que o crescimento financeiro é algo que deva ser buscado e que a ajuda de Deus

está condicionada à fé do indivíduo, manifesta nas ofertas entregues à igreja. Em

outros termos, paga-se hoje pelo progresso de amanhã, antes da bênção, o

sacrifício. Para Prandi estas são expressões de uma religião paga e submissa à

70 Voltaremos ao tema com mais abrangência no próximo capítulo. 71 Sobre o desenvolvimento comercial da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Renascer em Cristo ver: MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.

72 Hoje no Brasil, nas igrejas evangélicas, é comum o trânsito dos fiéis de uma denominação para outra. As estatísticas registram que tem havido muitas conversões. Porém, uma outra forma de crescimento numérico de igrejas tem a ver com recepção de pessoas que vieram de outras denominações. Sentindo-se cortejado por outros grupos evangélicos, o crente fiel estabelece comparações, e se algo não lhe agrada no grupo de origem, ou o encanta em outro grupo, pode significar o seu trânsito entre denominações. Muito se fala nos trabalhos científicos sobre o crescimento dos pentecostais no Brasil, e como isso significa a diminuição do rebanho católico. É preciso verificar em que medida o crescimento pentecostal atinge as igrejas evangélicas chamadas históricas.

38

uma lógica de mercado, que oferece serviços e produtos escassos a um preço

alto.73

Em suma, a disputa pela clientela resulta em fragmentações, em constantes

inovações de métodos e investimentos em propaganda e marketing. Discussões

ecumênicas ou de ordem teológica são eliminadas neste contexto de conflito e

disputa. Aliás, os grupos neopentecostais brasileiros pouco lembram os

reformadores na defesa dos pressupostos teológicos que privilegiavam a questão

da liberdade religiosa, como observa Pierucci. Respondendo às reclamações dos

evangélicos quanto a liberdade de culto no Brasil, o autor sugere que o que falta é

um mínimo de regulação por parte do Estado, vez que neopentecostais exercem

práticas que mais lembram o mercado do que propriamente a disputa meramente

religiosa.74

As religiões no Brasil têm regalias, no que se refere a compromissos com o

Estado, que as demais organizações da sociedade não têm. Pierucci pergunta se

não é possível grupos empresarias com objetivos comerciais e financeiros usarem

registros que os coloquem na condição de igrejas, para circularem bens simbólicos

e receberem em troca bens econômicos. Contrasta a noção de liberdade religiosa

com a de mercado religioso. Se a religião participa do mercado, que seja tratada

como as demais participantes: com direito a expressão e dever de submeter-se a

regulamentações do Estado. O que é posto em questão são os grupos interessados

na mercantilização religiosa, que ora se apresentam como igreja, ora se comportam

como empresas.75

Alves também identifica os grupos religiosos pentecostais que têm como

principal atrativo as reuniões de cura divina, como empresas e não como igrejas.

No lugar do fiel está o cliente, no lugar da comunidade estão os indivíduos

73 PRANDI, R. Religião paga, conversão e serviço: 260-270.

74 PIERUCCI, A.F. Liberdade de cultos na sociedade de serviços: 278. 75 Idem: 28.

39

consumidores de bens religiosos, que não se comportam como membros de igreja e

preferem transitar pelos circuitos nos quais a oferta de cura e milagres se verifica.

Bens espirituais ofertados em caráter de competição são efetivamente

comercializados. Recursos são aplicados a fim de divulgar eventos e oferecer o

produto que, neste caso, é a cura divina. Quem oferece esses bens espirituais e

quem os consome estabelecem uma relação típica de mercado, que se mantém

enquanto ambas as partes estiverem satisfeitas. Clientes insatisfeitos procuram

outros fornecedores. Investidores insatisfeitos migram para outros mercados.

Funciona a lógica de mercado.76 Um estudo específico sobre a Igreja Universal do

Reino de Deus dedica-se a analisar a questão da mercantilização do sagrado.77

Segundo o autor, a mídia tem avaliado as práticas desse grupo religioso como

atividades mais comerciais do que propriamente religiosas. A sistemática cobertura

jornalística em tom de denúncia realizada pelas Empresas Globo de Comunicação e

outros grupos empresarias com interesses no mercado das comunicações, teve no

final do ano de 1989 o seu auge. Exatamente neste período foi divulgado que a

Igreja Universal do Reino de Deus estava em processo de compra da Rede Record

de televisão. Campos sugere que ficou assim caracterizado o incômodo que a Igreja

Universal do Reino de Deus causa nas empresas de comunicação — disputa de

mercado — e nas igrejas evangélicas chamadas históricas — disputa religiosa.

Tanto os rivais comerciais quanto os religiosos fizeram uso da distinção

entre igreja e seita para desmerecer o potencial religioso-comercial da Igreja

Universal do Reino de Deus.78 Porém, Campos alerta para o perigo da

76 ALVES, R. Dogmatismo e tolerância: 113-115. 77 CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. 78 Idem:187. Os pesquisadores do tema religião e mercado encontrarão no trabalho deste autor uma importante contribuição. Contém uma breve apreciação histórica mostrando que o cristianismo precisou, em variados momentos históricos, responder à tensão provocada pela força do mercado sobre a Igreja. Mas também mostra como a pratica da Igreja Cristã estruturou modelos econômicos e práticas de mercado.

40

estigmatização desta igreja ao identificá-la exclusivamente à mercantilização da

religião, chamando a atenção para a existência de uma guerra ideológica voltada

para a desqualificação de qualquer grupo que possa vir a ser um obstáculo aos

interesses de empresas de comunicação.

Como observação final, cabe frisar que as várias motivações aqui abordadas

não são excludentes. Em um mesmo caso é possível localizar as motivações

teológicas, sociais, pessoais e de mercado. É importante concluir, portanto,

lembrando que a diversidade de denominações do pentecostalismo é uma

constante na sua história, produto de uma multiplicidade de causas. Resta saber

como, e se, essa fragmentação se expressa na representação política dos

evangélicos, definidos como grupo coeso a partir da opção religiosa.

41

Capítulo 3

A relação entre os evangélicos e a política

segundo a imprensa

Neste capítulo, percorremos dois caminhos. Inicialmente, o objetivo é perceber

como a mídia secular se refere à presença dos evangélicos na política.

Abordaremos alguns aspectos emblemáticos da cobertura da grande imprensa no

decorrer de 2001, que podem ser sintetizados nos episódios relativos ao exercício

do poder do Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, e à denúncia da

existência de um dossiê envolvendo o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Analisaremos esse material, confrontando-o com o resultado dos estudos sobre a

imagem dos evangélicos na sociedade brasileira.

A seguir, nosso foco transfere-se para o desempenho da mídia evangélica

em relação à participação política de seus filiados. Nossa questão é buscar entender

como se utilizam empresas de comunicação de propriedade de grupos evangélicos

para fins políticos. Também buscamos saber como os evangélicos se manifestam na

mídia sobre sua própria participação na política.

O que diz a mídia secular sobre os evangelhos na política

O grande crescimento dos evangélicos nas décadas de 80 e 90, acompanhado de

seus vultosos investimentos na mídia, propiciou uma visibilidade jamais

experimentada no Brasil por esse grupo. Os evangélicos foram citados com

freqüência pela mídia em diferentes abordagens, na programação televisiva de

noticiários a mini-séries79, nos debates sobre comportamentos nas rádios e na

seção de opinião de importantes jornais impressos. Em suma, a questão religiosa

79 Por exemplo, na mini-série de Dias Gomes na Rede Globo sob o título de Decadência.

42

no Brasil, tendo nos evangélicos importantes atores, passou a ser encarada como

um fato social de grande importância que atingia o cenário político.

A seguir, vejamos alguns fatos que mereceram da imprensa pesquisada uma

maior atenção no que se refere à relação dos evangélicos com a política.

O messianismo político do governador Garotinho

A quase totalidade das matérias jornalísticas sobre os evangélicos na política tem

como foco principal o governador do Estado do Rio de Janeiro, com destaque para

os debates verbais em que o governador esteve envolvido, ao longo do ano 2001.

A referência crítica à utilização de expressões bíblicas predominou.80 O

potencial eleitoral dos evangélicos foi exaustivamente citado, especialmente quando

se referia à candidatura à Presidência da República do governador Garotinho.

Falou-se em candidatura do governador construída nesta base eleitoral motivada

pelo fervor religioso, apontando esta relação como ilícita e enfatizando o retrocesso

de um Estado laico que se percebe assediado pelas ameaças confessionais.81

No mês de julho aparecem sérias acusações sobre o programa radiofônico

Show do Garotinho. A Receita Federal investiga acusações de suborno e fraudes

deste programa que foi executado em 1995 pelas rádios Tupi e Bandeirantes. Um

fato de caráter jurídico-político migra subitamente para o debate da identidade

religiosa: as referências aos evangélicos na política são reduzidas ao desempenho

pessoal de um único homem público. Percebe-se o quanto um ator político acaba

reunindo em si a identidade de todo um grupo, a despeito de sua fragmentação e

heterogeneidade.

80 A estratégia não se restringiu à imprensa, mas repetiu-se no discurso do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia; do ex-governador Leonel Brizola e da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara estadual. ver Jornal do Brasil 11.1.01; 7.7.01. O Globo 5.7.01; 8.7.01. O Dia 23.7.01; 30.7.01; 21.10.01.

81 Jornal do Brasil 8.7.01; 24.7.01.; O Globo 8.7.01; 25.7.01; O Dia 10.3.01; 20.3.01.

43

Motivadas pelo dito desempenho confessional do governador Garotinho, a

cobertura jornalística contemplou o debate na seção Opinião dos jornais. Buscou-

se responder o que estavam fazendo na política os evangélicos. Muitas foram as

perguntas: Como conseguiram tanto espaço? Quais as ameaças para a democracia

com tal vínculo? Que potencial eleitoral representam? Qual o desempenho

parlamentar da chamada bancada evangélica? Enfatizou-se a natureza conflitiva do

desempenho do governador evangélico, promotor da tensão entre religião e

política.

Intelectuais foram chamados a opinar. Nelson Rojas de Carvalho opina que o

populismo à Garotinho é um convite ao refúgio na fé. O desgoverno, segundo ele, é

condição para o surgimento do messianismo político.82 Luiz Werneck Vianna

mostra-se surpreso e assustado com a emergência das denominações evangélicas

na política. Para um país que parecia secularizado, a candidatura Garotinho à

Presidência da República assentada numa base religiosa surge como paradoxal.83

Muito se falou da relação entre religião e política por conta da maneira como o

governador Anthony Garotinho expressa sua fé para a opinião pública e expressa

suas ambições políticas frente a Igreja Evangélica. Frei Betto expõe uma

polaridade, não religiosa, mas político-ideológica:

Querem fazer de Deus cabo eleitoral. Ao longo das margens plácidas, o governador Anthony Garotinho vai em peregrinação pelo Brasil afora, ostentando a Bíblia em troco de votos. A cruzada visa suscitar devoção em sua candidatura à Presidência da República.84

A resposta veio rápida. O governador se defende das acusações de Frei Betto nos

seguintes termos:

Para escolher meus secretários no governo do Estado, não perguntei a nenhum deles sua religião. Tenho colaboradores católicos, espíritas, agnósticos e afro-brasileiros. Quando vou fazer uma obra, não pergunto se os moradores daquela cidade têm preferência por esta ou aquela religião. Minha atividade política como governador do Estado é

82 Jornal do Brasil 5.8.01

83 Jornal do Brasil 19.8.01

84 Jornal do Brasil 27.8.01.

44

inteiramente voltada para os cidadãos conforme determina a Constituição do meu país. Porém recebo convites, para falar sobre a transformação que Deus fez em minha vida e de minha família, de centenas de igrejas espalhadas por todo o Brasil. Será que pelo fato de ser governador do Rio estou impedido de falar de Deus?85

Outro aspecto da cobertura jornalística referiu-se aos conflitos entre o

governador e sua vice-governadora Benedita da Silva, o primeiro acusando a

segunda, também evangélica, de ter participado de desvio de recursos do programa

social de restaurantes populares. A cobertura da imprensa estabelece a tensão

entre os dois atores políticos, enfatizando que os dois professam a mesma fé,

sublinhando ora o rompimento político ora o rompimento da comunhão religiosa. É

destacada a linguagem típica dos evangélicos nas acusações e defesas de ambas as

partes. Após a retratação do governador, os jornais avaliam o desgaste que tais

acusações lhe trouxeram junto ao eleitorado evangélico, uma vez que atingiu a

uma irmã na fé.86

Destacamos ainda mais um fato que mereceu grande cobertura dos jornais.

Trata-se das declarações do governador no dia 8 de novembro de 2001 que

levaram mais uma vez os evangélicos para a seção de política dos jornais

brasileiros. Ao declarar ser contrário ao homossexualismo, provocou reações dos

grupos organizados que defendem os direitos dos homossexuais. A discussão passa

de valores morais, de um governante, para os conceitos de cidadania. De maneira

bem clara, é creditado o desempenho político ao laço religioso. O político seria

neste caso presa de seus valores religiosos, desvinculado das suas

responsabilidades de assegurar os direitos dessa minoria em questão. Os

evangélicos estariam na política no conflito dos valores morais e não propriamente

no estabelecimento de políticas públicas igualitárias.87

85 Jornal do Brasil 28.8.01. 86 O Globo 19.10.01; 30.10.01. 87 Jornal do Brasil, O Globo e O Dia 9.10.01.

45

E por fim, chamamos a atenção para a forma como o desempenho do

governador deu o tom da chamada participação dos evangélicos na política.

Estamos nos referindo às fotografias e às charges, imagens significativas que

sintetizam o teor dos textos e afirmam o paradoxo do mundo da política com o

mundo dos evangélicos. O fato é que por conta dessa discussão os espaços

evangélicos foram amplamente visitados e fotografados. A simples presença do

governador a uma reunião religiosa, já caracterizava a invasão do político nas

searas religiosas. E por outras vezes, quando expressava sua fé em contextos

seculares, o governador parecia está deslocado com os seus símbolos e linguagens,

um tipo de invasão das searas políticas com elementos religiosos. Algumas

fotografias falam por si só: ora o governador tocando violão num culto de sua

igreja,88 dando uma Bíblia a Fidel Castro em Cuba;89 ou pregando no púlpito da

Igreja do Evangelho Quadrangular em Belo Horizonte;90 ora a capa do livro em que

o governador conta a sua experiência de conversão,91 além das charges que

caracterizam três imagens superpostas: o político, o evangélico e o homem

Anthony Garotinho.92

Em suma, o comportamento do governador Anthony Garotinho é

considerado típico de um evangélico e julgado como uso indevido da fé e da

política.

Vejamos agora outro episódio, envolvendo um pastor evangélico. Aqui,

vimos que a crítica remete para o uso indevido da religião por parte de um político.

No próximo caso, perceberemos que se trata da avaliação de um comportamento

ético-político indevido por parte de um religioso.

88 Jornal do Brasil 10.2.01. 89 O Globo 1.4.01. 90 Jornal do Brasil 24.7.01. 91 O Dia 9.4.01. 92 O Globo 30.4.01; O Dia 11.8.01; 31.8.01; 22.11.01.

46

Pastor tentou vender dossiê Cayman a Saddam Hussein

Esta foi a manchete do Jornal do Brasil no 13 de março de 2001. O tal

dossiê teria sido oferecido pelo pastor Caio Fábio aos principais candidatos à

Presidência da República em 1998 que constituíam oposição a candidatura da

reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Ficou caracterizado pela justiça que os

documentos eram falsos e os envolvidos deviam ser acionados judicialmente. Este

assunto voltou às manchetes dos principais jornais do país em março de 2001 com

um inusitado personagem: Saddam Hussein. Luís Inácio Lula da Silva confirmou

ter sido procurado pelo pastor, que lhe teria oferecido os documentos dizendo que

a fonte era o pessoal de Miami, que por eles cobrava U$ 30 milhões. Diante da

recusa do candidato, o pastor Caio Fábio teria pedido a Luís Inácio Lula da Silva que

o colocasse em contato com a representação diplomática do Iraque em Brasília,

sem revelar os seus intentos. Tratou-se de um complexo processo financeiro,

político e eleitoral, onde muitos elementos ainda não estão claros, e certamente

foge ao nosso escopo entrar no mérito da questão. Queremos tão somente frisar

que este fato jornalístico teve grande repercussão, conduzindo novamente os

evangélicos à seção de política dos noticiários, em constantes referências que

muitas vezes ganharam uma conotação grotesca. 93 Mais uma vez a biografia

pessoal migrou para a caracterização de todo o grupo, como explícito no texto que

se segue:

Saddam é o meu pastor! Zulmira sempre foi ótima empregada. Nunca foi de faltar, cuidava da casa com cuidado e cozinhava que era uma beleza. Mas depois que virou evangélica, nunca mais foi a mesma. Passou a usar vestidos longos, seus pêlos cresceram sem poda e vivia com seu radinho ligado numa rádio chatíssima que exorcizava infiéis a toda hora para manter a audiência. Quando o Dossiê Cayman voltou às páginas dos jornais, ela enlouqueceu de vez ...94

Assumindo um tom no discurso, que também faz uso de imagens grotescas, o

articulista sob o pseudônimo de Agamenon, elege o pastor Caio Fábio como a

93 O grotesco como categoria é amplamente utilizada pelos meios de comunicação. Ver SODRÉ, M. O império do grotesco. 94 Jornal do Brasil 15.3.01.

47

“figuraça” da semana. Em seguida constrói um texto hostil e, sem poupar a

comunidade evangélica, revela seu desconforto com a presença deste grupo na

sociedade:

Antigamente, os pastores evangélicos eram homens de bem e só extorquiam a grana dos fiéis. Mas o pastor Caio Fábio teve uma visão mística quando viu o extrato da sua conta secreta nas Ilhas Cayman e resolveu modernizar a questão da contribuição dos fiéis, pois, como está escrito na Bíblia em Escroques 12, versículo 171, ‘Dízimo com quem andas que te direi quem és’(...) Não tem problema, o importante para nós, corruptos evangélicos, é não perder a fé, pois Caio Fábio é o meu pastor e nada me faltará.95

De modo geral, portanto, o dossiê Cayman mereceu dos jornais uma ampla

cobertura que generalizou a presença dos evangélicos na política através do

desempenho de um pastor, termo, aliás, que de março a maio foi incansavelmente

mencionado na seção de política dos jornais.

A despeito da diferença entre os episódios relativos ao governador

Garotinho e ao pastor Caio Fábio, em ambos os casos os jornais pesquisados

assumem o discurso da denúncia e abusam do grotesco. No primeiro caso,

reclama-se do deslocamento do político para o púlpito e, no segundo, do pastor

para o palanque. Nossas observações não se chocam com as conclusões a que

chegaram os pesquisadores que analisam a construção da imagem dos evangélicos

na sociedade brasileira, ao contrário, agregam-se à uma abordagem que é

relevante na literatura das ciências sociais brasileiras.

A construção de imagens na literatura

O argumento de que os evangélicos são citados na mídia de forma negativa não é

novo, no Brasil. Os conflitos envolvendo Igreja Evangélica e a grande imprensa

foram observados por Birman, que analisou a cobertura da imprensa sobre a Igreja

Universal do Reino de Deus.96

95 O Globo 18.3.01 96 Sua pesquisa abrangeu o jornal Folha de São Paulo, a revista Veja e o Jornal do Brasil de agosto de 1995 a fevereiro de 1996. A autora conclui que a demonização da magia, representada pela Igreja Universal do Reino de Deus, tem a ver com a disputa pelo ramo dos negócios comerciais e, na esfera religiosa, com a predominância Católica. BIRMAM, Patrícia. O bispo, o povo e a

48

Patrícia Birman acentua que a identidade construída pela Igreja Universal do

Reino de Deus com total intolerância, está referida em oposição a importantes

atores políticos, tais como a Igreja Católica e a Rede Globo. A Igreja Universal do

Reino de Deus figura neste sentido como dupla ameaça — religiosa e comercial.

Concluiu que a grande imprensa assume uma postura não isenta, sem considerar o

que a Igreja Universal do Reino de Deus representa em termos religiosos e

populares, numa postura preconceituosa em relação às classes populares, tidas

como ludibriadas e incapazes de articular defesas.

Em suma, a construção da imagem da Igreja Universal, associada ao seu dirigente maior, o Bispo Macedo, articulou ‘crença’ e ‘magia’ como uma esfera considerada não ética, quando não criminosa, a exploração da credibilidade popular, o enriquecimento ilícito e a corrupção.97

Cabe notar que, entre os intelectuais, há também uma certa pressa na

análise que os faz concluir sobre o conservadorismo dos evangélicos, sempre

considerados um bloco indistinto. Pierucci,98 por exemplo, pesquisando as forças

conservadoras que atuaram na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, deparou-

se com a chamada bancada evangélica99 e a ela atribuiu uma tendência

conservadora. Estranha esta unidade religiosa numa instituição política, considera

os choques do religioso com o secular e reflete os retrocessos da sociedade

TV: alguns efeitos, talvez inesperados, da presença política recente dos pentecostais 97 BIRMAN, P. O bispo, o povo e a TV: alguns efeitos, talvez inesperados, da presença política recente dos pentecostais: 6. 98 PIERUCCI, F.A. Representantes de Deus em Brasília: a bancada evangélica na Constituinte: 163-191. 99 A título de observação, note-se que, no decorrer do período analisado (2001), tínhamos a expectativa de observar o desempenho da chamada bancada evangélica na esfera municipal, estadual e federal, através dos jornais. Não foi possível perceber nada que caracterizasse bancadas atuando em conjunto. Não estamos afirmando que não existam bancadas com motivações religiosas, mas afirmamos que nos jornais pesquisados houve um silêncio absoluto sobre isso. O que encontramos são notícias episódicas a respeito de um ou outro político evangélico. Quanto as articulações políticas das Igrejas Evangélicas que fazem acordos políticos com partidos, que lançam candidatos oficias e articulam com seu potencial eleitoral encontramos alguma coisa apenas sobre a Igreja Universal do Reino de Deus e as Assembléias de Deus — maior igreja evangélica brasileira.

49

brasileira que lida com representantes de igrejas em uma esfera que por definição é

laica.100

Para Freston, a imagem dos pentecostais na sociedade brasileira é o

resultado de três fontes emissoras de conceitos: os meios de comunicação, a

hierarquia católica e academia. Todas tendem a referir-se aos evangélicos

dogmaticamente, como se fossem fanáticos, fisiológicos e fundamentalistas.

Segundo nos conta o autor, desde 1986, no contexto da Constituinte, os meios de

comunicação cobrem a participação dos evangélicos na política, acentuando uma

visão negativa, próxima ao pejorativo. Terminada a Constituinte, as atenções se

voltaram para a Igreja Universal do Reino de Deus, e continuou o mesmo tipo de

tratamento. O catolicismo assume o discurso de centro religioso, sendo por isso

capaz de desmerecer as igrejas protestantes, reduzindo-as à condição de seitas.

Observa que não é apenas a oficialidade da Igreja Católica a afirmar este centro

religioso, e sim que esta noção é uma construção cultural brasileira enraizada. Seja

um profissional de comunicação ou um político, um leitor de jornal ou um

telespectador, sua referência teológica, litúrgica, estética e religiosa geralmente

vem do catolicismo. E como Freston percebe, os meios acadêmicos repetem o

imaginário cultural e acentuam o discurso predominante.101

Vale concluir este item em que se pergunta o que diz a mídia sobre a relação

entre os evangélicos e a política, constatando que boa parte das matérias

jornalísticas prefere generalizar, ignorando a questão denominacional. Existem

características comuns, assim como há expressivas diferenças teológicas, litúrgicas,

pastorais, estruturais e sociais, que distinguem os grupos evangélicos uns dos

outros. Não há como construir por um programa de rádio uma linguagem

100 Cabe notar que sua pesquisa foi realizada a partir da grande imprensa, o que possivelmente o levou a assumir a definição predominante deste grupo como conservador. 101 FRESTON, p. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment: 6.

50

consensual e unívoca. Por isso, um programa nos moldes de um debate alcança

tanta repercussão entre os fiéis. São muitas as falas, inclusive discordantes, que

contemplam as muitas faces dos evangélicos. Julga a imprensa que as igrejas que

elaboram estratégias de representação são a regra e desconhecem as

denominações que não assumem discursos políticos oficiais, nem apresentam

candidatos oficias, o que, para efeitos políticos, convenhamos, é decisório.

Simplesmente porque um compromisso assumido pela Igreja Universal do Reino de

Deus não é propriamente um compromisso assumido pelos evangélicos, ou um

posicionamento de um pastor luterano não eqüivale necessariamente ao que

pensam outros pastores luteranos e outras igrejas evangélicas. Observamos o uso

freqüente do termo evangélicos nas chamadas das matérias e quando as lemos,

tomamos conhecimento de que se trata de uma notícia sobre um segmento

específico dos evangélicos e, às vezes, até mesmo apenas um relato que remete a

um nome identificado com ele. Perde-se, assim, a possibilidade de conhecer e

distinguir o que de fato, distinto é.

Recapitulando, a discussão que a mídia impressa tem proposto é a

legitimidade de um grupo religioso interferir na ordem secular através da política.

Isto é verificável após períodos eleitorais. A mídia divulga listas de eleitos que são

evangélicos e faz uma conta simples de somar. Nega-se a enfrentar equações mais

complexas. Alinha numericamente os eleitos evangélicos e compara com o número

de bancadas partidárias. Este tipo de conta política dá a entender que os

evangélicos formam um grupo homogêneo e que os eleitos põem a representação

religiosa à frente de qualquer outra modalidade.

Parte da imprensa tem insistido na existência de uma bancada evangélica

coesa e organizada. Sugere uma atuação política homogênea dos evangélicos. Uma

matéria representativa desta tendência foi a publicação do Jornal do Brasil numa

edição de Domingo, onde se destaca negativamente o desempenho de alguns

51

parlamentares do Rio de Janeiro. A referência ao deputado Arolde de Oliveira foi

feita nestes termos:

A bancada evangélica tem outras propostas curiosas. O presidente do PFL estadual, deputado Arolde Oliveira saiu em busca do dia da Confissão Religiosa. Começou a sua caminhada em março deste ano, por enquanto, nada.102

Apontamos, em suma, a tensão existente entre políticos evangélicos e parte

significativa da imprensa. Parece-nos que há abismos semânticos longe de serem

superados. Por enquanto, basta-nos pontuar os discursos discordantes.

Vejamos a seguir, como a mídia evangélica aborda a presença de seus

membros na política.

O que diz a mídia evangélica sobre seus representantes na política

No Brasil, o elo entre a participação de evangélicos na política e sua articulação na

mídia constitui uma dessas noções de domínio popular sobre a qual todos falam,

porém, pouco se conhece como resultado analítico de pesquisas científicas. Partindo

do saber popular e com o objetivo de entender como setores midiáticos

identificados a grupos evangélicos transformam-se em organizações políticas,

contemplamos em nosso universo da pesquisa três empresas de comunicação do

Rio de Janeiro diretamente vinculadas à propriedade de grupos evangélicos e à

representação política. Buscamos captar o discurso que essa mídia adota para

promover a adesão de suas bases à política, questionando se efetivamente a

linguagem religiosa se traduz em prática política.

Aproximamo-nos inicialmente da programação da Rádio 93 Fm.

Rádio El Shadai 93,3 FM

Optamos por analisar o desempenho do proprietário da rádio El Shadai, Deputado

Arolde de Oliveira (PFL-RJ), distinguindo o político do empresário, lembrando,

porém que o grupo de empresas Arolde de Oliveira concentra-se no ramo das

102 Jornal do Brasil 12.08.01

52

comunicações, sendo consideradas recentes.103 O deputado cumpre o seu quinto

mandato consecutivo na Câmara Federal. Com formação em engenharia de

telecomunicações, tendo trabalhado na Embratel, mostra-se voltado para as

comissões que contemplam as questões pertinentes às comunicações. Define-se

como deputado que é evangélico e não como evangélico que é deputado. Sua

identidade partidária é sólida. Preside o diretório do PFL-RJ. Sobre a relação entre

orientação religiosa e orientação partidária declara:

Entendo que quem deve me orientar politicamente é o meu partido, e não o meu pastor. Agora, nas questões de foro íntimo, o conselho pastoral é muito importante para o deputado evangélico. Mas repito: Na questão de orientação política, devo obediência ao meu partido.104

Durante um ano, acompanhamos o programa de maior repercussão da

emissora, o Debate 93.105 Surpreendeu-nos perceber que a Rádio El Shadai

desenvolve uma programação religiosa interdenominacional e interpartidária, na

qual o eventual discurso político é sempre respeitoso das vozes discordantes.

Ao contrário de nossa expectativa, verificamos que o material político

utilizado no programa é reduzido, apenas eventualmente o proprietário da emissora

dele participa, e quando isso ocorre, os temas são voltados para um tipo de

resenha do noticiário semanal ou para preocupações eclesiásticas dos ouvintes.

Nada existe nessa programação que nos permita afirmar que discursos são

103 As empresas foram consolidadas na década de 90. Achamos melhor reproduzir a auto-apresentação da empresa: a MK Publicitá é uma gravadora e distribuidora de suportes fonográficos, de vídeos conexos e é formada por: MK Distribuidora – responsável pela distribuição dos produtos MK em todo o mundo. MK Estúdios – responsável pela produção dos CDs MK e do programa Conexão Gospel, além dos cheps de nosso cantores. MK Criação e Arte – responsável pela arte e o layout de nossos produtos. MK Eventos. MK Editora Musical. Rádio 93FM – com sede no Rio de Janeiro, uma emissora totalmente voltada para o segmento gospel. ELNet – centro de tecnologia e Internet, voltada para o segmento cristão através do portal www.elnet.com.br Essas informações podem ser adquiridas na página da internet da MK Públicitá www.mkshopping.com.br. O grupo de empresas é presidido pela esposa do Deputado Arolde de Oliveira, Yvelise de Oliveira. Revista Enfoque Gospel. 104 Entrevista concedida a Carlos Fernandes. Eclésia, agosto de 2000. 105 Monitoramos sistematicamente o “Debate 93 Fm” de janeiro à dezembro de 2001, numa média de 3 programas por semana dos 5 que são veiculados.

53

elaborados para fins eleitorais ou para confrontos partidários.106 Arolde de Oliveira

não se utiliza deste espaço para discursar sobre suas idéias políticas nem para

prestar relatório de sua atuação parlamentar. Quando os políticos participam do

programa, têm como anfitriões o mesmo Oliveira e seu genro, o deputado estadual

Alberto Brizola, líder do PFL na Câmara Estadual, que garantem um ambiente de

cortesia e descontraído, no qual eventualmente se discute a conjuntura política e se

promove a cidadania. A despeito da predominância dos correligionários da aliança

PMDB e PFL, os participantes não representam uma única tendência, quer em

termos religiosos ou partidários, como revela a relação dos convidados presentes

ao longo de 2001: o governador Anthony Garotinho (PSB ) e a vice Benedita da

Silva (PT), os deputados federais Eduardo Paes (PFL), Jandira Feghali (PC do B) e

Rubem Medina (PFL), o deputado estadual Sérgio Cabral Filho (PMDB), os

vereadores Alexandre Feruge (PFL), Macelino D’Almeida (PFL) e o prefeito de São

Gonçalo, Henri Charles (PMDB). Achamos significativo citar a resposta dada pelo

deputado Arolde de Oliveira quando indagado sobre a existência de uma bancada

evangélica:

Há uma tendência, por parte da imprensa, de classificar os deputados evangélicos como bancada, mas não tem nada a ver. O que é uma bancada? É a parte de um todo. É uma contradição com a condição do Evangelho, que tem uma posição muita mais holística, global. Eu não aceito esta classificação. Eu sou evangélicos e pertenço a um partido político, cuja bancada inclui também católicos, judeus, espiritualistas e pessoas sem religião.107

Contudo, é possível perceber a retórica política do proprietário da Rádio El

Shadai 93 Fm específica para o seu público formado por evangélicos. A Rádio El

Shadai é uma empresa de comunicação que se expressa pondo em circulação

106 Se esta pesquisa estivesse interessada em cobrir o comportamento eleitoral, o período de análise teria que ser revisto, pois alguns comportamentos só são verificáveis no calor da campanha. Contudo, como nosso interesse está na busca de uma linguagem política religiosa, que eventualmente contemple os resultados eleitorais, mas a eles não se reduza, consideramos cnveniente acompanhar a Rádio 93 Fm em período regular e não extra-cotidiano. Foi o que fizemos.

107 Entrevista concedida a Carlos Fernandes. Eclésia, agosto 2000.

54

símbolos que são partilhados pelos evangélicos. As músicas executadas na

programação da emissora são cantadas nas igrejas. A linguagem dos locutores é

direcionada a este público alvo. Os textos bíblicos são citados com profusão e as

atividades das igrejas são anunciadas. As propagandas, na sua maioria, anunciam

produtos, que de alguma forma, identificam-se com o grupo religioso que, embora

se caracterize por sua fragmentação, partilha um núcleo semântico comum.108

Quando a Rádio El Shadai nele se concentra, os ouvintes identificam seu

pertencimento ao grupo e se inserem em um grupo maior do que o de suas igrejas

locais, ou do segmento denominacional, numa linguagem que confere legitimidade

para administrar a circulação desse núcleo simbólico comum. Permite também que

seu proprietário Arolde de Oliveira represente os evangélicos de variadas

denominações, entendendo as particularidades do campo simbólico e transitando

por amplos espaços significativos para o grupo. A mídia possibilita assim ao

deputado superar as barreiras denominacionais, já que suas empresas de

comunicação lhe viabilizam comunicação e representação interdenominacional.

O resultado final é que o Debate 93 Fm faz circular valores e a imagem

veiculada de seu proprietário é a do irmão em Cristo: antes de ser político ou

empresário, ele é membro do grupo religioso. Para os ouvintes do deputado Arolde

de Oliveira, o ponto fundamental não é a sua atividade de empresário, nem o sua

filiação partidária no PFL, nem mesmo seu desempenho na Câmara nas questões

setor das comunicações. O fator preponderante é, sem dúvida, sua identidade

religiosa. E desta identidade religiosa vem o credenciamento para a representação

política. Como as idéias políticas não são expostas sistematicamente e as idéias de

caráter ético são partilhadas quando ocorre sua participação no Debate 93, as

expectativas geradas têm sentido de representação de questões pertinentes ao

108 Sobre este aspecto, o estudo de Fonseca caracteriza muito bem a formação das estruturas empresariais da mídia evangélica. O trabalho de pesquisa é abrangente, distingue lideranças das igrejas e denominações da liderança midiáticas. Ver FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil.

55

grupo e de defesa de valores cristãos conforme os evangélicos os concebem. Em

suma, a retórica política da Rádio 93 Fm é plural. Admite que existem conflitos

entre igrejas, mas sobre tudo faz um discurso que argumenta que a ética cristã é

opositora à ética presente na sociedade brasileira. O oferecimento da

representação alimenta a idéia de unidade do grupo e faz menção ao perigo de

deixar a sociedade abandonada à própria sorte. Pela vinheta da Rádio expõe-se a

representação política à disposição de uma comunidade: Unidos pelo amor

construiremos um Brasil Melhor. Arolde de Oliveira por um Brasil melhor. Cabe uma

breve observação, ainda, sobre um programa que dura três minutos e antecede

imediatamente o Debate 93, chamado Espaço Social, todo ele dirigido pelo próprio

deputado Arolde de Oliveira. Em ligação direta entre o proprietário da Rádio El

Shadai e as igrejas, apresenta uma outra estrutura da linguagem religiosa com

conseqüências políticas, promotora de vínculos entre comunicador e ouvintes a

partir da identidade pelos laços afetivos. Com música de fundo instrumental e

suave, a voz cadenciada e calma do deputado anuncia projetos sociais e

beneficentes que são realizados pelas igrejas e Ong’s evangélicas.109 A comparação

entre a atuação do proprietário da Rádio El Shadai nos dois programas — Debate

93 e Espaço Social — revela que no primeiro ele se identifica com grupo e no

segundo propõe soluções imediatas de tipo assistencialista. São os vínculos

religiosos chamados à identificação política.

Rádio Melodia 97,3 FM

A expansão comercial do empresário Francisco Silva, proprietário da Rádio Melodia

97,3 FM, acompanha a ascensão de sua carreira política como deputado estadual

109 Trata-se de iniciativas que visam à recuperação de dependentes químicos, abrigos para idosos, ambulatórios médicos que funcionam no espaço das igrejas, bazares beneficentes, creches e outras ações neste sentido. Além do serviço informativo, o programa estimula o serviço voluntário. Apelos são feitos para que os ouvintes pratiquem a solidariedade cristã. Diríamos que não há necessidade de monitoramento deste programa, pois a sua estrutura não muda. A única mudança é uma carta lida, mas na essência, trata-se do mesmo conteúdo: um trabalho social que pede ajuda.

56

pelo PFL. A programação da Rádio Melodia atinge outros Estados, além do Rio de

Janeiro. Anteriormente, suas investidas políticas restringiam-se à conjuntura

estadual, porém, desde 2001, se encontra envolvida com projetos de densidade

nacional, o que supõe a ampliação de seu mercado consumidor.

Constatamos que o deputado Francisco Silva não se notabiliza pelas suas

opções ideológicas, não demonstra solidez em relação à identidade partidária, nem

apresenta com clareza os projetos que defendeu no Parlamento. Sua identidade

política parece advir tão somente de sua identidade religiosa. Os resultados

positivos que obteve em termos políticos e comerciais devem-se a seu investimento

no público das igrejas evangélicas. O fato de ser proprietário de uma Rádio

interdenominacional o põe em contato com milhares de membros de igrejas. Sua

candidatura não é projeto de uma igreja, não é um caso de candidatura oficial de

um grupo denominacional, mas através da programação radiofônica cria seus

vínculos políticos e religiosos.

Francisco Silva participou ativamente da campanha eleitoral para o governo

do Rio de Janeiro em 1999 e se credenciou como o mais importante cabo eleitoral

do governador Garotinho junto aos evangélicos. Uma vez eleito, o governador

passou a atender convites para participar de eventos religiosos em alguns Estados

da federação. Adversários políticos denunciavam uma ilegítima mistura de fé e

política e quiseram saber de onde estavam saindo os recursos para tantas viagens

com táxi aéreo. As suspeitas eram de que recursos públicos pudessem estar

servindo a interesses particulares, mas não se confirmaram, pois foi esclarecido

quem financiava as viagens: Francisco Silva e outras vezes, os próprios promotores

dos eventos.

Quando um indicado seu deixou o cargo sob acusações de fraudes, Francisco

Silva endereçou uma carta ao governador entregando o cargo de confiança. A carta

circulou como carta aberta à população:

57

Governador Anthony Garotinho. A paz do Senhor. Nestes últimos dias tenho visto a imensa campanha caluniosa desenvolvida contra o meu querido irmão. É sempre assim, quando alguém se levanta para fazer o bem, as forças do mal se unem para combatê-lo, mas Deus está contigo e assim como foi com José do Egito, com Davi para vencer Golias, será com o irmão governador para vencer os mentirosos e caluniadores. O que nos une é muito maior do que a política, é a fé e o amor ao nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, meu querido governador, não quero ser usado como pretexto para atingi-lo. O meu indicado para a Cehab, o Dr. Eduardo Cunha é um homem honrado e tem demonstrado imensa competência à frente da empresa(...) Amado irmão, para evitar qualquer espécie de especulação maldosa, que diga que o irmão Eduardo Cunha está sendo protegido pelo fato de ser evangélico, solicito ao querido governador, duas providências: primeira – que durante o período das apurações do Ministério Público, o Dr. Eduardo Cunha fique trabalhando no meu gabinete; segunda – se após concluída as apurações, nada ficar comprovado contra ele, o senhor que sempre se pautou pela justiça, o reconduza ao cargo que agora lhe devolvo. Saudações em Cristo, Francisco Silva.110

O que nos interessa neste fato é observar que o deputado Francisco Silva

estabelece então um discurso religioso-político dirigindo-se ao governador e à mídia

num tipo de prestação de contas, na qual se observa a retórica religiosa para fins

políticos que tem sido recorrente na trajetória política do deputado.111

Nossa pesquisa contemplou o programa que conta com a participação

sistemática do governador Anthony Garotinho, dirigido e apresentado pelo

deputado Francisco Silva, inicialmente chamado de A Paz do Senhor Governador. A

alteração do nome para A Paz do Senhor de Coração foi o resultado de uma ação

judicial movida pelo Ministério Público Eleitoral, que caracterizou o primeiro como

propaganda política fora do período estabelecido por lei.112 O programa de 10

110 Nos dois primeiros anos de administração do governo Garotinho, o deputado esteve à frente da Secretaria de Habitação. Depois indicou o economista Eduardo Cunha para assumir a presidência da Companhia Estadual de Habitação-Cehab, que foi acusado de fraude. O Globo 11.4.2000.

112 Segundo denúncia do Partido dos Trabalhadores, o programa A Paz do Senhor Governador camuflava propaganda eleitoral sob o discurso religioso. No dia 27 de junho de 2001, os ministros do Tribunal Regional Eleitoral-TRE acolheram por unanimidade a representação do Ministério Público que propôs a suspensão do programa Fala Governador, transmitido pela TV Record e pela Rádio Tupi. Considerou-se tratar de propaganda eleitoral ilícita, isto é, fora do período estabelecido por lei que é de noventa dias antes das eleições. O Ministério Público acatou as acusações e por um período o governador foi impedido de participar do programa. A situação foi contornada posteriormente

58

minutos é transmitido de segunda a sexta-feira, às 10.45h e às 16h., estruturado

em cinco fases, que a seguir explicaremos.

Antes porém lembramos que, como se trata da Rádio FM de maior audiência

do Rio de Janeiro, a retórica da Rádio Melodia destinada ao público evangélico

possivelmente cria conceitos, empresta sentidos e leva alguns a reproduzirem

gestos e palavras. Gostaríamos também de ressaltar que caracterizamos aqui a

retórica política de uma empresa e não de um grupo religioso. O que chamaremos

de retórica política da Rádio Melodia 97,3 Fm, caracterizada no programa A Paz do

Senhor de Coração, tem por objetivo básico a promoção do governador Anthony

Garotinho, quer seja como governador do Estado do Rio de Janeiro, quer seja como

candidato à Presidência da República. O papel desempenhado pelo deputado

Francisco Silva é o do proprietário de empresa de mídia que dispõe de seus

recursos para propagar um projeto, no caso, a eleição do próximo Presidente. Este

envolvimento confere a Francisco Silva o que lhe falta no Parlamento: identidade

política. Credencia-se assim a continuar pleiteando cargos públicos, na medida em

que tem um projeto e uma identidade religiosa e política que o difere.

Quanto às etapas que compõem o Programa A Paz do Senhor de Coração,

são as seguintes.

1. Primeira fase: agenda do governador. Trata-se de uma listagem das

realizações, tais como inaugurações de Delegacias Legais,

compromissos oficiais, relatos da gestão financeira, finalização de

obras, visitas aos municípios, projetos sociais etc. O governador

Garotinho se refere aos custos das obras, contando freqüentemente

com elogios do proprietário da Rádio Melodia, que pergunta como

pode realizar tanto com um receita tão comprometida. A reposta é

pronta e, repetidas vezes pelo governador, fecha a primeira fase do

programa: Para bem governar é preciso não roubar.

2. Segunda fase: cartas dos ouvintes, que costumam ser textos bíblicos

dedicados ao governador Garotinho. O programa incentiva os

com Anthony Garotinho assumindo um discurso apenas religioso no programa, esquivando-se de mencionar temas eleitorais.

59

ouvintes a escreverem. Lêem-se os nomes das pessoas que

enviaram cartas, revelando a igreja a que pertencem e o Estado de

onde são enviadas as cartas. Entre as muitas cartas citadas, uma é

destacada para ser lida na íntegra e o governador responde e

agradece. As cartas selecionadas têm um conteúdo comum.

Referem-se ao governador Garotinho como um político perseguido e

caluniado pelos seus opositores políticos e pela mídia. Incentivam-

no para que se mantenha firme. Elogiam o governo do Estado do

Rio de Janeiro e dizem que é preciso ampliar essa administração

para todo o Brasil. As intervenções do deputado Francisco Silva são

exatamente do mesmo teor das cartas, enfatizando que o

governador é perseguido por ser evangélico e privilegiar as camadas

populares. Exalta as realizações do governo e por fim incentiva a

candidatura do governador à presidência da República. Observe-se,

porém, que o teor das cartas selecionadas mudou significativamente

após a ação judicial movida pelo Ministério Público.113 As cartas lidas

não eram mais voltadas para o candidato à presidência da República,

mas para o irmão em Cristo.

3. Terceira fase: motivos de oração. A cada semana o governador

orienta os ouvintes para que orem por um motivo comum ao longo

da semana. Como motivos de oração, são mencionados o

fortalecimento espiritual das igrejas, a situação de dependentes

químicos, o fortalecimento dos laços conjugais, a reconciliação de

evangélicos que apostataram, a capacidade para perdoar as

mentiras dos opositores, entre outros.

4. Quarta fase: leitura bíblica. A cada programa o governador escolhe

um texto bíblico para ler.

5. Quinta fase: a rima. Num ambiente descontraído, o deputado

Francisco Silva propõe ao governador que termine o programa com

uma rima improvisada, usando o nome do ouvinte que teve a carta

selecionada e o lugar onde mora.

Observe-se que os remetentes das cartas são quase todos pentecostais, o

que não nos permitir concluir que os pentecostais são mais propensos a aderirem

ao discurso político de uma mídia que os acedia. São predominantemente

113 O governador chegou a ser impedido pela justiça de apresentar o programa

60

mulheres, esse dado, porém, não nos autoriza afirmar que as mulheres evangélicas

dão densidade aos votos de Anthony Garotinho. As cartas chegam de Estados

variados, o que não é o mesmo que desempenho eleitoral assegurado de maneira

homogênea nas regiões da Federação. Isto posto, voltemos às citações bíblicas

dirigidas ao governador Garotinho, que ao privilegiarem pequenas passagens fora

do seu contexto, possibilitam a apropriação da autoridade bíblica para fins

pragmáticos.114 Os textos não representam uma teologia política dos evangélicos

brasileiros. O que se evidencia é uma exegese ultralivre, onde o que importa não é

o que o texto bíblico de fato diz, mas o sentido que se lhe quer dar. As cartas

selecionadas funcionam como uma linguagem codificada e decifrada pelos

evangélicos, enquanto a justiça e a oposição não podem questionar a citação de

textos bíblicos. A título de exemplo, vejamos alguns desses textos:

A porta que Deus abre ninguém fecha, e a que ele fecha ninguém abre. A porta que Deus abriu para você na política o adversário não pode fechar. Vai nessa sua força (Apocalipse 3:7)

Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos (Pedro, 2:15).

por alguns dias. Quando voltou, assumiu um outro tipo de discurso. 114 Além dos mencionados no corpo do texto, reproduzimos os seguintes, que consideramos expressivos da extensa amostra obtida na pesquisa. Não temas que o Senhor é contigo. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido (Salmos 91:7).O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano. Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão nos átrios do nosso Deus (Salmos 92:12,13) Adriana Fernandes. Cachambi-MG. setembro de 2001; Quando leio Neemias, lembro-me de tudo o que está acontecendo com o senhor, mas eu lhe digo: Vai nessa tua força que o Senhor é contigo, assim como foi com Gideão, Josué, Neemias, e todos os homens que serviam ao Senhor com sinceridade. Márcia Célia Andrade. Piraí–RJ. setembro de 2001; Há um tempo para tudo e um momento sobre o céu para fazer cada coisa. Há um tempo para nascer, e outro para morrer; há um tempo para plantar e outro para colher (Eclesiastes, 3:1,2).Elizabeth Rodrigues. Belo Horizonte-MG. setembro de 2001; Quando os bons alcançam o poder, todos festejam, mas quando o poder cai nas mãos dos maus, o povo se esconde de medo (Provérbios 28:12). Daniel Gomes dos Santos. São Gonçalo–RJ. setembro de 2001; Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor (Salmos 33:12).Antonia Maria Gomes. Piauí. outubro de 2001; Vocês serão felizes se forem insultados por serem seguidores de Cristo, porque isso quer dizer que o glorioso espírito de Deus veio sobre vocês (Pedro, 4:14). Marlene Franco Masolin. Curitiba–PR. setembro de 2001.

61

Seja forte e corajoso! Não fique desanimado nem tenha medo porque eu, o Eterno, o seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde você for! (Josué, 1:9).115

Destacam-se também nas cartas outro tipo de citações bíblicas que se

caracterizam por serem falas explícitas nas quais a fronteira entre política e religião

simplesmente não se verifica, como as que se seguem:

Não se preocupe com as perseguições. Ninguém acredita nas coisas que falam, nestas calúnias contra o irmão. Sabemos que o irmão é uma pessoa maravilhosa, integra, reta, evangélica segundo o coração de Deus. Quero que o irmão saiba que jogam pedras em árvores que dão bons frutos, e o Garotinho tem dado bons frutos materiais e espirituais. Querido irmão, com relação a sua vida política, não se preocupe, a semente já está plantada e no tempo certo ela vai germinar. No nome de Jesus!

Dou graças ao Senhor, nosso pai celestial, por ter colocado tão grande bênção na vida do seu povo, que é ter um governador evangélico. O Senhor continuará crescendo nas mãos e no poder de Jesus Cristo.116

Dois atores foram escolhidos como vilões nesta construção simbólica da

Rádio Melodia 97,3 FM: a mídia e o Partido dos Trabalhadores. Não é difícil definir o

período em que fizemos a pesquisa, como um contexto conturbado em que o

governo do Rio de Janeiro respondia a sérias acusações de improbidade

administrativa. Como já mencionado, a mídia vinha cobrindo sistematicamente os

acontecimentos envolvendo o governador Garotinho, mas no centro dos

acontecimentos, como o maior opositor, estava a bancada do Partido dos

Trabalhadores na Câmara Estadual do Rio de Janeiro.

115 Respectivamente, Marcos José Lino Oliveira. João Pessoa–PB. setembro de 2001; Maria Rodrigues de Sousa. Itaboraí–RJ. outubro de 2001; e Rita de Cássia Silva Lima. Serra– ES. dezembro de 2001.

116 Respectivamente Marinete C. da Silva. Nova Iguaçu–RJ. outubro de 2001 e Gisele Brumate. Rio de Janeiro–RJ. dezembro de 2001. E as seguintes: Sou católica, mas eu e meu marido oramos muito pelo senhor e pelo seu trabalho, pedindo a Jesus que o abençoe em cada passo e decisão a tomar. Adriana Fernandes. Cachambi–MG. setembro de 2001; Esteja certo que o pai está iluminando a sua vida. O Senhor iluminará e determinará o seu futuro político. Não adianta nada alguns falarem mal, difamarem a sua pessoa. Nada disso abalará a sua vitória. Jacinta de Sousa Maciel. São João de Meriti–RJ. novembro de 2001.

62

As cartas que chegaram a Rádio Melodia para o governador Anthony

Garotinho estavam dentro deste contexto de conflito e a edição do programa

assegurava que o conflito não era religioso, mas essencialmente político. Alegava-

se, e isso é importante perceber, que a perseguição política era causada pela

exposição do vínculo religioso. Ou seja, o discurso da Rádio Melodia fez uso do

imaginário que concebe os evangélicos como grupo discriminado pela sociedade.

Vejamos alguns exemplos como se articulam estes discursos.

Gostaríamos de ter aqui em São Paulo um governo que teme a Deus. Estamos orando para que isso aconteça. Sabemos que o senhor passa por lutas constantes principalmente por ser evangélico, mas, leia João 4:4: ‘Filhinhos, vós sois de Deus e vencestes, porque aquele que está em vós é maior do que aquele que está no mundo’

Amado irmão governador Garotinho, confia e espere pois a vitória é certa em Jesus. Governador, o povo de Deus está ao seu lado, e nada que os inimigos façam poderá tirar o brilho que Deus colocou em sua vida Amado irmão governador Garotinho, confia e espere pois a vitória é certa em Jesus. Governador, o povo de Deus está ao seu lado, e nada que os inimigos façam poderá tirar o brilho que Deus colocou em sua vida117

Outro tipo de retórica do programa A Paz do Senhor de Coração são as

frases curtas, empregadas em todos os programas quando o governador termina a

sua fala com uma rima e incentiva os ouvintes a tentarem o mesmo procedimento.

Enquanto o governador usa os nomes próprios, os ouvintes mandam rimas com um

conteúdo eleitoral, do tipo das que se seguem:

Vá em frente confiante pra se eleger, e como José do Egito, Deus há de o proteger.

Quando Garotinho veio a Teresina, vimos o quanto tem grande auto-estima. Deixou o povo contente, por isso o queremos como nosso presidente

Todo crente inteligente tem Garotinho pra presidente118

117 Respectivamente Neuzelir M. C. Gonçalves. Mauá–SP. novembro de 2001; e Ivonete Augusto. Rio de Janeiro-RJ. novembro de 2001. E ainda: Escrevo-lhe para aliar-me ao grande exército da fé que o Senhor Jesus tem levantado nesse nosso amado Brasil. Amo a minha pátria de coração. Amo a cidade do Rio de Janeiro onde nasci. Aprendi a amá-lo também, querido governador pela sua coragem, pela sua fé verdadeira em Cristo Jesus.Rita de Cássia dos Santos Pereira. Rio de Janeiro–RJ. outubro de 2001. 118 Marlene Franco Masolin. Curitiba–PR. setembro de 2001; Antonio Maria Gomes Teresina–Piauí. outubro de 2001; Antônio de Jesus Souza. Campo Lindo

63

Vale conferir ainda as intervenções verbais dos apresentadores do

programa, que constituem declarações representativas do discurso assumido pelo

governador Garotinho e pelo deputado Francisco Silva. Após pesquisa divulgada em

setembro de 2001, que apresentava o candidato Garotinho em segundo lugar na

preferência dos eleitores, o governador declarou no programa A Paz do Senhor do

Coração:

Como eu não posso fazer campanha, pois tenho que governar o Estado do Rio de Janeiro, o candidato que está em primeiro e o outro que está empatado comigo em segundo, não têm muito que fazer. Ou seja, eles não têm que administrar o Estado, eles estão livres. Então, eu gostei muito dos resultados. Isso é fruto das orações dos nossos irmãos, isso é fruto da fé dos nossos irmãos. Queremos agradecer muito a vocês que estão aí orando para que Garotinho seja presidente do Brasil.119

Logo a seguir o deputado Francisco Silva complementa a fala do

governador:

Todos nós que somos próximos ao senhor, Deus nos dá uma capacidade de ver as coisas um pouco mais a frente. Então, a gente já vê o senhor como Presidente da República neste país, e a gente já vê este país melhorando.

No mesmo programa, um ouvinte faz referencia às constantes perseguições

que o governador Garotinho vinha sofrendo, ao que ele responde:

Se o próprio Jesus foi caluniado, perseguido, morto, crucificado, quanto mais a gente, pobres mortais cheios de falhas, cheios de erros.

Quando, em outra ocasião, o Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita do

Partido dos Trabalhadores fez severas críticas ao governador do Rio de Janeiro,120

este fez uso do programa radiofônico para defender-se e, mais uma vez,

estabelecer o vínculo entre a política e a religião:

Paulista–SP. setembro de 2001. E ainda: Deus não escolhe os capacitados, ele capacita os escolhidos.Irany Cabral Bezerra. Sapé-Paraíba. outubro de 2001; Vou proclamando o evangelho com muito amor e carinho. Vou pedindo a ajuda de Deus para o irmão Garotinho. Maria Célia Andrade. Piraí–RJ. setembro de 2001; Brasília está grávida. Ela está esperando um Garotinho. deputado Francisco Silva, novembro de 2001. 119 Governador Anthony Garotinho. Jornal do Brasil setembro de 2001. 120 Caricaturizou-o usando a imagem do personagem vivido por Antônio Fagundes na novela Porto dos Milagres, o prefeito Félix. O personagem era um político dissimulado, corrupto e populista.

64

O que mais me entristeceu foi ver a minha irmã em Cristo, e vice-governadora, Benedita da Silva, participar deste programa. Me deixou triste, porque ela como serva de Deus não poderia ter participado daquele conjunto de mentiras que foram lançados contra o Garotinho.

No mesmo contexto, em outro programa, o deputado Francisco Silva,

referindo-se ao governador, disse:

O PT tem ciência de que o grande adversário que ele vai ter para a Presidência da República vai ser o senhor. Não vai ser o candidato do Fernando Henrique, não vai ser nenhum outro candidato, Ciro Gomes, nem nada. Quem vai crescer mesmo é o senhor e vai ser o grande candidato do PT, e o senhor certamente vai à vitória porque o povo está do seu lado.

Em suma, a unidade entre os três blocos de citações que apresentamos

reflete a articulação dos três aspectos que, juntos, predominam no discurso político

da Rádio Melodia:

♦ conflito político explicado no contexto de discriminação religiosa;

♦ a celebração da administração do governo do Rio de Janeiro a ponto de se

desejar estende-la por todo o país, através da candidatura à Presidência;

♦ e finalmente, o uso da linguagem religiosa para demarcar posições políticas.

Jornal Folha Universal

O deputado federal do Partido Liberal-PL do Rio de Janeiro, bispo Carlos Rodrigues,

é o articulador político da Igreja Universal Reino de Deus-IURD. Numa publicação

interna ele é apresentado nos seguintes termos:

Bispo Carlos Rodrigues é um dos pioneiros do trabalho da IURD. Ainda jovem, aos 18 anos, abraçou a fé no Senhor Jesus. Consagrado ao ministério, implantou a Igreja Universal em vários Estados brasileiros (...) No exterior, fundou a Igreja na Espanha. Exerceu as funções de bispo, em Portugal e na África, morando com a sua família em Moçambique. Implantou emissoras de rádio e televisão em Maputo, capital de Moçambique. Na condição de articulador político da Igreja, tem colaborado para a conscientização dos evangélicos quanto à participação do povo de Deus no futuro da nação. Lutador incansável na defesa da causa evangélica tem trabalhado junto a vários políticos evangélicos, conseguindo derrubar leis injustas e preconceituosas. Foi eleito deputado federal para o mandato 1999/2002.121

Na seção de política do Folha Universal o deputado figura como principal

ator. Não é o único, mas visivelmente o coordenador e maior liderança. Essa seção

121 RODRIGUES, C. A Igreja e a política.

65

cobre a atuação dos representantes da IURD nas Câmaras municipal, estadual e

federal. Há um certo rodízio entre essas autoridades no que se refere ao espaço no

jornal. Mas o mesmo não ocorre com o deputado bispo Rodrigues, que tem seu

espaço permanente assegurado. Dos vinte números do jornal que monitoramos, ele

apareceu em destaque nessa seção em dezessete números. Portanto, o tratamento

dado ao deputado é diferenciado, a partir do reconhecimento da centralidade da

atuação política do bispo Rodrigues.

A leitura freqüente da seção de política da Folha Universal revela a

existência de um bloco coeso de representação política da Igreja. Foram eleitos

pela estrutura da Igreja e a ela prestam contas dos seus mandatos. Através do

jornal, deixam evidente que são fiéis às diretrizes do grupo religioso e são um bloco

submisso à hierarquia da IURD. Citamos como exemplo desta estrutura

política/eclesiástica a edição de 04 de novembro de 2001. Não há dúvidas de que a

Folha Universal é um órgão oficial da Igreja. A nota que citaremos é editorial:

Mais um traidor. Rio de Janeiro-RJ. Paulo Mello, então pastor da IURD, foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro através dos votos dos membros e obreiros da Igreja Universal da zona oeste. A Igreja e o povo pensavam que teriam mais um homem de Deus, sincero, correto, íntegro, como convém a pessoa de Deus e que defenderia as causas do povo que nele votou, povo este já tão sofrido pelas agruras da região mais distante do centro da cidade. Pura ilusão. Assim que tomou posse, afastou-se da bancada evangélica, traiu também o partido ao qual era filiado, aliou-se a vereador incrédulo. Votou contra o vereador bispo Jorge Braz, tirando este da liderança que exercia. Tudo bem, até Jesus teve o seu Judas e não seremos nós, povo de Deus, que não teremos os nossos. Vamos em frente que o nosso Jesus é maior, o nosso Deus é justo juiz.122

Note-se nessa retórica político-religiosa que a Igreja é quem indica

candidatos, os elege através dos votos de seus fiéis e não admite atuações

independentes. Existem orientações políticas que devem pautar a atuação de todos,

bem como comandos setoriais. Pela nota citada acima, é de se supor que os que

não se alinham à política hierárquica da IURD são retirados dos seus quadros —

religioso e político.

66

Os políticos da IURD não se concentram em um só partido, ao contrário,

compõem um quadro suprapartidário e se pretende representar a IURD nas

câmaras possíveis e nas siglas partidárias das mais diversas. Contudo, pelo fato do

bispo Rodrigues estar filiado e ser uma liderança do Partido Liberal (PL), há uma

forte inclinação da Igreja para apoiar esta sigla partidária.

Passemos agora ao discurso político-religioso assumido pelo coordenador

político da IURD e, para tal, vamos acompanhar os vinte editoriais políticos

encontrados na seção de opinião e assinados pelo bispo Rodrigues no jornal Folha

Universal.

A parte da Folha Universal que se destina à seção Opinião é assumida por

bispos que representam a Igreja em áreas específicas, cada um mantém um espaço

permanente. No caso dos editoriais do bispo Rodrigues, ele estabelece a

demarcação política da Igreja, conforme podemos constatar no quadro a seguir:

122 Folha Universal 4 a 10 de novembro de 2001: 5b

67

Tabela 6. Editoriais do bispo Rodrigues no jornal Folha Universal

DATA TÍTULO RESUMO

05.08.2001 Policiais, um barril de pólvora

Crítica às precárias condições de trabalho dos policias. Comenta as greves das corporações.

12.08.2001 Fim da imunidade, fim da impunidade

Desgastes do Congresso com os processos envolvendo os senadores Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães. Pacote ético como agenda positiva.

19.08.2001 Brasil, o paraíso da concentração de renda

Analisa o Relatório do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (1999). Defende combate à pobreza através da distribuição de renda.

26.08.2001 Brasil, o paraíso da concentração de renda (2)

Propostas que tramitam no Congresso para o combate a pobreza.

02.09.2001 A criação querendo ser igual ao Criador

Informa que apresentou Projeto de Lei na Câmara dos Deputados que proíbe experiências de clonagem de seres humanos.

09.09.2001 Silvio Santos e o seqüestro Comentários sobre seqüestro da filha de Silvio Santos.

16.09.2001 Não suporto mais Em tom de desabafo fala de violência, desemprego, pobreza, apagão. Severas críticas ao Governo Federal.

23.09.2001 Onze mil virgens Comentários sobre o atentado aos EUA no dia 11 de setembro.

30.09.2001 Guerra Santa Comenta o conflito entre o terrorismo islâmico e os EUA.

07.10.2001 A vingança da insensatez Preocupação com a reação dos EUA. 14.10.2001 Bispo Edir Macedo não se

filia a nenhum partido político

Responde aos boatos de que o Bispo Edir Macedo concorreria à presidência da República. Diz tratar-se de uma liderança essencialmente espiritual.

21.10.2001 O exército de crianças suicidas

Ainda sobre o terrorismo islâmico.

28.10.2001 A oração que renova e salva Trata de devoção pessoal. 04.11.2001 Mais um ano perdido Críticas a globalização. Considera os altos índices de

desemprego. 11.11.2001 Noivinha Universal Começa o período de procura dos Partidos pela IURD

para composição de acordos eleitorais. O bispo desdenha de todos dizendo que a IURD está em busca de justiça social e não de poder.

25.11.2001 Que fim você deseja? Palavra de teor devocional. 02.12.2001 Corrupção Compara a corrupção do Estado com a corrupção no

futebol. 09.12.2001 A hora da onça beber água Críticas ao governo pelas alterações da CLT

(Consolidação das Leis Trabalhistas). 23.12.2001 Os pobres e a exploração

sexual no Brasil Critica a declaração do Governo Federal de que houve redução da pobreza no Brasil.

30.12.2001 Sobreviver ou viver? A escolha é sua

Reflexão devocional.

Fonte: Folha Universal, 2001

68

A leitura dos editoriais do deputado sugere similaridades com o discurso dos

partidos de esquerda. Verificam-se muitas críticas ao governo de Fernando

Henrique Cardoso, discutem-se temas variados da política nacional e internacional.

Os destaques do coordenador político da IURD, no órgão oficial da Igreja, buscam

justificar a atuação dos seus parlamentares.

A pergunta que fizemos ao acompanharmos os editoriais do deputado Bispo

Rodrigues, e o conseqüente desempenho parlamentar da bancada da IURD, é como

classificar a posição deste grupo em termos políticos. A jornalista Angélica Santa

Cruz deu o título de A nova esquerda à entrevista que realizou com o deputado

bispo Rodrigues. Na tentativa de conjugar termos teóricos utilizados pela esquerda

com termos religiosos utilizados pela IURD, ela pergunta se a IURD anda as voltas

com uma revisão histórica. Mostrando-se atenta aos editoriais escritos pelo bispo,

a jornalista comenta que os veículos de comunicação controlados pela instituição

parecem tomados por algum tipo de possessão progressista. E, ainda, diz que os

editoriais da Folha Universal poderiam ter sido escritos por um integrante do PSTU.

Não afirma em momento algum que a força política representada pela IURD tende à

esquerda, mas identifica a retórica progressista do deputado e busca entender seu

alcance.123

Porém nem o desempenho parlamentar, nem os veículos de comunicação da

Igreja permitem definir o perfil político-ideológico do grupo. A justificação da

participação política da IURD, a ponto de desenvolver uma estrutura para este fim,

é dada por dois fatores básicos: um de caráter protecionista e outro de caráter

ético. As questões pragmáticas do grupo religioso se sobrepõem à fidelidade de

caráter ideológico. O político serve aos interesses religiosos.

Propaga-se a idéia de sectarismo. O avanço da Igreja esbarraria nos

interesses de muitos, daí a necessidade de eleger representantes para proteger a

123 CRUZ, A. S. Revista eletrônica NO. ( www.no.com.br) 10.10.2000

69

IURD de eventuais opositores. Um bom exemplo da exploração da imagem de

Igreja perseguida é a foto da coluna permanente de outro bispo, Edir Macedo,

lendo a Bíblia atrás das grades, por ocasião de sua prisão preventiva de 12 dias no

ano de 1992.124

Como justificativa do desenvolvimento de uma mídia própria, os bispos da

IURD comentam através de suas colunas as referências que a mídia secular faz à

Igreja, na qual não percebem boa vontade das empresas de comunicação para a

causa e os métodos da IURD. O mesmo discurso protecionista serve para a política.

Afirmam que se não estabelecerem uma estrutura política sólida, serão perseguidos

e prejudicados pelo Estado brasileiro, que segundo eles, permanece sujeito a Igreja

Católica. Essa postura de igreja perseguida é fundamental na definição da

estratégia de defesa no campo político: dispersão partidária, candidatos oficiais que

prestam contas de seus mandatos, preferência por mandatos no legislativo,

votação em bloco, poder de barganha política na relação com o executivo e

estratégias eleitorais definidas. A retórica política da IURD, num primeiro momento,

justifica a sua participação apontando para os perigos que a rondam. Em outras

palavras, a política é posta sob os interesses da Igreja. Para que a missão da

Igreja seja cumprida a contento, necessário se faz uma espécie de cordão de

contenção social.

Outro aspecto verificável na retórica da IURD para justificar sua participação

política é encontrado no campo ético. Na verdade, este ponto não é exclusivo da

IURD, pois outros evangélicos se servem deste aspecto para pleitear mandatos

políticos. E qualquer estudo sobre retórica política brasileira levará a conclusão de

que este tipo de discurso é amplamente utilizado mesmo por aqueles que não

reivindicam representação religiosa. A defesa pela ética na política e na sociedade

como um todo é amplamente explorada, e esse tipo de discurso está também na

124 FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Inpeachment: 154.

70

agenda dos políticos que têm um certo alinhamento com a Igreja Católica.125

Portanto, a justificação da participação da IURD na política partidária passa pela

defesa dos valores que a Igreja julga precisar preservar, por isso convoca os fiéis

para um tipo de cruzada visando ao estabelecimento de uma moralidade típica das

Igrejas neopentecostais.126

A singularidade da IURD em relação as outras igrejas evangélicas não é

propriamente eclesiástica, litúrgica ou teológica. Mantém sim inovações nestes

áreas, mas nada que a torne radicalmente diferente. A IURD tem como

singularidade o desenvolvimento da sua estrutura empresarial. Acreditam que o

grupo de empresas da IURD é necessário para oferecer a estrutura necessária para

que a Igreja se expanda e cumpra os seus ideais religiosos. Mantém uma estrutura

muito parecida com a Igreja Católica: hierárquica, um bispo sobre todos os demais,

setor financeiro profissionalizado, distinção da área teológica da área estrutural,

plano de carreira para a liderança. A IURD tem sob sua administração um quadro

de pastores e bispos e também um quadro de funcionários de diversos escalões.

Portanto, a tentativa de compreender a IURD deve considerar a sua administração

hierárquica.

Observamos nos editoriais do deputado Rodrigues a sua clara posição a

respeito da subordinação ao líder maior da IURD, bispo Edir Macedo. Os

pronunciamentos políticos da igreja são feitos pelo deputado Rodrigues, mas isso

não quer dizer que as demarcações políticas e as decisões importantes sejam

tomadas por ele. Uma leitura apressada do jornal pode levar a pensar que o bispo

125 Ver, AZEVEDO, T. A religião civil brasileira: 43-52. Não se pode desprezar o fato que mesmo com o crescimento dos evangélicos na sociedade, e na política em particular, o Brasil é um país predominantemente católico. Se existe uma moralidade dos evangélicos na arena política, ela só prevalece na proporção em que for concordante com a moralidade católica. 126 Sobre os neopentecostais, sua história e sua teologia, sua cosmologia e sua ética, o trabalho do sociólogo Ricardo Mariano é uma entre as referências importantes. MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.

71

Edir Macedo se restringe às questões doutrinárias e eclesiásticas enquanto os

outros bispos assumem áreas específicas da Igreja e das empresas do grupo IURD.

Segundo o próprio deputado bispo Rodrigues, o bispo Edir Macedo é o líder

máximo da igreja e acompanha e coordena tudo de perto. A estrutura da IURD é

hierárquica e o bispo Edir Macedo está no topo da hierarquia espiritual e da

estrutura empresarial que a ela pertence.

Todos os amados irmãos não têm idéia da responsabilidade e do total empenho com que o Bispo Edir Macedo coordena todas as atividades referentes à Igreja Universal do Reino de Deus, todas as rádios ligadas à Igreja, a TV Record e todas as televisões afiliadas.

A igreja Universal está presente em cerca de 77 (setenta e sete) países e atualmente possui milhares e milhares de membros que seguem a doutrina bíblica desenvolvida sob total coordenação do Bispo Edir Macedo.

O Bispo Edir Macedo orienta, pessoalmente, todos os bispos e pastores que atuam na orientação espiritual de todos os membros da Igreja Universal. Com todas estas responsabilidades, a missão que Deus determinou ao Bispo Edir Macedo foi espiritual e não política.127

Importa perceber que o bispo Rodrigues restringe sua atividade política à

filiação partidária e ao mandato, já o bispo Macedo coordena tudo de perto,

inclusive os rumos políticos da igreja, mas isso não é uma missão política e sim

espiritual. Esta questão aparentemente obscura pode ser esclarecida pela leitura de

Max Weber quando considera, em um contexto social bem diferente do que

estamos analisando, empresários que mantinham uma ativa e decisiva participação

política sem ocuparem cargos públicos e às vezes sem serem reconhecidos como

importantes atores políticos. Weber observou que estes empresários mantinham

sob o seu comando e coordenação pessoas detentoras de mandatos. Então, estes

políticos profissionais não tinham um mandato por uma questão de estratégia,

contudo, possuíam um tipo de poder que lhes dava condições de reunir ao seu

redor detentores de mandatos políticos que lhes eram fiéis. Evidencia-se nessa

127 RODRIGUES, BISPO C. Folha Universal 14.10.01: 4

72

prática a fragilidade partidária em detrimento da liderança personalista que faz da

política um investimento calculado.128

Concluímos que o bispo Carlos Rodrigues é sim coordenador político da

IURD, mas o seu trabalho não é independente. Existe um colegiado de bispos

coordenados pelo bispo Edir Macedo. Neste foro as estratégias políticas são

traçadas, a retórica é definida. A liderança absoluta e incontestável, inclusive

política, pertence ao bispo Edir Macedo. Daí a nossa conclusão de que a figura

traçada por Max Weber do político que se mantém na penumbra, por questões

estratégicas, aplica-se ao bispo Edir Macedo.

Citamos, por fim, ainda uma vez o deputado bispo Rodrigues, em editorial

no qual avalia a procura do apoio da IURD pelos partidos, vez que as eleições de

2002 se aproximavam:

Nós, membros da Igreja Universal do Reino de Deus, do obreiro mais humilde ao bispo da hierarquia mais elevada, seguimos a orientação de nosso irmão e pastor, o bispo Edir Macedo, que sempre prega a igualdade de todos perante a Deus.129

Encantamento da política ou secularização da religião?

O que contemplamos na participação política das empresas de comunicação não

caracteriza que há um encantamento da política, nem que o Estado sofra ameaças

de caráter confessional. Nas últimas duas décadas, a crescente participação

política baseada na legitimação evangélica será um indicativo do processo de

secularização por que passa esse grupo religioso?

As rádios Melodia 97,3 e El Shadai 93,3 e o jornal Folha Universal trabalham

com linguagem evangélica, possuem estrutura administrativa que mistura

legitimação carismática, legal e tradicional e são empresas que se dirigem às

igrejas que eventualmente se posicionam em nome de todo o grupo. Essas

empresas obedecem às leis do mercado comercial, competem entre si e com outras

128 WEBER, M. A psicologia social das religiões mundiais: 130

129 RODRIGUES, BISPO C. Folha Universal 11.11.01: 4a

73

empresas do mesmo ramo, são, basicamente, grupos que têm por fim o lucro

financeiro e funcionam dentro de uma estrutura administrativa racionalizada.

Não há como negar que a lei que vigora para estes grupos de comunicação é

a lei do mercado capitalista — e não a lei do evangelho calcada na solidariedade e

na igualdade. A lógica que funciona é a da mais valia. Confundem-se objetivos

religiosos com objetivos comerciais, interesses de igrejas com interesses pessoais.

Assim tratar da secularização das Igrejas evangélicas tomando por base o

complexo empresarial que se forma ao seu redor nos remete para o campo dos

valores. A discussão visa encontrar o lugar adequado para a igreja. Existe a

opinião de que a empresa religiosa é distinta da empresa comercial e, quando o

empenho é pela promoção de estruturas que não são definidas como

essencialmente religiosas, então a Igreja está passando por um processo de

secularização.

Esta posição tanto pode vir de dentro da igreja como de fora. Busca-se

contê-la afirmando que o seu reino não é deste mundo. Mas isso é o mesmo que

afirmar as delimitações dos campos político, comercial, religioso. Em síntese, a

discussão vai para o campo dos valores.

Ao constatarmos que as empresas de comunicação pesquisadas estão entre

o púlpito e o palanque e, ao lermos o primeiro capítulo desta dissertação, podemos

inferir que há hoje no Brasil um diálogo entre igrejas evangélicas e política no

espaço de uma sociedade incontestavelmente secularizada. Existem valores

religiosos que exercem influências na ordem econômica e social, mas em absoluto,

não há qualquer manifestação religiosa que hoje represente ameaça ao Estado na

sua conformação laica. Em suma, não há encantamento da política. E se

considerarmos que a Igreja se insere sempre em um dado contexto social, que

exerce influência e por ela é influenciado, não há secularização da igreja causada

por esse envolvimento.

74

Temos o exemplo da Igreja Católica, que possui organização hierárquica e

uma estrutura financeira e administrativa com sede em Roma. Comunica-se através

dos púlpitos e também através de emissoras de rádio e TV. Tem no atual Papa um

hábil usuário da mídia e dispõe de instituições de ensino respeitáveis. Participa,

enfim, de uma economia de mercado. Com tudo isso, dizer que a Igreja Católica

está secularizada, voltada para interesses que não fazem parte de sua missão, é

uma opinião que leva o debate para o campo ético. Exatamente o mesmo ocorre

com as igrejas evangélicas.

Defendemos a idéia de que hoje a sociedade brasileira debate sobre os

evangélicos na política no conflito dos valores éticos. Ou seja, não se trata de

encantamento da política ou de secularização da religião. Trata-se sim da

discussão se é ou não legítimo o desenvolvimento empresarial voltado para o

mercado evangélico, se é ou não legítimo que esses empresários da mídia

evangélica disputem cargos públicos, se é legítimo ou não que um igreja apoie um

candidato e depois solicite concessões de rádio e TV, enfim, discute-se o que uma

igreja pode e deve e o que não pode nem deve fazer.

Esse debate está na grande imprensa, nas próprias igrejas evangélicas e,

conforme citado na referência bibliográfica desta dissertação, bem presente na

academia.

Percebemos ao longo da dissertação que não há objetivos políticos comuns a

estas empresas citadas. Elas são independentes comercialmente e formulam uma

linguagem própria. Não é possível falar em programa de governo compartilhado

por todo o bloco. Parece-nos coerente admitir que nem em termos religiosos se

encontram. Consideramos como o único ponto comum a dita ética cristã, que não

é formulada a partir da filosofia nem da teologia, mas se fundamenta em modos e

costumes. Isto é, justifica-se a participação política pondo-se como guardiões de

valores que são compartilhados por todo o grupo.

75

Constatamos neste capítulo a diversidade de discursos que circulam a fim de

conferir sentido à relação entre os evangélicos e a política. Procuraremos no

próximo capítulo entender como as retóricas dessas empresas são recepcionadas.

76

Capítulo 4

Observações sobre a diversidade na recepção dos discursos

Assim como existem muitas fontes de onde provêm os discursos que buscam

orientar a participação política dos evangélicos, existem muitos ambientes onde

estas mensagens são ouvidas, discutidas e pessoalmente assimiladas. Assim como

há apelos que são atendidos, há outros que são desprezados. Neste capítulo

procuraremos refletir sobre a diversidade das mensagens enviadas aos evangélicos

e a produção de resultados distintos. Sem pretender fazer um estudo de

recepção130, apoiar-nos-emos sobre dois conceitos relevantes sobre a interpretação

do processo comunicativo: polifonia e hermenêutica de profundidade. E por fim,

introduziremos a questão eleitoral propriamente dita como ângulo que confirma a

diversidade dos evangélicos.

Polifonia

Segundo esta concepção teórica,131 a análise de discurso não deve reter-se apenas

ao texto em si. A linguagem ouvida e decodificada precisa ser considerada na

relação com a sociedade, com a história, com os outros discursos que circulam num

amplo contexto.132 A polifonia é entendida como o diálogo entre muitas vozes.

Trata-se de um texto, ou discurso que reconhece os muitos diálogos que o compõe,

assumindo um tom conciliador ou se revelando polêmico, construído nos embates.

A diferença marcante entre um texto polifônico e um monofônico, é que no primeiro

130 Sobre recepção da mídia evangélica foi realizado trabalho detalhado por FONSECA, Alexandre Brasil. Evangélicos e mídia no Brasil. A pesquisa de Fonseca incluiu aplicação de survey entre 935 evangélicos de 24 denominações da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

131 Para o entendimento do conceito de polifonia nos baseamos nos sete ensaios produzidos por lingüistas que buscaram discutir o trabalho do lingüista russo Mikhail Bakhtin. Em síntese, todo discurso mantém relações que precisam ser consideradas. É o que buscamos neste trabalho. BAKHTIN, M. Questões de literatura e estética. Teoria do romance. 132 Idem.

77

as vozes se mostram, enquanto no segundo permanecem ocultas. Reconhece-se

nestas relações dialógicas a presença de muitas vozes sociais.133

Verificamos que a retórica política das empresas de comunicação

pesquisadas percorre desde o discurso que valoriza o sentido de minoria religiosa

perseguida, até a triunfalismo de grupo que surpreende pelo grande crescimento

numérico. A retórica política do governador Garotinho pelo programa A Paz do

Senhor de Coração, visivelmente, refere-se ao noticiário da mídia secular.

Verificam-se os sentidos variados dados aos mesmos fatos. Quem recebe as

informações e as interpretações dos fatos religiosos e políticos passa a exercer um

complexo de relações dialógicas.

Segundo Blikstein,134 qualquer discurso revela a idéia de relação, evoca a

existência de outros discursos, é construído sobre discursos, é elaborado para

confirmar ou negar as vozes dos interlocutores. Então, o discurso é composto por

muitas vozes que se cruzam. O que surge para ser dito é uma resposta e, depois

de expresso, vai gerar novas respostas. Com isso não estamos sugerindo que há

apenas duas fontes de discursos ou dois interlocutores. A polifonia deve ser

entendida como as muitas vozes discursivas expressando-se simultaneamente.

Se compararmos as retóricas da mídia evangélica, perceberemos que seus

interesses políticos não elaboram uma unidade. O que ocorre são interesses de

grupos empresariais ou denominacionais. Pensar em unidade dos evangélicos para

fins políticos não é possível tendo como parâmetro a análise do discurso.

Existe no contexto pesquisado muitas vozes expressando-se

simultaneamente. O conteúdo da mensagem é diferente, bem como os meios pelos

quais circula. Como mensurar resultados eleitorais a partir dos votos dos

133 BARROS & FIORIN. Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin:6. 134 BLIKSTEIN, I. Intertextualidade e polifonia: o discurso do plano ‘Brasil Novo’:45.

78

evangélicos sem levar em conta a diversidade empresarial, de grupos partidários,

de grupos denominacionais, de igreja local e de situações de ordem pessoal?

O conceito de dialogismo serve para ressaltar que o discurso não está

referido em si mesmo, sugere relações, responde a outras vozes, refere-se ao que

já foi dito. Para Fiorin, o discurso não se constrói sobre o mesmo, mas se elabora

em vista do outro. Neste sentido, para que o discurso seja entendido, é preciso

analisar o eu e o tu. Analisar os discursos é também deter-se nas interações

sociais que ele promove e das quais é resultado.135

Parece-nos que o discurso verificável na mídia evangélica evoca

descontentamento com a relação entre Estado e Igreja Católica. Neste discurso

ficam caracterizadas as desigualdades sociais dos grupos religiosos. Um exemplo

disto são os feriados nacionais e estaduais que têm relação apenas com a prática

religiosa da Igreja Católica. Reclama-se do calendário nacional e de diversos

vínculos ainda mantidos. Os discursos políticos dos evangélicos são perpassados

pelo sentido de minoria inexpressiva eleitoralmente que finalmente alcança

potencial para representar-se. De acordo com a fala política destas empresas de

comunicação, há hoje no Brasil a oportunidade de equilíbrio de poderes com a

Igreja majoritária. Ouvindo as rádios evangélicas ou lendo seus jornais,

percebemos que o discurso de oferecimento de representação política se articula

em vista do outro. A mídia evangélica mantém uma relação dialógica com a

sociedade brasileira, reclama como esta a trata e se refere com freqüência à Igreja

Católica.

Percebemos que estamos diante de uma verdadeira polifonia devido aos

discursos atravessados e dos muitos interesses que se chocam. Podemos comparar

as retóricas das empresas. Podemos traçar paralelos entre o que diz uma empresa

e o que dizem grupos denominacionais. Temos a opção de comparar as tensões

135 FIORIN, L. Polifonia textual e discursiva:29.

79

políticas entre igrejas evangélicas e Igreja Católica. Como fizemos nos capítulos

anteriores, podemos contrapor mídia secular à mídia evangélica. Enfim, os

discursos, que podem ser verificados como discursos de evangélicos com interesses

políticos estão localizados socialmente.

O que verificamos através da pesquisa da mídia secular no capítulo anterior

é que se critica a crescente participação política das igrejas evangélicas. A

insatisfação é baseada na premissa de que o Estado é laico e de que política e

religião são coisas distintas. As manifestações políticas dos evangélicos repercutem

como ações que fazem lembrar voto de cabresto.

O referencial teórico que estamos usando nesta seção leva-nos a procurar

identificar o contexto no qual estas mensagens político-religiosas chegam e como

são debatidas pela sociedade. Ou seja, precisamos ter contato com o texto do

discurso, bem como com o contexto social no qual se insere.

Historicamente o protestantismo construiu seu discurso numa relação

dialógica com o catolicismo. Através deste diálogo buscou justificar suas práticas e

fundamentar sua teologia. O estudo histórico que busque compreender o

desenvolvimento do protestantismo necessariamente contemplará seus

interlocutores sociais, e neste caso, os católicos obterão uma posição de destaque.

Ao pesquisarmos a retórica dos evangélicos na política brasileira,

entendemos que só é possível fazê-lo reconhecendo seu principal interlocutor: o

catolicismo. Quando supomos este diálogo entre igrejas, não queremos falar

propriamente de posições oficiais da Igreja Católica. Nossa referência se baseia na

cultura brasileira, reconhecidamente identificada com o catolicismo. Pois é nesta

cultura luso-católica que repercutem os discursos evangélicos.

Sobre a relação da Igreja Católica com a política brasileira, Thales de

Azevedo desenvolve o conceito de religião civil. Discute o uso da religião para fins

políticos e defende que o objetivo principal da religião civil é promover os interesses

do Estado. A ética que vigora nesta relação entre religião e Estado não é

80

propriamente uma ética extraída dos livros sagrados, baseada na crença que

objetiva alcançar favores de uma divindade. A religião civil tem como parâmetro

ético a racionalidade política, a ética que privilegia o aspecto prático e pragmático

do Estado.136

Segundo o autor, há exemplos históricos de sociedades que souberam

praticar a religião civil. Nelas, os símbolos religiosos, a linguagem, o fervor, a

concepção do bem e do mal e os atos heróico são deslocados para os interesses

pragmáticos da política. Nesses casos não se verifica a separação do Estado da

religião, mas se percebe que a religião é utilizada para legitimar o Estado.137 Sobre

a religião civil brasileira, afirma:

A questão da vigência de uma religião civil brasileira deve-se colocar na perspectiva de dois dados históricos: o primeiro, a próxima relação entre Igreja e Estado mantida no país, desde a descoberta e o início da colonização; segundo, o fato de que toda a cultura no Brasil foi fortemente influenciada pelo catolicismo e, ainda hoje, sem embargo das reservas que possam fazer ao caráter da religiosidade e das mudanças que operam sobre o antigo quadro de homogeneidade religiosa e de hegemonia do catolicismo, o Brasil continua um país católico.138

Os vínculos entre Estado brasileiro e Igreja Católica são concretos e amplos

desde os primórdios coloniais, passando pela formação do Império e presentes na

feitura das Constituições nacionais. É fato histórico que na formação do Estado

brasileiro o catolicismo era a religião oficial.

Observando hoje a retórica política dos evangélicos, motivada pelo

crescimento numérico das últimas três décadas, há um discurso que reivindica do

Estado tratamento igual ao dado à Igreja Católica. Muitas campanhas eleitorais são

feitas pela mídia evangélica usando esta noção de grupo religioso minoritário que

precisa de representantes nas Câmaras. Nestes casos, o fato de ser evangélico é

usado como plataforma política em si.

136 AZEVEDO, T. A religião civil brasileira; um instrumento político:8. 137 Idem:33-42. 138 Idem:43.

81

Mesmo quando o Estado brasileiro foi declarado constitucionalmente laico, o

catolicismo continuou como referência religiosa. Nunca deixou de ser fundamental

como canal de comunicação entre autoridades políticas e o povo. Tratando

especificamente sobre a instrumentalização da religião com objetivos políticos,

Thales de Azevedo diz que a retórica política brasileira tem na sua história uma

estreita ligação com o imaginário religioso de orientação católica. Trata-se de

discursos de legitimação. Essas exteriorizações religiosas podem ser tidas como

expressões pessoais de políticos crédulos ou como mera instrumentalização do

religioso com outros fins.139

Com base na pesquisa que realizamos, é possível afirmar que a retórica

política dos evangélicos traz em si símbolos que não compõem a tradição da

cultura brasileira, trata-se de uma linguagem que não é tão fluida como a

linguagem com que se expressam os políticos católicos. Na grande imprensa, o uso

da linguagem religiosa de orientação evangélica está mais para instrumentalização

da religião para fins políticos, do que expressão de pessoas crédulas que se

propõem a participar da vida pública sem renunciar a sua linguagem peculiar.

O debate que considera a participação política dos evangélicos se

fundamenta também nas teorias políticas, mas tem por base a cultura brasileira.

Ou seja, discute-se a retórica dos evangélicos tendo como parâmetro a formação

católica. E isso não ocorre de forma tão explicita.

Importa perguntarmos o que há de novo na relação religião e política no

Brasil. Legitimação política através de expressões religiosas não chega a ser fato

novo. Retórica que utiliza o texto bíblico para fundamentar a representação

política, também não é algo que possa ser tido como algo inovador no Brasil.

Instrumentalizar a religião para objetivos políticos através do uso de símbolos que

139 Idem.:88-89.

82

criam identidade também não é novo. A novidade fica por conta do ator político em

questão: os evangélicos.

Isso não quer dizer que os evangélicos estiveram longe da política e só

agora nas últimas décadas tenham despertado para a vida pública. Estamos

tratando de visibilidade na política, uma vez que em outros momentos da história

republicana brasileira as igrejas evangélicas se fizeram representar.

Atualmente, os evangélicos na política representam novas linguagens e

novos símbolos que ameaçam paradigmas culturais e políticos. Conforme vimos no

primeiro capítulo deste trabalho, teorias políticas foram elaboradas para discutir

relações entre a política e a religião e o que hoje vemos não consiste em uma

reintrodução da religião no espaço da política, a novidade fica por conta do ator

político em questão.

Discutir a relação entre política e religião é deparar-se com a concepção de

estabelecimento de campos. O político como lócus da razão, da ordem pública e o

religioso como lócus do simbólico, da ordem da vida privada. Só que, na prática,

observam-se a inserção do religioso na política e a da política no religioso. É difícil

precisar as demarcações destes espaços.140 Veja-se, por exemplo, a teologia da

libertação.

Umas das respostas que durante, desde os anos 60 e particularmente nos

anos 70 no Brasil, a Igreja Católica deu ao contexto político repressivo foi sua

aproximação do povo para libertá-lo do jugo social e econômico do qual era cativo.

Nesta busca por justiça social e cidadania, a Bíblia foi contextualizada para

entender o presente. Foram organizadas as Comunidades Eclesiais de Base.

Mesmo que a resposta popular não tenha sido a princípio a esperada, é notável a

significativa formação de quadros que vieram a desempenhar importante papel na

sociedade brasileira: formação de sindicatos, liderança de minorias organizadas,

140 NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:1

83

fundamentais na formação do Partido dos Trabalhadores, dentre outros resultados

políticos.141 Muito foi dito sobre o quanto uma expressão religiosa como a teologia

da libertação teve e tem grandes repercussões políticas.

Outro segmento da Igreja Católica que tem provocado repercussões na

sociedade brasileira é o Movimento Carismático. Trata-se de um movimento

midiático e de forte adesão popular. Esta expressão religiosa parece tocar no tema

política com mais cuidado, quase que a afirmar que não pretende agir nesta área.

Profere mensagens simples que são ratificadas por coreografias e músicas sacras

populares. No entanto, o movimento carismático traz consigo vigorosas propostas

de rearranjos eclesiásticos e políticos, pois insere a Igreja na disputa pela adesão

popular. Pelos resultados que obtém, visibilidade na mídia e multidões nas missas,

pauta um novo modelo de ser igreja. Regina Novaes sugere que o Movimento

Carismático prioriza na sua mensagem o indivíduo — libertação interior — enquanto

que as CEB’s priorizam as estruturas — libertação política.142

Quanto a recente participação política dos evangélicos, nas décadas de 50 e

60 havia preocupação com o obstáculo representado pelas igrejas evangélicas, com

a sua pretensa recusa da política e conseqüente caráter alienante das massas. Na

década de 90 a preocupação se deu por conta da efetiva participação política e

social dos pentecostais. O crescimento numérico dos pentecostais ocorreu

simultâneo a sua inserção social e política.143

Assim como a sociedade brasileira estranha por vezes o discurso e as

práticas políticas dos evangélicos, que estão subdivididos em diversos grupos

denominacionais, também estranham alguns discursos que a eles são dirigidos. São

muitas as expressões religiosas denominadas evangélicas e não se ignoram as

141 Particularmente sobre a influência da Igreja Católica sobre o Partido dos Trabalhadores, ver a tese de doutorado de SARTI, I. Representação e a questão democrática contemporânea. O mal estar dos partidos socialistas. 142 NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:8-12. 143 Idem:18-20.

84

diferenças na emissão e na recepção dos discursos. No entanto, este complexo

grupo afirma sua identidade quando comparado à Igreja Católica. Isto é o mesmo

que dizer que os evangélicos estão caracterizados como os cristãos que estão fora

do alcance do mando da hierarquia da Igreja Católica. Deparam-se com a sua

própria identidade por uma atitude de negação. Sabem o que não são.

Voltamos a afirmar que a retórica dos evangélicos identificada na mídia

dirigida a esse público dificilmente será voz única. Até porque as empresas de

comunicação competem entre si, possuem vínculos políticos distintos e têm suas

preferências quanto aos líderes denominacionais. Assim como cada empresa possui

suas referências religiosas e políticas, os leitores, espectadores e ouvintes, desta

mídia chamada evangélica também as possui. A relação é tensa por vezes,

dialógica sempre.

Hermenêutica de profundidade

Interessado na interpretação das formas simbólicas, Thompson reconhece a

complexidade de tal tarefa. Propõe, para tanto, um procedimento metodológico que

chama de hermenêutica de profundidade. As formas simbólicas estão inseridas

num contexto social e possuem características internas específicas. Thompson está

diretamente interessado em estabelecer um instrumental teórico que possa dar

condições de leituras interpretativas da ideologia e da comunicação de massa.

Esquematicamente se refere a três fases no que chama de referencial metodológico

da hermenêutica de profundidade. A primeira fase é a análise sócio-histórica, a

segunda é a análise formal ou discursiva, e a terceira fase é a interpretação ou a

re-interpretação. 144

Este instrumental teórico é pertinente para a pesquisa da retórica política de

empresas de comunicação destinadas ao público das igrejas evangélicas. Quando

nos ocupamos da diversidade de recepção das mensagens veiculadas, pensamos

85

nestas fases descritas por Thompson. No caso da nossa pesquisa, estamos

considerando o contexto socio-histórico em que retóricas político-religiosas se

constróem. O trabalho de Thales de Azevedo considera as estreitas relações

mantidas pelo Estado brasileiro com a expressão religiosa orientada pela Igreja

Católica. Aborda o quanto a cultura brasileira se confunde com elaborações

simbólicas dessa matriz religiosa e o quanto o discurso político reflete isso.145

Ao nos concentrarmos na segunda fase – Discursiva – para análise da

retórica política em torno dos evangélicos, pensamos de imediato num conceito da

semiótica: polifonia. Isto porque, conforme expusemos, são muitas as falas, são

muitas as construções simbólicas, são muitos os meios de comunicação, são muitos

os interesses - econômicos, políticos, religiosos - são muitos os estilos discursivos,

são muitas as denominações, enfim, há elementos suficientes para afirmamos que

hoje o que ocorre em termos de participação política das igrejas evangélicas no

Brasil não é tão simples como às vezes fazem parecer acadêmicos e jornalistas.

Existe uma distinção que precisa ser feita. Os discursos de teor político que

surgem dos púlpitos das igrejas e os discursos que circulam pelos meios de

comunicação são diferentes. Imaginar que estas duas fontes geradoras de sentidos

políticos para os evangélicos sempre se complementam e vão na mesma direção é

incorrer no erro. Por certo as empresas de comunicação que analisamos no

capítulo três conhecem o seu potencial religioso e político, sem desconhecer suas

limitações. Leitores, ouvintes e telespectadores são sobre tudo membros de uma

determinada igreja, que por sua vez possui liderança espiritual, que mantém laços

denominacionais com outras comunidades. Se existem acordos religiosos que

redundam em representação política, por outro lado existem desacordos políticos

que causam tensões religiosas.

144THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos meios de comunicação de massa:356-365. 145 AZEVEDO, T. A religião civil brasileira; um instrumento político.

86

A construção simbólica pelas empresas em questão e a linguagem usual

estão longe de serem unívocas, e o motivo é óbvio: o público alvo é pulverizado.

A terceira fase do referêncial metodológico da hermenêutica de profundidade

é a interpretação e re-interpretação. A recepção das mensagens que circulam

através da mídia evangélica ganha interpretações diferenciadas, ou seja, a mídia

evangélica produz e faz circular formas simbólicas, constrói uma mensagem

referida na autoridade da Bíblia e essas vozes são ouvidas com recepções diversas.

Quando tratamos dos interesses políticos das empresas de comunicação,

reconhecemos seu grande poder de convencimento e estabelecimento de vínculos

com seu público, mas não desprezamos o potencial interpretativo deste mesmo

público. Se existem convergências, também existem divergências.

Submetendo o objeto desta pesquisa ao enfoque tríplice proposto por

Thompson,146 ressaltamos que as mensagens são recebidas por um amplo contexto

social onde não se desprezam as categorias gênero, classe, idade, grau de

instrução e localização geográfica. O termo evangélicos incluiu milhares de pessoas

em posições sociais distintas, que têm outras identidades além de serem

evangélicos. Ou seja, as recepções das retóricas políticas são muitas pois o público

é constituído de pessoas que têm dupla pertença: evangélico-operário, evangélico-

empresário, evangélico-sindicalista, evangélico-universitário, evangélico-rural e

evangélico-urbano.

Esse segmento religioso tem feito uso sistemático da mídia. Tanto a mídia

como a religião são reconhecidamente fontes doadoras de sentido para a vida.147

No entanto, não há como conceber que os receptores dessa programação

pentecostal mediada são passivos e acríticos. Não existem apenas um contexto de

146 THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos meios de comunicação de massa: 392. 147 NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:22.

87

recepção, uma instituição com poder de conferir sentido à vida e uma religião

comunicando.

O que fica claro na nossa pesquisa é que num primeiro momento os

evangélicos são tidos como alienados, que minoram o sofrer através das

compensações espirituais, e num outro momento, são considerados como

manipulados por aqueles que detêm o monopólio da comunicação. Seja de uma

forma ou de outra, busca-se desqualificar o desempenho político que é motivado

pelo pertencimento religioso. Sobre isso, Regina Novaes se referiu da seguinte

forma:

O movimento nunca é de mão única. A mídia não uniformiza a sociedade, apagando as diferenças ente as pessoas com experiências e identidades diversas. Ninguém ouve emissões de rádio, ou assiste a programas de televisão, como se fosse uma folha de papel em branco. A idéia de uma mídia toda poderosa traz consigo a preconceituosa pressuposição de que os espaços populares são vazios de relações sociais e totalmente predispostos à manipulação. Os receptores das mensagens fazem escolhas e interpretam o que vêem a partir de sua própria posição de classe, trajetória de vida, experiência religiosa e necessidades do momento.148

Embora nos pareça plausível estas ponderações, ocorre-nos indagar se os

resultados eleitorais não dizem o contrário do que acima foi posto. Isto porque,

nota-se uma crescente participação política de detentores de mandatos, que foram

eleitos pelos chamados votos evangélicos. Camadas da sociedade brasileira se

assustam a cada eleição com o aumento do tamanho da chamada bancada

evangélica. E assim tem sido desde então, a cada formação das Câmaras, contam

os evangélicos eleitos e perguntam o que isso representa.149

Uma coisa é elaborar uma lista de parlamentares que se definem como

evangélicos, outra bem diferente é dizer que foram eleitos somente pela identidade

religiosa. Podem se tornar analiticamente perigosas listas que dizem que os

parlamentares evangélicos já somam em torno de 10% do Parlamento. Se for

148 Idem: 22.

88

discutível estabelecer relações eleitorais com representação religiosa, é de igual

modo complexo afirmar que uma vez tendo a mesma orientação religiosa,

consequentemente terão as mesmas tendências políticas.

Como vimos no capítulo três, existem aqueles que são eleitos fazendo uso

da mídia com uma retórica religiosa para obter resultados políticos. Mas ao que

nos consta, nem todos têm acesso aos meios de comunicação como os deputados

Bispo Rodrigues, Arolde de Oliveira e Francisco Silva. Há aqueles que são eleitos

pelos vínculos comunitários que mantêm direto com as igrejas locais. Acreditamos

que os trabalhos científicos devem primar pelo rigor metodológico antes de afirmar

que pelo simples fato de um parlamentar apresentar-se como evangélico, já está

caracterizado uma relação fisiológica.

Salientamos ainda casos em que a trajetória individual foi marcada por

pertencimentos sociais que viabilizaram a eleição, portanto não foram os votos

evangélicos que propriamente levaram a uma vitória eleitoral. Mas esses políticos

quando indagados em pesquisas sobre seu pertencimento religioso, irão se declarar

evangélicos.

Neste ponto queremos voltar a afirmar que existem muitas denominações

evangélicas, e que o comportamento político é diferente, obedecem as suas

tradições e regulamentos internos. Logo, a recepção das retóricas das mídias

evangélicas é diferenciada.

De fato existem casos comprovados em que os votos recebidos se devem ao

uso de símbolos religiosos e utilização sistemática da mídia, mesmo em período não

eleitoral. Há igrejas que fazem acordos em troca de concessões de rádios e outras

concessões que não são claras, no entanto, é preciso pesquisar os fatos de uma

forma mais detida para que não haja generalizações e equívocos.

149 Para a evolução da participação dos representantes evangélicos na Câmara Federal e no Senado, ver FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment.

89

Um outro aspecto a considerar é que o crescimento de representação política

por parte de evangélicos se explica, em certa medida, pelo crescimento numérico

destes como um todo no Brasil. As proporções crescentes de deputados

evangélicos podem ser comparadas ao crescimento de professores, executivos,

jovens, jornalistas e diaristas evangélicos, portanto o aumento não se restringe ao

Parlamento.

Diante disso, entendemos que a retórica anunciada por rádios, jornais e

empresas que querem atingir os membros das igrejas evangélicas, situa-se em

diversos contextos sociais, e isso ocasiona respostas diversificadas. Apresentamos

estes argumentos para considerar que estamos de acordo com as citações que

fizemos de Regina Novaes, e que os resultados eleitorais não desqualificam tais

posições, conforme expusemos.

Sobre o voto evangélico, que se relaciona com a resposta aos meios de

comunicação destinados a esse público, Novaes desenvolve três pontos. Primeiro:

segmentação constante, lealdades variadas. Isto é, os grupos denominacionais são

muitos, e os vínculos que os indivíduos possuem, não se restringem ao religioso.

Um evangélico pode ter vínculo de lealdade familiar, sindical, de classe, dentre

outros. Segundo: eleições proporcionais, eleições majoritárias. Quando se trata de

uma eleição majoritária a dinâmica política e religiosa muda significativamente,

tanto para o eleitor evangélico quanto para o não evangélico. Neste caso,

aumentam as variáveis que precisam ser analisadas. E em terceiro lugar: “É

evangélico e... o que mais?” Com isto, afirma que o voto de um evangélico se soma

a outras vinculações. Sempre existirão outras variáveis do jogo político que

precisarão ser consideradas.150

150 NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?: 26.

90

Alianças e resultados eleitorais

As eleições de 2002, nos seus primeiros momentos, sugerem o quanto cabe pensar

em polifonia e hermenêutica de profundidade quando está em questão a

participação dos evangélicos nos pleitos eleitorais.

O Partido dos Trabalhadores (PT) constrói uma aliança com o Partido Liberal

(PL). O discurso dos principais defensores da aliança afirma que o PT tem que

entrar no pleito para ganhar, e que para isso é necessário ter alianças. O debate

esteve nos principais veículos de comunicação. O Partido dos Trabalhadores tem

definições ideológicas e programáticas bem claras, daí o estranhamento de muitos

quando se confirmou o alinhamento eleitoral do partido citado. Mas o mais

comentado dessa aliança foi a identidade do PL com a Igreja Universal do Reino de

Deus. Nas articulações partidárias para viabilizar a aliança, uma das figuras de

maior destaque foi o deputado federal bispo Rodrigues (PL-RJ). Demonstrando a

mudança da Igreja em relação ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o bispo

Rodrigues declarou: Não tem mais essa de que o diabo é barbudo e tem quatro

dedos. Esta declaração revela o que foi dito da candidatura Lula nas eleições

anteriores, e a nova disposição da Igreja para as eleições de 2002.151 E o que falar

das bases do Partido dos Trabalhadores? O vice-prefeito de São Paulo, Hélio

Bicudo, lamenta a aliança entre um partido e uma igreja. Afirma que as bases do

partido estariam descontentes com a aliança. Nesta mesma entrevista citam como

militantes do partido As Comunidades Eclesiais de Base. Seriam principalmente

esses que estariam decepcionados com a aliança. Demonstrando sua posição Hélio

Bicudo pergunta: Para chegar ao céu, o PT precisa do diabo?152

Frei Betto, intelectual engajado na chamada Igreja Católica Progressista e

colaborador do Partido dos Trabalhadores, trata do tema da aliança PT-PL

demonstrando o descontentamento de setores da Igreja Católica. Considera que

151 O Globo 22.2.02.

91

isso ocorre por dois motivos: o PL é um partido conservador de direita e está

ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.153

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB se pronunciou sobre a

aliança PT-PL através de seu vice-presidente Dom Marcelo Carvalheira. Considera

um risco a participação da Igreja Universal do Reino de Deus num eventual governo

do Partido dos Trabalhadores e menciona as relações fisiológicas mantidas pela

Igreja Universal especialmente na área das comunicações.154

Na primeira página de O Globo veio estampada a foto do candidato do PSDB

à presidência da República, José Serra, ao lado do candidato do PPB ao senado pelo

Rio de Janeiro, pastor Manoel Ferreira, ambos orando no púlpito da Igreja. O

discurso de José Serra para aproximadamente 2.500 pastores privilegiou a luta

contra o tabagismo e o jogo. Nessa reunião foi oficializado o apoio da Convenção à

candidatura de José Serra. Presente esteve ao evento o deputado Francisco

Dornelles (PPB-RJ), entusiasta da aliança e articulador da candidatura do pastor

Manoel Ferreira.155

Com o título da matéria Garotinho reúne o rebanho evangélico, o Jornal do

Brasil noticiou que diversos representantes denominacionais, num almoço em São

Paulo, expressaram oficialmente apoio à candidatura de Anthony Garotinho e que a

Igreja Universal do Reino de Deus, a despeito da sua ligação com o Partido Liberal,

expressou apoio ao candidato. Outro apoio que pôs em questão compromissos

eleitorais já assumidos, veio da Assembléia de Deus Convenção de Madureira. O

pastor Monoel Ferreira se disse convencido a subir no palanque do PSB.156

Assim como podemos minimizar esses arranjos e alianças dizendo que isso é

política, podemos inferir que essa retórica política-religiosa não está compactada

152 O Globo 22.2.02. 153 O Globo 7.7.02. 154 O Globo 22.2.02. 155 O Globo 4.5.02.

92

nem religiosamente definida, daí a necessidade de acionar conceitos interpretativos

como polifonia e hermenêutica de profundidade para acompanhar tanto o noticiário

da grande imprensa, como da chamada mídia evangélica, neste e nos próximos

períodos eleitorais. Muitas vozes sociais articulam-se, encontram-se e se chocam.

Em período eleitoral os gráficos são divulgados a fim de demonstrar o

potencial do grupo religioso. Parece-nos que as alianças com as igrejas evangélicas

trazem para o centro do debate a quantidade de votos em questão. Isto porque as

Igrejas Evangélicas cresceram e têm um papel fundamental na vida cotidiana dos

seus adeptos. O fenômeno nominal dos evangélicos não é fácil de ser verificado,

por conta do alto índice de participação dos fiéis. Conclui-se que se os coretos das

praças estão esvaziados, dos púlpitos das igrejas evangélicas se alcança um

expressivo número de eleitores. Vejamos a evolução do crescimento dos

evangélicos.

Gráfico

Total de Evangélicos sobre o Total da População

Fontes: IBGE e Serviços de Evangelização para América Latina-Sepal

Importa ressaltar que esses números são significativos em termos políticos.

Em 1990 os evangélicos eram 13,2 milhões. O censo demográfico de 2000 do IBGE

156 Jornal do Brasil 4.7.02.

0%2%4%6%8%

10%12%14%16%

1940 1970 1990 2000

93

revela que os evangélicos são 26,16 milhões.157 Esses números, somados ao

significativo investimento que se faz na mídia, e o circuito de cultos e eventos que

fazem acontecer situam os evangélicos como importantes atores políticos.

O deputado bispo Rodrigues, empenhado em demonstrar poder político,

afirma que a Igreja Universal do Reino de Deus possui 8 milhões de membros, que

em período eleitoral se transformam em eleitores dos candidatos indicados pela

Igreja e, como se não bastasse, transformam-se em militantes ativistas. Segundo

ele, as orientações políticas dos bispos são seguidas à risca por pelo menos 70%

dos membros.158

O fato a destacar é que os números de fiéis e estruturas de comunicação são

postos no contexto de composições políticas. A mídia evangélica pode vir a usar os

números que são divulgados sobre os evangélicos para mostrar a viabilidade do

público consumidor a seus eventuais anunciantes. O mesmo pode ocorrer em

termos políticos. Grupos denominacionais e grupos empresariais ostentam o

reconhecido potencial eleitoral. Talvez prefiram apresentar os evangélicos como um

grupo coeso e obediente às orientações dos seus líderes, conforme a citação acima

de Rodrigues.

A valorização dos evangélicos como atores políticos ocorre também por um

outro processo numérico. Trata-se da apresentação da chamada bancada

evangélica. Mesmo que o parlamentar não tenha sido eleito pelo voto de seus

irmãos de fé, e que por definição não atue num tipo de representação político-

religiosa, se pertence a alguma igreja evangélica passa a figurar na lista que tem

por título bancada evangélica. Vejamos os números desta lista:

157 Censo demográfico IBGE 2000. 158 Jornal do Brasil 29.10.01.

94

Tabela 7

Evangélicos no Congresso Nacional

Legislatura Titulares

1983-1987 12

1987-1991 32

1991-1995 23

1995-1999 30

1999-2003 52

Fonte: Flávio Cesar dos Santos Conrado, Paul Freston e Veja159

Essencialmente esta dissertação afirma que em períodos eleitorais setores

da Igreja Evangélica fazem menção de números, nada desprezíveis, a fim de

demonstrarem força. O mesmo se pode dizer do desempenho parlamentar: a

existência de uma bancada evangélica com 52 votos asseguraria um capital político

respeitável. O que perguntamos é se existe um centro com capacidade de

sintetizar este poder sugerido pelos números. Pierucci recentemente abordou as

estimativas em torno do número de evangélicos no contexto das alianças políticas e

apontou a tendência de superestimação do número de fiéis para se obter peso

político nas negociações.160

Não existem garantias de que os eleitores dentre os 26,16 milhões de

evangélicos componham uma tendência ideológica ou sigam uma liderança. A

159 CONRADO, F. C. S. Cidadãos do Reino de Deus: representações, práticas e estratégias eleitorais. Um estudo da Folha Universal: 23; FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment: 167-196; VEJA, 3.7.02 160 PIERUCCI, A. F. Palestra proferida na 54a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência–SBPC. Folha de São Paulo 10.7.02

95

retórica política que recepcionam vêm de muitas direções, chegam em diversos

contextos e momentos sociais. 161

E contradizendo prognósticos de que o candidato à Presidência da República,

Anthony Garotinho, contará com algo em torno de 90% dos votos dos evangélicos

pelo fato de ser evangélico, o Instituto de Pesquisa DataFolha divulgou números

reveladores no mês de junho de 2002. Os evangélicos não-pentecostais

manifestaram em pesquisa que 38% tinham a intenção de votar em Garotinho,

enquanto que 36%, em Lula. Embora estas reflexões sejam ainda incipientes,

corroboram nossa tese de que as manifestações políticas dos evangélicos não

constituem um bloco. 162

161 O cientista político Marcos Coimbra, diretor do Instituto de Pesquisa Vox Populi, assim se pronunciou a esse respeito: embora o universo da população evangélica tenha aumentado, continua a ser muito heterogênea. Não há sinal de que os evangélicos se comportem de maneira homogênea em questões eleitorais. Jornal do Brasil 3.6.01 162 O Globo 30.6.02

96

Conclusão

Numa experiência democrática onde as instituições dão claros sinais de fragilidade,

um grupo que apresente poder de mobilização e adesão de seus membros, pode vir

a figurar como ameaça. Assistimos no Brasil uma certa desmobilização dos

sindicatos, partidos, associações de bairro e grupos organizados. Em contrapartida,

observamos os templos evangélicos se multiplicarem pelo espaço físico, e o número

de fiéis não parar de crescer. As vozes, amplificadas e levadas bem longe por

empresas de comunicação, têm seus ouvintes como clientes e fiéis. Por estes

canais circulam mensagens evangelísticas e retóricas políticas, articulam-se

símbolos que propõem a identidade de um grupo.

O objetivo que norteou esta pesquisa foi verificar que tipo de projeto político

o viçoso grupo religioso persegue. A resposta que obtivemos foi a inexistência de

um projeto comum. Não há nenhum programa acordado entre igrejas, empresas,

deputados, senadores, governadores e outros evangélicos que de alguma forma

estão na política. O que existe é disputa.

As pessoas e grupos que pleiteiam cargos públicos baseados nos votos

evangélicos estão pulverizados em diversas denominações, igrejas locais,

empresas, partidos políticos, classes sociais e outros vínculos que os põem em

situações diferenciadas. E mesmo aqueles que são eleitos não formam um grupo

coeso pelo fato de serem evangélicos.

O discurso que sustenta a representação político-religiosa está

fundamentado na chamada ética evangélica. Neste ponto os editoriais do deputado

bispo Rodrigues e as intervenções dos deputados Francisco Silva e Arolde de

Oliveira na programação radiofônica se identificam. Este mesmo discurso é

sustentado no desempenho parlamentar: moralidade da coisa pública sem

97

desprezar a moralidade nas questões de foro íntimo.163 A luta comum remete aos

valores. Neste cenário votam juntos sem que precisem necessariamente articular

estratégias. O curioso é que boa parte dos parlamentares que mantêm estreitos

laços com a Igreja Católica também vota nestas questões que remetem a ética

cristã com a chamada bancada evangélica.

Fica evidente a falta de um projeto comum dos representantes políticos

evangélicos por conta dos compromissos eleitorais assumidos. A Igreja Universal

tem os seus candidatos oficiais, vem mantendo uma relação estreita com o Partido

Liberal e apoia a candidatura Lula à presidência. A Rádio Melodia 97,3 FM

representada por seu proprietário, deputado Francisco Silva, quando se trata de

eleições para o legislativo tem suas próprias formulações. Suas relações partidárias

são frágeis e na eleição para presidente faz campanha para o candidato Garotinho.

Por sua vez, o deputado Arolde de Oliveira, proprietário da Radio El Shadai, um dos

líderes do PFL, segue independente de siglas denominacionais, tanto nos períodos

eleitorais como no desempenho parlamentar. Apoia a candidatura de José Serra a

presidência.

Não acreditamos que a retórica política destas três empresas seja acatada

na íntegra, sem apropriações críticas. E mesmo que fosse, são mensagens que

circulam de fontes, emissoras, distintas que orientam para práticas e candidaturas

políticas diferentes. Já que nem todo ouvinte de música gospel das rádios

evangélicas é um eleitor que segue as diretrizes políticas da direção da Rádio,

pensamos no conceito de polifonia para considerar estas muitas relações e estes

variados discursos.

Estas observações corroboram nossa hipótese. Não se sustenta um discurso

político nem prática política comum aos evangélicos como um grupo pretensamente

163 Cabe sempre lembrar que este não é um traço exclusivo dos evangélicos na política, sendo certamente partilhado pelos católicos. O tema de ética na política tem sido um ponto relevante também na identificação, por exemplo, do Partido dos Trabalhadores.

98

homogêneo. Tampouco se observa um projeto político compartilhado pelas igrejas

evangélicas. Os líderes que existem, quando muito, representam uma certa fração

dos evangélicos, não há qualquer registro na história repúblicana brasileira de

alguém que tenha obtido apoio de todo o bloco de igrejas evangélicas.

Surpreendeu-nos ao longo da dissertação a generalização no trato da

grande imprensa, que se apresentaram coerentes às reclamações dos evangélicos

quando se diziam perseguidos, vistos como minoria difusa e, em alguns momentos,

tratados de maneira grotesca. Nosso olhar sobre o noticiário da imprensa no ano

de 2001 nos convenceu, contudo, de que há quem analise este grupo religioso,

tendo em mente sua especificidade e suas diversas denominações. A título de

exemplo, citamos o último capítulo desta dissertação, no qual fizemos breve

incursão na questão das composições eleitorais. O material que utilizamos para

demonstrar que os evangélicos compõem um complexo grupo pulverizado,

subdividido em muitas denominações e que não representam uma unidade em

termos eleitorais, foi colhido nessa grande imprensa pesquisada. Ou seja, embora

exceções, existem coberturas que se distanciam da tendência de conceituar

evangélicos de forma pejorativa e preconceituosa.

Afirmamos que a identidade dos evangélicos brasileiros está referida na

relação com a Igreja Católica. Ou melhor, esta identificação é construída no

contexto da cultura brasileira, de orientação católica na sua formação. Ainda hoje

estão bem presentes no ethos nacional as referências estéticas, litúrgicas e

teológicas. Identificamos desencontros semânticos entre sociedade e alguns

evangélicos, que ganharam visibilidade através de sua participação política, por

conta dos choques culturais.

Observamos o quanto os símbolos dos evangélicos, seus hábitos de cultos,

seus grandes encontros em espaços públicos e seus muitos discursos soaram para

a imprensa que os cobria como ajuntamentos com objetivos políticos-eleitorais. Em

síntese, multidões reunidas com a presença de um político já caracterizariam o uso

99

inadequado da religião. Volta-se para retóricas valorativas ou para juízos de valor

do tipo isso é sincero e aquilo não.

Pareceu-nos uma postura preconceituosa da grande imprensa. Supõem que

os receptores, os evangélicos, são inaptos para formularem os seus julgamentos e

chegarem as suas conclusões. Considerando que os símbolos utilizados — gestos,

textos bíblicos, orações e aparições eclesiásticas — fazem parte da sua tradição

religiosa, consideramos sensato pensar que os políticos que buscam identificação

com o grupo através destes sentidos religiosos são avaliados e julgados tanto em

termos políticos quanto em termos religiosos pelos próprios fiéis.

Contudo, percebe-se também que alguns setores das igrejas evangélicas se

sentem incomodados com a cobertura da mídia, seja ela de caráter religioso

somente, seja no seu aspecto político. Desqualificam as matérias publicadas e

insistem que são uma minoria perseguida pela mídia. Observamos discursos que

usam as críticas da grande imprensa para criar relações de representação, uma vez

que se generalizam as críticas para todo o grupo, quando se está abordando uma

questão apenas ou uma pessoa específica. Mas o comunicador tenta convencer que

as críticas são intrigas contra a igreja. Deparamo-nos com esta articulação

discursiva no Programa A Paz do Senhor de Coração e nas articulações políticas da

Igreja Universal do Reino de Deus para justificar sua participação política.

Admitimos que há entre Igreja Evangélica e sociedade brasileira

distanciamentos culturais consideráveis, o que se torna evidente quando o grupo

religioso adquire visibilidade através do engajamento político. Antes mesmo de

existir construção de imagens, concluímos que há manifestação do imaginário já

construído sobre os evangélicos. Neste caso não se trata do que se vai dizer a

respeito deles, mas o que já se tem construído e concluído a seu respeito.

Apoiados na clássica literatura da ciência política, chegamos à conclusão de

que os discursos dos evangélicos brasileiros não estão auto-referidos e que a

retórica política, freqüentemente, tem como interlocutor a ética cristã. Para a

100

consolidação do Estado moderno foram acionados conceitos da teologia política e

da ciência política, frisando que, mesmo depois da consolidação do Estado Moderno

os diálogos continuaram existindo. Retóricas que afirmaram o conflito entre o

religioso e o político buscaram enfatizar que a política tem as suas próprias regras,

os seus próprios valores, e que não pode se restringir aos valores religiosos. Em

síntese, o conflito remetia aos choques de valores e à ética.

Outra tendência deste debate foi a tentativa de conciliação entre o político e

o religioso. Algumas vezes o político instrumentaliza o religioso com fins políticos,

e outras vezes o religioso adota o político com fins religiosos. Pensamos que as

citações que fizemos de Maquiavel, Hobbes, Bentham e Weber foram

esclarecedoras neste sentido.

Quando observamos hoje a retórica política dialogando com a retórica

religiosa no Brasil identificamos também conflitos de valores. A oferta de

representação política baseada na identidade religiosa afirma um discurso a favor

da ética evangélica, enquanto os eleitores que favorecem a identidade religiosa

sobre todos os outros vínculos sociais revelam o ideal de compartilhar com a

sociedade essa dita ética evangélica. Em contrapartida, um importante segmento

da sociedade brasileira — representada pela grande imprensa nesta dissertação —

recusa a ingerência da religião na política e identifica então conflitos retóricos entre

os campos político e religioso.164

164 Cabe frisar que essa atitude não é exclusiva da imprensa, mas abrange amplos segmentos da sociedade, sendo sem dúvida predominante na academia, porém nossa pesquisa atual foi restrita. Gostaríamos, nas próximas pesquisas, de acompanhar o período eleitoral e analisar em profundidade seus resultados. Quais as grandes mudanças na retórica das igrejas e empresas evangélicas do período regular para o período eleitoral propriamente dito? Seria interessante comparar a cobertura da grande imprensa sobre a relação entre evangélicos e política com a programação da Rádio El Shadai e da Rádio Melodia, bem como dos editoriais do Jornal Folha Universal. Outra modalidade de investigação que nos ocorreu ao longo desta dissertação foi o acompanhamento parlamentar da chamada bancada evangélica. Existe bancada evangélica? Uma nova pesquisa dar-nos-ia condições de aprofundar a relação triangular entre política, religião e ética. As pesquisas acadêmicas são escassas em se tratando do acompanhamento dos políticos evangélicos nas Câmaras municipais, estaduais e federais.

101

Nossa pesquisa nos leva a concluir que, diante das dificuldades de precisar

as fronteiras entre o religioso e o político, a mídia tende a alimentar a polarização

entre Estado laico, de um lado, e a figura de um governante evangélico, do outro.

Há que se considerar ainda a originalidade da situação no caso brasileiro: um

evangélico típico, assíduo aos cultos de sua igreja, com uma linguagem que o

identifica com o grupo de origem e que eventualmente visita outras comunidades

evangélicas, faz uso da palavra para dar depoimento de como se converteu e não

desvincula vida secular da vocação recebida por Deus. Esse tipo de linguagem

religiosa no espaço político causa desconforto num Estado laico e causa estranheza

até mesmo em uma sociedade significativamente orientada pela cultura católica.

102

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