a natureza sob a perspectiva imagÉtica da infÂncia

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A NATUREZA SOB A PERSPECTIVA IMAGÉTICA DA INFÂNCIA Elisângela Madruga 1 Camila da Silva Magalhães 2 PARA COMEÇO DE CONVERSA... Os homens inventaram o ideal, para negar o real”. Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência. As transformações socioambientais têm se tornado tema de discussões, cada vez mais recorrentes na atualidade. Vivemos um tempo onde a sociedade se preocupa com a formação do novo cidadão, um sujeito ecologicamente correto (CARVALHO, 2008), ambientalista, ou seja, o homem-natureza, que pode preservar e salvar o mundo da ação danosa do próprio homem. Mas que mundo, que natureza e que homem é esse? O filósofo contemporâneo Oswaldo Giacoia Jr. ao discutir o pensamento, a partir da filosofia de Nietzsche, afirma que, “O mundo, nada mais é do que uma representação da minha mente, e é essa representação que eu posso manipular, objetivar, controlar, dominar, prever, calcular etc(GIACOIA JUNIOR, 2009, s/p). Nesse sentido, na correnteza de Nietzsche e Foucault, percebesse que verdades são produzidas, inventadas e idealizadas por um sujeito que fabrica e é fabricado por esse tempo histórico. Essas não só refletem os desejos e as ansiedades de uma sociedade, mas também, revelam como certos saberes ganham o estatuto de verdades universais, e passam a fazer do mundo “objeto da [...]representação” (GIACOIA JUNIOR, 2009, s/p) mental. Foucault comentando Nietzsche aponta que, “[...] Nietzsche se refere a essa espécie de grande fábrica, de grande usina, em que se produz o ideal. O ideal não tem origem. Ele também foi inventado, fabricado, produzido por uma série de mecanismos, de pequenos mecanismos” (2002, p.15). Depreende-se que esse mesmo homem que inventa, imagina e idealiza um mundo natural, também projeta a si próprio, tanto aquele que é bom, homem- natureza, como aquele que é mal, homem-destruidor. Tais projeções acabam por ter uma grande finalidade na 1 Aluna do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia GEECAF da Universidade Federal do Rio Grande FURG. 2 Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande FURG. Atualmente aluna de Mestrado do programa de Pós-graduação em Educação Ambiental-PPGEA e Tutora no curso de Pedagogia da mesma universidade na modalidade EAD.

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A NATUREZA SOB A PERSPECTIVA IMAGÉTICA DA INFÂNCIA

Elisângela Madruga1

Camila da Silva Magalhães 2

PARA COMEÇO DE CONVERSA...

“Os homens inventaram o ideal, para negar o real”.

Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência.

As transformações socioambientais têm se tornado tema de discussões, cada vez mais

recorrentes na atualidade. Vivemos um tempo onde a sociedade se preocupa com a formação

do novo cidadão, um sujeito ecologicamente correto (CARVALHO, 2008), ambientalista, ou

seja, o homem-natureza, que pode preservar e salvar o mundo da ação danosa do próprio

homem. Mas que mundo, que natureza e que homem é esse? O filósofo contemporâneo

Oswaldo Giacoia Jr. ao discutir o pensamento, a partir da filosofia de Nietzsche, afirma que,

“O mundo, nada mais é do que uma representação da minha mente, e é essa representação que

eu posso manipular, objetivar, controlar, dominar, prever, calcular etc” (GIACOIA JUNIOR,

2009, s/p).

Nesse sentido, na correnteza de Nietzsche e Foucault, percebesse que verdades são

produzidas, inventadas e idealizadas por um sujeito que fabrica e é fabricado por esse tempo

histórico. Essas não só refletem os desejos e as ansiedades de uma sociedade, mas também,

revelam como certos saberes ganham o estatuto de verdades universais, e passam a fazer do

mundo “objeto da [...]representação” (GIACOIA JUNIOR, 2009, s/p) mental. Foucault

comentando Nietzsche aponta que, “[...] Nietzsche se refere a essa espécie de grande fábrica,

de grande usina, em que se produz o ideal. O ideal não tem origem. Ele também foi inventado,

fabricado, produzido por uma série de mecanismos, de pequenos mecanismos” (2002, p.15).

Depreende-se que esse mesmo homem que inventa, imagina e idealiza um mundo

“natural”, também projeta a si próprio, tanto aquele que é bom, homem- natureza, como

aquele que é mal, homem-destruidor. Tais projeções acabam por ter uma grande finalidade na

1 Aluna do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura,

Ambiente e Filosofia – GEECAF da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. 2 Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente aluna de Mestrado do

programa de Pós-graduação em Educação Ambiental-PPGEA e Tutora no curso de Pedagogia da mesma

universidade na modalidade EAD.

contemporaneidade, um deve acentuar o outro, ou seja, o homem-destruidor da natureza

acentua a necessidade da existência de um homem-natureza ou ecologicamente correto.

Segundo Nietzsche,

“[...] imaginemos ‘o inimigo’ tal como o concebe o homem do ressentimento - e

precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu ‘o inimigo mau’, ‘o

mau’, e isto como conceito básico, a partir do qual também elabora, como imagem

equivalente, um ‘bom’ - ele mesmo! ...” (2009, p.28) [grifos do autor].

Percebe-se assim, na atualidade, a emergência de um discurso sobre uma natureza e

um mundo ameaçado, que precisa ser transformado urgentemente através das ações de

sujeitos conscientes de suas obrigações com o meio ambiente (GARRÉ, 2015). Um ideal cujo

repertório imagético é alimentado por meio de mecanismos econômicos e midiáticos. Esses

criam a imagem do bom, belo, correto, permitido, novo, ecológico, assim como seus

contrários, pois visam promover um modelo de sujeito que assumirá comportamentos que

constituirá uma sociedade consumista, porém não será mais qualquer consumo, agora será um

consumo ecologicamente correto ou verde. Nietzsche questionando os modelos de homens

ideais produzidos e afirma que, “quanto maior não é o valor do ser humano real, comparado a

um apenas desejado, sonhado, mentirosamente inventado? Um ser humano ideal? ... E apenas

o ser humano ideal ofende o gosto do filósofo” (NIETZSCHE, 2006, p.81) [grifo do autor].

Com essa compreensão, questiona-se quem é o sujeito a ser interpelado por

pensamentos como:

A utopia ecológica, como direção para a transformação social necessária para

garantir um futuro para todos, emerge da necessidade apontada pela crise ambiental,

crise planetária que vive a humanidade, resultado do modelo de civilização

construído sobre o projeto econômico que se estabeleceu principalmente a partir da

Revolução Industrial (TOZONI-REIS, 2008, p.54).

Depreende-se, que tais sujeitos sejam, principalmente, aqueles que serão os cidadãos

do futuro, a saber: a criança e o adolescente. Esses passam a ser capturados por enunciados

que propagam o discurso de crise ambiental. Segundo Revel, Foucault define discurso como

“[...] um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que

obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns” (2005, p. 37). Por isso,

entende-se que, a força desse discurso advém principalmente dos diversos mecanismos

midiáticos. Assim, esses modelam pouco-a-pouco o homem ideal para a contemporaneidade,

o homem da crise ambiental e do “tempo líquido” (BAUMAN, 2001). Tempo que ratifica

cada vez mais a instabilidade de códigos e regras como pontos de orientação. Um tempo de

crise que é instaurado pela insatisfação do próprio ser humano e o anseio desesperado por um

futuro melhor. Esse panorama faz-se propício para a criação de um ideal de sujeito e de

mundo. Lefebvre discorrendo sobre Nietzsche, afirma que,

Según Nietzsche el momento en que surge la metafísica en Grecia es un momento de

decadência de la vitalidade. El pueblo griego se ha debilitado interiormente y no se

siente seguro en el mundo real. Entonces, se crea un mundo imaginario,

produciéndose así una escisión del mundo en un mundo real y un mundo ideal. El

mundo real es un mundo en el tiempo: el mundo del nacer y del parecer, de las

contradicciones, del dolor y de la muerte; el mundo de la ideas, en cambio, es un

mundo es un mundo fuera del tiempo, eterno, perfecto donde no existe el dolor ni la

muerte, al que se huye por no poder resistir más el mundo real. (1972, pg.36).

Percebe-se que, tal panorama tem promovido a constituição de ideários para o sujeito,

e se tratando da atualidade, vê-se que artefatos como: programas de TV, jogos, literatura

infantil etc., cumprem o papel de reproduzirem de forma potente os enunciados de uma crise

ambiental, assim como a necessidade de um sujeito ecologicamente e politicamente correto. O

filósofo Luiz Filipe Pondé ao criticar a fabricação do politicamente correto menciona que,

É a tentativa de reformar o pensamento tornando algumas coisas indizíveis; também

é a obscena, para não dizer intimidadora, demonstração de virtude (concebida como

a adesão pública às visões ‘corretas’, isto é, ‘progressistas’) por meio de um

vocabulário purificado e de sentimentos humanos abstratos (2012, p.3)

Trata-se, nessa perspectiva de uma performance para o novo cidadão, ou seja, um ideal

de sujeito que é projetado dentro da racionalidade neoliberal. Produzindo assim, modos de ver

o meio ambiente e de se tornar sujeito ecológico, correspondendo por sua vez, as necessidades

desse tempo histórico. Um modelo de sujeito que é idealizado, produzido e constituído por

um discurso de crise. Nesse sentido, nota-se na atualidade o surgimento de crianças

capturadas por esse discurso, que assumem e são chamadas a assumir o papel de cidadãos

conscientes. Essas, devem consumir de forma sustentável, o que contrasta por vezes com a

postura do adulto, que é consumidor, porém nem sempre sustentável. Passetti afirma que,

A educação de crianças está atravessada pelas novas formas de controlar o uso da

água para banho e escovação dentária, combinada com os impactos subjetivos

produzidos por desmatamentos e intempéries da natureza. Educação para melhorar

hoje para dar maior segurança no futuro: aprender a gerir a escassez é também

melhorar as condições de vida nas periferias, incentivo a participar, exercitar-se em

discussões democráticas com tomadas de decisões nas escolas por meio de

encenações de situações, jogos ou enfrentamento de uma controvérsia circunstancial,

combiná-las com internet, fazer da vida um jogo a partir de simulações e constituir a

conduta da criança resiliente.

A educação de crianças, e de jovens, em especial, em função da sustentabilidade

faz-se, agora, sim, com o grande poder da racionalidade neoliberal, [...] (2013, p.34)

[grifos do autor].

Entende-se nessa perspectiva, que existe não só uma performance desejada, mas

também um disciplinamento desse sujeito infantil. No entanto, não configurada pela força ou

pelos castigos corporais, e sim por aquilo que é bom, saudável, puro, responsável,

participativo, agradável, ambiental, ou seja, aquilo que conduz para a uma “qualidade vida”

da coletividade e de si. Por isso, o autor ainda aponta que,

O corpo útil e dócil das disciplinas não desaparece, apenas começa a ceder lugar a

um corpo que deve produzir inteligência: na empresa, nas fundações, institutos,

ONGs. Inteligência voltada ao desenvolvimento sustentável, proporcionando uma

disputa entre as forças empresariais, seus colaboradores e forças de confrontação,

reduzindo a política a soluções negociadas de conflitos. A produção de inteligência

funciona por meio de programações organizadas por interfaces e deve às práticas

diplomáticas em protocolos a projeção da efetivação de melhorias para um futuro

melhor para as gerações, como recomenda a Carta da Terra (ONU, 2000). Todos

devem saber controlar a si e aos outros, contando com suas referidas organizações,

aderindo aos monitoramentos normalizadores (IDEM, 2013, p.15) [grifos do autor].

Sob essa racionalidade os artefatos culturais tornam-se ferramentas bem articuladas

com os propósitos neoliberais. Esses, passam por sua vez, a produzirem significados, criam

modelos, legitimam verdades, representações e performances para a criança e o meio

ambiente. De acordo Costa, Silveira e Sommer,

[...] somos também educados por imagens, filmes, textos escritos, pela propaganda,

pelas charges, pelos jornais e pela televisão, seja onde for que estes artefatos se

exponham. Particulares visões de mundo, de gênero, de sexualidade, de cidadania

entram em nossas vidas diariamente. É a isto que nos referimos quando usamos as

expressões currículo cultural e pedagogia da mídia. Currículo cultural diz respeito às

representações de mundo, de sociedade, do eu, que a mídia e outras maquinarias

produzem e colocam em circulação, o conjunto de saberes, valores, formas de ver e

de conhecer que está sendo ensinado por elas. Pedagogia da mídia refere-se à

prática cultural que vem sendo problematizada para ressaltar essa dimensão

formativa dos artefatos de comunicação e informação na vida contemporânea, com

efeitos na política cultural que ultrapassam e/ou produzem as barreiras de classe,

gênero sexual, modo de vida, etnia e tantas outras (2003, p.57) [grifo do autor].

Dentro dessa perspectiva, é que se faz relevante esse trabalho investigativo, visto que,

tais indicações emergem de um tema tão recorrente que é a crise ambiental. Nesse sentido,

convém ressaltar que se centraliza a presente investigação na infância, especialmente com

crianças de 7 aos 10 anos, por entender que na atualidade tem surgido mecanismos de

sensibilização ecológica destinada a esses, já que esses fazem parte da “categoria de futuros

cidadãos”. Para dar conta deste texto, apresentamos rastros de acontecimentos que tornaram

possível falar no sujeito ecologicamente correto. A seguir pontuamos algumas análises a partir

de dados preliminares.

ALGUNS TRAÇADOS DA PRODUÇÃO DO SUJEITO ECOLOGICAMENTE CORRETO

NA CONTEMPORANEIDADE

As décadas de 70, 80 e 90 configuraram-se como períodos marcantes no Brasil, e é

justamente nesse momento histórico que surge um olhar preocupado com a criança, o

adolescente, a natureza e, por sua vez, com o futuro do planeta. No entanto, convém ressaltar

que tal olhar foi impulsionado principalmente por movimentos ambientalistas fortemente

ativos fora país.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO,

em 1974 foi responsável por patrocina o seminário que deu origem a então carta de Belgrado

sobre a Educação Ambiental (REIGOTA,2012, p.513), a qual tornou-se um marco nas lutas

ambientais. Segundo site da UNESCO no Brasil,

A Representação da UNESCO no Brasil foi estabelecida em 1964 e seu Escritório,

em Brasília, iniciou as atividades em 1972, tendo como prioridades a defesa de uma

educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento humano e

social. Desenvolve projetos de cooperação técnica em parceria com o governo –

União, estados e municípios –, a sociedade civil e a iniciativa privada, além de

auxiliar na formulação de políticas públicas que estejam em sintonia com as metas

acordadas entre os Estados Membros da Organização (UNESCO, 2014).

Organizações como o Banco Mundial e UNESCO apresentam como lógica o

desempenho como performance, principalmente a educacional, por julgar um indicador

importante de desenvolvimento nos países (HAGTTE, 2013). Os investimentos para um

futuro sustentável, por sua vez, recaem sobre o sujeito e a natureza, como aponta Passetti no

seguinte trecho:

A sustentabilidade firma-se como o meio para o capitalismo realizar de maneira

adequada, adaptável e consensual sua utopia de um futuro melhor desde o presente.

As intervenções na natureza por meio de regulamentações internacionais

repercutem em regulações nacionais, as empresas aderem à responsabilidade social,

cresce o investimento em redutores de vulnerabilidades, aplica-se com rigor o IDH

(Índice de Desenvolvimento Humano), convoca-se à participação para medidas

pacificadoras e missões de paz, amplia-se o leque de seguranças, incluindo

alimentação, clima, securitizações e leva-se adiante as Metas do Milênio, para a qual

a Rio +20 apresentou-se como fórum de tendências e espaço para implementações

da economia verde e de institucionalização da cultura de paz;[...] (2013, p.23)

[grifos do autor].

Nesse sentido, nota-se a grande mobilização dessas organizações em financiar projetos

que potencializem o sujeito a se tornar produtivo e proativo na coletividade, visando, por sua

vez, o aumento dos índices de eficiência desses, como indica a página de informações

adicionais do site da UNESCO,

Por meio de um processo inovador, o setor de Ciências Humanas e Sociais da

Representação da UNESCO no Brasil seleciona projetos submetidos por

organizações não governamentais para receber benefícios financeiros, bem como

assessoria programática da UNESCO, dando início a um processo de transferência

de conhecimento. Muitas dessas iniciativas são respostas locais para minimizar

problemas e induzir o aperfeiçoamento de políticas públicas, além do reforçar

lideranças locais.

As propostas dos projetos a serem selecionados são analisadas com base em normas

nacionais e internacionais em que a criança e o adolescente são vistos como o bem

maior de uma sociedade. Apesar dos projetos serem apoiados pelo Programa

Criança Esperança por um período de dois anos, prioridade é dada àqueles que

evidenciam sustentabilidade e que oferecem treinamento técnico e profissionalizante

para os jovens (UNESCO, 2014).

Pode-se ainda perceber no documento intitulado Manifesto 2000 UNESCO (Cultura

da paz), alguns dos ideais e objetivos dessa organização. Assim, essa menciona que,

O ano 2000 precisa ser um novo começo para todos nós. Juntos, podemos trans-

formar a cultura da guerra e da violência em uma cultura de paz e não-violência.

Para tanto, é preciso a participação de todos. Assim, transmitiremos aos jovens e às

gerações futuras valores que os inspirarão a construir um mundo de dignidade e

harmonia, um mundo de justiça, solidariedade, liberdade e prosperidade. A cultura

de paz torna possível o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente e

o crescimento pessoal de cada ser humano (UNESCO, 2000).

Na esteira desse pensamento, percebesse diversos movimentos buscando promover a

conscientização da sociedade e do poder público para a “salvação” da criança, do adolescente

e do planeta. Para tanto, surgem subsequentes ações como: Criança esperança, criado pela

rede Globo- 1989; O estatuto da criança e do adolescente - ECA - 16/07/1990; Educação

ambiental – 1990; Cria o conselho nacional dos direitos da criança e do adolescente-

CONANDA, lei 8.242, de 12/10/1991; Conferência das Nações Unidas para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento – Rio / 92; Fundo nacional da criança e do adolescente - DEC,

1.196, de 14/07/1994; Criança Esperança ao completar 10 anos, tem o apoio do UNICEF e a

UNESCO -1995; Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – 1996; I Conferência Nacional

de Educação Ambiental, em Brasília – 1997. Declaração de Brasília para a Educação

Ambiental; Programa Nacional de Educação Ambiental - 1999 e a Política Nacional de

Educação Ambiental.

A idealização do meio ambiente e do sujeito ecologicamente correto, ganha apoio e

legitimação através de ações políticas, midiáticas, educacionais etc. Todos, de forma

participativa, passam a projetar o futuro. Para isso, os discursos produzidos nos artefatos

culturais, programas de TV, literatura infantil, jogos etc., darão os elementos que irão compor

o repertório imagético da sociedade, mas que se perpetuará como comportamento na infância.

De acordo com Serrão-Neumann, que mostra compartilhar com essa visão,

Numa perspectiva futura, o destino dessas paisagens, ou seja, a materialização, ou a

não-materialização, desse ideal de preservação está intimamente relacionada com a

história do lugar, e de como seus habitantes se identificam com o lugar. [...] Além

disso, nossa vivência, memória e fantasia que se manifestam nas circunstâncias

atuais e que configuraram a paisagem anteriormente, podem ser transformadas

conforme as novas contingências que são trazidas pelos propósitos futuros. Assim,

ao se analisar a paisagem como produto histórico, social, não podemos

desconsiderar a influência que as implicações cotidianas, políticas e cientificas

exercem sobre os atores sociais, e o papel que desempenham nesse processo de

produção de paisagens (BECK, 1992). (2007, p. 37).

Ao trazer esses excertos a discussão, intenciona-se ressaltar “os interesses

desinteressados da sociedade civil [que] passam a compor com os interesses da economia

política, por meio das conexões inacabadas entre indivíduos e as variadas comunidades em

torno do futuro melhor para as gerações” (PASSETTI, 2013, p.20) [grifos do autor]. Nessa

perspectiva, observa-se o quanto organizações, governos e sociedade estão empenhados na

produção do sujeito ecologicamente e politicamente correto.

OS TRAÇADOS E ALGUMAS ANÁLISES DA PESQUISA EM EVIDÊNCIA

Iniciar uma pesquisa é com certeza um desafio para qualquer pesquisador, pois, como

ressalta Marques (2006, p.105), é “nessa caminhada do simples ao complexo por retificações

e aproximações sucessivas, [é que] alternam-se e se complementam o empírico e o teórico da

pesquisa [...]”. Por isso, exige do pesquisador bem mais que sensibilidade, para compreender

como os sujeitos, desse tempo, fabricam e são fabricados por regimes de verdades. Nesse

sentido, requer um olhar imbuído de uma “hipercrítica” (VEIGA-NETO, 1995), que se

coloque a analisar, observar as rachaduras desse contemporâneo ou “[...] para nele perceber

não as luzes, mas o escuro” (AGAMBEN, 2009, p.62).

Tendo essa perspectiva, é que o presente trabalho tomará como ferramenta

metodológica, os estudos acerca da análise do discurso desenvolvida por Michel Foucault

(2002), visto que, se entende que educação ambiental é na atualidade um dispositivo que atua

nos artefatos culturais para estabelecer relações de verdades (GARRÉ, 2015). Nesse sentido,

Foucault define dispositivo como,

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,

organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,

enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o

dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode

estabelecer entre estes elementos (1979, p.139).

Para tanto, buscar-se-á olhar para os sujeitos investigados, tentando identificar os

discursos que os tem capturado, os quais enunciam a necessidade de se preparar futuras

gerações, e consequentemente, modelam modos de ser sustentável, ambientalmente

consciente ou ecologicamente e politicamente correto, como vimos anteriormente, e por sua

vez, reconhecer os artefatos que estão produzindo esses sujeitos. Toma-se esse viés

investigativo por entender que, os artefatos culturais passam a ser mecanismos que se propõe

a disciplinar aqueles sujeitos que cuidarão do planeta. Nesse sentido, cabe apontar que para

Foucault disciplina são “[...] métodos que permitem o controle minucioso das operações do

corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de

docilidade-utilidade [...]” (1987, p.164).

Tendo este ideário de investigação realizar-se-á uma observação participante, ou seja,

o pesquisador participa das atividades proposta. Isso acontecerá com realização de atividades

lúdicas, que se desenvolverá na proposta de estágio de uma das pesquisadoras, com uma

turma de 3º ano de uma escola municipal de Rio Grande/RS.

A análise será realizada através da seguinte coleta de dados: entrevista semiestruturada

com crianças, áudios, filmagens e fotografias sobre as atividades proposta pela pesquisadora.

Tais dados serão a primeira parte da pesquisa, pois para um segundo momento visa-se

investigar os artefatos que podem estar produzem elementos para a constituição do repertório

imagético de crianças de 7 aos 10 anos. Entende-se que esses artefatos podem estar ensinam e

fabricam o sujeito ecologicamente correto na atualidade. Convém ressaltar, que a pesquisa já

conta com dados preliminares, os quais serão vistos a seguir.

Intenciona-se ainda, colher mais uma amostra, através de um avatar (personagem

virtual), pois busca-se observar se as crianças farão identificações com jogos. Também visa-se

analisar as características que surgirão desse personagem, ou seja, se irão apresentar

concepções de meio ambiente ou de um sujeito ecológico. Esse terá papel importante, pois

possibilitará a continuação da pesquisa, porém em um outro objeto.

A proposta de iniciar essa pesquisa com dados preliminares, possibilitou ver a

potencialidade da investigação que se instaurava, pois trouxeram em sua coleta inicial

artefatos e perspectivas que mostram indícios da existência da subjetivação do sujeito

ecologicamente correto. Nesse sentido, as ações para essa coleta se deram da seguinte forma:

Realizou-se uma contação de história, porém não se utilizou o livro, mas apenas dos

personagens e o número de cada espécie escrito por extenso. O livro selecionado foi “E O

DENTE AINDA DOÍA” de Ana Terra, da Fundação Itaú Social de 2012, que tem como tema

de sua campanha LEIA PARA UMA CRIANÇA. #ISSOMUDAOMUNDO.

Essa começou com a problematização do personagem principal, o jacaré. Nesse

sentido, a pergunta desencadeadora foi: quem já viu um jacaré? Eis algumas respostas das

crianças:

“Eu vi um jacaré no zoológico [...]”; não teve medo? (Pesquisadora); “Não ele

estava numa grade” (Aluno a); “Eu vi quando estava entrando no banhado, ele quase

mordeu minha égua” (Aluno b); “Eu vi um jacaré grandão com filhotinho” (Aluno c); “Eu vi

um jacaré encima da minha cama [...]” (Aluno d); “Eu já pequei um jacaré na mão” (Aluno

e).

Logo após, os demais personagens, que são diversos amimais, foram aparecendo aos

poucos. Convém ressaltar, que não se usou o livro pois se intencionava perceber as

concepções que compunham o repertório imagético desses. E em seguida, da história os

personagens foram divididos nos grupos das crianças e esses deveriam responder três

questões: 1) Onde eu vi esse animal? 2) Como cuido desse animal? 3) E quem me ensinou a

cuidar desse animal?

Os resultados indicam a mídia televisiva e os jogos como principais “educadores”

ambientais. Programas e canais foram citados, entre esses o Fantástico (figura 3) e o Animal

Planet (figuras 1, 2 e 3). Entre os jogos apenas duas indicações, The Sims Pets 3, que na fala

do aluno y aponta como sendo o jogo que “ensina a cuidar dos amimais”, e o Angry Birds

(identificado pelo desenho do personagem na figura 1). Assim o material mostra artefatos que

parecem construir um pensamento de natureza “pura” que necessita ser cuidada “Com

carinho” (criança x).

Figura.1

Figura.2

Figura.3

Os fragmentos e a imagem acima, indica alguns artefatos. As questões de cuidado

aparecem em todos os desenhos, indicando um sentimento de proteção. Embora tenham

ficado em grupo as respostas foram individuais, ao total foram 22, dessas todas aparecem o

cuidado e em 10 aparecem a mídia e o jogo como lugar de divulgação e ensino do ambiente.

Convém ressaltar, que mesmo não usando diretamente o artefato, algumas crianças ligaram os

personagens ao livro, o que mostra que a literatura infantil também tem se tornado um

mecanismo de enunciações que fabricam a geração politicamente e ecologicamente correta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa não pode fechar ou concluir qualquer raciocínio, visto que, essa

ainda se encontra em fase inicial. Para tanto, o que se percebe é que os dados iniciais, aqui

indicados, apontam para indícios do surgimento de um suposto sujeito ecologicamente

correto, porém, tais dados não são suficientes para elaborar uma análise mais concreta do

tema em questão.

No entanto, as inquietações causadas por essa amostra, apenas impulsionam a

continuidade dessa pesquisa, a qual olha para a atualidade e tenta visualizar o sujeito dessa

investigação, como uma construção que se perpetua por diversas maquinarias (BUJES, 2001).

Por isso, expressa-se a curiosidade de saber, se haveria mais artefatos, como jogos,

produzindo esse sujeito? E o que exatamente esses jogos ensinam sobre meio ambiente e

natureza?

Deve-se ressaltar, que essa também não tem por intuito criar juízo de valor sobre tal

tema, mas questionar as verdades instituídas nesse tempo histórico. Por fim, depreende-se

que, nessa esteira outras inquietações podem despontar no caminhar da investigação, porém

se estarão aqui ou não, é irrelevante, pois o que importa é que, “PESQUISAR É PRECISO! ”

(MARQUES, 2006).

REFERÊNCIAS

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