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Empresas contra a corrupção

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Empresas contra

a corrupção

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2 - Valor Informe Especial Ethos/Patri - Empresas contra a Corrupção

empresas contra a corrupção

Mais uma vez a sociedade brasileira éconfrontada com uma série de denúnciasde corrupção no setor público, e agora emcircunstâncias que dão à crise uma dimen-são e singularidade tais que, mais de 120dias após o seu início,as investigações con-duzidas por três Comissões Parlamentaresde Inquérito,o Ministério Público e a Polí-cia Federal, além de órgãos fiscalizadoresem âmbito nacional, estadual e municipal,parecem estar longe do fim.Diante do marde denúncias, a opinião pública se mostrachocada e indignada. Como das outrasvezes, porém, o clamor popular pela puni-ção dos envolvidos não tem encontrado cor-respondência numa ação mais efetiva porparte dos próprios representantes do setorprivado,em especial do empresariado,paracoibir práticas ilícitas no exercício da polí-tica e nas relações com o Estado.

As empresas, de qualquer porte, poderioeconômico ou área de influência, são partediretamente interessada na questão. Quan-tas delas já não foram prejudicadas em seudireito de competir por acordos corruptosentre participantes de licitações públicas ou,

se é que chegam a tanto, podem dizer quenunca sofreram sequer uma insinuação depropina em troca de fiscalizações brandas? Acorrupção não é nefasta apenas por ser imo-ral.Nela reside o gérmen da ineficiência e doaumento injustificável de custos em qualquerorganismo no qual ocorra.

Mas a corrupção percorre sempre uma viade duas mãos. Há aquele que recebe a pro-pina porque existe quem a pague. E o cor-ruptor,quase sempre - mesmo que possa usarem sua defesa o argumento de ter sido coa-gido -,perante a lei é a empresa que forneceprodutos ou serviços para as diversas instân-cias dos poderes constituídos.Por isso mesmo,cabe às empresas privadas parte da respon-sabilidade para quebrar o atual círculo viciosodas relações com o setor público,até para nãocontinuarem sujeitas às penalidades legais.

Em maio deste ano,foi assinado em Bra-sília o Pacto Nacional pela Erradicação doTrabalho Escravo no Brasil,numa iniciativado Instituto Ethos e da Organização Inter-nacional do Trabalho,OIT.Firmado por pre-sidentes de algumas das maiores empresasdo país e dirigentes de entidades de classe,o

pacto prevê, entre outras medidas, a impo-sição de restrições comerciais e financeiras aempresas ou pessoas que fizerem uso de con-dições de trabalho caracterizadas como deescravidão, e a assistência a trabalhadoreslibertados de tais condições. Nada impedeque um pacto semelhante possa ser assinadotambém contra a corrupção,no interesse dasempresas privadas e do aperfeiçoamento dademocracia no país.

Extirpar vícios arraigados, modernizar alegislação,derrubar privilégios injustificáveis,tudo isso faz parte do objetivo maior de cons-truir um país economicamente sólido e social-mente mais justo por meio da democracia.Asuperação de crises, por maiores que sejam,constitui também um requisito,ao contribuirpara o fortalecimento das instituições.

Por sorte,pode-se afirmar que o Brasil dehoje está mais bem preparado que o de ontempara essa tarefa,com sua vivência de 20 anosde liberdades políticas desde o fim do ciclomilitar.Com a experiência de,nesse período,ter feito até um impeachment por corrupçãode um presidente da República,deverá levara bom termo as investigações em curso,que

envolvem desde o uso de caixa 2 para com-prar votos de parlamentares e financiar cam-panhas eleitorais até a remessa ilegal derecursos para o exterior, passando por tráfi-cos de influência, malversações do dinheiropúblico e um vasto esquema de corrupção,ativa e passiva,no seio do governo,do Con-gresso e de empresas estatais.

É forçoso reconhecer,todavia,que se a atualcrise política desperta perplexidade por envol-ver um partido que sempre empunhou a ban-deira contra a corrupção,como o PT,tambémesse tipo de problema não representa umaexclusividade dos dias atuais. Ao contrário,como se pode comprovar por denúncias queatingem até agremiações oposicionistas,comoo PSDB em 1998, as práticas viciosas estãoincrustadas desde há muito tempo no sistemapolítico-eleitoral brasileiro, aí incluídos oPoder Executivo e os demais, em todos osseus níveis,e ainda todos os partidos.

Está mais do que na hora,portanto,de osagentes sociais responsáveis passarem a agirno sentido de redirecionar a discussão dotema em termos mais positivos,mesmo quese enxergue as crises como um subproduto

Por um pactoa favor da

democracia

Por um pactoa favor da

democraciaEstá mais do que na hora de agir para reduzir o uso do Estado com fins privados

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Valor Informe Especial Ethos/Patri - Empresas contra a Corrupção - 3

da disputa pelo poder e do encargo deexercê-lo.Alianças partidárias,viagens portodo o país, showmícios, propagandas tele-visivas sofisticadíssimas,material impresso,bottons, tudo isso demanda uma enormesoma de recursos financeiros em campa-nhas, e há ainda a necessidade de manterem funcionamento,com muitos funcioná-rios remunerados,a máquina partidária.Nãoé à toa,assim,que a tônica entre os partidospolíticos seja o crônico desequilíbrio entrereceitas e despesas,exacerbado pela insufi-ciência das fontes de financiamento, limi-tadas hoje ao Fundo Partidário, de caráterpúblico,e a contribuições particulares enca-radas com certa dose de suspeição.

A receita para mudar essa situação favo-recedora de atos ilícitos – que no caso atualjá resultou na cassação de mandato do depu-tado Roberto Jefferson,na proposta de puni-ção igual para 17 outros parlamentares, naqueda da cúpula do PT, no afastamento dodeputado José Dirceu da Chefia da Casa Civilda Presidência, e no desmoronamento dasilusões do ex-presidente da Câmara dosDeputados,Severino Cavalcanti – está dada.

Trata-se de aperfeiçoar os sistemas de pre-venção e controle de atos ilícitos,de ampliaro controle do Estado pela sociedade,de redu-zir o número de cargos de confiança na admi-nistração pública e mudar sua forma depreenchimento,e de promover uma reformapolítica em profundidade.É preciso melho-rar a representatividade dos parlamentareseleitos,reforçar a fidelidade partidária e redu-zir o número de partidos, de forma a lhes darconsistência ideológica, e diminuir o custodas campanhas eleitorais.

Este caderno foi feito com a intenção deoferecer subsídios para o aprimoramentoda democracia brasileira. Procuramos, porisso,extrair do debate sobre a atual crise polí-tica as lições de como evitar,ou pelo menosdiminuir, a repetição de práticas ilegais ecorruptas. Crises desse tipo afetam não sóo conjunto das empresas, pelos prejuízosque causam ao desenvolvimento dos negó-cios, como também a cidadania, perante aqual a política deveria ser não um instru-mento de satisfação de interesses pessoais,mas sim de obtenção do bem-estar social eeconômico de todo um país.

O desafio da ética e da transparênciaOded Grajew, Ricardo Young e Paulo Itacarambi*

Em meio à grave crise pela qual passa o país, mesmo o mais pessimistados brasileiros não pode negar que há algo positivo ocorrendo: revelam-secom maiores detalhes e clareza as velhas práticas de corrupção e de uso pri-vado do Estado, o que abre a oportunidade de uma ação efetiva, por parteda sociedade, para evitar a continuidade e a repetição dessas práticas.

Na era da tecnologia,de amplo acesso à informação e com cidadãos maisconscientes de seus direitos, certos fatos anteriormente pouco divulgados,e por isso relevados, não são mais tolerados. Hábitos que estão entranha-dos em nossos costumes, como o uso do aparelho de Estado em benefíciode interesses político-partidários ou privados, são expostos aos brasileiros,que vêm clamando por um “basta” ao uso que se tem feito da coisa públicaneste país.Trata-se de uma ótima notícia.

Com o conhecimento mais claro de como funcionam os esquemas de cor-rupção, quais os diferentes atores envolvidos e as limitações dos atuais siste-mas de prevenção e controle, temos a real oportunidade de aperfeiçoar nossasinstituições e colocá-las a serviço dos verdadeiros interesses públicos, con-tando com a participação de amplas camadas da sociedade brasileira.

As empresas, interessadas em desenvolver-se num ambiente ético e trans-parente, podem desempenhar um papel determinante nesse processo. Aadoção voluntária e unilateral, pelas empresas, de um conjunto de princí-pios que garantam elevado padrão de integridade nas relações com os pode-res públicos e demais setores do mercado poderá constituir uma referênciaexemplar para toda a sociedade.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social entende serparte de sua missão contribuir no processo.Por isso,está articulando a cons-trução de um Pacto Nacional Empresarial Pela Integridade e Pelo Com-bate À Corrupção.A iniciativa é necessária e oportuna: fundamenta-se nasdiretrizes de comércio para empresas transnacionais da Organização paraa Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, OCDE, no 10o princípioAnti-Corrupção do Pacto Global das Nações Unidas, nos procedimentose condutas recomendados pela ong Transparência Internacional, e na Cartade Princípios de responsabilidade social do próprio Instituto Ethos.

O pacto será lançado em 9 de dezembro próximo,Dia Internacional con-tra a Corrupção. Seu conteúdo, produzido com base em propostas de lide-ranças empresariais, terá por finalidade ampliar o controle social tanto sobreo corrupto quanto sobre o corruptor, e criar um ambiente desfavorável aodesenvolvimento da falsa competitividade de empresas não-éticas,que pre-judicam toda a sociedade e reduzem sua confiança no mercado.

Está evidente que a corrupção é fator de geração de desigualdades sociaise um grande obstáculo ao crescimento do setor produtivo que vislumbraaumentar seus investimentos, promover o desenvolvimento e contribuirpara tornar a sociedade mais justa.

Acreditamos que o empresariado não recuará diante das dificuldades,pois saberá reconhecer a importância de sua participação neste momentoextraordinário.

*Oded Grajew é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos e Uniethos; Ricardo Young é presidente do Instituto Ethos e Uniethos; Paulo Itacarambi é diretor-executivo do Instituto Ethos e Uniethos

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4 - Valor Informe Especial Ethos/Patri - Empresas contra a Corrupção

Caixa 2empresas contra a corrupção

O Caixa 2 na política brasileira possibilita o quepopularmente se chama de juntar a fome com a von-tade de comer. De um lado, estão empresas e cida-dãos que por motivos variados, como burlar o fisco,fazer negócios escusos, ludibriar alguém ou algumparceiro, acumulam dinheiro não declarado, para oqual, cedo ou tarde, precisarão dar um destino. Deoutro, situam-se executivos e burocratas bem situa-dos em estruturas públicas e que detêm o poder depromover ou barrar negócios e contratos nas suas áreasde influência. Nessa mesma raia, estão também par-tidos e políticos que precisam sustentar suas ativida-des rotineiras e disputar eleições a um custo financeiromuito superior ao das receitas que poderiam obtercom contribuições legais e públicas, sejam de empre-sas, sejam de cidadãos. É claro que há muitos buro-cratas, executivos, políticos e partidos honestos, quetrabalham sintonizados unicamente com o bempúblico. Mas a história mostra, e a atual crise des-venda com crueza, que uma boa parcela do dinheiroilegal acumulado por empresas e cidadãos acaba irri-gando os bolsos de funcionários corruptos e máqui-nas partidárias que procuram se robustecer a qualquercusto, quando se trata de driblar os rigores da fiscali-zação ou de buscar bons contratos e vantagens nasrelações com as diversas instâncias dos poderes cons-tituídos.

O caso do Instituto de Resseguros do Brasil, IRB,envolvendo o ex-presidente Lídio Duarte, indicadopara o cargo pelo ex-deputado do PTB, Roberto Jef-ferson, recentemente cassado, ilustra à perfeição essequadro e permite a compreensão de outra questão queestá por trás dele. Duarte admitiu publicamente que,no exercício da função, solicitou às empresas do mer-cado de seguros contribuições financeiras para o PTB.E ressalvou que nada arrecadou porque as empresasinsistiam em fazer a contribuição “por fora”, isto é, ile-galmente, via caixa 2, o que não teria sido aceito porele. Essa admissão pública suscita algumas perguntas:1) por que o então presidente do IRB se sentiu nodireito de pedir a contribuição das empresas?; 2) emnome de que interesses?; e 3) por que as empresas resis-tiram a fazer as contribuições “por dentro”, legalmente?

O ex-deputado Roberto Jefferson deu, ele mesmo,as respostas, em entrevistas que concedeu desde ocomeço da crise. Primeiro, informou que os partidosreivindicam cargos no governo para implementar a

política que julgam correta para o setor que passarãoa dirigir – o que seria portanto um motivo nobre. Emseguida, fez uma revelação surpreendente ao dizer queconsidera legítimo que o dirigente indicado por umpartido peça contribuições às empresas do setor parafinanciar a agremiação política. Com base nessas duasrespostas, cabe ao cidadão comum fazer outras per-guntas: o que uma coisa tem a ver com a outra?; quemconcedeu aos políticos o direito de pensar assim?; oque acontece com as empresas que não colaboram: pas-sam a ser malvistas pela direção da estatal à qual ofe-recem seus serviços? Convenhamos, este seria um bommotivo para não deixarem de contribuir.

Resta tentar esclarecer por que motivo as empresasconsultadas pelo ex-presidente do IRB resistiram a dara contribuição “por dentro”, ou seja, legalmente. Opróprio Jefferson, que por mais de uma vez se mostrouconhecedor dos meandros financeiros da política nacio-nal, tratou de dar a pista. De acordo com ele, a socie-dade brasileira não encara com bons olhos, nem comnaturalidade, que as empresas privadas façam contri-buições financeiras para partidos e políticos, especial-mente em época de eleições.Tal preconceito derivaria daconcepção de que a contribui-ção significa a compra da opi-nião do parlamentar, o quetornaria a sua atuação ilegítimaperante a opinião pública.

É uma concepção bem dife-rente da consolidada emdemocracias mais avançadascomo os Estados Unidos, nasquais a defesa direta de inte-resses empresariais ou setoriaisé abertamente praticada eaceita pela sociedade. Mas noBrasil, onde surpreendente-mente a atividade empresarialcentrada na busca do lucroainda é encarada com descon-fiança, prevalece uma visãomais antiquada. Conseqüen-temente, convém a muitospolíticos e partidos, assimcomo às empresas, manter sobo manto da discrição as con-

tribuições financeiras dadas ou recebidas. Não prestardeclarações, nesse caso, é sinônimo de ocultar, e nadamelhor para isso do que o uso de dinheiro também nãodeclarado, o caixa 2. Assim se fecha um dos circuitosque permite o encontro da fome com a vontade decomer.

De todas as empresas privadas, as empreiteiras deobras públicas são as que, historicamente, mais têmsido envolvidas em denúncias de uso de caixa 2 nasrelações com o mundo político. O ex-prefeito de SãoPaulo, Paulo Maluf, sobre quem o Ministério Públicoe a Polícia Federal reuniram uma série de indícios decrimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e for-mação de quadrilha, e que em setembro teve decre-tada, pela primeira vez, sua prisão temporária, é dadocomo protagonista de um caso que envolve umaempreiteira. Durante sua gestão na Prefeitura, segundoa denúncia, a construtora Mendes Jr. teria superfatu-rado as obras de construção da Avenida Águas Espraia-das, na capital paulista, e desviado parte do dinheiropara uma conta mantida pelo político no exterior. Aindanão se sabe como terminará o inquérito que envolve

Maluf, mas esse caso reforça asuspeita de que, apesar detodos os cuidados e restriçõesque cercam as concorrênciasoficiais, contratos para forne-cimento de bens e serviços agovernos, empresas e institui-ções públicas são um campofértil para a prática do super-faturamento e, por conseqüên-cia, do caixa 2.

Empresas de consultoria devários tipos e agências depublicidade também sãocanais utilizados para o trân-sito de 'dinheiro nãocontabilizado', expressão umtanto quanto eufemística quese tornou popular no âmbitodas CPIs desde o desabrocharda atual crise. Esse caminho éfacilitado pela imaterialidadedos produtos e serviços forne-cidos por essas empresas e pelofato de sua precificação obe-

A mãe dos crimes de corrupção

CRIME: Caixa 2: usar recursos nãocontabilizados em despesas de partidopolítico.

PENAS: Perda do Fundo Partidáriopor um ano ou até cassação de registrodo partido se no caixa 2 entraramrecursos do exterior ou de outras fontesvedadas. O candidato que fizer usodesses recursos pode ser enquadradoem crimes de lavagem de dinheiro,evasão de divisas, evasão fiscal eoutros, cujas penas chegam a 10 anosde prisão, mais multas. O partidotambém pode responder por crime desonegação fiscal.

FISCALIZAÇÃO: TSE, para alegislação eleitoral, e Coaf, paramovimentações financeiras.

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decer, em boa medida, a critérios subjetivos. Um pro-jeto de rearranjo administrativo de um departamentogovernamental pode deixar de ser implementado porvárias razões aceitáveis. Uma campanha publicitáriapode ser postergada para datas mais convenientes. Masos projetos não deixam de ser pagos. O publicitárioMarcos Valério, sócio das agências SMP&B e DNA,de Belo Horizonte, transformou-se, na crise atual,no símbolo mais visível desses descaminhos.

A julgar pelos depoimentos e as desco-bertas das CPIs, Valério exacerbou,dando dimensões inimagináveis aotráfego de dinheiro pelo caixa 2.Lançou mão de mecanismossofisticados como supostosempréstimos vultosos debancos a partidos, espe-cialmente para o PT,e traficou influên-cia em favor dosenvolvidos. O publici-tário Duda Mendonça,considerado um mago de cam-panhas políticas, expôs, por sua vez,o circuito internacional percorrido pelodinheiro ilegal. Admitiu que recebeu paga-mentos relativos aos serviços prestados na cam-panha presidencial de 2002 numa sua empresa offshore (do exterior), e com dinheiro que lhe foienviado a partir de instituições financeiras tambémsediadas fora do país. Na esteira dessas revelações,acabou-se descobrindo que o publicitário já tinharecebido por essa via pagamentos de campanhas elei-torais de Paulo Maluf.

Em meio à crise, houve quem dissesse, entre eles atéo presidente Lula, que o uso de caixa 2 é sistemáticoem campanhas eleitorais, e que a prática é disseminadapor todos os partidos e candidatos. No caso do presi-dente, pode-se dizer que foi uma alusão infeliz. Nocaso de outros políticos, em especial dos que foram fla-grados apanhando dinheiro liberado por Marcos Valé-rio, o argumento soa como uma tentativa de reduzirseu envolvimento nas denúncias de pagamento domensalão, com o qual votos de parlamentares teriamsido comprados em votações decisivas para o governo.

É compreensível que pessoas acusadas de ilícitostentem se defender, criar versões que as inocentem.

Odireito dedefesa é ine-rente à democra-cia e deve ser levado àsúltimas conseqüências.Mas é inútil tentar tapar o solcom a peneira. O famoso “jeitinho” pode ter resol-vido problemas no passado, mas hoje é uma práticacada vez menos aceita no Brasil, pelo menos em ques-tões públicas. Por isso, convém encarar as coisas comoelas são, sem eufemismos, se quisermos melhorar asinstituições nacionais, enriquecer-lhes a legitimidadee construir uma democracia cada vez mais sólida. Seo dinheiro do caixa 2, por ser clandestino, pode per-correr variados caminhos, pode também patrocinarum sem número de atos de corrupção, negociatas,

favore-c i m e n t o s ,esquemas de proteção e ilícitos em geral. Visto assim,o caixa 2 pode ser considerado a mãe (ou o pai) detodas as corrupções, pois dá cria ao dinheiro necessá-

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Corrupção ativa e passivaempresas contra a corrupção

Uma via de duas mãosQuando o Supremo Tribunal Federal, em 1994,

absolveu do crime de corrupção passiva o ex-presidenteFernando Collor de Mello, o Legislativo, dois anosantes, já o tinha afastado do poder e cassado por dozeanos seus direitos políticos. Collor livrou-se da cadeiaporque a maioria dos juízes da corte considerou queinexistiam provas contra ele, em especial algum ato deofício que comprovasse o pedido de recursos ilícitospelo mandatário. O ex-presidente se livrou de boa - enão foi só ele, como mostra a história política brasileira.

Corrupção passiva é crime que se aplica exclusiva-mente a funcionários e detentores de cargos públicos.Tecnicamente, pode até ocorrer sem a existência de umparceiro. Mas, quase sempre, a corrupção passiva emergedo noticiário ou se esconde entre os escaninhos da buro-cracia estatal como irmã xifópaga da ativa, que somenteo setor privado pode praticar.

Segundo o ministro do STF, Sepúlveda Pertence,geralmente uma não existe sem a outra, e ambas sãotão graves quanto o peculato, em que o servidor expro-pria o bem público, como na apropriação indébita entreparticulares. Em novembro de 2003, a lei 10.763 equi-parou a pena entre esses três crimes definidos no CódigoPenal: reclusão de dois a doze anos, portanto sem direitoa liberdade condicional. A pena pode ser acrescida emum terço para o corrupto ou o corruptor se o ato ilegalpraticado pelo funcionário público foi efetivado.

Na história política brasileira, os escândalos focamem geral o corrupto do setor público. Não se tem dado

a mesma atenção para ocorruptor do setor privado,o que reforça a convicçãode que, para combater acorrupção de forma efetivano país, é preciso quebrartambém a outra perna docrime. No caso Collor,nem mesmo houve acusa-ção formal à Justiça con-tra os supostos corruptores,que deram dinheiro emtroca de favores. Mas ahistória registra tambémsituações em que possíveiscorruptos passivos nãoforam investigados, comono caso da suposta com-pra de votos de parlamen-tares para a emendaconstitucional que permi-tiu ao ex-presidente Fer-nando Henrique Cardosocandidatar-se à reeleição.

Na atual crise política,pela primeira vez, os cor-ruptores, além dos corrup-

tos, estão na berlinda. Umexemplo é o publicitárioMarcos Valério Fernan-des de Souza, suposto cor-ruptor ativo porprovidenciar o dinheiroque teria sido usado paracomprar parlamentares dabase aliada. Crime análogopodem ter praticado o ex-tesoureiro do PT, DelúbioSoares, e o ex-secretário-geral do partido, SilvioPereira, pois aparente-mente trabalharam pelaobtenção de recursos comtal propósito e não ocupa-vam cargo público. O casodeles seria o mesmo deoutros empresários e inte-grantes de partidos políti-cos que tenham participadoda alardeada negociata.Entretanto, pouco ainda seavançou no esclarecimentosobre a origem do dinheiroenvolvido nas denúncias. Afalta de investigação maisprofunda sobre os corruptoresincentiva a impunidade e poderámanter inalterada essa prática de obtervantagens privadas por meios corruptos.

Já o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dir-ceu, pode vir a ser acusado de cometer crime de cor-rupção passiva, caso tenha, de fato, se valido de seucargo para solicitar indiretamente a arrecadação detais recursos, com o propósito de entregá-los aosparlamentares da base aliada. O mesmo crime pairasobre Maurício Marinho e Antônio Batista, respec-tivamente ex-chefe e ex-diretor da Empresa Brasi-leira de Correios e Telégrafos, ECT, quando oprimeiro foi filmado embolsando propina de R$ 3mil. Todos esses enquadramentos não passam, porenquanto, de hipóteses, por não haver até estemomento qualquer processo aberto na Justiça con-tra os envolvidos nas denúncias.

Cabe à Controladoria Geral da União, ao TCU, àscorregedorias da administração pública, ao Ministé-rio Público e à Polícia Federal acatarem denúncias e/oufiscalizarem tais práticas. Mas quase sempre essesórgãos agem a reboque de denúncias originadas alémde seus edifícios. A CGU, por exemplo, que já haviarealizado uma auditoria nos Correios, após as denún-cias fez uma auditoria especial que detectou, até 13 desetembro, um prejuízo de R$ 129 milhões em 105 con-tratos com valor total de R$ 2,3 bilhões. Mesmo incom-

pleto,seu traba-lho já rendeu 47exone- rações e afasta-mentos de dirigentes e ser-vidores de estatais.

Quanto ao TCU, só em julho come-çou a passar um pente fino em órgãos públi-cos citados nas investigações das CPIs. O rol éimpressionante. São 11 empresas e 6 bancos esta-tais, 2 fundos, uma fundação, uma autarquia e 4ministérios, além da Câmara dos Deputados e dogabinete da Presidência da República. Até 20 desetembro, o TCU entregou três relatórios às comis-sões: Correios, Petrobrás e Instituto de Ressegurosdo Brasil.

Para o ministro Pertence, do STF, o caminho parareduzir a incidência desses crimes é claro. É preciso,segundo ele, modernizar e reforçar sistemas de fis-calização, do TCU à Coaf, e fortalecer ou tornarexclusivo o financiamento público de campanhaseleitorais. "Sem isso", alerta, "qualquer batalha estará

CRIMES: Corrupção ativa: oferecera servidor público da administraçãodireta ou indireta vantagem indevida(pagamento em dinheiro, por exemplo)em troca de benefício em contratos,licitações e transações. Corrupção passiva: solicitar oureceber, para si (os servidores) ou paraoutrem, a vantagem indevida. Asimples aceitação de promessa jáconstitui crime.

PENAS: Prisão de 2 a 12 anos, maismulta, em ambos os crimes.

FISCALIZAÇÃO: CGU, TCU,corregedorias da administraçãopública, Polícia Federal e MinistérioPúblico. No caso de o suspeito ter foro privilegiado, requer-seautorização do STF.

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Tráfico de influência

Nomes,reuniões e um jipe suspeito

Dois proeminentes personagens da atual crise, oex-secretário geral do PT, Silvio Pereira, e o publi-citário Marcos Valério Fernandes de Souza, podemser acusados do crime de tráfico de influência. Masnão só eles. Também podem ser acusados empresá-rios que eventualmente tenham obtido vantagensem processos de licitação, por influência desses doispersonagens ou de outros com trânsito nas esferasgovernamentais.

Encarregado por seu partido de negociar a indica-ção de nomes para cargos da administração públicafederal, Pereira tornou-se alvo de suspeitas quando

se descobriu que recebera daempresa GDK, fornecedorade serviços da Petrobrás, umjipe Land Rover. Diante daincômoda revelação, tantoele quanto o presenteador, ovice-presidente da GDK,César Roberto Santos Oli-veira, sustentaram tratar-sede um gesto de amizade.Mas depois, quase numaconfissão de culpa, Pereiraprocurou desfazer-se rapida-mente do veículo e afastou-se da Secretaria Geral do PT.

O episódio, além do des-conforto causado aos prota-gonistas, dá sustentação àsuspeita de que o tráfico deinfluência – por sua natu-reza, um delito que requer

denúncia prévia para o acionamento dos órgãos defiscalização - foi praticado à larga neste governo,assim como em outros do passado. Nessa mesmalinha de raciocínio, encontra-se uma explicação plau-sível para a real motivação do publicitário MarcosValério em servir como escudeiro do ex-tesoureirodo PT, Delúbio Soares, avalizando ou assumindoele mesmo, em nome de suas empresas, emprésti-mos em valor superior a R$ 50 milhões, destinadosao partido ou a quem este indicava.

Tais empréstimos, obtidos nos bancos Rural eBMG, foram usados, segundo Valério, para pagardívidas das campanhas eleitorais feitas pelo PT em2002, no que foi corroborado por Soares. Antes edepois dos depoimentos de ambos à CPI dos Cor-reios, no entanto, outros personagens da crise puse-ram por terra o argumento da destinação do dinheiro.Antes, houve a denúncia do mensalão, feita pelo ex-deputado Roberto Jefferson. E, depois, a confissão

do também ex-deputado Valdemar Costa Neto - querenunciou ao mandato para não ser cassado -, de queo PL, por ele presidido, fizera um acordo de R$ 10milhões para se aliar ao PT nas campanhas de 2002.

A suposição de que Valério foi mais que um pro-vedor de recursos financeiros para o PT – papel quedesempenhara também para o PSDB em 1998, nacampanha pela reeleição do ex-governador EduardoAzeredo, em Minas Gerais – é reforçada por umdepoimento dado na Comissão de Ética da Câmarados Deputados por Kátia Rabelo, presidente doBanco Rural. Ela admitiu que Valério agia como“facilitador” de contatos entre a instituição e ogoverno federal, o que soa como um eufemismo paratraficante de influência. O objetivo desses contatos,não especificado pela banqueira, teria sido o levan-tamento da intervenção do Banco Central no BancoMercantil de Pernambuco, cujo espólio havia sidoadquirido pelo Banco Rural. Quanto ao BMG, ofato de o banco ter saído na frente dos outros na con-cessão de empréstimos consignados para aposenta-dos, uma das meninas-dos-olhos da administraçãoLula, também levantou suspeitas.

As peripécias do publicitário - que no atual governoobteve contratos milionários para suas agências noBanco do Brasil e em outras estatais – podem ter idoalém. Dele se diz que também intermediou negocia-ções entre Daniel Dantas, dono do Banco Opportu-nity, e a Portugal Telecom em torno da Telemig, decujo controle Dantas participa na qualidade de ges-tor dos interesses de fundos de pensão do setor públicono grupo mineiro de telefonia. ComoDantas nega a intermedia-ção, resta saberpor que entãoValério viajouvárias vezes a Por-tugal para falarcom diretores dogrupo lusitano. Emresumo, é extenso orol de atividadesdesenvolvidas porele em que pode terhavido tráfico deinfluência.

Fora do âmbitodas investigações dasCPIs por enquanto,mas certamente esti-muladas por elas,também vão surgindo

nomes de empresários que podem ser acusados domesmo crime. “A gente procurou estar inserido alipara que pudesse realmente obter as informações."A frase, de uma franqueza tão espantosa quanto reve-ladora, foi dita pelo empresário André Marques daSilva, presidente da seguradora Interbrazil, em entre-vista à TV Globo, quando admitiu ter colaboradocom campanhas eleitorais do PT para obter vanta-gens em licitações de contratos. Numa carreira meteó-rica – registrou-se em junho de 2002 na JuntaComercial de São Paulo e foi liquidada em agostodeste ano -, a seguradora obteve contratos bilioná-rios com estatais de eletricidade apesar de possuir ummodesto capital de R$ 13 milhões, graças, segundoa denúncia, à intercessão de Adhemar Palocci, dire-tor da Eletrobrás e irmão do ministro da Fazenda,que coordenava as campanhas dos candidatos bene-ficiados por suas contribuições.

Nesse setor de seguros há mais suspeitas de tráficode influência, envolvendo o Instituto de Ressegurosdo Brasil, IRB. Uma sub-relatoria da CPI dos Cor-reios está investigando se o empresário HenriqueBrandão, dono da Corretora Assurê e amigo do ex-deputado Roberto Jefferson, tinha preferência emcontratos milionários do instituto com estatais comoFurnas e Eletrobrás Termonuclear. Com o tempo, éprovável que surjam outras suspeitas e em outros seto-res empresariais, à medida que se apro-fundem as investigações noCongresso.

CRIME: Tráfico de influência:solicitar, exigir, cobrar ou obter, para siou para outrem, vantagem oupromessa de vantagem, a pretexto deinfluir em ato praticado por servidorpúblico no exercício da função.

PENAS: Prisão de 2 a 5 anos, maismulta. A pena é aumentada em 50%no caso de a vantagem ser destinadatambém ao servidor.

FISCALIZAÇÃO: ControladoriaGeral da União (CGU) e Polícia Federal,além de órgãos locais nas esferasestaduais e municipais.

Valor Informe Especial Ethos/Patri - Empresas contra a Corrupção - 7

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8 - Valor Informe Especial Ethos/Patri - Empresas contra a Corrupção

empresas contra a corrupção

A lavagem de dinheiro,como se chama a tentativa detornar limpa a moeda suja,é um crime moderno no país.Foi somente em março de 1998 que o delito teve suatipificação enunciada num texto legal.E já não era semtempo,a julgar pela atual crise política,em que graúdosprotagonistas estão ameaçados de nele ser enquadrados.

O rol de suspeitoscomeça com o ex-tesou-reiro do PT,Delúbio Soa-res. Prossegue com opublicitário Marcos Valé-rio Fernandes de Souza esuas agências, detentorasde contas milionárias. Echega a partidos políticoscomo o PT, o PL e o PP,que segundo denúnciasrecorreram a doleiros paraalimentar o caixa 2 de suascampanhas eleitorais. Norol incluem-se tambémempresas do setor finan-ceiro.Uma delas é o BancoRural, em cujo braçoexterno constituído emparaíso fiscal, o TradeLink,o publicitário Mar-cos Valério teria dólaresdepositados; e outra,a cor-retora Bônus-Banval,quea mando do publicitáriofez pagamentos a políti-cos e assessores comdinheiro oriundo, supos-tamente, do exterior.

A lavagem é uma espé-cie de crime-árvore, comdiversas ramificações,podendo ser feita com

recursos vindos do exterior ou guardados aqui mesmo,no caixa 2 de empresas e cofres particulares a salvo daação do fisco. Por exemplo, se um traficante de drogasou armas compra uma casa com dinheiro provenientede sua atividade escusa, ele estará incorrendo no delito.Mas, perante a lei, o que importa é a origem dos recur-sos,sendo sua utilização uma mera conseqüência.Assim,se uma empresa aceitar valores ou bens obtidos ilicita-mente como pagamento, sabendo desse detalhe, tam-bém estará cometendo o mesmo crime, usando ou nãoos recursos recebidos.

Quando se trata de dinheiro vindo do exterior deforma clandestina – caso das supostas transferências fei-tas por doleiros a serviço de Marcos Valério -, a origemilícita é tipificada pelo fato de a operação em si já con-figurar crime contra o sistema financeiro nacional. E ainstituição financeira que participar da operação – como

o fez, segundo as denúncias, a corretora Bônus-Banval– está sujeita a ser enquadrada em outro crime,o de ges-tão temerária ou fraudulenta.

O dinheiro trazido do exterior pode ter, antes, saídodo Brasil, ou ser proveniente de outros países.O publi-citário Duda Mendonça, segundo ele próprio declarouna CPI dos Correios,recebeu depósitos do segundo tipo,como pagamento por serviços prestados ao PT, naempresa que abriu em paraíso fiscal por instrução deMarcos Valério (este negou a versão). Tendo saído odinheiro do país ou não,trata-se de movimentação finan-ceira que pode ser caracterizada como evasão de divi-sas, um outro crime, pois são recursos que em últimaanálise deixaram de circular no país.Junto com a evasãode divisas ocorre a evasão fiscal, porque se os recursosdeixam de circular no país não há como tributá-los.Por-tanto, também no que se refere ao trânsito para dentroou para fora do país,o que importa para a lei é a origemdo dinheiro, juntamente com o fato de ele ser declaradoou não perante a autoridade fazendária.Desde que sejafeita às claras, a remessa de recursos é perfeitamentelegal.Qualquer brasileiro pode aplicar dinheiro no exte-rior e mantê-lo por lá indefinidamente,ou então trazê-lo de volta quando quiser.

Por não ter seguido a lei, de acordo com os indíciosjá recolhidos pelo Ministério Público, o ex-prefeito eex-governador paulista Paulo Maluf,que com seu filhoFlávio foi preso preventivamente pela Polícia Federalno último dia 10 de setembro, poderá ser enquadradonos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva,formação de quadrilha, evasão de divisas e evasão fis-cal. No inquérito aberto contra ele, a principal peça deacusação é uma conta de US$ 161 milhões no SafraNational Bank, de Nova York, denominada Chanani.O político nega a titularidade dessa conta, assimcomo tem feito em relação a todas asoutras a ele atribuídas em diferen-tes praças financeiras.

O publicitário MarcosValério também podeser acusado por lava-gem de dinheiro,evasão de divisas,evasão fiscal e for-mação de quadri-lha,só não sendopassível deenquadramentoem corrupção pas-siva, como Maluf,por não exercer cargopúblico. Já sobre os par-tidos políticos que usaramdinheiro externo no caixa 2,pesao risco da cassação de registro, deacordo com a legislação eleitoral.

As gestões temerárias ou fraudulentas praticadas porinstituições financeiras diferem desses casos porque,antes de ir parar na Justiça,passam por uma fiscalizaçãoencarregada de coibi-las.Diante do elevado número desuspeitas levantadas nas investigações das CPIs em curso,a impressão que fica é a de que os órgãos fiscalizadores– o Banco Central para bancos e corretoras, a Secreta-ria de Previdência Complementar para fundos de pen-são,e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras,Coaf, para movimentações financeiras – agem a rebo-que dos acontecimentos.A falha pode decorrer de imper-feições da legislação (o Coaf, por exemplo, só investigamovimentações a partir de R$ 100 mil,o que limita dras-ticamente seu campo de ação), da falta de articulaçãoentre os órgãos ou até mesmo de motivos mais prosai-cos. “O Coaf tem uma estrutura acanhada demais paradar conta da tarefa", diz o ministro Gilson Dipp, doSuperior Tribunal de Justiça. Segundo ele, só agora oórgão começa a ter profissionais especializados para lidarcom os sofisticados crimes da área financeira.

Mas como a falta de estrutura parece ser um pro-blema generalizado no setor público, o juiz aposen-tado Wálter Maierovitch, representante do InstitutoBrasileiro Giovani Falcone,de combate ao crime trans-nacional, faz duas propostas ousadas: 1) que os pró-prios cidadãos passem a mover ações populares contracasos de corrupção, para desafogar o MinistérioPúblico; e 2) que as polícias saiam da esfera do Exe-cutivo e passem para o Judiciário, para ficar livres deingerências políticas. Com maior ou menor ousadia,o fato é que o país só ganharia com cada passo dado àfrente no combate à corrupção.

O dinheiro que suja a mãoLavagem e remessa ilegal de recursos

CRIME: Lavagem de dinheiro:ocultar ou dissimular a utilização derecursos de origem ilícita. Costumaocorrer associado a outros crimes,como: a) contra o sistema financeiro:evasão de divisas e gestão temeráriaou fraudulenta de instituição; e b)contra a ordem tributária: evasão ousonegação fiscal.

PENAS: prisão de 3 a 10 anos, mais multa. Evasão de divisas: prisão de 2 a 6 anos, mais multa.Gestão temerária ou fraudulenta:prisão de 2 a 8 anos, mais multa(temerária) e prisão de 3 a 12 anos,mais multa (fraudulenta). Sonegaçãofiscal: prisão de 6 meses a 2 anos,mais multa de 2 a 5 vezes o valor do tributo. Para réu primário, a penacai para multa de 10 vezes o valor do tributo.

FISCALIZAÇÃO: Banco Central,Coaf, SPC, Secretaria da Receita,Polícia Federal e Ministério Público.

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Formação de quadrilha

A um passo da fraudeNo último dia 20 de setembro, dez meses após sofrer

intervenção do Banco Central, BC, o Banco Santosteve sua falência decretada pela Justiça. Quando o BCinterveio, em novembro do ano passado, o banco anun-ciava a intenção de atuar no varejo, buscando passaruma imagem de solidez. O que se descobriu, noentanto, estava longe de corresponder a essa imagem.O rombo, ou seja, a diferença entre o valor dos ativose o dos passivos, atingia R$ 2,2 bilhões. Verificou-seainda que o banco emprestara dinheiro a empresas emdificuldades, em troca de títulos e de investimentosfeitos em firmas sediadas em paraísos fiscais. Hoje, oacionista principal, Edemar Cid Ferreira, e 16 outrosdirigentes respondem na Justiça pelos crimes de lava-gem de dinheiro, formação de quadrilha e gestão frau-dulenta.

O BMG, banco mineiro controlado pela famíliaPentagna Guimarães, pode nunca chegar à situaçãodo Santos, mas pesam sobre ele indícios de gestãotemerária, recolhidos de depoimentos prestados àsCPIs em curso. Questiona-se, sobretudo, a falta degarantias reais nos empréstimos que o banco conce-deu, um no valor de R$ 2,4 milhões, em fevereiro de2003, diretamente para o PT, e outro de R$ 9,9milhões à Graffiti, empresa de participações do publi-citário Marcos Valério, o qual sustenta que repassou

também esses recursos ao partido. Assim como o BMG, o Rural, da família Rabelo,

hoje liderada pela herdeira Kátia, está sob investi-gação das CPIs e da Polícia Federal, suspeito igual-mente de praticar gestão temerária. Seu caso podeser ainda mais grave, se o doleiro Toninho da Bar-celona não faltou com a verdade ao depor em sessãoconjunta das CPIs. Segundo o doleiro, condenadoa 25 anos de prisão, em vez de empréstimo formal oque houve foi uma transferência de recursos de Valé-rio depositados num braço externo do Rural, cha-mado Trade Link. Se a acusação for verdadeira, obanco terá incorrido também nos crimes de lavagemde dinheiro e fraude bancária.

“A lei sobre o sistema financeiro precisa ser refor-mada. É muito tênue a linha divisória entre gestãofraudulenta e temerária, de pena menor”, critica oministro do Superior Tribunal de Justiça, GilsonDipp. Assim, como em muitos casos cabe ao juizdefinir o crime, haveria o risco de deixar impunes,entre outros, ilícitos porventura cometidos por ges-tores de fundos de pensão como os de Furnas, dosCorreios e do BNDES, que investiram em papéisdos bancos Rural, BMG e Santos.

Tarefa do Banco Central, a fiscalização sobre o sis-tema financeiro revela falhas. O Rural só foi obri-

gado a provisionar os empréstimos suspeitos de 2003depois das denúncias de agora. E a Secretaria de Pre-vidência Complementar, SPC, subordinada aoMinistério da Previdência Social e supervisora dosfundos, só em junho emitiu auto de infração contrao Real Grandeza, de Furnas, que aplicara R$ 150

Na numerosa lista de possíveis acusados de formaçãode quadrilha, o nome de maior destaque é o do ex-minis-tro José Dirceu, por supostamente ter agido em conjuntocom o ex-presidente do PT, José Genoino, o ex-secre-tário geral Silvio Pereira, o ex-tesoureiro Delúbio Soa-res e o ex-assessor Marcelo Sereno na prática de eventuaiscrimes atualmente sob investigação. A esse grupo se somao publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, comooperador do vasto esquema de financiamento paralelomontado para, segundo eles alegam, pagar as contas elei-torais e do dia-a-dia de funcionamento do PT. Pelas cir-cunstâncias de seu envolvimento, José Genoino pode serbeneficiado com uma atenuação, sendo acusado apenasde condescendência criminosa, cuja pena é detenção de15 dias a um mês, ou multa. A punição por formação dequadrilha é bem mais severa (leia quadro).

O caso dos Correios, estopim da crise, envolve doispersonagens que também podem ser acusados de for-

mação de quadrilha. Um deles é o empresário ArthurWashec, que contratou dois ex-arapongas da AgênciaBrasileira de Informações, Abin, para flagrar o funcio-nário Maurício Marinho recebendo propina de R$ 3 mile passar uma cópia do filme para ser exibida nacional-mente pela TV. Washec declarou na CPI que armou oflagrante porque se julgava prejudicado nas concorrên-cias realizadas pelo Correios. Marinho, por sua vez, podeser incriminado por ter atuado em casos de corrupçãodos Correios com o aval do ex-presidente da companhia,Antonio Osório, e do ex-deputado Roberto Jefferson.

O empresário Daniel Dantas, do Banco Opportu-nity, que já depôs em sessão conjunta das CPIs do Men-salão e dos Correios, e Carla Cicco, presidente da BrasilTelecom, controlada por fundos de pensão de estataisgeridos por ele, na empresa, também estão indiciadospela Polícia Federal por formação de quadrilha, entreoutros supostos crimes. A acusação é de que contrata-

ram a empresa norte-americana Kroll para investigarautoridades brasileiras, como o ex-ministro Luís Gus-hiken, além de promover grampos ilegais para obterinformações que os ajudassem nadisputa que travam com a Tele-com Itália em torno do con-trole da Brasil Telecom.

Gestão temerária de instituição financeira

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CRIME: Gestão temerária ou fraudulenta:a) temerária: gerir recursos de terceiros demodo arriscado, como emprestar recursoscom garantias inferiores às de praxe nomercado (140% do valor concedido); b) fraudulenta: emitir falsa documentaçãobancária ou praticar qualquer tipo de fraudena operação financeira.

PENAS: Gestão temerária: prisão de 2 a 8anos, mais multa. Gestão fraudulenta: prisãode 3 a 12 anos, mais multa.

FISCALIZAÇÃO: Banco Central, CVM,SPC, Polícia Federal e Ministério Público.

CRIME: Formação de quadrilha: associarem-se mais de 3pessoas, em quadrilha ou bando, com objetivo criminoso.

PENAS: Prisão de 1 a 3 anos. A punição é aplicada em dobro se aquadrilha ou bando é armado.

FISCALIZAÇÃO: CGU, corregedorias da administração pública,Coaf, Policia Federal e Ministério Público.

Uns mandam,outros acatam

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Nenhum país resolveu tudoComprar o voto do parlamentar, ou mesmo seu man-

dato para que troque de partido, não é uma exclusivi-dade brasileira, como mostram exemplos de paísespróximos. No Peru, Vladimiro Montesinos, chefe deInteligência e assessor do então presidente Alberto Fuji-mori, foi filmado ao repassar US$ 15 mil para um depu-tado, como pagamento para ele mudar de partido,deixando a oposição. Na Argentina, o então vice-pre-sidente Alberto “Chacho” Alvarez renunciou apósdenunciar que o governo havia comprado votos noSenado para tornar mais flexível a legislação trabalhista

do país. Nos dois casos, o mandato presidencial foi afe-tado. No Peru, o flagrante de Montesinos foi decisivopara afastar Fujimori do poder. Despojado de imuni-dades e diante do cerco das investigações, o ex-presi-dente se exilou no Japão. Na Argentina, o presidenteFernando de la Rúa, da União Cívica Radical, acabourenunciando um ano e dois meses depois da denúnciade seu ex-vice, no bojo de uma grande crise política. Oaspecto relevante, nos dois episódios, é que nem Fuji-mori, nem De la Rúa, perderam o mandato por algumapunição legal, mas sim por força da deterioração polí-

tica causada pelas denúncias de corrupção.O financiamento ilegal de campanhas é outro pro-

blema que incomoda vários países do mundo, segundoo cientista político mexicano Alejandro Poiré, profes-sor-visitante da Universidade de Harvard, nos EstadosUnidos. Na Europa, alguns especialistas apontam Espa-nha, Itália, França e Portugal como exemplos de paí-ses que tentam controlar o financiamento ilegal. Masos dispositivos da lei citados para ilustrar o argumento,curiosamente, são bastante semelhantes aos que estãoem vigor no Brasil. Parecidos também são os organis-

empresas contra a corrupção

A cena está viva na memória dos que a viram pela TV:o chefe de administração da Empresa de Correios e Telé-grafos,ECT,Maurício Marinho, sentado à mesa de tra-balho, recebe um maço de notas e o coloca no bolso dopaletó.Era o que se pode chamar de alguém pego em fla-grante delito.Por ter cargo público,e pelo detalhamentoque fez depois em depoimento na CPI dos Correios,Mari-nho pode ser enquadrado em uma série de crimes, quevão da corrupção passiva ao peculato,passando pela pre-varicação e a apropriação indébita.Além dele,os direto-res da estatal poderão responder pelos crimes de advocaciaadministrativa e tráfico de influência,se ficar provado quecontribuíram para fazer da empresa uma fonte arrecada-dora de recursos fraudulentos. As suspeitas que recaemsobre os Correios são antigas. O empresário catarinenseEdson Maurício Brockveld sustenta que já em 2000 suaempresa, a Brockveld, foi preterida num jogo de cartasmarcadas em favor da alemã Siemens e da francesa Als-tom,em concorrência da ECT.

Embora a pena prevista no Código seja menor que ade outros crimes (leia quadro), a advocacia administra-tiva reveste-se de importância pela freqüência com quecostuma ocorrer no setor público.O delito,que nada tema ver com o fato de ser ou não praticado por advogados,leva esse nome porque quem o comete é um funcioná-rio de órgão estatal ou homem público a serviço de inte-resses privados.

Na crise atual,a advocacia administrativa pode ter ocor-rido, por exemplo, no Instituto de Resseguros do Brasil,IRB,na Petrobrás,em Furnas e na Eletrobrás.No IRB,oex-presidente Lídio Duarte, ali colocado por indicaçãodo deputado cassado Roberto Jefferson,acabou deixandoo cargo, segundo a revista Veja, por não ter conseguido

arrecadar a quantia estipulada como contribuição men-sal ao PTB,presidido pelo ex-parlamentar.

Já na Petrobrás,segundo relatório apresentado pelo Tri-bunal de Contas da União ao Legislativo,há indícios deadvocacia administrativa praticada pelos diretores da esta-tal por meio de superfaturamento. Os indícios foramencontrados em 14 contratos firmados com empresas queatuam na unidade de negócios da Bahia, produtora depetróleo e gás natural.Dois desses contratos,com sobre-preço de R$ 48,9 milhões,segundo o TCU,foram firma-dos com a GDK, empresa da qual um dos diretorespresenteou o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira,com um jipe Land Rover.

Furnas,estatal do governo mineiro,está sob investiga-ção da Polícia Federal e do TCU. A empresa, segundo oex-deputado Roberto Jefferson, servia de fonte de arre-cadação de R$ 3 milhões mensais,desviados para os dire-tórios nacional e mineiro do PT e também para o bolsode diretores da empresa e de um grupo de deputados esta-duais do PTB oriundos do PSDB.

Por fim,na Eletrobrás,holding do sistema elétrico fede-ral,a denúncia é de que houve favorecimento de uma segu-radora privada,a Interbrazil,já falida,para que ela assumisseem diversos contratos, inclusive com as usinas nuclearesAngra I e Angra II, um risco de R$ 4,7 bilhões, incom-patível com o modesto patrimônio da seguradora. Emtroca, a Interbrazil, com a intermediação de AdhemarPalocci,irmão do ministro da Fazenda,teria feito contri-buições a campanhas eleitorais do PT em Goiás e tam-bém à campanha presidencial de 2002.

Em todos esses casos,os órgãos fiscalizadores não foramcapazes de detectar a existência das práticas ilícitas e sópassaram a investigar as empresas envolvidas após o sur-

gimento de denúncias.Na esfera federal,onde a advoca-cia administrativa deveria ser coibida pela ControladoriaGeral da União e pelo TCU, com a ajuda do MinistérioPúblico ao entrar na fase de investigações,o primeiro órgãose limitava a apurar contratos entre a União e os municí-pios. Já o TCU somente despertou para o caso em julho.

Tal passividade é inadmissível, mas a questão não seresume em cobrar maior eficiência dos órgãos fiscaliza-dores."Há mais a fazer para reduzir a incidência da advo-cacia administrativa no interior do Estado",diz a diretoraadjunta da Escola Superior de Advocacia da Ordem dosAdvogados do Brasil, OAB, Carolina Machado Cyrilloda Silva. "É preciso um trabalho educacional para incu-tir nos servidores a noção de que a coisa pública não temdono,já que,a rigor,ela é propriedade de cada um de nós.”Trata-se,portanto,de reforçar os mecanismos de autode-fesa das empresas estatais contra a corrupção.

Panorama externo

Advocacia administrativa

Se é público,não pode ter dono

CRIME: Advocacia administrativa: patrocinar (o servidorpúblico) direta ou indiretamente interesse privado perante aadministração pública, valendo-se do cargo empregatício oueletivo.

PENAS: Prisão de 1 a 3 meses ou multa. Se o interessepatrocinado for ilegítimo, a pena pode chegar a 1 ano de prisão,mais multa.

FISCALIZAÇÃO: CGU, TCU, corregedorias da administraçãopública e Ministério Público.

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Concussão

O difícil é provar

mos fiscalizadores, o que talvez explique o fato de haverqueixas como excesso de lentidão, falta de recursos e ini-bição diante do poder político, na avaliação dos proces-sos de apuração e punição de delitos. As imunidadescontribuem para dificultar a fiscalização. Na França, porexemplo, as campanhas dos candidatos à Presidência daRepública não são passíveis de punição por ilícitos elei-torais. Diante de assunto tão controverso, não é de admi-rar que a própria ONU tenha patrocinado uma convençãocontra a corrupção, que está para entrar em vigor.

Trazer para a luz do dia os financiamentos dados a

partidos e campanhas também não representa uma pana-céia. A esse respeito, vale lembrar o que aconteceu como presidente Richard Nixon, nos EUA, que renuncioulogo após ser reeleito, no começo da década de 1970,para escapar de um provável impeachment. O princi-pal problema não foi de ordem financeira, nem teve aver com corrupção: tratou-se da tentativa de espionaros planos de campanha do partido rival, o Democrata,para que o republicano Nixon pudesse obter vantagensna corrida presidencial.

O trabalho da imprensa, brilhantemente liderado

pelo jornal Washington Post, foi decisivo para a elu-cidação do escândalo. Mas mesmo sem ser financeiro,o caso Watergate, como ficou conhecido, confirmoua importância do financiamento nas campanhas polí-ticas. “Deep Throat”, a fonte privilegiada dos doisrepórteres do Post na investigação dos labirintos docomplô, deu a eles – Bob Woodward e Carl Berns-tein - um conselho: “Follow the money”. Os dois entãorastrearam as contribuições à campanha republicanae chegaram aos manda-chuvas do crime e à conclu-são de que Nixon sabia de tudo.

O cheque de R$ 7.500,00 emitido pelo empresárioSebastião Buani para Gabriela Kênia Martins, secretá-ria do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Seve-rino Cavalcanti (PP-PE), poderá se transformar naprincipal peça de acusação contra o ex-parlamentar numpossível processo por crime de concussão. O chequenominal possui força de prova na denúncia de que o polí-tico teria exigido propina de Buani, concessionário derestaurantes no prédio da Câmara, para renovar-lhe ocontrato para a exploração do serviço.

Perante o Código Penal, a concussão é delito grave.Incorre nele, de acordo com o artigo 316, um dos tópi-cos dos crimes contra a administração pública, quemexige para si ou para outrem, direta ou indiretamente,ainda que fora da função ou antes de assumi-la,mas emrazão dela,vantagem indevida.A pena prescrita é de pri-são por 2 a 8 anos,mais multa.

Além do ex-presidente da Câmara, outros persona-gens da atual crise poderão vir a ser enquadrados nocrime. Um deles é o ex-deputado federal Roberto Jef-ferson, contra o qual pesa a denúncia de que teria exi-gido de um afilhado político,então presidente do Institutode Resseguros do Brasil, IRB,a arrecadação de recursospara o PTB junto às empresas que se relacionavam como instituto.Nesse caso,e também no dos Correios,esta-tal de sua área de influência,Jefferson pode ser conside-rado co-autor do delito, junto com os funcionários queprocuraram atender a suas exigências.

Outro dos grandes nomes da crise passível de ser enqua-drado no mesmo crime é o deputado José Dirceu (PT-SP),ex-ministro da Casa Civil, se de fato houver provasde que ele se valeu do cargo no governo para pedir con-tribuições dos bancos Rural e BMG ao seu partido.

Segundo o depoimento à CPI dos Correios de RenildaSantiago,mulher do publicitário Marcos Valério Fernan-des de Souza,sócio das agências SMP&B e DNA e acu-sado de ser o operador do mensalão pelo ex-deputadoJefferson,Dirceu sabia dos financiamentos bancários aoPT e até teria discutido o assunto com representantes doBanco Rural.Por conta desses financiamentos e de vul-tosos contratos firmados pelas agências de Valério comempresas estatais,o sub-relator da CPI para a área finan-ceira,deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) – cujo par-tido, aliás, também se envolveu com o publicitário em1998,num esquema semelhante que teria sido montadoem Minas para a campanha à reeleição do ex-governa-dor Eduardo Azeredo – já anunciou que o relatório finalda comissão indiciará a cúpula do PT,o marqueteiro DudaMendonça e dirigentes de estatais em seis delitos, quevão de falsidade ideológica a crimes contra a ordem tri-butária, passando por corrupção ativa e passiva, impro-bidade administrativa e tráfico de influência.

Há outros exemplos nessa seara, sendo o mais notó-rio o do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf,atualmentesob investigação do Ministério Público e da Polícia Fede-ral diante da denúncia de ter tirado proveito pessoal dosuperfaturamento das obras de construção da avenidaÁguas Espraiadas, hoje Roberto Marinho, a cargo daempreiteira Mendes Jr.

“O crime de concussão se assemelha ao de extorsão,só não sendo igual por não envolver violência”,explica oprofessor de direito constitucional e integrante do con-selho federal da OAB,Alberto Toron.Apesar da gravi-dade,trata-se de crime de difícil comprovação.Segundoo magistrado aposentado Wálter Maierovitch,ex-secre-tário nacional contra Drogas,a dificuldade reside

na obtenção da prova material, que consiste em algumdocumento que tenha relação direta com a exigência feitapelo autor do delito à vítima. Além disso, há uma dife-rença apenas sutil dessa figura em relação à mera solici-tação, requerida na corrupção passiva.

Se a prova é difícil de obter, o mesmo não ocorre coma denúncia, que pode ser feita por qualquer cidadão aochefe imediato do criminoso ou ao delegado de polícialocal. Na administração pública, há ainda o MinistérioPúblico,o juiz e a corregedoria da repartição (veja quadroacima).A dificuldade de apuração,contudo,acaba retar-dando o processo.O TCU,por exemplo,que se pôs a campoem julho para realizar seu trabalho,ainda não entregou àscomissões de inquérito legislativas o relatório que fez sobreatos no âmbito da Câmara Federal, e sequer programouuma data para apresentar um outro, sobre atos do gabi-nete da Presidência da República.Diante desse quadro,éo caso de indagar se a lei não deveria darmaior peso às provas circunstanciaisda concussão.

CRIME: Concussão: exigir para si (o servidor público) ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida,mesmo estando fora da função ou antes de assumi-la, desde que o cargo seja usado para a exigência.

PENAS: Prisão de 2 a 8 anos, mais multa.

FISCALIZAÇÃO: CGU, TCU, corregedorias da administraçãopública e Ministério Público. Se o suspeito gozar de foroprivilegiado, requer-se autorização do STF.

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Seminário que o Instituto Ethos e a Patri promovem hoje, 29, em São Paulo é o primeiro de doiscom o objetivo de levantar idéias e propostas para um Pacto Empresarial de Combate à Corrupção.

Trata-se uma iniciativa com propósitos muito claros e específicos: criar instrumentos por meio dos quais asempresas que o desejem possam se comprometer publicamente com práticas íntegras em suas relações comos poderes públicos.Tais instrumentos, dos quais o Pacto será o mais expressivo, representarão um contrato dessas empresas coma sociedade como um todo (inclusive e principalmente seus consumidores) e também com os demais elos desua cadeia produtiva.Esta iniciativa decorre da constatação de que o Brasil não deve continuar pagando o custo social, econômicoe político provocado pelos sucessivos casos de corrupção que periodicamente afrontam o país.Eles não são exclusivos de nenhum partido político, de nenhum poder público e de nenhum nível da admi-nistração pública. Tampouco eles ocorrem apenas devido a problemas de ordem moral ou ética de políticose/ou funcionários públicos.Trata-se de um mal que é produto dos mais diversos setores da sociedade e só será mitigado se todos eles sedispuserem a tanto. A proposta deste seminário e de seu proposto Pacto é provocar o setor empresarial a fazera sua parte.Este caderno especial dá subsídios aos participantes do seminário para que reflitam a respeito de recentesdenúncias de ações ilegais envolvendo órgãos públicos. São informações sobre possíveis crimes cometidos,por que os aparelhos de Estado não impediram que eles acontecessem e sugestões sobre como impedi-los.

PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO:O PAPEL DAS EMPRESAS

DESAFIOS Seminário Internacional

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