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ENTRE A FÉ E O TURISMO: O FOTOJORNALISMO DE CANINDÉ SOARES 1 Sylvana Kelly Marques da Silva UFRN/ Natal, Brasil. Maria Lúcia Bastos Alves UFRN/ Natal, Brasil. A tríade fotografia, paisagem e turismo constituem elementos privilegiados para a análise das performance e produções sócio espaciais no âmbito da arte contemporânea. Para esta reflexão selecionamos fotografias de paisagens religiosas captadas pelo fotojornalista Canindé Soares na divulgação do turismo religioso no estado do Rio Grande do Norte-RN. Profissional liberal o fotógrafo alimenta a imprensa jornalística do estado e outros meios de comunicação virtual com uma significativa produção de imagens das festas religiosas do catolicismo popular as quais passam a construir narrativas de apelo ao fomento do turismo religioso no estado. Sua produção fotográfica abre espaço para identificar a influência do discurso político em prol do turismo religioso como campo atrativo a ser explorado e divulgado. Neste artigo priorizamos imagens fotográficas captadas em eventos no Complexo Turístico Religioso Alto de Santa Rita, na cidade de Santa Cruz-RN. Para fins metodológicos, recorremos às proposições teóricas desenvolvidas por Lefebvre (1991a, 1991b), Walter Benjamin (1987), Guy Debord (2003) e Georges Didi-Huberman (2010, 2013). Em termos operacionais organizamos as fotografias em séries temporais e temáticas, abordando-as enquanto um discurso. A fim de ultrapassar as análises binárias dividimos-as em três níveis de observação experimental: convergente, divergente e insurgente. Às observações acrescentamos os direcionamentos dados por Georges Didi-Huberman, no qual afirma que para além de ser um objeto compreendido a partir de si mesmo a fotografia é um enquadramento recortada pelas distintas relações que a circunscrevem. Desse eixo desmembram-se questões que norteiam o entendimento do processo de produção, enquadramento, espetacularização e (re)elaboração espacial, a fim de romper com a naturalização que padroniza e espetaculariza os espaços, fixando nele as relações de modo a-histórico. Palavras-chave: Fotografia. Paisagem. Turismo. Evento Religioso 1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN

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ENTRE A FÉ E O TURISMO: O FOTOJORNALISMO DE CANINDÉ SOARES1

Sylvana Kelly Marques da Silva – UFRN/ Natal, Brasil.

Maria Lúcia Bastos Alves – UFRN/ Natal, Brasil.

A tríade fotografia, paisagem e turismo constituem elementos privilegiados para a

análise das performance e produções sócio espaciais no âmbito da arte contemporânea.

Para esta reflexão selecionamos fotografias de paisagens religiosas captadas pelo

fotojornalista Canindé Soares na divulgação do turismo religioso no estado do Rio

Grande do Norte-RN. Profissional liberal o fotógrafo alimenta a imprensa jornalística

do estado e outros meios de comunicação virtual com uma significativa produção de

imagens das festas religiosas do catolicismo popular as quais passam a construir

narrativas de apelo ao fomento do turismo religioso no estado. Sua produção fotográfica

abre espaço para identificar a influência do discurso político em prol do turismo

religioso como campo atrativo a ser explorado e divulgado. Neste artigo priorizamos

imagens fotográficas captadas em eventos no Complexo Turístico Religioso Alto de

Santa Rita, na cidade de Santa Cruz-RN. Para fins metodológicos, recorremos às

proposições teóricas desenvolvidas por Lefebvre (1991a, 1991b), Walter Benjamin

(1987), Guy Debord (2003) e Georges Didi-Huberman (2010, 2013). Em termos

operacionais organizamos as fotografias em séries temporais e temáticas, abordando-as

enquanto um discurso. A fim de ultrapassar as análises binárias dividimos-as em três

níveis de observação experimental: convergente, divergente e insurgente. Às

observações acrescentamos os direcionamentos dados por Georges Didi-Huberman, no

qual afirma que para além de ser um objeto compreendido a partir de si mesmo a

fotografia é um enquadramento recortada pelas distintas relações que a circunscrevem.

Desse eixo desmembram-se questões que norteiam o entendimento do processo de

produção, enquadramento, espetacularização e (re)elaboração espacial, a fim de romper

com a naturalização que padroniza e espetaculariza os espaços, fixando nele as relações

de modo a-histórico.

Palavras-chave: Fotografia. Paisagem. Turismo. Evento Religioso

1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN

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1. A TRÍADE FOTOGRAFIA, PAISAGEM E TURISMO E A ARTE

CONTEMPORÂNEA

Temos como fio condutor desse texto a análise da dinâmica espacial;

relacionando-a aos elementos da paisagem, da fotografia e do turismo. Pensando nessas

variáveis, precisamente as expressões visuais, partimos do princípio que com as

imagens construídas pelo repórter fotográfico Canindé Soares pode-se analisar a

influencia dos discursos no formato das produções espaciais que emergem com novas

paisagens que marcam os espaços do Rio Grande do Norte, em prol do turismo religioso

como campo atrativo a ser explorado e divulgado. Essas novas paisagens são

construídas a partir da espetacularização de símbolos religiosos e seculares que

envolvem os festejos do catolicismo popular atendendo a interesses político-

econômicos, sobre grande influência do discurso do turismo direcionado pelas políticas

de combate a pobreza.

Os elementos em questão: a imagem fotográfica, a paisagem e o turismo se

estabelecem em elementos socioespaciais marcantes no contexto atual. Correlacionados,

se constituem em uma tríade estratégica para problematizar distintas produções sociais,

visto que carregam em si um espaço que é compreendido como o resultado da produção

social e do conflito dessa produção (LEFEBRVE, 1999; HARVEY, 2005 ). São eles

mesmos elementos construtores e de construções espaciais que de maneira análoga tem

o olhar como condição essencial para a sua existência cultural. A imagem fotográfica, a

paisagem e o turismo constituem-se em uma maneira elaborada de olhar sobre um

determinado recorte espacial e representá-lo.

Em relação à fotografia, é uma produção cultural moderna que fascinou e

ampliou-se diante da perspectiva de ser um instante do mundo real. Com essa

concepção circulou como meio de informação. Walter Benjamin (2012, p. 97) indica

que a evolução da fotografia para desempenhar os papéis sociais e utilitários foi tão

expressiva que logo após o seu invento, a maioria dos pintores de retratos se

transformou em fotógrafos. “Não é por acaso que o retrato era o principal tema das

fotografias” (BENJAMIN, 2012, p. 174). A fotografia movimentou o acesso visual aos

objetos, paisagens e práticas, que ao serem mirados por uma sociedade que se constitui

em torno da lógica da mercantilização das coisas, se tornam irresistíveis e passam a ser

desejados (BENJAMIN, 2012). Diante desse viés, a burguesia abraçou essa forma de

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representação imagética com certo fascínio, uma vez que possibilitava a expansão de

seus ideais e ajudava a firmar o desenvolvimento da classe.

Com a multiplicação dos canais de informação e dos dispositivos de reprodução

fotográfica, a fotografia se mantém como uma das mais fortes expressões visuais. É um

discurso que circula rapidamente em diferentes espaços e tempos, construindo

concepções e modos de tratar o tema que sustenta com toda a imediatez que a imagem

oferece. Com o poder de circulação surpreendente a fotografia nos faz ingressar em uma

filosofia do espaço, do sujeito e do mundo que o circunscreve. Em contraposição, os

seus usos e apreensões sociais não se traduzem em “um espelho neutro, mas um

instrumento de transposição, de análise, de interpretação e até de transformação do real,

como a língua, por exemplo, é assim, também, culturalmente codificada” (DUBOIS,

1993, p.26). O que passa a requerer sobre esse tipo de imagem uma leitura reflexiva

associada ao contexto socioespacial em que se insere e aos meios de comunicação no

qual atua como suporte, meios que direcionam a produção do seu sentido.

Já a paisagem é um espaço de representação social que em sua dimensão

histórica esteve interligada à sociedade de diferentes modos, sofreu distintas

interpretações que auxiliaram nas construções de identidades e sentidos por meio de um

processo contínuo e dialético (LEFEBVRE, 1991). Segundo o historiador Alain Corbin

(1989), na história do ocidente, nem sempre as paisagens que hoje são valorizadas,

foram aprazíveis e dignas de deleite, muitos espaços, inclusive, eram considerados

como não propícios aos humanos; como a praia, por exemplo. A partir da reflexão do

autor temos em conta que um espaço representado por uma determinada paisagem

transcende a ideia da apropriação de um espaço físico, natural ou real.

As diferentes paisagens estão além de ser um palco fixo para as tramas humanas,

pois, constituem-se em múltiplos significados culturais (CLAVAL, 2004). Determinam

um modo de ver que enquadra e organiza o mundo externo em uma cena simbólica

(COSGROVE, 1998). No contexto socioeconômico da produção capitalista do espaço a

estética que envolve a paisagem está permeada por diferentes tipos de apologias ao

consumo, caso da apropriação de distintas paisagens pelo turismo. Um bom exemplo é o

da própria praia, que deixa de ser um espaço não propício aos humanos, e passa a ser

uma paisagem qualificada ao consumo e lazer, cujos distintos elementos materiais e

imateriais que a compõe, inclusive os elementos humanos, são valorizados como

mercadoria turística.

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É o que podemos dizer que acontece com a paisagem construída e estruturada

nos espaços circunscritos pelos múltiplos sentidos dos eventos culturais intermediados

pelo imaginário do turismo enquanto possibilidade de expansão do próprio evento em

prol do desenvolvimento econômico local. No caso desse artigo, nos referimos as

manifestações culturais que coadunam-se aos eventos tradicionais do catolicismo

popular na cidade de Santa Cruz, interior do estado do Rio Grande, Região Nordeste do

Brasil, espaço em que os bens culturais que emergem estão relacionados a um conjunto

singular de construções discursivas e visuais construídas nas primeiras décadas do

século XX. Entre os discursos e visualidades que formam esse espaço está a reação

conservadora, de uma elite local, contra a sociedade capitalista em prol da estrutura

social colonial. Momento em que as famílias tradicionais da aristocracia agrária

vivenciavam o cotidiano rural e a religiosidade católica com suas festas e rituais; o que

corrobora, posteriormente, para a construção de uma cultura dita tradicional, folclórica e

popular em torno da região (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006; 2012; 2013).

Recentemente a religiosidade de certos grupos expressos na fé aos santos

padroeiros por meio das procissões, novenas e festividades musicais que incluem

momentos religiosos e profanos, entra no roll dos interesses dos agentes de turismo e

colocam os espaços que a suportam em posição privilegiada para o desenvolvimento da

atividade. Os eventos passam a ser adequados ao seguimento denominado por turismo

religioso; nesse segmento as festas de santos padroeiros são retrabalhadas e entram

como parte dos roteiros de viagem. Conforme, Lefebvre (2001, p.56), era na cidade que

os monumentos e as festas forjavam seu sentido, inclusive às significações oriundas

do campo, da vida cotidiana, da religião e da ideologia política. São eventos

acrescidos da peculiaridade dos diferentes lugares e regiões pressupondo que a “função

da forma espacial depende da redistribuição – a cada momento histórico, sobre o espaço

total – da totalidade das funções que uma formação social é chamada a realizar”

(SANTOS 2002, p.31).

No mercado turístico de bens simbólicos os recursos religiosos são recortados

nos espaços como centro de visitações transformando-se em paisagens. Sobre o turismo

religioso, no que diz respeito à religião católica, é uma atividade que emerge na Europa

do pós-guerra com o decréscimo da prática religiosa institucional e o aumento da

secularização da sociedade em paralelo a difusão das viagens facilitadas pelos meios de

transporte. É um segmento do mercado turístico que combina o religioso/espiritual com

o profano/secular, no qual operadores turísticos e entidades religiosas envolvem-se com

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as viagens que abarcam essas esferas religiosas. Para a instituição religiosa, além dos

aspectos econômicos, existe a necessidade de associar à atividade turística as

perspectivas de evangelização e de legitimação do local sagrado, histórico e artístico

visitado (OLIVEIRA, 1998).

publicidade, entre outras dimensões das relações humanas que envolvem a

atividade.

2. CANINDÉ SOARES E A INTERIORIZAÇÃO DO TURISMO

O turismo é uma atividade que se constrói, em grande medida, por intermédio

das paisagens, essas influenciam em diversos deslocamentos turísticos. Direta ou

indiretamente as pessoas vislumbram as paisagens, muitas vezes através de uma

fotografia. A imagem fotográfica constrói uma multiplicidade de significados

simbólicos para a atividade turística que estimula o receptor ao deslocamento. Viajar é

antes de tudo criar um imaginário do que se vai ver e viver, é experimentar os espaços

primeiro na mente por meio das imagens pré-visualizadas, é idealizá-los, planejá-los e

só depois materializá-los. Como afirma Susan Sontag (2006, p. 172) a máquina

fotográfica estimulou novos desejos de visualidades, a relação de consumo com os

espaços foi excitada por esse segmento imagético, propenso e versátil que é a fotografia.

Para construir o desejo do turismo a fotografia precisa ser convidativa ao olhar a

fim de criar expectativas no outro, ainda, se constitui em um artefato que auxilia a

organizá-lo e ordená-lo socialmente. As fotografias em evidência no estado do Rio

Grande do Norte estão sendo, majoritariamente, elaboradas pelo fotojornalista Canindé

Soares. Indiscutivelmente, um dos maiores representantes desse segmento fotográfico

no estado do Rio Grande do Norte. O profissional privilegia o fotodocumentário, em

que se trabalha de maneira projetada, possuindo um conhecimento prévio do assunto e

das condições em que pode desenvolver o plano e a abordagem do tema traçado. A

maioria das fotografias do Canindé Soares têm origens sociais definidas – para a

imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de informação de atualidade.

No estado do Rio Grande do Norte, em um determinado período, mais

precisamente o de utilização das câmaras analógicas, os profissionais eram contratados

por diferentes agências ou setores da mídia para fazer imagens com foco pré-

determinados. Mas, como tendência global de comercialização de fotografias e a

entrada das imagens digitais, os profissionais, atualmente, constroem suas imagens de

modo “avulso” ou freelancer. Nessa lógica o fotógrafo percorre pontos considerados

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estratégicos na dinâmica social das suas relações captando diferentes imagens a fim de

construir um catálogo virtual que poderá ser visitado por uma agência ou um produtor

interessado em comprar as fotografias expostas (MARQUES, 2013).

A trajetória profissional de Canindé Soares, de quase 40 anos, percorre esses

dois momentos distintos de produção imagética e de relações profissionais. Nascido no

interior do estado, no município de São Bento do Trairí, cidade que tem até os dias

atuais metade da sua população ainda vivendo em zona rural, é filho de agricultores que

mudaram-se para a capital do estado em busca de melhores condições de vida. Já

vivendo em Natal, na década de 1970, Canindé começa a fotografar, tinha por volta dos

17 anos de idade e foi motivado pela aproximação que teve com nomes conhecidos da

fotografia natalense, como Fred Galvão, Décio e Lauro que eram donos do Estúdio Blue

Art, localizado na Cidade Alta. Começou fazendo a entrega do material produzido por

esses fotógrafos, ainda no período dos filmes em preto e branco.

Iniciou sua produção fotográfica com o as imagens em preto e branco na

periferia de Natal, cobria pequenos eventos como batizados, casamentos e aniversários

Desse período, não sente saudades, aliás, não gosta nem de lembrar-se do contexto. As

dificuldades enfrentadas pelos escassos recursos financeiros deixaram marcas, o período

das analógicas é caracterizado, para o profissional, pelo alto custo dos equipamentos,

por materiais escassos, comunicação fragmentada e muitas vezes até inviabilizadas.

Enfrentou obstáculos e transpôs fronteiras para construir-se enquanto profissional do

fotojornalismo.

Trabalhou para o tablóide os dois pontos, dois lados da notícia; em sequência

para o Jornal o RN Econômico e; prestou serviço para praticamente todos os jornais do

estado, tendo sido funcionário do Jornal Impresso Tribuna do Norte durante anos; hoje

atua como freelancer. No trabalho que desenvolve, com apoio das redes sociais, faz

parceria com empresas e com os colegas de profissão que prestam assessoria de

imprensa, participou do Sindicato dos Jornalistas do RN em funções de conselheiro até

diretor. Afasta-se aos poucos das coberturas de pequenos eventos festivos para

privilegiar o que gosta de registrar: grandes eventos e paisagens

No decorrer da sua profissão sofreu várias influências, em âmbito internacional

relembra a importância do Henry Cartier-Bresson (1908-2004) para toda uma geração

de fotojornalistas. No Brasil o nome Sebastião Salgado o inspira quando pensa no papel

social que a fotografia tem de denunciar certos contextos sociais. Já as trocas mais

significativas para a construção do seu olhar vem de amigos como o fotógrafo Giovanni

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Sergio, Evandro Teixeira e Orlando Brito. Seus registros além de circularem em jornais

e revistas do estado, percorrem também a imprensa nacional e internacional, como o

VG Net (Noruega); Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, Revista Caras, Revista Veja,

Revista Isto É; entre outras.

Fotografou várias personalidades como repórter exclusivo. Entre elas o ex-

presidente norte americano Bill Clinton, o jogador de futebol David Beckham, a modelo

internacional Gisele Bündchen, o jogador Pelé, entre outros. É o primeiro fotojornalista

potiguar a receber o Prêmio Abril de Fotografias, além de prêmios e titulações locais

como o Troféu Cultura; o prêmio Talento Potiguar; Troféu Lambe-lambe da Associação

Potiguar de Fotografia; The Best of the Year, entre outros. Foi agraciado com o título de

Cidadão Natalense pela Câmara Municipal de Natal, em decorrência do arquivo

fotográfico construído da cidade. O Profissional frequentemente concede entrevistas à

mídia televisiva e impressa

“Vem ver Natal” foi o primeiro livro a ser publicado em 2010, a convite da

prefeitura da cidade, esse livro respaldou e incentivou o profissional a organizar a

segunda publicação que foi lançada no ano de 2012 com o título de “Natal por Canindé

Soares”. O segundo livro que já está na segunda edição, vendeu no dia do lançamento

mais de 200 exemplares a um público, majoritariamente, de amigos. Mesmo sendo um

livro com grande apelo turístico teve como público alvo os moradores da cidade e

empresas locais. Nas palavras do autor: “O grande público dos meus livros são as

pessoas que moram em Natal e querem presentear e mostrar aos outros essa cidade. Eu

resumi o que a cidade tem de melhor e de mais bonito”. O terceiro livro, “Natal em

fotos” com textos em português e inglês destaca aspectos culturais, religiosos e sociais e

foi lançado em 2014, antes do evento da Copa do Mundo.

Em seus livros são reveladas vistas aéreas diurnas e noturnas da capital. Luzes,

sombras, altos contrastes e temperaturas quentes propagam diversas paisagens do

litoral. Efeitos de longa exposição dão movimento a apresentações culturais, a

fabricação de artesanatos e constroem caminhos de luzes que enfeitam, elaboram e

dinamizam o imaginário da vida noturna. A arquitetura passada é enquadrada

horizontalmente em posição de destaque, reforçada por cores saturadas, o privilégio são

para os prédios que representam os poderes políticos e as igrejas católicas. Ainda há

espaço para rios, açudes, frutas, grutas, carnavais e procissões. De modo geral, os

espaços privilegiados na fotografia de Canindé Soares são locais que estão sendo

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reapropriados em consonância com políticas públicas que se relacionam com a atividade

turística2.

O fotógrafo tem contado com o apoio do estado, de órgãos representantes do

turismo e de empresas privadas para produção de livros com paisagens turísticas, entre

outros projetos ligados a atividade, com maior foco na capital. Entretanto, com o

processo de interiorização do turismo pelo qual passa o Rio Grande do Norte o foco do

profissional tem se direcionado espaços do interior. O grande interesse pelo turismo, de

acordo com Edna Furtado (2005), está relacionado à crença de que uma cidade ao seguir

um modelo de atividade turística adequada eleva-se em vários segmentos econômicos e

sociais.

Dos diferentes propósitos que podem ser classificados como motivadores de

organização da atividade turística nesses espaços estão às festas religiosas. Esses

eventos têm sido apontados como uma alternativa favorável ao estímulo da atividade em

diferentes espaços. Envolvem expectativas proclamadas por diversos segmentos sociais

– governo, igreja, iniciativa privada, população local, peregrinos e turistas - e passam a

fazer parte de uma agenda cultural estabelecida pelos programas de turismo (ALVES,

2013a). As perspectivas que envolvem essas paisagens atraem a atenção do profissional,

que já tem em mente a produção de um novo livro. Segundo Canindé seria um a

publicação em privilégio ao turismo religioso no Rio Grande do Norte, destacando as

principais paisagens culturais e religiosas do povo potiguar, reuniria fotografias de

procissões, espetáculos, festas religiosas, igrejas, espaços de culto, diferentes práticas e

hábitos culturais dos cristãos católicos. O projeto está organizado, porém, no aguardo do

apoio financeiro3.

O estado do Rio Grande do Norte em razão das políticas de incentivo ao

turismo está focado em promover a atividade em eventos que se revestem em cenário de

fé e devoção. Os diferentes modos de intervenção estatal na produção espacial da capital

norte-rio-grandense vem apoiando e sustentando as relações entre a atividade e o

capital. E, atualmente, com o ministério dedicado exclusivamente ao turismo –

Ministério do Turismo (MTUR) desde 2003 – a atividade destaca-se ainda mais nos

planos governamentais.

2 Apesar dos títulos ser referirem a Natal, as fotografias não se limita ao espaço da capital , mas sim as

paisagens mais relevantes culturalmente, economicamente e turisticamente no estado do Rio Grande do

Norte. 3 Afirmação foi coletada em entrevista feita com o fotojornalista em 11 de dezembro de 2015.

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Destaca-se, entre as políticas de incentivo ao turismo, o Programa de

Regionalização do Turismo (PRT); cujo objetivo é a mobilização de diferentes agentes

para estimular a atividade e possibilitar o resgate ou aprimoramento de ações realizadas

por outros programas e instituições vinculadas ao turismo, incluindo ações necessárias

e/ou ausentes. O PRT que surgiu dentro da Política Nacional de Turismo (PNT), em

2004, na proposta dos “Roteiros do Brasil” é considerado pelo MTUR como um plano

estruturante para a atividade. E serve como parâmetro para percebermos as

transformações na estruturação de eventos religiosos em destinos turísticos.

3. FOTOGRAFIAS: O IMPACTO VISUAL DAS NOVAS PAISAGENS

A fotografia é um processo técnico a partir do “gesto humano fixado e

cristalizado em estruturas que funcionam”. No seu contexto industrial e massivo, a

técnica é concebida como uma forma de automatização ou de padronização, não deixará

de ser o conhecimento científico materializado nos meios técnicos, uma vez que não se

formam naturalmente, por um encontro fortuito entre o objeto e o suporte de registro.

Contudo, a fotografia só existe quando há uma intenção de produzi-la, por parte de um

ou mais operadores detentores do know-how específico, e quando se dispõe dos aparatos

técnicos para produzi-la (câmera, lente, iluminação, fotômetro embutido ou separado da

câmera, infraestrutura de revelação, entre outros instrumentos), esse desenvolvido

depois de vários séculos de pesquisa científica e produzido em escala industrial por um

segmento específico do mercado.

O espaço gravado pela câmara fotográfica vai depender de um extraordinário

número de mediações técnicas organizadas pelo operador a partir da sua interpretação

de mundo. Nesses termos a paisagem como imagem e representação do espaço é uma

representação de um espaço produzido, ou da história de um espaço produzido, ou de

um espaço desejado. É uma cena, um recorte espacial, aqui considerada captada e

representada por diferentes ângulos de tomadas fotográficas.

Canindé Soares é o que podemos chamar de fotógrafo de paisagens, tem

preferência pelas distintas paisagens urbanas e eventos grandiosos. Com uma câmara

7D da marca Canon e de posse das lentes grande angular ou teleobjetiva busca a beleza,

o charme e o melhor ângulo para o seu objeto, que poderá ser aperfeiçoado com os

recursos que a tecnologia digital oferece, caso o profissional entenda ser necessário.

Soares é um profissional que deixa claro a relação íntima que tem com o estado

do Rio Grande do Norte, tanto quanto espaço, como lugar de vivência. Conhece

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distintas paisagens da capital e de diferentes cidades, caminha com segurança em

diferentes zonas, e geralmente é reconhecido pelas pessoas por onde passa, são amigos

de infância, colegas de profissão, parceiros de algum tipo de atividade. E o

fotojornalista não nega que essa intimidade com o espaço que registra e com as pessoas

que vivenciam e organizam esses espaços tem sido primordial para o seu

reconhecimento profissional. Nas redes sociais, ao postar uma imagem fotográfica,

rapidamente consegue concentrar em torno do registro centenas de reações positivas dos

usuários da rede. A visualidade em torno dos registros do profissional é significativa, o

autor, de modo geral, revela o Rio Grande do Norte para os próprios norte-rio-

grandenses a partir do seu olhar e da sua técnica. São expectadores que orgulhosos

legitimam belezas do que é mostrado através do direcionamento de Canindé.

Cada vez mais tem sido constante no site do fotojornalista os espaços que

comportam eventos religiosos, concomitante aos investimentos do poder publico no

interior do estado organizando novos espaços e ampliando o escopo de paisagens

sagradas. O turismo religioso, de modo geral, difere-se de todos os outros segmentos do

mercado turístico por ter como motivação fundamental a fé.

De acordo com a Conferência Mundial de Roma, realizada no ano de 1960, o

turismo religioso se traduz em uma atividade que movimenta peregrinos em viagens de

fé ou de devoção a algum santo. Na prática são viagens destinadas a locais

especificados como sagrados, a congressos e seminários religiosos, a festividades

religiosas celebradas periodicamente, a espetáculos e a apresentações teatrais de cunho

religioso. Estes passeios turísticos estão correlacionados, majoritariamente, ao

calendário e acontecimentos religiosos das localidades receptoras dos fluxos turísticos.

Inseridos nas atividades de cunho turístico, os eventos perdem algumas características

essenciais e passam a figurar como atrativos de distintos visitantes, romeiros e turistas.

Tornam-se espetáculos de forte apelo econômico, com intervenções políticas

promovidas pelo estado, prefeituras e iniciativas privadas, cujos objetivos se pautam na

promoção e incentivos à “preservação” e divulgação das práticas religiosas tradicionais

(ALVES, 2013).

Dos espaços para eventos religiosos que são (re)organizados o repórter

fotográfico Canindé Soares tem registrado e difundido nas diferentes mídias fotografias

de uma paisagem recente na história do rio Grande do Norte: a do Complexo Religioso

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de Alto de Santa Rita4, na cidade de Santa Cruz

5. Um recorte espacial feito no Monte do

Cruzeiro para comportar um monumento de concreto armado com 56 metros de altura,

que representa um símbolo da fé do cristianismo católico; a Santa Rita, considerada

também pela religião e por seus fiéis a padroeira da cidade e “madrinha dos sertões”. O

Complexo Turístico Alto de Santa Rita foi inaugurado em 27 de junho de 2010, e a

atração turística baseia-se no tamanho do monumento.

O evento da religião católica de mais destaque na cidade é a Festa de Santa Rita,

que acontece entre os dias 13 e 22 de março, com várias programações

sagradas/profanas que reúnem moradores de bairros periféricos, centrais e

representantes do setor político e comercial da cidade. Nos últimos anos, com a

construção do Complexo, parte da festa foi deslocada para o complexo e novos rituais

foram incorporados. À exemplo missas dominicais celebradas no Santuário, benção do

Santíssimo, além do incentivo por parte da paróquia em organizar romarias em prol da

dinamização do local. É uma nova paisagem que resultou da parceria entre prefeitura

local e governo do Estado, objetivando incorporar a região do Agrestre/Trairi no roteiro

turístico. O complexo obteve cerca de R$ 6.000.000,00 advindos dos recursos

municipais, estaduais e federais.

De acordo com a pesquisa “Festas Religiosas e Políticas Públicas de Turismo:

uma análise do Programa de Desenvolvimento Regional (PRODETUR)” 6 desenvolvida

pela base de pesquisa da Professora Maria Lúcia bastos Alves, o Pároco da Cidade

Padre Vicente Fernandes, afirma que “a grande imagem de Santa Rita de Cássia coloca

a cidade de Santa Cruz na rota do turismo religioso do país (...) e estamos oferecendo

aos católicos do Brasil um lugar com infraestrutura adequada, onde os milhares de

devotos poderão vir vivenciar sua fé e pagar suas promessas”. Entretanto, outras

concepções em relação ao santuário são percebidas, estudantes universitários afirmam

que o incentivo ao turismo religioso não proporcionou melhoria na qualidade de vida

da população. E, afirmam que os incentivos da prefeitura para capacitação de

profissionais que atuassem no âmbito do turismo foram paliativos7. De acordo com

alguns moradores avanços econômicos e sociais que foram observados na cidade não

4 Santuário que abrange uma aérea de 2.800 metros quadrados, composto por igreja, duas capelas,

auditório para 225 pessoas, praça de alimentação, restaurante, salas dos milagres, salas para atendimento

de saúde e administração, lojas de artigos religiosos, pátio de estacionamento e um mirante que contempla

a região serrana do Agreste/Trairí. 5 Município brasileiro localizado na Mesorregião Agreste Potiguar. Está a 111 km de distância da capital

do estado: Natal. A cidade possui aproximadamente 36 mil habitantes (IBGE/Censo 2010). 6 Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa/ CNPq. no biênio 2011 e 2012.

7 Para mais informações sobre a pesquisa ver Alves 2007; Alves 2013a e 2013b.

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provém da construção do Complexo Alto de Santa Rita, mas de outros investimentos

nos setor educacional e comercial. Entretanto, eles acreditam que as estratégias

utilizadas pelo poder público local, aliadas à divulgação midiática de um turismo

religioso, oferecem à população a possibilidade de melhoria de vida, uma vez que o

turismo religioso pode gerar empregos, trazendo o desenvolvimento para a cidade.

Um aspecto importante destacado por Alves (2013b) é que apesar da construção

do Complexo Turístico – que reorganiza um movimento religioso que pode fornecer os

marcadores necessários à construção de identidades locais – e do próprio incentivo da

Igreja Católica; os romeiros de Santa Rita, principalmente os provenientes da zona rural,

não se sentem representados pelo monumento construído em termos da devoção. As

preces desses grupos são direcionadas a uma pequena imagem que fica na igreja matriz,

sendo o Santuário lugar mais para visitação. Esse aspecto chama a atenção para a

importância do acervo de imagens da nova paisagem construídos por Canindé Soares,

pois destaca que não há um turismo religioso, esse começa a ser fomentado a partir de

uma rede de relações construídas em prol do turismo religioso . Canindé Soares constrói

essas paisagens ao mesmo tempo em que é construído por toda um arquivo imagético e

discursivo em relação ao espaço em voga e as direciona aos fiéis para que esses criem

uma identidade com o local.

4. DIANTE DA FOTOGRAFIA: NÍVEIS CONVERGENTE, DIVERGENTE E

INSURGENTE:

Procuraremos ir além da dicotomia realidade/ficção, revelação/ocultação; no

qual se compreende que a fotografia evidencia espaços ao mesmo tempo em que os

camufla. Para isso usaremos análises que, é claro, fundamentam-se, nas dicotomias;

realidade/ficção, revelação/ocultação; iconografia/iconologia; descrição/interpretação;

primitivo/complexo. Contudo, ousaremos ir adiante, ancorados nos três níveis de análise

ao qual se refere Lefebvre (1991a); que tem na dedução “meio caminho andado”, na

indução “a outra metade do caminho”, mas, só no terceiro movimento, o de transdução,

é que tem “o caminho inteiro”. Por ser um movimento contínuo, abre-se “o horizonte

para o real e o possível, o investigativo e o explicativo, dialeticamente”. A transdução

instrumentaliza-se com o olhar ao passado, a fim de compreender e atuar no presente

para influenciar o futuro. É o movimento que elabora um objeto teórico, “a partir de

informações que incidem sobre a realidade, bem como a partir de uma problemática

levantada por essa realidade”, pressupondo uma retroalimentação constante entre o

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teórico e o empírico. “Ela introduz o rigor na invenção e o conhecimento na utopia”

(LEFEBVRE, 1991b, p.108). Na operação desse conceito Lefebvre dá ao conhecimento

científico a possibilidade de lançar-se ao desconhecido. Para citarmos Wright Mills

(1975), esse seria o caminho profícuo que o pesquisador tem para ir ao encontro da

imaginação sociológica.

Inspirados pelas terminologias “Convergente”, “Divergente” e “Insurgente”

tentaremos construir uma metodologia experimental de análise da fotografia, com

privilégio para as relações socioespaciais. Para tal selecionamos 04 fotos que estão

disponíveis no site do repórter fotográfico. Nesse momento experimental unimos quatro

fotografia em um: grupo A, que tem como tema a inauguração do Complexo, no ano de

2010. A análise será feita a partir dos grupo e não pela imagem individual. As imagens

mostram primeiro o monumento de frente ao expectador, seguimos com a imagem de

um senhora em sinal de devoção, após as faixas de agradecimentos aos organizadores

do Complexo e por fim a imagem do monumento no canto superior direito em posição

lateral, ao descer o olhar na mesma direção da estátua encontra-se a igreja, logo abaixo

do monumento, com privilégio a pequena parte da cidade.

i. O nível convergente: É o primeiro nível privilegia o aparente. São as

representações existentes que correspondem ao conhecimento comum, aos códigos

convencionalizados socialmente, imóveis, distante do real, originários do saber técnico

e ao mesmo tempo ideologizado. Nesse nível, apesar de já termos um escopo de análise,

decidimos mostrar a imagem para diferentes pessoas e foi comum a relação com a

grandiosidade do monumento a um espaço religioso. Chamou atenção às faixas que

expressam o agradecimento em relação à importância de tal obra para o local, mas

também deixa claro para os expectadores a relação forte da obra religiosa com os grupos

políticos. A intenção do fotógrafo na captura dos ângulos é majoritariamente o que está

sendo apreendido pelos receptores, ou seja, recortes que determinam a grandiosidade da

imagem de Santa Rita.

É o monumento construído no ponto mais alto da cidade o que determina seu

sentido e poder. O azul do céu e o verde das matas com contraste forte e definido

circundam a cor fria do concreto, destacando sua forma e força. A única pessoa que

aparece nesse grupo de imagens é uma senhora com os braços levantados inferior diante

de tal monumento, mais ainda, sem rosto, com vestes simples e cabelos mal tratados

representa a humildade de um grupo de fiéis diante de tudo que o monumento

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simboliza. Pode ser que agradeça uma graça alcançada ou pode ser que suplique a Santa

os seus desejos que espera ver realizados.

O recorte das faixas não pode ser desprezado pois eles destacam agradecimentos

a dois nomes influentes na política local: são os indivíduos que para esse público

materializaram uma graça com a construção do Complexo. Essas são as vozes que

ganharam eco: da Associação dos Vaqueiros da Região do Trairí e dos que representam

os Moradores do Conjunto Cônego Monte. Por fim, a imagem da Santa Rita em

diagonal aparece no ponto máximo da imagem. É uma alusão a grande benção para a

cidade, logo abaixo está à igreja, que na fotografia se mantém na mesma reta do

monumento, ordem hierárquica dos poderes que socialmente se relacionam e se

circunscrevem. Não há nenhum prédio maior que a Igreja, mas, paradoxalmente, nem

mesmo a igreja ofusca a grandiosidade da Santa Rita, que na religião é uma das

mediadoras de diálogos com o Deus.

ii. O nível divergente: Aqui pensamos no desencontro com a representação

convencional, para revelar os elementos subjetivos localizados no visível se opondo ao

homogêneo em busca das tensões cotidianas das relações sociais. É a adoção de uma

visão não clássica que identifica os diferentes níveis de realidade que envolve o

contexto em que foi captada a imagem. Busca-se os elos por intermédio do significado

oculto no fetichismo das coisas aparentes. Para tal é necessário investigar a realidade

local, quem são os envolvidos com o projeto, como a população se comporta diante de

tal espaço e como esses espaços vão se ligando em uma rede complexa de significados e

construindo e legitimando discursos em prol do turismo.

Canindé Soares representa por meio de suas fotografias empresas, pessoas e

instituições. Nesse caso, os grupos que tem interesse em divulgar a nova paisagem para

fomento do turismo local e também para a divulgação da fé católica. Didi- Huberman

(2013), afirma que essas imagens estão enquadradas por aspectos sociais, culturais e

ideológicos que constroem um discurso. São fotografias que carregam um discurso de

reelaboração e elaboração da paisagem em prol de um vínculo com as políticas de

turismo para fomento da economia. São novos espaços com novos agentes, mas que

remetem-se a um arquivo de imagens culturais já pré-estabelecidos, do próprio povo

nordestinos e suas tradições com a fé católica. Reificados, os fragmentos dessas ditas

tradições, com os seus rituais e mitos, transformados em bens culturais oferecem

suporte à atividade turística que comercializa-os com diferentes roupagens, mas

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remetendo ao imaginário dos resquícios de um espaço rural e tradicional, através de

novas elaborações.

Essas políticas públicas de turismo estão relacionadas a toda uma concepção de

turismo que é dirigido para o nordeste, caracterizando-se através de uma externalidade

do olhar, que retira a centralidade e a profundidade do ato religioso em si, associando-se

mais a um espetáculo (DEBORD, 2003). O próprio monumento é um espetáculo. Alves

(2010) afirma que numa expressão típica do catolicismo popular, os devotos, ao se

depararem com a gigantesca estátua, exclamam: “Valei-me Santa Rita!”, fazendo alusão

não só às súplicas costumeiramente dirigidas à santa, como também ao espanto causado

pelo tamanho da gigantesca estátua.

Formas atuais de religiosidade que em coerência com as diferentes dimensões

socioespaciais persuadem peregrinos/turistas a inclinarem-se para a vertente do

consumo das manifestações de fé e eventos. Já que para tornar o espaço comercializável

e convidativo ao turismo, muitas vezes é necessário à ampliação de signos e mitos.

Canindé Soares recortado por seus filtros culturais não fotografa o que vê, mas vê o que

fotografa a partir de categorias de representação, de concepções, de um estilo. As

fotografias expostas atendem a uma demanda de paisagem turística, comercializável,

são espaços considerados comerciais diante do segmento do turismo religioso. Nesse

caso, ele tem em mãos o que já foi construído no imaginário brasileiro sobre o nordeste,

sobre as paisagens do nordeste e das relações dos indivíduos locais com a fé a fim de

recortar sua paisagem (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006).

As fotografias indicam possibilidades de progresso econômico local fomentados

pelo turismo mesmo remetendo-se a imagens já pré-estabelecidas, pois dialogam com o

novo. Nesse caso é uma dada representação simbólica, que não se limita a uma baliza

temporal, mas é um processo contínuo em constante metamorfose, no qual a fotografia

sempre se prestará aos seus usos. Incentivada pelos grupos que tem interesse nessas

novas representações como políticos, empresários e agentes religiosos, são

materializações que embora destaquem neutralidade e foco na população local acabam

por atender os interesses políticos imediatos dos grupos dominantes. “São as

circunstâncias que envolvem o assunto e a própria representação”, que podemos

observar ao mergulhar no conteúdo dessas imagens (KOSSOY, 2009, p. 132).

iii. O nível insurgente: É o nível que, dialogando com os outros níveis

propostos de modo simultâneo, dedicaremos ao debate sociológico e a proposta de

recriação social, com ênfase no horizonte para o real e o possível, o investigativo e o

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explicativo por meio de múltiplos sentidos que envolvem as relações socioespaciais. É o

nível da análise rebelde, visto que buscaremos contestar o pensamento conservador que

constrói seus alicerces de modo hegemônico e o sistema capitalista como um todo,

buscando expressar e denunciar a forma com que as contradições sociais manifestam-se

no espaço urbano e é captado pela fotografia. Buscar-se-á nesse nível propor

infraestruturas e formas organizacionais capazes de apoiar e desenvolver relações

sustentáveis para os cidadãos em geral.

Há na representação da paisagem a espetacularização de um símbolo que

representa uma fé, do mesmo modo em que o monumento se eleva diante da cidade e da

própria instituição católica, acaba por subtrair a população. A população subtraída

dessas imagens pulsa, mas quando aparece está passiva diante do que se construiu. Fica

como uma massa homogenea diante dos diferentes grupos se articulam em função dos

interesses expressos na competência e nas relações de poder, que envolvem a

organização dessa nova paisagem. Políticos, empresários, comerciantes, clero e

moradores locais constroem suas referências mediante os múltiplos significados que as

as novas paisagens propiciam.

O Complexo, surge, portanto, como alternativas de lazer, principalmente para a

população de baixa renda, que não dispõe de recursos para praticar o turismo na

perspectiva capitalista acessível às pessoas de alto poder aquisitivo. Essas pessoas não

consideram suas viagens como um turismo, e muitos desconhecem o significado do

turismo religioso. O que não inviabiliza visitarem o santuário, assistirem missas,

acenderem velas, pagarem promessas e envolverem-se nas atividades consideradas

profanas que giram em torno do complexo, como a participação em bailes, leilões,

consumo de bebidas alcoólicas, compras de lembranças, entre outras.

No campo emergem as disputas de interesses, por parte do poder local,

preocupado em administrar os recursos públicos e aproveitar o fomento ao turismo

religioso como mais uma oportunidade de angariar votos e lucros. Já os residentes na

cidade e adeptos de outras instituições religiosas, a exemplo dos pentecostais, não

aprovam a alocação dos recursos para valorização da fé católica, criticando a posição

assumida pelos políticos que insistem em valorizar esses rituais. As entrevistas apontam

que, apesar de moradores, visitantes e peregrinos considerarem o Alto de Santa Rita um

local que deu visibilidade à cidade, destacou o descontentamento em relação à

mudanças ocorridas nos eventos festivos da santa padroeira. Ao mesmo tempo em que

percebe-se resistências nesse processo de fomento ao turismo religioso, seja por parte

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dos moradores, peregrinos e adeptos de outras religiões, há também uma conivência ou

acomodação por parte da população que, mesmo criticando a política local, nada fazem

para enfrentar a situação.

Grupo A: Inauguração/26 de junho de 2010

Fonte: canindesoares.com; Data: 27 de junho de 2010.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob o ângulo de Canindé Soares percebemos imagens que identificam um

discurso. Esse discurso está sob a influência das políticas de turismo com valorização ao

segmento do turismo religioso. Atualmente, depois de todo o investimento público em

prol do Complexo Religioso Alto de Santa Rita existe na cidade de Santa Cruz uma

expectativa de ser materializada a atividade em seus espaços, essas expectativas vem

trazendo transformações, que nem sempre estão em acordo ou propícias ao bem estar da

população local, ao contrário, muitas vezes o recorte da cidade para a materialização de

espaços destinados ao turismo causa segregação espacial e supervaloriza os bens de

1) Vista Frontal 2) Senhora em Devoção

3) Agradecimentos 4) Vista Lateral

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consumo local, excluindo o residente de vivenciar espaços de sua própria cidade. No

mais, segregam outras crenças, visto que a religião católica é a única na atualidade de

origem cristã que carrega o costume da construção de imagens para adoração. Mesmo

outras religiões que fazem parte da cultura brasileira, como as originárias dos

afrodescendentes, não carregam essa prática.

A sociedade é feita de possibilidades diferentes e o projeto turístico é um dos

projetos que no decorrer das décadas ganha força e passa a ser central nas perspectivas

dos gestores da cidade, mas não exclui outras perspectivas, por não ser uma construção

isolada, uma vez que está inserido em um contexto socioeconômico mais amplo. E,

essas fotografias que carregam o discurso das políticas públicas de são de extrema

importância para a consolidação das novas paisagens e para o entendimento dessa nova

dinâmica. A própria identidade que é necessário construir entre os fieis com o espaço

vem sendo alimentada pela fotografia que fixa imaginários, e se de um lado envolve os

indivíduos locais e agrega símbolos na construção de suas memórias espaciais,

fortalecendo as relações de pertencimento e de coletividade, por outro lado, se prestam a

inculcação de ideologias que são encomendadas, planejadas e produzidas servindo a

finalidades concatenadas a lógica capitalista de produção/consumo de espaços, pessoas

e objetos.

Não deixam de ser perspectivas da cidade promovida por grupos que na ânsia de

corresponder aos aspectos sociais, econômicos, políticos e urbanos do que

“majoritariamente” considera-se “ideal” encenam um jogo de contradições, de

manutenção de diferentes lógicas, que muitas vezes até excluem-se. São imagens que ao

articular o turismo, a paisagem e a religião fomentam imaginários que edificados

constituem marcas que se manifestam em todo um sistema de representação, servindo

como referência para a valorização de alguns aspectos espaciais em prejuízo de outros.

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