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enlinh@ Revista Digital da Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico de Adolfo Portela VISITA À ESCOLA E/B 2,3 FERNANDO CALDEIRA EXERCÍCIOS DE FILOSOFIA As palavras determinam os nossos dias. Na maioria dos casos, o que nos dá prazer é a viagem e não o destino. ESCREVER… é e pode ser muito divertido.

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Revista Enlinh@8

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enlinh@

Revista Digital da Escola Secundária com 3º Ciclo do Ensino Básico

de Adolfo Portela

VISITA À ESCOLA E/B 2,3 FERNANDO CALDEIRA

EXERCÍCIOS DE FILOSOFIA As palavras determinam

os nossos dias.

Na maioria dos casos, o que nos dá prazer é a

viagem e não o destino.

ESCREVER… é e pode ser muito divertido.

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“Mas é preciso morrer e nascer de novo / semear no pó e voltar a colher há que ser trigo, depois ser restolho / há que penar para aprender a viver”

(Mafalda Veiga, Restolho)

Entre os vários sentidos associados à Páscoa encontra-se o de renovação. Esse sentido harmoniza-se com a ideia de vida enquanto percurso de mudança, de progresso pessoal e coletivo, de aprendizagem, de crescimento, de libertação. Para isso contamos com a orientação da família, da escola, dos amigos e (quantas vezes) dos menos amigos, dos grupos desportivos, das religiões, entre tantos outros.

A orientação que recebemos de fora pode propor-nos (ou impor-nos) novos comportamentos. Na melhor das hipóteses, poderá despertar em nós a vontade de mudar. No entanto, em último caso, a mudança será sempre íntima e pessoal. Não mudamos apenas por estarmos filiados numa dada religião ou por irmos regularmente à missa; não mudamos apenas por fazermos donativos ou participarmos em trabalhos de voluntariado; muito menos por acumularmos diplomas ou erudição. Sem investirmos numa relação verdadeira connosco mesmos, poderemos não sair da pré-escola da existência.

No entanto, o que mais vemos e fazemos é cobrar, ou, no mínimo, comentar as dificuldades e os erros dos outros, enquanto os nossos ficam arquivados. Perante a dificuldade e o incómodo de mudar, quantas vezes optamos por estereótipos como: “afinal sou humano”, “amanhã também é dia”, “perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe”, “pelo menos fui frontal”, “não sou só eu”, “ele estava a pedi-las”, “não troco o certo pelo incerto”, “sou assim e não há nada a fazer”, “sou assim e quem quiser que se mude”,... Todos estes lugares-comuns, por razões diversas, fazem-nos ficar no mesmo sítio, impedindo o conhecimento doutras circunstâncias, a vivência doutras situações.

Como sair desta armadilha? Possivelmente admitindo dificuldades, reconhecendo falhas, confessando erros. Mudamos se formos sinceros e humildes, se compreendermos que, primeiramente e principalmente, somos responsáveis pelos nossos atos e pensamentos. E, sobretudo, se nos predispusermos verdadeiramente a agir em conformidade com essas evidências.

É necessária grande coragem para nos vermos ao espelho. Podemos não gostar do que vemos, mas será esse o primeiro passo.

Boa Páscoa. Boa renovação.

Professora Luísa Alcântara

ÍNDICE

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ESAP evoca o Holocausto contra o Holocausto

Visita à Escola EB 2/3 Fernando Caldeira

Exercícios de Filosofia

Dialética e Retórica

A retórica sofística destrói a polis

Há uma realidade externa?

Os objetivos e a ética deontológica de Kant

Palavras

Poemas em torno de uma letra

Cartas a objetos

Oppidum Talábriga

FICHA TÉCNICA Edição: 8 Data de publicação: março 2013 Coordenadores: Alda Rita, Luísa Alcântara Publicação da Escola ES/3 de Adolfo Portela Rua Joaquim Valente de Almeida 3750-154 ÁGUEDA / Tel. 234.623.808

Todas as formas de colaboração dos leitores (alunos,

encarregados de educação, professores, funcionários) devem ser enviadas para: [email protected]

PRAZO DE RECEÇÃO DE MATERIAIS PARA A

PRÓXIMA EDIÇÃO: JUNHO 2013

Editorial

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ESAP EVOCA O HOLOCAUSTO CONTRA O HOLOCAUSTO

Na tarde do dia 25 de janeiro, durante quase três horas, num auditório completamente lotado, evocou-se, na Escola Secundária de Adolfo Portela, aquilo que Hannah Arendt designou como a história mais difícil de contar de toda a história da Humanidade – o Holocausto. Ainda que a distância temporal e a vertigem asfixiante dos nossos dias transformem a «solução final do problema judaico» num acontecimento cada vez mais remoto e abstrato, a verdade é que sempre que se olha para o intenso sofrimento dos judeus, dos ciganos, dos deficientes, …, para o caráter patologicamente programado, sistemático e coletivo deste genocídio nazi, é impossível não ter a certeza que se estilhaçaram, sem retorno, os limites do entendimento humano e que não há, na civilização humana, referencial ético mais claro e inequívoco do mal absoluto.

Apesar do ressurgimento alarmante do anti-semitismo em determinadas partes da Europa e do crescente aparecimento de movimentos negacionistas e revisionistas, o Holocausto aconteceu e foi um crime contra a humanidade. Por isso, à escola de hoje e de amanhã cabe recordar não apenas o que aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu, mas sobretudo sensibilizar, em nome de valores civilizacionais inegociáveis e à prova de relativismos inconsequentes e oportunistas, as novas gerações contra o Holocausto. Ora, foi neste contexto que a ESAP, assumindo a sua matriz humanista e progressista, começou por ouvir uma leitura dramatizada do livro

«A Sétima Porta», de Richard Zimler, realizada pelos alunos do 11º G, e depois o próprio escritor judeu norte-americano falar da sua sétima porta e partilhar a sua estória com os presentes. Fica na memória destes não o mero relato de uma experiência traumática, mas uma análise lúcida, carregada de humanismo crítico e benevolente, feita por uma consciência individual em paz consigo e com o mundo, que aprendeu a evocar a memória das vítimas do Holocausto para além da recordação impressionista das estatísticas, e que vive todos os dias o imperativo ético de deixar falar, através de si e dos seus livros, todos os que são silenciados pelo preconceito.

Testemunhos

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O poema «A primeira fotografia de Hitler», de Wislawa Szymborska, dito pelo Raúl Oliveira (7ºA), foi o mote necessário para o historiador Manuel Loff (FLUP) se centrar na explicação histórica das causas do Holocausto, ao mesmo tempo que elencava com detalhe e clareza as etapas da perseguição racista perpetrada pelos nazis. Por ser um crime e não matéria de opinião, sublinhou, enquanto cientista social, a irrazoabilidade arbitrária dos pressupostos nazis, mas também e paradoxalmente a racionalidade sinistra da retórica do III Reich e do cinismo administrativo, burocrático e nihilista do processo de aniquilação massiva dos judeus, ciganos, deficientes físicos e mentais, homossexuais, russos, polacos e opositores do nacional-socialismo.

Finalmente, depois de um período de interpelação do público ao escritor Richard Zimler e ao historiador Manuel Loff, e depois de se ouvir «A Rosa de Hiroshima», de Ney Matogrosso, numa versão arranjada e interpretada pela Carolina Castro (10º B), Alexandre Fernandes e João Camarneiro (11º E), e Marta Marques (11º G), Paula Lopes, especialista em Relações Internacionais (FEUC), abordou as dificuldades concetuais do termo «genocídio» no plano da geopolítica passada, atual e futura, marcadas todas por um contexto internacional simultaneamente realista e anárquico. Centrou-se depois, e sempre a partir de exemplos concretos, nas implicações destas dificuldades, nomeadamente ao nível dos processos de previsão e intervenção das instituições e organizações políticas internacionais relativamente a situações de genocídio.

No final da sessão, ficou evidente que recordar a «orgia de violência programada» que foi o Holocausto é um dever ético absoluto, nomeadamente porque qualquer instrumento ou organismo será sempre insuficiente para prevenir ou evitar este tipo de ignomínia se efetivamente não se evoluir para uma ética de tolerância que predisponha cada um de nós ao reconhecimento do outro e do seu direito à diferença, como forma de compatibilizar modos de vida simultaneamente comunitários e cosmopolitas. Foi com esse espírito que o Fábio Cunha e o Daniel Marques (10ºA) interpretaram «Imagine», de John Lennon, encerrando a iniciativa com pinceladas de azul esperança num céu cinza carregado.

Professor Vítor Oliveira

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VISITA À ESCOLA EB2,3 FERNANDO CALDEIRA

Nos dias 20 e 27 de fevereiro, nós, alunos do 12º ano das turmas G e H, respetivamente dos cursos profissionais de Animação Sociocultural e de Técnico de Apoio à Infância, visitámos as salas de multideficiência e autismo da Escola EB2,3 Fernando Caldeira. A visita foi realizada no âmbito das disciplinas de Psicologia e Sociologia e orientada pelas respetivas professoras.

No local, fomos confrontados com diversas situações pouco comuns, encontrámos crianças e adolescentes portadores de múltiplas deficiências, desde trissomia 21, paralisia cerebral, autismo e até casos para os quais não é conhecido ainda qualquer tipo de diagnóstico.

Estas crianças e jovens estão inseridos nesta unidade com a finalidade de se integrarem no meio escolar. Estão matriculados em turmas do ensino regular, de modo a se promover a sua socialização, dentro do possível. Alguns deles frequentam as aulas de caráter mais prático, como nos referiram as Educadoras.

Por mais que saibamos que esta realidade existe, o confronto direto com ela é sempre difícil. No entanto, mantivemos uma interação positiva e muito gratificante com cada uma destas crianças e jovens.

Nas disciplinas de Psicologia e Sociologia abordámos esta realidade no âmbito dos temas “Da diferença dos comportamentos à diferenciação na intervenção” (Psicologia) e “Direitos Humanos” (Sociologia). De certo modo, estávamos sensibilizados e despertos para esta temática da deficiência e para a necessidade de integração, respeito e salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Contudo, através desta visita, pudemos constatar, no “terreno”, a forma de cuidar destes jovens que estão a fazer o seu percurso na vida e na sociedade e perceber a dedicação e carinho das pessoas que os acompanham diariamente.

Reconhecemos que esta é uma tarefa muito importante e exigente, mas alguns de nós sentimo-nos muito motivados e desejamos muito poder vir, no futuro, a trabalhar nesta área.

Alunos do 12º G e H

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EXERCÍCIOS DE FILOSOFIA

É comum dizer-se que a Filosofia é a procura da verdade.

A maioria de nós repete tal afirmação sem se perguntar o que é a verdade, por que é que ela é importante e, sendo, como a poderemos descobrir ou, pelo menos, aproximarmo-nos dela. Como distinguir um discurso verdadeiro de outro que apenas parece verdadeiro? E, mais importante, para que queremos nós a verdade?

O domínio da palavra confere poder e um poder cada vez maior. As palavras ditam a vida e a morte, a guerra e a paz, a conquista ou a perda de direitos e regalias. As palavras determinam os nossos dias. Parece pois relevante refletir sobre a natureza dos discursos a que estamos sujeitos e de que somos capazes, bem como sobre o uso que fazemos desta capacidade poderosíssima da palavra.

Lembro amiudamente aos meus alunos que não podem esperar que, como professora de Filosofia, lhes ofereça a verdade. Não só porque não a possuo, mas sobretudo porque ela é uma descoberta que exige o esforço de cada um com os outros. Como diz Camus n’A Peste, «não se felicita um professor por ensinar que dois e dois são quatro. Felicitar-se-á talvez por ter escolhido essa bela profissão». Como professora de Filosofia tenho portanto o dever de mostrar aos meus alunos que, como lembra ainda Camus, «chega sempre uma hora na História em que aquele que ousa dizer que dois e dois são quatro é punido com a morte» e cada vez que isso acontece é toda a humanidade que fica mais pobre. Para combater isso há, creio, um único meio: exercitar o pensamento crítico e informado. Parafraseando ainda Camus, esta verdade não é admirável, é apenas consequente.

Os trabalhos que se seguem são alguns exemplos desse exercício que os alunos de Filosofia têm feito, mostrando a atualidade e a relevância dos assuntos abordados nas aulas.

Professora Paula Bastos

Ensaios

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DIALÉTICA E RETÓRICA - 1

Neste ensaio defenderei que é a dialética e não a retórica que conduz à verdade. Começarei por clarificar os conceitos de «dialética», «retórica» e «verdade». Depois justificarei a minha tese apresentando duas razões (premissas) a favor e para cada razão apresentarei um exemplo.

Assim sendo, a dialética é a arte de discutir, de argumentar e contra-argumentar. A retórica á a arte de persuadir, ou seja, é um conjunto de técnicas que permite ao orador obter a adesão do auditório. Por fim, a verdade é o conhecimento da essência da realidade, daquilo que faz com que algo seja o que é; é absoluta e objetiva, pois, independentemente das circunstâncias e dos desejos, impõe-se a todos os homens, que só têm que a descobrir - verdade como aletheia; neste sentido, a verdade é o que aparece «des-velado», «des-coberto», evidente à razão ou espírito.

A meu ver, é a troca de razões que conduz à verdade, e não a mera imposição de opiniões através de técnicas persuasivas (retórica).

Uma primeira razão é o facto de o ser humano não ser infalível, pelo que, quando julga ter a certeza de que a sua opinião é verdadeira e que por isso pode silenciar a opinião contrária, está completamente enganado. Impor a nossa opinião através de técnicas persuasivas, porque pensamos estar certos, é incorreto, pois não só a nossa opinião pode ser falsa, como a opinião silenciada pode ser verdadeira. Ou pode mesmo acontecer que nenhuma das duas seja completamente verdadeira, nem completamente falsa, isto é, que cada uma delas contenha apenas diferentes partes da verdade.

Se estas situações acabarem por acontecer, a única forma de evitar estes grandes erros (que resultam da pressuposição de infalibilidade por parte do ser humano) é através da troca de razões: apenas o diálogo entre pessoas com diferentes pontos de vista lhes permite chegar à verdade. Se se limitarem a impor opiniões através de técnicas persuasivas e não se dispuserem a confrontá-las com outras, tal será impossível, pois é graças «ao conflito de opiniões opostas que o resto da verdade tem alguma hipótese de vir ao de cima» (Mill Stuart, Da liberdade de pensamento e de discussão).

O exemplo que apresento é o da teoria geocêntrica:

antigamente acreditava-se fortemente que era verdadeira e por isso reprimiam-se crenças diferentes, como a do heliocentrismo. Hoje em dia, sabe-se que ela não constituía a verdade (pelo menos por inteiro), porque se trocaram argumentos e contra-argumentos entre os defensores das diferentes teorias. E, se o processo dialético prevalecer, será possível chegar a conclusões cada vez mais próximas da verdade, uma vez que, tal como Stuart Mill afirma, «muitas opiniões, agora correntes, serão rejeitadas por épocas futuras».

Uma segunda razão é o facto de a retórica, ao contrário da dialética, «ser obreira da persuasão que promove a crença, não o conhecimento» (Platão). Sendo assim, o orador, ao persuadir um auditório em relação a determinado assunto, não o instrui, mas apenas lhe desperta crença, crença essa que, visto que o orador procura apenas vencer debates e não chegar à verdade, pode mesmo ser falsa (note-se que há crenças verdadeiras e falsas, mas o conhecimento – episteme - é sempre verdadeiro). Percebe-se assim que esta retórica (a manipuladora), não conduz à verdade, pois é mera empeiria, habilidade prática que gera crença sem ciência. Apenas a argumentação racional e livre (dialética) a torna possível, pois gera a crença com base no conhecimento.

Exemplificando esta segunda razão: um orador e um médico tentam persuadir um doente sobre determinado assunto relacionado com saúde. Enquanto o médico, que é especialista, persuade ao mesmo tempo que gera conhecimento, sendo a sua persuasão fonte da crença com base na ciência (a dialética constitui um uso ético do logos), o orador, ignorante em assuntos de medicina, gera crença sem ciência (uso não ético do logos), mantendo assim o paciente na ignorância e na ilusão, nunca lhe

sendo possível descobrir a verdade sobre assuntos de saúde.

Esta tese que defendo é de grande importância, pois não só a verdade é o fim último da Filosofia (procura da verdade por puro amor à verdade), como também devemos saber como alcançá-la, já que só ela permite o bem. Para além disso, não nos podemos deixar enganar nem enganar os outros, pois não só a ignorância gera o mal (são as nossas crenças que orientam as nossas ações e, portanto, devemos saber como agir e quais as razões justificativas das nossas ações), como assim se faz um uso não ético do logos. Concluindo, é a dialética e não a retórica que conduz à verdade, pois só o

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diálogo permite que haja confronto entre diferentes opiniões, sendo assim possível que partes da verdade que não eram conhecidas sejam descobertas. Para além disso, é a dialética que gera a crença com base no conhecimento, pelo que permite alcançar a verdade, ao contrário da retórica manipuladora que gera a crença (doxa) sem ciência.

Maria João Simões, 11ºA

DIALÉTICA E RETÓRICA - 2 Neste ensaio defenderei que é a dialética e não a retórica que conduz à verdade. Começarei por clarificar os conceitos de «dialética», «retórica» e «verdade». Depois justificarei a minha tese apresentando duas razões (premissas) a favor e para cada razão apresentarei um exemplo.

A dialética assume-se com a arte de discutir, ou seja, de argumentar e contra-argumentar. A retórica é a arte de persuadir, constituindo um conjunto de técnicas de persuasão, independentemente da verdade das proposições e da validade dos argumentos. Segundo Sócrates, “a retórica é obreira da persuasão que promove a crença, não o conhecimento” (Platão, Górgias), e portanto não é nenhuma arte (techné), mas sim uma habilidade prática (empeiria). A verdade, neste contexto, define-se com aletheia, ou seja o que aparece «des-oculto», «des-velado», evidente ao espírito ou entendimento (logos).

De facto, é a dialética e não a retórica que conduz ao desvelamento da verdade. Isto é semelhante a dizer-se que só discutindo, ou seja, argumentando e contra-argumentando, com base no saber, descobrimos a verdade ou aproximamo-nos desta. Daqui inferimos a importância da discussão e consequentemente da liberdade de expressão no mundo atual.

A minha primeira razão é a seguinte: a opinião prevalecente e dominante na sociedade pode não ser a verdadeira, sendo possível que a verdadeira seja a opinião de uma minoria, que não aceitamos. Não sujeitando esse assunto à discussão, limitamo-nos a acreditar indubitavelmente numa crença que não sabemos ser verdadeira. Pode permanecer como aceite para a sociedade, mas ser uma crença falsa. E, obviamente, “nenhuma crença contrária à verdade pode ser realmente útil” (Mill S., Da liberdade de pensamento e de discussão). Deste modo, só confrontando diferentes ideias, argumentando e contra-argumentando, ou seja, só utilizando a dialética, podemos descobrir a verdade. Os exemplos que suportam esta razão são os tantos acontecimentos na história, em que, por falta de diálogo e por condenação / silenciamento de ideias opostas às prevalecentes, os homens continuaram a acreditar em

falsidades, como foi o caso do geocentrismo. Condenaram-se crenças verdadeiras, como o heliocentrismo, em prol de crenças falsas aceites pela maioria, como o geocentrismo. Tal condenação à ignorância constituiu um grave dano para a humanidade.

A minha segunda razão é a seguinte: ainda que a opinião dominante seja a verdadeira, só expondo-a à crítica, ao confronto e à argumentação teremos uma clara compreensão do que ela significa e um sentimento profundo da sua verdade. Se não o fizermos, não podemos conhecer a verdade nem compreendê-la verdadeiramente e consequentemente esta não passará de uma superstição e de um preconceito, permanecendo uma crença carente de justificações e de provas. Segundo Mill “não havendo discussão, esquece-se não apenas os fundamentos da opinião, mas também bastante frequentemente o significado da própria opinião” e, de facto, “a tendência fatal da humanidade para deixar de pensar sobre uma coisa quando já não é duvidosa é a causa de metade dos seus erros” (Mill S., Da liberdade de pensamento e de discussão). Portanto, ainda que a opinião prevalecente seja a verdadeira, esta só pode ser considerada como tal quando de facto for exposta à contra-argumentação e, assim, compreendida. É o caso das crenças tradicionais, preconceitos e prejuízos que toda a gente conhece e repete, aceitando como truísmos, ou seja, como verdades evidentes por si mesmas. Mas estas mesmas pessoas não conhecem o seu verdadeiro significado até passarem por uma experiência (normalmente dolorosa) que torna esse mesmo significado compreensível. No entanto, se tivessem refletido, teriam evitado situações e experiências dolorosas. E teriam refletido sobre tais preconceitos e prejuízos se tivessem sido habituadas à discussão livre e informada.

Concluindo, o exercício de argumentação e contra-argumentação, a livre expressão de opiniões diferentes e o diálogo são os meios que nos permitem alcançar a verdade, ou seja, é de facto e apenas a dialética, e não a retórica, que conduz à verdade. Segundo Mill, “Nenhuma pessoa sábia alguma vez adquiriu a sua sabedoria por outro modo que não este”. As razões que sustentam esta tese são assim: por um lado, o facto de existirem crenças que são aceites como verdadeiras quando são de facto falsas, só sendo possível descobrir a crença verdadeira pelo diálogo e contraposição com outras ideias; e, por outro lado, o facto de que, ainda que as ideias prevalecentes sejam de facto as verdadeiras, não as podermos conhecer verdadeiramente se não as expusermos à contra-argumentação. Se assim não for, estas verdades não passarão de meros preconceitos. É portanto de extrema importância discutir tudo e ouvir todas as opiniões, por mais estranhas que pareçam. E é nesta discussão e troca de ideias que assenta a dialética, contrariamente à retórica e à sua persuasão manipuladora que não visa a verdade, mas apenas vencer discussões.

Bárbara João Figueiredo, 11º B

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A RETÓRICA SOFÍSTICA DESTRÓI A POLIS A retórica sofística tem como finalidade convencer para vencer discussões, desprezando o conhecimento/verdade daquilo que se discute. Assim, tem como base a ignorância, permanecendo na aparência. A partir daqui podemos afirmar duas razões que justifiquem que “A retórica sofística destrói a polis”.

Platão considera que o Homem é constituído por corpo e alma. A alma (essência do humano) é salvaguardada por duas artes: a Justiça e a Legislação, duas partes da Política. Sendo a Legislação a techné que mantém a alma dos cidadãos sã e a Justiça a que a cura, por vezes dolorosamente, pode-se concluir que estes são os dois principais pilares da cidade; é a Política que permite uma vida harmoniosa e boa na polis.

Ora, “a retórica é o simulacro de uma parte da política”, isto é, a retórica imita a Justiça, simulando corrigir ou recuperar as almas insãs, tal como a sofística imita a Legislação, simulando manter a alma sã, guiando-a. Mas, na verdade, estas são apenas empeiria, ou seja, mera habilidade que não tem por base qualquer conhecimento. Assim, geram apenas o prazer e não o próprio bem. Estas duas empeirias acabam, então, por ameaçar os verdadeiros pilares da polis ao sugerir uma forma mais fácil e mais agradável de fazer prevalecer uma crença, gerando o mal. O mal gerado pela retórica sofística é semelhante àquele que um orador que finge ser médico pode causar: este até pode convencer mais facilmente o paciente a tomar determinado medicamento (tal como afirma Górgias, no diálogo de Platão com o mesmo nome), mas está também habilitado a envenená-lo. Do mesmo modo, a retórica e a sofística constituem formas de adulação do povo, manipulando-o. Assim, sendo a retórica sofística, como a define Platão, a mera habilidade de convencer um auditório, pode destruir os dois

pilares da democracia: igualdade e liberdade.

Sendo o único objetivo da retórica vencer discussões, é legitimada a

manipulação, na medida em que o orador pode recorrer a qualquer método para persuadir o seu auditório, nomeadamente desviando-o da

razão. Assim, é ignorada a aptidão cognitiva do

interlocutor e a sua liberdade. O orador acaba

por ser um ditador dissimulado: tal como o

ditador impõe as suas ideias pelo uso da força, o orador impõe-nas pelo uso manipulador da palavra

/ discurso (logos), iludindo o povo.

Assim, é verdade que a retórica sofística destrói a polis.

Cindy David Sarmento, 11ºA

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HÁ UMA REALIDADE EXTERNA?

Por acreditarmos que o conhecimento científico está firmemente estabelecido e que garante provas sufi-cientes da existência das coisas em geral, que prova de forma conclusiva que sabemos o que são e como se relacionam, parece fútil perguntar se será de facto assim. Contudo, aquele que se previne do nosso sono dogmático e da certeza acrítica está obrigado a pergun-tar se as suas faculdades são infalíveis e se, por exem-plo, o que vê é efetivamente como vê. Rapidamente se percebe que a credulidade inicial é injustificada, que as nossas faculdades não são confiáveis e que temos, por isso, o dever ético de olhar outra vez para as nossas certezas. É o que se espera que todos façamos. Foi o que os alunos do 11º ano de Filosofia fizeram durante o 2º período. Foi o que fez a Marta Marques, da turma G, e esta é a sua resposta.

Este ensaio visa responder à questão «Há uma realidade externa?». Começarei por esclarecer o problema filosófi-co presente na questão, a saber, o problema da realidade externa, e apresentar uma definição breve, mas operati-va, de realidade externa. Depois analisarei três respostas ao problema da realidade externa, a saber, a do ceticismo pirrónico, a do racionalismo de René Descartes e a do empirismo de David Hume. Finalmente, avaliarei estas respostas e defenderei, com base em razões, que a mais consistente é a de David Hume.

Entende-se por realidade externa tudo o que é real e não mental, o que inclui o nosso próprio corpo e as coisas em geral. Perguntar se existe ou não uma realidade externa é perguntar se podemos justificar racionalmente o nosso conhecimento daquilo que, por exemplo, vemos ou ouvi-mos.

O ceticismo pirrónico defende que, como nada conhece-mos ou podemos vir a conhecer, devemos suspender o juízo (epoché), pois não estamos devidamente justificados para acreditar que sabemos, nomeadamente que sabe-mos que existe uma realidade externa e que a podemos conhecer.

Descartes tenta provar que os céticos estão errados e submete à dúvida todo o conhecimento para averiguar se é possível interromper o processo de regressão infinita em que caímos sempre que o tentamos justificar, isto é, saber se é possível provar a existência de crenças básicas que não precisam de outras para se justificar.

Os argumentos céticos cartesianos dos sentidos e dos sonhos desafiam as crenças a posteriori, sugerindo, pri-meiro, que os nossos sentidos podem enganar-nos e, depois, que podemos estar a dormir um sono tal que nos pareça que estamos acordados, levando-nos a confundir a realidade com o sonho. Contudo, Descartes percebe que as crenças a priori resistem a estes argumentos e decide radicalizar e universalizar a dúvida, admitindo a hipótese

extravagante de existir um génio maligno que se diverte a enganar-nos, fazendo-nos acre-ditar que 2+2=4, quando, na realida-de, pode não ser. Des-cobre então a crença de que se duvida, pensa e se pensa, existe (“Cogito, ergo sum”), mas que esta crença resiste à dúvida metafísica e extravagante. Percebe depois que se Deus é sumamente bom, não pode admitir a possibilidade de existir um ser maligno, pelo que sua existência elimina esta hipótese. Ora, como quem duvida é imperfeito, por-que assume a probabilidade do erro, e quem sabe é per-feito, só Deus sabe e colocou em nós, à nascença, a ideia inata de perfeição e, uma vez que Deus é poderoso e bom, garante a confiabilidade as nossas faculdades e, dessa forma, o conhecimento da realidade externa.

O problema da realidade externa assume em David Hume um significado diferente, porque ele afirma que nunca saberemos se existe uma realidade externa, mas que apenas podemos acreditar que existe. Hume justifica a sua posição explicando que a mente humana é constituída por perceções, adquiridas pela experiência, e que estas se dividem em impressões e ideias (cópias das impressões, menos vívidas e menos intensas que estas). Defende que as operações da mente se dividem em duas classes (for-quilha de Hume): relações de ideias (proposições que se podem descobrir a priori) e questões de facto (proposi-ções baseadas na experiência, que jamais podem implicar uma contradição). Defende ainda que todas as questões de facto têm origem na ideia de causalidade, descobertas indutivamente (só sabemos que o leite ou o pão são mais adequados para os homens, e não para um leão, depois de experimentarmos). Ora, como acreditamos que a natu-reza é regular (princípio da uniformidade da natureza – PUN), inferimos indutivamente uns acontecimentos a partir de outros, anteriores a estes, sem que, no entanto, tenhamos a experiência de uma relação necessária entre si. Se tivéssemos, diz Hume, poderíamos provar a poste-riori a semelhança entre o passado e o futuro, mas como não temos, podemos apenas supor esta semelhança baseando-nos no costume e no hábito. Portanto, é mais seguro dizer que existe apenas uma relação de conjunção constante entre os acontecimentos, porque uns estão constantemente conjugados com outros, que lhes são contíguos e temporalmente anteriores ou posteriores.

Conclui Hume que não podemos justificar as relações de causalidade a priori, porque isso será sempre arbitrário e hipotético, de modo que só nos resta tentar justificá-las a posteriori. No entanto, se o fizermos, incorreremos numa petição de princípio ao provar algo com o que precisamos de provar: “a natureza é regular porque tem sido regular”.

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Em suma, Hume defende que se não podemos justificar racionalmente as questões de facto, somos incapazes de justificar racionalmente a nossa crença numa realidade externa, embora seja verdade que acreditamos na exis-tência de uma realidade externa. Portanto, ainda que naturalmente sejamos levados a acreditar que existe uma realidade externa (realismo ingénuo), só podemos crer na sua representação mental (realismo indireto).

Considero que a posição de Hume é a mais consistente, porque o ceticismo pirrónico é demasiado radical e con-sequente e, por isso, impraticável (se tenho sede mas não posso saber se a água a sacia ou não, não a beberei e morrerei) e o fundacionalismo cartesiano, por ser igual-mente radical, mas antecedente (por ter a dúvida como ferramenta provisória para alcançar o conhecimento), é incurável, uma vez que, ao duvidar de tudo sem restabe-lecer a confiança nas suas faculdades, Descartes perma-nece numa posição solipsista - o Cogito. O ceticismo moderado de Hume parece-me mais racional pela sua utilidade, pois ajuda-nos na ação e na decisão, afasta-nos

do dogmatismo, evita especulações metafísicas, como a ideia de Deus e de conexão necessária, e mantém o espíri-to aberto à descoberta.

Finalmente, acreditar na possibilidade de uma realidade externa parece ser mais viável que a sua negação absoluta por parte dos céticos radicais, que a justificação circular de Descartes, que procura garantir metafisicamente a confiabilidade das nossas faculdades, embora com o que não consegue provar, uma vez que, ao deduzir a existên-cia de Deus da sua perfeição, passa ilegitimamente do plano lógico para o ontológico. Por outro lado, como aca-ba por não afastar a hipótese do génio maligno, Descartes não se cura da dúvida radical e universal.

Marta Marques, 11º G

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OS OBJETIVOS E A ÉTICA DEONTOLÓGICA DE KANT

Os nossos objetivos ou metas pessoais são, em geral, muito importantes para nós. São uma espécie de guias para a nossa vida, a nossa motivação, a recompensa que virá depois de todos os nossos esforços.

Mas qual é a sua relação com a ética kantiana? Kant defende que devemos agir de acordo com o nosso dever, independentemente das consequências, ou seja, sem esperar nada em troca. Esta é uma abordagem oposta às teorias consequencialistas, que defendem que o que realmente interessa são as consequências das nossas ações.

Nesta questão dos objetivos pessoais, todos somos consequencialistas: as nossas ações visam apenas atingir uma meta específica.

Na minha opinião, esta abordagem é errada e faz com que demoremos mais tempo a atingir as nossas metas, ou até que não as atinjamos de todo. Quando nos fixamos apenas nos nossos objetivos, isto é, no

que esperamos como «recompensa», trabalhamos sempre com um fim específico em mente e, se não notamos resultados, ficamos desmotivados. Mas se agirmos de acordo com Kant, ou seja, se nos esforçarmos, simplesmente, porque é o nosso dever, os resultados virão naturalmente e até podem surpreender-nos. Desta maneira, teremos mais motivação para nos esforçarmos ainda mais e conseguirmos atingir metas ainda mais altas.

É importante destacar que não pretendo dizer que estabelecer objetivos pessoais é mau. Na verdade, considero que é bastante importante sabermos o que queremos e como lá chegar. O que pretendo contestar é a abordagem que deles fazemos. No final de contas, na maioria dos casos, o que nos dá prazer é a «viagem» e não o «destino». Por isso mesmo, devemos aproveitar bem esta nossa «viagem» e, quando chegarmos ao nosso «destino», chegaremos. Não há pressa.

Gisela Ferreira, 10ºA

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No âmbito da ação de formação “Escrita Criativa”, que decorreu no 1º período, os professores de Português inscritos foram convidados a experimentar formas de escrita criativa, algumas delas muito interessantes e motivantes. Depois, nas suas aulas, propuseram aos alunos algumas dessas técnicas, mostrando-lhes que escrever é e pode ser muito divertido…

Aqui se deixam alguns exemplos desses trabalhos…

Partindo do exemplo do texto “Homem”, de Alexandre O’Neill, duas alunas do 12º ano criaram o seguinte texto:

AVENTURA Possível louca incentivadora sonhadora animada Criativa alarmante perigosa infinita viciante Sedutora irresistível bombástica engraçada divertida Tentadora programada inesperada mirabolante Fantasiosa inesquecível poderosa inspiradora Desafiante viva noturna nova única infantil Amorosa romântica amigável duvidosa criminosa Fascinante iminente traiçoeira aventureira Agradável calma intemporal indigesta gloriosa Festiva corajosa magnífica audaz silenciosa Gostosa colorida cativante motivadora Desagradável horrível alucinante vertiginosa Estimulante energética agitada mortal Impossível hilariante arriscada imprevisível Invulgar passageira cautelosa desconhecida Ousada condenável imprudente confiante Carismática fugaz rápida aborrecida Divinal doce harmoniosa infernal.

Sara Pinheiro e Luciana Correia, 12ºA

Palavras

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POEMAS EM TORNO DE UMA LETRA

SONOLÊNCIA Sono, sonolência Sonho, soníloquo… Submerso sobre sofá O sono sonda, sombreia, sonâmbulo… Sonho: silêncio, sina, sonda serra, serenata, sino, semente samba, salpimenta, soneto sorvete, sótão, sudoeste, sírio, sirene, suicídio, santuário, sebastianismo, sombra! Sono, sonolência Sonho… (a) sépia.

Professora Manuela Veiga MICRÓBIO DA MENTIRA Mentindo Metes mil máscaras Mentindo Medes as metamorfoses Do mundo. Mentindo Misturas misericórdia E miséria Minguando a memória Da melodia. Mentindo Moldas medalhas De mártires Em matriz De mendigos. Mentindo Me mudas Mentindo me marcas de miúdos medos. Mentindo Me martelas A mente, Mentindo Me matas. Manténs o manto da mentira E mesmo mentindo Morres matando E mesmo morrendo Matas mentindo, Maria.

Professora Adília Esteves

CARTA CANSADA EM CADERNO CALADO CAIADO DE CINZA Contigo Correria campos cobertos de caprichosas cores costuradas em claridades e colhidas em crescentes crepúsculos. Contigo, Como canário, Cantaria cantigas campestres Compostas de cadências E compassos Cuidadosamente caiados De carinhosa candura.

Contigo Cavaria Caminhos e caudais, Calaria Costumes e calúnias, Colheria Cometas e clareiras, Construiria Castelos e campanários, Consolaria Caras e corações, Conquistaria A clareza e a coragem. Contigo, contigo… Cada cavalgada Cantaria A cadência do cosmos Em calafrios de cor E contraste de calor E cambalhotas de cristal A convite do corpo. Contudo, confesso, Contrafeito, A cruz que carrego: Um coração cravejado De caladas culpas Construído e calcinado Em cansaços De curtas curas E compridas cargas.

Em constante E controlada combustão, O combalido Coração, De costas E contas contadas, Conta as curvas Do clandestino Calendário: Cova e coveiro Cavam O cru Consolo Do corpo Que o castigo Calou.

Professora Adília Esteves

SE… Se sibilam sinos Se secam sementes Se sobram sarilhos Se sucumbe o sossego se sugam a simplicidade Se se saturam os sons Se se sentem suores Se se sugam sentidos Se se somem sintonias Se se sopram sustos Se se sacam sabores Se secam os saberes Se se sacrifica a sabedoria Se se sacode a simpatia Se se salga os gestos Se se salva o sarcasmo Se sobressai a soberba Se se satura a saúde Se se sussurra o segredo Se se suprimem os sonhos Se se suspendem as soluções Se se saturam as surpresas Se se sente a separação Se se sequestra a sereia Se se suja o sagrado Se se serve a secura Se se somam subornos Se se segue o saque Se se sovam sorrisos Se se sofre a solidão Se se salda a serenidade se se some a saudade Se se sufoca a sensatez Se se saca a satisfação Se se sobrepõe o silêncio Se sobrevive o soluço Se se sepulta o sol Se se suicidam os sonhadores… Somos sós sem ser.

Professora Adília Esteves

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SAPATEIRO SURRIPIADO SUPLICIADO Sereno sapateiro sacrificado Sacaveno sábio sacramentado, Sentado solenemente na soleira, Soletrava, Sozinho, Sílabas sonantes, Sempre satisfeito! Simpático sapateiro sabível Sensato sapateiro sensível Sapudo sapateiro sabujo Sacudia sacola sagitada, Saldava solas salpicadas, Saldava solas suadas! Sardento sapateiro saltitante, Solícito:

Samangava, Sapejava,

Sarpava, Saçaricava,

Sibilava, Saluçava!

Sonolento… Sofredor… Solitário…

Professora Cristina Brito

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CARTAS A OBJETOS

Querida cama,

Desde que nasci que tu fazes parte da minha vida, tens uma grande importância para mim, sempre te gostei de ver de uma maneira ou de outra, mesmo que mudes de posição ficas linda, és tão macia. Enquanto durmo tu tentas suportar-me, tomara que as pessoas fossem como tu… Por vezes, e não sei por quê, é quando estou deitada em cima de ti que tomo decisões importantes e onde reflito muito sobre a minha vida e sobre as pessoas que são mais importantes para mim. Também penso no que devo ou não fazer e no que vale a pena ou não lutar. Quando tenho aquelas noites mal dormidas, tento perceber as asneiras que faço e penso nas pessoas que já magoei. Quando estou contigo, nada mais importa, és o meu ponto de paz, descanso, a razão dos meus sonhos, Obrigado por tudo, cama.

Carolina Pereira, 8º B

Querida cadeira,

Escrevo-te esta carta para te explicar o quão és importante para mim… Bem, sinceramente, não me imagino sem ti, tu és necessária para quase tudo o que eu faço no meu quarto! Quando chego da escola, pouso lá a minha mochila, quando acabo de tomar banho, ponho lá a roupa (claro que depois vou arrumar!), quando estou cansada, sento-me em cima de ti! Ai minha cadeira, o que seria de mim sem ti… Além disso, nesta carta, também te quero propor uns compromissos da minha parte… Prometo nunca mais me atirar com força para cima de ti, não te encher de roupa durante semanas, meses, anos e não te deixar cair mais… que é coisa que acontece algumas vezes, sobretudo, quando estou mal-humorada. Para concluir, reforço a ideia que és a cadeira mais fofinha, útil e confortável do mundo! Da tua dona, PS:. Espero que nunca te partas!!

Inês Moura, 8º B

Querida raquete, Hoje estou a escrever-te, porque és-me mesmo essencial! Só contigo eu estou no campo a jogar! Só tu sabes o quanto eu me esforço para ganhar aqueles jogos que me tornam uma melhor jogadora!! Quando jogo ténis, és tu sempre que estás cá para me ajudar a ganhar. Sei que muitas vezes olho para ti e penso que não me estás a ajudar o suficiente e só me apetece atirar-te para o chão. Contudo, isto só acontece porque tu sabes como eu treino, muito e bem, mas depois quando jogo a sério… bem, jogo pior, muito pior do que quando treino! E quase sempre te culpo. DESCULPAAAA!!! Mas obrigada por tudo, porque sei que sem ti não jogava ténis, ou seja, morreria! P.s. – Eu sei! Tenho duas raquetes!

Laura Dias, 8º B

Caro pc, Obrigado por ainda trabalhares comigo. Gostava que fosses um pouco mais rápido, ágil e forte, mas também não me posso queixar. Peço desculpa por todas as vezes que te deixei mal ou te fiz sofrer como por exemplo quando cais, quando te arranco a energia à força, quando ficas ligado horas seguidas ou mesmo quando te desligo forçadamente. Espero que continues a dar o teu máximo porque eu não posso viver sem ti! Do teu amigo de trabalho e brincadeira

Filipe Geraldo, 8ºB

Minha querida ponta direita, Eu gosto muito de ti, mas por vezes fazes-me sofrer e esmagas o meu pezinho dentro de ti. Já me fizeste bolhas, calos, e tudo o que te apetece fazer-me, por isso, a forma que arranjei de me vingar de ti foi atirar-te para o chão em vez de te poisar delicadamente. Olha, mal te vejo, penso sempre como me dás um ar gracioso e delicado, apesar de eu às vezes parecer um elefante a cair quando te tenho nos pés. No último espetáculo, estiveste nos meus pés mais de cinco horas e as pessoas ficaram impressionadas com o nosso trabalho. Apesar de tudo, eu adoro-te e obrigada! Já agora, desculpa deitar-te as culpas para cima sempre que não faço as coisas bem. Da tua grande amiga

Sofia Santos, 8º B

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OPPIDUM TALÁBRIGAO MISTÉRIO DA SUA LOCALIZAÇÃO

«É um dos grandes mistérios da arqueologia portuguesa. Afinal onde ficava Talábriga, uma das cidades que mais resistência ofereceu ao exército romano de Décimo Júnio Bruto?

Um mistério que há mais de quatro séculos apaixona historiadores e arqueólogos. As teses da sua localização apontam para locais tão diferentes como Talavera de la Reina, Cacia, Aveiro, Viseu, Sôza ou Branca. Luís Seabra Lopes, um engenheiro informático, aplicou a matemática à arqueologia e resolveu o problema. Segundo as suas contas, Talábriga só podia mesmo situar-se no Marnel, uma localidade perto de Águeda.»

In O Independente,27 de fevereiro de 1998

ORIGENS

À chegada dos romanos, o litoral a norte do Tejo era ocupado pelos túrdulos, povo cuja cultura era essencialmente mediterrânica. Tal como no sul, mais efetivamente colonizado por gregos e cartagineses, também aqui o espaço se organizava em torno de cidades. Talábriga era a que ficava mais ao norte, já na região do Vouga. A sobrevivência de um substrato mais antigo, de raiz indo-europeia, documenta-se no sufixo briga, que significava 'povoação fortificada'. Para o interior e para o norte, o espaço era ocupado por povos com uma cultura mais primitiva, de tipo castrejo e pastoril e predominantemente de matriz indo-europeia.

TALÁBRIGA NA GUERRA LUSITANA

Depois de expulsar os cartagineses da Hispania, os romanos esboçaram, no início do século II aC., as primeiras intenções de criação de uma administração provincial. Em 197 aC., foram criadas as duas províncias: Hispania Ulterior (a ocidente) e Hispania Citerior (a oriente). Assim se criavam as condições para um mais efetivo controlo e exploração do território dominado. Os excessos da dominação rapidamente levaram a protestos e revoltas dos povos indígenas.

As fontes registam confrontos entre romanos e lusitanos a partir de 194 aC. Em 155 aC., depois de um período de alguma paz, estalou a chamada "guerra lusitana". A morte de Viriato em 139 aC. foi um rude golpe sofrido pelos lusitanos, prenúncio da vitória romana que pouco mais demoraria a consumar-se. Em 138 aC., Décimo Júnio Bruto, nesse ano encarregado do governo da Hispania Ulterior, empreendeu uma grande campanha militar que se estendeu a todo o atual território português, e que marcará, verdadeiramente, o fim da guerra lusitana. Sabe-se que, durante esta campanha, Bruto fortificou Olissipo (Lisboa). Talábriga é a única cidade que se sabe por testemunhos escritos ter oferecido grande resistência à campanha de Bruto.

Veja-se o que escreveu Apiano de Alexandria: "Entre outras cidades que se rebelaram foi Talábriga a que mais vezes o fez. Brutus, voltando ali, os habitantes da cidade pediram-lhe clemência e confiaram-se ao

História

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seu arbítrio. Em primeiro lugar mandou que lhe entregassem os trânsfugas dos romanos, os prisioneiros e todas as armas, além dos reféns; depois ordenou que saíssem da cidade com mulheres e filhos. Logo que acabaram de o fazer, cercou-os de tropas e arengou-os, dizendo-lhes que quantas vezes se rebelassem, tantas vezes mais violentamente a guerra lhes seria feita. Amedrontados e convencidos de que mais asperamente se vingaria deles, Brutus acalmou-os contentando-se só com estas recriminações. Tomou-lhes os cavalos, mantimentos, dinheiro público e mais apetrechos bélicos, restituindo-lhes depois a cidade, o que eles já não esperavam. Depois de tantos feitos, Brutus voltou a Roma".

HISTORIOGRAFIA DE TALÁBRIGA

As primeiras conjeturas e controvérsias sobre a localização exata de Talábriga surgiram no século XVI, perfeitamente integradas no movimento renascentista de culto das civilizações antigas e de procura dos seus vestígios. Insurgindo-se contra autores que faziam corresponder Talábriga a Talavera de La Reina, em Espanha, o lúcido antiquário Gaspar Barreiros defendeu, em 1561, que umas ruínas, que encontrou em Cacia, próximo de Aveiro, eram o que restava de Talábriga. Nos dois séculos seguintes, os mais variados autores concordaram com a localização de Talábriga em Aveiro ou próximo, hipótese hoje excluída. Durante o século XX, surgiram duas localizações alternativas: Branca (c. Albergaria-a-Velha) e Marnel (c. Águeda).

O problema da localização de Talábriga é considerado um clássico da arqueologia portuguesa. Em 1907, a propósito do citado texto de Apiano, Félix Alves Pereira escreveu: "Esta página da conquista da Lusitânia é tanto mais importante quanto é, com igual individuação, a única que nos resta da história escrita dos oppidos lusitanos, e, embora narre um só episódio da guerra da conquista, não deixa de ser elucidativa. Quando li este texto de Appiano, confesso que senti amargura por não podermos ainda ir conversar na região do Vouga com as ruinas da cidade onde estes successos crueis se desfiaram".

DADOS PARA A LOCALIZAÇÃO DE TALÁBRIGA

Segundo o Itinerário de Antonino (séc. III dC.), Talábriga ficava a 40 milhas para norte de Aemínium (Coimbra) e a 31 milhas para sul de Cale (Gaia/Porto). Estas distâncias não foram medidas em linha reta, como é óbvio, mas sim por estrada. Plínio situou Talábriga entre o rio Vouga e a cidade de Aemínium.

A SITUAÇÃO CONJETURAL DE TALÁBRIGA NA ZONA DA BRANCA

Partindo da hipótese de que estão certas as distâncias do itinerário de Antonino entre Emínio e Talábriga e entre Talábriga e Cale, as ruínas de Talábriga deverão procurar-se na zona da Branca. Mais concretamente, Talábriga ter-se-ia situado na estação arqueológica de Cristelo da Branca, embora a sua mansio na estrada Olissipo-Brácara ficasse em Albergaria-a-Nova.

A LOCALIZAÇÃO DE TALÁBRIGA NO MARNEL

Sendo de 70.5 milhas a distância em linha reta entre Coimbra e Gaia, não poderá estar correta a distância de 71 milhas atribuída pelo Itinerário de Antonino ao percurso entre Aeminium e Cale (aliás, a distância tradicional por estrada entre Coimbra e Gaia ronda as 78 milhas). Nesse caso, deve atribuir-se maior importância ao testemunho de Plínio, que obriga a situar Talábriga a sul do Vouga. O sítio arqueológico romano mais importante entre o rio Vouga e Coimbra é o castelo do Marnel, situado no alto de um monte encravado entre os rios Vouga e Marnel. Aqui deveria ficar Talábriga.

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TALÁBRIGA NA GEOGRAFIA DE PTOLOMEU

Deduz-se da Geografia de Ptolomeu (séc. II dC.) que Talábriga ficava a 43 milhas de Cale. É precisamente esta a distância por estrada (nomeadamente pela antiga estrada real) entre o Marnel e Gaia, facto que apoia fortemente a localização de Talábriga no Marnel. Convém notar que Ptolomeu utilizou, para marcar as coordenadas das cidades, um guia da estrada de Lisboa a Braga quase igual ao que foi reproduzido no Itinerário de Antonino, mas mais correto. Pela Geografia de Ptolomeu se podem corrigir outros erros do Itinerário de Antonino.

VESTÍGIOS ROMANOS NO MARNEL

A configuração do castelo do Marnel apresenta dois terraços, correspondentes aos dois pontos culminantes do monte: o Cabeço Redondo, ou Cabeço de Vouga propriamente dito, a ocidente, e o Cabeço da Mina, a oriente. Especialmente na vertente norte, os terraços encontram-se circundados por dois outros terraços, em planos inferiores. Em todos os níveis, os terraços terminam em taludes de cerca de quatro metros de altura que, originalmente, deveriam estar, ao menos em parte, revestidos de muralhas. Destas apareceram vestígios a sul e ocidente. No terraço do Cabeço Redondo foram encontrados vários restos de construções, alinhadas de sudoeste a nordeste, ao longo de uma rua que ligava duas portas da fortificação. É provável que todo este aparato defensivo seja medieval, tendo pertencido à civitas Marnel. No Cabeço da Mina existe uma cisterna onde apareceram moedas romanas. Na encosta oriental do Cabeço da Mina, prolongando-se até às areias do Marnel, foram encontrados restos de cerâmica, grande quantidade de mós manuárias, bem como pedras aparelhadas e capitéis. As escavações realizadas por Rocha Madaíl em 1941 revelaram, entre outras construções, um sistema de muralhas de formato quadrangular, implantado no Cabeço da Mina, que poderá ser o resto do fórum de Talábriga.

Desde 1996, a Câmara Municipal de Águeda tem vindo a fazer escavações neste local. Estas escavações revelaram uma grande quantidade de cerâmica comum da época romana, alguma sigillata e ainda metais, nomeadamente fragmentos de peças trabalhadas em bronze, e vidros (PUBLICO, 8/3/1998). Embora os resultados das escavações realizadas nos últimos quatro anos não estejam ainda publicados, parece que até agora não se encontrou nada que revolucionasse os conhecimentos sobre este local.

ESTAÇÃO ARQUEOLÓGICA DO CABEÇO DO VOUGA

Ao longo do século XX, generalizou-se a todo o monte do Marnel, ou Monte Reguengo, a designação de Cabeço do Vouga que, tradicionalmente, se aplicava apenas ao Cabeço Redondo e excluía o Cabeço da Mina. Apesar dos esclarecimentos de Sousa Baptista, é frequentemente no sentido mais lato que o topónimo Cabeço do Vouga é hoje entendido.

O TERRITÓRIO DE TALÁBRIGA

Analisando a distribuição dos marcos de fronteira e dos marcos miliários até agora encontrados, é possível reconstituir o território de Talábriga. Verifica-se que coincidia em boa parte com a medieval

Estação Arqueológica de Cabeço do Vouga - Águeda

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terra de Vouga, cuja sede era precisamente a civitas Marnel. Também isto parece ser um forte argumento a favor da localização de Talábriga no Marnel.

O território de Talábriga devia estender-se do rio Antuã até à Mealhada e do mar até às faldas serranas. Neste território se situam as modernas sedes concelhias de Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Ílhavo, Mealhada, Oliveira do Bairro, Sever do Vouga e Vagos.

A ESTRADA AEMÍNIUM-TALÁBRIGA-CALE

O segmento de estrada que ligava Aemínium a Talábriga seguiria pela margem esquerda do rio Cértima, passando por Vimieira e Sangalhos. A travessia do Cértima far-se-ia na direção de Barrô. A estrada evitaria a várzea do Águeda, atravessando este rio em Óis da Ribeira. Entre Talábriga (Marnel) e Cale, a estrada seguiria uma diretriz próxima da estrada mourisca medieval. Entre Emínio e Cale existiriam duas mansiones, situando-se uma em Sangalhos e outra nas proximidades de Ul.

Bibliografia

Seabra Lopes, L. (1995) «Talábriga: Situação e Limites Aproximados», Portvgalia, nova série, vol. XVI, Instituto de Arqueologia, Porto, 1995, p. 331-343.

Seabra Lopes, L. (2000b) «A Estrada Emínio-Talábriga-Cale: Relações com a Geografia e o Povoamento de Entre Douro e Mondego», Conimbriga, vol. 39, Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, p. 191-258.

Professor Nuno Portugal

Ponte do rio Marnel

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