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    A Liberdade Religiosa como Estmulo Migrao |1

    Cadernos OINovembro 2008 | #02

    www.oi.acidi.gov.pt

    A Lib

    erdade Religiosacomo Estmulo Migrao

    Por Paulo Reis Mouro

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    A Liberdade Religiosa como Estmulo Migrao |1

    A Liberdade Religiosa

    como Estmulo Migrao

    Paulo Reis Mouro

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    4/45A Liberdade Religiosa como Estmulo Migrao |3

    Ficha Tcnica

    PROMOTOROBSERVATRIO DA IMIGRAOwww.oi.acidi.gov.pt

    COORDENADOR DO OIPROF. ROBERTO CARNEIRO

    AUTORPAULO REIS MOURO

    [email protected]

    EDIOALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAOE DILOGO INTERCULTURAL (ACIDI, I.P.)Rua lvaro Coutinho,n14 1150-025 LisboaTelefone: (+351) 218106100 Fax: (+351) 218106117E-mail: [email protected]

    DESIGN [email protected]

    PRIMEIRA EDIO1000 EXEMPLARES

    ISBN978-989-8000-74-3

    DEPSITO LEGAL??

    LISBOA, NOVEMBRO 2008

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    ndiceAgradecimentos..............................................................................................................................................................................................5Prefcio............................................................................................................................................................................................................6

    1. Introduo .................... ....................... ...................... ....................... ....................... ....................... ....................... ....................... ...... 102. Razes para o desenvolvimento de um ndice de Liberdade Religiosa .................... ...................... ....................... ................... 113. Uma base terica ...................... ....................... ....................... ....................... ...................... ....................... ....................... .............. 134. Variveis e fontes dos dados ...................... ....................... ....................... ....................... ...................... ....................... .................. 155. Metodologia e Resultados Prvios .................... ....................... ...................... ....................... ....................... ....................... .......... 166. Robustez com a realidade scio-econmica ...................... ....................... ...................... ....................... ....................... .............. 197. O ndice de Liberdade Religiosa..................... ....................... ....................... ...................... ....................... ....................... ............. 208. A Liberdade Religiosa e a Imigrao Portuguesa ..................... ....................... ....................... ....................... ....................... ..... 23

    8.1. Trabalho emprico ....................... ...................... ....................... ....................... ....................... ....................... ....................... ..... 23

    8.1.1. Reviso da literatura sobre os determinantes da imigrao, classicao por pases acolhedorese hipteses deste trabalho ...................... ....................... ....................... ...................... ....................... ....................... ......... 238.1.2. Dados e modelo emprico ...................... ...................... ....................... ....................... ....................... ....................... . 258.1.3. Resultados ....................................................................................................................................................................27

    8.2 Para uma avaliao de Portugal enquanto pas de refgio ..................... ....................... ....................... ....................... ..... 299. Concluso ..................................................................................................................................................................................................3310. Recomendaes para polticas pblicas..................... ....................... ...................... ....................... ....................... ....................... ..... 34Referncias Bibliogrcas ....................... ....................... ....................... ....................... ...................... ....................... ....................... ......... 36Anexo .................... ....................... ....................... ....................... ...................... ....................... ....................... ....................... ....................... . 39

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    Agradecimentos

    O autor reconhece as sugestes deixadas pela Coordenao do Observatrio da Imigrao/ACIDI relativamente a uma verso

    prvia deste Relatrio, assim como as sugestes dos participantes no Workshop Peregrinos ou Nmadas a LiberdadeReligiosa como estmulo migrao, decorrido em Lisboa, em 15/07/2008, nomeadamente, o Dr. Paulo Mendes Pinto, oDr. Jos Carlos Lima, o Dr. Jos Mapril , o Dr. Pedro Soares, a Dr Camila Cardoso Ferreira, e o Dr. Jos Manuel Martins.O autor-proponente reconhece, adicionalmente, a qualidade da colaborao prestada pelo Dr. Joaquim dos Santos Teixeiraneste Projecto.

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    Prefcio

    There is no international agreed legal denition of the notion ofminority.Conselho da Europa, White paper on Intercutural Dialogue, 2008, p. 11.

    1. Religies e Migraes

    Inspirada numa viso neo-positivista, grande parte da Europa habituou-se a olhar para o fenmeno religioso, para o mundodas religies, como um aspecto que tendencialmente seria reduzido a para um campo privado em detrimento da esfera p-

    blica. No fundo, um equacionar da funo social das religies que quase as relegava para a piedade pessoa, sem justicaode polticas em termos nacionais.

    As sociedades que seguiram princpios e prticas de liberdade religiosa fundadas numa viso, no laica da sociedade, maslaicista das suas instituies, tm sido obrigadas a repensar os dispositivos de relacionamento como universo das religies.

    Cada vez mais os grupos humanos procuram na religio formas de pertena, de armao espiritual, de comprometimentosocial. A ideia de que as religies desapareceriam ou, pelo menos, tal aconteceria em directa proporo com o esclareci-mento tem cado por terra.

    Dentro deste fenmeno de regresso do sagrado, se bem que no em sentido exclusivo, as migraes ocupam um lugarcom problemas de complexa resoluo. O trabalho que aqui se edita vai ao centro da relao entre estas problemticas e anecessidade de adquirir instrumentos que facilitem aos decisores uma opo sustentada.

    De facto, os fenmenos migratrios tm sido signicativamente estudados por diversas disciplinas das Cincias Sociais eHumanas, estando os seus uxos conhecidos e algumas das ss implicaes estabelecidas. O problema face aos trabalhosacadmicos e dos grupos e organizaes no terreno reside, muitas vezes, na tomada de deciso.

    O caso das religies, neste quadro de movimentos populacionais, remete-nos para problemas de maior complexidade ainda.De que forma, a identidade e a prtica religiosa, quer de migrantes, quer das populaes de acolhimento, pode fomentar ouinibir esses uxos, essa mirade de opes individuais que se traduzem em milhares de indivduos a movimentarem-se comas suas expectativas?

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    2. Religio, Laicidade e Migrao

    O problema de uma grande complexidade porque nos faz ir ao encontro das j referidas expectativas individuais, mas tam-bm das identidades dos grupos. A opo pelo destino de migrao no se encontra apenas numa anlise fria e distante, noncleo familiar em que se faz a aposta de futuro. Muitas das conversas resultantes da sociabilizao local conduzem a uma

    opo que, regra geral, segue dominantes ou modas (em sentido estatstico) mais que conversas, hoje, muitas das opesde migrao so tomadas por indicao recebida por e-mails gerados por conhecidos ou compatriotas j no pas de destino.

    O quadro dos aspectos que individualmente so tomados em conta na deciso da migrao no nos merece aqui espaoalgum. Contudo, os que se xam na identidade colectiva integram as questes religiosas com uma intensidade por vezesessencial e, mesmo, essencialista. Esses aspectos so, no esquecer, os que determinam muitas das opes cimentadas nasindicaes de conhecidos ou familiares j migrados.

    E aqui, nos aspectos de religiosidade, surgem dados da maior importncia. Por exemplo, clara a diferena de armao dos

    grupos religiosos entre comunidades brasileiras e de pases do leste europeu. As primeiras, organizam rapidamente igrejas,especialmente evanglicas; as segundas, demoraram vrios anos at comearem a organizar igrejas ortodoxas, necessitan-do, muitas das vezes, do apoio da Igreja Catlica, sendo ainda hoje muito fraca a malha de instituies, mesmo informais, deculto cristo ortodoxo.

    A razo, se bem que no explicativa de todo o fenmeno, onde a lngua ter um lugar de peso, pode centrar-se no facto de unsvirem de pases onde, durante dezenas de anos, a Liberdade Religiosa no foi uma garantia, vindo eles de sociedades muitomais laicistas. Esse factor, a liberdade de organizao religiosa, desapareceu do seu horizonte de aspectos essenciais, noos transportando para um quadro de opo. Assim, ao chegarem a uma terra estrangeira, no se organizam to rapidamenteem estruturas religiosas.

    Contudo, nem num, nem noutro caso, a tradio da liberdade da prtica religiosa nos pases de origem foi determinante nainibio da migrao, antes pelo contrrio. O importante aqui olhar para a Liberdade Religiosa no pas de acolhimento. Deque forma, sendo Portugal um pas de liberdade religiosa, fomenta a sua busca como destino de migrao?

    3. O Comparatismo e a criao de ndices

    A pesquisa em torno da realizao e da aferio de ndices de uma mais valia muito importante na dinmica da tomada deposio. O Comparatismo, como ferramenta de trabalho, nasceu aqui num sentido actual, apesar de municiado com muitosproblemas de mtodo que, contudo, no invalidam o seu uso.

    Realmente, a comparao entre realidades muitas vezes distantes no espao e enraizadas em culturas brutalmente diferen-tes, pode ser falha em muitos aspectos e frgil nos seus enunciados. Mas a recolha de aspectos variados para a realizaode ndices procura uma abordagem menos eurocentrada e mais vel nos valores a que chega.

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    Para alm das vises slidas teoricamente, mas pouco operativas em termos de respostas a dar no terreno, a criao dendices revela realidades mensurveis que, vindas de um mundo estatstico e de aproximao, so detentoras de um poderde sntese tremendo.

    Nenhum valor obtido por um ndice se pode armar como a nica forma de entender um fenmeno, mas a sua dimenso de

    comparao global uma ferramenta a que no podemos deixar de dar lugar. Mais, pode ser, muitas vezes, a nica forma deatingir objectivos de assertividade e de concisa compreenso de um fenmeno.

    Estranhamente, para quem elabora e labora nas Cincias Sociais e Humanas, os nmeros surgem aqui despidos da exactidoa com que nos habitumos a entend-los. Um ndice , sobretudo, uma aproximao e uma tentativa de sntese, uma abstrac-o relativizante de vrios aspectos que, todos reunidos e ponderados, suscitam um valor de leitura de uma realidade.

    Um ndice surge, desta maneira, como uma ferramenta para outros estudos e para avanos mais objectivos, partindo-se deuma realidade signicativamente subjectiva. E subjectiva porque resultante de opes e de uma grelha de leitura que ditou a

    opo por aspectos tidos em conta, por oposio a outros menos valorizados.

    Resultado de uma pr-leitura do fenmeno, o ndice um olhar j comprometido com uma denio do objecto que se estuda.Deciso complexa, nada aleatria, e de grande responsabilidade, a escolha dos valores a ter em conta na construo de umndice um risco que deve resultar de uma sustentada e independente postura face ao objecto estudado.

    4. O ndice de Liberdade Religiosa

    O caso aqui apresentado, conduz-nos a um ndice da Liberdade Religiosa. Trata-se de uma importante concretizao nopanorama cientco nacional, resultado de uma grande capacidade criativa e de slida abordagem ao problema da LiberdadeReligiosa.

    O grande valor deste trabalho , exactamente, a concretizao, julgamos que indita, de um critrio resultante em ndice paraesse complexo campo que o da Liberdade Religiosa. Subjectiva por natureza, a Liberdade Religiosa foi enquadrada por di-versos factores coadjuvantes ou de contexto, passveis de traduzirem a prtica dessa liberdade em valores mensurveis.

    Resultante de uma grelha de opes do grupo de trabalho, nomeadamente do coordenador do projecto, Paulo Reis Mouro,este ndice tem uma forte componente de diversicao dos aspectos tidos em conta, validando-se a amplitude da sua apli-cao.

    de realar, no actual contexto em que as movimentaes de populaes tanto implicam em termos de policiamento dassociedades, que este trabalho aqui apresentado de uma valia tremenda ao fornecer aos decisores uma primeira ferramentaque traduz em valores concretos realidades altamente subjectivas.

    Os resultados da aplicao desse ndice, aqui sob a forma de uma anlise aos pases com maiores uxos migratrios paraPortugal, reveste-se, contudo, de fraco grau de novidade os aspectos tidos em conta para a criao do ndice j remetiam,em s, os valores nais.

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    A anao dos critrios a ter em conta na grelha de preparao do ndice dever ir ao encontro de uma mais na compreensodas realidades de cada local de origem. Mas, algumas anaes so j plenamente visveis, podendo ns fazer o cruzamentocom os valores de migrantes contabilizados pelos servios prprios.

    Sem dvida, estamos perante uma arrojada construo terica. O seu interesse por demais claro, sendo, quer a migrao,

    quer a Liberdade Religiosa, um campo de tenso social e poltica da actualidade.

    O uso deste instrumento, tal como aqui apresentado, j de um valor importante. A sua futura anao, inevitvel, no porfalha da sua formulao, mas por necessria maturao e vericao, em nada lhe retira mrito e funcionalidades.

    O uso sistemtico deste ndice dever possibilitar aos decisores nacionais e internacionais e s comunidades cientcas umimportante avano na compreenso destes dois fenmenos, nomeadamente o da Liberdade Religiosa.

    Paulo Mendes PintoPresidente da Associao Portuguesa para o Estudo das Religies

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    1. Introduo

    O direito a professar, quer em privado quer em pblico, crenas de teor religioso, assim como a celebrar rituais associados,passa por ser um direito inalienvel nas actuais sociedades democrticas ocidentais.

    No entanto, escusado ser declarar que nem sempre foi assim. E, sem suspeio, que ainda hoje esse direito no comun-gado por todos os homens e mulheres do mundo.

    Esse direito, que se desenvolver nos captulos seguintes, pode ser identicado com o direito Liberdade Religiosa, quediversos autores identicam como o ponto principal da escala de direitos dos cidados, na medida em que reecte o respeitopor outros direitos, ainda mais primrios, como o direito vida, expresso e ao agrupamento. Pelo contrrio, situaes de

    delapidao deste direito Liberdade Religiosa reectem uma degradao do respeito pelos outros direitos e pelas outrasliberdades.

    Por sua vez, situaes de degradao da Liberdade Religiosa, em no raros momentos, conduzem a autnticos xodos doslocais infractores, motivando signicativos movimentos migratrios no sentido nal de espaos acolhedores ou no-repres-sores das crenas destes nmadas-peregrinos, como recordado por Bento XVI (2008):

    Em no poucos casos, a violncia caracteriza os relacionamentos entre os indivduos e os povos; a pobreza oprime milhesde habitantes; as discriminaes e s vezes at as perseguies por motivos raciais, culturais e religiosos impelem numero-sas pessoas a escapar dos seus pases para procurar refgio e salvaguarda alhures.

    Este trabalho assim pioneiro em dois aspectos. Em primeiro lugar, visa a construo de um ndice aferidor da qualidadede Liberdade Religiosa para a quase totalidade dos pases do mundo, observados desde 1999. Por outro lado, vai permitir aconstruo de uma base de dados que suporte um estudo que reicta at que ponto as populaes imigradas em Portugal sedeslocaram por motivos religiosos, sobretudo de fuga a perseguies dos locais de origem.

    Assim, a estrutura deste cadernoA Liberdade Religiosa como estmulo migrao a seguinte: no segundo captulo apontar-

    se-o as razes preponderantes para o estudo da Liberdade Religiosa com recurso a um ndice que agrega as diversas di-menses. Nos captulos 3 e 4, vai ser discutida a Base Terica, subjacente assim como a listagem das variveis usadas e asfontes interpeladas. No Captulo seguinte, ser com a brevidade possvel, enunciada a Metodologia conveniente a ser seguida.O captulo 6 discutir a robustez do ndice, enquanto que o stimo possibilitar alguns comentrios relativos distribuiogeogrca dos valores do ndice e sua variabilidade temporal. Posteriormente sero apresentados os resultados empricosalcanados utilizando o ndice de Liberdade Religiosa como uma varivel explicativa da imigrao portuguesa, pormenorizadodepois na sub-amostra de cidados emitentes de pedidos de asilo e de pedidos para autorizao de residncia. Finalmentesero apresentadas algumas concluses, bem como Recomendaes para polticas pblicas derivadas deste trabalho.

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    2. Razes para o desenvolvimentode um ndice de Liberdade Religiosa

    Para l das tradicionais dimenses apontadas enquanto responsveis pelos movimentos migratrios (sobretudo de teor eco-nmico), subjazem motivos alternativos que podem explicar estes movimentos.

    Alguns destes motivos localizam-se na esfera das liberdades de cidadania que, sendo sonegadas, motivam o afastamento doslocais de infraco. Uma dessas liberdades a denominada Liberdade Religiosa que, at ao momento, no foi testada comovarivel explicativa do valor e da composio da imigrao em Portugal.

    O presente trabalho insere-se, assim, num esforo de testar a responsabilidade da Liberdade Religiosa enquanto factor jus-ticativo do volume migratrio com destino em Portugal e da sua composio.

    Para o efeito, focar, nesta etapa, a construo de um ndice de Liberdade Religiosa, discuti-lo- em termos de robustezestatstica e em termos de informao veiculada.

    Um ndice desta natureza apresenta vantagens claras na anlise macro (econmica e sociolgica) dos pases e dos indivdu-os mas, no entanto, obriga a um esforo mais concreto quando se pretende aferir o padro de Liberdade Religiosa de cadaindivduo e das comunidades, numa perspectiva micro.

    Se, pois, a um nvel macro, o ndice vai produzir valores originais (em termos de literatura actual) que possam ser usados noconfronto com outras dimenses de anlise dos fenmenos, j a um nvel micro esta produo deve ser perspectivada numaviso de referncia e de complementaridade com resultados de trabalhos efectuados junto das comunidades que, tendo porobjectivo a sua monitorizao, possam constituir-se como observatrios do respeito efectivo pelas dimenses dos direitoshumanos. Regressar-se- a esta questo no Captulo 10, relativo s recomendaes imanadas deste documento.

    Reconhece-se, pois, desde j, que o fenmeno da Liberdade Religiosa em redor do globo um fenmeno, intrinsecamente,

    complexo. A sua complexidade deriva, desde logo, da complexidade conceptual de Liberdade Religiosa na forma como hoje debatida1. Os trabalhos das diversas instituies que se tm debruado sobre o tema, como The Ofce of International ReligiousFreedom ou International Coalition for Religious Freedom, no so convergentes na denio nal de Liberdade Religiosa,apesar de reconhecerem como basilar a denio sugerida pela Declarao Universal dos Direitos do Homem. Esta Decla-rao, na verso de 1948, no Artigo 18, estipula que Todo o homem tem direito liberdade de pensamento, conscincia ereligio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a liberdade de manifestar essa religio ou crena, peloensino, pela prtica, pelo culto e pela observncia, isolada ou colectivamente, em pblico ou em particular.

    1 Na esteira de Soriano (2004), teria sido Tertuliano o pai da expresso Liberdade Religiosa, ao utiliz-la na obraApologia, em que denuncia as violncias (pblicas e privadas)perpetradas sobre os cristos romanos do sculo II. Confirmar em Tertuliano (2002: 357). Para uma viso cronolgica, sugerem-se as obras de Noonan e Gaffney (2001) ouDavis (2006). Noonan e Gaffney (2001) debruam-se sobre as razes mais remotas da Liberdade Religiosa e Davis (2006) reflecte sobre a perspectiva recente da histria daLiberdade Religiosa.

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    Assim, neste trabalho, o conceito de Liberdade Religiosa relaciona-se com a efectividade do direito dos indivduos e seusagrupamentos em professar, quer em privado quer em pblico, as suas crenas, tradies, rituais e cerimoniais de teor re-ligioso, teolgico e metafsico. O conceito de Liberdade Religiosa distancia-se assim do conceito de tolerncia religiosa namedida em que est subjacente neste ltimo a no-represso pblica da prtica privada de uma religio por parte de seusseguidores, mas no est explcita a sua aceitao pblica2.

    Nos casos de complexidade conceptual e fenomenolgica, diversos autores das Cincias Sociais sugerem a construo dendices que permitam uma leitura combinada sobre as diferentes dimenses do objecto analisado, nomeadamente, Kaufmann,Kraay e Zoido-Lobatn (1999), Nardo et al. (2005) ou Mouro (2005).

    Kaufmann, Kraay e Zoido-Lobatn (1999) reconhecem que indicadores agregados so extremamente sugestivos pois per-mitem a ordenao dos pases e o seu agrupamento de acordo com nveis de desempenho econmico-social, permitindo,adicionalmente, o estudo das causas e consequncias dos movimentos sociais numa amplitude mais signicativa.

    Nardo et al. (2005) tambm reconhecem que ndices, enquanto indicadores compostos, providenciam comparaes interna-cionais que podem ser utilizadas para ilustrar objectos complexos e muitas vezes de difcil compreenso na sua composio.Para um pblico lato, estes indicadores so muitas vezes de mais fcil leitura do que o recurso anlise de variveis isoladasalm de, actualmente, a criao de ndices se agurar incontornvel na referenciao do desempenho das naes nas maisdiversas dimenses sociais e econmicas.

    Finalmente, Mouro (2005) descreve como o recurso a ndices analticos melhor para a envolvncia dos fenmenos econ-micos e sociais do que a anlise das componentes individualizadas. O trabalho com ndices evita, adicionalmente, a introduode variveis redundantes nos modelos economtricos, reduzindo a gravidade do problema da perda de graus de liberdade.

    Um grupo alternativo de autores coloca em evidncia a ecincia da anlise atravs de indicadores compostos face anlisede variveis individualizadas (Alesina et al., 1996; Kaufmann, Kraay and Zoido-Lobatn, 1999; Hameed, 2005; Bernoth e Wolff,2006; Alt e Lassen, 2006).

    Alesina et al. (1996) debruaram-se sobre os pases latino-americanos e as suas prticas scais. Kaufmann, Kraay e Zoido-Lobatn (1999) estudaram a efectividade democrtica de mais de 160 pases. Hameed (2005), focando essencialmente ospases da OCDE, analisou o fenmeno da transparncia das prticas governativas. Por sua vez, Bernoth e Wolff (2006) e Alt

    e Lassen (2006) analisaram em especial o universo das naes mais industrializadas nas dimenses de envolvncia doscidados nos processos democrticos.

    Na generalidade, estes autores, debruando-se sobre a qualidade das liberdades constitucionalmente consignadas, tambmrecorrem a ndices no sentido de melhor avaliarem o desempenho de diversos grupos de pases na complexidade das dimen-ses analisadas.

    2 Confirmar, entre outros, http://www.mindspring.com/~careyb/rf_defn.html ou Azevedo (1998).

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    3. Uma base terica

    De acordo com o disposto na seco anterior, tambm Manning, Kraan e Malinska (2006) argumentam que indicadores agre-gados apresentam vantagens substanciais. Em primeiro lugar, permitem o alargamento do conjunto de pases que podem serestudados. Em segundo lugar, oferecem medidas mais precisas de inferncia sobre a realidade complexa do que a anlisede dimenses isoladas. Em terceiro lugar, permitem a discusso de hipteses formais tendo em considerao as diferenasentre os pases. No entanto, estes autores reconhecem, adicionalmente, que o problema principal nestes processos de agre-gao a necessidade de construo de um suporte terico slido.

    Assim, esta seco tenta destacar a profunda complexidade subjacente questo da Liberdade Religiosa enquanto resul-tado do respeito pelas liberdades primrias individuais e dos grupos e tambm como impulsionador de movimentos sociais

    a uma escala global.

    Desta feita, o conceito abstracto de Liberdade Religiosa envolver dimenses necessariamente polticas, sociais e econ-micas, na medida em que secundando diversos autores, a Liberdade Religiosa congura-se como o znite das liberdadesconstitucionais: a presena de uma efectiva Liberdade Religiosa concretiza a efectividade das restantes liberdades indivi-duais e dos grupos; pelo contrrio, a ausncia de uma efectiva Liberdade Religiosa exprime lacunas graves na observnciade dimenses alternativas das liberdades de suporte, quer sejam de natureza poltica, econmica ou social (Paldam, 1999).Ren Girard, citado por Figueiredo (2008), esclarece ainda: O apocalipse no a violncia de Deus como crem os funda-mentalistas, a extremao da violncia humana. S um novo racionalismo que integre a dimenso religiosa do homem pode

    ajudar-nos a enfrentar esta nova situao.

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia-Geral das Naes Unidas em 1948,consagra que toda a pessoa tem direito liberdade de pensamento, de conscincia e de religio; este direito implica a liberdadede mudar de religio ou de convico3, assim como a liberdade de manifestar a religio ou convico, sozinho ou em comum, tantoem pblico como em privado, pelo ensino, pela prtica, pelo culto e pelos ritos4,5 e impede qualquer Estado () de se entregar aalguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades6 enunciados na declarao.

    Este direito reforado pelo art. 2 da Dignitatis Humanae, proclamado pelo Conclio Vaticano II, que consagra que todos oshomens devemestar livres de coao, quer por parte dos indivduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer outra autoridade hu-mana; e de tal modo que em matria religiosa, ningum seja forado a agir contra a prpria conscincia, nem impedido de proceder

    segundo a mesma, em privado e em publico, s ou associado com outros, dentro dos devidos limites7.

    3 Observao da possibilidade de converso voluntria individual e do grupo (pelo aspecto positivo) e Observao de converses religiosas coercivas (no aspecto negativo).4 Observao de Restries de direitos sociais e/ou Observao de prises por blasfmia e/ou prtica de culto alternativo ao da maioria da populao ou culto alternativo aoculto oficial (no aspecto negativo).5 Art. 18 da Declarao Universal dos Direitos do Homem.6 Art. 30 da Declarao Universal dos Direitos do Homem7 Ainda recentemente, o Papa Bento XVI (9/1/2006) sublinhava a importncia da Liberdade Religiosa nas sociedades, na Mensagem ao Corpo Diplomtico: Os direitos humanosfundamentais so os mesmos em todas as latitudes; e entre eles, um lugar de primeiro plano deve ser reconhecido ao direito liberdade religiosa, porque diz respeito relaohumana mais importante, relao com Deus.

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    Com base nestas declaraes, grande parte das Naes consagra a Liberdade Religiosa, a possibilidade de os indivduospraticarem livremente as suas convices, mudar de f ou divulgar as suas crenas religiosas com a garantia que no po-dero ser penalizados nem discriminados. reconhecida igualmente a separao do Estado e da religio nas Constituiesnacionais, impedindo os governos de interferir no exerccio da Liberdade Religiosa, agindo somente quando a seguranapublica ameaada.

    De igual forma os Relatrios Anuais sobre a Liberdade Religiosa Internacional elaborados pelo Departamento de Estado dosEstados Unidos da Amrica, identicam vrios tipos de abusos contra a Liberdade Religiosa: a existncia de regimes totali-trios e autoritrios que procuram controlar o pensamento e a Liberdade Religiosa8; a discriminao de minorias religiosas,cujos membros so intimidados, forados a abandonar o pas ou a renegar a sua f9; e legislaes e polticas discriminatriasque favorecem as religies maioritrias.

    Alon e Chase (2005), autores do artigo Religious Freedom and Economic Prosperity, procuram demonstrar de que forma asvariaes do Produto Interno Bruto per capita podem ser explicadas pela Liberdade Religiosa. Consideram que a liberdade

    um fenmeno multidimensional, no qual os factores econmicos, polticos e sociais esto relacionados entre si mas noexibem uma correspondncia perfeita. De acordo com os autores, a Liberdade Religiosa inclui a liberdade de praticar ascrenas, a liberdade de expresso religiosa, a liberdade da imprensa religiosa, a no existncia de perseguies religiosas e aliberdade das organizaes religiosas. A supresso destes direitos afecta as relaes comerciais, as relaes polticas entreos pases e os sentimentos dos consumidores.

    Grim (2008), por sua vez, relaciona a Liberdade Religiosa com o bem-estar das sociedades (ao nvel econmico e ao nveldo estatuto social da mulher). Empiricamente admite-se que a restrio da Liberdade Religiosa est correlacionada com adeteriorao do bem-estar e com conitos sociais. Como dimenses explicativas da restrio religiosa o autor observou a

    regulao restritiva da religio por parte do governo, a regulao social da religio e o favorecimento de um nmero limitadode grupos por parte do governo.

    Na sequncia de todos estes estudos citados (Paldam, 1999; Smith, 2004; Soriano, 2004; Davis, 2006), existem treze dimen-ses incontornveis na auscultao da Liberdade Religiosa (9 de carcter negativo, cuja presena restringe gravemente aLiberdade Religiosa, indiciados por [-], e 4 de carcter positivo e de interpretao simtrica):

    Censura e sanes judiciais [-];a)Restries de direitos sociais [-];b)

    Expresso constitucional da separao do Estado de consses religiosas (assuno de um Estado laico) [+];c) Observao de entraves institucionais ao exerccio da Liberdade Religiosa [-];d)ndice do Nvel de Democracia [+];e)Observao de homicdios por motivos religiosos [-];f)ndice de Igualdade de Oportunidades dos Gneros [+];g)Observao de perseguies por motivos religiosos [-];h)

    8 Como censura e sanes judiciais.

    9 Observao de perseguies por motivos religiosos, Observao de prises de profissionais da Comunicao Social por motivos religiosos, e Observao de homicdios pormotivos religiosos.

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    Observao de prises por blasfmia e/ou prtica de culto alternativo ao da maioria da populao ou culto alter-i)nativo ao culto ocial [-];Observao de prises de prossionais da Comunicao Social por motivos religiosos [-];j)Observao de despedimentos prossionais por motivos religiosos [-];k)Observao da possibilidade de converso voluntria individual e do grupo [+];l)

    Observao de converses religiosas coercivas [-].m)

    Para facilitar a ilustrao dos fenmenos compreendidos por cada dimenso, surge em Apndice A (disponvel na versodigital do documento no site www.oi.acidi.gov.pt) um desenvolvimento da anterior listagem.

    4. Variveis e fontes dos dados

    Aps a identicao da base terica, segue-se o momento para encontrar variveis e respectivas fontes. A Tabela 1 providen-cia uma sntese dessa aco. Como observado na seco anterior, as 13 dimenses de anlise da Liberdade Religiosa foramconsideradas em observao do uso na literatura temtica, da relevncia analtica, da mensurabilidade, da cobertura doscasos e da mtua relao entre si. Os dados cobrem assim mais de 200 pases/unidades territoriais administrativas10 paraum perodo compreendido entre 1998 e 2006, por disponibilidade das fontes.

    Tabela 1 Dimenses de Liberdade Religiosa e Fontes

    Dimenses estudadas Fontes (1998-2006)

    a) censura e sanes judiciais [-]; Relatrios FAIS

    b) restries de direitos sociais [-]; Relatrios FAIS

    c) expresso constitucional da separao do Estado de consses religiosas (assuno deum Estado laico) [+]; Relatrios FAIS

    d) Observao de entraves institucionais ao exerccio da Liberdade Religiosa [-]; Relatrios FAIS

    e) ndice do Nvel de Democracia [+]; Kaufmann, Kraay e Mastruzzi, 2006

    f) Observao de homicdios por motivos religiosos [-]; Relatrios FAIS

    g) ndice de Igualdade de Oportunidades dos Gneros [+]; The State of Worlds Children, 2006

    h) Observao de perseguies por motivos religiosos [-]; Relatrios FAIS

    i) Observao de prises por blasfmia e/ou prtica de culto alternativo ao da maioria dapopulao ou culto alternativo ao culto ocial [-]; Relatrios FAIS

    j) Observao de prises de prossionais da Comunicao Social por motivos religiosos [-]; Relatrios FAIS

    k) Observao de despedimentos prossionais por motivos religiosos [-]; Relatr ios FAIS

    l) Observao da possibilidade de converso voluntria individual e do grupo [+]; Relatrios FAIS

    m) Observao de converses religiosas coercivas [-]. Relatrios FAIS

    10 ver Anexo Tabela A1, que oferece uma listagem deste conjunto estudado.

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    As fontes principais de anlise do perl de Liberdade Religiosa a nvel mundial, neste trabalho, so os relatrios da organi-zao religiosa catlica Fundao Ajuda Igreja que Sofre (FAIS). As razes desta escolha so razes robustas. Por um lado,os relatrios anuais da FAIS compilam a informao de diversas fontes secundrias e parcelares (focadas em determinadaspartes do globo), permitindo uma leitura conjunta dos pases, robustecendo os padres comparativos. Em segundo lugar, osrelatrios tm uma actualizao anual, o que oferece vantagens sobre revises menos frequentes associadas a entidades

    compiladoras alternativas como International Religious Freedom ou Religious Freedom World Report. Por ltimo, ainda que anatureza da organizao obrigue a esforos adicionais de reviso, na medida em que poderiam apresentar um enfoque bviosobre as realidades afectas s comunidades crists (e catlicas, em particular), os Relatrios da FAIS so construdos comacesso a um elenco alargado de fontes de informao de natureza poltica, religiosa e geogrca muito diversicada, o quecontribui para uma minimizao desse enviesamento idiossincrtico.

    As restantes fontes deste trabalho de construo do ndice de Liberdade Religiosa so Kaufmann, Kraay e Mastruzzi (2006)e The State of Worlds Children (2006). A primeira destas fontes oferece o conjunto avaliador Aggregate Governance Indi-cators, muito citado na literatura das Cincias Sociais, pela possibilidade de inferncia sobre a qualidade governativa dos

    pases. A segunda fonte um relatrio da UNICEF que oferece, adicionalmente s condies socio-econmicas das crianasem redor do globo, indicadores precisos de discriminao das oportunidades enfrentadas pelos gneros.

    5. Metodologia e Resultados Prvios

    Dada a diversidade de situaes inerentes a cada dimenso (observar as seces anteriores), o mtodo mais robusto deidenticao assume a associao de uma proxyque toma o valor de 0 sempre que se vericou algum registo negativo emdeterminado pas e em determinado ano, de acordo com as fontes apresentadas, ou ento 1, na ausncia de informao nessesentido11. O uso de variveis dicotmicas muito frequente na anlise estatstica e, devidamente compreendido, possibilitauma ilustrao dos fenmenos sociais com diversas magnitudes. Problemas como erros de avaliao dos fenmenos oufalhas de informao (ausncia de dados ou informao enviesada) so minimizados pela aplicao dos mtodos de trata-mento mais convenientes, nomeadamente, a combinao de diversas variveis em ndices compostos que tendem a reduziros desvios de cada varivel considerada isoladamente. Obviamente, este tipo de identicao assume com igual valor aocorrncia, por exemplo, de 1 priso por motivos religiosos ou de 100 detenes pelo mesmo motivo. Se, partida, o segun-do valor (100 detenes por motivos religiosos) assume uma gravidade maior enquanto restrio Liberdade Religiosa, noentanto, a identicao dicotmica aqui seguida prefervel quando se atende natureza dos dados e das fontes, que nemsempre identicam claramente o nmero de cidados envolvidos em ocorrncias aferidoras de respeito e desrespeito pelaLiberdade Religiosa. Assim, na esteira de autores como Nardo et al. (2005), seguiu-se este mtodo de indiciao de valorpara cada uma das variveis qualitativas (todas as variveis da Tabela 1, excepto as variveis quantitativas ndice do Nvel deDemocracia e ndice de Igualdade de Oportunidades dos Gneros). Todas as variveis so posteriormente normalizadasusando o percentil de cada observao no conjunto espcio-temporal da varivel. O resultado nal ser um ndice que aferir,eminentemente, a qualidade da diversidade de agravos sobre a Liberdade Religiosa: pases com valores mais baixos do ndice

    so pases que revelam uma grande diversidade de agravos enquanto que pases com valores mais elevados reectem casosde pouca frequncia e pouca variabilidade dimensional de ocorrncias infractoras.

    11 Dado que pretendemos aferir o nvel de Liberdade Religiosa optou-se por premiar as situaes de no-ocorrncia de factos redutores deste direito. Assim, a no-verificaode agravos recebeu o valor de 1 enquanto, pelo contrrio, a ocorrncia de situaes de desrespeito foi sinalizada com 0.

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    Em termos metodolgicos, procedeu-se aplicao de um mtodo derivado da classe de mtodos que aplicam a convencio-nal Anlise das Componentes Principais, neste caso, aplicou-se a Anlise das Componentes Principais Diversicadas,do ingls, Multiway Principal Component Analysis (MPCA). No Apndice B (disponvel no site do Observatrio da Imigraowww.oi.acidi.gov.pt), aparece um conjunto de explicaes que visa claricar o algoritmo associado.

    Este processo permite decompor a matriz tridimensional Mnuma srie de componentes principais que consistem em vecto-res de ponderaes factoriais. Assim, obteve-se em primeiro lugar a Tabela 2 que revela os cinco factores que foram extra-dos pelo mtodo MPCA (por economia de espao, os outros factores, no signicativos, foram omitidos). Estes cinco factoresexplicam mais de 50% da variao total (em preciso, explicam 54,4%)12.

    Tabela 2 Eigenvalues das Componentes Principais das dimenses da Liberdade Religiosa

    Componente Eigenvalue Diferena Proporo Prop. acumulada

    1 3,542 2,237 0,236 0,236

    2 1,304 0,122 0,087 0,323

    3 1,183 0,109 0,079 0,402

    4 1,074 0,013 0,072 0,474

    5 1,060 0,072 0,071 0,544

    A Tabela 3 revela os coecientes das componentes rodadas para as variveis, uma sugesto robusta dos pesos que vocalibrar cada varivel no ndice agregado13. Estes resultados foram obtidos atravs da variao normalizada conhecida porvarimax.

    Tabela 3 Matriz de componentes rodadas

    Componente

    Variveis 1 2 3 4 5

    A1 (Censura) 0,117 0,778 -0,042 -0,001 0,060

    A2 (Condenaes judiciais) -0,012 0,210 -0,018 -0,283 0,688

    B1 (Restries sociais) 0,287 0,481 0,109 0,188 -0,076B2 (Outros elementos

    discriminatrios de naturezasocial) 0,566 0,334 -0,049 0,173 0,150C (Separao do Estado da Religio) -0,082 0,573 -0,134 0,235 -0,109

    D (Entraves institucionais) 0,416 0,602 -0,069 0,010 0,188

    E (Nvel de Democracia) -0,306 -0,064 0,674 -0,032 0,029

    F (Homicdios) 0,709 -0,121 -0,127 0,099 -0,235

    G (Igualdade dos gneros) -0,008 -0,041 0,838 -0,056 -0,034

    H (Perseguies e ataques) 0,736 0,189 -0,109 0,076 0,020

    12 Os procedimentos habituais foram conduzidos de forma a avalia r a qualidade dos resultados. O teste KMO mede a adequao amostral que deve ser superior a 0,5 para umaanlise satisfatria. Neste caso, o valor do teste KMO foi de 0,823. O valor de teste de esfericidade de Bartlett significativo, com um p-value associado de 0 (Qui-quadrado de2984,626), o que demonstra que a matriz de correlao no uma matriz identidade.13 Para uma explicao detalhada dos coeficientes das componentes sugerem-se as leituras de Hair et al. (2005), Kent, Bibby e Mardia (2006), ou Johnson e Wichern (2007).

    (continua)

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    I (Prises de civis) 0,560 0,504 -0,051 -0,039 0,121

    J (Prises de prossionais dacomunicao social) 0,165 0,097 0,087 0,743 0,036

    K (Despedimentos Prossionais) 0,105 -0,212 0,009 0,343 0,725

    L (Direito a converso) -0,077 0,146 -0,176 0,517 -0,035

    M (Converses coercivas) 0,622 0,097 -0,055 -0,115 0,115

    Coecientes elevados e moderados (> 0,50) so indicativos de como os sub-indicadores (variveis) se relacionam com ascomponentes principais.

    A primeira componente apresenta coecientes positivos e signicativos nas variveis Outros elementos discriminatrios denatureza social (0,566), Homicdios (0,709), Perseguies e Ataques (0,736), Prises de civis (0,560) e Converses coercivas(0,622). Assim, realizando uma leitura crtica destes resultados, observamos que a principal componente explicativa da va-

    riao dos padres de Liberdade Religiosa no painel de pases observados reside numa dimenso associada a Prticas deViolncia por motivos religiosos.

    A segunda componente apresenta coecientes positivos e signicativos nas variveis Censura (0,778), Separao do Estadoda Religio (0,573), Entraves institucionais Liberdade Religiosa (0,602), e Prises de civis (0,504). Podemos ento argumentarque a segunda componente explicativa da diferenciao de Liberdade Religiosa est ligada a Prticas restritivas ociais aoexerccio da Liberdade Religiosa.

    A terceira componente apresenta coecientes positivos e signicativos nas variveis Nvel de Democracia (0,674) e Nvel de

    Igualdade dos Gneros (0,838), componente relacionada com o Padro de desenvolvimento scio-econmico dos pases.

    A quarta componente apresenta coecientes positivos e signicativos nas variveis Prises de prossionais da comunicaosocial(0,743) e Direito converso (0,517), relacionando-se com uma dimenso interpretada como Restries expressoconfessional.

    A ltima componente principal, em quinto lugar, apresenta coecientes positivos e signicativos nas variveis Condenaesjudiciais (0,688) e Despedimentos Prossionais (0,725), podendo ser interpretada como Represso scio-prossional.

    No ltimo passo da produo do ndice de Liberdade Religiosa (ILR), procura-se discutir as ponderaes dos coecientesencontrados (Tabela 3), dado que o quadrado de cada coeciente representa a proporo explicada por cada varivel na va-rincia da componente. O procedimento de Nicoletti, Scarpetta e Boylaud (2000) sugere agrupar os sub-indicadores com oscoecientes mais signicativos em indicadores intermdios, em igual nmero ao nmero das componentes (no presente caso,5). Assim, cada varivel com um coeciente normalizado signicativo ter um peso igual ao quadrado do coeciente divididopela varincia total explicada pela componente14. No clculo nal do ILR, cada indicador intermdio ter uma ponderao igual

    14 Com dados das Tabelas 2 e 3, o Indicador intermdio da Componente 1 (IC1) para o pas ino ano tititit

    MBIC *236,0

    622,0...2*

    236,0

    566,01

    22

    ++=

    , e assim sucessivamente at IC5.Logo, IC1

    it uma mdia ponderada dos valores normalizados das var iveis com coeficientes significativos.

    (continuao)

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    proporo da respectiva componente principal na explicao da varincia total 15. No presente trabalho, o ILR oscila entreum mnimo de 0,00116 (nvel mnimo de Liberdade Religiosa) e um mximo de 0,99917. O Mapa A1, assim como a Tabela A1, emAnexos, espelham a distribuio do ILR que ser comentado, mais especicamente, no captulo 7.

    6. Robustez com a realidadescio-econmica

    Indicadores compsitos, como o ndice de Liberdade Religiosa, muitas vezes medem conceitos que se encontram ligados afenmenos correntemente analisados, como o crescimento econmico, o nvel de corrupo de cada pas ou a qualidade de

    governo. Estas relaes servem para aferir a robustez (realismo) das construes semelhantes ao ILR. A melhor forma de asexprimir atravs do desenho de nuvens de pontos.

    As Figuras A.1, em Anexo, exprimem essas relaes, entre os valores mdios do ILR e da qualidade de governo (Good gover-nance Indicators), do nvel de igualdade dos gneros (Gender Equality Index), do nvel de percepo da corrupo (CorruptionPerception Index) e do nvel de desenvolvimento econmico (GDP per capita).

    As Figuras A.1 assim demonstram que um elevado nvel de GDP per capita, uma elevada qualidade governativa, uma maiorigualdade de oportunidade entre os gneros e uma percepo mais assertiva da corrupo por parte da generalidade dos

    cidados so fenmenos que esto positivamente correlacionados com o padro de Liberdade Religiosa, como, partida, seagurava previsvel. Esta observao revela que, por um lado, o ndice devolve valores realistas e, por outro lado, permiteantecipar realidades que intervm, intimamente, com o desenvolvimento da Liberdade Religiosa, possibilitando uma discus-so alternativa das inuncias recprocas que se geram entre estas dimenses, discusso a ser devidamente analisada numaoutra investigao.

    15 Assim, o ILR final ititit

    ICICILR 5*544,0

    071,0...1*

    544,0

    236,0++=

    16 Valor associado ao Sudo em 2003. Os valores das respectivas variveis (ver denominao na Tabela 5.2) so: a1 (0,1); a2 (1); b1 (0,032); b2 (0,226); c (0,16); d (0,249); e

    (0,025); f (0,139); g (0,173); h (0,247); i (0,153); j (1); k (0); l (1); m (0,027). Recorda-se que valores inferiores das variveis traduzem situaes de desrespeito pela Liberdade Re-ligiosa17 Valor associado ao Reino Unido em 2005. Os valores das respectivas variveis so: a1 (1); a2 (1); b1 (1); b2 (1); c (1); d (1); e (0,942); f (1); g (0,0,956); h (1); i (1); j (1); k (1); l (1);m (1).

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    7. O ndice de Liberdade Religiosa

    7.1. Uma leitura sinttica

    O desenvolvimento do ndice de Liberdade Religiosa (ILR) permite, desde j, algumas notas de leitura pertinentes.

    A mdia relativa ao ndice de Liberdade Religiosa tende a ser mais baixa em pases como o Paquisto, o Afeganisto, o Iraque,a Nigria, o Egipto e o Azerbeijo (por ordem crescente).

    Este conjunto de pases apresenta um valor central inferior a 0,1. Os valores anuais do ILR no Afeganisto tm sofrido algu-mas oscilaes tendo atingido um valor mximo em 1999 de 0,206 e um valor mnimo de 0,003 em 2003.

    No Azerbeijo, o cenrio semelhante tendo-se atingido um valor mximo de 0,514 em 1999 e um valor mnimo de 0,004em 2004.

    No Egipto, assistiu-se a uma enorme quebra entre 1999 e 2000 quando o ILR passou de 0,496 (valor mximo) para 0,12; ovalor mnimo seria atingido em 2000 (0,07). De 2003 a 2006 os valores oscilaram entre os 0,54 e 0,61.

    No Iraque, os valores estabilizaram entre os 0,071 e os 0,098 nos ltimos 4 anos, tendo atingido um valor mximo em 1999(0,198) e um valor mnimo em 2001 (0,025).

    A Nigria o pas que obtm o valor mximo mais baixo, (0,092) em 1998. O valor mnimo seria atingido em 2001 (0,03).

    Entre os factos mais marcantes que contribuem para to baixos valores encontram-se o desrespeito pela liberdade individual,quer ao nvel dos direitos humanos quer ao nvel dos direitos religiosos. Alguns destes pases adoptaram prescries muitorestritivas, aplicadas em alguns casos tanto a muulmanos como a seguidores de outras religies. As perseguies, discri-minaes, entraves institucionais, prises e mortes por motivos religiosos so frequentes. O simples facto de professar umareligio diferente, possuir objectos ou locais de culto ou divulgar a f pode conduzir a penas severas.

    No plo oposto situa-se a Sucia que o pas com a mdia de ILR mais elevada. Observa-se igualmente que entre os pasescuja mdia do ILR bastante elevada se encontram representantes africanos (Botswana, Lesoto ou Nambia), europeus (Por-tugal ou Irlanda), americanos (Suriname ou Republica Dominicana), asiticos (Monglia) e da Ocenia (Nauru). No entanto, aexistncia de elevados valores para estes pases, sobretudo os dos continentes africano ou asitico, revela que a informaoconseguida pelas fontes no apontou registos especiais em termos de ocorrncias minimizadoras de Liberdade Religiosa,no se descartando, no entanto, a possibilidade de poder ter existido ocorrncias no denunciadas ou no identicadas, como bvio e j salientado. Ainda assim, consultando fontes alternativas como, por exemplo, os Reports on International ReligiousFreedom (United States Department of State Bureau of Democracy, Human Rights and Labor) v-se corroborada a prtica de

    respeito pela Liberdade Religiosa nestes exemplos mais surpreendentes partida.

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    Em termos continentais, ntido que o continente africano concentra os valores mdios mais baixos, seguido do continenteasitico. Os continentes europeu e americano evidenciam os valores mais altos do ndice (conrmar Mapa A1). Ainda assim,alguns pases como os Estados Unidos da Amrica, a Itlia, a Austrlia ou o Canad, em virtude, sobretudo, de algumasprises de civis por motivos religiosos, ostentam valores mais modestos que os esperados inicialmente (os seus valoreslocalizam-se em redor dos 0,70).

    7.2. Para uma correlao entre a Liberdade Religiosa e os Fluxos Migratrios para Portugal - resultados preliminares

    Ainda que a anlise prioritria, neste trabalho, reicta sobre a Liberdade Religiosa e o nmero de imigrantes em Portugal,considerou-se relevante sugerir, desde o incio deste sub-captulo, a relao entre o ILR e o nmero mdio de desalojadospor pas (entre 1998 e 2006). A Figura 1 sintetiza essa relao.

    Figura 1 Relao entre o ndice de Liberdade Religiosa e o nmero de desalojados por pas (mdia 1998-2006)

    0

    0,1

    0,2

    0,3

    0,4

    0,5

    0,6

    0,7

    0,8

    0,9

    1

    0 500000 1000000 1500000 2000000 2500000

    Nmero de desalojados (mdia 1998-2006)

    ndice

    deLiberdadeReligiosa(mdia1998-

    2006)

    Fonte: Clculos da equipa colaboradora sobre valores dos Relatrios FAIS

    Esta gura demonstra que existe uma relao exponencial negativa (como previsvel) entre as duas dimenses: um ndicede Liberdade Religiosa mais baixo tende a ser relacionado com valores mais elevados de desalojados, encontrando-se, nestasituao, incentivos adicionais pessoais e dos agrupamentos no sentido de migrarem desses espaos assim caracterizados.

    Para uma anlise inicial da correlao entre o padro de Liberdade Religiosa e o nmero de imigrantes em Portugal, sugere-sea inspeco da Figura 2.

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    Figura 2 - Relao entre o ndice de Liberdade Religiosa e o nmero de imigrantes em Portugal (mdia 1998-2006)

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

    ndice de Liberdade Religiosa (mdia 1998-2006)

    Nmerodeimigrantes(escalalog),mdia1998-

    2006

    Fonte: Clculos da equipa colaboradora sobre valores dos Relatrios FAIS

    Avaliando a Figura 2, perspectiva-se a existncia de uma correlao positiva entre as duas dimenses analisadas, ainda que, parao efeito, se tenham usado as mdias histricas para cada pas envolvido18.

    Nesta fase do Relatrio, e como avaliao prvia muito simplicada das relaes envolvidas, apresenta-se, adicionalmente, aEquao 1, resultante do Mtodo dos Mnimos Quadrados Ordinrios, envolvendo as observaes presentes na Figura 2.

    iiieILRLIMIG ++= *100,2822,4

    )775,0()425,0(

    Na regresso bivariada, LIMIG identica o logaritmo do valor mdio de imigrantes entre 1998-2006 para cada pas emissor ie ILRo respectivo valor mdio do ndice de Liberdade Religiosa. Esta equao mostra, desde j, que o crescimento do ndicede Liberdade Religiosa signicativo para a explicao da imigrao em Portugal (est subjacente um p-value de 0,000 nahiptese nula de no-signicncia do ILR). Assim, sugere-se, desde j, que a imigrao portuguesa no uma imigraorefugiada ou de 1 nvel (que visaria a resposta a carncias bsicas de direitos de cidadania, composta, fundamentalmentepor desalojados, por exemplo ver Figura 1) mas, ao invs, uma imigrao de 2 nvel (que procura resposta a carncias denvel superior na taxonomia de Maslow, como melhoria de rendimento, de conforto e de vida familiar). Este tipo de conclusoser pormenorizado de seguida, onde se detalhar a relao da imigrao portuguesa com variveis explicativas alternativas Liberdade Religiosa, como o rendimento per capita dos pases de origem, a qualidade governativa, a segurana dos cidadose padres de conforto alcanados.

    Reala-se que, nesta fase do projecto, estes resultados permitem explorar relaes mais complexas, nomeadamente, envol-vendo dois grupos de questes metodolgicas.

    18 Dada a natureza dos dados espcio-temporais, o desenvolvimento mais robusto sugere a aplicao de tcnicas de regresso com dados em painel, a serem descritas e aplicadasde seguida.

    Eq. 1

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    Por uma via, ser imprescindvel aplicar tcnicas de dados em painel, como estimaes pelo Mtodo dos Momentos Genera-lizados, para incorporar a dimenso espcio-temporal na sua abrangncia mais ampla como se realizar na prxima seco.Por outro lado, avanar-se- para a incluso de variveis associadas a dimenses concorrentes da Liberdade Religiosa naexplicao da imigrao portuguesa, o que enriquecer o actual estado de arte dos estudos que se debruam sobre os resi-dentes estrangeiros que esto em Portugal.

    8. A Liberdade Religiosae a Imigrao Portuguesa

    8.1. Trabalho emprico

    Os movimentos migratrios constituem um fenmeno complexo cujo estudo, obviamente, envolve a participao de diversasdisciplinas. Concentrando-nos nos factores (determinantes) deste fenmeno encontramos, ainda assim, uma variedade decampos cientcos que, com propriedade, se tm debruado sobre a anlise desta particularidade das migraes humanas.

    Focar-se-, nesta sub-seco, um conjunto de trabalhos que se debruam sobre determinantes da imigrao e sobre a cata-logao dos pases acolhedores em funo dos valores estimados para os determinantes. Estes trabalhos visam, assim, elen-car dimenses sociais e individuais que consigam explicar o volume e a composio da imigrao acolhida por determinados

    pases e categorizar os pases de acolhimento pela intencionalidade de permanncia dos imigrantes.

    8.1.1 Reviso da literatura sobre os determinantes da imigrao, classicao dos pases acolhedores e Hipteses destetrabalho

    Os estudos mais actuais sobre os determinantes da imigrao focam a importncia de vrias dimenses. Por exemplo, Jen-nissen (2003) e Mansoor e Quillin (2007) referem que so determinantes da imigrao a elevada densidade populacional ea dimenso demogrca absoluta dos pases de origem, assim como a sua situao de conitualidade, o desrespeito pelosdireitos humanos ou a existncia de discriminao de vrias ordens dos indivduos nos pases emissores. Outros autores,como Marques e Gis (2007), referem que exercem efeitos positivos no volume de imigrao de um pas a presena deacordos bilaterais entre o pas emissor e o pas receptor, assim como um relacionamento prximo nas dimenses histricase lingusticas. Finalmente, Cebrian e Malo (2007) elencam, adicionalmente, o reduzido Produto Interno Bruto per capita e opadro de baixo desenvolvimento econmico dos pases de origem, assim como o stock de imigrao acumulado e o nvel derespeito pelo conjunto de direitos humanos dos pases acolhedores.

    De uma forma sintetizadora, os trabalhos consultados permitem agrupar os pases acolhedores de imigrao como pasesde refgio, como pases empregadores ou como pases de valorizao superior.

    O primeiro grupo, pases de refgio, constitudo por pases que acolhem cidados estrangeiros que, na sua maioria, fogemde violaes graves de direitos humanos e de direitos dos agrupamentos nos pases de origem. Situaes como guerras,

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    Em face do disposto, duas hipteses podem, desde j, ser aladas.

    A Hiptese 1 postula que A Liberdade Religiosa inuencia o valor da imigrao portuguesa. A anlise deste hiptese passaassim por testar a signicncia estatstica da varivel associada Liberdade Religiosa num modelo economtrico que expli-que a imigrao em Portugal.

    A Hiptese 2 s ser analisada se no se rejeitar a validade da Hiptese 1. Pretende-se, com esta hiptese, aprofundar osentido que a Liberdade Religiosa promove na imigrao de Portugal. Como sugerido na anlise da literatura consultada, aLiberdade Religiosa, enquanto dimenso primria dos direitos humanos, pode promover um aumento ou uma diminuio dovolume migratrio. Assim, se a deteriorao do padro de Liberdade Religiosa provocar um aumento signicativo no nmerode imigrantes em Portugal, ento Portugal poder ser identicado como um pas de refgio. Se, ao invs, um menor padrode Liberdade Religiosa reduzir o nmero de imigrantes em territrio portugus ou, ento, um maior padro de LiberdadeReligiosa aumentar o nmero de imigrantes, Portugal pertencer ao grupo de pases acolhedores de imigrantes que aquiprocuram uma valorizao prossional (se oriundos principalmente de pases com um rendimento mdio inferior ao valor

    portugus) ou uma valorizao superior (nos outros casos).

    8.1.2. Dados e modelo emprico

    Os testes empricos foram efectuados sobre um painel de dados anuais que, por disponibilidade de valores, concernem a 152pases observados, em mdia, entre 1998 e 2004. As variveis e as suas fontes esto descritas na Tabela 4:

    Tabela 4 Variveis usadas e Fontes (anlise do nmero de imigrantes)

    Variveis Descrio da varivel Anos Fontes

    Population Representa os habitantes de um determinado pas. 1998 a 2004 CNTSDA

    Population density calculada atravs do rcio entre a populao e a rea do pas.

    expressa em habitantes por km2. 1998 a 2004CNTSDA

    Television sets Nmero de televises. 1998 a 2003 CNTSDA

    Weighted conict indexVarivel que resulta de um calculo combinado que envolve as seguintesvariveis: assassinations, general strikes, guerrilla warfare, government

    crises, purges, riots e revolutions1998 a 2005 CNTSDA

    Nmero de imigrantes Populao estrangeira registada e residente em Portugal 1999 a 2005 SEF

    ILR ndice de Liberdade Religiosa (comentado previamente). 1998 a 2005Dados do autor;

    FAIS; Kaufman et al;UNICEF

    Rico Rico=1; pases desenvolvidosRico=0; pases em desenvolvimento 1998 a 2005 Dados do autor

    Luso Luso=1; pases de lngua ocial portuguesaLuso=0; restantes pases 1998 a 2005 Dados do autor

    Legenda: CNTSDA Cross National Time Sries Data; SEF Servio de Estrangeiros e Fronteiras; FAIS Fundao Ajuda Igreja que Sofre

    Os dados apresentam o nmero de imigrantes (imig, no modelo economtrico) como varivel dependente. No Apndice C(disponvel para consulta no site www.oi.acidi.gov.pt), surge uma breve caracterizao desta dimenso, considerando a evo-luo temporal e a distribuio espacial (por pas de origem).

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    Como variveis de controlo, seguiram-se proxies que traduzem as principais dimenses responsveis pelos movimentosmigratrios identicadas pela literatura, como a dimenso de escala, testada pela varivel populacional (pop), a densidadepopulacional (popdens), o padro de conforto mdio, aferido pelo nmero de receptores televisivos (tvsets) e pela iden-ticao binria do pas como desenvolvido ou em desenvolvimento19, o nvel de conitualidade interna, sugerido por umndice construdo pela instituio Cross National Time Series Data identicado por conict, e, dada a relevncia para o casoportugus, a identicao binria se o pas lusfono ou no20.A varivel independente de relevo o ndice de Liberdade Religiosa, cujos valores, resultantes do processo comentadonos captulos anteriores, oscilam entre 0,01 (mnimo de evidncia em favor da Liberdade Religiosa) e os 0,99 (mximo deevidncia)21.A Tabela 5 revela as estatsticas descritivas para as variveis em estudo. As variveis apresentadas foram logaritmizadas,como tradicional em estudos de discusso de determinantes scio-econmicos de determinado fenmeno.

    Tabela 5 Estatsticas descritivas das variveis logaritmizadas

    Varivel pop popdens tvset conflict imig ilr

    mdia 8,431407 7,368318 10,88886 7,994526 4,172434 -0,95332desvio 2,219779 1,476316 2,807772 1,050931 2,545927 0,994057

    Total mximo 14,08652 12,70685 17,48724 11,25204 10,94081 0mnimo 2,302585 3,637586 2,484907 5,703782 0 -6,90776N_obs 1352 1352 1097 524 1095 1483

    mdia 8,197999 7,621228 11,71443 8,011478 4,582864 -0,52691desvio 2,200608 1,51729 2,418955 1,063128 2,602664 0,644075

    rico=1 mximo 12,5844 12,07648 17,1224 10,3955 10,3592 0mnimo 3,295837 3,970292 5,991465 5,703782 0 -5,116N_obs 610 610 521 181 513 672

    mdia 8,623293 7,1604 10,14213 7,985581 3,810662 -1,30664desvio 2,218558 1,409147 2,92558 1,045889 2,440416 1,090168

    rico=0 mximo 14,08652 12,70685 17,48724 11,25204 10,94081 -0,02225mnimo 2,302585 3,637586 2,484907 5,703782 0 -6,90776N_obs 742 742 576 343 582 811

    mdia 8,307916 7,057134 9,308928 7,731732 9,277469 -0,88248desvio 2,247772 7,057134 4,383316 0,885762 2,06127 0,744368

    luso=1 mximo 12,09597 8,450412 16,04623 9,330343 10,94081 -0,03666mnimo 4,875197 5,549076 2,484907 5,703782 0,693147 -2,63109N_obs 52 52 38 21 44 60

    mdia 8,436347 7,380765 10,94556 8,005498 3,958712 -0,95631desvio 2,219385 1,492734 2,72065 1,056594 2,332711 1,003312

    luso=0 mximo 14,08652 12,70685 17,48724 11,25204 9,850403 0mnimo 2,302585 3,637586 3,951244 5,703782 0 -6,90776N_obs 1300 1300 1059 503 1051 1423

    19 Foram considerados como pases desenvolvidos todos os pases membros da OCDE: Austrlia, ustria, Blgica, Canad, Repblica Checa, Dinamarca, Finlndia, Frana, Alemanha,Grcia, Hungria, Islndia, I rlanda, Itlia, Japo, Coreia do Sul, Luxemburgo, Mxico, Holanda, Nova Zelndia, Noruega, Polnia, Repblica Eslovaca, Espanha, Sucia, Suia, Turquia,Reino Unido e Estados Unidos da Amrica.20 Foram considerados como pases lusfonos Brasil, Cabo Verde, So Tom e Prncipe, Guin-Bissau, Moambique, Angola e Timor-Leste.21 Foram, previamente, conduzidas duas classes de teste para avaliar a probabilidade de causalidade da varivel usada para interpretar o nvel de Liberdade Religiosa sobre a

    varivel dependente do modelo. Essas duas classes respeitam ao teste de causalidade de Holtz-Eakin et al. (1988) e ao teste de causalidade com recurso a um modelo de efeitosfixos e aleatrios combinados (do ingls Mixed Fixed and Random Model, MFR) sugerido por Nair-Reichert e Weinhold (2001). Utilizando ambas as classes de teste, concluiu-sepela rejeio da no significncia estatstica da probabilidade de causalidade associada iluso fiscal (p-value de 1% para os testes de Holtz-Eakin et al, 1988) e valores de 0,68para a probabilidade de causalidade da Liberdade Religiosa no nmero de imigrantes em Portugal. Dados mais detalhados sero apresentados se pedidos.

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    Na sequncia da literatura economtrica, a relao entre o nmero de imigrantes oriundos do pas ino ano t(yi,t) e os seus

    determinantes pode descrever-se pelo modelo economtrico sugerido pela equao 2:

    ,,

    1 1

    ,,,,,, tii

    k

    j

    m

    j

    tititijjjtijti ILRXyy ++++= = =

    Nesta equao , ILRi,t

    identica a varivel relativa ao ndice de Liberdade Religiosa que condiciona o movimento migratrio,tambm explicado pelos valores passados da varivel dependente (y

    i,t-j).X

    i,tassume um vector das m variveis de controlo

    assinaladas (a dimenso de escala, a densidade populacional, o padro de conforto mdio, o nvel de conitualidade interna, ea identicao binria se o pas lusfono ou no).

    i

    uma varivel especca para cada pas, assim comoti ,

    identica

    os resduos estimados sob a assuno de que so i.i.d(do ingls, independent and identically-distributed).

    Fica assim identicado o modelo estatstico descritivo da imigrao portuguesa com uma especicao de dados em painel,

    no qual a varivel dependente uma funo dos prprios desfasamentos, de um conjunto de variveis de controlo, e da vari-vel independente principal, neste caso, o ndice de Liberdade Religiosa.

    Vrios autores demonstraram que, com dados em painel, os desfasamentos da varivel dependente, ainda que relevantespara o modelo, podem gerar diversos nveis de distoro nas estimaes pelo que o mtodo de estimao consistente porefeitos xos dever ser substitudo pelo Mtodo dos Momentos Generalizados, mais apropriado neste tipo de situaes ca-racterizadas pelo comprimento curto das sries (o comprimento mdio das sries, com os dados usados neste trabalho, foide 3 anos).

    A sub-seco seguinte detalha os resultados alcanados.

    8.1.3. ResultadosRecorda-se, brevemente, que, na sequncia do disposto nas seces anteriores, a Liberdade Religiosa uma dimenso pre-ponderante de movimentos migratrios. Assim, espera-se que os coecientes associados ao ndice de Liberdade Religiosasejam signicativos na estimao do modelo 2. No entanto, importa observar o sentido desses coecientes. Se, pois, por umlado, o sentido for negativo, encontra-se indiciado que o volume de imigrao acolhida em Portugal tende a aumentar comnveis mais baixos do ndice, corroborando a hiptese de a imigrao que tem por destino o nosso pas ser uma imigrao de

    natureza refugiada religiosa. Se, pelo contrrio, o sentido dos coecientes estimados para o ndice de Liberdade Religiosa forpositivo, ento corroborada a hiptese de que Portugal visto como um destino de valorizao eminentemente prossionale econmica dos imigrantes acolhidos, na medida em que valores superiores do ndice de Liberdade Religiosa aumentam ovolume da imigrao portuguesa.

    A Tabela 6 pormenoriza os resultados alcanados em dois conjuntos de regresses. Na primeira coluna com valores estima-dos, esto os resultados obtidos por um procedimento usual com sries curtas, usando as mdias por pas como observaoindividualizada (between regression). Na segunda coluna, encontram-se os valores derivados da estimao pelo procedimento

    actualmente mais adequado, o Mtodo dos Momentos Generalizados (tambm denominado, em honra aos principais autoresque se debruaram no respectivo detalhe, por MtodoArellano-Bond).

    Eq. 2

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    Tabela 6 Estimao do Modelo

    Na observao dos valores estimados, constata-se que existe uma signicativa im-portncia dos valores passados da varivel dependente, o que indicia que o uxo deimigrao em Portugal segue padres de continuidade temporal.

    Adicionalmente, observa-se que as variveis de controlo que explicam, com signi-cncia, o volume de imigrao portuguesa so a dimenso populacional do pas deorigem, o padro de desenvolvimento da origem assim como a grande importnciada lusofonia.

    Neste caso, estes valores sugerem trs comentrios pertinentes. O primeiro re-fere-se ao coeciente positivo da dimenso populacional do pas de origem, comoseria previsvel. Este resultado demonstra que pases mais populosos tendem a

    ser pases com maior expresso na imigrao portuguesa, na tradicional assunocoeteris paribus (mantendo os outros factores constantes). O segundo comentrioest reportado aos valores positivos da proxyusada para, juntamente com a divisodicotmica em funo do nvel de desenvolvimento econmico, discutir o padro deconforto dos pases observados. Estes valores positivos (que vo de encontro aosentido alcanado para o efeito desencadeado pela Liberdade Religiosa, comentadode seguida) revelam que a imigrao portuguesa tender a aumentar medida queos pases evoluem em matria de crescimento econmico, corroborando a ideia deque Portugal visto como local de valorizao (individual e dos grupos, como as

    famlias) num contexto globalizado. O terceiro comentrio salienta a importncia (ea magnitude estimada) do coeciente estimado para a identicao do pas comolusfono, na medida em que, alm do previsvel efeito positivo, o coeciente demaior expresso, indiciando a dimenso preponderante no volume (e na composi-o22) da imigrao portuguesa.

    Finalmente, observa-se que o ndice de Liberdade Religiosa caracterizado por coecientes signicativos e de sentido positi-vo. Esta evidncia revela que o padro de Liberdade Religiosa importa para a explicao da imigrao em Portugal, validando,em primeiro lugar a Hiptese 1 colocada previamente. Revela ainda que o sentido positivo est associado caracterizao

    de Portugal como um espao de acolhimento de cidados de outras provenincias que acorrem a Portugal no sentido de al-mejarem uma oportunidade de desenvolvimento prossional e de valorizao pessoal, como previsto na Hiptese 2, espaosprioritariamente caracterizados por valores superiores do ndice de Liberdade Religiosa. Para esta explicao concorrerainda o facto de que os pases mais representativos da imigrao portuguesa so caracterizados por valores elevados dorespeito pelo direito da Liberdade Religiosa (ver Apndice D, disponvel no site www.oi.acidi.gov.pt). Como se poder com-provar, a mdia do ndice de Liberdade Religiosa dos principais pases emissores de imigrantes est acima da mediana doconjunto (0,5).

    22 A composio da imigrao portuguesa igualmente a fectada pelas variveis regredidas, mantendo-se o sentido dos efeitos alcanados para o volume de imigrantes, na medidaem que a transformao da varivel dependente (dividindo a varivel original por um valor igua l para todos os casos, ano a ano, como, por exemplo, o total de imigrantes nesse anoem Portugal) no conduz a alteraes do sentido e da significncia dos coeficientes - ver, por exemplo, a explicao economtrica em Gujarati (1999, p.161).

    Todos os

    pases

    Todos os

    pases

    1998-2004 1998-2004

    Vv dep. imig imig

    between-regression GMM

    0,699 a 0,772 a

    (0,131) (0,102)

    0,460 b 0,418 c

    (0,211) (0,223)

    0,063 0,097

    (0,151) (0,149)

    0,304 b 0,309 b

    (0,142) (0,140)

    -0,139 0,068

    (0,211) (0,247)

    0,706 0,753

    (0,154) (0,480)

    6,120 a 5,766 a

    (0,978) (0,839)

    0,655 a 0,530 b

    (0,224) (0,228)

    Wald stat. 34,78

    Sargan test 3,74

    Arellano-Bond t. in

    residuals of order 2 -1,26

    R2 0,55

    F-test 18,34

    N (countries) 152 152

    N (observations) 552 408

    Nvel de significncia: 1% (a); 5% (b); 10% (c)

    Erros estimados entre parntesis.

    conflict

    rico

    luso

    ilr

    Vv dep.(-1)

    pop

    popdens

    tvset

    E i i d Lib d d R li i l i d i i P l

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    Em sntese, esta seco comprovou a importncia da Liberdade Religiosa no volume e composio da imigrao em Portugal.Permitiu ainda aprofundar esta relao, na medida em que se comprovou que Portugal um pas essencialmente emprega-dor dos imigrantes acolhidos pois o volume da imigrao reage positivamente a um maior padro de respeito pela LiberdadeReligiosa dos pases emissores que so constitudos por cidados oriundos, na sua maioria, de pases com um PIB per capitainferior ao portugus, como conrmado na Tabela 7.

    Tabela 7 PIBper capita de Portugal e de uma amostra das principais origens da imigrao (1998-2006)

    Pas Mdia log PIB pc 1998-2006

    Portugal 9,300

    Alemanha 10,157

    Angola 5,736 (a)

    Brasil 8,334 (a)

    Cabo Verde 7,159 (a)

    Espanha 9,592

    Guin-Bissau 5,075 (a)

    Moldvia 5,996 (a)

    Reino-Unido 10,048

    Romnia 7,310 (a)

    So Tom e Prncipe 5,622 (a)

    Ucrnia 6,724 (a)

    Fonte: CNTSDA

    Nota: Nvel de signicncia do teste de que o PIB per capita mdio no perodo inferior ao portugus: 1% (a); 5% (b ); 10% ( c)

    8.2. Para uma avaliao de Portugal enquanto pas de refgioO sub-captulo anterior permitiu alcanar uma concluso relevante: Portugal, fruto da composio da sua imigrao, emi-nentemente um pas de valorizao prossional dos indivduos naturais de outros pases. No entanto, se essa catalogaoacontece considerando a grande maioria dos imigrantes, no nos devemos esquecer que o valor da imigrao, em Portugal,resulta da soma das autorizaes de residncia, com as prorrogaes das autorizaes de residncia e com as prorrogaesdos vistos de longa durao (como salientado nos vrios Relatrios do Servio de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)).

    Assim, enquanto as prorrogaes traduzem situaes dos indivduos imigrados e das suas famlias nas quais estes assumemuma relao de longo prazo com os agentes portugueses (por exemplo, contratos laborais de mdia e longa durao), j asautorizaes de residncia23 reectem as relaes preliminares entre os imigrantes e os agentes do Estado acolhedor. Dentrodestas guras, salientam-se, para este estudo, os valores referentes a pedidos de asilo 24 bem assim como os referentes aindivduos de outras nacionalidades a frequentarem estabelecimentos de ensino bsico ou secundrio em Portugal25, o quevai permitir auscultar as anteriores dimenses, nomeadamente a dimenso da Liberdade Religiosa do pas de origem, comofactores destas variveis, agora focadas.

    23 Utilizando dados do SEF, entre 2000 a 2005, em mdia, 30% da populao imigrante total.24 Utilizando dados do SEF, entre 2000 a 2005, em mdia, 0,3% da populao imigrante total.25 Utilizando dados do SEF, entre 2000 a 2005, em mdia, 5 ,2% da populao imigrante total.

    A i t i T b l 4 i d l i t T b l 8 t j t d i i d ti f t

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    Assim, a anterior Tabela 4 vai dar lugar seguinte Tabela 8 que reecte o conjunto de variveis usadas, respectivas fontes eperodo coberto para a amostra dos pases em anlise.

    Tabela 8 Variveis usadas e Fontes (anlise das autorizaes de residncia)

    Variveis Descrio da varivel Anos Fontes

    Pedidos de asilo

    Corresponde ao registo (1) ou no (0) de pedidosde asilo registados num determinado ano. Estespedidos podem resultar de perseguies raciais,polticas ou religiosas no pas de origem.

    1998 a 2005

    Relatrios SEF

    http://www.cidadevirtual.pt/cpr/estat.html

    Alunos matriculados (at aosecundrio)

    Corresponde existncia (1) ou no (0) de alunosestrangeiros matriculados at ao ensino secundriono sistema de ensino portugus de determinadopas estrangeiro.

    2000 a 2003 Giase Ministrio daEducao

    Populao estrangeira quesolicitou estatuto de residente

    Corresponde existncia (1) ou no (0) deestrangeiros que tenham solicitado estatuto deresidncia em territrio nacional.

    2000 a 2005 Relatrios do SEF

    Population Representa os habi tantes de um determinado pas. 1998 a 2004 CNTSDA

    Population density calculada atravs do rcio entre a populao e area do pas. expressa em habitantes por km2.

    1998 a 2004 CNTSDA

    Television sets Nmero de televises. 1998 a 2003 CNTSDA

    Weighted conict index

    Varivel que resulta de um calculo combinado queenvolve as seguintes variveis: assassinations,general strikes, guerrilla warfare, government crises,

    purges, riots e revolutions

    1998 a 2005 CNTSDA

    ILRndice de Liberdade Religiosa (comentadopreviamente). 1998 a 2005

    Dados do autor; FAIS;Kaufman et al; UNICEF

    RicoRico=1; pases desenvolvidosRico=0; pases em desenvolvimento 1998 a 2005 Dados do autor

    LusoLuso=1; pases de lngua ocial portuguesaLuso=0; restantes pases 1998 a 2005 Dados do autor

    As variveis dependentes vo ser, nesta seco, variveis binrias, dado que a escassez de dados concretos inviabiliza umestudo consistente se considerssemos as variveis como variveis contnuas. Assim, estas novas variveis dependentesso: asilo, referente presena (1) ou no (0) de pedidos de asilo feitos, por ano, a Portugal, distribudos pelos pases dosemitentes, alunos, referente existncia (1) ou no (0) de alunos estrangeiros matriculados em Portugal, divididos pelospases de origem, e resid, referente existncia (1) ou no (0) de pedidos de autorizaes de residncia, distribudos pelospases de origem dos requerentes.

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    As variveis de controlo permanecem as mesmas j referenciadas pela literatura e apontadas no sub-captulo 8.1: a dimensode escala, a densidade populacional, o padro de conforto mdio, o nvel de conitualidade interna e a lusofonia.

    A varivel relativa ao ndice de Liberdade Religiosa continua a ser a varivel independente de relevo que se vai auscultar commaior detalhe nos testes empricos.

    A Tabela 9 mostra as estatsticas descritivas para as novas variveis apresentadas (asilo, alunos e resid). As estatsticasdescritivas das restantes variveis encontram-se (recorda-se) na Tabela 4.

    Tabela 9 Estatsticas descritivas das novas variveis dependentes (asilo, aluno e resid)

    Para a estimao dos modelos explicativos destas variveisdependentes binrias, recorreu-se a um modelo economtrico

    apropriado, o modelo probit dinmico, que devolve coecientesestimados para cada varivel explicativa, coecientes associa-dos a aumentos (se positivos) ou a diminuies (se negativos)da probabilidade de se vericar o fenmeno assinalado signi-cativamente na varivel dependente. Assim, se a estimao domodelo com a varivel asilo como varivel dependente devolverum coeciente positivo e estatisticamente signicativo associadoa uma dada varivel explicativa observada no pas X, ento pode-se inferir que um aumento dos valores dessa varivel explicativa

    projecta um aumento da probabilidade de existncia de pedidosde asilo de cidados oriundos de X em territrio portugus. Paramaiores detalhes, sugere-se o manual de Hsiao (2005).

    A Tabela 10 apresenta a estimao dos modelos probit26 com as variveis dependentes asilo, aluno, e resid.

    26 Para discutir a consistncia dos dados, foram ainda conduzidas as regresses alternativas sugeridas por Arulampalam e Stewart (2007), nomeadamente, Pooled Probit, He-ckman estimator, Orme estimatore Wooldridge estimator. Os valores estimados nestas regresses no so significativamente distintos dos valores apresentados na Tabela 9, peloque, por parcimnia de disposio, s sero apresentados se pedidos.

    Varivel asilo aluno resid

    mdia 0,066976 0,456897 0,353448

    desvio 0,250064 0,498304 0,478199Total mximo 1 1 1

    mnimo 0 0 0N_obs 1508 1508 1508

    mdia 0,023256 0,505426 0,421705desvio 0,150832 0,500359 0,494215

    rico=1 mximo 1 1 1mnimo 0 0 0N_obs 645 645 645

    mdia 0,099652 0,420626 0,302433desvio 0,29971 0,493946 0,459578

    rico=0 mximo 1 1 1mnimo 0 0 0N_obs 863 863 863

    mdia 0,125 0,571429 0,535714desvio 0,333712 0,49935 0,503236

    luso=1 mximo 1 1 1mnimo 0 0 0N_obs 56 56 56

    mdia 0,064738 0,452479 0,346419desvio 0,246148 0,497908 0,475992

    luso=0 mximo 1 1 1mnimo 0 0 0N_obs 1452 1452 1452

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    32 | Cadernos OI # 02, Novembro 2008

    Tabela 10 Estimao dos modelosprobit

    Na observao da Tabela 10, conrma-se, mais uma vez, a importnciado stock acumulado de imigrao e do factor de lusofonia, que exercemum efeito positivo sobre as probabilidades de existncia de pedidos

    de asilo, de alunos estrangeiros a frequentarem estabelecimentos deensino portugueses e de pedidos de autorizao de residncia.

    Como esperado, o nvel de desenvolvimento econmico (na identi-cao de pas desenvolvido) reduz a probabilidade de haver alunosestrangeiros a estudarem em Portugal at concluso do ensino se-cundrio.

    Por ltimo, observa-se que o padro de Liberdade Religiosa inuenciasignicativamente nos modelos explicativos da existncia de pedidosde asilo e de pedidos de autorizaes de residncia. Essa inuncia,como esperada, de sentido negativo (indo de encontro s estima-es alcanadas para a varivel da conitualidade interna), indiciandosituaes de fuga a infraces das dimenses de Liberdade Religiosados emitentes dos pedidos de asilo e dos requerentes dos pedidos deautorizaes de residncia feitos por esses cidados estrangeiros emPortugal.

    Assim, observa-se que uma reduo do ndice de Liberdade Religiosacomporta uma maior probabilidade de registo de pedidos de asilos e depedidos para autorizaes de residncia feitos a Portugal.

    Estes resultados no colidem com os alcanados previamente e apre-sentados na Tabela 6. Como referido, o valor dos imigrantes em Portu-gal distinto do valor dos pedidos de asilo e dos pedidos de autoriza-es de residncia requeridos por estrangeiros num dado ano. O valor

    dos imigrantes engloba os outros dois, na medida em que inclui aindaas prorrogaes das autorizaes, estas associadas a permanncias

    de durao superior em Portugal por parte de cidados de outras nacionalidades. Como salientado com os resultados da Ta-bela 6, a maioria dos imigrantes encontra-se em Portugal numa perspectiva de valorizao prossional, incluindo os prpriosagregados familiares que so para c deslocados. A maioria destes imigrantes oriunda de pases com valores elevados deLiberdade Religiosa, pelo que seria sempre previsvel que a estimao do modelo explicativo do nmero de imigrantes devol-vesse coecientes positivos para a varivel relativa Liberdade Religiosa.

    Os resultados da Tabela 10 demonstram, em complementaridade, que dentro do grupo dos imigrantes, existem grupos meno-res relativos a asilados polticos ou religiosos que requerem asilo e residncia ao nosso pas, encarado como um refgio peranteos agravos nos locais de origem.

    Todos os

    pases

    Todos os

    pases

    Todos os

    pases

    2000-2003 2000-2003 2000-2003

    Vv dep. asilo aluno resid

    RE Probit RE Probit RE Probit

    1,289 a 3,027 a 1,147 a

    (0,186) (0,520) (0,158)

    0,05 -0,304 -0,100

    (0,095) (0,234) (0,085)

    -0,068 0,317 -0,012

    (0,067) (0,208) (0,064)

    0,065 0,437 b 0,201 a

    (0,062) (0,197) (0,061)

    -0,031 -0,117 0,122 c

    (0,078) (0,232) (0,072)

    -0,305 -3,231 b 0,262

    (0,225) (1,642) (0,188)

    0,741 c 4,583 a 0,853 c

    (0,402) (1,462) (0,496)

    -0,151 b 0,057 -0,164 b

    (0,077) (0,118) (0,076)

    Wald stat. 86,41 74,33 92,58

    Log

    pseudollhood -156,314 -22,29 -173,608

    N (countries) 126 126 126

    N (observations) 349 349 349

    Nvel de significncia: 1% (a); 5% (b); 10% (c)Erros estimados entre parntesis.

    conflict

    rico

    luso

    ilr

    Vv dep.(-1)

    pop

    popdens

    tvset

    Esta evidncia coloca, desde j, uma necessidade em destaque a de as autoridades nacionais no se esquecerem dos gru-

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    A Liberdade Religiosa como Estmulo Migrao |33

    , j , q q gpos minoritrios de imigrantes que entram em Portugal com objectivos diferentes dos grupos maioritrios, nomeadamente,o reconhecimento, a gesto, a integrao e o acompanhamento de todos os estrangeiros com estatuto de refugiado religiosoou poltico. Se, pois, por um lado, a maioria da imigrao procura uma valorizao prossional, obrigando a uma integraono mercado de trabalho e na sociedade envolvente capaz, j, por outro lado, a presena de estrangeiros que procuram emPortugal refgio de vrias ordens, obriga a desaos adicionais, no s garantindo o respeito pelos seus credos e ideologias,

    mas tambm o acompanhamento das instituies do nosso pas de modo a preservarem patamares elevados de respeito pelosdireitos de todos os homens.

    9. Concluso

    Este trabalho insere-se no ProjectoA Liberdade Religiosa como estmulo migrao, enquanto Relatrio Final.

    Procurou-se apresentar, em primeiro lugar, a construo de um ndice aferidor do nvel de Liberdade Religiosa. De seguida,comprovou-se que a Liberdade Religiosa uma dimenso preponderante para explicar o panorama de imigrao em Portugal,observando-se que valores mais elevados do ndice de Liberdade Religiosa promovem um aumento do nmero de imigrantes,indiciando Portugal como um pas acolhedor de cidados estrangeiros que aqui procuram valorizaes prossionais e pessoais.Por ltimo, descreveu-se a situao de Liberdade Religiosa nos principais pases emissores de imigrantes para Portugal.

    Aps a identicao da base terica, foram escolhidas 15 variveis de modo a suportarem primariamente a construo dondice de Liberdade Religiosa. Tendo em ateno a natureza dos dados e as limitaes dos mtodos alternativos, foi escolhidopara cada observao espcio-temporal o percentil que ocupa na srie total da varivel. Aps esta etapa de normalizao,o mtodo escolhido para explicar a varincia dos dados observados atravs de algumas combinaes lineares foi um mto-do inserido no grupo da Anlise Multivariada o mtodo de Anlise das Componentes Principais Diversicadas, do inglsMultiway Principal Components Analysis. Cada varivel normalizada com um coeciente rodado superior a 0,5 nos factoresextrados recebeu uma ponderao equivalente ao quadrado do coeciente dividido pela varincia explicada pelo factor,originando-se, por este processo de soma ponderada, um indicador intermdio associado a cada um. No nal, cada indicadorintermdio teve uma ponderao igual proporo de varincia explicada pelo respectivo factor.

    Obteve-se desta forma um ndice de Liberdade Religiosa que indica o nvel de respeito pela Liberdade Religiosa, variandoentre 0 (desrespeito total) e 1 (ausncia do registo de situaes de infraco), que evolui temporalmente e que se encontraestimado para mais de 200 pases/unidades territoriais.

    O ndice de Liberdade Religiosa produzido demonstra que a situao varia, de um modo signicativo, volta do mundo. Algunsdos pases com os nveis mais elevados do ndice so a Sucia, Espanha, Portugal, Nauru e o Botswana. Pelo contrrio, soexemplos de pases com elevada restrio Liberdade Religiosa o Paquisto, o Afeganisto, o Iraque, a Nigria, o Egipto e oAzerbeijo, sendo os respectivos ndices mdios (entre 1999 e 2006) caracterizados por valores muito baixos.

    Este esforo pioneiro em dois sentidos. Em primeiro lugar, uma tentativa rigorosa de auferir o padro de uma dimenso to

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    p p pimportante dos direitos de cidadania como o a Liberdade Religiosa, esforo original em lngua portuguesa, como facilmentese constata pela ausncia de tentativas de m semelhante. Em segundo lugar, visa dotar as entidades envolvidas no Projectode uma base de dados nica que permitiu aferir a importncia da Liberdade Religiosa dos locais de origem como motivo dasmigraes, no s destinadas a Portugal, como a outros pases tradicionalmente acolhedores de cidados estrangeiros, assimcomo incluir o padro de Liberdade Religiosa enquanto determinante testvel de outros fenmenos scio-econmicos.

    Nesta sequncia, comprovou-se que a imigrao portuguesa reage positivamente a valores mais elevados do padro de Li-berdade Religiosa, demonstrando que os imigrantes nacionais, no sendo maioritariamente refugiados religiosos, so oriun