ensino de geografia

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203 As correntes do pensamento geográfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental: objetivos, objeto de estudo e a formação dos conceitos geográficos Resumo Este artigo discute acerca das interfaces das correntes do pensamento geográfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental, com ênfase na “alfabetização geográfica” no século XXI. Para privilegiar o referido escopo, foi realizado um estudo de cunho teórico que culminou na dissertação sobre as influências que a corrente Tradicional – determinismo, possibilismo, regionalismo – e a Moderna – pragmática, crítica – exerceram no ensino formal da Geografia, bem como na maneira como a aprendizagem foi concebida historicamente, lançando luz aos objetivos, objeto de estudo e a constituição dos conceitos geográficos pela criança. Constatou-se que, na contemporaneidade, não cabe mais uma visão positivista de ensino baseada unicamente na transmissão 1 Doutora em Educação Brasileira pela UFC. Professora da Universidade Estadual do Ceará – UECE, Brasil. [email protected] 2 Doutor em Educação pela UFRN. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Sociologia da UFPB, Brasil. [email protected] 3 Doutor em História pela UFPE. Professor da UECE, Brasil. [email protected] Lia Fialho 1 Charliton Machado 2 José Álbio Moreira de Sales 3 Ano 17 - n. 23 - julho 2014 - p. 203-224

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Reflexão sobre o ensino de geografia para o ensino fundamental

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    As correntes do pensamento geogrfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental: objetivos, objeto de estudo e a formao dos

    conceitos geogrficos

    Resumo

    Este artigo discute acerca das interfaces das correntes do pensamento geogrfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental, com nfase na alfabetizao geogrfica no sculo XXI. Para privilegiar o referido escopo, foi realizado um estudo de cunho terico que culminou na dissertao sobre as influncias que a corrente Tradicional determinismo, possibilismo, regionalismo e a Moderna pragmtica, crtica exerceram no ensino formal da Geografia, bem como na maneira como a aprendizagem foi concebida historicamente, lanando luz aos objetivos, objeto de estudo e a constituio dos conceitos geogrficos pela criana. Constatou-se que, na contemporaneidade, no cabe mais uma viso positivista de ensino baseada unicamente na transmisso

    1 Doutora em Educao Brasileira pela UFC. Professora da Universidade Estadual do Cear UECE, Brasil. [email protected] Doutor em Educao pela UFRN. Professor dos Programas de Ps-Graduao em Educao e em Sociologia da UFPB, Brasil. [email protected] Doutor em Histria pela UFPE. Professor da UECE, Brasil. [email protected]

    Lia Fialho1

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    mnemnica. Ao contrrio, deve-se compreend-lo como instrumento de compreenso da realidade. Sugere-se desenvolver o conhecimento geogrfico desde a tenra infncia, propiciando aprendizagem contextualizada, correlacionando sujeito, tempo e espao em uma perspectiva hermenutica de produo e transformao da sociedade.

    Palavras-Chave: correntes geogrficas; geografia ensinada; aprendizagem; educao.

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    As correntes do pensamento geogrfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental:objetivos, objeto de estudo e a formao dos conceitos geogrficos

    The lines of the geographical thought taught in elementary education: objectives, object of study

    and construction of geographical concepts.

    Abstract

    This article has the objective of discussing the interfaces between the lines of geographical thought and geography taught in elementary school with emphasis on geographic literacy in the XXI century. To contemplate the scope above a theoretical study was done culminating in a dissertation on the influence that the Traditional line- determinism, possibilism, regionalism - and the Modern line- pragmatic, critical - exerted on the formal teaching of geography as well as in the way this learning process was historically designed, shedding light to the objectives, subject of study and the construction of geographical concepts by the child. It was noted that, in contemporary times, it is no longer a positivist view of education based solely on mnemonic transmission instead should understand it as a tool for understanding reality. It is suggested to develop geographic knowledge from the early childhood, providing contextualized learning, co-relating the subject, time and space in a hermeneutic perspective of production and transformation of society.

    Keywords: geographical lines; geography taught; learning; education.

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    Introduo

    A Geografia ensinada foi influenciada pelas correntes do pensamento geogrfico de tal maneira que, ainda no sculo XXI, caractersticas oriundas do tradicionalismo se perpetuam na prxis pedaggica do docente, interferindo diretamente na aprendizagem do aluno. Como componente curricular, o estudo da Geografia possibilita, mediante a alfabetizao geogrfica responsvel, o desenvolvimento de habilidades que facilitam a compreenso do espao geogrfico de maneira consciente. Para isso, no entanto, fazem-se necessrios alguns cuidados na mediao do conhecimento nas primeiras sries da escolarizao.

    Este artigo objetiva debater a respeito das interfaces das correntes do pensamento geogrfico e a Geografia transferida no Ensino Fundamental, com nfase na alfabetizao geogrfica no sculo XXI, visando a refletir sobre os objetivos, objeto de estudo e a formao dos conceitos geogrficos pela criana. Para cobrir esse objetivo, foi desenvolvido um estudo de cunho terico que culminou na dissertao sobre as caractersticas das correntes geogrficas Tradicional e Moderna e suas influncias no ensino formal da Geografia. Debateu-se, ainda, a respeito da maneira de mediao e apreenso de conhecimentos no mbito geogrfico, ressaltando a concepo de aluno e professor no ensino e na aprendizagem na contemporaneidade.

    Iniciando pela descrio da ideia de Geografia adotada no determinismo, possibilismo, regionalismo, Geografia pragmtica e Geografia crtica, de maneira sucinta, so expressos pontos de congruncias e divergncias que interferiram no fazer pedaggico do professor no Ensino Fundamental, historicamente. Em seguida, discutem-se as ideias mais consensuais sobre o fomento do ensino geogrfico, que, em suma, se direcionam para uma perspectiva crtica, que busca trabalhar saberes de maneira contextualizada, relacionando-os nas suas multidimensionalidades, tornando-os significativos.

    Ressalta-se que a didtica com foco no professor como detentor e transmissor de contedos estticos, que desenvolve o processo educativo com operaes mnemnicas voltadas para enumerao mecnica de

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    rios, vegetao, pases, cidades, regies, entre outras informaes descontextualizadas, com carter enciclopdico, no mais admitida.

    Ao contrrio de uma ptica positivista, baseada unicamente na transmisso mnemnica, o ensino deve ser compreendido como instrumento de compreenso da realidade. A Geografia ensinada no sculo XXI objetiva desenvolver, desde a tenra infncia, a vivncia e anlise de experincias pluridisciplinares, impulsionando o desenvolvimento do entendimento das complexidades dos fenmenos humanos no espao. Correlacionando sujeito, tempo e espao em uma perspectiva hermenutica, o aluno, estimulado pela mediao do professor, desenvolve saberes e habilidades que fomentam a capacidade de produo e transformao da sociedade, por intermdio da atuao cidad autnoma, amparada por uma viso crtica da realidade.

    O artigo enseja, pois, uma reflexo acerca da Geografia ensinada nas primeiras sries de escolarizao da educao formal, na medida em que discute os objetivos, o objeto de estudo e a formulao dos conceitos geogrficos, estabelecendo uma conexo com a atuao do pedagogo e a formao do aluno. Problematizando a didtica do professor e a aprendizagem discente no contexto educacional, sinaliza na direo de um ensino de Geografia que considera as representaes de vida dos alunos e articula o formalismo terico da Cincia aos conhecimentos cotidianos, tornando-os significativos e aplicveis na prtica social.

    1 Interfaces das correntes geogrficas com o ensino da Geografia

    Ainda que o construto Geografia remonte Antiguidade Clssica, na perspectiva da Geodsia, no havia uma unidade, de modo que, at o final do sculo XVIII, no possvel falar de conhecimento geogrfico, como algo padronizado, com unidade mnima para ser considerada cincia (CAVALCANTI; VIADANA, 2010). O termo Geografia era utilizado para designar escritos literrios, relatos de viagens, descrio de lugares, relatrios estatsticos simplrios, entre outros aportes (GODOY, 2010).

    Apenas no incio do sculo XIX, comeou a ocorrer a sistematizao do saber geogrfico de modo autnomo e particular, desde a aquisio de

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    alguns princpios: do conhecimento da extenso do planeta, permitindo que a Terra fosse pensada de maneira unitria; do levantamento de dados de pontos diversos da superfcie terrestre; do aprimoramento das tcnicas cartogrficas, o que possibilitou a representao dos fenmenos observados e da localizao dos territrios; e do aparecimento das teorias do evolucionismo, que forneceu uma base cientfica para as indagaes geogrficas (MORAES, 1994).

    As primeiras manifestaes, no sentido de uma Geografia sistematizada, aparecem nos escritos de Alexander von Humboldt e Carl Ritter. O primeiro entende Geografia como uma sntese dos conhecimentos relativos Terra e prope a intuio com suporte na observao o empirismo racionado; o outro compreende que a Geografia deveria estudar os sistemas naturais individuais e compar-los, na perspectiva do estudo dos lugares (LACOSTE, 1988). Tais tericos foram os precursores das primeiras correntes do pensamento geogrfico sistematizado.

    Na inteligncia de Moraes (1994), as correntes do pensamento geogrfico, com suas congruncias e divergncias, podem ser classificadas em dois grandes grupos: a Tradicional, sustentando em conceitos naturais e percebendo a Geografia como Cincia descritiva de observao de elementos naturais; e a Moderna, que critica o positivismo e acolhe a Geografia como Cincia social.

    Os conjuntos das correntes no dialticas que estudam a relao do homem com a natureza, sem se preocupar com as interfaces dos homens e as questes sociais, compem a Geografia Tradicional. De modo simplrio, elas podem ser assim compreendidas: Determinismo, com F. Ratzel como principal terico, defendendo o argumento de que as condies naturais determinam o comportamento do homem, interferindo na sua capacidade de progredir; Possibilismo, fundamentado, principalmente, por P. V. de La Blache, que adotava a ideia de que a natureza fornecia possibilidades para que o homem a modificasse sem necessariamente determinar comportamentos; e Regionalismo, com bases tambm em P. V. de La Blache e Richard Hartshorne, que focaliza o estudo das reas e sua diferenciao mediante a descrio dos lugares e divises territoriais (ALVES; SAHR, 2009). Essas foram questionadas com o movimento da renovao, a expanso

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    capitalista e o fim da Segunda Guerra Mundial por volta de 1950.As tendncias que defendiam fazer da Geografia uma Cincia

    social e criticavam o tradicionalismo foram denominadas de Modernas (MORAES, 1994). A Geografia Moderna pode ser subdividida em duas vertentes: a Pragmtica e a Crtica. A primeira diz respeito Geografia aplicada (teortica ou quantitativa, sistmica e comportamental ou de percepo). Ela acreditava em uma tecnologia geogrfica que, mediante dados estatsticos e diagnsticos estruturados, subsidia tomada de decises de empresas e do governo, e criticada por legitimar a expanso das relaes capitalistas (SAHR, 2006). A segunda a Crtica possui inmeros tericos e propostas dspares, mas converge na oposio a uma realidade social contraditria, desigual e injusta, e entende a Geografia como cincia politizada que visa transformao da ordem social em busca de uma sociedade mais justa (GODOY, 2010). Nesta, a Geografia uma prtica social em relao superfcie terrestre (LACOSTE, 1988) que responde a problemas por meio da prtica social (HARVEY, 1993) para que no se torne uma priso (SANTOS, 1994). Importa salientar que o pendor Humanista, ao contrrio do Fsico, assentado na subjetividade, nos sentimentos, na experincia, privilegiando o singular e a compreenso como base da inteligibilidade do mundo real (CORRA, 1998).

    A Geografia, na condio de Cincia social, possui em seu arcabouo um conjunto de categorias que expressam sua identidade. Ao pens-las, considerando a ao do homem e a superfcie terrestre, bem como as suas inter-relaes, surgem vises e interpretaes particulares (ROCHA, 2008). Vale esclarecer que as correntes do pensamento geogrfico representam conceitos antagnicos, que podem convergir ou se complementar em alguns aspectos, e elas emergiram em determinado espao e tempo numa elaborao scio-histrica (CORRA, 1998). Dessa maneira, foram influenciadas pelo contexto histrico ao mesmo tempo em que influenciaram a maneira de se ensinar Geografia (SAHR, 2006).

    Na propenso Tradicional, a Geografia ensinada era pautada por uma prtica educativa baseada no modelo positivista em que a tendncia pedaggica liberal (tradicional, renovada e tecnicista) se sobressaa e se caracterizava pela didtica com foco no professor

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    como detentor e transmissor de contedos, estigmatizando o processo educativo em operaes mnemnicas voltadas para enumerao mecnica de rios, vegetao, pases, cidades, regies, entre outras informaes descontextualizadas, com carter enciclopdico, sem desenvolver anlise crtica sobre os conhecimentos, perpetuando a ordem e ideologia vigente (OLIVEIRA, 1998). Straforini (2004) comunga com o exposto, quando exprime:

    O objetivo da escola tradicional a transmisso de conhecimento, ou seja, uma preocupao conteudista. Dessa forma, o aluno visto como um agente passivo, cabendo a ele decorar e memorizar o conjunto de conhecimentos significativos da cultura da humanidade previamente selecionados e transmitidos pelo professor em aulas expositivas. O mundo uma externalidade ao aluno, ou seja, no dado a ele a possibilidade de sua insero no processo histrico [...] (p. 57)

    Diferentemente da inclinao Tradicional, na Moderna no se concebe mais uma educao pautada em conhecimentos fragmentados, estanques e decorados por intermdio do autoritarismo. Ao contrrio, ela pautada na autonomia, mediao pedaggica, utilizao de mltiplas linguagens e internalizao significativa de experincias de aprendizagem, sendo o aluno conduzido a analisar a realidade social que o cerca na condio de agente transformador das dinmicas histricas que perpassam a espacialidade. Vesentini (1993), retratando acerca do novo paradigma do ensino da Geografia na perspectiva Moderna, acrescenta:

    O ensino da geografia no sculo XXI, portanto, deve ensinar, ou melhor, deve deixar o aluno descobrir o mundo em que vivemos, com especial ateno para as escalas local e nacional, deve enfocar criticamente a questo ambiental e as relaes sociedade/natureza (sem embaralhar uma dinmica na outra), deve realizar constante mente estudos do meio (para que o contedo ensinado no seja meramente terico ou livresco e sim real, ligado vida cotidiana das pessoas) e deve levar os educadores a interpretar textos, fotos, mapas, paisagens. E por esse caminho, e somente por ele, que a geografia escolar vai sobrevivendo e at mesmo ganhando novos espaos nos melhores sistemas educacionais. (p. 219)

    O ensino da Geografia moderna, todavia, deve ser ministrado numa perspectiva progressista (libertadora, crtico-social dos contedos)

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    que concebe o aluno como foco do ensino-aprendizagem, detentor de autonomia e apto ao desenvolvimento cognitivo e intelectual (PENTEADO, 2010). Sob tal aspecto, ao professor cabe instigar com problematizaes e mediar o conhecimento para facilitar a assimilao e internalizao de saberes (VYGOTSKY, 1999).

    A Geografia repassada tradicionalmente foi quase invisibilizada, sendo concebida fisicamente numa concepo despolitizada ou servindo primeiramente para fazer guerra (LACOSTE, 1988), ou seja, politizada para fins polticos, militares e econmicos sob a ptica da luta de classes (VESENTINI, 1988).

    Os saberes geogrficos, atualmente, foram considerados como estratgicos, no apenas como instrumento de poder como centra foco a Geografia marxista, mas, principalmente, como meio para se compreender a inter-relao homem-lugar numa perspectiva tambm humana, no s fsica. Em contato direto com as Cincias sociais, o conhecimento geogrfico deve considerar fatores econmicos, sociais, culturais e polticos em uma nova Geografia crtica que se apropria dos aspectos qualitativos (SANTOS, 1994).

    Ao considerar que a Geografia abrange fenmenos econmicos, sociais, polticos, culturais e militares, englobando tambm os aspectos fsicos e ecolgicos, necessita-se entender que as transformaes planetrias perpassam a Geografia e a leitura do mundo por intermdio de um raciocnio geogrfico complexo, que permite a compreenso de como esses fatores se combinam diferentemente. Por isso, na Geografia ensinada, busca-se desenvolver, desde a infncia, a vivncia e anlise de experincias pluridisciplinares (CASTELLAR, 2000) e especficas que propiciem compreender a complexidade dos fenmenos humanos sobre o terreno em envergadura planetria (MORIN; ROGER; MOTTA, 2007).

    2 A Geografia no Ensino Fundamental: objetivos, objeto de estudo e a elaborao dos conceitos geogrficos

    Antes de prelecionar sobre o ensino da Geografia, oportuno notar que o ensino pode ocorrer de vrias maneiras: formal, com a educao escolar sistemtica, intencional e com objetivos previamente definidos; no

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    formal, tambm intencionalmente, mas sem sistematizao; e informal, sem inteno, de modo espontneo e no sistemtico (LIBNEO, 1994). Esta ltima acontece no seio familiar e da sociedade que circunda a criana ainda pequenina, de tal maneira que, desde o nascimento, o beb, paulatinamente, adentra o mundo adulto por intermdio de suas experimentaes e internalizaes individuais mediadas por seus pares e pela sociedade na qual se insere (PIAGET; INHELDER, 1993).

    A Geografia ensinada na escola se refere educao formal. Em uma concepo crtica, parte-se da compreenso de que cada sujeito nico e faz suas percepes e elaborao em suporte em suas individualizaes, no havendo uma receita pronta para se trabalhar o conhecimento especfico da Geografia, que se inicia de maneira informal desde os primeiros anos de vida. Ensinar Geografia, contudo, suscita do professor a capacidade investigativa para conhecer os saberes prvios dos alunos de maneira particularizada, e, desde a identificao do que j restou elaborado, promover a problematizao contextualizada, instigando a curiosidade e os respectivos anseios dos estudantes pela busca do conhecimento.

    Importa salientar que a Teoria de Desenvolvimento Cognitivo (Piaget), muito difundida no Brasil que dividia a aprendizagem infantil em estdio delimitados etariamente (at dois anos, sensrio-motor, de dois a sete, pr-operatrio, de sete a 12, operacional concreto, e desde os 12, operacional formal ou abstrato) , influenciou o ensino geogrfico e levou muitos educadores a acreditar que a criana do Ensino Fundamental no conseguiria apreender inmeros conceitos geogrficos, porque estes eram abstratos e no havia maturao biolgica para sua internalizao no ensino infantil e primeiras sries do Ensino Fundamental (FREITAS, 2010), deixando de estimular o desenvolvimento dos conceitos e das categorias de anlise geogrficas. Com a difuso da teoria de Vygotsky que entende a formao da conscincia e suas funes psicolgicas superiores com origem na ao do sujeito em relao com aparatos socioculturais e no apenas por um progresso intrnseco e linear , foi possvel ampliar a compreenso de que a mediao essencial desde os primeiros anos, para que haja evoluo constante da zona de desenvolvimento proximal, possibilitando passar da zona real

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    para potencial com a formao de pseudoconceitos. Cavalcanti (2005) tenta explicar a aprendizagem, considerando no

    apenas o desenvolvimento biolgico, mas tambm a evoluo das funes psicolgicas superiores, com origem individual, quando acentua:

    A internalizao um processo de reconstruo interna, intrassubjetiva, de uma operao externa com objetos que o homem entra em interao. Trata-se de uma operao fundamental para o processo de desenvolvimento de funes psicolgicas superiores e consiste nas seguintes transformaes: de uma atividade externa para uma atividade interna e de um processo interpessoal para um processo intrapessoal. (p. 188)

    A pessoa realiza suas apreenses por intermdio das vivncias sociais e culturais e desenvolve em cadncia a criao da conscincia desde essas experincias concebidas de maneira individualizada. Assim, o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores e da capacidade de abstrao, necessria para compreenso de conceitos e categorias geogrficas, resulta da interao sociocultural, devendo a mediao ser exercida desde cedo, com vistas a estimular o desenvolvimento.

    Deleuze e Guattari (1992) relatam que o pintor no pinta sobre uma tela virgem, tampouco o escritor escreve em cima de uma pgina branca, porque a pgina ou a tela esto j cobertas de clichs preexistentes. Nessa vertente de pensamento, para mediar a aprendizagem no Ensino Fundamental, no se deve apagar ou ignorar os conhecimentos preexistentes elaborados pela leitura de mundo, mas se torna essencial levar em considerao a bagagem que o aluno j traz consigo (GADOTTI, 2004). Estimulando-se a criatividade e o interesse da criana por intermdio de uma mediao pedaggica responsvel, possvel ensejar maior desenvolvimento da viso espacial da criana mediante a ampliao da capacidade de abstrao.

    O objetivo principal de estudo em Geografia, contudo, continua sendo, desde os primrdios, o espao, mas na atualidade este entendido como um produto histrico, um conjunto de objetos e de aes que revela as prticas sociais dos diferentes grupos que vivem num determinado lugar, interagem, sonham, produzem, lutam e o (re) constroem. (CASTROGIOVANNI, 2006, p. 7). Nessa perspectiva,

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    o ensino da Geografia deve levar em considerao as representaes de vida dos alunos, articulando o formalismo terico da Cincia aos conhecimentos cotidianos (FREIRE, 1996) e, ao contrrio da Geografia puramente fsica, de cunho pedaggico maante e intil, ele se apresenta embebido da prtica e permeado de reflexes epistemolgicas que envolvem a pessoa humana e o lugar.

    O espao geogrfico configura campo de produo e reproduo das relaes sociais, que, malgrado submetido lei da totalidade, possui certa autonomia (SANTOS, 1978); entrelaado por questes de cunho econmico, poltico e social, no pode ser compreendido de maneira esttica ou dissociada do dinamismo das aes humanas. Segundo Lefbvre (1976, p. 34), ele estaria essencialmente vinculado com a reproduo das relaes (sociais) de produo, mas no pode ser definido como produto ou objeto, na condio de receptculo que apenas engloba coisas.

    Ao contrrio de Richard Hartshorne (1939), que defendia uma concepo idiogrfica de espao, este, na atualidade, lcus da experincia social, permeado por subjetividades, crenas e culturas (ISNARD, 1982), que no se esgota em conceito nico por possuir carter multidimensional. Corra (2003) resume o exposto quando escreve:

    Eis o espao geogrfico, a morada do Homem. Absoluto, relativo, concebido como plancie isotrpica, representado atravs de matrizes e grafos, descrito atravs de diversas metforas, reflexo e condio social, experienciados de diversos modos, rico em simbolismos e campos de lutas, o espao geogrfico multidimensional. Aceitar esta multidimencionalidade aceitar por prticas sociais distintas que, como HARVEY (1973) se refere, permitem construir diferentes conceitos de espao. (p. 44)

    Com amparo na compreenso hermenutica de espao geogrfico, o objetivo do ensino da Geografia nas primeiras sries de escolarizao alfabetizar espacialmente o aluno, ou seja, mediar aprendizagens para que o estudante adquira noes de localizao, organizao, representao e entendimento da estrutura do espao elaborado dinamicamente pelas sociedades (CASTELLAR, 2000), aprendendo a ler, lendo o espao, ou seja, compreendendo o mundo com olhar espacial (CALLAI, 2005). Preocupando-se com o espao e suas multidimenses, a Geografia no Ensino Fundamental parte da construo da prpria

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    identidade da criana, que se torna o lastro para a descentrao espao-temporal do sujeito cidado (CASTROGIOVANNI, 2006, p. 13).

    Trabalhar com os conceitos geogrficos, nessa perspectiva, torna-se oportuno. preciso, entretanto, compreender que eles so representaes mentais, ideias que possuem a funo genrica de identificar, descrever e classificar, propiciando conhecer os elementos que constituem a experincia humana. Nem toda palavra um conceito, porque, para se constituir conceito, ela precisa trazer consigo uma srie de significados que possibilitam interpretaes de proposies compiladas em um construto (FREITAS, 2010).

    A Geografia, efeita cincia social, ao estudar a ao do homem e a superfcie terrestre, bem como as suas inter-relaes, constitui, em seu arcabouo, um conjunto de conceitos especficos que expressam sua identidade (ROCHA, 2008). Ao se apropriar, cadencialmente, desse corpo conceitual, a criana desenvolve uma linguagem geogrfica que possibilita um olhar espacial do mundo (CALLAI, 2005).

    A alfabetizao geogrfica transita pela formulao dos conceitos, desencadeados no fenmeno de conhecer o mundo com arrimo na vida cotidiana e da compreenso do lugar concreto no qual se est inserido, e se consolida com a apropriao crtica e reflexiva, propiciando uma ao consciente e cidad no mundo (MARQUES, 1993; CASTROGIOVANNI, 2006; CASTELLAR, 2000). O desenvolvimento dos conceitos Geogrficos de maneira responsvel facilita o alcance dos objetivos propostos para o ensino da geografia nas sries iniciais.

    Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), os objetivos gerais da Geografia para o Ensino Fundamental so oito, sintetizando-os se pode citar: 1) conhecer a organizao do espao geogrfico e funcionamento da natureza em suas mltiplas relaes, possibilitando compreender o papel das sociedades na construo e produo do territrio, paisagem e lugar; 2) identificar e avaliar as aes dos homens em sociedade e suas consequncias nos diferentes espaos e tempos, possibilitando participao positiva no ambiente; 3) compreender a espacialidade e temporalidade nas suas interaes; 4) compreender que as melhorias nas condies de vida so conquistas decorrentes de conflitos e negociaes, mas que ainda no so usufrudas por todos e

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    necessrio empenho na democratizao; 5) conhecer e saber utilizar os procedimentos de pesquisa geogrfica para compreender o lugar, territrio, paisagem e espao; 6) saber utilizar a linguagem cartogrfica; 7) valorizar o patrimnio sociocultural e respeitar a sociodiversidade; 8) fazer leitura de diferentes fontes de informao para interpretar, relacionar e analisar informaes sobre o espao geogrfico (BRASIL, 1997).

    Torna-se oportuno esclarecer que os PCN receberam inmeras crticas acerca da elaborao do contedo do documento (NEVES, 2000): consulta e participao dos professores e pesquisadores brasileiros praticamente inexistiu, representa uma poltica neoliberal de privatizao da educao nacional, atenta a interesses de organismos internacionais de financiamento, ignora as condies precrias de salrio e recursos para o trabalho do professor, pobre e pouco esclarecedora em termos tericos, faz uso acrtico de correntes tericas, despreza a historicidade de conceitos, entre outras (OLIVEIRA, 2003). O documento continua, no entanto, sendo utilizado como aparato norteador e os objetivos, conceitos e categorias geogrficas ainda permanecem vlidos como parmetros para o ensino da Geografia no Ensino Fundamental.

    Cabe comentar que, para alcanar os objetivos descritos nos PCN, necessrio mostrar ao aluno que cidadania tambm compreende o sentimento de pertena a uma realidade repleta de relaes entre homem e natureza que devem ser analisadas, e, para tal, se torna oportuno desenvolver procedimentos de pesquisa que considere a observao, a descrio, o registro, a representao, a analogia, a explicao e sntese (PENTEADO, 2010).

    Penteado (2010) defende uma proposta para que a Geografia ensinada seja concebida como instrumento de compreenso da realidade, em que esta se inicia pela problematizao de fenmenos mais concretos aos abstratos e, por intermdio do respeito aos nveis de ensino exploratrio, desenvolvimento de conceitos especficos e ampliao de conceitos , sugere um rol de atitudes que ultrapasse o ensino reprodutivo, decorativo, para o produtivo, com origem na experimentao e compreenso dos conceitos e categorias fundamentais. Tal postulado sinaliza uma viso sinttica.

    De acordo com Santos (1978), h duas abordagens mais convencionais

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    no ensino da Geografia: a sinttica e a analtica. Alves e Sahr (2009, p. 55) as explicam: a sinttica, que apresenta a realidade como ponto de partida, e a analtica, que parte do estudo da superfcie terrestre no seu conjunto para posteriormente se chegar ao lugar de convivncia. mister compreender, todavia, que, apesar da abordagem sinttica ter sido a mais difundida e utilizada no ensino da geografia nas ltimas dcadas, no se pode perder de vista a articulao entre o local e o global. Desse modo, a abordagem analtica tambm deve ser empregada no ensino-aprendizagem, porque permite uma viso cclica de temporalidade, desfaz a hierarquizao do saber geogrfico e propicia a ampliao de outras maneiras de desenvolver abstraes.

    Dados os objetivos mencionados nos PCN, no difcil perceber as categorias de anlise fundamentais nessa etapa da escolarizao: lugar, territrio, paisagem e espao (BRASIL, 1997; RIBEIRO; MARQUES, 2001). Diversos estudiosos pesquisam e conceituam essas categorias, e, nos ltimos anos, h certa convergncia em algumas definies que, de modo conciso, e um tanto superficial, podem ser descritas da seguinte maneira: a paisagem a unidade visvel que os sentidos conseguem perceber, compreendida como a relao entre homem e meio no estudo da cultura (CALLAI, 2005); o lugar seria concebido pela significao a percepo sensorial, possui um esprito e uma personalidade constitudos pela longa vivncia (MASSEY, 2000); o territrio o espao definido e delimitado com supedneo nas relaes de poder e nas dimenses polticas, econmicas e culturais simblicas (CLAVAL, 1999); o espao geogrfico representa a sociedade, o processo histrico por ela constitudo na paisagem (CORRA, 2003; SANTOS, 1994). Vale mencionar, entretanto, a ideia de que tornar essas categorias inteligveis no tarefa simples, porque elas so abstratas e multidimensionais, exigindo do educador atitude crtica e dinmica.

    O domnio das categorias relevante para desenvolver na criana a compreenso sociocultural e do funcionamento da natureza que a cerca, bem como propiciar a utilizao, de maneira singular, do pensar sobre a realidade com olhar geogrfico crtico, pois mediada pela anlise do lugar e, consecutivamente, das demais categorias, a criana evolui da viso de espao perceptivo, para representativo, desenvolvendo maturao para

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    sair das relaes meramente topolgicas, limitadas ao objeto, e evoluir para as projetivas e euclidianas, que correlaciona os objetos entre si sem referncia esttica (CASTELLAR, 2005). Castrogiovanni (2006) explicita:

    preciso fazer a distino entre o espao da ao ou perceptivo e o espao representativo: o primeiro se constri em contato direto com o objeto, ou seja, atravs dos sentidos. J o espao representativo construdo na ausncia do objeto, portanto reflexivo. (p. 16)

    Quando o aluno ultrapassa a percepo do espao vivido e concebido concretamente e logra desenvolver a capacidade de perceber tambm o no experimentado, realizando abstraes, da maneira reflexiva, torna-se possvel a alfabetizao espacial, que se efetiva com a tomada de conscincia do espao geogrfico de maneira crtica.

    Salienta-se, no entanto, no ser possvel que o professor ensine definio de conceitos e categorias aos alunos. Ele, no mximo, os apresenta, porque o aluno, como sujeito ativo e autnomo, quem vai formular seus conceitos sobre as coisas com suporte em suas internalizaes individuais, cabendo ao professor a mediao desse processo, propiciando o trabalho com a linguagem geogrfica e a apropriao de significados constitudos pelas problematizaes, anlises e negociaes desenvolvidas com o aluno (CAVALCANTI, 2005).

    Buscar refletir e analisar abordagens do pensamento geogrfico permite a elaborao mais crtica de concepes pertinentes para nortear o trabalho do professor, pois, desde a compreenso das transformaes da sociedade no espao e da maneira como os alunos edificam o aprendizado, o educador se torna mais capacitado para proceder mediao pedaggica, no apenas no campo da Geografia, mas tambm nas mais diversas reas. Assim, exibir caractersticas e possibilidades do trabalho com a Geografia no ensino fundamental, problematizando os objetivos, o objeto de estudo e a formao dos conceitos e categorias, faz-se oportuno, na medida em que as informaes podem ser disseminadas e (re) pensadas, fomentando um ensino-aprendizagem mais significativo e pertinente.

    Consideraes finais

    Com o objetivo de debater acerca das interfaces das correntes do

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    pensamento geogrfico e a Geografia ensinada no Ensino Fundamental, enfatizando a alfabetizao geogrfica no sculo XXI, este ensaio realizou um estudo sobre as influncias que o pendor Tradicional e a tendncia Moderna exerceram no ensino formal da Geografia, bem como na maneira com que a aprendizagem se concebe na contemporaneidade, ressaltando os objetivos, objeto de estudo e a formulao dos conceitos geogrficos pela criana.

    Constatou-se que a propenso Tradicional, apoiada em conceitos naturais, notou a Geografia como Cincia descritiva de observao de elementos naturais que no se preocupou com as interaes das pessoas com as questes sociais. Em oposio, a tendncia Moderna centrou foco nas relaes humanas imbricadas com a natureza em um contexto social dialtico e dinmico.

    A Geografia Moderna, na perspectiva crtica, ao problematizar a realidade social no mago das desigualdades e injustias, amplia a capilaridade do trabalho com a Geografia na interao com outras cincias no mbito econmico, poltico e sociocultural. Como Cincia humanizada, o vis poltico perpassa o aprendizado geogrfico com vistas transformao da ordem social. Concebida como prtica social em relao superfcie terrestre, a Geografia ensinada afere significado ao responder problemas por meio da prtica social.

    Assentada na subjetividade dos sentimentos, na experincia, a Geografia ensinada privilegia o singular e a compreenso como base da inteligibilidade do mundo real, por intermdio de uma constante anlise crtica, cada vez mais aprofundada, dos fatos e acontecimentos. O ensino da Geografia para as sries iniciais do ensino formal, nessa perspectiva, objetiva a aprendizagem de conceitos geogrficos baseados no conhecimento de mundo, tornando-os significativos para o aluno, que os utiliza para atuao prtica na vida social.

    Ao contrrio da viso positivista de ensino, fundamentada na transmisso mnemnica verticalizada do professor para o aluno, a proposta na contemporaneidade utilizar mltiplas linguagens no ensino da Geografia e propiciar leituras dspares que possibilitam ampliar a compreenso crtica. Por intermdio da mediao semitica

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    para apreenso de signos e significados e a problematizao de saberes diversos contextualizados com o entorno e vivncias dos aprendizes, desenvolvem-se, paulatinamente, a criticidade e a autonomia dos alunos, promovendo a reflexo acerca de questes geogrficas.

    O ensino da Geografia como instrumento de compreenso da realidade, ao desenvolver conhecimento geogrfico contextualizado, correlacionando sujeito, tempo e espao em uma perspectiva hermenutica de produo e transformao da sociedade, concorre para fomentar o cidado, apto a intervir, responsavelmente, na sociedade.

    O objetivo do Ensino Fundamental no sculo XXI, na perspectiva da Geografia, alfabetizar geograficamente o aluno com amparo na apreenso de conceitos e categorias bsicas que possibilitem a compreenso do espao na interface com o sujeito histrico e suas mltiplas relaes, ou seja, ampliar o olhar crtico sobre a realidade. Instigando a curiosidade do aluno, com problematizaes e situaes vivas de aprendizagem, possibilita-se compreender o mundo com a devida conscincia geogrfica, interpretando e utilizando os saberes na vida prtica.

    O ensino da Geografia, mais do que mero componente curricular, possibilita, por intermdio da alfabetizao geogrfica, o auxlio no desenvolvimento de habilidades para realizao de observaes, descries, abstraes, problematizaes e anlises que facilitam a compreenso do mundo de maneira consciente. A maturidade para conquista da autonomia e de uma viso crtica global perpassa a capacidade de compreender o espao geogrfico nas suas interfaces com as relaes sociais, culturais, polticas e econmicas. De tal modo, refletir acerca do ensino e aprendizagem no mbito da Geografia sempre se far oportuno, na medida em que propicia momentos de reflexo da prxis pedaggica.

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    Recebido em 22/11/2013Aprovado em 16/06/2014

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