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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CÉSAR AUGUSTO PEREIRA COELHO EM DEFESA DA DEMOCRACIA, LUTANDO PELA EDUCAÇÃO: O MOVIMENTO ESTUDANTIL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (1978 – 1982) VITÓRIA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CÉSAR AUGUSTO PEREIRA COELHO

EM DEFESA DA DEMOCRACIA, LUTANDO PELA EDUCAÇÃO: O MOVIMENTO ESTUDANTIL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

ESPÍRITO SANTO (1978 – 1982)

VITÓRIA 2013

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CÉSAR AUGUSTO PEREIRA COELHO

EM DEFESA DA DEMOCRACIA, LUTANDO PELA EDUCAÇÃO: O MOVIMENTO ESTUDANTIL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

ESPÍRITO SANTO (1978 – 1982)

Monografia apresentada ao Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em História. Orientador: Prof. Dr. André Ricardo Valle Vasco Pereira.

VITÓRIA 2013

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LISTA DE SIGLAS AI – Ato Institucional AP – Ação Popular ARENA – Aliança Renovadora Nacional ADUFES – Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo CA – Centro Acadêmico CAAL - Centro Acadêmico Adolfo Lutz CACBC - Centro Acadêmico de Cursos Básicos de Ciências CACE - Centro Acadêmico de Ciências Exatas CACH - Centro Acadêmico de Ciências Humanas CEB – Comunidades Eclesiais de Base CBM – Centro Biomédico CCJE – Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas CEG – Centro de Estudos Gerais CT – Centro Tecnológico DA – Diretório Acadêmico DCE – Diretório Central dos Estudantes DI-GB – Dissidência da Guanabara DI-SP – Dissidência de São Paulo ENE – Encontro Nacional de Estudantes IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Libelu – Liberdade e Luta MDB – Movimento Democrático Brasileiro ME – Movimento Estudantil MEC – Ministério da Educação e Cultura

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MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro PCB – Partido Comunista Brasileiro PC do B – Partido Comunista do Brasil PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores PUC-RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro UFBa – Universidade Federal da Bahia UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro Unicamp – Universidade de Campinas UNE – União Nacional dos Estudantes USP – Universidade de São Paulo USAID – United States Agency for International Development

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 5 2 OS ANOS 1960 E 1970.........................................................................................................7 3 SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL...................................................................... 18 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL .................................. 33 5 ANÁLISE DA FONTE...................................................................................................... 40 6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 45 7 REFERÊNCIAS .................................................................................................................46

ANEXO A ........................................................................................................................... 48

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1. INTRODUÇÃO

A década de 1970, apesar da repressão, os estudantes se mostraram ativos nas universidades.

No interior das instituições de ensino, eram apresentadas peças de teatro, imprimiam-se

jornais, promovia-se calouradas, além de outros tipos de manifestações. Muitas

movimentações eram protestos contra a Ditadura Militar ou contra o ensino tecnicista, voltado

às exigências do mercado. Assim sobreviveu o Movimento Estudantil (ME) em algumas

universidades o que permitiu, gradualmente, a organização dos estudantes chegando ao ápice

das grandes manifestações em 1977.

Na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), as atividades culturais, aparentemente,

não tiveram papel tão relevante para o ressurgimento do ME capixaba. Impulsionados por

movimentos maiores de outros Estados e pela articulação dos próprios estudantes, com

destaque àqueles que se aproximaram do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o movimento

local se organizou. Em 1978 conseguiram reabrir o Diretório Central dos Estudantes (DCE)

sendo vencedora a chapa Construção, com a maioria absoluta dos votos em uma eleição que

contou com a ampla participação dos alunos.Até 1983 a tendência Unidade, vinculada ao

PCB, ocupou por mais três vezes a direção do DCE. Em 1979, perdeu para um grupo de

oposição descontente com as tradicionais práticas da esquerda. A disputa pela hegemonia do

ME, entre 1978 e 1983, se fez também por outros meios, os quais nem sempre o PCB saiu

vencedor. Havia, portanto, proposições diferentes entre as tendências que atuavam na UFES.

Em alguns trabalhos consultados entende-se que o grupo do PCB, dentro daquela conjuntura,

expressou melhor o espírito da época. Ou seja, dentro da universidade, foram os estudantes

comunistas os mais representativos na luta pelas liberdades democráticas, no entanto, naquele

momento vários grupos carregaram essa bandeira e lutaram por problemas e questões da

universidade e do próprio ME.Como uma categoria social, dentro da conjuntura dos anos

1980, os estudantes se mobilizaram para reivindicar questões específicas com relação à

educação e a universidade pública. É um fenômeno que Martins Filho (1987) explica por

meio do estudo das movimentações estudantis da década de 1960. Assim, por mais que se

coloquem em a favor de uma bandeira geral, como as liberdades democráticas, na relação

com a sociedade do período tratado neste trabalho, onde o ensino superior é visto como

instrumento de ascensão social, as questões específicas ajudaram a mobiliza os estudantes.

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O recorte temporal nos permite lançar mão da História oral para cumprir alguns objetivos.

Podemos testar hipóteses e entendermos melhor o movimento estudantil da UFES de 1978 a

1982, e a relação dos estudantes com a conjuntura apresentada no final da década de 1970, e

ainda, a relação dos mesmos com a universidade e a sociedade capixaba.O perfil do

entrevistado também é importante para a análise da entrevista. Nos trabalhos de Martin (2008)

e Moreira (2008) encontramos depoimentos de vários ex-integrantes do PCB que atuaram no

Movimento Estudantil. A nós também interessa a percepção de estudantes que compunham

outros grupos sobre as movimentações daquele período, a relação dos estudantes com a

bandeira das liberdades democráticas e as lutas específicas. Nesse caso, entrevistamos

Claudio Zanotelli, ex-presidente do DCE eleito pela chapa Alternativa em 1979, e um dos

protagonistas da “Turma do ócio”, movimento que expressou uma nova forma de ME no

início dos anos 1980.

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2. OS ANOS 1960 E 1970

Alguns autores afirmam, e tenho que concordar que, as movimentações estudantis

tiveramcaracterística variável durante a história. Podemos identifica-las, segundo Mendes

Júnior (1970), em quatro fases: a primeira delas seria de atuação individual, no final da

colônia e primeiros anos do Impériobrasileiro. No segundo Império temosa segunda

fase,definida por uma atuação coletiva, que se desdobra até o início do Estado Novo. A partir

de então entramos na “fase da atuação organizada”. Nela surge a União Nacional dos

Estudantes (UNE), articulando-se uma entidade nacional que representasse os estudantes

possibilitando, assim, a presença contínua na vida política do país.A última fase seria a de

atuação clandestina, muito curta, mas com muita intensidade. Nela, a repressão sobre os

estudantes foi pesada e os impeliu à luta com armas (MENDES JUNIOR, 1981). No entanto,

a luta dentro das universidades não parou.

A UNE, desde o final dos anos 1950, lutou para a reestruturação da universidade. Sua

participação nas questões nacionais até e início da década de 1960, lhe rendeu projeção

nacional. A entidade colocou-se a favor de João Goulart em 1962e convocou o povo a se unir

em favor da Constituição. Após o conturbado momento da posse de Jango, a instituição do

parlamentarismo e, depois,volta do presidencialismo, a UNE se posicionou favorável à

continuidade do mandato do presidente como dizia a carta magna. Levantou bandeirasem

defesa de causas nacionalistas, contra a influência estrangeira, mais justiça social, distribuição

da renda, reforma de base(incluindo a reforma agrária),e pregou a aliança com a classe

trabalhadora. Chegou a publicar em nota oficial do 1º de maio de 1963 que entre estudantes e

trabalhadores não havia diferenças fundamentais. Tais convicções eram conciliadas com a

luta pela reforma na educação na busca de uma universidade voltada ao atendimentodas

carências do povo brasileiro (AZEVEDO, 2010).

Em 1964 o General Castelo Branco ocupou a presidência com o apoio de setores

conservadores do país, prometeu salvar a nação da ideologia comunista, restabelecer a

“ordem” para, enfim, entregar o poder novamente as mão do povo. Seu governo decretou

quatro Atos Institucionais (AI-1, AI-2, AI-3 e AI-4) que progressivamente restringiram a

atuação política da sociedade civil.As entidades estudantis, tanto dentro das universidades

quanto fora delas, logo sofreram ataques ao serem associadas às ideias de esquerda.O mais

rigoroso dos Atos Institucionais foi o de número cinco (AI-5), assinado em 1968pelo

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presidente Costa e Silva, general da “linha dura” do exército. Com esse documento a Ditadura

se mostrou ainda mais fechada e repressora. Os movimentos sociais, partidos políticos já na

clandestinidade e também pessoas, sofreram com as denúncias,perseguições e punições

quando acusados de atos de “subversão”.Sobre os estudantes caiu, ainda,a lei 477que marcou

profundamente os rumos do ME.

A questão da educação não foi deixada de lado pelos militares. O governo trabalhou pela

reforma universitária desde 1964 tentando os acordos entre o Ministério da Educação

(MEC) e United StatesAgency for InternationalDevelopment (USAID),que mudariam o estilo

universitário brasileiro. Quatro anos mais tardefoi criado um grupo de trabalho com a função

de propor medidas de urgência para resolver a crise nas universidades. A reforma atendeu

algumas reivindicações de professores e estudantes, que há décadas lutavam,no entanto,

legitimou a presença das faculdades privadas ao estruturar o ensino superior brasileiro sob a

forma jurídica de autarquia, fundação ou associação. Ajudou, portanto, à proliferação de

escolas superiores pelo país que se constituíram como empresas capitalistas privadas, e fez

mudanças na estrutura acadêmica, como por exemplo, a instituição dos departamentos

(AZEVEDO, 2010).

O ME,desde o início do golpe,foi referência em manifestações e protestos contra a

ditadura.Os acontecimentos de 1968, protagonizados pelos estudantes, serviram para mostrar

a situação política do país. As reivindicações nesse momentoforam gerais demostrando a

insatisfação com o governo, porém dentro da luta a educação não foi esquecida, pois a

reforma educacional descontentou UNE. As pretensões dos militares em assinar os acordos

MEC-USAD estimulou a luta pelo ensino público e de qualidade, indo contra a corrente do

ensino tecnicista e privatizante, voltado aos interesses do capital.

Internamente,oMEfoi alvo de disputas partidárias.Muitas liderançasestiveram ligadas a

partidos políticos. Durante os anos 1960, a Ação Popular (AP), a Dissidência da Guanabara

(DI-GB) e Dissidência de São Paulo (DI-SP) tinham muita influência na UNE. Os grupos, no

entanto, divergiamquanto ao processo de luta, chegando a um embate partidário veemente em

1968. Alguns autores apontam que essas divergências foram responsáveis pelo fracasso do

encontro em Ibiúna e a desarticulação do movimento nos anos posteriores (SANTOS,

2010).Em 1968 a entidade máxima dos estudantes brasileiros passou à clandestinidade.

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O Partido Comunista Brasileiro (PCB) também teve atuação importante no movimento,com

muitos quadros dentre os estudantes que, no entanto, foram se encaminhando para outras

organizações. Os motivos desse esvaziamentodecorreramda exposição do relatório de

NikitaKrushev, em 1956, que abalou o comunismo mundial, e as novas formulações do

partido aqui no país (SANTOS, 2010). O PCB optou pela via de aliança com vários setores da

sociedade brasileira para formar uma frente democrática. Tal posturagerou divergências

internas e da cisão surgiram novas organizações, por exemplo, o Partido Comunista do

Brasil(PC do B). Este, junto com outras organizações, formou a “nova esquerda” a qual, no

final dos anos 1960, optou pela luta armada contra o regime, buscandoconstruir o

socialismo.A estratégia de pegar em armas teve influênciasdo foquismo e do maoísmo.

Dentro do processo destacou-se a guerrilha do Araguaia organizada pelo PC do B, a qual

seguiu o modelo maoísta, conquistando apoio das comunidades locais. Os guerrilheiros

conseguiram algumas vitórias contra o exército brasileiro, mas foram duramente

reprimidos.Após a derrota da resistência armada, a década de 1970 foi um tempo de

reestruturação da esquerda e recuperação do ME (SANTOS, 2010).

O início dos anos 1970 foi marcado pela presidência do General Emílio Garrastazu Médici.

Um governo ainda mais repressivo, justificado pelo“milagre econômico” e pelas propagandas

ufanistas: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Podemos dividiressa década em dois momentos para o

ME: a primeira parte é caracterizada pelas atividades no âmbito da universidade (1970 –

1975) a qual se destaca a importância dos Diretórios Acadêmicos (DAs). Eram os espaços

onde se tinha acesso às informações da reforma universitária e se repudiava o caráter técnico

de ensino em detrimento de um ensino "politizado", pois proporcionavam atividades culturais

de teatros, cine clubes e calouradas(PELLICCIOTTA, 1997). Assim conseguiram se colocar

como entidades diferentes das pretensões da universidade tecnocrata.Segundo Pellicciotta, tais

manifestações propiciaram interação entre os discentes. Por esses espaços se debatiam

assuntos de interesse dos estudantes, dando possibilidade de politização aos universitários.

Discussões que ganharam importância nos encontros estudantis de áreas nos primeiros anos

da década.As ações estudantis na primeira fase dos anos 1970 foram pautadas por

reivindicações específicas, questões da universidade. Problemas como a qualidade na

formação, transportes, restaurantes universitários motivaram as ações estudantis, que não se

apresentaram de forma radical,devido ao auge dos anos de chumbo.

De forma mais abrangente, as discussões em torno da reforma universitária presente entre essas movimentações "específicas" e as articulações dos DA ganham a partir

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de 1972 uma grande intensificação por meio da organização dos primeiros encontros de Área de caráter regional e nacional. Esses encontros propiciavam a troca de informações e experiências e conseguem mobilizar de forma que em 1972 surgem as primeiras campanhas integradas "contra o jubilamento" e "pelo ensino gratuito" (PELLICCIOTTA, 1997 p.82).

Ainda nesse primeiro momento dos anos 1970, Pereira (2006) destaca ações do Centro

Acadêmico de Cursos Básicos de Ciências (CACBC) e do Centro Acadêmico Adolfo Lutz

(CAAL) da Universidade de Campinas (Unicamp), contra as condições de ensino da

universidade.

São poucas as ações de embate direto ao regime e a reitoria [...] na Unicamp no início da década de 70. Conforme apontado em itens anteriores, vivia-se o auge do milagre brasileiro, propagandeado, em campanhas ufanistas, pelo governo do general Emílio Médici. O slogan “Brasil: Ame-o ou deixe-o” é ilustrativo da polarização vigente no período. De um lado, o governo militar colhia os louros do crescimento econômico vinculado à entrada indiscriminada de capital externo; do outro, os grupos armados, apoiavam-se no foquismo, utilizando a guerrilha rural e urbana como estratégia para a tomada do poder e a implementação do socialismo (PEREIRA, 2006 p.67).

Em 1974 a Unicamp vivenciou uma manifestação significativa de estudantes chamada Greve

das Humanas, que mobilizou os cursos dessa área. “[...] A greve se caracteriza por um

confronto com a instituição universitária a partir da negativa estudantil à cobrança de apostilas

nos cursos ministrados no [Instituto de Filosofia e Ciências Humanas] IFCH” (PEREIRA,

2006 p.78). Os protestos, no entanto, não se espalharam por todos os cursos da universidade.

A venda de apostilas era feita em outros centros e como outros estudantes aceitaram sem

resistência, a prática se naturalizou, mas nos cursos das Humanas a iniciativa teve resposta.

Para os estudantes do IFCH a venda de apostilas, que anteriormente eram gratuitos, era uma

forma de cobrança de mensalidade, sendo que em 1972 o ministro Jarbas Passarinho havia

proposto a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, mas essa proposta foi

rechaçada nacionalmente pelos estudantes (PEREIRA, 2006).De 1971 a 1975 são fundados

mais dois centros acadêmicos, o Centro Acadêmico de Ciências Exatas (CACE) e o Centro

Acadêmico de Ciências Humanas (CACH). Entre 1974 e 1976 as atividades estudantis se

concentram em manifestações culturais de teatro, coral, feiras de arte nas quais as entidades

estudantis estavam na organização.

A partir da segunda metade dos anos 1970 (1975 - 1980) iniciou-se a fase de reestruturação

do movimento com o reaparecimento ao público das chamadas "tendências" estudantis,

organizações que outrora se encontravam na clandestinidade, e mesmo nesta condição não

saíram completamente de cena, pois atuaram concomitantemente às novas formas de

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articulação política que se apresentavam naquele momento (PELLICCIOTTA, 1997).A

convivência entre as novas formas e as tradicionais nem sempre foi pacífica e faz parte de um

novo período para o ME. Os conflitos se davam ainda em torno das lutas empreendidas pelos

estudantes sobre o que deveriam reivindicar.

Ainda em Campinas, outra manifestação aglutinou os estudantes em 1976 na Unicamp. A

pauta dessa vez foi pela abertura do novo restaurante universitário e contra as precárias

condições de transporte na universidade que,

[...] observa-se, em 1976, a tomada de medidas mais efetivas por parte dos estudantes visando ao atendimento das reivindicações. A partir do meio-dia do dia 30 de agosto, os estudantes iniciam um boicote aos passes de ônibus (PEREIRA, 2006, p.98).

A chegada de militantes de esquerda contribuiu para o novo momento do ME na nesta

universidade. Eles buscaram “politizar” os grupos culturais e se preocuparam em entrar na

direção das entidades existentes, o que gerou certo conflito com grupos que estavamhá

tempos no movimento. Começou a circulação de jornais feitos pelo CACH, o Miudinho que

tratava de questões locais e o Panfleto que abordava assuntos do estado de São Paulo e,

também,do Brasil.

Aos poucos, nas universidades, as organizações políticas passaram a reorientar o movimento

tentando resgatar as velhas estruturas hierárquicas. Os grupos organizados tentaram canalizar

as lutas estudantis motivados pela concepção de vanguarda do movimento que guiaria as

massas.Entre as tendências estudantis existiam várias leituras e procedimentos diferentes de

ME. A depender da universidade e dos contextos, os grupos que conquistaram hegemonia

eram de matriz trotskista, maoistas, stalinistas ou “reformistas”. Alguns grupos defendiam

uma ruptura total com os órgãos oficiais de representação da universidade e entendiam que os

estudantes deveriam ter total autonomia construindo entidades livres. Outros, no entanto,

achavam que ocupar os órgãos oficiais seria mais uma estratégia que o ME deveria adotar

para seguir com as lutas de seu interesse.

[...] os grupos trotskistas ou maoistas vão compor grandes tendências em várias regiões do país e ruma para uma ruptura institucional, sensíveis à criação de um "ambiente estudantil" mais democrático e cultural, avesso à administração e ao projeto tecnocrático de ensino. Outros agrupamentos de esquerda, em particular os vinculados ao PCB, vão insistir na permanência dos contatos e atividades construídas no bojo da estrutura administrativa como condição preliminar de reconquista de intervenção políticas (PELLICCIOTTA, 1997 p.133).

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Os militantes do PCB seguiam as decisões do comitê central do partido que encaminhava o

papel político do ME na sociedade dentro daquele contexto. O partido sofreu com

perseguições durante os anos 1970, o que dificultou sua atuação nas universidades. Na

segunda fase da década, os militantes comunistas formaram a tendência Unidade, muito forte

nos DCEs da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pontifícia Universidade

Católica do mesmo Estado (PUC-RJ). A Unidade ganhou dos outros agrupamentos mais a

esquerda a alcunha de “reformista”.

Outra vertente dentro do ME eram os agrupamentos trotskistas e, a partir do segundo período,

formaram grandes tendências, a exemplo da Liberdade e Luta (Libelu), muito forte na

Universidade de São Paulo (USP); a Centelha, formada em Minas Gerais e Ponteio, do Rio

Grande do Sul. Os trotskistas levantavam a bandeira contra a política educacional do governo

e tiveram muita importância na reconstrução de entidades estaduais e dos encontros nacionais

dos estudantes (ENE). Outros grupos estavam presentes no ME nessa época, tais como AP, o

PC do B, O Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8),que ao longo dos anos se

aproximaram por terem posições semelhantes quanto à revolução (PELLICCIOTTA, 1997).

Gradativamente passou-se a defender atividades mais radicais entre as posturas mais

organizadas. Foram criadas algumas entidades desvinculadas da administração universitária,a

exemplo do DCE livre da USPreaberto em 1974. Essa nova postura, mais radical, fomentou a

criação dos encontros nacionais que passaram a articular as reivindicações estudantis com as

lutas de movimentos pela redemocratização do país. Assim, a bandeira mais forte desse

período foi pelas liberdades democráticas (PELLICCIOTTA, 1997).Já no final dos anos 1978,

impulsionados também pela crise inflacionária, ocorreram manifestações, como a greve dos

trabalhadores do ABC, além de participações políticas efetivas, a exemplo das Comunidades

Eclesiais de Base (CEBs), pedindo o fim do regime militar, anistia aos perseguidos políticos,

respeito aos direitos humanos e liberdade de expressão.

Dentro do contexto nacional, o ME da UFES dos anos 1970, promoveu ações e manifestações

questionando problemas internos da universidade como, por exemplo, a reivindicação por

melhorias ao hospital universitário em 1971. As lideranças estudantis capixabas, nos anos

1960, foram perseguidas pela polícia federal após movimentações que aconteceram já no final

da década. Assim, o ME entrou em desarticulação, a União Estadual dos Estudantes(UEE) foi

fechada em 1967 e o DCE da UFES deixou de existir em 1969, com a saída do presidente

César Ronald Pereira Gomes e do vice-presidente César Leite. No início dos anos 1970 “[...]

13

Atividades burocráticas e esportivas ocupam o tempo e os esforços das poucas lideranças [...].

Mesmo assim alguns resistiram” (BELING NETO, 1996, p.149). O DA de Medicina

conseguiu uma razoável estrutura de organização influenciada pelo PC do B em 1972, mas

também foi atingido violentamente pela repressão. Somente em 1976 o movimento estudantil

passou a ser reestruturado, mesmo que lentamente (BELING NETO, 1996).

Nesse mesmo ano já existiam movimentações no Centro Biomédico (CBM), onde surgiu um

grupo de influências políticas oriundas de São Paulo. Pela iniciativa dos estudantes de vários

cursos, foi formado um “Comitê de reconstrução do DCE” que abarcou pessoas de influências

políticas diversas. Os estudantes, talvez a maioria, ainda não eram vinculados a partidos

políticos, mas uns apresentavam afinidade com o PCB e outros recebiam influências de

movimentos ligados à esquerda da Igreja, grupos de esquerda do campo e grupos trotskistas.

A penetração do PCB na universidade tinha o propósito de formar uma elite, segundo a

concepção leninista a qual “[...] o partido não deveria incluir toda a classe operária, mas

apenas uma vanguarda ou parcela esclarecida do proletariado durante a ditadura burguesa”

(MARTIN, 2008, p.34).

Existiram também algumas práticas culturais e esportivas dos estudantes da UFES antes da

reabertura do DCE. O Ano de 1976 foi bastante ativo nessas questões, como por exemplo: a

Semana Cultural Universitária, que contou com a participação de, “[...] Zuenir Ventura

falando sobre jornalismo; Fortuna, sobre humor e histórias em quadrinhos; Luiz Carlos

Ripper, sobre teatro; Ricardo Cravo Alvim, sobre música; e Sérgio Santero sobre cinema”

(MOREIRA, 2008, p.73). Também foi realizada a primeira mostra de teatro realizada pelos

estudantes, que contou com a encenação de algumas peças.

No momento nacional de luta contra o regime, no Espírito Santo tivemos, um processo lento

de articulações nas bases da sociedade. Surgiram, por exemplo, os sindicatos dos médicos,

dos jornalistas e a Associação de Docente da UFES (ADUFES). A Igreja também

desenvolveu trabalhos visando à organização das classes trabalhadoras. “[...] Sindicalismo de

classes médias, oposições sindicais e Igreja, através de suas pastorais populares, assumem a

sua condição de atores políticos públicos que teriam papel relevante nos anos seguintes [a

1979]” (BELING NETO, 1996, p.145).

A movimentação estudantil nessa época aconteceu com maior destaque em alguns centros da

universidade: CBM, juntamente com o Centro de Ciências Jurídicas Econômicas (CCJE) e o

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Centro Tecnológico (CT). Por meio dos DA se faziam as reuniões ou pequenas manifestações

dentro da universidade. O CBM e o CCJE foram marcantes quando da junção das pessoas que

atuavam nesses setores para a formação da chapa Construção, influenciada por ideias da

tendência Unidade. A chapa contava ainda com representantes do Centro de Artes e do Centro

de Estudos Gerais (CEG). A eleição para o DCE teve a participação de outras quatro chapas:

Ação Popular Estudantil, Retornando, Liberdade e Anistia e Frente de Libertação Estudantil

(MOREIRA, 2008). A chapa Construção venceu e o DCE foi efetivamente aberto em 1978. A

eleição contou com mais de 70% dos estudantes, dando um total de 6.247 votos, sendo que a

chapa vencedora obteve 73% do total de votos, cerca de 4.557.A frente da gestão estava Paulo

Hartung, estudante de Economia. A Construção formulou um programa político centrado na

luta pelas liberdades democráticas. Em manifesto de lançamento da chapa estava escrito:

“Hoje clamamos por Liberdades Democráticas, por Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, por uma Constituinte livremente eleita e soberana, por Melhores Condições de Vida e Ensino, pela educação gratuita para todos, Hoje, fazemos parte de uma frente democrática que vem se consolidando a cada dia. Os mais variados setores: trabalhadores, advogados, juristas, intelectuais, cientistas, clero e estudantes, começam a se organizar em torno de suas necessidades imediatas e a se UNIR no que é geral para todos: A UNIDADE PELA DEMOCRACIA [sic]” (BELING NETO, 1996, p.158).

Essas ideias presentes no manifesto estavam em concordância com o que defendia o PCB. O

partido m nosso estado foi reconstruído por muitosdesses estudantes e ganhou relevância, a

partir de então, no MDB (depois PMDB em virtude da reforma partidária) e na política

capixaba (BELING NETO, 1996).

Oposição à chapa Construção, a APEdefendiaa unidade entre os estudantes e o movimento

operário e camponês, assim comoa organização do chamado “DCE livre”, ou seja, uma

entidade estudantil sem vínculos com a administração e as entidades oficiais de representação

da universidade. A Construção defendeu o DCE ligado à instituição, tendo seu estatuto, e

podendo receber verbas e recursos da UFES. Com entidade reconstituída, o ME passou a ser

referência de força política no movimento social de 1978/79 com capacidade de mobilização e

de intervenção na realidade. O movimento ultrapassou os muros da universidade e passou por

uma experiência na política partidária nas eleições de 1978, ao apoiar a candidatura de

Berredo de Menezes ao senado. Foi formado para a campanha um comitê de professores e

estudantes que representou uma novidade na tradicional política local, pois “[...] introduziu

técnicas modernas de marketing eleitoral e de campanha de massa, trazendo um componente

ideológico e de esquerda que não havia sido colocado até então nas campanhas eleitorais”

15

(BELING NETO, 1996, p.160). Em 1979, o DCE da UFES esteve ao lado da Arquidiocese de

Vitória e Emescam num movimento de solidariedade às vítimas das chuvas torrenciais no

início do ano que deixou várias localidades do Estado em situação de calamidade pública. O

jornal Posição reconheceu a atuação dos estudantes como uma força incrível de solidariedade.

Nesta ocasião, o grupo se aproximou da Igreja por meio do arcebispo de Vitória, Dom João

Batista de Mota e Albuquerque. Alguns movimentos de esquerda que posteriormente

ajudaram na construção do PT tinham nessa época aproximação com a ala de esquerda da

Igreja.

Dentro da UFES, as diferenças se acirraram, conferindo uma nova realidade ao recente

movimento estudantil. Várias outras tendências políticas de esquerda se colocaram na

universidade e passaram a compor os espaços. A relevância dessas outras tendências estava

relacionada ao novo momento de reforma partidária. Os estudantes comunistas defendiam a

opção de atuar no PMDB, defendendo a frente democrática contra a ditadura, enquanto as

outras tendências priorizaram a construção do Partido dos Trabalhadores (PT) (BELING

NETO, 1996).

Em 1979 aconteceu o congresso de reabertura daUNE, em Salvador, capital da Bahia. Nesse

evento, as tendências políticas estudantis como a Unidade, a Libelu e a Centelha estiveram

presentes. Na UFES houve repercussão dentre os estudantes, já que um grupo de alunos,

organizados por meio da tendência Unidade, marcava reuniões, discutia questões da

universidade e da sociedade capixaba. “[...] Desde o inicio este grupo se preocupava em

manter diálogo e mobilização fora dos muros da universidade, para dar amplitude as suas

ações” (MARTIN, 2008, p.38).

O grupo do PCB/Unidade conseguiu agrupar muitos estudantes. Para os outros grupos do ME,

a Unidade tinha postura muito reformista, por isso e por terem vinculação com a reitoria eram

considerados de direita ou “pelegos”. A Libelu, e outros trotskistas, por exemplo, tinha a ideia

de Centro Acadêmico (CA) livre que se opunha aos Diretórios Acadêmicos, segundo

Fernando Pignaton, vice-presidente do DCE em 1978 (MARTIN, 2008, p.38).O PCB tinha

intenção de crescer o máximo possível a partir da base, fazia uma atividade na universidade

chamada de “circulismo”, um grupo de estudos que compunham mais ou menos 200 pessoas,

mas nem todas eram do partido. Ao término da primeira gestão, os comunistas não

conseguiram se reeleger ao DCE, perdendo para a chapa Alternativa, composta por grupos

que ajudariam na formação do PT.

16

O presidente do diretório em 1979/80 foi Luis Claudio Ceolin, que renunciou, sendo sucedido

por Cláudio Zanotelli. O PCB voltou à direção com a chapa Hora de mudar com Estanislau

Stein na presidência. Seu mandato foi estendido por mais um ano devido à greve dos

professores universitários em 1982 (MARTIN, 2008).A última gestão do grupo do PCB no

diretório da UFES foi em 1982/83, com José Arimathéia na presidência. No ano seguinte, a

oposição dos setores petistas venceu as eleições, tendo como presidente Arthur S. R. Viana.

Em 1982 já começaram os questionamentos das práticas do ME na UFES, então emergiram

novas diretrizes e concepções ligadas ao corpo, sexo, drogas e opressões que a tradição do

movimento não conseguia atender. Neste novo contexto, surgiram críticas às tendências e

contestação ao próprio discurso da esquerda, que culminaram em manifestações “anarquistas”

e o aparecimento de grupos sob essas orientações como a “Turma do Ócio” e posteriormente

o “Balão Mágico”.

Uma crítica político-cultural de conteúdos “anarquistas” rompia com os velhos jargões e estilos de política, introduzindo novas temáticas no debate para as quais as velhas formas de fazer política não tinham respostas. Ao discurso orientado pelas palavras de ordem dos partidos opunha-se a crítica do marxismo, a discussão da questão das drogas, da política do corpo e o combate a toda forma de poder e autoridade, independente de seu caráter de direita ou esquerda (BELING NETO, 1996, p.167).

Na nova fase de reforma partidária, o ME do Espírito Santo teve atuação importante. Aqueles

estudantes que militavam pelo PCB tiveram papel relevante nas definições e no desempenho

do PMDB nas eleições de 1982. Algumas lideranças do movimento foram eleitas nesse ano

dentre eles dois ex-presidentes do DCE: Paulo Hartung (deputado federal) e Estanislau Stein

(vereador em Vitória). O sucesso foi em decorrência do trabalho político no ME (BELING

NETO, 1996). Outros estudantes de tendências ligadas ao PT foram importantes na sua

organização, juntamente com a base da Igreja. Foi um momento de clarificação das

identidades partidárias e, dentro da UFES, representou uma mudança na correlação de forças

entre os grupos que disputavam o ME, além de redefinir o “[...] sistema de alianças do

movimento com setores organizados da sociedade, especialmente no campo sindical e das

Pastorais da Igreja” (BELING NETO, 1996, p.164). As tendências dentro da universidade se

empenharam na luta de controle do movimento que esteve com grande vitalidade.

Na sociedade, no decorrer da década de 1980, se configurou uma nova realidade pela

ascensão das lutas operárias, a partir das greves no ABC paulista, pela emergência de um

significativo movimento popular e pela luta de entidades da sociedade civil pelas questões

17

centrais da política brasileira (anistia, constituinte, eleições diretas) que colocaram, no

primeiro plano novos atores políticos.

18

3. SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL

No livro Movimento estudantil no Brasil (1981), Mendes Junior aborda que muitos estudos

colocam o MEcomo uma força política secundária na sociedade brasileira. Os motivos que

levam a essa afirmaçãoestão na rápida passagem dos estudantes pela universidade, ou seja, a

vida universitária é relativamente curta, fazendo com que não haja uma integração profunda

como na vida profissional que virá em seguida. Assim, o movimento não seria capaz de uma

organização política de longo prazo. Outra argumentação, ainda nessa linha de fluidez na vida

acadêmica, seria o choque de gerações, visto que as lideranças estudantis têm vida curta na

medida em que o tempo passa. O autor pontua que certas análises entendem que o “ardor

juvenil” e o “sentimento de justiça da juventude” tendem a desaparecer quando se atinge a

vida adulta. Dessa forma, o ME seria ator de segundo plano na política nacional.No entanto,

Mendes Júniorentende que, se por muitas vezes o Movimento Estudantil esteve à frente de

manifestações sociais, isto foi devido ao seu descompromisso temporário com a produção, ou

seja, o estudante não tem responsabilidades para com o sustento de uma família, fazendo dos

estudantes agentes políticos mais ágeis do que outros seguimentos sociais. Afirma, no

entanto, que a participação desses atoresna política não é contínua ou progressiva,

[...] mas sim obedece a fases de fluxo e refluxo. Este fenômeno, aliás, não é absolutamente privativo do movimento estudantil: todos aqueles que se dedicam ao estudo da História dos movimentos sociais sabem que esses movimentos apresentam momentos “privilegiados” em que, por fatores conjunturais, eles crescem, abandonam sua aparente letargia e se transformam nas grandes molas propulsoras do desenvolvimento histórico (MENDES JUNIOR, 1981, p. 9).

Mirza M. B. Pellicciottana dissertação Uma aventura política (1997) descreve a trajetória das

movimentações estudantisno Brasil das décadas de 1960 e 1970 apontando as ações dos

estudantes desses dois períodos, ressaltando ainda a reclusão do movimento no início da

segunda década causada, como já mencionamos, pela repressão.Sendo que dentro das

universidades o ME não deixou de existir, os estudantes atuaram dentro das instituições

permitidas, reivindicando melhorias no ensino ou fazendo oposição mais direta a Ditadura.

Se nós observarmos com maior atenção a primeira fase da década de 70 podemos constatar que é nela que se “ensaia” a construção de um contradiscurso da reforma da universidade e que por baixo do aparente contexto de “vazio” político se esconde uma luta pela recriação da dinâmica democrática do movimento estudantil fundamentada na participação coletiva e na releitura crítica dos preceitos burocráticos e autoritários de formação acadêmica pretendidos pela reforma da universidade. Apesar de não se poder encontrar neste período a emergência de mobilizações e de processos de radicalização política do porte dos acontecimentos de 64-68 ou 75-80, é neste momento que o projeto de universidade se torna mais

19

uma vez objeto central de um percurso crítico e coletivo de reflexões e aprimoramentos (PELLICCIOTTA, 1997, p.72).

Pellicciotta entende que o MEda década de 1970 deva ser estudado com um olhar atento às

movimentações dentro das universidades e a convivência entre as formas tradicionais do

movimento e as novas formulações e ações coletivas influenciadas, segundo a autora, pelas

movimentações internacionais de 1968. Somadas a elementos da contracultura, um contexto

de reforma universitária e repressão do regime militar às antigas organizações de esquerda, as

novas movimentações estudantis ajudaram a transformar a identidade dos estudantes e as

formas de movimento no decorrer dos anos 1970. Assim, a autora pretende,

[...] comprovar neste estudo [...] as mudanças pelas quais passam as movimentações estudantis nos anos 70 não significam o encerramento dos seus propósitos coletivos, mas pelo contrário, a emergência de respostas e projetos de cunho social que partilham de outrosideais de sociedade, política e cultura na forma de outra aventura de criação política. A perda das bases tradicionais ocasionada pela intervenção repressiva do Estado sobre a sociedade civil e pela reforma da Universidade dá lugar a uma "reestruturação" ou "reconstrução" de movimento que desde sua origem se coloca sensível às alterações vividas pela juventude no plano da cultura e da política - e que se traduzem para a esfera acadêmica na forma de experimentações de linguagem de caráter mais abrangente (PELLICCIOTTA, 1997 p. 28, grifos da autora).

Pellicciotta concorda com Artur Ribeiro Neto em seu texto Um laço que não une mais1no

qual afirma que, na década de 1970,a universidade estava em transformação e apresentava

outros desafios e problemas para os estudantes, mudando a suas formas de intervenção

coletiva e conferindo outra identidade de movimento.

O Golpe, para o movimento estudantil, significou a sua exclusão da participação no poder. E os momentos de luta que atingem seu auge em 68 não significaram uma revisão do estilo populista de ação política, mas apenas sua radicalização. Mas o que oferecia as condições sociais e políticas particulares para este tipo de política por parte dos estudantes era o lugar social e político da universidade (RIBEIRO NETO, apud PELLICCIOTTA, 1997, p.29).

Para analisar o ME, a autora recorre a outros trabalhos que, embora não tratem

especificamente do tema, abordam o contexto cultural da década de 1970 e ajudam na

compreensão da dissertação.

Heloisa Buarque de Hollanda, em Impressões de viagem2, serve ao trabalho de Pellicciotta ao

tratar do surgimento de elementos da contracultura na virada da década de 1960 para 1970,

que vão causar mudanças nas experiências políticas. Para Hollanda, “[...] é a partir da crítica

1 RIBEIRO NETO, Arthur. Um laço que não une mais.Revista Desvios, nº 4, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. 2 HOLLANDA. Heloisa Buarque. Impressões de viagem. CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70. São Paulo, Brasiliense, 1981.

20

às ortodoxias que ocorre uma aproximação entre gerações distintas de intelectuais e artistas

capaz de promover novas experiências de leitura e de criação de linguagens políticas e

culturais” (PELLICCIOTTA, 1997 p.33). Outro trabalho em que a dissertação se apoia é o

livro de Olgária Matos, Paris 1968: as barricadas do desejo3, no qual se afirma a existência

de uma alternância e multiplicidade das ações políticas desde o final da década de 1960 que

passam a ocupar a arena política das movimentações estudantis em dimensão internacional.

Matos traz uma contribuição decisiva à avaliação do significado qualitativo dessa alternância

e multiplicidade. A autora persegue o significado mais profundo da emergência das diferentes

formas e objetos de ação política que se apresentam às perspectivas de ação coletiva de

fundamentação político-partidária(PELLICCIOTTA, 1997).

Os acontecimentos de 1977, para Pellicciotta, refletiram a tentativa das tendências estudantis

em resgatar o ME do passado.No entanto, o contexto de mudança de práticas e percepções,

novos desafios, deu a essas manifestações características efêmeras, para usar o termo da

autora.

Na verdade, contrariando o discurso participativo e político das organizações, o que de fato se revela constante nesse cenário acadêmico são as frustrações, as divergências e as experimentações culturais - em uma situação que se torna ainda mais problemática pelo fato das entidades se verem forçadas a "reconquistar" os estudantes à participação coletiva em um percurso de caráter voluntário que de maneira alguma pode ser tomado de forma progressiva e unânime. Aliás, a pretensão de envolver todos os estudantes no interior das entidades não vai além de um objetivo de discurso, ou ainda, de uma imagem construída pelos projetos políticos organizados (PELLICCIOTTA, 1997 p.148).

Por essas considerações,Pellicciotta assume como causa do afastamento dos estudantesem

relação ao ME,já no final da década de 1970, a tentativa de reconstruí-lo tendo como base

concepções tradicionais, pautando discursos fora da realidade estudantil protagonizados pelas

organizações políticas, assim como o “disputismo” entre as mesmas que se descolaram dos

demais estudantes. As velhas formas do movimento tentaram se colocar em primeiro plano no

lugar das novas perspectivas coletivas. A explicação para a desarticulação do ME no final dos

anos 1970 e nos anos 1980 é devido,

[...] a repetição de procedimentos partidários do passado neste contexto social e político [que] se justifica pelo resgate da hegemonia política exercida no período político anterior e que agora procura se sobrepor a uma outra perspectiva coletiva (que de fato ocupa um papel importante na renovação das práticas estudantis) (PELLICCIOTTA, 1997 p.30).

3 MATOS, Olgária. Paris, 1968: as barricadas do desejo. São Paulo, Brasiliense, 1981.

21

No trabalho de Pellicciotta são analisadas várias fontes, como panfletos, jornais, documentos,

produzidos pelos próprios estudantes além de depoimento de indivíduos que atuaram no ME.

Essas fontes são de várias universidades do país, mas existe predominância de algumas

universidades, a maior parte das documentações é da USP, seguida da Unicamp, Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal da Bahia (UFBa).

O artigoResistência do movimento estudantil e censura nos “anos de chumbo”(2010), de

Angélica Müller,trata da resistência que o movimento fez ao autoritarismo do governo militar

nos anos 1970, e corrobora com Pellicciotta. Durante esse período, ao contrário de outras

afirmações, o ME se mostrou resistente dentro das universidades e ativo, o que propiciou, no

final da década, ser pioneiro dentre os movimentos sociais na luta pelas liberdades

democráticas (MÜLLER, 2010).A autora destaca as atividades culturais desenvolvidas pelos

estudantes, mais precisamente a criação e circulação de jornais estudantis, entendendo que

essa forma possibilitou uma aproximação entre a arte e a política.

“O jornal aparece [...] como instrumento para um engajamento político, uma estratégia para organizar a luta contra a ditadura. A circulação das informações e ideias de um grupocontidas nos jornais pode ser encarada como maneira de sobrevivência dentro de um regime autoritário, e também se apresenta como mais uma alternativa para mostrar uma resistência” (MÜLLER, 2010, p.5).

Em algumas universidades do país existiu produção de jornais informativos e de denúncia à

ditadura, que circularam entre os estudantes atingindo um grande público. Podemos citar os

jornais Imprensa Universitária e A Ponte – quando o muro separa..., ambos da USP e o jornal

Gol a Gol da UFMG.Essas atividades tiveram reflexos no período, uma vez que a ditadura,

além da repressão que exercia, divulgou “[...] umdocumento sobre a ação de determinados

grupos, destacandoas ações subversivas exercidas pelos estudantes” (MÜLLER, 2010, p.3).

Este documento falava de como grupos subversivos agiam e reconheceu as atividades

culturais como meio de propagação de ideologias que ameaçavam a nação.Müller destaca o

trabalho de Pellicciotta (1997) como grande contribuição para a análise da década para o ME,

época em que os estudantes se colocaram novas formas de ação coletivaque denunciavam

problemas da universidade e o autoritarismo do regime. Ao longo dos anos 1970 as atividades

estudantis em torno da cultura proporcionou a emergência desse segmento na luta pelas

liberdades democráticas.

Jordana de Souza Santos, em A repressão ao movimento estudantil na ditadura militar

(2009), tem por objetivos analisar as ações do ME no período de 1964-1979, a situação da

22

esquerda na época, também os ideais revolucionários e as formas de luta desenvolvidas pelos

partidos e organizações assim como as influências destes no movimento.Santos entende que

os estudantes do final da década de 1960, os quais muitos saíram para a luta armada, tinham

características pequeno-burguesas. Dessa forma os estudantes eram despreparados, e custou a

derrota da guerrilha do Araguaia, assim como a transposição de modelos revolucionários sem

uma análise prévia e aprofundada da realidade brasileira. Nos meados dos anos 1970

ressurgiu o ME, assim como outros movimentos sociais que também foram reprimidos pelo

regime. Santos entende que o ME no ano de 1979 já estava em refluxo e atribui isso as

disputas entre as tendências, a emergência do movimento operário em 1978 e a percepção de

que o movimento devia ligar suas lutas às dos trabalhadores, ainda com a ideia de que o

agente revolucionário seria o proletariado e os estudantes seus apoiadores.

Em seu artigo A (des) articulação do movimento estudantil (2002), Andreza Barbosa aborda

dois períodos marcantes da história do ME, são eles: as décadas de 1960 e 1970, considerados

mitos e modelos seguidos pelo estudantes nas décadas de 1980 e 1990. Ressalva, no entanto

que,

[...] o novo contexto [anos 1980 e 1990] não comporta mais esse modelo de movimento que só se consolidou como tal num determinado momento histórico em que a situação econômica e política do país oprimiam e ao mesmo tempo impelia os jovens a lutarem contra as arbitrariedades do regime militar (BARBOSA, 2002, p. 6).

Segundo Pellicciotta (apud BARBOSA, 2002, p. 5) na década de 1970 “[...] o movimento

estudantil assumiu, principalmente a partir de 1977, importante papel na luta pela anistia e

pelas ‘liberdades democráticas”. No entanto, já no início dos anos 1980 o ME mostrou-se

debilitado. Para esse fenômeno Barbosa (2002) elencou uma série de explicações:a repressão

da ditadura deixou marcas profundas à posteridade, assim em meados dos anos 1980 a

abertura política se colocou “[...] para uma geração marcada por uma sociabilidade

fragmentada e repleta de inseguranças decorrente do autoritarismo do regime militar”

(BARBOSA, 2002, p.6). Segundo Sousa4 (apud BARBOSA, 2002, p.6),a militarização do

Estado colaborou para a redução na militância estudantil após os anos 1970 mesmo depois da

abertura.

Outra explicação seria pelo momento de uma nova sociedade na qual aquela forma do

4SOUSA, Janice. T. P. Reinvenções da utopia: a militância política dos jovens nos anos 90. São Paulo: Hacker, FAPESP, 1999.

23

ME(dos anos 1960 e 1970) não tinha eficácia, não podendo se erguer dentro dessa nova

realidade. A própria fragmentação dentro das universidadese a perda de sua característica

“universal” contribuiu para esse novo momento (BARBOSA, 2002). Os estudantes na década

de 1980 não se viam mais como categoria social, o que antes era uma realidade no âmbito da

universidade. Viam-se, nesse novo contexto, comoindivíduos isolados, futuro profissional de

uma área específica e a universidade sendo apenas um meio, com os estudantes estando ali de

passagem (SOUSA apud BARBOSA, 2002, p. 7).

Barbosa admite que a partidarização descontrolada do ME seja uma das principais causas de

desarticulação desse movimento, uma vez que os interesses dos partidos ficam a frente dos

interesses gerais dos estudantes. Continua dizendo que a UNE deveria ter recomeçado com

uma nova estrutura, diferente da partidarização que se instituiu na sua reconstrução em 1979.

A construção da entidade se deu com esta marca muito forte, justificada por aqueles que

assim escolheram, prezando, no entanto, por autonomia, ou seja, a entidade estudantil era

autônoma, mas não havia problema discutir posições partidárias dentro da UNE.O ME

convocou manifestações contra o contexto de desigualdades, injustiças e sucateamento da

educação,com fundamentação ou não,sendo a partidarização ainda muito forte.

A autora questiona o caráter transformador do ME nesses tempos atuais, numa conjuntura de

rupturas maiores entre os estudantes. Apesar de serem referências, mesmo como mitos e com

seus "heróis" e mártires, os estudantes de 1960 e 1970 não devem ser parâmetros para o ME

atual, uma vez que se encaixam em conjunturas específicas. Mas a pergunta da autora é: o que

aconteceu com o ME das décadas de 1980 e 1990? No decorrer do artigo mencionou as

hipóteses para essa questão. Afirma que desarticulação do ME fez com que se produzisse

pouca documentação nas décadas de 1980 e 1990, ou ainda existiu uma falta de interesse dos

estudantes nessa produção de documentos, que não deixa de indicar certa desorganização.

Para explicar a primeira hipótese de desarticulação do ME, a autora coloca a apatia dos

estudantes com o término do regime militar, ocorrida em decorrência das marcas de medo que

a ditadura deixou muito forte nas pessoas dessa época, mas a autora concorda mesmo com a

ideia que de que não se tinha mais pelo que lutar. Essa ideia pode ser explicada devido aos

estudantes estarem acostumados a uma forma de luta que só cabia no regime militar. Coloca

que ainda havia autoritarismo nesses novos tempos, a ideologia da privacidade que tomou a

geração e assumiu princípios baseados no respeito à liberdade e aos desejos de cada um

(análise de Sousa, 1999), ou seja, individualismo.

24

O segundo motivo que afastou o ME das ruas seria a conjuntura neoliberal e globalizante que

provoca o individualismo. Isso explica,segundo Saliba5(apud BARBOSA, 2002),os novos

desejos dos jovens quevão às universidades buscando uma formação que lhes permita exercer

uma profissão reconhecida e, assim, possam sobreviver e obter êxito pessoal, a preocupação

com o coletivo quase sempre se resume a atitudes de solidariedade e filantropia. Os estudantes

já não se enxergam como sujeitos da história e sim passivos a ela.SegundoSaliba,para resgatar

essa condição de sujeitos da história os jovens assumem uma nova ideologia subjetivista

expressa através de questões individuais de comportamento: ideologias de bem estar do corpo,

do sexo, do psiquismo, típicas das sociedades de consumo, busca de práticas alternativas,

histeria consumista, abandono do espaço público e desinteresse da luta política organizada.

São essas as características da nova juventude que não mais se identifica com a geração que a

antecedeu (apud BARBOSA, 2002).

Lúcia Rangel Azevedo, no artigo O papel da UNE no movimento estudantil na segunda

metade do século XX(2010),tem o foco nas ações da UNE na história do país, coloca a

entidade não relacionada somente à questão da educação, mas preocupada também com a

realidade brasileira do ponto de vista, político, social e econômico. Dessa forma a UNE

alcançou posição de prestígio no cenário nacional. Em contraste com esse período, o artigo dá

atenção para a apatia dos estudantes na década de 1980 com relação às problemáticas

nacionais.

Na segunda metade da década de 1970 os estudantes voltaram a reestruturar suas entidades

representativas dentro e fora das universidades. A movimentação dos estudantes para a

reconstrução das entidades “[...] no final dos anos 1970 conseguiu construir um sentido de

unidade graças ao legado da ‘gloriosa UNE’ dos anos 1960 e graças ao seu posicionamento

contra a ditadura” (AZEVEDO, 2010, p.20). A UNE expressou duas identidades neste

momento: “[...] ela vivencia um lado cívico como uma organização não partidária,

representando todos universitários, mas por outro lado seus líderes como ‘cidadãos’ são

estimulados a participar dos partidos, como parte de seus deveres democráticos” (AZEVEDO,

2010, p.21). A afirmação da autora se baseia na resolução assinada pelo então presidente da

UNE, Aldo Rebelo, que dizia:

5SALIBA, Elias T. A utopia possível nos tempos dos jovens “caras-pintadas”. Jornal da Tarde, São Paulo, 19 jun. 1999. p. 5D.

25

1. A diretoria reafirma que, em princípio, a UNE é uma organização que é representativa de todos os estudantes brasileiros, independente de raça, cor, sexo, ideologia, ou crença religiosa; sendo, portanto, unitária, apartidária, não submetida a qualquer partido, e não afiliada a qualquer um deles.

2. Por essa razão, a UNE não delega a qualquer diretor ou estudante o poder de representá-la dentro da estrutura dos partidos. “Por outro lado, a UNE defende e estimula a participação dos estudantes, incluindo seus diretores, em partidos políticos, como uma opção individual, como uma forma de contribuição à luta democrática do povo brasileiro” (MISCHE, 2008 apud AZEVEDO, 2010, p.21).

Em sua dissertação, Mateus Pereira, Tecendo a manhã (2006), estuda as bandeiras das chapas

que concorreram ao DCE da Unicamp após sua abertura em 1978. Até 1982 as gestões foram

ocupadas por chapas influenciadas fortemente pela AP. Um dos objetivos da dissertação é

compreender o ME da Unicamp, coordenado pelas gestões, como parte do processo de lutas

mais amplo da sociedade brasileira contra o regime militar (PEREIRA, 2006).

O enfrentamento dos estudantes à universidade tinha caráter político. Ao comentar a Greve

das Humanas Pereira entende que a questão não era meramente econômica. A base social da

universidade era de pessoas da classe média vindas de São Paulo que poderiam pagar as

apostilas. Os estudantes tentaram politizar o debate, entendendo que a luta era pela

preservação da universidade pública gratuita. A greve não conseguiu manter a gratuidade das

apostilas, teve algumas conquistas como a disponibilidade de alguns materiais na biblioteca e

a contratação de mais professores, essa última reivindicação entrou como pauta durante a

paralisação.De modo geral os acontecimentos mostraram as dificuldades do ME da Unicamp

em fazer um movimento coeso uma vez que a exatas e biomédicas, apesar de solidários a

causa, não paralisaram suas aulas. Por isso surgiu à necessidade de centralizar o ME dando

origem aos debates de abertura do DCE.

Pereira também comenta o enfraquecimento do ME na Unicamp na década de 1980. Oferece

como explicação para esse descenso a partir das considerações de Menegozzo, Ribeiro Neto e

Martins Filho.

MENEGOZZO (2006) aponta para o encerramento de um ciclo no ME brasileiro, iniciado em 1977, com as manifestações de rua por mais verbas na educação e pelas liberdades democráticas, cujos últimos lampejos se dão com as greves nacionais puxadas pela UNE em 1980 e 1981. A fragmentariedadeidentitária e espacial aludida por RIBEIRO NETO (1985), somada às mudanças no perfil dos estudantes e das instituições de ensino superior citadas por MARTINS FILHO (1998), fornecem elementos que ajudam a compreender tal resultado (PEREIRA, 2006, p.171).

26

Para o autor, o ME foi importante naquele momento pela luta a favor das liberdades

democráticas e sua expressão na Unicamp teve participação direta nesse processo mesmo com

as debilidades internas (PEREIRA, 2006).

Roberto Beling Netoem seu artigoMovimento estudantil: os anos 70-80(1996) entende que no

final da década de 1970 surgiu na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)o mais

importantemovimento estudantil da história do Estado. Ao usar o conceito de geração, o autor

explica que em cada época se produz um novo espírito, que no momento tratado, incorporou o

tema dasliberdades democráticas. Mesmo admitindo uma heterogeneidade de grupos

presentes nessa geração universitária, o autor destaca um que melhor representou o espírito da

época: o grupo doPCB.

[...] conceito de geração comporta uma extensa e heterogênea multiplicidade de atitudes, ou seja, no interior de uma geração encontramos uma diversidade de concepções de vida e não uma característica universal. Podemos, portanto, ao falar de uma geração, estar identificando um de seus segmentos que mais bem expressa o espírito de uma época. (BELING NETO, 1996, p.141)

Beling compara as gerações estudantis de 1960 e 1970, a primeira criada ao sabor das

influências da Revolução cubana e que pegou em armas contra o regime militar em um

processo político que repercutiu para as gerações seguintes. No final dos anos 1970 “[...]

foram aqueles comprometidos com a mudança e o novo que simbolizaram uma época e uma

geração” (BELING NETO, 1996, p.143).

“[...] a luta estudantil do início da década [de 1970] não representou uma retomada do movimento em novas bases [...] os encontros nacionais por curso e os seminários técnico-científicos foram importantes no sentido de reconstrução de uma identidade política e lançaram as bases da reorganização do movimento” (BELING NETO, 1996, p.151).

Nacionalmente o movimento estudantil assumiu um papel de vanguarda pelas liberdades

democráticas numa sociedade desorganizada e desarticulada e essa afirmação serve também

para o Espírito Santo (BELING NETO, 1996).Assim como a Igreja, o DCE da UFES, sob a

gestão da chapa Construção, foi o ator político mais relevante da sociedade capixaba

(BELING NETO, 1996).

No campo partidário estadual, o autor nos diz que os dois partidos da época, Aliança

Renovadora Nacional (ARENA) e MDB eram uma confusa e indistinta federação de

lideranças políticas e suas pretensões não iam além de interesses locais. As fronteiras entre os

dois partidos não eram claras, uma vez que havia troca de membros de um partido para o

27

outro. O MDB do Estado não se colocava fortemente em oposição ao regime militar, com

exceção de alguns membros. Foi o surgimento do ME capixaba que deu nova característica a

esse partido e, a partir daí,passou a se enquadrar na contradição autoritarismo e

democratizaçãoem disputa na época. O ME ficou ao lado do sindicalismo e das pastorais

populares, dando nova dimensão às lutas políticas do Espírito Santo (BELING NETO, 1996).

A reclusão do ME da UFES foi reflexo de um acontecimento mais geral de crise do

movimento, que não se reconhecia mais como sujeito coletivo e movimento social. O

estudante já não se reconhecia no ME,essa experiência de construção de sua identidade social

se perdeu. BelingNetopondera sobre os efeitos da referida sociedade pós-modernasobre os

estudantes.

Em sua dissertação de mestrado, MargôDevos MartinA trajetória de uma geração política no

Espírito Santo:da universidade ao poder(2008)tomoucomo objeto de estudo um grupo

político específico que tem sua origem no movimento estudantil do Espírito Santo e foi

marcado por influências do PCB.Martin prioriza a segunda fase de movimentação do grupo.O

recorte utilizado é de 1980 a 1992, assim a autora foca na vida política-partidária, no entanto

ressalva que o grupo,

[...] influenciado pela luta estudantil, o momento político e os interesses em comum, ultrapassa o ambiente da universidade e tem reconhecida sua importância na política partidária, ao alcançar o mais alto posto do executivo da capital capixaba no ano de 1992 (MARTIN, 2008, p. 12, grifo nosso).

Portanto, o ME possibilitou ao grupo, além de outros fatores, reconhecimento perante a

sociedade capixaba e dele saíram pessoas que influenciam até hoje a política no estado.

O conceito de "capital político" empregado por BOURDIEU6(1986) se encaixa perfeitamente na realidade do grupo, já que ele indica o reconhecimento social que permite que alguns indivíduos, mais do que outros, sejam aceitos como atores políticos e, portanto, capazes de agir politicamente(MARTIN, 2008, p.169).

Martin entende que o ME capixaba do final da década de 1970 foi um importante ator político

na sociedade capixaba na luta pelas liberdades democráticas, uma bandeira levantada por

muitos setores da sociedade brasileira numa época de ressurgimento dos movimentos sociais.

Em outros lugares, como Rio de Janeiro e São Paulo, movimentos populares e sindicais já

estavam inseridos nessa luta de contestação ao regime e em direitos específicos.

6BOURDIEU, P. Representação política. Elementos para uma teoria do campopolítico. In: ______. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1986.

28

A autora constata nos depoimentos de alguns membrosa influencia do pensamento

gramsciano quanto “[...] a proposta de ‘guerra de posição’ ao contrário da ‘guerra de

manobra’, isto é, a construção da hegemonia ‘da classe’ através da conquista nas diferentes

instituições, em vez de partir para ‘relações políticas de força”(GRAMSCI apud MARTIN,

2008, p.44). Essa influência veio por meio do Comitê Estadual do Rio de Janeiro.No

depoimento de Paulo Hartung (MARTIN, 2008)o mesmo assume que o grupo tinha a

democracia como valor universal e cita a obra de Carlos Nelson Coutinho (1979) como

influênciadaquela geração de estudantes. No entanto, dentro do partido e do ME havia uma

estrutura vertical e que,para as assembleias estudantis da UFES, havia uma direção que

encaminhava 90% do que era decidido em grupos pequenos, segundo Nascimento (MARTIN,

2008).

Após o relato da primeira gestão do DCE, feita pela chapa Construção, Martin afirma que na

gestão posterior, a qual teve Claudio Zanotelli como presidente do DCE, a entidade perdeu

contato com a sociedade e a direção do ME, nas assembleias, ainda era do PCB, pois, na

maioria das votações, este grupo ganhava e, com o trabalho de base, voltaram à diretoria do

DCE pela chapa Hora de Mudar, com Estanislau Stein na presidência.

O trabalho de Renato Moreira,O movimento estudantil na Universidade Federal do Espírito

Santo (2008),tem comoobjetivo constatar as implicações que o grupo de estudantesvinculado

ao PCB trouxe para o cenário político capixaba quando se estabeleceu. Usando de entrevistas

para verificar a visão dos atores políticos a respeito dessa questão, houve unanimidade em

dizer que foram influenciadores nos rumos da política capixaba na época (MOREIRA, 2008).

O autor entende seu objeto de estudo como uma categoria social (um grupo corporativo que

trata de seus próprios interesses), mas,na dissertação, é tratado como grupo político, segundo

Moreira (2008), numa visão gramsciana.

[...] Tal entendimento se dápelo fato de o grupo em questão extrapolar suas atividades a outros âmbitos quenão somente ao dos seus interesses corporativos, por assim dizer. Sua atuação napolítica e nas lutas sociais da época, conforme mostram os relatos dosentrevistados, deixa bem claro que, até mesmo pelas circunstâncias políticasdaquele período, o grupo deixou de lado as atividades meramente “gremistas” para ir à luta contra a repressão política instaurada por setores conservadores dasociedade, aliados aos militares (MOREIRA, 2008, p.12).

29

Além de aceitar a influência do grupo na política capixaba no final dos anos 1970 e início dos

1980, o autorpercebe que internamente haviaareprodução de práticas políticas do partido: sua

organização estrutural e condução das ações junto aos membros do grupo pelas lideranças.

O autor optou, como referencial teórico básico para o trabalho,pelo marxismo grasmciano,

pois, segundo Moreira (2008), observou-se dentro do grupo características que apontam para

o conceito de hegemonia, que teve início no ME e depois se consolidou por meio da“[...] via

partidária no momento em que o grupo alcança o poder pela primeira vez ao eleger Paulo

Hartung prefeito de Vitória, em 1992, e governador do Estado por duas vezes consecutivas,

em 2002 e 2006” (MOREIRA, 2008, p.15).Afirma ainda que a opção pela linha gramsciana

da pesquisa é devido à aproximação do grupo com o eurocomunismo, que tem Gramsci um de

seus maiores influenciadores.

O autor concorda em dizer que realmente houve participação significativa do grupo na

política do estado, desde as atividades no ME e ingresso no PCB (ainda na clandestinidade), e

depois na política partidária com a entrada de seus líderes nesse meio. O PCB para o grupofoi

muito importante, os indivíduos que dele participaram afirmamemdepoimentosa influência na

formação ideológica, práticas políticas e vida pessoal,além de demonstrarem valorização das

leituras socialistas para uma prática política de disciplina e engajamento.

Além da linha do partido vinda desde a Declaração de Março de 1958, corroborando com o

trabalho de Martin, Moreira afirma que o grupo teve influências do eurocomunismo,

principalmente com base no artigo de Carlos Nelson Coutinho, A democracia como valor

universal (1979) 7. Moreira demonstra a concepção de Coutinho do eurocomunismo, que

entende a democracia como algo fundamental para a conquista, consolidação e

aprofundamento de uma sociedade socialista.

Encontramos no trabalho um depoimento de Dionary Sarmento Régis8 sobre a conduta dos

universitários do Espírito Santo e, para ela, esses jovens aparentemente seguiam a linha

gramisciana, algo diferente para o partido que tinha se formado, e possuía uma trajetória, sob

o marxismo-leninismo. Posto isso, Moreira assume que existiu uma luta interna no PCB do

7COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. In: SILVEIRA, E. et al.Encontros com a civilização brasileira. V. 9. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1979. P. 33-47. 8Dionary Sarmento Régis veio de São Paulo para ajudar na reestruturação do PCB no Espírito Santo. O trecho citado no trabalho de Moreira (2008) está em: RÉGIS, Dionary S. Diretas já! In: Escritos de Vitória, 16: movimentos sociais. Vitória: Prefeitura Municipal. Secretaria de Cultura e Turismo, 1996. (Escritos de Vitória, 16).p. 45-53.

30

Estado. Na visão de Régis, a atuação dentro do ME caracterizava a agremiação não como um

partido, mas como um movimento.

O grupo em questão teve forte poder de articulação no ME,as tendências de esquerda e suas

respectivas divisões já eram visíveis na UFES.Nas disputas pela direção do DCE, o grupo do

PCB ganhou três vezes até 1983. Logo na reabertura do diretório, em 1978, compuseram

majoritariamente a gestão, no ano seguinte perderam as eleições, voltando logo em seguida

em 1980 permanecendo como gestão até 1983. Neste ano, a chapa vinculada ao PT voltouà

entidade, a partir daí,

[...] o movimento estudantil entra em um processo de crise(não por causa do PT) com a falta de uma bandeira de luta que unisse novamente os ideários esquerdistas. Já não era preciso lutar contra o regime militar, pois ele havia deixado o poder para os civis. Já não era preciso lutar pela anistia, pois ela já era uma realidade. Enfim, a conquista palas liberdades democráticas, a essa altura, estava praticamente consolidada pela sociedade civil organizada. (MOREIRA, 2008, p.44).

A explicação para essa preferência pelaUnidade pode ser explicada, segundo Renato Moreira,

por José Augusto Guilhon de Albuquerque (1977). Moreira entende na leitura desse autor que

o ME é um movimento social composto por membros das classes médias urbanas, além disso,

“[...] A participação dos estudantes é tanto mais intensa quanto aorganização estudantil a que

estão afiliados é mais politizada” (ALBUQUERQUE apud MOREIRA, 2008, p.67) e

identifica o grupo de Paulo Hartung nessas características, ou seja, seus membros do mesmo

estrato social (classes médias) e o trabalho e engajamento atraíram o apoio dos estudantes.

No cenário nacionalcom relação à disputa das esquerdas, havia reflexos na universidade.

Existia um debate que pode ser representado pelas ideias de dois cientistas sociais: Luiz Jorge

Werneck Vianna e Maria Hermínia Brandão Tavares de Almeida. A defesa de Vianna era a

participação das esquerdas pelas vias políticas democráticas, institucionais, partidárias, no

entanto, para Almeida o processo se daria a partir das fábricas.Baseado nisso,Moreira explica

que o grupo político vinculado ao PCB buscava a hegemonia seguindo a linha gramsciana,

defendida por Luiz Werneck Vianna, infiltrando-se nas estruturas tradicionais na tentativa de

miná-las. Por terem essa postura, eram vistos dentro da universidade comoa ala direitista ou

reformista, ao contrário dos outros grupos que se consideravam mais à esquerda ou

revolucionário. A opção destes na busca pela hegemonia se dava mais pela atuação nos

movimentos sociais (mais especificamente as tendências que ajudaram na construção do PT)

dessa forma mostravam-se a comunidade acadêmica e assim poderiam ser eleitos, como

consequência desse trabalho de base.Os estudantes vinculados ao PCB não tinham essa

31

característica, sua atuação nos movimentos sociais era esporádica, em momentos específicos

ou extremos, como o exemplo da participação no caso das enchentes, ou no ocorrido em São

Pedro, narrado por Rosa Helena Stein, contra a ação da administração municipal de Vitória

em derrubar casas deste bairro, momento em que o grupo ficou junto à população. Isso não

quer dizer que o PCB não tenha tentado se inserir nos movimentos sociais, mas naquele

momento estes espaços estavam ocupados por outros grupos da sociedade (MOREIRA,

2008).Fernando Herkenhoff narra que a aproximação do PCB com os movimentos sindicais

na época se deu por intermédio de Cizenando Pechincha, advogado de grande parte dos

sindicatos que era simpático ao partido. Nas palavras de Herkenhoff “[...] nós não fomos

conquistando sindicato, formando gente na luta sindical. O Cizenando Pechinchacolocou

assim, no nosso colo, 40 [sindicatos]” (MOREIRA, 2008, p.50).

A formação de quadros do PCB dentro do ME se dava por uma estratégia chamada

“circulismo”, pela qual faziam leituras e debates de autores comunistas, entre eles Karl Marx,

Lênin, Trotski, Gramsci, Carlos Nelson Coutinho e Marta Harnecker. Segundo

WellingtonCoimbra (MOREIRA, 2008)existia a iniciação com a leitura de Harnecker,

passando por Lênin, depois Marx até Gramsci. A literatura trotskista era lida com certa

resistência. Outro membro do grupo, Stein, narra que procuravam entender as teorias políticas

dos autores citados a cima e analisar a realidade brasileira, também com base em autores

comoJosué de Castro e Leôncio Dadalmo. Além disso, outra estratégia,destacada por Moreira,

para os estudantes voltarem seus olhos para o grupo,era o uso de mulheres (consideradas

bonitas) em campanhas eleitorais, principalmente em centros onde a presença masculina era

expressiva ou quase exclusiva (exemplo do Centro Tecnológico). O contrário também

acontecia, ou seja, os homens mais bonitos visitavam os locais onde havia concentração

massiva de mulheres (cursos de Serviço Social e Pedagogia, por exemplo).

Acrescentando à discussão das disputas internas na UFES,Moreira levou em consideração a

divisão geográfica das posições políticas. Em matéria de A Gazeta, em 4 de outubro de 1979,

comenta-se a situação na universidade por conta das eleições para a comitiva que foi ao

congresso da UNE, e se percebe que,se o estudante saia do DA do Centro de Estudos Gerais

ou do Centro Tecnológico,era da chapa Multidão, ao passo que, se vinha do DCE, pertencia à

Unidade. Para o jornal, essa última estava levando vantagem, o que erarechaçado pelos

concorrentes. Membros da Multidão acusavam a Unidade de usar a máquina a seu favor, mas

argumentavam que nas propostas ficaram em desvantagem.A rival retrucou, dizendo que

32

estavam pagando pessoas para retirar seus cartazes pela universidade. Paulo Hartung, na

mesma reportagem, entendia que existiam “picuinhas” pessoais criadas dentro do ME.

33

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Os estudantes, nos anos 1960, resistiram ao regime militar, impulsionados pela luta contra a

reforma universitária. A questão educacional fora debatida desde o início do governo João

Goulart e a UNE esteve nesse debate atuando de modo significativo na construção de uma

nova educação superior. O golpe levou outros problemas para a sociedade brasileira

(autoritarismo, repressão), os quais motivaram, juntamente com as questões educacionais, as

manifestações mais radicais dos estudantes, chegando ao ápice de 1968.

Os anos 1970 entraram com a reforma universitária. Houve um grande aumento do número de

vagas no ensino superior, consequência da proliferação de faculdades particulares, além de

mudanças nas universidades públicas caracterizadas por um ensino tecnocrático, voltado aos

interesses capitalistas. A resistência a essa reforma ainda no início de 1970 refletiu uma

característica nas aspirações do movimento estudantil na luta por um ensino que, não

exclusivamente, atendesseàs necessidades do mercado. O ME conseguiu ressonância em

1977, quando novamente surgiram grandes manifestações estudantis, entrando no movimento

mais amplo contra o regime militar, tendo como principal bandeira as liberdades

democráticas.

Durante a década de 1970, encontramos movimentações nas universidades reivindicando

demandas específicas dos estudantes preocupados com a sua formação de qualidade e em

defesa do ensino público superior, sem esquecer-se de fazer ataques ao regime autoritário. As

açõesnão eram de embate direto, os estudantes, como mostram Pellicciotta, Müller e Pereira,

buscaram ir alémda cultura oficial, do ensino tecnocrático, do autoritarismo do governo e das

universidades.

As organizações políticas de esquerda, na clandestinidade, ajudaram a levantar o ME. Na

segunda metade da década apareceram publicamente, organizadas dentro das universidades,

nas chamadas tendências. No trabalho de Pellicciotta encontramos ainda referências que nos

permitem visualizar outros elementos integrantes das movimentações estudantis, como a

contracultura,a emergência de outras questões, ligadas ao corpo, o uso de drogas,contra as

opressões e a favor das liberdades individuais. Algumas tendências, a exemplo da Refazendo

e da Liberdade e Luta incorporaram essas novidades. Particularmente, a Libelu, como afirma

Pellicciotta, foi um grande fenômeno na USP, que a nível nacional, foi uma universidade

referência de movimentações estudantis. A autora entende que o contexto era outro e que as

34

tradicionais formas do ME (hierarquização das entidades, vanguardismo, disputa partidária)

não conseguiram aglutinar os estudantes após 1977, pois as práticas das tendências afastaram

os demais estudantes do movimento. Quanto à desarticulação do ME no final da década de

1970 e início da década de 1980, Pellicciotta entende que as práticas dentro do movimento

protagonizadas pelas tendências políticas não respondiam mais aos anseios dos demais

estudantes. A identidade estudantil também mudou, já não tinha as mesmas aspirações do ME

de 1968 no Brasil.

Autores como Müller e Azevedo colocam o ME como o primeiro a se levantar pelas

liberdades democráticas. Após este ano, houve o descenso gradativo do movimento a ponto

de, na década de 1980, ser um ator social de segundo plano como afirma Beling Neto. Temos

que considerar o surgimento do movimento democrático mais amplo, a crise política e

econômica do regime antes mesmo das grandes manifestações de 1977. Não podemos

descartar o papel que os estudantes tiveram de contestação ao regime, mas podemos

questionar a suas limitações nas lutas sociais, levando em conta o papel dos estudantes na

sociedade e o exemplo da desmobilização estudantil na luta pelas liberdades democráticas,

tendo em vista que a nova democracia brasileira se efetivou com as eleições de 1989.

A partir do final da década de 1970, mesmo alguns autores afirmando o descenso do ME,

assistiu-se na UFES uma euforia na eleição que reabriu o DCE e elegeu a chapa Construção.

Dentro da universidade existiram vários grupos que disputavam o ME depois da reabertura do

diretório. Em Martin e Moreira temos depoimentos de participantes da tendência

Unidade/PCB, mas inexistem outras visões do processo de reabertura da entidade, das

eleições ou das disputas.

Para explicar essa aceitação dos estudantes à chapa Construção, Beling Neto usa o conceito de

geração e entende que os estudantes comunistas expressaram melhor o espírito da época,

sendo os mais representativos dos estudantes na busca pelas liberdades democráticas. Essa

assertiva requer verificação, pois a bandeira das liberdades democráticas foi levantada por

vários setores da sociedade e grupos políticos diversos, até mesmo fora da ideologia de

esquerda, assim como, dentro da própria universidade, havia outros grupos que também

lutaram pela democracia, mas com diferenças na forma de luta. Os comunistas entendiama

construção de uma frente única centralizada no MDB a melhor opção, ao passo que os outros

grupos priorizavam a construção do PT e atividades nos movimentos sociais. Tais espaços

eram dominados por esses grupos, compostos de estudantes e membros da igreja.

35

Apesar do PCB ter ocupado por três vezes o DCE dentre 1978 a 1983, as disputas dentro do

ME nem sempre penderam para o lado dos comunistas. Uma evidência nos é revelada quando

Fernando Pignaton declara em depoimento a seguinte afirmação,

[...] a política dos Centros Acadêmicos não vem pela nossa mão. Elas vêm pela mão da esquerda trotskista, que entende do conceito C.A. e C.A. livre, versus os Diretórios Acadêmicos. Tem algum momento em que todos nós nos envolvemos com o tema e isso vira uma política de todos, mas ela é introduzida no contraditório à nossa posição. Nós éramos os reformistas [...] (MARTIN, 2008, p.38).

É curiosa a aceitação que o grupo do PCB conseguiu na UFES pelos demais estudantes na

primeira eleição para o DCE em 1978. Das eleições de 1979 até 1982, no entanto,temos

poucos detalhes da participação estudantil. O ME capixaba, nestes quatro anos, se mostrou

com alguma vitalidadenão somente em período eleitoral. Foram realizadas assembleias que

lotaram o ginásio de esportes do Centro de Educação Física, manifestações nas ruas de

Vitória, atuação em movimentos sociais, interferências na própria universidade, uma greve de

estudantes, além de atuarem na reconstrução das estruturas do movimento, tanto estadual,

quanto nacional.

Martin e Moreira explicam a tática usada pelos estudantes comunistas para agregar pessoas ao

grupo: era o chamado “circulismo”, onde se debatiam textos de teoria marxista e questões da

luta estudantil. Moreira explica que os grupos usavam táticas diferentes para conquistar a

hegemonia dentro do ME. Enquanto os comunistas apoiavam e participavam das campanhas

de candidatos do MDB em momentos de eleições, os outros grupos se colocaram em

movimentos sociais, pois entendiam que a preferência dos estudantes seria consequência

desses trabalhos. Na percepção de Paulo Hartung (em depoimento em outro trabalho, existiam

“picuinhas” pessoais dentro da UFES).

É certo que, assim como outros lugares do país, no Espírito Santo o ME entrou em descenso

em meados dos anos 1980. Existiam reclamações das velhas práticas do ME, causando

repúdio até mesmo naqueles que participavam do movimento e integravam tendências.

Cansados das disputas dentro da UFES, alguns começaram uma movimentação diferente,

como foi a “Turma do Ócio”. Grupos como este eram alternativas aos grupos “organizados” e

tinham outra relação com a prática política. Carregaram características da contracultura,

assimilaram questões relacionadas ao corpo, opressões e uso de drogas. Essas novas

movimentações evidenciaram, talvez, a nova identidade estudantil e suas experiências na

universidade.

36

Sem dúvidas, como podemos constatar, a história do ME tem relação direta com a história de

partidos políticos, principalmente da esquerda, já que o movimento é um dos meios que desde

muito tempo se pretende conquistar como tática das agremiações. Assim, as tendências

estudantis tiveram influências de suas respectivas agremiações partidárias, ou organizações

políticas, fora da universidade. Na UFES, vemos ainda maior essa relação em um segmento

do ME do capixaba. O PCB na década de 1970 foi reerguido por estudantes universitários que

queriam se organizar e na época esse partido era próximo às suas concepções políticas.

Martins Filho em Movimento estudantil e militarização do Estado no Brasil (1986) e em

Movimento estudantil e ditadura militar (1987), estuda o papel político dos estudantes

universitários na década de 1960 e as grandes manifestações de 1968 no Brasil, pois as

análises feitas geralmente não são aprofundadas. Produziu-se,e ainda se produzuma mitologia

do movimento estudantil reforçada pelas lideranças do ME quando se afirma que os

estudantes sempre estiveram lutando ao lado povo brasileiro, “[...] é impossível atribuir a esse

movimento um caráter genérico e imutável, conferindo-lhe conteúdos e objetivos

permanentes" (MARTINS FILHO, 1986 p. 4). Segundo o autor, do ponto de vista teórico

cabe criticar a perda do caráter concreto e específico das mobilizações estudantis em

momentos históricos diversos. O movimento estudantil de 1968 teve seu ápice de atuação

com grandes mobilizações e radicalidade entre março e julho. Após esse período, o ME não

conseguiu mais os mesmos feitos do primeiro semestre e os esforços ficaram na construção do

30º congresso da UNE. Dentro desse processo, ficaram marcadas as disputas entre as posições

dentro do movimento. Com a desmobilização, a luta armada passou a ser uma opção aos

estudantes que queriam seguir na resistência contra a ditadura. A posição de fazer o congresso

de forma clandestina ganhou, mas o encontro fracassou e várias lideranças foram presas.

O autor começa o capítulo 1 de seu livro com a seguinte pergunta: “[...] como se deu a

participação do movimento estudantil universitário no processo político brasileiro de 1964 –

1968?” (MARTINS FILHO, 1987 p. 15). Na perspectiva de Martins Filho os estudantes

universitários são oriundos de uma classe: a classe média, constituindo uma categoria social.

Com base em NicosPoulantzas9 entende que "[...] as categorias sociais tem elas mesmas uma

adscrição de classe: estas categorias não são grupos 'a margem' ou 'fora' das classes, como tão

pouco são, como tal, classes sociais" (apud Martins Filho, 1986 p. 8). No entanto, a relação

dos estudantes com o aparelho escolar e as condições particulares de sua atuação política não

9 POULANTZAS, Nicos. As classes sociais. In: Estudos CEBRAP, nº 3, 1973.

37

permitem confundi-los com a classe da qual originam. Os estudantes podem se constituir

autonomamente, em seu funcionamento político, da sua classe, assim, podemos analisar o

comportamento político dos estudantes a partir do pressuposto da incompatibilidade das

reivindicações estudantis com os interesses de sua classe de origem, e ainda, o radicalismo

estudantil não tem necessariamente caráter revolucionário. É importante ter em mente o

caráter heterogêneo da classe média que não pode ser caracterizada somente pelo caráter

econômico. A classe média seria uma invenção da classe dominante e do Estado capitalista, é

um efeito da estratificação social e se fundamentaria na distinção entre trabalho manual e

trabalho não manual. A classe média se definiria como o conjunto dos efeitos políticos

produzidos sobre certos setores do trabalho assalariado pela ideologia dominante. Essa

definição, para o autor, é de grande importância para análise do tema de seu trabalho. A classe

média sempre poderá fazer alianças com a classe operária, mas está descartada a fusão, ou

integração a classe operária, o que era um pressuposto das análises sobre o ME (MARTINS

FILHO, 1986).

Dos trabalhos sobre ME no Brasil, analisados por Martins Filho, se toca na autonomia

ideológica e na falta de vinculação social do movimento, perdendo a relevância de sua

adscrição de classe, e dão relevância a "condição estudantil" ou a "condição juvenil" mais do

que a situação de classe. O jovem estudante da classe média socialmente define-se enquanto

categoria pelas relações de manutenção e de dependência que mantém com sua família (essa

relação com a família é a expressão mais evidente de sua situação de classe). Os jovens se

transformam em universitários e sua dependência perante a família não é somente econômica.

Existe também o vínculo de retribuição do projeto familiar que atribui ao jovem estudante o

papel de continuador da história da família. O objetivo final seria a conquista de ascensão

social da família e da própria classe. Ao se inserir na produção o estudante não se enquadra

necessariamente na situação básica e simples de produtor e oprimido, mas sim redefine a

relação com a família e não transforma os vínculos de classe do estudante (MARTINS

FILHO, 1986). Para MarialiceForacchi10 (1977), ao complementar sua manutenção pelo

trabalho “[...] o estudante deixa de estar vinculado à família, quer dizer, nega-se como parte

da família para integrar-se ao sistema como agente de classe" (apud MARTINS FILHO, 1986

p.16).

10 FORACCHI, Marialice M. O estudante e a transformação da sociedade brasileira. 2ª edição, São Paulo. Editora: Nacional, 1977.

38

A natureza do estudante se situa sob o duplo aspecto: de participante de um mecanismo de

exploração (universidade) e objeto de um mecanismo de proletarização (trabalho). Ao

contrário do que se pensa o contato com o conhecimento e o saber não modificam a condição

de classe do estudante, pois o conhecimento não é neutro, tem posição definida dentro da

estrutura hierárquica e pode acabar reproduzindo a lógica dominante. O trabalho parcial não

pode ser comparado ao trabalho operário e daí surgir uma consciência revolucionária. “[...] a

complexidade da condição estudantil não permite a sua definição apriorística como

potencialmente ‘revolucionária” (MARTINS FILHO, 1986 p. 17).Não se trata de um

engajamento revolucionário no estilo clássico, Martins o coloca com um potencial

revolucionário, ou seja, a polarização de uma camada originalmente ligada às forças

tradicionais.

Como explicar o engajamento radical dos estudantes? O estudante é um “vir a ser”, está em

transição para ser um profissional. O projeto do estudante é sua própria profissão e a relação

criada entre estudante e seu projeto assume uma importância fundamental para a consciência

radical. O universitário visualiza o padrão vigente da carreira como antecipação do se futuro

profissional. A partir daí, pode-se criticar esse padrão profissional tendo em mente o ideal de

carreira que se choca com as reais condições da profissão. Os estudantes reivindicam questões

voltadas à suas carreiras, a partir daí vem à percepção dos limites sociais a suas ações e

compreende as limitações da classe. O estudante percebe que seu futuro é incerto assim como

o da sua classe de origem. Dessa forma, o radicalismo estudantil tem sua origem na sua

condição de classe, sua situação como jovem universitário, descartando fatores externos como

o contato com o conhecimento ou a equiparação com a condição proletária (MARTINS

FILHO, 1986).

O movimento estudantil, então, tem influências da classe de origem dos estudantes e pode se

somar características específicas do ambiente estudantil de abertura aos interesses e

influências de outros grupos sociais (partidos políticos, igreja), e certa flexibilidade devido à

condição transitória e das particularidades do espaço e tempo estudantil. Podemos entender,

assim, porque uma das alternativas do ME seja a aproximação com as classes populares. O

apoio e a aliança com a classe trabalhadora muito forte nos anos 1960 deturpa a análise sobre

o movimento por aqueles que são simpáticos a essa união. Essa aliança, no entanto, não

implica a identificação social ou fusão com objetivos populares.

39

O conceito usado por Foracchi, seguindo essa concepção, foi o de dialetização da ascensão,

para analisar o conteúdo do radicalismo estudantil, da maneira como este se expressou nos

documentos das entidades estudantis no início da década de sessenta. A conclusão é que no

início desta década colocar o ME como um movimento que integraria a revolução brasileira

expressaria o objetivo pequeno-burguês de liderar o processo revolucionário. Procura-se

dialetizar a ascensão, que seria ajustar esse projeto a concepção revolucionária que era

valorizada na época. É uma "revolução" que almeja envolver toda a nação, que se dirige ao

povo, mas que é limitada pelo caráter pequeno-burguês de seus agentes (MARTINS FILHO,

1986).

No interior do ME também existe uma peculiaridade, na verdade existem dois níveis de

análise sem dúvida inter-relacionada, mas que tem um grau de autonomia. É necessário

considerar, além das práticas de massa, a especificidade das práticas e das orientações

ideológicas da vanguarda. No conjunto do movimento, ou, da "massa" estudantil nem sempre

as práticas e as orientações se expressam diretamente ou sem interferência do que elaborou a

vanguarda, ou seja, às vezes a "base" interfere nos rumos do movimento, como vimos a cima

no depoimento de Fernando Pignaton.Não podemos, portanto, colocar a vanguarda como a

expressão do movimento.

Uma limitação da teoria usada é que, segundo Foracchi, não se abre espaço para considerar a

possibilidade de que a vanguarda estudantil avance no sentido da superação de seus limites de

classe. Martins Filho conclui que:

A luta dos setores médios pela “abertura” da universidade esteve presente como reivindicação central em todo período, radicalizando-se progressivamente, da denúncia de ‘privilégios de ser estudante’, em 1961, à posição da Universidade Crítica, em 1968 (MARTINS FILHO, 1986 p. 265).

Os estudantes pediam em 1968 mais verbas e mais vagas e na década seguinte, apesar de não

terem conseguido efetivar todas as reformas colocadas pela USAID, os militares concederam

mais vagas por meio principalmente a partir do incentivo de abertura de faculdades particular.

Do mesmo modo, podemos fazer aquela pergunta de Martins Filho para o Estado do Espírito

Santo, em um período o qual se viu uma forte ascensão do ME capixaba. Os estudantes,

dentro do processo mais amplo de abertura política do Estado brasileiro, levantaram a

bandeira das liberdades democráticas, mas outros fatores podem ter contribuído para aquele

movimento, que em 1978 emergiu e ganhou importância na sociedade capixaba.

40

5. ANÁLISE DA FONTE

Saindo da perspectiva e memória do grupo do PCB, neste trabalho entrevistamos Cláudio

Zanotelli, que atuou majoritariamente como oposição aos comunistas. Citamos acima que

Zanotelli foi presidente do DCE em 1979/80, após a renúncia de Luiz Cláudio Ceolin, caso

que aparentemente não houve motivações políticas ou conflitos entre a chapa“[...] Isso é uma

coisa que a gente não sabe [...] são questão de ordem pessoal, que eu não sei se são

verdadeiras ou não, relações pessoais que poderia eventualmente ter levado ele a

renunciar”(ANEXO A).

Nosso entrevistado é de uma família de camponeses do interior do estado. Veio para Vitória

ainda novo, pois o pai se viu obrigado a abandonar o trabalho no campo devido a política de

erradicação do café nos anos 1950. Zanotelli cursou o ensino básico em várias escolas da

capital. Quando estudante do ensino básico, desde os 12 anos de idade, também trabalhava.

Ao fazer vestibular para Economia o fez pela afinidade que teve com a área, pois trabalhou

em um banco. Entrou na UFES no segundo semestre de 1978, após ser chamado na lista de

suplência. Mesmo se não fosse chamado, entrar na universidade era um objetivo “[...] fiquei

como suplente e fui chamado no segundo semestre, quando eu já estava fazendo pré-

vestibular no ano seguinte, aí eu abandonei o pré-vestibular e entrei aqui, no segundo

semestre de 1978” (ANEXO A).

Era final dos anos 1970, portanto, e as universidades estavam inseridas no momento político

do país. O regime militar estava desgastado e já haviam sido realizadas grandes manifestações

estudantis em 1977. O clima ainda era tenso, afinal, a repressão não tinha acabado. Os

estudantes que estavam cursando o ensino superior na UFES percebiam o momento de luta e

medo da Ditadura.

Eu era um estudante interessado em participar, em criticar, em fazer as coisas, né, eu acho que o meu primeiro insight, assim quando eu entrei aqui, foi um trabalho com o Bogéia, que era um professor de Português, que era jornalista da Gazeta, faleceu há pouco tempo atrás, que tinha passado para mim, para nós, sobre a questão do... [...] um trabalho de português, lá. E que eu peguei os jornais da época, alternativos, que se diziam alternativos, Opinião etc. E fiz uma resenha mostrando quantos exilados tinham, os perseguidos e tal, e ele achou o trabalho muito bom e me deu dez para o ano todo, e eu acho que aquilo me despertou também, e ao mesmo tempo quando eu falava os meus colegas ficavam tudo com medo [faz som e sinal de silêncio], quer dizer havia ainda uma paranoia, acho que foi naquele momento, assim, então quando eu entrei e que me levou a me politizar bastante [...] (ANEXO A).

41

A militância no ME aconteceu com menos de um ano de vida universitária, já no primeiro

semestre de 1979. O CCJE foi uma das referências dentro do campus de Goiabeiras. Zanotelli

entrou para a chamada “base” daqueles que estavam há mais tempo no ME e dominavam o

cenário político do campus: o grupo do PCB/Unidade. Ou, como o entrevistado chama: a

Reforma.

Em 1979 os estudantes da UFES participaram do congresso de abertura da UNE em Salvador,

na Bahia. Zanotelli, segundo ele mesmo, começou a perceber como era a estratégia do PCB

dentro do ME. A cooptação de mais membros era prática recorrente, característica de um

movimento organizado. Outras tendências que apareceram na universidade após a reabertura

do DCE também tiveram essa prática, não foi exclusividade dos comunistas, como esclarece

no trecho abaixo ao comentar da tendência a qual fez parte:

[...] a gente tinha reuniões para discutir textos, tinha base de cooptação [...] tinha vários círculos, né, tinha o primeiro círculo que era a gente, depois o segundo círculo, depois o terceiro círculo, então tinha o círculo daqueles que tinham contato com a clandestinidade, com o partido clandestino que era o partido (ANEXO A).

Mas naquele momento, antes de entrar em alguma tendência,existia o descontentamento, em

primeiro lugar com a Ditadura, e em segundo lugar, dentro do ME capixaba, com as práticas

políticas tradicionais do movimento. Por entender assim, Zanotelli encampou, juntamente

com outros estudantes, um movimento de oposição ao PCB e que chegou a disputar o DA do

CCJE. Pretendiam fazer um movimento autônomo, sem a influência de partidos, sem a

hierarquia comum existente no ME.

“[...] E aí no CCJE teve esse primeiro contato como partido comunista e eu fui entendendo um pouco o que era, e a gente foi tomando uma certa distância, aí, com meus colegas de turma, ou de outra turma, foi-se construindo um processo crítico ao que era o Diretório Acadêmico na época e a gente começou a pensar numa chapa...” (ANEXO A).

Nas eleições para o DA do CCJE a chapa Novos Rumos acabou perdendo, por muito pouco.

Mesmo assim, a disputa não cessou. Como havíamos mostrado na afirmação de Fernando

Pignaton, dentro da dissertação de Renato Moreira (2008), revelou-se que a abertura de CAs

foi de encontro à posição dos comunistas. Isso foi quebrando a hegemonia do PCB entre os

estudantes.

“E aí, quando a gente faz isso, e nós perdemos a eleição, e como já existia um movimento nacional de criação do Centro Acadêmico nós começamos a “botar fogo” para criar Centro Acadêmico, aí foi nesse ano e no ano seguinte foi-se criando

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Centro Acadêmico [...] foi perdendo o poder, na verdade, o controle que eles tinham [...]” (ANEXO A).

O ambiente político na universidade mudou com a chegada de outras tendências de esquerda.

Como disse Zanotelli, o PCB estava no campo progressista, de combate a Ditadura, mas com

posição muito conciliadora dentro da UFES. Devido a aliança da reitoria com o DCE na

gestão da chapa Construção, conseguiu-se trabalhar sem muitos problemas de estrutura. Os

atos mais radicais, no entanto ficavam por conta dos outros grupos, tanto dentro da UFES

quanto nas manifestações de rua. Quando questionado se o grupo do PCB participava das

manifestações, Zanotelli respondeu que:

[...] em geral ele vinha, mas nunca puxava, sobretudo quando eram as mais radicais eles tinham medo, mas eles participavam das manifestações, né, eu lembro de uma manifestação que a gente começou a gritar no centro de Vitória, jovens, impetuoso “[...] pela revolução [...]” (ANEXO A).

Com o surgimento de outros grupos, a Unidade teve que dividir espaço e ganhou uma forte

oposição. Nas eleições de 1979, um ano após a reabertura do DCE, a chapa Alternativa reuniu

estudantes dos centros da universidade, e de posições diversas. Pelo histórico, o grupo do

PCB teria maiores chances de ganhar, era um grupo organizado presente em vários centros da

UFES. Ficou difícil, no entanto, com a junção das outras tendências em derrubar o grupo. A

questão era de divergências políticas, nos discursos e nas práticas.

[...] eu digo havia diferenças quando você conhece internamente as coisas, né...mas o debate teórico, uma coisa por exemplo... [...] o PT, por exemplo, o PT surge em 80, por aí...se esquece muito, mas ele é muito produto, como eu falei agora pouco, de todas essas forças de extrema esquerda, e da Teologia da libertação, e dos movimentos sindicais de querer, criar uma nova perspectiva do proletariado, das camadas populares e tal, que não passasse mais nem pelo partido comunista, nem pelo MDB, nem por alianças de espúrias de isso e aquilo, nem por “frentão” nenhum, mas que tivesse uma perspectiva, digamos assim em parte pelo menos, revolucionária, né, o discurso do PT levava em consideração no início muitas teorias revolucionárias de vários grupos que estavam dentro do PT, donde a Centelha, a DS, a AP, o MEP e todos esses grupos, “grupúsculos” de extrema esquerda saindo da clandestinidade, que tinha um discurso obreirista, ou a Libelu, Liberdade e Luta trotskista e etc, se contrapunham muita a essa perspectiva reformista e tal, e isso aí, o fato de entrar no PT, o PT foi uma espécie de canal de todas essas insatisfações tanto sociais e econômicas, com a ditadura e tudo na época, como o canal também, é...das insatisfações com a política de esquerda que era feita, clandestina ou não, até então, tanto do PCB quanto do PC do B, né, acho que isso não dá para esquecer. (ANEXO A).

A gestão da chapa Alternativa foi de 1979 a 1980. Nesse um ano de atividade foi marcante a

greve que mobilizou grande parte dos estudantes, a UFES ficou parada por três semanas. Em

uma assembleia que teve ampla participação dos estudantes “[...] tinha mais de cinco mil

pessoas eu acho [...] acho que o campus todo estava lá, pra você ter uma ideia do que as

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pessoas estavam querendo” (ANEXO A), deliberou-se a greve estudantil, assim como

nacionalmente a UNE havia decidido no mesmo ano. O DCE optou por fazer oposição à

reitoria, colocar questões internas juntamente com reivindicações gerais. A pauta dos

estudantes capixabas tentou se colocar de acordo com as condições do cotidiano acadêmico.

[...] mais meios para estudar, mais professores, aqueles percentual até hoje de 12%, né, dez ou 12% para a educação, tinham tantas coisas locais como gerais, era infraestrutura...na época...iluminação para o campus, por exemplo, tinha problemas já na época de...aconteceu coisas de assalto aqui, atropelamento, já na época, imagina isso, que tinha pouco carro, né...fazer lombada, não existia essa coisa de radar nem nada, então...o campus era aberto, tinha um série de reivindicações de ordem cotidiana de melhorar a vida cotidiana da gente, né. (ANEXO A).

[...] as pessoas estavam por aqui [faz gesto de limite no alto da cabeça] com tudo, na realidade, com a ditadura, com o Estado autoritário, com os militares...por isso que eu te digo que a explosão era muito por aí, também, né; com a as injustiças com o estado da universidade, com o estado da educação, quer dizer [...] essa crítica tem mais de trinta anos, não é (ANEXO A).

Fora da universidade os estudantes também se manifestaram. O momento político era

favorável e aglutinava muitas pessoas. Ainda em 1979 por conta da usina atômica de Angra I,

os estudantes saíram em passeata contra a pretensão de trazer o lixo nuclear para o estado.

Além disso, tinha a bandeira “[...] pela Anistia, geral e irrestrita; a gente participou de várias

manifestações no centro de Vitória, contra a tortura também, participamos de várias

manifestações” (ANEXO A). O ME capixaba ainda tentou resgatar outra estrutura: a UEE.

Era um movimento nacional de recuperação das antigas entidades. O DCE da UFES já estava

funcionando e estava na sua segunda gestão. A UEE, no entanto, é uma entidade civil, de

todos os estudantes do estado, por isso foi necessário sair dos muros da universidade.

[...] pela recriação, refundação da [...] UEE, a gente começou, eu lembro que fui à Colatina, à Cachoeiro, como presidente do DCE, para mobilizar os estudantes, para a gente fazer uma reivindicação de recuperar aquele...a sede da UEE [...] e não sei o que deu isso hoje em dia da UEE, mas isso era uma das nossas bandeiras (ANEXO A).

Após a gestão da chapa Alternativa, o grupo do PCB conseguiu se eleger com a chapa Hora

de Mudar. O presidente era Estanislau Stein. Nesse momento as tendências estavam muito

inseridas no ME. Zanotelli concorreu à reeleição, já aproximado da Centelha, de caráter

trotskista. Os grupos começaram a divergir e cada um pretendeu montar uma chapa para

concorrer ao DCE.

[...] o pessoal do CCJE [...] aproximou da Centelha e também algumas pessoas da educação física, do Centro de Arte, e outras pessoas se aproximaram da AP, Reinaldinho, Wilson. [...] o Vanderlei, o irmão do Reinaldinho Centoduccate e tal...então todos esses grupos, que tinham mais ou menos suas impostações nos

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centros diferentes, aí começaram a brigar muito, né, e a gente tomou a dianteira e começou a preparar uma plataforma, fizemos um projeto legal, eu, Hernandes e tal, em [19]80, pra ser candidato à reeleição e o...e aí, a gente tinha grandes chances de ganhar por outros grupos já estavam bastante desmobilizados, os outros grupos, e aí [...] teve uma reunião do conselho lá de entidades de base acho que chamava na época, o CEB [conselho de CAs e DAs] no DCE e o pessoal do MEP, do Reinaldo e tudo, fez ali uma aliança com o Partidão para transferir a data da eleição [...] é o que a gente supõe, isso são só suposições, né [...], mas na hora do voto concreto eles votaram junto [...]” (ANEXO A).

A entrevista com Cláudio Zanotelli mostra claramente a inserção de vários grupos e partidos

no ME capixaba, foram por meio deles que os estudantes se tornaram agentes políticos na

universidade e na sociedade espiritossantense. As críticas às formas hierárquicas estavam

presentes. No entanto, mesmo Zanotelli que foi um dos responsáveis pelo movimento Novos

Rumos no CCJE, em determinado momento se aproximou do grupo organizado Centelha.

Fazer parte de alguma tendência era comum naquele naquela época, mas outras formas de ME

surgiram. Nosso entrevistado e outros estudantes, procurando sair do tradicional começaram o

movimento “Turma do ócio”. Este abarcou pessoas ligadas às varias tendências desejando

romper com a hierarquia do movimento.

“[...] fiquei dois anos nessa história, dois anos e pouco, eu tomei minhas distâncias e parti para outras coisas que eram políticas e começamos a questionar essa organização partidária...esses organismos partidários, que aí eu sai da Centelha, junto com outras pessoas e depois outras pessoas saíram do Partidão, também [...] formamos um grupo em forma anarquista que se chamava, que deram o nome, mas que nunca teve fundação nenhuma, que era o “Grupo do Ócio”, na época (ANEXO A).

Nesse momento, já no início dos anos 1980, existiu a experimentação de um ME menos

centralizador, que continua sendo político e atuante dentro da universidade. Não é algo

exclusivo da UFES. Pellicciotta (1997) demonstrou que as movimentações de muitos

estudantes em várias universidades pelo país, ainda nos anos 1970, tiveram características

parecidas, com críticas as antigas movimentações.

“Turma do Ócio” que ficou meio pejorativo, depois, né, mas que na realidade a gente teve ações políticas importantes, assim, né...tipo, a gente organizava debate, seminário, manifestações de rua, a gente ia para as assembleias que o Partidão organizava, questionava politicamente, questionava os grupos, o autoritarismo, a liberdade do corpo, a gente refez um pouco o maio de 1968 um pouco tardiamente na realidade...então a gente passou, para você ver, de um movimento, eu passei em particular, mas outros também, de outros movimentos partidários (ANEXO A).

O ME da UFES de 1978 a 1982 teve grande vitalidade e movimentações distintas como

podemos observar. A bandeira das liberdades democráticas foi importante dentro do cenário

de luta dos estudantes, mas ainda, o ensino superior gratuito não podia faltar como desejo do

ME. “Era a nossa pauta principal em qualquer lugar” (ANEXO A).

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6. CONCLUSÃO

Seguramente um movimento social, o ME é constituído por uma categoria social e possui

alguns limites de atuação. Por mais que se coloque a frente de certas movimentações, como

afirma Mendes Júnior, ou tenha sido o primeiro a se levantar pelas liberdades democráticas

em meados da década de 1970 (AZEVEDO, 2010), o ME e os estudantes não podem ser

considerados a vanguarda da sociedade na busca por transformações radicais da estrutura

estabelecida.

O movimento estudantil passou por algumas fases, de acordo com as conjunturas, e os

interesses específicos estiveram na pauta de reivindicações dos estudantes. Por vezes,

associaram a questão educacional com os problemas nacionais. No final da década de 1970 a

bandeira pelas liberdades democráticas não deixou as questões educacionais de fora das

reivindicações.

No movimento, encontramos posições diferentes ao longo da história. Aqueles que entendem

que os estudantes sempre assumiram posições de esquerda, se aliando à classe trabalhadora,

não percebem que em algumas épocas os eventos contradizem tal concepção. A hegemonia do

ME está em constante disputa, seja por questões ideológicas, seja por concepções de luta.

Apresentamos acima algumas linhas que disputavam o ME nos anos 1970: os comunistas

(membros do PCB), os trotskistas, os maoístas e até mesmo aqueles considerados

independentes. Por mais que o ME se coloque algumas vezes como vanguarda, esta seria uma

característica de um movimento de massa onde um grupo, constantemente presente na luta,

vira referência. Não é o movimento estudantil, a vanguarda revolucionária historicamente

atribuída à tradição marxista-leninista.

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7. REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Lúcia R. O papel da UNE no movimento estudantil na segunda metade do século XX.Educação, cultura e comunicação, Lorena, v. 1, nº. 2, p. 7-22, 2010. Disponível em: <http://publicacoes.fatea.br/index.php/eccom/article/view/402%5D>. Acesso em: 12 fev. 2013.

BARBOSA, Andreza. A (des) articulação do movimento estudantil:décadas de 80 e 90.Educação: teoria e prática, v. 10, nº 18, p. 5-14 Brasil. 2002.Disponívelem: <http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/1139/1045>. Acesso em: 10 jan. 2013.

BELING NETO, Roberto A. Movimento estudantil: os anos 70-80. In: Escritos de Vitória, 16: movimentos sociais. Vitória: Prefeitura Municipal. Secretaria de Cultura eTurismo, 1996. p.141-172.

MARTIN, MargôDevos. A trajetória de uma geração política no Espírito Santo:da universidade ao poder: 1982 a 1992. 2008. 346 f. Dissertação (Mestrado em HistóriaSocial das Relações Políticas) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.

MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e militarização do Estado no Brasil. 1986. Dissertação (Mestrado) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas. Campinas, 1986. Disponível em:<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br>. Acesso em: 05 de fev. 2013.

MENDES JUNIOR, Antônio. Movimento estudantil no Brasil. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1981.

MOREIRA, Renato Heitor S. O movimento estudantil na Universidade Federal do Espírito Santo: a trajetória de um grupo ao poder (1976-1981). 2008. 232 f. Dissertação (Mestrado em História Social das Relações Políticas) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008.

MÜLLER, Angélica. Resistência do movimento estudantil e censura nos “anos de chumbo”. Ideias, Campinas, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2010. Disponível em:<http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/5/3>. Acesso em: 12 fev. 2013.

PELLICCIOTTA, Mirza. M. B. Uma aventura política: as movimentações estudantis dos anos 70. 1997. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas. Campinas, 1997. Disponível em:<WWW.bibliotecadigital.unicamp.br>. Acesso em: 26 mar. 2013.

PEREIRA, Mateus C. Tecendo amanhã: história do diretório central dos estudantes da Unicamp. 2006. 292 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: <WWW.bibliotecadigital.unicamp.br>. Acesso em: 26 mar. 2013.

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SANTOS, Jordana de Souza. A repressão ao movimento estudantil na ditadura militar. Aurora. Marília v 3. nº 1, p. 101-108. Brasil. 2009. Disponível em: <www.marilia.unesp.br/aurora>. Acesso em: 28 out. 2012.

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ANEXO A

Entrevista com o professor Cláudio Zanotelli do Departamento de Geografia da

Universidade Federal do Espírito Santo. Participou do movimento estudantil da UFES

no final da década de 1970 e década de 1980.

César: Professor. [...] um pouco da sua trajetória de vida. O senhor nasceu e viveu no

Estado do Espírito Santo?

Claudio Zanotelli: Sim. Eu nasci em São Gabriel da Palha, que fica no norte do Estado, e vim

para Vitória com três anos de idade. Na realidade eu sou mais [...] da região da capital do que

do interior, mas nasci no interior do Estado.

César: Como foi a sua educação básica?

Cláudio Zanotelli: [...] Quando a minha família veio para cá [Vitória], minha família é de

camponeses, enfim, meu pai tinha propriedade que ele plantava café e ele tinha uma venda,

ele fazia mediação de compra e venda do café. Com a crise, que teve nos anos 1950 e início

dos anos 1960, do café, com aquele negócio de erradicação do café e etc, ele simplesmente,

como milhares [...] perdeu tudo, faliu e a família toda veio para Vitória, né. Antes passando

pelo Vale do Jequitinhonha.

César: E a sua educação básica?

Cláudio Zanotelli: Educação básica... [...] quando a gente chegou aqui nós fomos morar em

São Torquato. Eu estudei numa escola pública. Eu fiz todo o ensino fundamental, na época

era primário que a gente chamava, né? Na escola Silvio Rocio, que é uma escola que tem lá

em São Torquato, que existe até hoje. E... Depois eu mudei para Vitória, para Santa Lúcia, e...

Em Santa Lúcia eu frequentei durante um ano [...], no início do Ginásio, uma escola pequena,

que tinha perto de casa, lá. Depois fechou... Era Escola Brasileira... Não lembro o nome

direito... Que era uma escola particular, né, era uma escola muito modesta, também, né. E

depois eu [...] fui estudar numa escola no centro de Vitória que se chama [...]. O Ginásio que

estudei era Colégio Luso Brasileiro, que era em Santa Lúcia, um ano. E depois eu fui para

esse colégio que estudei também, um ano, no centro de Vitória, antes de ir para o Maria Ortiz,

que era uma escola [...] particular, mas uma escola modesta, não era uma das grandes escolas

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que tinham na época, e que esqueci o nome agora. E dessa escola, depois eu fui para o Maria

Ortiz, eu fiz dois anos no Maria Ortiz. Então, o meu Ginásio eu mudei de lugar três vezes.

César: E por que prestou o vestibular?

Cláudio Zanotelli: Sim, aí depois, no ensino médio, eu consegui uma bolsa e fui para o

Americano...

César: No centro?

Cláudio Zanotelli: É, quando o Americano era lá no centro, lá perto onde era a antiga

rodoviária, onde é o SESC ali, hoje [...]. E aí eu estudei ali todo ensino médio, e depois [...] eu

trabalhava num banco, porque eu estudava e trabalhava desde os doze anos de idade, então eu

[...] trabalhava, e por isso fui estudar a noite, também, porque eu estudava num período,

quando eu estudava no Maria Ortiz eu trabalhava de dia e estudava a noite, e no Americano,

também, a mesma coisa. Então, a partir do terceiro ano ginasial [...], que era assim que

chamava, que era terceiro e quarto ano, né [...] todos esses dois anos eu trabalhava, depois

quando eu fui para o Americano, durante os três anos do ensino médio, eu trabalhava também.

E eu trabalhava num banco! E aí eu me senti atirado para a Economia, eu prestei vestibular

para a Economia.

César: Você prestou vestibular para a Economia?

Cláudio Zanotelli: Para Economia. Sem ter feito cursinho, também, né. Aí eu passei. [...] Na

realidade eu fiz sem preparação, fiquei como suplente e fui chamado no segundo semestre,

quando eu já estava fazendo pré-vestibular no ano seguinte, aí eu abandonei o pré-vestibular e

entrei aqui, no segundo semestre de 1978.

César: Quando entrou na UFES e até quando você participou do movimento estudantil?

Cláudio Zanotelli: Pois é. Em 78, não sei se você já estudou um pouco como era organizada a

universidade, vale a pena, hein. Ver o tamanho da universidade, o número de cursos que tinha

aqui, como é que eram organizados os centros, porque era muito insipiente ainda, na realidade

esse campus aqui ele começou a ser ocupado no fim dos anos 60 início dos anos70, né. Já tem

uma exposição de fotos na biblioteca bem interessante, vale a pena você botar no seu trabalho

depois porque nos fins dos anos 70 nós ainda não tínhamos muitos cursos. Aqui era...neste

50

prédio aqui [IC-2], era o Centro de Estudo Gerais, então todo mundo que entrava, por

exemplo, para a Economia, nós fazíamos um anos aqui onde você tinha as disciplinas de

Sociologia, a disciplina de Português, de História, de Geografia, o que era um sistema

interessante, na realidade. Esse Centro de Estudos Gerais se Transformou no CCHN [Centro

de Ciências Humanas e Naturais] que engloba os cursos de História, de Geografia e tal. Então

eu fiz um ano aqui. E eu estou falando isso porque foi fundamental para mim porque,

primeiro: o momento que a gente vivia, segundo: os professores que a gente tinha, então... E

ao mesmo tempo era um clima muito de censura que existia na época, então, assim o fato de

ter uma abertura já na época, a discussão sobre a anistia [...], os jornais, havia uma movimento

na sociedade, os exilados voltaram no ano seguinte, em 79, para o Brasil. A gente tinha um

clima muito politizado, né, dentro da universidade [...].

César: E sobre o movimento estudantil, como foi a mobilização para a reabertura do

DCE?

Cláudio, Zanotelli: Então, eu na realidade, em 78... O DCE foi reaberto 78, eu estava

entrando, era calouro, não tinha nenhuma participação no movimento, ainda não conhecia. Só

no ano seguinte, quando eu fui lá para o CCJE, para fazer Economia, porque no primeiro ano

você não tinha economia antigamente, é que eu comecei a me politizar e a participar mais do

movimento, né. Então a criação do DCE eu assisti de longe, quer dizer, eu não estava

envolvido nesse movimento, mas a politização que eu falava a pouco vinha pra gente pelos

textos que a gente lia, pelo debate com os professores, então eu não vivi esse momento, eu

vou viver efetivamente o movimento político estudantil a partir do semestre seguinte, no

início de 79, né.

César: Você teve, então, no CCJE, contato com as pessoas que participaram do

movimento estudantil e na organização do DCE?

Cláudio Zanotelli: É.Na realidade eu fui para o CCJE, fui para a Economia, e lá o pessoal do

Partido Comunista, que chamavam Partidão, ou que era a Reforma na época, né, que depois

pejorativamente todo mundo começou a chamar de Reforma, porque os outros grupos eram

revolucionários [faz aspas]... Então quando eu fui para lá, existia o Diretório Acadêmico do

Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, porque não existia Centro Acadêmico na época,

era o DA, e o DA de lá era o pessoal próximo do Partido Comunista [...] não sei se você

conhece um pouco a estrutura do sistema politico como era; você tinha [...] os partidos não se

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manifestavam publicamente por causa da censura, então geralmente eram tendências

estudantis, e nem todos os que militavam no Movimento Estudantil pertenciam aos quadros

dos partidos, havia toda uma hierarquia, então no CCJE você tinha o Paulo Hartung e outros

quadros do partido comunista que eram as lideranças e que tinha sido presidente do DCE

exatamente em 78. Então, em 79 eu fui no congresso de reconstrução da UNE, eu fui num

ônibus, exatamente, já entrando naquela onda, como base, que se chamava na época, era base

do Movimento Estudantil ligado ao Partidão, né, então eu lembro que fui com a Marli... E

tinha uma série de outras pessoas, aí foi em Salvador, foi toda aquela emoção, ai teve bomba,

a polícia tentou reprimir...

César: Existiam outros grupos dentro do CCJE?

Cláudio Zanotelli: Pois é, isso que eu vou te contar. O que acontece, na realidade até então,

não. Não de maneira explícita. E aí eu, com essa viagem, quando eu voltei, eu comecei a

perceber essa tentativa de cooptação que havia do Partidão e etc. Só que o Brasil, a gente

estava vivendo na época, uma explosão de conhecimento, de volta dos exilados, de partidos

de extrema esquerda, estavam vindo à luz do dia, mesmo que não se declarasse abertamente,

porque eram ainda clandestinos ou semiclandestinos. A gente começou a ver outras

perspectivas, né, políticas, teóricas; o jornal Opinião, o Pasquim etc... E eu tinha uma posição

muito crítica em relação a isso, né, eu comecei a perceber e a gente começou a ver que era um

movimento muito hierarquizado, que tentava cooptar aqueles que se sobressaíssem no

movimento e agente estava a fim de romper com isso, né.

César: O grupo do PCB era assim?

Cláudio Zanotelli: Era, era... Eram pessoas legais, quer dizer, [...] que estavam ali, que

estavam no campo progressista, que enfim, tentavam organizar as coisas, que combatiam a

Ditadura e etc. Mas tinha esse lado. Eu estou falando no meu ponto de vista, evidentemente,

que é subjetivo. E a minha experiência da ida ao congresso da UNE, aí que eu tive contato

também, que eu vi a proliferação de grupos que existiam, de tendências, mas eu não estava em

tendência nenhuma, nem era do Partido Comunista, muito menos fazia parte oficialmente do

que eles tinham como Movimento Estudantil. Eu era um estudante interessado em participar,

em criticar, em fazer as coisas, né, eu acho que o meu primeiro insight, assim quando eu

entrei aqui, foi um trabalho com o Bogéia, que era um professor de Português, que era

jornalista da Gazeta, faleceu a pouco tempo atrás, que tinha passado para mim, para nós, sobre

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a questão do... [...] um trabalho de português, lá. E que eu peguei os jornais da época,

alternativos, que se diziam alternativos, Opinião etc. E fiz uma resenha mostrando quantos

exilados tinham; os perseguidos e tal, e ele achou o trabalho muito bom e me deu dez para o

ano todo, e eu acho que aquilo me despertou também, e ao mesmo tempo quando eu falava os

meus colegas ficavam tudo com medo [faz som e sinal de silêncio], quer dizer havia ainda

uma paranoia, acho que foi naquele momento, assim, então quando eu entrei e que me levou a

me politizar bastante também, então quando eu...lá no CCJE tinha já uma base, apesar de

digamos assim, teoricamente muito frágil e insipiente, de qualquer maneira, mas tinha aquela

vontade que nós todos tínhamos com dezoito anos, dezenove anos de participar. E aí, no

CCJE teve esse primeiro contato como partido comunista e eu fui entendendo um pouco o que

era, e a gente foi tomando uma certa distância, aí com meus colegas de turma, ou de outra

turma, foi-se construindo um processo crítico ao que era o Diretório Acadêmico na época e a

gente começou a pensar numa chapa... Era um movimento que depois assumiu o nome de

Novo Rumo, né, que pouca gente comenta; que tinham pessoas mais velhas também, que

participavam como o TaurioTessarolo, enfim, participavam assim mais ou menos, né... E que

era um pouco crítico a essa forma hierarquizada e que foi criando aos poucos, sem ter

pretensão de partido nem de organização, nem ter contato com nenhuma tendência, uma coisa

meio que espontânea, meio que autônoma de oposição àquelas lideranças e tal do Partido

Comunista.

César: Isso no ano de 79...

Cláudio Zanotelli: De 79. Porque é importante para entender o seguinte: nós construímos uma

chapa de oposição ao Partidão para concorrer ao Diretório Acadêmico, uma campanha

duríssima...

César: Em 78, então, você não participou da fundação do DCE?

Cláudio Zanotelli: Em 78 não.

César: E qual era a diferença entre o Partidão e esse novo grupo? E existiam outros

grupos além desse que estava surgindo?

Claudio Zanotelli: Pois é, aí eu vou te explicar isso mais adiante, porque é bom eu ir por

partes senão você não entende o conjunto. Porque aí a gente surge com esse movimento

autônomo, nós nos opusemos ao Partidão, ou aos próximos do Partidão, porque [...] como eu

53

disse, às vezes nem eram eles militantes do Partido Comunista, talvez nem soubessem que

existia esse partido aqui, tinha muito aquele segredo, mas em geral as pessoas participavam,

então que era o grupo do Hartung e tal, e que era o Arimathéia, era o Stan Stein, que era no

CCJE, o Anselmo Tose que era lá no Centro Biomédico... Tinha a Marli que era da Economia,

e outros nomes de pessoas que eram ligadas a eles. Mas aí o que a gente fez, nós começamos

a discutir, eu,Doris, Juvêncio, Robson, TaurioTessarolo, depois o Afonso, a Celina, bom uma

monte de gente de vários cursos, né, do Serviço Social, do Direito, da Administração, da

Contabilidade e da Economia, mas a maioria era da Economia [...] o núcleo mais, assim, mais

ligado e tal, que era eu, a Doris, e a Lena – Maria Helena Signoreli – que trabalhou na

prefeitura há pouco tempo... É, então, que era ligada as bases da Igreja Católica, da Teologia

da Libertação, mas a gente mesmo não tinha nenhum partido, nenhuma tendência, nem era

manipulados por ninguém, nos começamos simplesmente a nos organizar, porque as pessoas

sempre acham, né, que tem uma tendência tirando por trás, que era um pouco a paranoia da

época, né, todo mundo [...] e as vezes até acusavam também “a não que é a extrema direita,

que é os militares” quer dizer, o Partido Comunista tinha esse discurso, né, o que não era eles

era...o que era contra eles era...fazia o jogo da repressão, sempre foi o discurso deles, né. E aí

a gente formou essa chapa. Então teve um embate assim seríssimo e agressivo, mesmo...nós

quase ganhamos, perdemos por quatro votos, o que mostra que a gente dividiu e perdemos

também porque eles tentavam fazer o movimento de cooptação, de passar filmes...

César: Essa chapa foi para o DA de Economia?

Cláudio Zanotelli: O DA do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, o DA era de todos os

cursos, não tinha Centro Acadêmico por curso, como tem hoje. Aí nós perdemos por quatro

votos... A gente até suspeitou que houve... Houve tentativa de agressão, enfim, ameaças, e nós

éramos todos jovens, né, não tínhamos experiência, nem partido, nem máquina por trás, nem

nada, então tinha um movimento realmente de rebelião, digamos assim, né. E aí, quando a

gente faz isso, e nós perdemos a eleição, e como já existia um movimento nacional de criação

do Centro Acadêmico nós começamos a botar fogo para criar Centro Acadêmico, aí foi nesse

ano e no ano seguinte foi-se criando Centro Acadêmico [...] foi perdendo o poder, na verdade,

o controle que eles tinham e no fim do ano teve a segunda eleição do DCE, que é a chapa de

1979 e nesse ínterim, você vê que as coisas se passam muito...a gente vê, é muito pouco

tempo, quando você olha assim retrospectivamente, em alguns meses todos aqueles mesmos,

daquele mesmo movimento...outras tendências políticas que estavam surgindo, que estavam

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aí, que depois estavam dentro do PT, né, em 79 para 80 [...] as grandes greves do ABC em 78

e tal...e aí se construíram, esses partidos que foram para dentro do PT e começam a se

organizar, começaram a se aproximar da gente, de mim, de outros, a dar textos para ler,

aquelas coisas, né, de cooptação mesmo, né...e a coisa foi se radicalizando, quer dizer...aí,

como você perguntou, então...aí a gente vê aparecer o MEP, que era o Movimento...eu já não

lembro qual o nome...a AP, Ação Popular, que o Reinaldinho, atual reitor, fazia parte, que

tinha mais força no Centro Tecnológico, o MEP com a Sara, que era lá do Centro Biomédico,

a Centelha, com Carlos Lobo, que era ligado ao que veio a ser a DS, que na época tinha outro

nome, mas que no movimento...então, esses grupos, digamos assim o trotskista, mais com o

discurso operário, próximos da tendências da Teologia da Libertação da Igreja, com Maria

Helena Signoreli e tudo, que estavam presentes nas Comunidades Eclesiais de Base, que

questionavam aquela política partidária, ou aquela esquerda clássica do PCB, começaram a

circular em torno, a se abrir, estava tendo a anistia, né, e a gente foi se identificando mais uns

com os outros, e no fim do ano já a gente lança uma chapa, com algumas pessoas já próximas,

mesmo se não fazia parte, de uma tendência ou de outra e de repente fragmentou em

tendências, mas havia um...digamos uma frente comum de todas essas tendências contra o

Partido Comunista, e nós lançamos uma chapa e ganhamos o DCE, né, que o presidente era o

Shaolin, Cláudio Shaolin, que era da Engenharia; eu era o vice...e ele se demitiu e assumi a

presidência do DCE.

César: Qual era o nome da chapa?

Cláudio Zanotelli: Era Alternativa. A lá do CCJE era Novos Rumos, que inclusive era um

nome sugerido pelo Tatá, o TaurioTessarolo, na época, se eu não me engano...

César: Como foi a campanha, mais detalhadamente, a campanha para o DCE?

Claudio Zanotelli: Inclusive, diga-se de passagem, seria interessante se você tentar recuperar

os documentos, porque eu, por exemplo...a gente fazia jornalzinho, a gente fazia aquelas

páginas mimeografadas de campanha, eu não tenho mais nada, perdi, joguei fora, não sei se

você está fazendo esse trabalho documentário porque teve alguém da História que fez um

trabalho um trabalho documentário sobre a época...usando os arquivos do Dops...que eu não

lembro o nome dele...que era alguém da Arquivologia, que fez...

César: Pedro Ernesto?

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Cláudio Zanotelli: Eu acho que sim...mas eu olhei no trabalho dele, por exemplo, no que ele

fala lá, só se refere também a algumas tendências do Partido Comunista e tudo...nossa chapa

não aparece... não sei...sumiram ou não teve acesso ao arquivo, mas seria interessante para ver

como era constituído o imaginário, os nomes...com que era feito, né...e essa chapa então, do

DCE, se chamou Alternativa. Aí eu lembro na capa tinha um sol...

César: Vocês elaboraram jornais...

Claudio Zanotelli: Aí a gente fazia um programa, e aí o programa vinha com várias página de

jornal, um jornal tipo tablóide, né, sei lá, eram doze páginas é...um programa nosso, né, não

era um jornal; e aí tinha propostas das diversas áreas e foi interessante porque a gente saia dos

nossos centros [...] e começamos a ter contato com Educação Física, com Centro de Artes,

com Centro Tecnológico, com Centro de Matemática, com o CEG, com a Biologia, com o

Centro Biomédico, com o Centro de Alegre, então, de repente, [...] a gente começa a pensar,

ver a universidade de maneira mais global e aí ter contato com pessoas e tendências

diferentes.

César: O PCB tinha contato com esses outros centros?

Claudio Zaonotelli: Sim eles tinham uma...eles controlavam o Centro Acadêmico do

Biomédico, esse do CCJE, eles tinham inserções no CEG e em outros lugares, base ou

pessoas próximas; só que a coisa foi acontecendo e alguns meses houve uma espécie de

rebelião, de...digamos assim, entre aspas, uma revolução que abalou...eles tinha quase certeza

que iam ganhar as eleições e tomaram uma derrota enorme, né, porque eles eram organizados,

achavam que controlavam o Movimento Estudantil...tanto é, e eu acho que foi uma coisa um

pouco instrumentalizada naquele filme que você viu e que eu questionei, não fui no

lançamento, não gostei do tratamento que foi dado, por que? Porque nas entrevistas

preliminares que ele tinha colocado online eu achei legal, ele entrevistou várias pessoas, a

mim, acho que, poxa, quase meia hora que ele colocou lá, para falar da época, foi legal, eu

achava que o documentário ia ser isso. Ora o documentário foi financiado pelo governo do

Estado para...passa o governador o tempo todo falando, então foi uma coisa...e ao mesmo

tempo [...] distorce a história porque o governador...o Paulo Hartung dá a versão dele, não sei

se você lembra lá, “como é que foi a vitória em 1979” e dizendo “ não, que eles perderam

muito mais porque eles botaram na cabeça da chapa [...]” ele diz “[...]o Pignaton”, o Pig que

era do Centro Biomédico, não tinha muita força, não sei o que...quer dizer, não admite e não

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reconhece até hoje que havia uma insatisfação tanto com a Ditadura, também com o partido

comunista e também com as formas meio camufladas que eles tinham de fazer política aqui,

entendeu? Então isso aí não reconhece e...só dá essa versão dos fatos naquele filme, quando

na realidade foi um grande derrota histórica, por um movimento extremamente politizado e

que questionaram eles e não foi só um problema de que botou o Pignaton, nós se tivéssemos

lançado qualquer candidato de qualquer centro provavelmente teríamos ganho, então como é

que se isso por esse tipo de análise a posteriori, né, e reconstrói a verdade, né, bom...então

isso é um ponto para fazer uma [...] análise e ao mesmo tempo botar os fatos no justo lugar,

né.

César: E por que o Luiz Cláudio Ceolin, o Shaolin, teve que renunciar?

Cláudio Zanotelli: Pois é, o que aconteceu? Isso é uma coisa que a gente não sabe. O que

havia de fato naquela época, era verdade...que como aí essas tendências surgiram o DCE era

um...assim, ele renunciou, eu acho, com três meses, acho, não sei se você já tem o dado, se

você lembra, eu não lembro direito mais...antes do meio do mandato, porque o mandato era de

um ano apenas. Ele renunciou, pegou todo mundo de surpresa, ninguém sabia por que. Depois

se suspeitou que havia alguma manobra do Partido Comunista para que ele renunciasse, mas

isso ninguém tem prova de nada, enfim...são questão de ordem pessoal, que eu não sei se são

verdadeiras ou não, relações pessoais que poderia eventualmente ter levado ele a renunciar,

porque ele era primo do Anselmo Tose, né, então...bom, isso são coisas que não dá para

saber...

César: Algum fato político?

Cláudio Zanotelli: Não, nada, foi uma coisa inclusive, que eu me lembro que o próprio

pessoal da tendência dele, porque todo mundo já estava entrando nas tendências...

César: Qual era a tendência dele?

Cláudio Zanotelli: A AP, eu não lembro o nome da tendência...era Ação Popular...

César: Você lembra o curso que ele fazia?

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Claudio Zanotelli: Engenharia, que era onde o Reinaldo era o líder [...] era estudante em fim

de curso, é um pouco da geração do Hartung o Reinaldo, é um pouco mais velho do que eu,

tanto eles mesmos ficaram...não entenderam...

César: Foi uma surpresa geral?

Claudio Zanotelli: Foi um surpresa geral, ninguém entendeu o porquê, então por isso, a

dedução de alguma, ou coisas de ordem pessoal, que não é excluído, ou alguma coisa de

ordem pessoal política, que não é de se excluir também, enfim, nunca deu explicação sobre

isso...acho que também ele não tinha muita paciência com aquele monte de tendência, não

conseguia gerir o negócio, e eu entrei, como vice presidente, eu assumi o cargo. E aí nós

entramos num processo de questionamento da reitoria, nós fizemos uma grande greve geral

aqui que na época...não tinha se visto a muito tempo e acho que nunca mais vi aqui na UFES,

que tinha milhares de pessoas nas assembleias, durou uma três semanas, a greve tirada pelos

estudantes, eu nunca mais ouvi dizer que teve greve...

César: Foi em 1980?

CládioZanotelli: Foi em...1979 mesmo, acho que foi no fim de 79, foi uma greve que o Penina

era o reitor, né, e...mas foi em 1979 porque foi logo depois que o Shaolin saiu...porque a gente

foi...a gente entrou, não lembro mais as datas, teria que olhar, lá, não sei se foi no início de

1979 ou meados de 1979 que foi a eleição e nós ficamos até 80, provavelmente pode ter sido

em 80, né, no início de 80, né, mas foi uma greve que você encontra, aí, certamente nos

registros que teve uma participação maciça dos estudantes, né. Em geral as greves aqui é só

professor que faz, né, nos últimos decênios aí, e que foi muito interessante, eu achei, assim,

é...eu, bastante, porque a gente ...eu nem lembro as reivindicações [da] época, mas de

qualquer jeito tínhamos reivindicações de ordem geral e tínhamos reivindicações de ordem

particular, aqui da UFES, né. O reitor veio numa assembleia, saiu vaiado, ficou com raiva da

gente...

César: Foi uma assembleia grande? No ginásio?

Cláudio Zanotelli: Ah foi, tinha mais de cinco mil pessoas eu acho [...] acho que o campus

todo estava lá, pra você ter uma ideia do que as pessoas estavam querendo, e o problema é

que o Partido Comunista naquele discurso deles, era muito conciliador, entendeu, eles tinham

muitas alianças ao nível do poder, inclusive dentro da universidade, eles apoiavam o Penina,

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né, tinha aquela coisa, apoiar o menos ruim e etc, inclusive o Claudino de Jesus, acho que foi

depois, Pró-reitor de extensão...o DCE ficava no prédio da Pró-reitoria na época, que é aonde

tem o prédio da Psicologia hoje, no ED ali que é próximo ali do Restaurante Universitário, e o

DCE dava... é aquele lado que dava para as pedras, que tem ali, né, que é aonde que estão

construindo ao lado o novo prédio da Psicologia, do programa de pós graduação...e nós,

simplesmente, quando entramos ali a gente [...] na gestão anterior o DCE tinha tudo da

universidade, tudo! É papel, material [...] nós, isso tudo foi cortado, entendeu, para mostrar

que havia uma espécie de ojeriza, de tentar isolar, cortaram acho que até água na época,

enfim, nada, ficamos a pão seco, sem ter absolutamente direito nada é...como instituição, né,

então é... [...] e aí eu to falando isso para mostrar como é que o Partido Comunista costurava

por dentro, fazia suas alianças, Paulo Hartung sempre foi muito esperto, né, assim, então o

pessoal dizia, a época, que ele lia Maquiavel de manhã de tarde e de noite, mas esses eram um

mito, o que quer dizer ler Maquiavel, né? Quer dizer, era um pouco paranoia que fazia parte

na época, de qualquer jeito era um...digamos assim, um político, fazia política vinte e quatro

horas por dia e, portanto é...tentou desestabilizar a nossa gestão, isso com certeza tentou, tanto

pelo boicote que faziam no interior, como eu disse, da própria universidade, tanto assim de

coisas pragmáticas do cotidiano, quanto provavelmente essa demissão do Shaolin e outras

coisas, né, é isso aí...a gente fez essa assembleia e aí a gente tava no movimento de

radicalização muito grande, o Partido Comunista sempre com medo, segurando as massas,

como de hábito historicamente no Brasil, essa espécie de aliança “não, vamos acalmar as

massas, vamos acalmar [...]” e nós estávamos mesmo era com vontade de botar a boca no

trombone, de manifestar, de etc...

César: E o senhor não lembra uma reivindicação com relação a reitoria, com relação a

universidade?

CládioZanotelli: Tinham inúmeras, né, era mais...mais meios para estudar, mais professores,

aqueles percentual até hoje de 12%, né, dez ou 12% para a educação, tinham tantas coisas

locais como gerais, era infraestrutura...na época...iluminação para o campus, por exemplo,

tinha problemas já na época de...aconteceu coisas de assalto aqui, atropelamento, já na época,

imagina isso, que tinha pouco carro, né...fazer lombada, não existia essa coisa de radar nem

nada, então...o campus era aberto, tinha um série de reivindicações de ordem cotidiana de

melhorar a vida cotidiana da gente, né.

César: E isso conseguia aglutinar muitos estudantes?

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Cláudio Zanotelli: Muito porque todo mundo tava [...] acho que a gente vê muito isso no

movimento que está acontecendo agora, é uma centelha que botou fogo numa esfera, as

pessoas estavam por aqui [faz gesto de limite no alto da cabeça] com tudo, na realidade, com

a Ditadura, com o Estado autoritário, com os militares...por isso que eu te digo que a explosão

era muito por aí, também, né; com as injustiças com o estado da universidade, com o estado

da educação, quer dizer [...] essa crítica tem mais de trinta anos, não é...então eu acho que foi

um pouco isso. Foi também o momento político, né, que nos fez também explodir aí, e fazer

essa greve, e uma greve assim, que deu milhares de pessoas, e o Partido Comunista ia para as

assembleias para desestabilizar as assembleias, então pedia a palavra pra...ficar vaiando no

cantinho, é...fazia parte do jogo, na época.

César: E um movimento, algum ato contra, necessariamente a Ditadura e levantando a

bandeira das liberdades democráticas, existiram?

Cláudio Zanotelli: Que teve na época? Vários.

César: Especificamente, que aglutinou estudantes...

Cláudio Zanotelli: Sim, nós tivemos...eu não lembro, acho que foi m 79, a gente participou e

ajudou a organizar uma grande manifestação no centro de Vitória contra...por que na época

estavam construindo Angra e estavam querendo trazer os rejeitos da usina nuclear para

Aracruz, teve uma manifestação monstro em Vitória, entendeu, encheu na época, encheu a

cidade, a gente participou ativamente. Eu lembro que na época, nem existia BME, polícia de

choque coisa nenhuma, o pessoal queria invadir o Palácio Anchieta, eu lá na frente da porta

do Palácio segurando [...] tentando com outros, né, porque tinham os guardas tudo armado de

metralhadora tudo atrás da gente, e fale “vai acontecer uma carnificina aqui é...e isso o

movimento que a gente participou concretamente e vários outros, no centro de Vitória era o

lugar da manifestações toda semana a gente ia pro centro, entendeu, pelas Diretas...pelas

Diretas não, pela Anistia, geral e irrestrita a gente participou de várias manifestações no

centro de Vitória, contra a tortura também, participamos de várias manifestações...fizemos

manifestações também ligados, lá, especificamente pela questão do percentual pra educação, a

gente participava do debate em rádio e televisão.

César: O PCB puxava essas manifestações?

60

Cláudio Zanotelli: em geral ele vinha, mas nunca puxava, sobretudo quando eram as mais

radicais eles tinham medo, mas eles participavam das manifestações, né, eu lembro de uma

manifestação que a gente começou a gritar no centro de vitória, jovens, impetuoso “[...] pela

revolução [...]” e eles ficavam tudo baixando a bola, querendo se esconder, quer dizer...

César: O PCB tinha um discurso muito menos à esquerda que vocês?

Cláudio Zanotelli: Sim, com certeza, um discurso reformista mesmo, nós éramos os

revolucionários, entre aspas e eles eram os reformistas que queriam fazer alianças nada de

muito radical, nada de contestador.

César: Qual era a liberdade democrática que o seu grupo, ou as outras tendências,

queria e empunhava?

Cláudio Zanotelli: Como assim? Nós queríamos tudo quanto é tipo de liberdade [risos], tudo.

Liberdade de manifestar, liberdade de...

César: O que diferenciava vocês do PCB?

Cláudio Zanotelli: O método, a forma de...considerar, de levar em conta o que as pessoas

queriam, de não segurar o movimento, quer dizer, se é para ser radical vamos ser radical,

principalmente isso, eu acho. E evidentemente tinha as diferenças teórico política, eu, aí é um

negócio barroco, né, porque entre as leituras que eles faziam via alianças, com a burguesia

nacional , e as leituras dos trotskistas que outros faziam via revolução permanente etc, tinham

essas oposições, né, tipo teórico assim, eram importantes também que alimentavam as

divergências, né.

César: No discurso havia muita diferença?

Cláudio Zanotelli: Havia, ixi, havia...nos congressos era uma loucura porque...eu digo havia

diferenças quando você conhece internamente as coisas, né...mas o debate teórico, uma coisa

por exemplo... [...] o PT, por exemplo, o PT surge em [19]80, por aí...se esquece muito, mas

ele é muito produto, como eu falei agora pouco, de todas essas forças de extrema esquerda, e

da Teologia da libertação, e dos movimentos sindicais de querer, criar uma nova perspectiva

do proletariado, das camadas populares e tal, que não passasse mais nem pelo partido

comunista, nem pelo MDB, nem por alianças de espúrias de isso e aquilo, nem por

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frentãonenhum, mas que tivesse uma perspectiva, digamos assim em parte pelo menos,

revolucionária, né, o discurso do PT levava em consideração no início muitas teorias

revolucionárias de vários grupos que estavam dentro do PT, donde a Centelha, a DS, a AP, o

MEP e todos esses grupos, grupúsculos de extrema esquerda saindo da clandestinidade, que

tinha um discurso obreirista, ou a Libelu, Liberdade e Luta trotskista e etc, se contrapunham

muita a essa perspectiva reformista e tal, e isso aí, o fato de etnrar no PT, o PT foi uma

espécie de canal de todas essas insatisfações tanto sociais e econômicas, com a ditadura e tudo

na época, como o canal também, é...das insatisfações com a política de esquerda que era feita,

clandestina ou não, até então, tanto do PCB quanto do PC do B, né, acho que isso não dá para

esquecer. E o PT na época era um partido, não se dizia abertamente revolucionário, mas se

dizia socialista, né, não era social democrata [...].

César: Além do DCE, quais eram os outros espaços que eram no movimento estudantil

da UFES?

Cláudio Zanotelli: Todos os centros acadêmicos, como eu te falei a pouco foram sendo

criados ali, no CCJE, acho que em 1980 criou-se todos [...] explodiu o Diretório Acadêmico,

cada curso ganhou o seu Centro Acadêmico, teve um movimento que a gente levou a diante

de criação do centro acadêmico, pela recriação, refundação da [...] UEE, a gente começou, eu

lembro que fui à Colatina, à Cachoeiro, como presidente do DCE para mobilizar os

estudantes, para a gente fazer uma reivindicação de recuperar aquele...a sede da UEE [...] e

não sei o que deu isso hoje em dia da UEE, mas isso era uma das nossas bandeiras, a gente

participou muito também internamente, aí vai no sentido do que você [se refere mim] falava,

da melhoria, da qualidade da alimentação, teve uma ocupação do DCE, acho que no ano

seguinte, eu já não estava mais na diretoria do DCE, invadimos o DCE durante 15 dias,

começamos a fazer comida e tal, para melhorar a qualidade da comida [reivindicação]...

César: Na invasão do RU?

Cláudio Zanotelli: É, do RU.

César: Na gestão de...

Cláudio Zanotelli: Não era mais minha gestão, é na gestão seguinte...

César: do Estanislau?

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Cláudio Zanotelli: [...] Que foi do Stan, exatamente...e que ele na realidade meio que não

bancava muito se eu me lembro bem, né...o Stan...e essa eleição, para o ano seguinte, eu fui

candidato para a reeleição, só que a gente tinha grandes chances de ganhar, só que o que

aconteceu...e aí é um negócio que a história não conta, é...essa frente de inúmeras tendências,

todo mundo começou a brigar com todo mundo, daí eu me aproximei da Centelha, eu, Doris

[...] o pessoal do CCJE [...] aproximou da Centelha e também algumas pessoas da educação

física, do Centro de Arte, e outras pessoas se aproximaram da AP, Reinaldinho,

Wilson...Wilson, aquele que esteve envolvido a alguns anos atrás no escândalo da sopa, [...]

com a mulher do governador [...] entendeu, é o Wilson, o Wilson era...o Wilson, o Vanderlei,

o irmão do Reinaldinho Centoduccate e tal...então todos esses grupos, que tinham mais ou

menos suas impostações nos centros diferentes, aí começaram a brigar muito, né, e a gente

tomou a dianteira e começou a preparar uma plataforma, fizemos um projeto legal, eu,

Hernandes e tal, em [19]80, pra ser candidato à reeleição e o...e aí, a gente tinha grandes

chances de ganhar por ostros grupos já estavam bastante desmobilizados, os outros grupos, e

aí [...] teve uma reunião do conselho lá de entidades de base acho que chamava na época, o

CEB [conselho de CAs e DAs] no DCE e o pessoal do MEP, do Reinaldo e tudo, fez ali uma

aliança com o Partidão para transferir a data da eleição...a primeira manobra política do

Reinaldo, eu imagino [risos] e aí...

César: Então houve uma aproximação? [entre o grupo do Reinaldo e o grupo do PCB]

Cláudio Zanotelli: Sim, é o que a gente supõe, isso são só suposições, né [...], mas na hora do

voto concreto eles votaram junto, então eles transferiram a data da eleição porque quem tinha

a chance de ganhar era a gente [...] aí transferiu seis meses depois, aí conseguiram [...] o

Partidão se preparar, se fortalecer, as outras chapas que antes estavam na frente, a gente se

dividiu, cada tendência para o seu lado [...] aí eles ganharam de novo o DCE, né.

César: E logo depois, ganharam novamente com o José Arimathéia.

Cláudio Zanotelli: Foi, e depois perderam pra...na eleição, eu já estava mais aqui, para o

Arthur, se eu não me engano, né, em [19]83, por aí [...] entrou o Stan de 80 a 81, Arimathéia

de 81 a 82, em 83 voltou a gente a ganhar.

César; O Estanislau ficou mais um ano...

Cláudio Zanotelli: Foi?

63

César: ...por causa de uma greve de professores, estendeu.

Cláudio Zanotelli: Mas eu sei que o Arthur ganhou, da Educação Física, foi presidente,

depois, que era da Centelha...

César: Após a gestão do José Arimathéia?

Cláudio Zanotelli: É, é...mas acho que eles ganharam muito mais em função da nossa divisão,

das diferentes esquerdas, que tavam todas dentro da construção do PT diga-se de passagem,

mas que politicamente, aqui dentro, cada um queria construir seu espaço, acho que a minha

leitura é essa, entendeu, mas eu, de qualquer jeito, me afastei desse movimento político

partidário clássico já...em [19]81. Eu tomei distancia, sai da Centelha, sai da [...].

César:E havia trabalho de base de todas essas tendências?

Cláudio Zanotelli: sim, a gente tinha reuniões para discutir textos, tinha base de cooptação [...]

tinha vários círculos, né, tinha o primeiro círculo que era a gente, depois o segundo círculo,

depois o terceiro círculo, então tinha o círculo daqueles que tinham contato com a

clandestinidade, com o partido clandestino que era o partido...eu não lembro o nome, eu

esqueci, entendeu, que depois veio ser a DS, depois mudou de nome, lá [...] acho que em

meados dos anos [19]80, mas tinha um outro nome, né...que era o pessoal trotskista, mas o

trotskismo da quarta internacional do Mandel, [...] não da outra quarta internacional que é

ligada aos trotskistas da liberdade e luta e tal, né. O Mandel que é aquele economista lá da

Bélgica, né [...] uma quarta internacional mais soft do que a outra,né, enfim, tinham várias

quartas internacionais na realidade, né, da Libelu, da Convergência Socialista e da Centelha,

então, três grupos diferentes que não se davam entre eles, podiam fazer alianças [...], pra você

ver, mesmos os grupos trotskistas tinham uma fragmentação enorme, né, acho que tinham

uma chapa de chumbo tão grande da repressão, que quando isso veio a tona...e falta mesmo de

prática do diálogo falta de base, acho que as vezes era um radicalismo por vezes importante,

mas faz parte do aprendizado, né, acho que era o momento, né, um pouco, não vou também

diminuir aqui o que foi, mas por outro lado é verdade que era...tinha muita coisa de disputa de

poder, né...e eu quando saquei isso, fiquei dois anos nessa história, dois anos e pouco, eu

tomei minhas distâncias e parti para outras coisas que eram políticas e começamos a

questionar essa organização partidária...esses organismos partidários, que aí eu sai da

Centelha, junto com outras pessoas e depois outras pessoas saíram do Partidão, também [...]

64

formamos um grupo em forme anarquista que se chamava, que deram o nome, mas que nunca

teve fundação nenhuma, que era o “Grupo do Ócio”, na época.

César: Foi um nome que atribuíram a vocês, deram a vocês, não partiu do grupo?

Cláudio Zanotelli: é que a gente dava...e depois...um dia eu dei uma entrevista para A Gazeta

eu decretei a morte, quase que me estrangularam, né [...] poxa, o maior dono, o maior chefe,

como [...] eu decreto agora que o grupo não existe [risos]...não falei exatamente desse jeito

[...] mas que eu acho que é uma coisa que a história muito mal contada, entendeu, por que foi

politicamente importantíssimo porque teve gente de todas as tendências que caíram fora e que

se juntaram a gente, apesar de não ter um grupo...

César: Essa é a Turma do Ócio, então?

Cláudio Zanotelli: Que chamava “Turma do Ócio” que ficou meio pejorativo, depois, né, mas

que na realidade a gente teve ações políticas importantes, assim, né...tipo, a gente organizava

debate, seminário, manifestações de rua, a gente ia para as assembleias que o Partidão

organizava, questionava politicamente, questionava os grupos, o autoritarismo, a liberdade do

corpo, a gente refez um pouco o maio de 1968 um pouco tardiamente na realidade...então a

gente passou, para você ver, de um movimento, eu passei em particular, mas outros também,

de outros movimentos partidários...

César: Você falou da greve, e de um enfrentamento a UFES, a reitoria durante um

tempo da sua gestão. Existiu no movimento estudantil, de forma geral, uma preocupação

com o ensino superior público?

Cláudio Zanotelli: Era a nossa pauta principal em qualquer lugar.

César: Sua e dos outros grupos?

ClaúdioZanotelli: Todos. Ensino público e gratuito era nosso slogan, né. Anistia ampla geral e

irrestrita e 12% para a educação. E exatamente na época você já tinha essa discussão entre

ensino privado e público, né [...] o ensino público já era minoritário, né, com relação ao

ensino privado em termos de recursos em termos de alunos, e a gente sentia essa evolução [...]

a gente criticava o acordo MEC-USAD, que é aquela agencia americana que introduziu a

65

reforma universitária no Brasil, nos anos 60, por departamentos e tal, havia uma crítica muito

radical de isso tudo.

César: Eu já fiz essa pergunta, mas vou tentar reforçar...se além da ocupação do RU,

que você contou, que era um reivindicação contra a má alimentação dentro da

universidade...outra manifestação, outro ato que ocorreu?

Cláudio Zanotelli: Olha, a gente fez um ato na época, por exemplo, eu lembro, já de ação

direta, nós de noite, a gente abriu...porque tinha tido acidente, a reitoria não atendia a gente,

nós retiramos os “bloquetes” ali da...ali na frente da passarela ali...para que os carros

parassem ali na frente no ponto de ônibus pra não tivesse acidente, aonde hoje tem a faixa de

pedestre lá, porque na época não tinha nada, então nós fizemos um ato que eu lembro que eu

fiz, né, pegamos umas picaretas lá de noite, tiramos os “bloquetes” do chão e fizemos um

buraco lá e depois teve uma manifestação no outro dia...teve manifestação pela questão da

iluminação a gente fez manifestação por mais sala de aula, por exemplo, no CCJE, tinha

uma...um auditório e o diretor do centro na época quis dividir o auditório em dois, era o único

auditório que tinha lá, nós fomos lá e derrubamos a parede...não sei se é desse tipo de coisa

que vocês está falando.

César: Vocês tinham ações, então, de reivindicação um pouco mais, digamos, ditas

radicais e que incomodavam.

Cláudio Zanotelli: Certamente, certamente...tanto é que o reitor foi vaiado, né, porque por

exemplo, um membro da Liberdade e Luta, que era trotskista, ligada a quarta internacional,

que era o Paulo? Acho que era o Paulo...a não era um outro...é...tinha um Paulo Vinha, que

deu nome ao parque, que também era do movimento, que fazia biologia, tinha o Paulo da

Arquitetura que era também, e tinha um terceira, que era o mais teórico, agora não lembro, o

nome dele me escapa...ele pegou a palavra e botou assim o dedo em riche e chamou o Penina

de capacho da Ditadura, aí a massa “Aaaaaar”, milhares de pessoas vaiando o cara...saiu

cabisbaixo, depois daquela ele nunca nos recebeu, nunca veio para reunião nenhuma, nós

éramos considerados os radicais, né, com certeza.

César: Essa postura não atrapalhou vocês nas eleições, nas assembleias?

ClaúdioZanotelli: ao contrário porque o povo vinha nas assembleias, a greve fomos nós que

chamamos, contra o Partidão, eles não concordavam que eu me lembre, a massa não estava

66

preparada, sempre assim, né...não. O que eu acho é que a gente, como eu te disse, acho que,

os movimentos de esquerda, mais a esquerda do que o Partidão, perderam a eleição seguida

porque se dividiram...dividiram em dez grupos diferentes, não foi um ou dois, e

evidentemente...aí cada um lançou uma chapa apesar de ter algumas alianças, né, o que a

gente não sabia direito, acho que isso foi um dos grandes motivos. Mas havia um espírito de

radicalização aqui em 1978, 1979, depois houve um descenso, tudo bem [...]. Mas houve

muita crítica também a essa recuperação que determinados...não a politização, mas essa

recuperação que determinados movimentos faziam do movimento estudantil, entendeu, o que

eu acho que a gente, do movimento chamado de Ócio, que não era um movimento, ele é uma

radicalização dessa crítica às instituições hierarquizadas e estruturadas e etc, né.

César: O EstanislauStain no [...] Escritos de Vitória conta o episódio da biblioteca central

[o qual] os estudantes se articularam e se mobilizaram para que o prédio [...] não

abrigasse o computador do NPD (Núcleo de Processamento de Dados)...

Cláudio Zanotelli: Isso foi em que ano?

César: Acredito que em 1982.

Cláudio Zanotelli: É...nessa época eu já estava afastado. Eu já tava exatamente com outras

preocupações, não lembro desse ato aí...eu lembro de manifestações que a gente fez em defesa

da biblioteca, mas dessa aí eu não lembro, não...não lembro não. Mas o que você queria

perguntar sobre isso? Essa aí eu não lembro não. Agora, enfim, o que você queria perguntar

[risos]?

César: O PCB [...] convocava atos mais radicais?

Cláudio Zanotelli: Não, eles eram do campo progressista, como se dizia na época, né, não era

um partido de direita, tem que ser honesto, tinha pessoas muito interessantes, inclusive o

próprio Paulo Hartung, à época, hoje eu discordo totalmente dele, mas tinham um modo de

fazer política muito obscuro, muito de cooptação e tal, as tendências de extrema esquerda não

ficaram muito atrás disso também, entendeu, que foi minha grande crítica, quer dizer, se vê,

eu passei, entre 1978, 1979 e 1981, em três anos eu passei por três grupos políticos, né, enfim,

e sai de todos eles, né, outro ficaram a vida toda e tão aí até hoje, né, mas mostravam também

como que...e pra mim foi uma experiência de política importantíssima mas ao mesmo tempo

uma experiência de autonomia de pensar por si mesmo importantíssima, eu acho que o grupo

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do ócio, apesar de ter uma visão as vezes pejorativa e tal, não se entender o que que era que

não era um partido nem nada, mas eu acho que ele me deu pelo o que que a gente fez depois

em termos de debate de ações de happenings, ações diretas etc, deu uma noção dessa crítica

que a gente tinha a essas estruturas autoritárias de todos os partidos de extrema esquerda,

começando pelo Partidão evidentemente e pelos outros, então eu acho que esse momento, não

é muito objetivo talvez da sua pesquisa, você está em 1982, mas fazia parte do movimento

estudantil também e começou mais ou menos por essa época, 1981 1982 se eu não me

engano...é uma história a ser contada, né, entendeu, porque é uma história meio assim, como

não era um movimento institucionalizado que brigava pelo poder, dentro das instituições

nenhum sindicato estudantil, ficou meio foulclórico, assim, eu acho que equivocadamente,

entendeu.

César: O recorte de 1978 a 1982 foi um período de vitalidade do movimento estudantil?

CláudoZantelli: Enorme, enorme, enorme, enorme. Eu fazia política 24 horas por dia aqui

[risos], no bom sentido fazia política, vivia na universidade de manhã a noite, eu vivia aqui

dentro. Agora, evidentemente estudava pouco.

César: Você concorda que a partir de 1982 houve um descenso do movimento

estudantil?

Cláudio Zanotelli: Acho que sim. Eu sai da UFES em 1983 é... Nesse descenso, mas entre

1982 e 1983 havia ainda esse movimento do Ócio que era muito importante, eu volto a

repetir. Eu não lembro mais a data exata, mas, por exemplo, a gente fez uma performance, ali

na frente do RU, tinha mais de 400 pessoas ali assim, assistindo em torno da pedra, né, das

pedrinhas, uma coisa meio assim futurista, dadaísta, surrealista, que a gente fez, ou, fizemos

uma manifestação no centro de Vitória pela paz...ecológico, porque a gente começou a ter

essa consciência ecológica já à época, distribuindo...a gente fez uma festa enorme que deu um

monte de gente ganhamos dinheiro e compramos um caminhão de rosas, aí fomos para o

Centro de Vitória distribuindo um panfleto com um manifesto, o manifesto que eu redigi que

era um pouco inspirado no manifesto Pau Brasil dos Oswald é “viva o verde viva mais viva

alegria e a paz” foi uma...tinha umas coisas lá e no fim comemorava a comida do Bispo

Sardinha, enfim [...] e fizemos, passamos um filme na praça costa pereira e tal, então a gente

fez debates sobre Antônio Artur, Nietzsche, que era um pensadores que a esquerda não sabia

nem o que que era, né, na época...Deleuze, Guattari, Foucault, já em 1981, seminários a gente

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fez aqui, aqui e fora daqui, é...discutindo a questão, e outras tantas questões, que as esquerdas

clássicas ficavam totalmente boiando, né [...] sobre a descriminalização das drogas, sobre o

problema da liberdade sexual, do autoritarismo dos machismos dentro das tendências...que

são bandeiras importantíssimas, mas essa esquerda clássica [...] não queria nem saber disso,

então uma das coisas que me fez sair da Centelha foi isso, né, porque a gente estava

preocupado com isso, minha geração tava! É... não era só mais a questão política, econômica

[...] eram problemas de sociedade, né, e que tinha um eco muito grande, pelo menos até

[19]83, [19]84, isso ainda era muito presente, eu não acho...há talvez um descenso do

movimento de massas, mas a politização continuou, entendeu, como eu acho que está

acontecendo hoje, uma organização de massa e que ta tendo suas repercussões, continua

havendo movimentos, isso vai continuar muito tempo ainda, então momento de politização

depois há um decrescendo, mas isso ao mesmo tempo irradia, né [...] para outras ondas de

coisas que podem ocorrer, eu acho que é esse momento de 1982 [...] 80, 81, 82 até 83, 84 foi

essa onda aí, não é.