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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÉNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DOUGLAS EDWARD FURNESS GRANDSON AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CVRD E A CAMPANHA DO PETRÓLEO EM A GAZETA, 1948. Vitória 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÉNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DOUGLAS EDWARD FURNESS GRANDSON

AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CVRD E A CAMPANHA DO PETRÓLEO EM A GAZETA, 1948.

Vitória

2014

DOUGLAS EDWARD FURNESS GRANDSON

AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CVRD E A

CAMPANHA DO PETRÓLEO EM A GAZETA, 1948.

Monografia apresentada ao Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de grau de licenciado em História, na área de História.

Orientador: Prof° Dr André Ricardo Valle Vasco Pereira.

Vitória

2014

Aos meus pais e irmãos, que amo, e sem os quais não teria a menor chance de lutar por meus sonhos.

Aos amigos que eu encontrei, e que foram essenciais no decorrer da graduação.

"Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como ele de fato foi'. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso (...) O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão seguros se o inimigo vencer. Esse inimigo não tem cessado de vencer”.

Walter Benjamim, 1940.

Sumário

1. Introdução 2. Eurico Rezende e a esfera pública capixaba em 1948: O espaço e

o discurso.

2.1 Introdução 2.2 Crônica dos eventos 2.3 A CVRD da ordem do dia: Acusações e omissões no discurso

de Eurico Rezende em A Gazeta de 1948 2.4 Udenismo 2.5 Perseguições políticas 2.6 O discurso

3. A Campanha do Petróleo no Espírito santo por quem viveu: A visão de Setembrino Pelissari

3.1 Introdução 3.2 A questão do Petróleo 3.3 O tema na esfera pública 3.4 O Início da Campanha 3.5 O petróleo é nossoo movimento pela estatal 3.6 A Petrobrás 3.7 Petrobrás nos anos 90 e 2000 3.8 Análise da entrevista

4. Conclusão 5. Referências

Anexo

1.Introdução

Esse trabalho começou a ser desenvolvido no ano de 2013, a partir do

grupo de Estudos A formação da classe operária capixaba, organizado pelo

professor doutor André Ricardo Valle Vasco Pereira. Em Agosto do mesmo

ano, os membros deste grupo enviaram projetos para participar da iniciação

científica da Universidade Federal do Espírito Santo, dentre os quais, esse que

aqui será exposto.

A pesquisa do professor se refere a formação da classe trabalhadora

capixaba no momento em que a industrialização teve seu impulso inicial no

Espírito Santo. Dentro do contexto estado novista de Vargas, o Estado teve

uma das empresas estatais constituídas pelo Governo Federal, a CVRD. Essa

empresa teve centralidade no desenvolvimento industrial do Estado, desse

modo, se constituindo na maior empresa da região à época. Com o esforço

para industrialização, a tradicional sociedade capixaba teve acrescida no

ambiente urbano uma massa de trabalhadores, que para além dos portuários,

passou a ter os ferroviários da E.F.V.M., parte da empresa mineradora.

Frente a péssimas condições de trabalho, e dentro de uma rígida

estrutura hierárquica e tradicional da empresa, os trabalhadores das oficinas e

estrada de ferro, se organizaram e fizeram duas greves no ano de 1948, uma

em Setembro e outra em Novembro. Estava, naquele momento, se

organizando a classe trabalhadora capixaba, através daqueles que

expressavam a relação capital trabalho no modelo mais moderno do Estado.

Essa organização, feita de uma proximidade muito estreita entre as lideranças

e as bases (PEREIRA, 2014). Porém, a empresa, no ano de 1949, demitiu

quatrocentos funcionários e, após esse evento, deu racionalidade há um

processo que já era praticado na antes da greve: a disciplinarização dos seus

trabalhadores.

Esse processo tocava em todas as esferas do trabalho, mas

principalmente, visava desarticular qualquer tipo de movimentação operária,

alternando ações modernas e tradicionais com os funcionários, calculando as

situações de modo a não permitir qualquer luta trabalhista organizada,

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excluindo essa parcela da modernidade (PEREIRA, 2012). A pesquisa de

Maísa Prates do Amaral, componente do grupo de estudos, mostrou que

pessoas com perfil ideológico adequado a empresa cresciam mais rápido em

sua hierarquia, fora dos moldes modernos de promoção (AMARAL, 2014).

A empresa foi bem sucedida, pois, mesmo acontecendo movimentos em

seu interior, sequer os pósteros souberam, ou ainda nem sabem, da existência

da greve da CVRD em 1948. Além disso, a partir da década de 1960, ela criou

uma imagem idílica das relações de trabalho, transparecendo que estas eram

mediadas da melhor forma pela sua direção, que teria oferecido aos

trabalhadores benefícios e melhorias.

Sobre a greve, houve uma disputa, e a classe trabalhadora tinha sua

organização liderada pelos comunistas, dentre os quais, Antônio Ribeiro Granja

e Hermógenes Lima da Fonseca. A greve foi feita a partir do sindicato,

organizada numa Comissões de Salários espalhada pelas oficinas da empresa.

Tal organização teve os traços do que Gramsci teorizou na Itália como a luta

pela hegemonia, através da guerra de posições com a classe dominantes, por

meio da proximidade entre lideranças e as bases. A questão é que, no Brasil,

os escritos de Gramsci só chegaram cerca de dez anos depois, não tendo sido

sua influência a que norteou a ação dos trabalhadores, mas sim a formação

autônoma destes como agentes políticos.

Foi essa autonomia que foi levada à baila pela coerção da estatal, e que

suplantou qualquer chance de se criar na memória coletiva dos trabalhadores

do Espírito Santo, uma representação desta autonomia operária, para lidar e

participar ativamente, tanto de questões relacionadas as relações de trabalho,

quanto a sua participação civil, em questões políticas da Sociedade e Estado.

Partindo da análise da coerção empresarial para o estudo das relações

da classe trabalhadora, já na pesquisa do grupo de estudos, foram analisados

os discursos de Granja e Fonseca, que foram vereadores de Cariacica e

Vitória, respectivamente. Incumbidos desta tarefa ficaram Vinícius Machado e

Marlon Pittol de Oliveira, que pesquisaram as atas das assembleias realizadas

nas câmaras dos municípios. O esforço de análise aponta para como se deu a

relação entre liderança e bases, de modo a entender as estratégias, erros e

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acertos na condução da greve. Nesse ponto, o aparato teórico de Adam

Przeworski foi essencial para entender o papel das lideranças na mobilização

dos trabalhadores, rompendo com uma visão estruturalista, na qual a ação

coletiva estaria determinada por condições objetivas. O autor traz para o

marxismo um tipo de análise da ação individual, para posteriormente entender

a conduta coletiva, assim como a ação das lideranças nesse processo, e essa

ferramenta é o individualismo metodológico. Ele realiza a análise da social-

democracia e destaca a decisão de lideranças de esquerda em participar da

política institucional, portanto, que fizeram o cálculo do que é possível fazer,

para organizar a classe trabalhadora dentro do sistema institucional burguês.

Em linhas gerais, seu estudo se baseia na premissa de que o indivíduo se

esforça para maximizar ganhos, com o mínimo de custo, de modo a atingir um

prémio com o mínimo de esforço. Traduzindo isso para o campo da

organização dos trabalhadores, no caso de uma greve, esta seria composta por

pessoas dispostas ao enfrentamento coletivo com a empresa, enquanto outros

não se engajariam no movimento, para não correr o risco de perder o emprego

ou serem prejudicados. Porém, caso uma greve tenha êxito, os não

participantes vão na ‘carona’ e se beneficiam com os seus resultados, isso,

dentro de uma lógica maximizadora. A liderança operária, frente a esse tipo de

situação, tem que se engajar em diminuir os custos da ação coletiva, de modo

que os trabalhadores participem e tenham maior chance de obter êxito, que

são os ganhos materiais. Há todo um cálculo racional, uma análise do

momento, e a ação, não uma determinação objetiva da mobilização operária. A

estrutura fornece um campo de possibilidades, nas quais as lideranças efetuam

cálculos de ação, do que é possível fazer, em determinada conjuntura

(PRZEWORSKI, 1989).

Esse foi o caso da greve da CVRD no Espírito Santo, onde as lideranças

organizaram as bases nas oficinas de Itacibá, disseminando o movimento

paredista por várias unidades da empresa. Isso fizeram sem a participação do

Sindicato, ou seja, as lideranças analisaram a conjuntura, concluindo que a

entidade não estava sendo proveitosa na luta pelas melhoras salariais. Em

1948 havia sido feito o pedido de dissídio coletivo à empresa, que era um

mecanismo legal, que autorizaria os trabalhadores a fazer a greve, porém, ele

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não era aprovado, e aqueles ficavam impossibilitados ao menos de se

mobilizar. Granja sabia disso, assim como as demais lideranças e, por isso,

fizeram a greve de outra forma, através da já citada Comissão de Salário.

Outra contribuição, que podemos chamar de teórica, apesar de teórico

ser um termo desconfortável ao autor, é a de Thompson. Em sua análise dos

aspectos culturais que nortearam as lutas dos trabalhadores na Inglaterra do

século XVIII e XIX, o historiador trabalha com ideia semelhante à de

Przeworski, não caindo no estruturalismo, com o tratamento da constituição da

classe trabalhadora como coisa, ou seja, sem levar em conta sua formação

histórica concreta, assim como o seu ‘fazer-se’ (THOMPSON, 1987). A classe

só pode acontecer se:

“(...) alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõe) dos seus” (THOMPSON, 1987, p.10).

E essa identificação não se dá obrigatoriamente segundo a formação

econômica de uma sociedade, mas segundo sua formação concreta. Assim, os

trabalhadores da CVRD que entraram em greve, estavam identificados pelas

péssimas condições de trabalho, assim como baixos salários, frente a uma

inflação que dificultava suas condições de vida. Essa foi uma dos aspectos que

possibilitaram a ação das lideranças, que organizaram a mobilização.

Ruy Braga, professor da USP, escreveu o livro A política do precariado:

do populismo à hegemonia lulista, no qual traz uma importante questão, apesar

de não estar alinhado ao pensamento dos pesquisadores supracitados.

Segundo ele, os trabalhadores do Brasil, dentro de sistemas de produção

capitalistas distintos (taylorista, fordista, fordista pós-financeirizado), teriam

mediada sua relação com o empresariado através de modos de regulação

distintos (populista, autoritário e lulista), mas sempre haveria como marca uma

insatisfação operária, uma inquietação das classes trabalhadoras, que, em

certos momentos da história, entram em luta contra as forças dominantes dos

patrões, através do mecanismo de greve. Essa inquietação operária é sua

contribuição, pois ela existe, porém se acirra em momentos críticos da

economia nacional, assim como pode carecer de uma devida organização das

lideranças para que as demandas tenham chance de ser atendidas.

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Braga defende que as bases pressionam as lideranças, de modo que

essas consigam algum ganho material, isso variando com o modo de

regulação. No caso do modo de regulação populista, a liderança faria acordos

com o governo, que daria algum retorno material, ao contrário do lulismo, no

qual os sindicatos, próximos dos fundos de pensões, se aproximaram do

capital, não mobilizando os trabalhadores, que por sua vez são beneficiados

diretamente por programas sociais, que não passam pela mediação do

sindicato.

No Espírito Santo de 1948 havia uma classe trabalhadora identificada

como tal, com lideranças ativas, e uma relação de proximidade entre as partes,

o que culminou com as duas greves. O comando estava inserido dentro de

uma mudança de postura do PCB a nível nacional e este respondeu de alguma

forma à essas mudanças. O PCB teve sua legenda caçada em 1948, o que fez

com que a direção do partido a nível nacional alterasse sua postura, que era

pacífica, e se tornou de enfrentamento. O manifesto de Janeiro, produzido por

Luís Carlos Prestes, identificou o governo Dutra como ditadura subordinada ao

imperialismo, que deveria ser combatido. Assim, estabeleceu objetivos a serem

postos em prática pelos comunistas, que eram: defesa da independência

nacional e das riquezas nacionais; defesa das liberdades populares; defesa do

nível de vida das massas trabalhadoras; defesa dos interesses do camponês;

defesa da indústria nacional; assim como o não envio de tropas no caso de um

possível conflito dos EUA com a URSS. Desse manifesto, surgiram três

campanhas de grande vulto, com direção de comunista, que foram: a

campanha do petróleo; a campanha da Paz; e a luta contra o imperialismo.

Ideia expressa no manifesto era partir das reivindicações materiais, presas as

relações de trabalho, para depois politizar as greves, transpondo as

reivindicações materiais, para a participação em questões de política nacional.

Nos discursos da Câmara de Vereadores de Cariacica e Vitória, Granja e

Fonseca defenderam os pontos de vista do partido, mas não politizaram a

greve da CVRD. Por quê? A nível regional as três campanhas encontravam

alvos concretos, como a C.C.B.F.E., concessionária de energia elétrica no

Espírito Santo, parte da American Foreign and Power (Amforp), parte do grupo

Bond and Share, multinacional americana. Era uma empresa odiada no Estado,

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porque não dava conta da demanda da cidade, não tendo tomado atitudes que

sanassem estruturalmente a falta de geração de energia elétrica, direcionando

medidas paliativas, como a construção de termelétricas (RIBEIRO, 2013).

A Campanha do Petróleo foi grandemente difundida no Espírito Santo

pelos comunistas, mas também com participação de liberais, como Setembrino

Pelissari. Este, em entrevista, disse que as pessoas que participavam dos

comícios eram, em geral, membros da classe trabalhadora, sindicalizados e

pessoas mais humildes. Então por que não politizaram a greve os comunistas?

Tentaram?

Por último, a Campanha da Paz, que também teve repercussão no

Espírito Santo, mas não encontrou na greve o meio de politizar os

trabalhadores. Não se sugere com estas perguntas que politizar uma greve

seja um mecanismo simples, pelo contrário, é algo muito difícil deslocar as

reivindicações materiais dos trabalhadores para a esfera da participação

política, porém cabe um estudo sobre como as lideranças agiram com relação

a estes temas, e como adequaram as diretrizes nacionais à realidade capixaba.

O objeto desta monografia é o de observar, através do discurso do jornal

A Gazeta, como era tratada a CVRD publicamente por esse meio de

comunicação, assim como interpretação das informações contidas em tal

discurso; e a análise da relevância e característica da Campanha do Petróleo

no Espírito Santo.

No capítulo 2 serão analisadas as colunas do Jornal A Gazeta, escritas

por seu editor chefe, o udenista Eurico Rezende, caracterizando seu

pensamento dentro das linhas de sua agremiação política, assim como

verificando os problemas que ele achava relevante apontar em suas colunas,

assim como suas omissões, ou seja, coisas que ele nem cita, mas são

elementos da realidade, em momentos dramáticos, como a luta da direção da

CVRD com os representantes da EXIMBANK. Para tal esforço, será utilizada a

metodologia proposta por Ciro Flamarion Cardoso, que, em seu livro Narrativa,

Sentido e História, lança pressupostos da semiótica subordinadas ao trabalho

do Historiador, com a poética de Todorov (com a análise das características

internas do texto) e o estudo da ideologia de Goldman (estrutura mental da

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época em que o documento surgiu). Serão observados os aspectos internos do

texto, assim como termos e causas atribuídas pelo autor a certos

acontecimentos, assim como tempo que dedica a certos assuntos.

No capítulo 3 será feita analise da entrevista realizada com Setembrino

Pelissari, que participou da Campanha do Petróleo, quando ainda era

estudante. Este iniciava sua participação política e tinha como tutor, Eurico

Rezende. Pelissari seguiu o caminho da UDN, tendo os traços característicos

da agremiação, por isso cabe entender, assim como no caso de Rezende,

como ele decodifica as situações a sua visão de mundo. A metodologia

utilizada para a História Oral é o pesquisador inglês Paul Thompson, que

lançou um compêndio sobre técnicas da entrevista, e auxilia em pontos

importantes da pesquisa. Um desses pontos é a constatação de que a pessoa

idosa, depois de encerrar suas atividades de trabalho, passa por um processo

de retrospectiva de sua vida, assim passando por pontos do passado, e

construindo uma memória, criando ou excluindo informações. Outra

contribuição é os aspecto psicológico da pessoa, sua característica individual,

que auxilia a entender como aquela subjetividade interagiu com certo

pensamento de época ou acontecimento. Por fim, dentre as mais interessantes,

é a importância dada não à veracidade dos eventos mas sim à construção de

determinada memória, no caso, de Pelissari. Porém, a mudança em relação a

esse pesquisador é que não foi analisado um grupo, mas um indivíduo que

representa um tipo de pensamento de época, ou seja aqui se trata de uma

análise qualitativa, assim como, levando em conta a história de vida do

entrevistado, suas idiossincrasias.

No capítulo 4, será feita a conclusão, com os resultados da pesquisa,

assim como indicações para uma pesquisa mais acurada sobre as outras

campanhas (da Paz e contra o imperialismo) que não serão tratadas neste

trabalho.

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2. Eurico Rezende e a esfera pública capixaba em 1947: O espaço

e o discurso

2.1 Introdução

O presente capítulo tem por objetivo a análise do discurso da coluna

Ordem do Dia, publicada no jornal A Gazeta, de agosto de 1947 a fevereiro de

1948, pelo advogado Eurico Rezende, editor-chefe do jornal naquele período. A

coluna é quase exclusivamente direcionada à diretoria da Companhia Vale do

Rio Doce (CVRD), abordando eventos que ocorriam na empresa e que

contrariavam o próprio discurso moderno que a legitimava, assim como

práticas políticas postas em prática pelo PSD. Observada sob o olhar de

Rezende, liberal e partidário da UDN, os eventos da direção da CVRD foram

decodificados sob tal prisma político, que desqualificou totalmente a sua

atuação, omitindo, porém, no que ela vinha se engajando, que era a luta pela

manutenção da autonomia empresarial em relação aos interesses norte-

americanos no comando da estatal. Através das acusações de Rezende é

possível analisar como ele tentou desenvolver um discurso político diverso no

Espírito Santo, e que foi derrotado no campo das representações.

2.2 Crônica dos eventos

Para compreender o contexto político em que Eurico Rezende escreveu

a Ordem do Dia, faz-se necessário a busca nas rupturas e continuidades da

política capixaba desde a Revolução de 30, cuja principal característica é a

manutenção da influência oligárquica na política capixaba.

O Estado do Espírito Santo seguiu as tendências políticas a nível

nacional, tanto na Revolução de 1930, e todos os eventos em sequencia, haja

vista o novo sentido que a política nacional tomou com relação ao papel do

Estado. Antes do evento que marcou o fim da República velha, a política

nacional estava nas mãos das elites regionais, principalmente dos Estados

mais desenvolvidos, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio

Grande do Sul e Pernambuco. Isso se alterou com a posse provisória de

Getúlio Vargas no poder em Outubro de 30. Desde então, o poder passou a ser

centralizado, assumindo o Governo Federal, funções antes desempenhadas

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pelos Estados, que tinham em sua alternância de mandatos, a influência sobre

o poder executivo. Sob a ideologia tenentista autoritária, que defendia o

reformismo, as elites tradicionais foram desalojadas do poder, participando da

política federal sem o poder executivo que detinha antes da Revolução de 1930

(SKIDMORE, 1982).

A revolução foi articulada pela Aliança Liberal, frente formada por

Oswaldo Aranha, em Minas Gerais, Lindolfo Collor na Paraíba e seguida em

vários Estados da federação; por tenentes preocupados com a rápida

industrialização do país, e reforma dos costumes políticos; por militares de alta

patente, preocupados com recursos para o Exército, assim como a

preocupação com a industrialização do país; por cafeicultores insatisfeitos com

as ações do governo, que não encontrou solução para os problemas causados

pela crise de 1929 (SKIDMORE, 1982).

Os dois primeiros citados acima, são chamados por Thomas Skidmore

de revolucionários, pelo fato de terem atuação direta na derrubada da

República Velha, enquanto os demais apenas apoiaram a revolução,

chamados de não-revolucionarios. Mas todos esses elementos são nomeados

por Skidmore de coalizão “revolucionária”, mesmo que contendo elementos

sem participação direta nas colunas ou defesa da reforma do Estado.

Importante para esse estudo é o que Skidmore analisa sobre o sentido

que tomou a política brasileira após esse evento. Sua tese é que a

centralização do Estado Brasileiro, e a tomada de responsabilidade em setores

como: a relação capital-trabalho; previdência social; assim como a

centralização da tomada de decisões; forneceu as bases para o sistema

político que se configurou entre 1945 e 1964, marcada pela relação populista

entre os governantes e setores civis, como os sindicatos de trabalhadores. A

crise do café, e a falta de uma classe que pudesse impor sua hegemonia aos

demais, abriu espaço para que o Estado assumisse o papel de propulsor do

desenvolvimento nacional, com vistas ao bem comum da nação. Tal função foi

demonstrada pela forma de governo de Vargas, hábil conciliador dos interesses

de facções rivais que se digladiavam, caso não houvesse uma mediação. Após

a constituição de 1934, Vargas, eleito indiretamente pela Constituinte, começou

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a articular uma forma de se manter no poder, haja vista o impedimento de sua

candidatura em 1937, empecilho civil imposto através da constituinte de 34.

Tanto a constituição, quanto esse impedimento, feitos sob a pressão dos

constitucionalistas, representados pela classe média. Com a radicalização dos

movimentos políticos, pela esquerda (comunistas e intentona comunista), e

pela direita (ação integralista), Getúlio Vargas conseguiu manobrar, no sentido

de obter apoio dos tenentes, para se manter no poder, de forma autoritária.

Sob esse apoio, foi implantado o Estado Novo, que fortaleceu ainda mais o

papel do Governo federal. Com a redemocratização, em 1945, uma estrutura

política totalmente diferente daquela de 1930 estava posta. Novos atores

políticos entraram em cena com a abertura política, assim como os estímulos a

industrialização já haviam desenvolvido uma classe industrial suficiente para se

por diante o Estado. Exemplo disso eram os trabalhadores representados pelo

Partido trabalhista brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil (PCB); e a

classe industrial, representada pela UDN, nesse momento mais desenvolvida.

Em resumo, o governo provisório; o governo constitucional de 1934; mas, com

maior importância, o Estado novo de Vargas foram os momentos em que a

política brasileira tomou novos contornos, baseados na centralização de todas

as decisões nas mãos do Governo Federal, incluindo a mediação entre os

conflitos entre as classes sociais.

No Estado capixaba, anterior à Revolução de 1930, a política também

era tradicional, sob o poder dos coronéis, donos de redutos eleitorais. As elites

agrário-exportadoras capixabas eram provenientes, em grande parte, do Sul,

haja vista o desenvolvimento acentuado nessa região do Estado, ao contrário

do que se encontrava a Norte do Rio doce, principalmente na região Noroeste,

ainda não colonizada à época. A Revolução de 1930 no Espírito Santo,

inicialmente não encontrou muitos adeptos para a Aliança Liberal, pois a elite

capixaba prosseguiu em apoio tanto à situação federal quanto a estadual,

Washington Luís e Aristeu Borges de Aguiar. Mas logo isso mudou, pois

parcela da elite capixaba começou a simpatizar com a mudança na política.

Fernando Achiamé, em seu livro O Espírito Santo na Era Vargas (1930-1937)

elites políticas e reformismo autoritário, utilizando o aparato teórico de Gramsci

para analisar a sociedade capixaba do período, diz que, parte da elite capixaba

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passou pelo transformismo, ou seja, se voltaram contra o sistema de poder no

qual tinham não só legitimidade, como fonte de força, com vistas a um novo e

mais proveitoso posicionamento no quadro político.

Sobre esse aspecto, a política capixaba, que era dividida entre clãs

familiares, na conjuntura da revolução, estava em poder dos Borges Aguiar,

apoiados pela facção da família Monteiro bernardinista, da tradição de

Bernardino Monteiro. A outra facção da família Monteiro era a jeronimista,

alijada do poder naquele período. Desde 1920, que a família Monteiro era

dividida entre essas facções rivais.

Uma das pessoas a apoiar a Aliança Liberal foi Carlos Fernando

Monteiro Lindenberg, jeronimista, portanto, alijado do poder também. Tanto

este, como outros políticos mais prestigiosos (Geraldo Viana coronel de Muqui

e Fernando Abreu, de uma família de Cachoeiro de Itapemirim) deram um salto

sobre o abismo, ao decidir pelo apoio a Aliança liberal, pelo fato de arriscar seu

prestígio político no apoio aos aliancistas (ACHIAMÉ, 2010). Essa participação

mostra a derrocada do antigo regime:

“[Essas ações] ilustram de forma eloquente a derrocada do sistema político da chamada República Velha – quando pessoas pertencentes às classes dominantes passaram a apoiar francamente o movimento revolucionário, mesmo não tendo se empenhado na campanha da Aliança Liberal, o colapso do regime já era dado como certo” (ACHIAMÉ, 2010, P.123).

O autor argumenta que a classes dominantes capixaba, com a

revolução, encontraram novas formas de participar do poder. Vários políticos

capixabas foram à Minas Gerais, e voltaram junto às colunas que conquistaram

o Estado capixaba. Desse modo, ao se estabelecer um novo governo, os

revolucionários capixabas, assumiriam cargos. O Estado vizinho era um dos

líderes da Revolução, governado por Olegário Maciel.

Fernando Achiamé usa de outra teorização de Gramsci, que é o conceito

de revolução passiva. Ao identificar que a revolução, no sentido econômico e

político, teve de ser levado a cabo pelo Estado, e não por uma classe dirigente,

que se torna dominante. Esse tipo de revolução foge à experiência histórica

(Revolução Francesa), na qual uma classe revolucionária (Burguesia), se torna

classe dirigente e depois se torna classe dominante (ACHIAMÉ, 2010). O

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Espírito santo não tinha uma classe capaz de levar a frente esse tipo de ação,

e conquistar a hegemonia. Portanto, diante uma crise de vácuo hegemônico, o

Estado assumiu a responsabilidade de levar a frente a industrialização,

combater o mau uso do Estado (corrupção) mas principalmente, resolver os

problemas do país, intensificados pela crise econômica internacional.

As elites agrárias não ficaram alheias ou segregadas da esfera política

no Espírito Santo, pois, assim como em outros Estados, eram a classe com

mais força que demais, por isso, sua participação no poder regional. Ficaram

sob o poder federal.

Quando chegou a Vitória a mensagem de que havia estourado a

Revolução, logo um grande temor se deu na Capital, e as classes

conservadores se moveram e interviram no rumo dos acontecimentos. A

associação comercial de Vitória, autointitulada, representante das classes

conservadoras, foram até Aristeu Borges de Aguiar, e solicitaram que esse se

retirasse do cargo, para que evitasse uma resistência, e por seguinte,

derramamento de sangue. O governador percebeu o ultimato, daquela que, era

a instituição que lhe conferia maior legitimidade e, portanto, se retirou do cargo

no dia 16 de Outubro. O coronel Armando de Paula, enviado pelo Governo

federal para resistir aos revolucionários, foi empossado provisoriamente como

governador, o que indignou as classes conservadoras, que voltaram a solicitar

a não resistência aos revolucionários; No dia 18, Armando de Paula se retirou

do cargo provisório, e em 22 do mesmo, chegou a coluna vinda de Baixo

Guandú, assumindo o poder e instituindo uma junta governativa.

Nesse momento voltou a se dar o conflito intraoligárquico, pois os

aliancistas que participaram da revolução tinham por intenção assumir a

interventoria do Estado. Porém, foi João Punaro Bley, que em 22 de Novembro,

assumiu o cargo de interventor federal. Esse, dentro da linha Getulista de

conciliação de interesses, ficou incumbido de desfazer as escaramuças entre

as facções regionais capixabas, o que o político fez com habilidade.

Seguindo a crônica dos acontecimentos, a forte pressão pela criação de

uma constituição se fazia ao Governo provisório de Vargas, reivindicação das

classes médias, frustradas e preocupadas pelo rumo que Revolução que antes

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haviam apoiado tomou. A Revolução Constitucionalista de 1932 estourou em

São Paulo, mas não obteve apoio dos demais grandes Estados, pelo fato de ter

o movimento assumido as cores do separatismo. A Constituição de 1934

inaugurou o que Achiamé chamou de democracia limitada.

Nesse momento, Carlos Lindenberg, fundou o Partido Social

Democrático (PSD), de modo a oferecer apoio ao Governo Vargas. Utilizou-se

das relações oligárquicas, indo aos municípios sulistas, firmando alianças e

formando o partido rapidamente. Tal velocidade demonstra como as relações

da República Velha seriam difíceis de apagar. Porém, tanto essa articulação,

quanto a dos comunistas, integralistas foram vetadas com o Estado Novo.

Foram os anos da ditadura, e o espaço para participação civil no governo ficou

limitado.

Mas mesmo a ditadura tinha data para acabar. Vargas havia firmado o

compromisso de, seis anos depois de instalada a ditadura, chamaria eleições,

e novamente voltaria a democracia. Em 1943, pressões se fizeram nesse

sentido, de modo que, mesmo que o ditador tenha tentado manobrar as

pressões, em 1945, fosse convidado a se retirar do poder, por sua base de

apoio o exército.

Em 1945, Getúlio Vargas foi deposto, e as eleições chamadas para 2 de

dezembro do mesmo ano, onde concorreram o brigadeiro Eduardo Gomes pela

UDN e o General Eurico Gaspar Dutra pelo PSD. Este obteve o apoio e

Vargas, assim com o apoio da classe fundiária, ainda muito forte nos principais

Estados do Brasil, e isso lhe rendeu a vitória eleitoral. Nos Estados, as eleições

para governador do Estado foram em 1947. No Espírito Santo, a prática política

do coronelismo era muito forte ainda, ao contrário de Estados como São Paulo

e Rio de Janeiro, nos quais o sistema político populista já se encontrava em

funcionamento.

As famílias ou clãs voltaram a ter liberdade de atividade política, assim

como o restante da sociedade teve essa possibilidade, porém, com a primazia

de ser uma classe mais organizada que as demais.

16

Sobre a distribuição econômico-social, a região noroeste capixaba

passou por um processo de colonização, caracterizado pela parceria e meia.

Havia também certa facilidade de se conseguir obter terras, assim a

configuração da posse de terras no Espírito Santo foi de pequenos agricultores,

com mão de obra de origem familiar, pela migração interna, de pessoas vindas

do Sul do Estado. Esses pequenos agricultores encontraram sua

representação no Partido Republicano Progressista (PRP). Outro grupo que

entrou representado na nova situação política foi o dos trabalhadores,

representados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Comunista

Brasileiro (PCB). A União Democrática Nacional representava as classes

médias urbanas. O Partido Democrata Cristão (PDC) tinha representação em

classes tradicionais, sendo um dos seus componentes o ex-interventor João

Punaro Bley. (SILVA, 1995)

As eleições agitavam os atores políticos capixabas, que buscavam

dentro dos quadros dos partidos, encontrar alianças que os garantissem a

participação no poder, agora aberto a quem vencesse nas eleições. O quadro

das elites capixabas não se alterou, e o conflito entre facções voltou a cena

política, com a luta pelo poder.

Martha Zorzal e Silva, em seu livro Espírito Santo: Estado, interesse e

poder, descreve o momento em que os partidos buscavam um candidato para

a governadoria do Estado, assim como um candidato a senador. Segundo a

autora, a divisão do poder está dentro do PSD, partido com mais força no

Estado. Essa divisão se dava entre a ala atilista e a ala jonista, as quais eram

procuradas por outros partidos, já cientes da necessidade de aliança com o

PSD para obter algum benefício. Sobre o poder dos clãs familiares no Espírito

Santo, vale a pena mostrar que alas eram essas que dividiam o PSD. A ala

atilista era de Atílio Vivácqua, pertencente ao clã dos Vivácqua, do município

de Muniz Freire, e a ala jonista era composta por Jones dos Santos Neves

(membro da família Santos Neves) e Carlos Lindenberg (membro dos Monteiro,

de Cachoeiro de Itapemirim). O poder do Estado ainda pendia para o Sul, pois

a representação política encontrava nesses clãs, os representantes da classe

fundiárias.

17

Antes de Vivácqua se lançar como candidato, buscou pelo nome do

general Tristão de Alencar Araripe, pois esse, um militar e próximo ao

presidente da República, era a figura visada para assumir o cargo de

governador. O ideal de neutralidade militar ainda era muito forte naquele

período. Seu nome foi sondado pelo PDC de Bley, e pela UDN. O candidato,

porém, desistiu de se candidatar por qualquer um dos partidos, pois sua

intenção era conciliar as posições, em busca de uma harmonia entre os

partidos, para melhor governar, o que lhe pareceu impossível de acontecer.

A UDN, que então não ia lançar candidato para governador, decidiu em

assembleia no diretório capixaba que lançaria para governador Fernando

Monteiro Lindenberg (irmão de Carlos Lindenberg) e Luiz Tinoco para senador,

porém, em Janeiro do ano seguinte, Fernando Monteiro retirou sua

candidatura, e Seu irmão se tornou candidato, representante da aliança PSD-

UDN.

Porém nem todos os udenistas concordaram com a aliança, surgindo os

dissidentes, dentre os quais se destacavam: “Eleosippo Cunha, Rosendo

Serapião de Souza Filho, Eurico Rezende (…) Nahum Prado, José Medeiros

Corrêa”. (SILVA, 1995, p.339) Então, dentro do partido dos bacharéis, houve

discordância quanto o acordo firmado, e dois desses udenistas históricos eram,

respectivamente, dono do Jornal A Gazeta e editor chefe do mesmo. A ala

atilista do PSD firmou aliança com o PR e PDC, este último em que o Dr.

Fernando Duarte Rabello deixou de ser candidato parra dar lugar à Atílio

Vivácqua, sendo candidato a senador, Bley.

A disputa pelo eleitorado se deu com Lindenberg com a promessa do

“cancelamento de todos os impostos sobre a lavoura (…) [de] grande

permeabilidade junto ao eleitorado rural” (SILVA, 1995, p.334). e Atílio

Vivácqua com um extensa plataforma de governo, segundo Zorzal, muito

avançada para a época. Esse fator, para a autora, foi importante para a vitória

de Lindenberg, pois a candidatura de Vivácqua, não era acessível para a

maioria do eleitorado, ao contrário de seu adversário, que prometia algo que

atraía diretamente o eleitorado rural. Na Assembleia Legislativa, o poder do

18

PSD se confirmou, tendo eleito 14 deputados, enquanto o segundo partido, a

UDN, havia conquistado 6 vagas.

Apesar de novas forças políticas terem ingressado na arena política,

Zorzal aponta para a manutenção de padrões de relacionamento político

coronelísticos, quando diz que:

“Efetivamente, durante o período de 1945 a 1964, a realização de alianças, visando manter o poder, ou o acesso a ele, será a tônica que vai permear o quadro das disputas políticas no Espírito Santo (…) A vitória expressiva dada ao candidato da aliança PSD-UDN - Carlos Lindenberg- evidencia que os laços de lealdade ainda eram muito fortes no Espírito Santo (…) em suma, em termos comparativos com os demais Estados da região Sudeste- onde as práticas populistas passam, no pós-45, a se constituir na forma básica de disputas político-partidárias- verifica-se que no Espírito Santo, ao contrário, as práticas coronelistas são reeditadas e prevalecem no domínio político” (SILVA, 1995, p.350).

A diferenciação do Espírito Santo com relação aos outros Estados está

descrito por Zorzal, no qual o poder dos coronéis ainda era muito forte, e as

relações tradicionais eram vigentes nas práticas políticas, de forma semelhante

ao que se tinha no período anterior à Revolução de 1930.

Os udenistas que não concordaram com a aliança com o PSD tinham

razão em não aceitá-la, pois, apesar de logo depois de empossado governador

do Estado, Carlos Lindenberg, ceder a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria

Geral da União para UDN, logo começou a agir de forma a tirar o empecilho

udenista de sua administração.

Não era interessante ter para ele, os udenistas participando do seu

governo, pelo fato de que:

“(...) Carlos Lindenberg estava dando continuidade (…) a execução do projeto de consolidação de estruturas e apoio capazes de permitir o controle hegemônico do aparelho regional de Estado ad infinitum, pelas referidas forças políticas (…) E nesse momento, estava, afinal, à frente do executivo, cujo espaço de atuação lhe permitiria amplas realizações. Porém, não estava só. Haviam os aliados políticos em pontos chaves, com os quais precisava negociar e fazer concessões, próprias do jogo político. E, estas, principalmente, não eram parte de sua agenda. Como consequência, em pouco tempo, tanto PRP como UDN seriam eliminados da arena executiva (SILVA, 1995, p.354).

As atitudes de Lindenberg, de compressão do gasto público, fez com

que os udenistas que membros do funcionalismo público fossem demitidos, e

19

logo gerou reação dos aliados. As ações do governador visavam diminuir o

espaço de atuação da UDN, e retirá-lo dos pontos chave de seu governo.

Enquanto a nível nacional o PSD firmava aliança com a UDN, a nível

regional, o último rompeu com o partido situacionista. O acordo interpartidário,

firmado entre PSD-UDN-PR em 1947, tentou diminuir a tensão existente no

espírito Santo, de modo a manter a aliança, porém, em 13 de maio de 1948 a

UDN capixaba rompeu com o PSD, se retirando dos cargos que havia

assumido no início do governo.

O poder executivo capixaba de 1947 ainda contava com a participação

udenista, porém no ano seguinte, encontrava-se só na gestão do mandato

governamental, levando assim o projeto de dinamização da produção agrícola

e industrial, assim como o objetivo de aumentar a arrecadação no Estado,

redistribuindo os impostos entre o setor de produção e comércio.

O contexto em que Eurico Rezende começou a escrever as colunas a

Ordem do Dia foi marcado pela perseguição as hostes udenistas no

funcionalismo público, sob o pretexto da redução dos gastos públicos;

diminuição do espaço de atuação da UDN no governo; e a vigência de padrões

políticos tradicionais, baseados em relações pessoais. O partido majoritário na

Assembleia Legislativa era o PSD, assim como a prática coronelista era

comum no Espírito Santo, diferente das mudanças que vinham ocorrendo nos

Estados vizinhos, dentro da lógica populista.

A liderança política de Lindenberg foi a vitória de um projeto mais

conservador, diferente de Atílio Vivácqua, que, segundo Zorzal, era partidário

de uma linha mais progressista dentro do PSD.

Dentro dessa configuração de poder, o surgimento de um discurso

moderno, do qual Rezende era signatário, encontrou vários objetos, eventos e

práticas a que apontar e acusar, mas também um ambiente desfavorável para

sua propagação, haja vista hegemonia oligárquica capixaba muito mais

consistente que a elite moderna capixaba, ainda em surgimento no Espírito

Santo, e com uma maior base nas classes médias urbanas.

20

A escrita de Eurico Rezende assume um tom de denúncia, acusando as

práticas políticas vigentes na maior empresa do Estado capixaba naquele

momento, a CVRD. O empreendimento estatal, posto em funcionamento em

1942, por Vargas, é alvo de várias críticas e acusações graves do jornalista,

assim como em duas colunas, aponta para situação política fora da empresa,

no caso de uma professora perseguida politicamente por um partidário do PSD.

Suas acusações são direcionadas as práticas políticas vigentes no

Espírito Santo, tendo como principal alvo a CVRD. O que, afinal ocorreu na

CVRD? O que remontava às relações tradicionais? Esse discurso ganhou

repercussão no Espírito Santo?

Antes de entrar nessas questões, no que o jornalismo udenista, poderia,

através do levantamento das acusações, querer?

Antônio Gramsci e a reflexão teórica sobre o jornalismo

A obra utilizada para esse estudo é Os intelectuais e a organização da

cultura (GRAMSCI, 1979), livro no qual Gramsci faz observações sobre os

intelectuais italianos, desde a Roma de César, perpassando a Idade Média;

Renascimento; Contrarreforma; Unificação italiana; até a época em que

escreveu, o ano de 1929. Suas reflexões nesse livro partem dessas

observações e se desenvolve nos temas da educação escolar e jornalismo.

Nesses objetos, desenvolve teorizações, aponta erros a serem sanados, e

define qual seria o melhor caminho a seguir nessas áreas, de modo a fornecer

uma formação cultural mais apropriada aos indivíduos, e por seguinte, a

transformação da sociedade.

Sobre a escola, faz a defesa da escola unitária, onde o aluno passaria

por um ensino ético-moral, com características, necessariamente, próximas de

um dogmatismo, para depois o indivíduo prosseguir a um estudo técnico,

independente da área em que for atuar. A intenção é formar um intelectual

orgânico, com capacidade de direção da sociedade, partindo de uma formação

humanista, para depois desenvolver capacidades técnicas, as quais não

estariam sozinhas e aprisionadas nos locais de trabalho, mas acompanhadas

21

de uma formação humana capaz de uma reflexão crítica sobre as reflexões em

que está inserido.

Assim com a educação das crianças não constituem algo natural, e sim

na criação do hábito do estudo e da reflexão, o jornalismo deve fornecer as

conexões necessárias para um indivíduo que, não tem o tempo necessário

para se dedicar à analises extensas sobre as relações públicas e sócias. Está

próximo à tarefa educativa, como nos mostra Gramsci.

Segundo o autor, é inútil se formar um objeto de consumo escrito, que

não tenha uma base social, ou seja, pessoas que leiam tais textos, e excetuada

essa situação, o jornalismo tem o papel de fornecer mecanismos, que

permitam aos indivíduos refletirem sobre determinado assunto, de forma

sistemática, visando a transformação da realidade concreta. Portanto, segundo

a leitura gramsciana, o jornalismo tem o papel de fornecer aos leitores, uma

reflexão sistematizada sobre assuntos diversos, proporcionando-os a

capacidade de reflexão sobre esses, e a consolidação de uma leitura sobre a

realidade, para, então, ser possível a transformação dessa.

Mas o jornalismo tem lugar e origem de grupo, e, segundo Gramsci, há a

pressuposição da:

“(...) existência de um grupamento cultural (em sentido Lato) mais ou menos homogêneo, de um certo tipo, de um certo nível e, particularmente, com uma certa orientação geral; devemos pressupor ainda que se pretenda fundar-se em tal grupamento para construir um edifício cultural completo, autárquico (…) Todo o edifício deveria ser construído de acordo com princípios 'racionais', isto é, funcionais na medida em que tem determinadas premissas e se pretende atingir determinadas consequências” (GRAMSCI, 1979, p.162, grifo nosso)

Portanto, uma revista, jornal, almanaque ou qualquer atividade

jornalística, parte de um grupo, que tem premissas e visa atingir determinadas

consequências. No caso de A Gazeta, parte-se de alguns princípios morais,

próprios do movimento que o configurava, visando idealmente a alteração das

relações políticas produzidas na vida capixaba. Mais a frente veremos quais

são essas características.

A intenção jornalística, inicialmente é direcionada para um grupo, para

atender as suas necessidades, mas desdobra-se na ampliação desse público,

22

atingindo outras pessoas, de outras camadas sociais. Isso remete ao

convencimento, à argumentação e sobre determinada forma de ver o mundo,

ou seja, além de satisfazer as necessidades de seu grupo, o texto jornalístico

deve ampliar seu público através do convencimento de que essa visão de

mundo à mais apropriada.

Aplicando a realidade capixaba, além de satisfazer um público

progressista, basicamente um jornal de classe média urbana e elites modernas

ligadas à indústria, tem por intenção o texto jornalístico ampliar seu público,

atraindo aqueles que possam aprender a concordar com um determinado

discurso. No caso um leitor capixaba, pertencente ao setor agro-fundiário

poderia ser convencido de que os padrões morais udenistas, assim como suas

acusações são certas, assim passando a consumir seus textos

frequentemente, e defendendo-os organicamente, acreditando piamente em

seus postulados. Também um trabalhador assalariado assumir um discurso

elitista, semelhante ao udenista, mesmo que isso seja uma contradição pois um

udenista não se via igual à um proletário.

O jornal deve então, se preocupar com a tiragem, e a ampliação de seus

leitores, na intenção de atender uma demanda, aumentar sua tiragem e obter

mais leitores, conquistando mais pessoas que leiam e se interessem por seus

textos. A preocupação com o leitor, segundo Gramsci, é essencial! Esses

devem ser atraídos a comprar o texto jornalístico, qualquer que seja, pelo

conteúdo nele contido, mas sem perder de vista as características externas no

periódico. Um jornal deve se preocupar com a divulgação.

Para atender um determinado grupo e conquistar mais leitores, o grupo

cultural de obter uma homogeneidade interna, que ponha em proximidade

todos os componentes do jornal, de modo que estabeleça características

próprias que os garanta a sobrevivência permanente. Nas palavras de

Gramsci:

“Não pode existir associação permanente, com capacidade de desenvolvimento, que não seja sustentada por determinados princípios éticos, própria associação determina para seus componentes singulares, a fim de obter a compacticidade interna e a homogeneidade necessárias para alcançar o objetivo” (GRAMSCI, 1979, p.167, grifo nosso).

23

Sobre os princípios, Gramsci esclarece mais sobre o grupamento

cultural:

“(…) uma associação normal concebe a si mesma como uma aristocracia, uma elite, uma vanguarda, isto é, concebe a si mesma como sendo ligada por milhões de fios a um determinado agrupamento social e, através dele, a toda humanidade. Portanto, esta associação não se considera como algo definitivo e enrijecido, mas como tendente a ampliar-se a todo um grupamento social, que é também considerado como tendente a unificar toda humanidade . Todas essas relações dão o caráter tendencialmente universal da ética de um grupo, que deve ser concebida como capaz de se tornar norma de conduta de toda a humanidade (GRAMSCI, 1979, 168-69, grifo nosso) .

No Espírito Santo, o jornal A Gazeta fazia claros questionamentos de

conduta aos eventos ocorridos na esfera regional, assim como, tinha espaço

dedicado aos acontecimentos nacionais e internacionais, questionando

também, por exemplo, as ações da União Soviética comunista, a qual o

grupamento cultural do jornal era avesso. O padrão moral era descrito nas

entrelinhas dos julgamentos morais presentes nos artigos do jornal.

Uma das preocupações de Gramsci é com a utilização de termos e

conceitos políticos, que devem ser facilitados para o leitor comum, não

especializado em assuntos como economia e política, assim como assunto

devem ser resumidos, de modo a dar a possibilidade de que o leitor esteja

ciente de eventos e dilemas ocorridos a nível regional, nacional e internacional

se for o caso.

“o leitor comum não tem, e não poder ter, um hábito científico, que só se adquire com o trabalho especializado: por isso deve-se ajudá-lo a assimilar pelo menos o 'sentido' desse 'hábito' através de uma oportunidade crítica oportuna. Não basta lhe oferecer conceitos já elaborados e fixados em sua expressão 'definitiva'; a concreticidade de tais conceitos, que reside no processo que levou àquela afirmação, escapa ao leitor comum: deve-se, por isso, lhe oferecer toda a série dos raciocínios e das conexões intermediárias, de um modo bastante determinado e não apenas por indicações” (GRAMSCI, 1979, p.170).

O trabalho jornalístico deve, então, ser uma forma especializada,

conhecer seu público e ser escrito de uma forma inteligível aos leitores. E, no

caso de uma leitura científica de determinado assunto, apresentar os nexos do

raciocínio de modo a facilitar o entendimento. A citação abaixo é bem clara:

24

“A 'repetição' paciente e sistemática é um princípio metodológico fundamental: mas não a repetição mecânica, 'obsessiva', material; porém é necessária a adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais” (GRAMSCI, 1979,p.174).

Eis o papel pedagógico, ligado a processos e repetição de informações

de modo a fornecer ao leitor, facilidade de entender os temas. Mas não só

entender o assunto, mas vencer o senso comum, o folclore e entender

criticamente a realidade.

Gramsci desdobra vários tipos de textos, com objetos diversos, mas

cabe aqui salientar o caráter do agrupamento cultural. Segundo Gramsci,

existem os jornais de partido e os de informação, sendo o primeiro,

comprometido com um grupo, e outro ligado à compilação de informações. O

jornal A Gazeta era um jornal de partido, um instrumento para conquista de

hegemonia de um grupo, que era a elite moderna representada pela UDN de

Rezende. Esse tipo de discurso entrou em uma esfera pública repleta de

relações historicamente vigentes, as quais tentou combater, para então impor o

seu. Agora podemos retornar às questões: O que, afinal ocorreu na CVRD? O

que remontava às relações tradicionais? Esse discurso ganhou repercussão no

Espírito Santo?

2.3 A CVRD na Ordem do Dia: Acusações e omissões no discurso de Eurico

Rezende em A Gazeta

No contexto da Segunda Guerra Mundial, o Brasil rompeu as relações

diplomáticas com os países do Eixo e se posicionou ao lado dos EUA e

Inglaterra, e, após de uma longa negociação diplomática em Washington,

foram firmados seis acordos que estabeleciam medidas de cooperação entres

eles, pelos quais os estrangeiros comprariam o minério de ferro para produção

de material bélico. Para tanto, foi feito um empréstimo por meio do Export-

Import Bank of America (Eximbank) ao Brasil, juntamente com a transferência

da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A. (CBMS) pelo Estado

inglês para o Brasil. Confirmado o acordo, estava solucionado o problema que

vinha se travando na arena política brasileira com relação à extração das

riquezas minerais do Brasil por uma empresa controlada por um estrangeiro,

pois, encampada a CBMS, dona das minas de Itabira (MG) e da Estrada de

25

Ferro Vitória-Minas (EFVM), o Estado brasileiro seria o beneficiário de seus

rendimentos. A empresa estatal constituída pela incorporação da CBMS foi

chamada de Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).

A direção da empresa foi composta por brasileiros e norte-americanos.

Esses, por sua vez, eram representantes do Eximbank. Essa composição

gerou uma disputa por poder dentro da sua direção, pois os representantes

norte-americanos indicados pelo banco tinham poder de veto nas decisões

gerenciais, o que gerou reação por parte do presidente da empresa, Dermeval

Pimenta e seu antecessor, Israel Pinheiro. Pimenta, percebendo a aproximação

do ministro da Fazenda do governo Dutra, Correia e Castro, com os objetivos

da Eximbank, juntamente com Israel Pinheiro, exercendo o cargo de deputado

federal, buscou sensibilizar a Presidência da República para a alteração dos

estatutos da empresa, com um aporte de capital que eliminasse a influência

dos norte-americanos. Travou-se, assim, um conflito entre estrangeiros e

brasileiros, esses com forte ideologia nacionalista.

Esse confronto se deu pelo seguinte fato: o acordo feito entre os três

países gerou um investimento na CVRD que não teve um estudo técnico sobre

as reais necessidades do empreendimento de reestruturação da estrada de

ferro. Desse modo, a empresa, que já devia um empréstimo de US$

14.000.000,00, teve que buscar mais recursos através de novos empréstimos

com o Eximbank para que continuasse a modernização da estrada de ferro.

Conseguiu o segundo empréstimo em março 1945 no valor de US$

5.000.000,00, porém com o mesmo problema: a falta de um dimensionamento

dos custos. A direção buscou mais US$ 7.500.000,00 de empréstimo, o que

gerou novas dificuldades, sendo esse concedido apenas em 1948. A forma

com que o Brasil entrou no acordo foi subordinada aos interesses estrangeiros

mesmo que visasse um projeto brasileiro, sob domínio financeiro estrangeiro e

dependente das demandas daqueles pelo minério. Com o primeiro empréstimo

foram feitos gastos com materiais e ferramentas norte-americanos, assim como

consultoria deles, ou seja, o dinheiro veio e voltou para lá, deixando uma dívida

a pagar. Isso não resolveu o problema da empresa, pois, como observou Marta

Zorzal e Silva, esse empréstimo se revelou irrisório dado o volume de obras por

26

realizar e dos equipamentos a adquirir para aparelhar minimamente o

complexo mina-ferrovia-porto.

O final da Segunda Guerra Mundial reforçou o argumento de submissão

de interesses, pelo fato de ter diminuído a exportação de minério para os EUA

e Inglaterra, que não precisaram mais da quantidade que antes utilizaram no

conflito. Isso gerou sérias dificuldades para a estatal, que, sem ter a demanda

fixa que absorvia seu minério, teve que disputar mercados com países melhor

localizados com relação ao mercado consumidor (Canadá e Venezuela) e pela

submissão da empresa a intermediários que pagavam menos que os preços

vigentes no mercado internacional. Foi nesse contexto de dificuldades que, em

1947, Dermeval Pimenta entrou com um pedido de aumento de capital social

da empresa, que estava em Cr$ 300.000.000,00 e que teve como pleito da

direção da estatal o aumento para Cr$ 650.000.000,00.

No mesmo ano, 1947, iniciou-se a publicação, no jornal A Gazeta, da

coluna Ordem do Dia, escrita pelo editor-chefe da publicação, Eurico Rezende.

Tal coluna se estendeu de agosto de 1947 até fevereiro de 1948, ou seja, por

quase seis meses. O jornal era de propriedade do Coronel Lolô Cunha

(MARTINUZZO, 2005, p.53-54) , que o havia adquirido em 1945 para apoiar a

campanha presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). Nessa coluna, o

advogado e suplente de deputado estadual pela mesma UDN iniciou uma serie

de acusações à direção da CVRD, com o objetivo declarado de salvaguardar o

empreendimento estatal da corrupção da direção da empresa, defendendo a

“esplêndida iniciativa do governo federal” dos “ditadorzinhos da Vale”. Por

conta de tal preocupação acerca do empreendimento, iniciou uma série de

críticas, falando sobre a situação na empresa no ano do pedido de aumento de

capital:

“Reaparece no cartaz dos acontecimentos notáveis a companhia Vale do Rio Doce. Mas a ‘reentre’ não foi naquelas mesmas circunstâncias e aparências nos primeiros tempos de sua esperançosa fundação, em que oferecia ao olhar estarrecido do grande público uma ostentação de luxo babilônico e uma portentosa prodigalidade de dinheiro espalhado a rodo, em forma de favores pessoais. Estilo: ‘Abre-te Sésamo!’ em farta distribuição de dadivosos empregos (REZENDE, p.1 de 18 de agosto de 1947, grifo nosso)

27

Essa fala mostra a crítica do autor com os gastos efetuados pelo Estado

para criação da empresa. Com o passar das colunas, Rezende não se

posicionou contra o empreendimento em si, mas contra sua direção. Neste

sentido, as colunas abordaram inúmeros problemas da Vale, como roubo,

desvio de dinheiro, erros administrativos, nepotismo, desserviço aos usuários

da EFVM, negligência às necessidades dos trabalhadores e gastos

desnecessários.

Essa coluna, segundo o autor, servia para mostrar umas

“verdadezinhas” sobre a administração dos engenheiros que comandaram a

Vale, haja vista o pedido de aumento de capital feito ao governo federal em

1946, pelas dificuldades que encontravam para investir na estrada de ferro.

Rezende se pegou no aumento de capital para atacar a direção da empresa,

sendo seus alvos: Israel Pinheiro (primeiro presidente, entre 1943-46) e seu

cunhado, Dermeval Pimenta (presidente entre 1946-51). Esses, segundo o

colunista, fizeram a empresa voltar ao noticiário:

“Ao contrário de quando a escola era ‘risonha e franca’ a orgulhosa sucessora da operosa Companhia brasileira de mineração e siderurgia, voltou ao noticiário esfarrapada, andrajosa, a semelhança de quem, premiado com ‘sorte grande’, houvesse derramado toda a sua fortuna facilmente ganha nos bordeis do luxo, do vício, do esbanjamento, em bebedeiras orgíacas, que apontam a direção fatal das sarjetas” (REZENDE, p.1 de 23 de agosto de 1947, grifo nosso) .

Segundo Rezende, isso tudo foi gerado pela corrupção e pelo uso

indevido do dinheiro da CVRD pela direção da empresa. Porém, não tocou em

nenhuma das questões relacionadas ao confronto interno dela com relação aos

norte-americanos ou as dificuldades com que ela se deparou devido à

diminuição da exportação para EUA e Inglaterra.

Rezende sustentava um discurso extremamente moralista, de onde se

extrai uma forma ideal de ação, baseada nas noções de competência e justiça,

que os dirigentes da companhia não estariam praticando. A partir de tal

discurso, podem-se perceber aspectos importantes da vida interna da empresa,

como: a relação da direção com os empregados; a forma autoritária em que se

regiam os negócios da companhia, como o exemplo da paralisação do serviço

rodoviário em regiões de transporte de café e passageiros; o uso de

28

mecanismos tradicionais como nepotismo e favorecimento de empregados, o

“filhotismo” como chamou Rezende ou “odioso sistema de castas” que e se

instalava na CVRD.

Sobre o uso dos mecanismos tradicionais, André Ricardo Pereira

demonstrou que a empresa disciplinou seus trabalhadores, lançando mão de

mecanismos tradicionais ou modernos, conforme a situação, empreendendo

uma tentativa de desarticular movimentações coletivas dos trabalhadores,

beneficiando uns em detrimento ao outros, favorecendo aqueles que não

geravam transtornos à direção da empresa e perseguindo os que faziam. Então

nesse momento da empresa em que Rezende desferiu acusações à sua

direção, pode-se perceber através de seu discurso, de forma embrionária, essa

estratégia volta para a disciplinarização dos trabalhadores (PEREIRA, 2013,

P.209-233).

2.4 Udenismo

Por outro lado, o redator-chefe de A Gazeta, adequou situações que

realmente aconteceram na Vale ao discurso de seu partido, dando um valor

peculiar aos eventos, usando da ideologia para conferir sentido aos seus

achados na Vale. Alguns termos são usados repetidas vezes e condutas ideais

a seguir, que não estariam sendo levadas a cabo pelo comando da Vale e,

portanto o desqualificando para o exercício de suas funções. Esse discurso se

insere dentro de uma fala de época da legenda a qual era filiado, conhecido

como “partido dos bacharéis” e reproduziu a sua fala de forma muito clara.

Maria Victória Mesquita Benevides buscou traçar uma identidade da

agremiação em seu livro A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo

brasileiro (1945-1965) (BENEVIDES, 1981). Segundo ela, a UDN surgiu como

uma frente contrária ao governo de Getúlio Vargas, estabeleceu-se como

partido e se caracterizou como movimento. Isso deu os traços da grande

heterogeneidade que compôs a frente, contando com: membros de oligarquias

desalojadas do poder em 1930; militares dissidentes de Vargas no governo de

30 e 37; liberais regionais; e a esquerda democrática. Logo, em 1945, a frente

foi ‘cindida” pela saída de membros que fundaram outros partidos, como: PSB,

PR e PL.

29

Apesar da diversidade, a UDN tinha uma identidade, algo que

perpassava as suas diferenças internas. O udenismo, segundo seus

partidários, foi um estado de espírito, contendo um tipo de conduta ideal,

normas, valores que só “homens de qualidade” podiam ter. A vida particular do

indivíduo tinha o poder de diagnosticar sua atuação política, portanto somente

um homem com uma trajetória reta e sem desvios, seria um bom político.

A visão que os udenistas tinham de si era de superioridade moral em

relação aos outros. Por esta razão, seriam mais aptos ao exercício do poder,

“sua missão de sacrifício”. Eis um dos motivos para o recurso do golpe militar

feito pela UDN de forma sistemática, pois o povo, a maioria, elegia sempre os

candidatos errados (do PSD ou PTB): “o povo votou errado” era uma fala

corrente, e o golpe militar corrigiria o “erro”, segundo os udenistas, pela

manutenção da democracia.

O elitismo é um traço essencial para entender o pensamento udenista,

pois eles tinham aversão aos movimentos sociais e ao voto do povo, que estes

“não sabia votar”. Representavam-se como signatários do “certo”, eram os

“homens bons”, de “qualidade”, então preparados para governar, ao contrário

dos que não eram membros dessa elite. Buscavam na história sua herança

liberal, nas figuras de Teófilo Otoni e Rui Barbosa no período imperial; nas

Constituições liberais de 1934 e 1946 e na figura de Armando Salles. Desse

modo, se apresentavam como mais preparados para liderança, ao contrário de

seus adversários do PSD e PTB, que não tinham esse histórico. A tradição de

seus ideais os faziam melhores, sua conduta reta e incorruptível e suas

virtudes. Tinham uma primazia histórica.

O moralismo foi outro ponto marcante no discurso udenista, com a

prática de ataque sistemático à corrupção administrativa, combate aos

prevaricadores, combate ao empreguismo, ao clientelismo, e ao “pistolão”,

mesmo que, por momentos, se vissem constrangidos por escândalos de

corrupção envolvendo seus partidários.

Os bacharéis do partido deram ressonância a esses valores, os

defendendo com o aval da lei. Esses componentes do partido tinham por ideal

a ordem e a lei. Eram extremamente legalistas, sendo, por isso, criticados

30

internamente por setores defensores do golpe e por progressistas reformistas,

pelo fato de se manterem dentro da ordem legal acima de tudo. Eurico

Rezende se encaixa nesse perfil, o dos bacharéis da UDN. Foi nesses termos

que ele elaborou seu discurso sobre a CVRD. Tal compromisso explica, por

exemplo, a falta de reflexão sobre o conflito com os norte-americanos e o tipo

de abordagem acerca das relações de trabalho, conforme ficará claro adiante.

2.5 Perseguições políticas

Sobre perseguições políticas, o autor das colunas dedica dois dias à

questão por ele apontada. Esse caso exemplifica a estrutura de poder vigente

no Espírito Santo, e as relações coronelísticas, assim como relações pessoais

influenciando o público. Sobre o discurso de Eurico Rezende é facilmente

enquadrado na teorização gramsciana do papel pedagógico do texto

jornalístico, pelos princípios que ele defende, e as práticas que repudia.

O caso é de uma professora normalista, que trabalhava na coletoria

estadual de Maranhum, órgão subordinado a Secretaria da Fazenda, não

exercendo a sua profissão, mas trabalhando em um cargo público diverso de

sua área de atuação. Ela ficou em oposição ao candidato regional, Alfredo

Antônio, que venceu o pleito e se tornou deputado estadual. O pessedista,

então, afastou a professora do cargo. Essa, por sua vez, voltou a sua cidade de

origem, para exercer a sua profissão. Voltou para Iúna, e tentou dar aula na

escola da qual saiu antes de entrar na coletoria. Ao chegar à escola, lhes

disseram que não tinham vagas para professor normalista que não atuasse na

área de ensino. Designaram então a professora para o cargo de professora a

17 léguas de sua casa, um grande transtorno parra ela. Ela procurou Eurico

Rezende que foi junto a ela conversar com Alfredo Antônio, que disse não tê-la

afastado do cargo, assim como não impedido que ela trabalhasse na escola.

Eurico Rezende seguiu ao então secretário da educação, Fernando Abreu, que

disse ter recebido pedido de Antônio para não aceitar a professora na escola.

Ou seja, ela não votou nele, e foi perseguida. Sem êxito, Rezende lamentou-

se, utilizando os seguintes termos:

“Estarreceu-nos o episódio em que fracassamos lamentavelmente em nosso pedido de justiça. Experimentamos, diante desse espetáculo

31

de injustificável iniquidade, a dolorosa certeza de que ainda estamos muito longe de alcançar um clima de regeneração de nosso costumes políticos.

Os processos políticos continuam a ser os de antanho, odiosos, arbitrários, nojentos. O adversário político, depois da refega eleitoral, sente o peso daqueles que mandam ou governam (REZENDE, p.1 de 28 de agosto de 1947).

Na coluna seguinte, Rezende se refere à resposta dada pelo secretário

ao jornal A Tribuna e ao Diário Oficial, o que irritou o colunista udenista, que foi

acusado de falta de ética jornalística. Sua resposta, justifica o acerto do texto

que escreveu, dizendo que:

“Estamos agora, mais do que nunca, exaustivamente convencidos de que procedemos bem em codaquisar para nossos leitores o caso de perseguição nos seus mínimos detalhes (…) Estivemos com o Sr. Deputado, que é um homem público. Estivemos com o secretário da educação, que é um homem público. Estivemos nas repartições do governo, que são repartições públicas. E com os homens públicos e repartições públicas, se trata precisamente do interesse público (REZENDE, p.1 de 28 de agosto de 1947, grifo nosso).

O uso repetido do termo aponta para o fato desses políticos usarem o

público em seu favor, enquanto algo que é público, não deve ser ocultado, por

que é público. Portanto não houve para ele erro algum em publicar a coluna, a

qual foi criticada por Fernando de Abreu, pois esse, por sua posição, deve

responder por seus atos. Caracteriza o dever do jornalista, dizendo:

“Cumprimos, desse modo, lealmente, o nosso dever. Entendemos que fazer jornalismo é informar criteriosa e claramente o povo, para que este fique conhecendo os fatos com segurança, afim de serem honestamente julgados aqueles que tem contas à prestar a opinião pública. Não estamos aqui para falar com subterfúgios, nem mistificações. Nossa literatura é objetiva, é real, é concreta, e que nos parecer que essa conduta jornalística é que interessa aos leitores” (REZENDE, p.1 de 1 DE setembro de 1947). .

Desse discurso de Rezende, pode-se notar a conduta atacada, e aquela que

deveria ser a adotada pelos homens públicos, assim como esclarece o papel

do jornalismo, por ele cumprido, segundo ele próprio. Este é o momento então

de aprofundarmos sobre o uso das terminologias utilizadas pelo colunista.

2.6 O discurso

Os termos utilizados por Eurico Rezende podem ser divididos em quatro

tipos de críticas, que são: autoritarismo, incompetência, corrupção e baixa

32

moralidade, sendo o aspecto da corrupção o mais variado em termos de

opções. Todos se interligam, mas a divisão ajuda a entender o teor das críticas.

A direção era tida como dispondo de “poderes ditatoriais”, revelando um

“ranço totalitário”. Os diretores eram qualificados como “ditadorzinhos da Vale”.

Ao mesmo tempo, a sua relação com os funcionários era comparada ao

sistema de castas do bramanismo, como na coluna do dia 23 de agosto de

1947.

Outro tipo de crítica era relacionada a acontecimentos da empresa,

como o que Rezende intitulou de greve “mansa e pacífica”. Essa pequena

greve ocorreu porque os funcionários não recebiam há dois meses. Feita a

paralisação, foi instaurado um inquérito para aferir castigos aos grevistas, tidos

como insubordinados, comunistas, indisciplinados e ameaçados de ir para a

cadeia. Além disso, tal falta de pagamento ocorreu paralelamente ao aumento

de salários para toda a diretoria no valor de 50% (REZENDE, p.1 de 21 de agosto/

p.1 de 5 de setembro de 1947).

Outro ponto considerado foi o sistema de promoções, que, para

Rezende, ficava ao arbítrio de “relações pessoais”, “simpatias pessoais”,

“preferências individuais” e do “tradicional pistolão”. Isto era considerado

possível porque, naquela época, o quadro de funcionários não tinha sido

submetido ao Ministério da Viação e Obras Públicas, o que dava autonomia

para que os chefes utilizassem seu poder a bel prazer, empregando e

demitindo conforme sua vontade (REZENDE, p.1 de 23 de agosto de 1947). Além

disso, Rezende observou que alguns “operosos trabalhadores” se viam

prejudicados por promoções indevidas para outros que não as mereciam.

Na relação com os usuários dos serviços da Vale, Rezende apontou

também para a verve autoritária da direção, que aboliu o transporte rodoviário

após denúncias de roubo de café, o que gerou essa paralisação dos

transportes, atingindo passageiros e produtores. O transporte de café também

se fazia pela malha rodoviária, por caminhões da empresa. Os casos de roubo

de café em Itapina e Afonso Cláudio gerou a atitude da direção de suprimir o

serviço rodoviário que movimentava o café, e isso prejudicou os produtores,

33

comerciantes e consumidores segundo nos diz Eurico. Mas logo o Ministro da

Viação vetou a atitude.

Sobre a incompetência, os adjetivos utilizados incluíam: “incúrias

administrativas, incompetência, desorganização, desleixo, falta de decoro

administrativo” (REZENDE, p.1 de 2 setembro de 1947) e a fala irônica de que eram

“abnegados, ‘Deus[es] da contabilidade’” (REZENDE, p.1 de 7 de setembro de 1947).

O transporte mútuo de cargas entre a Leopoldina Railway e a CVRD fez

com que uma plataforma ficasse na oficina de Itacibá e desmontada pela

empresa Vale, que gerou um prejuízo para a primeira, apontado por Rezende.

Outro ponto foi a falta de fiscalização com relação ao caso dos roubos de café

que ocorreram em Itapina e Afonso Cláudio, que geraram por parte da direção

a decisão de suspender o transporte de café e passageiros, posteriormente

vetada pelo Ministro da Viação. A redução de um trecho da EFVM, porém, com

a manutenção da mesma taxa para passageiros e transporte de cargas foi

outra denúncia feita por Resende. A “falta de visão administrativa” também

entrou em cena, como no caso da transferência do serviço de transporte que a

CVRD faria para a empresa CESMAG, que lucrou cerca de dois milhões com o

transporte de 250.000 sacas de café, o que poderia, segundo Rezende, gerar

recursos para a CVRD (REZENDE, p.1 de 2 de setembro de 1947).

Por outro lado, o tema da corrupção é o mais frequente nas colunas.

Sobre a diretoria, sua administração é tida como “desastrada e criminosa”,

“obtusa e improfícua” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947). Além disso, a fala

do autor aborda desvio de dinheiro, nepotismo, negociatas estranhas, assim

como uso indevido de verbas da empresa. Esta teria gasto, segundo Eurico

Rezende, no ano de 1946 a quantia de Cr$ 597.183,50 de gasolina, sendo que,

no mesmo ano, o serviço de transporte estava praticamente paralisado e os

caminhões que o efetuavam eram movidos a diesel. Por isso, a explicação para

o gasto seria o mero benefício dos chefes e alguns funcionários.

Um dos assuntos mais explorados por Rezende foi o caso das camas

turcas, que custaram Cr$ 8.299,40. Eles tinham sido supostamente compradas

no exterior, mas, após investigação de Correia Sampaio, engenheiro fiscal do

distrito de Vitória, ficou comprovado que, na verdade, tinham sido produzidas

34

na oficina da Vale, em Itacibá, custando cada unidade, segundo suposições de

Rezende, cerca de Cr$ 30,00 de custo, pois, no mercado, a cama turca custava

cerca de Cr$ 80,00 com o lucro do comerciante e fabricante (REZENDE, p.1 de 20

de agosto/ 30 de agosto de 1947) . Outro assunto é o caso do débito de 16 milhões

de cruzeiros para a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) dos

funcionários, que começavam a ter seus direitos restringidos, sem atendimento

de seus pedidos. O não recolhimento da taxa de renovação patrimonial ao

Banco do Brasil foi vista como indício de impontualidade da diretoria e suspeita

de desvio de dinheiro (REZENDE, p.1 de 22 de agosto de 1947). O serviço das

propriedades agrícola que deveriam ser destinadas a alimentos para facilitar a

aquisição dos funcionários da empresa aos víveres básicos foi outra denúncia

de Rezende. Segundo ele, essas propriedades eram destinadas na realidade

ao descanso dos diretores com suas famílias, tendo as “fazendas agrícolas” ao

invés de áreas cultivadas, jardins floridos, cascata para banho, lareira europeia,

quartos confortáveis, adega, mantidas por dez funcionários. Tudo isso: “Para

os diretores receberem seus gulosíssimos convidados [...] (lá) é um convite

permanente às lucubrações alcoólicas e as farras intermináveis” (REZENDE, p.1

de 18 de agosto de 1947). O uso do dinheiro da empresa de forma descontrolada e

abusiva foi apontado quando se disse que Pimenta nomeou um parente que

apenas recebia seus vencimentos, mas nunca apareceu no Rio de Janeiro,

onde deveria trabalhar. Rezende também denunciou o uso de um funcionário

para ir e voltar de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro para comprar alface

para as refeições do presidente da companhia ou macacão para caça (REZENDE, p.1 de 13 de agosto de 1947).

A fala moral de Rezende defendia uma postura cristã. Para ele, a

distribuição das riquezas seria feita pela mão do bem e do mal, tendo a Vale

recebido o quinhão infernal. Assim, indagou: “Vejam se não temos razão.

Digam os leitores se as “verdadezinhas” abaixo não são coisas do incorrigível

demônio” (REZENDE, p.1 de 18 de agosto de 1947). Tal observação versa sobre o

gasto de abusivo de gasolina e o caso das camas turcas. Em coluna posterior,

diz que a incompetência da CVRD se apresenta aos olhos de qualquer cristão.

Portanto, depreende-se que aqueles que fossem pessoas de bem, cristãs,

haveriam de ver a verdade.

35

Eurico Rezende por algumas vezes se refere a farras, relacionando-as

com a direção da empresa, sendo em sua primeira publicação utilizada uma

analogia da Vale com uma pessoa que teria ganho a “sorte grande”. Assim

como o sortudo, a Vale teria gasto todo o dinheiro inicial, que seria para sua

reestruturação, “nos bordéis do luxo, do vício, do esbanjamento, em bebedeiras orgíacas, que apontam a direção fatal das sarjetas” (REZENDE,

p.1 de 13 de agosto de 1947)..

No artigo sobre as propriedades agrícolas, caracterizou o local como

“um convite a lucubriações alcoólicas e farras intermináveis” (REZENDE, p.1

de 6 de setembro de 1947, grifo nosso). Portanto as farras para Rezende tinham a cor

da orgia, do alcoolismo, da falta de moralidade. Mas ele também se referia a

farras financeiras. Essas “farras” são uma acusação ambígua de Rezende, pelo

que parece de forma proposital.

Outra observação, que pode ser considerada como uma resposta moral

foi direcionada ao tom nacionalista da época. Como liberal, acusado de

“entreguismo”, Rezende atacou o nacionalismo da direção da empresa,

acusando-os de “falsos patriotas”, “impatriotas”, “patriopanças”. Para ele, esses

diretores tinham a intenção de: “anemisar e em tornar improfícua a iniciativa do

governo” (REZENDE, p.1 de 18/ 20/ 21 de agosto de 1947)..

Um aspecto interessante da fala de Rezende foi a forma como se referiu

aos trabalhadores, que ficaram sem receber salários desde maio de 1947 e em

fins de agosto entraram em “mansa e pacífica greve” (REZENDE, p.1 de 5 de

setembro de 1947).. A crítica foi direcionada ao não cumprimento do pagamento

destinado aos trabalhadores, nada mais. Se os salários fossem pagos nas

datas então não haveria problema algum na condição de trabalhador. Eles

continuariam sendo os “mais sacrificados da estrada”, mas a justiça estaria

sendo feita. Ele não toca na questão da superexploração do trabalho, das

condições perigosas do ofício ou da já citada disciplinarização que estava

sendo aperfeiçoada pela direção da empresa.

O ponto que chocava era o fato de que, enquanto os chefões recebiam

os seus “gordos proventos”, “os seus funcionários aqui em Vitória, os operários

da Estrada de ferro assistem mensalmente ao doloroso espetáculo do atraso

36

de seus pagamentos (...) os trabalhadores da linha são os mais sacrificados,

sujeitando-se, com isso, a toda sorte de sacrifícios e privações”. Mais tarde

disse em apoio aos trabalhadores: “Não somos apologistas da greve. Mas

contra a revolta dos argumentos do estomago, sob o espectro da fome, nada

se pode antepor, por que aí o motivo é imperioso e justo” (REZENDE, p.1 de 21 de

agosto de 1947).. Sobre a repressão aos grevistas, Rezende refutou a atitude da

direção dizendo: “Não venha S.S. com ‘cabeças da greve’ e sim com

‘estômagos’ da greve’” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947). O que se extraía

de Rezende é uma fala a favor dos funcionários, de apoio a eles, que caso

tivessem seus pagamentos feitos estariam de volta a normalidade da vida. A

hipótese que Rezende sustenta para o não pagamento dos salários dos

trabalhadores era o fato de que o dinheiro primeiro ia para o Rio de Janeiro,

onde os chefões recebiam seus proventos “as custas de penosos sacrifícios de pobres e INDEFESOS operários” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947, grifo

nosso). que ficaram “por dois meses com o estômago vazio e o sistema nervoso

em pandarecos” (REZENDE, p.1 de 23 de setembro de 1947, grifo nosso).

Esta visão deposita na autoridade a solução das coisas. A lei deve sanar

os erros cometidos contra os trabalhadores, que ficavam, segundo tal discurso,

como vítimas, sem poder de ação política, mas apenas como dependentes das

soluções da justiça e da justeza dos administradores.

Agora, sobre como deveria agir um cidadão, encontra-se as diretrizes

que Rezende via como ideais para uma conduta justa, das quais ofereceu

vários exemplos. Ao falar sobre o discurso do Brigadeiro Eduardo Gomes em

1945, disse ter sido oferecido um painel sobre a CVRD nestes termos: “Pintou-o com as tintas da verdade sem atavios e com a segurança dos argumentos

e dos números, o brigadeiro Eduardo Gomes em seu magistral discurso de

Vitória”. “Contra esses conceitos, que eram um aviso sadio e um grito de

alarme, insurgiram-se os poderosos da companhia” (REZENDE, p.1 de 18 de agosto

de 1947).

“Sobre a companhia”, disse Eurico, “preferíamos assistir a películas que

revelassem a auspiciosa realidade de um panorama de trabalho honesto e construtivo em que tudo refletisse boas intenções e boas maneiras,

37

patriotismo, senso de responsabilidade, moralidade sadia e interesses firmes em servir aos interesses nacionais”. (REZENDE, p.1 de 20 de outubro de

1947, grifo nosso). Ao pedir esclarecimentos sobre o caso das camas turcas, disse

que o dinheiro federal deveria ser usado “em bons negócios” e não para outras

coisas” (REZENDE, p.1 de 30 de agosto de 1947)..

“E se caso estivermos equivocados”, considerou sobre sua análise do

balanço geral publicado no Rio de Janeiro: “Saberemos dar a mão a palmatória

com franqueza de quem gosta de vergastar os erros mas que sabe resignar-se,

reconhecendo o valor da crítica adversária” (REZENDE, p.1 de 16 de outubro de

1947). Esse é o discurso de Eurico Rezende. Tais denúncias não surtiram efeito

na realidade da CVRD, que recebeu o aumento de capital no dia 17 de

fevereiro de 1948 (REZENDE, p.1 de 18 de fevereiro de 1948). e empréstimo do

Eximbank assinado por Dutra em 24 de junho de 1948 (REZENDE, p.1 de 25 de

junho de 1948). .

2.7 Conclusão

A empresa, ao contrário do que vislumbrou Rezende, não faliu e nem

piorou. Pelo contrário, na década de cinquenta se desenvolveu e da década de

sessenta começou a multiplicar suas frentes de atuação, se tornando um

‘bolsão de eficiência’ como estatal brasileira (SILVA, 2004).

As engrenagens da CVRD continuaram funcionando com Dermeval

Pimenta, que, para Rezende, regia farras financeiras. Mas o tamanho que o

udenista atribuiu à corrupção acabou por negligenciar questões que realmente

ameaçaram a direção da empresa, como a investida norte-americana para

tomada do poder da direção da CVRD ou a falta de demanda e, por

consequência, falta de dinheiro para aparelhar a estrada de ferro. A corrupção

não destruiu a empresa e o autoritarismo prosseguiu, o que gerou o sucesso

desta, pela superexploração do trabalho de seus operários. O PSD prosseguiu

sendo situação a nível estadual, e as práticas políticas ainda prosseguiram

sendo tradicionais.

O discurso de Eurico Rezende exemplifica a forte presença de relações

tradicionais na sociedade capixaba, em um contexto no qual a modernidade

38

era um anseio. A modernização econômica, e sua combinação com uma

tradição política tradicional foi o que ocorreu no Espírito Santo de 1947, porém,

o discurso de Rezende não transformou a realidade capixaba.

3. A Campanha do Petróleo por quem viveu: Entrevista com

Setembrino Pelissari

3.1 Introdução

No ano de 1948, no governo de Eurico Gaspar Dutra (PSD),

surgiu na esfera pública a campanha “O petróleo é nosso” (nome que

veio dos estudantes cariocas envolvidos no movimento), como

contestação a política do petróleo situacionista, corporificada pelo

anteprojeto do Estatuto do Petróleo e apresentada à Câmara dos

Deputados e Senado. Esse foi o primeiro momento de movimento que

foi amplamente difundido na opinião pública, através de jornais

semanais e espaços para discussão do tema, e que gerou o

arquivamento do Estatuto no mesmo ano. O segundo momento da

campanha “O petróleo é nosso” se intensificou com o envio do projeto de

criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), criado pela comissão

técnica de Getúlio Vargas (PTB), que assumira a presidência da

República no ano de 1951. Também pesou a urgência da questão do

petróleo na balança comercial do país, buscando-se uma solução rápida,

mas sem abandonar um posicionamento nacionalista. Com a assinatura

de Vargas (após amplo debate na arena política e pública) criando a

empresa estatal e monopolista do setor do petróleo, a campanha que

circulou em amplos setores da sociedade brasileira obteve vitória, que

foi concretizada com a lei 2.004, de3 de outubro de 1953, da criação da

Petrobrás.

O problema central dos debates e embates da campanha do petróleo

era a participação estrangeira na pesquisa e exploração, no caso empresas

como Standard Oil Company (Esso), AgloMexican (Shell), Texas Company (os

39

chamados “trustes”) de modo a assegurar a lavra, transporte e distribuição do

mineral sob controle nacional. Entre posições nacionalistas radicais,

desenvolvimentistas e liberais houve interações entre fatores na arena política,

que culminou no monopólio estatal com restrição a participação estrangeira nos

processos de pesquisa e exploração de petróleo.

Esse texto fará uma breve trajetória da exploração e comércio do

petróleo no Brasil, passando pelos pontos marcantes de efervescência política

que definiram os rumos da exploração do petróleo estabelecida em 1953, com

a criação da Petrobrás; assim como saber como ela chegou ao Espírito Santo,

através do jornal A Gazeta da época e de uma entrevista realizada com um

participante, o senhor Setembrino Pelissari, que á época militou em defesa do

petróleo. A Crônica dos eventos tratará dos eventos cronologicamente, desde

o início da exploração do petróleo, ainda rudimentar até a elevação de sua

importância a nível nacional na década de 1930, a criação do CNP em 1938, a

campanha do petróleo, a criação da Petrobrás, e seu desenvolvimento até os

dias atuais. Na literatura do tema, serão abordadas as interpretações acerca da

campanha do petróleo e a indústria do petróleo no Brasil, debatendo os pontos

de vista de Gabriel Cohn e Peter Smith. Então a campanha do petróleo no

Espírito Santo, através da análise do Jornal A Gazeta e da entrevista realizada

com Setembrino Pelissari, participante do evento e partir disso, as conclusões

do trabalho.

3.2 A questão do petróleo

Antes de 1930 a exploração do subsolo seguia a legislação de 1891. Por

ela, a propriedade desse ficava ligada à superfície, o que era uma ruptura com

a regra do período imperial, onde quem detinha a posse do subsolo era o

Império, haja vista o interesse em metais preciosos. No período imperial,

indivíduos que detivessem informações que provassem a existência em uma

área de carvão ou gás usado para iluminação, no subsolo, recebiam o direito

de perfurar o solo, o que gerou conflitos entre proprietários e empreendedores

privados. O Império deu apoio aos que buscavam esses recursos, alegando

que não havia motivo para ficarem presos no subsolo tais itens que poderiam

ser bem empregados com capitais empreendedores.

40

Mas o fato é que a exploração nesse período esteve sob iniciativa

privada, assim como se prolongaria pela República até 1930 com o golpe de

Outubro.

A legislação de 1891 também rompia com a imperial no sentido da

descentralização, pois a posse de terras públicas passou para as unidades da

federação, o que seguiu a constituição federalista da República. Essa

desregulamentação, da posse do subsolo e o papel dos estados na gestão das

terras públicas gerou uma dificuldade na exploração do petróleo, pois os

proprietários de terra puderam recusar a pesquisa em suas propriedades, o

que se somou a falta de apoio do governo central para orientar e estimular a

exploração, que necessitava mais do que a iniciativa privada e gerou entraves

para o desenvolvimento do setor (DIAS; QUAGLINO, 1993).

Algumas foram as iniciativas para regulamentar a exploração mineral,

como: a missão White (1904), comissão de geólogos americanos para avaliar o

potencial mineral do Rio Grande do Sul; e a organização do Serviço Geológico

Mineralógico do Brasil (SGMB) pelo geólogo Orvile Derby, com vistas a

pesquisar as possibilidades do subsolo brasileiro.

Em 1915, foi sancionada a lei Calógeras, numa tentativa de passar pelas

restrições legais da propriedade do solo, presentes na Constituição de 1891,

onde um “interventor de Mina”, nomeado pelo governo federal, ficava

autorizado a explorar o subsolo, mesmo a contragosto do proprietário da terra.

Nesse período, o petróleo ganhou importância para alguns setores

políticos e militares no Brasil, pois a I Guerra mundial mostrou a experiência

dos países envolvidos e a dificuldade e manobras para escapar a dependência

externa de petróleo. Assim,o tema se tornou motivo para preocupação,

principalmente militar, com a dependência externa de fornecimento de

combustível. O Brasil, que já vinha desde o Império como consumidor de

derivados do petróleo das multinacionais americanas, importando querosene,

nafta, gasolina e óleo combustível, tinha nos militares e políticos um início de

preocupação com essa dependência. Um dos atores preocupados com isso foi

o ministro da Agricultura, Ildefonso Simões Lopes, que defendeu, em 1922, o

potencial nacional frente aos interesses das multinacionais. O presidente em

41

1926, Arthur Bernardes também lutou contra os interesses estrangeiros,

empreendendo luta contra Percival Faquhar, promovendo a reforma

constitucional que proibiu a transferência de terras com jazidas para

estrangeiros. Ali começou a surgir um interesse maior com relação ao petróleo,

que na década de 1910 já havia mostrado sua importância estratégica na

guerra mundial (DIAS; QUAGLINO, 1993).

Simões Lopes, em 1927, buscou aumentar os recursos do SGMB e

romper concessões a estrangeiros que considerasse daninhos para o Brasil.

Além disso, propôs uma legislação específica para proibição da obtenção por

estrangeiras das jazidas brasileiras. Mesmo sendo a lei aprovada em 1928, o

golpe de Outubro interrompeu a tramitação e deu novos contornos a situação

de defesa das riquezas naturais brasileiras (DIAS; QUAGLINO, 1993).

Nesse período, segundo Gabriel Cohn, o Governo Provisório,

comandado por Getúlio Vargas, assumiu, compromissado com setores da elite

urbana de promover o desenvolvimento urbano industrial. Tal atitude era

oposta ao papel do Estado com relação ao governo anterior ao golpe. Esse

Estado assumiu o papel central de levar a frente o desenvolvimento econômico

industrial, de modo que houve toda uma reformulação técnico-burocrática para

que áreas como a exploração do petróleo fossem desenvolvidas (COHN,

1968).

O SGMB foi substituído, em 1934, pelo Departamento Nacional de

Produção Mineral (DNPM), que encontrou várias críticas de Monteiro Lobato e

Oscar Cordeiro, que, por sua vez, tentaram descobrir jazidas de petróleo, o que

para eles não vinha sendo bem feito pelo órgão estatal, por motivos inauditos.

Após o Estado Novo, eles foram presos e o cerco se fechou às críticas ao

DNPM, que vinha sendo feito por vários jornais e instigado com ferocidade por

Monteiro Lobato (DIAS; QUAGLINO, 1993).

O general Horta Barbosa, que já vinha se engajando na defesa do

petróleo, manteve contato com um diretor no Conselho Federal de Comércio

Exterior em 1938, de modo a construir refinarias e fugir do monopólio das

multinacionais. Esta iniciativa gerou uma comissão para avaliar o assunto, cuja

conclusão foi a de que se deveria ter um forte controle sobre o refino.

42

Vargas, então, com o decreto 395, de 29 de abril de 1938, transformou o

petróleo em item de utilidade pública e, portanto, sendo submetido ao controle

estatal. No ano seguinte, deu-se a criação do Conselho Nacional de Petróleo

(CNP), órgão responsável pela regulamentação, exploração e supervisão das

atividades relacionadas ao petróleo.

O CNP foi um órgão com autonomia de decisão, sendo a ligação de seu

presidente direta com o do presidente da república, porém não precisando

consulta-lo para tomar atitudes. Assim foi até a posse de João Carlos Barreto

em 1943, momento no qual passou a não ter mais aquele entrosamento de

ideias que se tinha entre Barbosa e Vargas.

3.3 O tema na esfera pública

O tema do petróleo havia sido introduzido na esfera pública com maior

vigor em 1935, quando iniciativas privadas tentaram explorar o petróleo,

assumindo posição nacionalista, defendendo que o petróleo brasileiro deveria

ser explorado por brasileiros, evitando a influência poderosa dos trustes

estrangeiros. Monteiro Lobato em Araquá1 (SP), Oscar Cordeiro em Lobato

(BA) e Edson de Carvalho em Riacho Doce (AL) empregavam seus capitais na

busca de petróleo e defendendo que deveria ser prerrogativa dos brasileiros

explorar a riqueza. Dada a grande dificuldade da geologia brasileira (cujas

informações ainda não muito conhecidas na época), a falta de recursos

técnicos, materiais e financeiros, esses empreendimentos não foram à frente,

sendo um fracasso.

Esses empresários, principalmente Monteiro Lobato (dono da empresa

Petróleos Brasileiros S.A.) atribuíram a culpa ao governo federal, que tinha

como órgão responsável o Departamento Nacional de Produção Mineral

(DNPM), que fora criado em 1934 com a nova Constituição, englobando o

antigo Serviço Geológico e Mineral e o Departamento Nacional de Fomento

Mineral (DNFM). Segundo a interpretação do empresário e escritor, o órgão

estava dificultando o progresso da busca pelo petróleo, pois como órgão

responsável, não estava obtendo êxito, por não encontrar petróleo em suas

1 Monteiro Lobato, antes de formar a sua empresa, trabalhou com Oscar Cordeiro em Lobato, Bahia. Foi lá que começou o conflito com o DNPM (SMITH, 1974).

43

perfurações. Essa situação foi considerada proposital por Lobato, como uma

ação deliberada do órgão em associação aos trustes internacionais, que, na

conjuntura da época, não estaria interessado em explorar o petróleo brasileiro,

haja vista uma superprodução petrolífera a nível internacional. Assim, para

Lobato, os trustes, através do DNPM, queriam que o petróleo ficasse enterrado

até que eles tivessem interesse de pegá-lo. Isso circulou em vários jornais,

tendo como exemplo A Folha de São Paulo, que repercutiu o ataque ao órgão

governamental (SMITH, 1978).

Outro motivo inaceitável para Lobato, pares e simpatizantes foi a

identificação de membros estrangeiros do DNPM como informantes dos trustes

internacionais. Eram eles Victor Oppenheim e Mark Malamph, geólogos

contratados pelo órgão estatal e que deram pareceres negativos para esses

empreendimentos privados, e, com isso, vetaram a concessão de apoio

material e técnico as empresas privadas. Oppenheim no caso de Lobato na

Bahia, disse ser “ridículo falar de petróleo em Lobato” (SMITH, 1978, p. 46), o

que depois se mostrou o contrário2. Realmente, esses forneciam informações

para o exterior, mas como negócio particular, vendendo a quem comprasse,

não como agentes dos trustes. Eles davam margem para essas acusações

(COHN, 1968).

À frente desse órgão estava Odilon Braga, ministro da Agricultura, que

escreveu Bases para um inquérito sobre o petróleo no Brasil, em 1936, de

modo a justificar porque o DNPM não estava tendo êxito. Nesse documento,

disse que a questão era técnica e financeira, não podendo a equipe perfurar o

solo sem dados mais precisos sobre a existência de petróleo nos locais

escolhidos. Ele também questionava a razão da escolha litorânea para os

locais supostamente ricos em petróleo, pois, se vizinhos do Brasil tinham

encontrados ricas reservas, os interessados deveriam buscar petróleo em

áreas fronteiriças com esses vizinhos. Não desqualificou a ação da iniciativa

privada, elogiando seu espírito nacionalista, porém propunha uma explicação

para o fracasso, tanto por parte do governo, quanto por parte dos empresários.

2Em 1939 foi encontrado petróleo em Lobato, mesmo que não tenha sido considerada área comercial (grande volume). Oscar Cordeiro tinha razão ao afirmar a existência do petróleo, mas não foi indenizado após a descoberta do CNP (DIAS; QUAGLINO, 1993).

44

A postura que Odilon Braga tomou nesse momento, foi a de burocrata, na

tentativa de explicitar as dificuldades formais para exploração do petróleo.

Essa discussão levou ao público o tema do petróleo, através de Monteiro

Lobato e dos jornais. Mas, com o Estado Novo, em 1937, Lobato foi preso por

duas vezes e teve de se calar, assim como os demais articuladores em torno

da questão.

Em 1938, seguindo uma orientação mais nacionalista e buscando

maiores êxitos, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), tendo em

sua direção o general Horta Barbosa, que, por sua vez, assumiu a questão em

todas as duas esferas: a da extração e taxação dos produtos brutos e

derivados; e a do monopólio (DIAS; QUAGLINO, 1993). Segundo Decreto 395,

o petróleo se tornou serviço de utilidade pública, portanto vedado à exploração

por estrangeiros.

3.4 O início da campanha

Em 1946 Dutra assumiu a presidência e fixou o acordo interpartidário,

entre PSD-UDN-PR, desse modo não tendo uma oposição. Alinhado com

udenistas, seu governo assumiu uma linha mais liberal (BENEVIDES, 1984).

Era um momento de tensão, pois convocada a Constituinte, a política

das massas feita por Vargas, assim como o espectro comunista que assustava

as elites, fazia com que a liberdade fosse controlada com relação às classes

populares.Por isso, as classes empresariais se articularam em torno de um

posicionamento frente ao governo e a nova Constituição a ser feita (COHN,

1968).

Em 1943, no I Congresso de Economia, no Rio de Janeiro, e, em 1945,

na Conferência das Classes Produtoras do Brasil (na qual foi escrita a Carta de

Teresópolis), as elites industriais se organizaram em torno de seus objetivos e

interesses, dentre os quais a maior agilidade na exploração do petróleo,

possível com ajuda do capital de qualquer espécie, nacional ou internacional.

De fato, na Constituição de 1946, o artigo 153, parágrafo 1°, estabeleceu

que: “As autorizações ou concessões serão exclusivamente concedidas para

45

brasileiros ou empresas organizadas no país, assegurado ao proprietário a

preferência na exploração (...)” (COHN, 1968, p.42. Assim os trustes poderiam

se organizar no Brasil e participar das atividades relativas ao petróleo, sendo

necessário apenas possuir uma empresa no Brasil (COHN, 1968).

Isso gerou uma recusa muito grande, e a influência externa novamente

apareceu, corporificada nos trustes. Instalado às vésperas da Constituinte no

Rio de Janeiro estava o norte americano Paul Howard Shoppel, que foi

acusado por Arthur Bernardes e outros constituintes como responsável de

influenciar membros especificamente no tocante ao artigo 153 e à permissão

de “empresas organizadas no Brasil”, mesmo que não se tivesse nada de

concreto sobre isso3 (COHN, 1968).

Gabriel Cohn diz que o direcionamento da Constituição não

necessariamente era influenciada por elementos externos, pois, no país, antes

mesmo da deposição de Vargas um poderosa força interna se movia no

sentido de modificar a legislação e a política do petróleo, a começar pelo órgão

máximo de decisão, o CNP.

A autorização de 1945, através da resolução n° 1, emitida pelo CNP

para empresas privadas brasileiras construírem refinarias, abriu concorrência,

onde apenas duas empresas atenderam os pré-requisitos exigidos, o mais

importante, a nacionalidade brasileira. Uma foi construída no Rio de Janeiro e

outra em São Paulo. Essas teriam a obrigação de fornecer 40% de sua

produção ao estado brasileiro, assim como pagar taxa ao CNP na venda dos

derivados, sendo o que extrapolasse desses 40% direcionado para venda de

escolha das refinarias. Desse modo, as empresas tiveram que se articular com

os trustes inevitavelmente, pois esses absorveriam a parcela não direcionada

ao consumo brasileiro. Mesmo que sofresse restrições, a concessão das

empresas privadas nacionais criou a necessidade dessas em se relacionar com

as empresas internacionais. Em 1947, o presidente Dutra criou uma comissão

chefiada pelo ex-ministro, Odilon Braga, para a elaboração do anteprojeto do

3Gabriel Cohn (1968) salienta que esse tipo de ação era algo corrente dos trustes, assim como o caso de Oppenheim e Malamph seria ação das grandes empresas, porém diz que, na verdade, nesse caso não necessariamente. E não se aprofunda sobre o caso de Shoppel, dizendo que não seria nada espantoso se fosse isso mesmo.

46

Estatuto do Petróleo, que pretendia revisar pontos da legislação, dentre as

quais a autorização da participação do capital estrangeiro na indústria. O

presidente do CNP desde 1943, João Carlos Barreto, que fora na direção

contrária do nacionalismo radical de seu antecessor, Horta Barbosa, expôs

uma carta de motivos a Vargas de modo a mudar a legislação do petróleo, mas

logo o presidente caiu com o golpe e Dutra formou a comissão, que, em 1948,

gerou o anteprojeto do estatuto do petróleo. Então várias ações eram tomadas

no sentido da participação privado no setor petrolífero: A Resolução do CNP,

permitindo a participação do capital privado nacional em refinaria; a Carta de

motivos em 1945 do presidente do CNP à presidência da república, favorável a

participação estrangeira no setor petrolífero; o anteprojeto em 1947, com o

mesmo objetivo, uma participação “supervisionada”(DIAS; QUAGLINO, 1994)

do capital estrangeiro e mostra da mudança de orientação do órgão estatal.

Nesse momento teve origem, no Clube Militar, em setembro de 1947, à

época presidido pelo general César Obino, um espaço para a discussão sobre

o Estatuto do Petróleo, cujas referências foram os generais Horta Barbosa e

Juarez Távora. A preocupação antiga dos militares com relação ao petróleo

vinha à tona.

Em sentido diferente ao que se fazia na ditadura, quando as decisões

eram tomadas na esfera governamental, em discussões internas e cartas

secretas, finalizada do poder máximo do presidente, a forma discussão mudou

e deu possibilidade de mobilização da opinião pública e grupos de pressão,

possibilitadas pela abertura política. O clube militar iniciou debates a respeito

do petróleo com vista à mobilização da opinião pública, especificamente grupos

que pudessem influenciar a tomada de decisão sobre a política do petróleo

Ampliava-se assim a gama de atores envolvidos, pelo fato de os grupos

pressionarem o governo com relação à política do petróleo.

Horta Barbosa, primeiro presidente do CNP e nacionalista aguerrido,

defendia a tese do monopólio estatal contra os interesses externos, os trustes,

enquanto o ex-ministro da agricultura de Vargas até 1937, Juarez Távora,

defendeu a participação norte-americana na extração e refino do petróleo por

dois motivos: fortalecer a indústria petrolífera brasileira e cooperar com os

47

Estados Unidos, haja vista o alinhamento brasileiro com os americanos no

momento inicial da Guerra Fria. Esse dizia preferir o monopólio estatal, mas

admitira que, tecnicamente e financeiramente, os Estados Unidos tinham como

ajudar o Brasil, defendendo tal alternativa (COHN, 1968).

Horta Barbosa, por sua vez, não esperava que os trustes agissem como

auxiliares para crescimento da indústria brasileira, e defendeu que o petróleo

brasileiro servisse aos interesses dos brasileiros somente e não aos interesses

alienígenas (COHN, 1968; SMITH, 1978).

Já Odilon Braga retomou, como chefe da comissão designada para

feitura do Estatuto, a o argumento de que a questão do petróleo fosse tratada

como relação entre estados, no caso, o estado brasileiro com o americano, de

modo o último controlasse os trustes na relação do petróleo o Brasil.

Esse tema ganhou vulto, com a participação de estudantes, intelectuais

e na esfera governamental na controvérsia no Parlamento. A União Nacional

dos estudantes (UNE) levantou a bandeira do monopólio estatal e a defesa

contra os trustes, assim como foi criado o Centro de Defesa do Petróleo,

depois chamado de Centro de Defesa do Petróleo e Economia Nacional

(CEDPEN). O Jornal de Debates, semanário nacionalista, dirigido por Matos

Pimenta, Plínio Catanhede e Mario de Brito, serviu de espaço para a defesa do

petróleo, no qual foram publicados artigos de Lobo Carneiro (PTB) e do

socialista Rafael Correia de Oliveira (PSD), que iam contra o Estatuto. Além

desse, “jornais e revistas como Última hora, Diário de notícias (...) e, mais

tarde, Cadernos de Nosso Tempo(...) ajudaram a manter a campanha viva aos

olhos do público por tantos anos” (Smith, 1978).

O Clube Militar tinha a Revista do Clube Militar, que contribuiu com

artigos sobre o tema e criou o Capitão X, personagem que seguia todos os

argumentos de Horta Barbosa, tendo como tema a frase: “uma vez que ‘os

trustes’ tivessem a permissão para entrar, acabariam por controlar a indústria,

não importa quão pequena fosse sua parcela do capital total” 4.

4Revista do Clube Militar, n° 88, p. 43-44, citada em SMITH (1978).

48

Também participaram membros do Partido Comunista do Brasil (PCB),

que atuaram no CEPDEN, assim como em comícios e na Câmara dos

Deputados, sendo marcante a hostilidade com os americanos, considerados

inimigos pelo clima de Guerra Fria. No campo institucional, o deputado Carlos

Marighela propôs o projeto de lei para criação o Instituto Nacional de Petróleo

(INP) de modo permitir o capital privado, porém com controle estatal, o que não

foi à frente.

O presidente Dutra não tomou uma decisão final sobre o assunto, mas a

repressão policial foi severa, mesmo que a campanha tivesse militares

envolvidos. Por fim, o estatuto foi arquivado e o governo aumentou a verba

para o CNP, que, se utilizando de fundos do Departamento de Administração e

Serviço Público (DASP), deu início a construção da refinaria de Cubatão e

comprou quinze petroleiros. Então o investimento na ação estatal prosseguiu.

3.5 O petróleo é nosso – o monopólio estatal

Getúlio Vargas voltou à presidência pela via eleitoral em 1951 pelo PTB

e, em dezembro, mandou para a Câmara dos Deputados o projeto 1516-51

para criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás),pelo qual 51% das suas

ações seriam do governo e o restante de capital privado. Naquela conjuntura, o

consumo de derivados de petróleo saltou para 13% do total de importações,

contra menos que 8% no fim da década anterior. Isso era crítico e comprometia

vários setores da economia dependentes do uso dos derivados do petróleo.

Vargas então pensou em solucionar esse problema o mais rápido

possível e, através de assessoria técnica, ofereceu o projeto de criação da

Petrobrás para que ela logo começasse a operar. Mas, tendo em vista as

resistências prováveis, abriu espaço para participação do capital privado.

O projeto de lei tinha semelhanças com o Estatuto do Petróleo de 48,

rechaçado por militares e pela opinião pública. No projeto, algumas alterações

foram feitas com relação ao Estatuto, mudando apenas o termo “concessões”

para “contratos”, aqueles que seriam cedidos as empresas privadas que

explorariam o petróleo. A ação estava imbuída do pensamento nacional

49

desenvolvimentista, mas foi atacada exatamente pela abertura a participação

do capital privado e estrangeiro.

Os udenistas da Câmara dos Deputados reagiram, principalmente Bilac

Pinto (MG) e Aliomar Baleeiro (BA) contra a Petróleo Brasileiro S.A., por não ir

no caminho do monopólio estatal, que passara a ser defendido por eles.

O presidente apresentou o projeto nesses moldes para não encontrar

resistência da oposição, com vistas a acelerar a criação da empresa, mas a

UDN assumiu como linha do partido a defesa do monopólio estatal, de modo a

defendê-lo dos trustes.

Essa flexibilidade ideológica, de indivíduos liberais, era possível para a

UDN, segundo Cohn, pelo fato desses não terem uma base bem definida,

portanto não atingindo diretamente interesses de seus representados com tal

mudança.

O Clube Militar deixou de ser um espaço para a discussão do tema, pelo

fato de que, feitas eleições em 1952, a nova presidência teve como tema de

campanha o afastamento do debate público sobre o petróleo por parte dos

militares, que estariam sendo associados aos comunistas - que participavam

da campanha por via do CEPDEN. Vargas então perdeu poder de manobra,

com o afastamento dos militares do debate, mesmo que muitos conservassem

firmemente a defesa do petróleo sob monopólio do Estado.

O presidente se viu pressionado no âmbito nacional e internacional.

Enviado o projeto à Câmara dos Deputados, a resistência da oposição e até de

petebistas gerou dificuldades para Vargas, assim como o envio de um navio de

guerra norte americano para o Rio de Janeiro, pressionando-o contra medidas

hostis aos EUA.

Após intensos debates e coma posição do governo ficando desfavorável,

este propôs um acordo parlamentar. Com isso, a oposição conseguiu inserir no

projeto de criação da Petrobrás o monopólio estatal. A Câmara dos Deputados

se pôs como porta voz da população, o que não ocorreu com o Senado

(COHN, 1968).

50

Quando o projeto com as mudanças feitas na Câmara chegou ao

Senado, logo começou a sofrer mudanças no sentido contrário do que se tinha

feito pelos deputados. Se, na primeira Casa, o sentido era o do monopólio, os

senadores foram decidiram pela liberalização e participação da iniciativa

privada. A questão do imposto único foi uma das que gerou recusa no Senado,

pois a tributação, que seria uma das fontes de renda para a Petrobrás, veio

com emenda da Câmara de modo a beneficiar os estados produtores,

principalmente a Bahia. Essa emenda foi posta por Aliomar Baleeiro, que, por

sua vez, buscou privilégios para seu estado. No Senado, a repercussão dessa

emenda foi a de “explosões regionalistas” (COHN, 1968), mas elas acabaram

derrotadas no Senado.

Mas a questão da participação estrangeira teve atenção especial, além

de pressões externas ao meio parlamentar. A Confederação Nacional do

Comércio (CNC), assim como Associação do Comércio de São Paulo (ACSP)

enviaram documentos apelando aos senadores para que fossem contra a

proibição da participação do capital estrangeiro, assim como o monopólio

estatal. A reivindicação se justificava sob o argumento da necessidade da

exploração do petróleo em caráter de urgência para o desenvolvimento

brasileiro.

Ao voltar para a Câmara,em 1953, as emendas do Senado (32), foram

excluídas aquelas que permitiam a participação do capital estrangeiro. O

capital misto permitia que a União tivesse 51% das ações, assim como poder

de voto que restringia a influência estrangeira nas tomadas de decisão. Em três

de outubro de 1953 foi então assinada a lei de criação da Petrobrás e, em

janeiro de 1954, ela entrou em funcionamento, sob a presidência de Juracy

Magalhães (UDN).

A campanha do petróleo, iniciada pelo Clube Militar em 1948, e que

trouxe a novidade da participação ampla no debate sobre o tema em 1953,

trouxe a satisfação àqueles que defendiam o ramo do petróleo como atribuição

do Estado, para manutenção da soberania nacional e defesa contra os

interesses estrangeiros. Mesmo a segunda fase, sem exposição formal dos

51

militares, haja vista nova a presidência que se excluiu do debate, no Congresso

Nacional foi vitoriosa aquela que reproduzia a orientação de Horta Barbosa.

3.6 A Petrobrás

Após a criação da empresa, foi contratado o geólogo americano Walter

Link, ex-funcionário da Standard Oil of New Jersey, contrariando as posições

nacionalistas, porém, foi essencial o know-how americano para o uso da

tecnologia do setor no Brasil.

Pesquisas foram realizadas em todo o Brasil, e a intenção de Link era de

descobrir grandes jazidas de petróleo, para obter o máximo de progressos.

Pesquisas no Rio Grande do Norte, Amazonas, Sergipe, Alagoas, Espírito

Santo, Bahia foram feitas, porém após o relatório de 1960, feito por 14

técnicos, só a Bahia deveria receber um esforço maior para a busca de

petróleo. Isso gerou forte repercussão na esfera pública, que abominou o

relatório, atribuindo apenas a Link, que era um dos 14 técnicos.

Link se demitiu em 1961, e técnicos brasileiros assumiram o setor

técnico da empresa, mudando a metodologia de exploração. Surgiu outro

relatório, de Moura e Décio Odone, que por sua vez contestaram alguns

aspectos do relatório Link, como o descarte de opiniões contrárias do relatório

Link sem maior averiguação; pouco trabalho de detalhe nas regiões perfuradas;

a exploração dispersa pelo país. (DIAS; QUAGLINO, 1994)

Na direção da empresa, no governo de Juscelino Kubitscheck, estava o

general Idálio Sardenberg, que tinha o apoio dos trabalhadores da empresa,

que desde 1958 passaram e exercer influência da empresa. Nesse momento a

Petrobrás passou a fazer propaganda de seus progressos, investindo da

legitimidade da busca do petróleo, assim como investiu no aumento do

potencial das refinarias de Cubatão e Mataripe, assim como projetos para

novas refinarias, como REDUC, REFAP, REPLAN, REPAR, REVAP, que em

1964 representariam a autossuficiência brasileira em refio de petróleo. (DIAS;

QUAGLINO, 1994)

Na década de sessenta a movimentação sindical teve intensidade, e a

escolha de Genoísio Barroso por Jânio Quadros foi determinada pela pressão

52

de funcionários das refinarias. Naquele momento se instaurou inquérito para

averiguar a gestão de Idálio Sardenberg, que segundo Quadros, deixou a

empresa em estado precário. O ex-presidente da empresa se defendeu,

dizendo que com ele a Petrobrás havia conseguido atingir o nível de refino

além do consumo interno do país, o que era bem verdade. (SMITH, 1974) Após

a resposta, Quadros mandou prender o general.

Também nesse momento, Genoísio Barroso mandou memorando para o

presidente Quadros, um memorando dizendo das divergências dos técnicos,

quanto ao relatório Link. Na esfera pública, jornais como O Semanário

atacaram o relatório com ação entreguista, acusando Walter Link de tal atitude.

Segundo Smith, o relatório Link era lembrado quando se obtinha algum

sucesso de descoberta, e mencionado como equivocado, porém os técnicos da

empresa o ignoravam em situação cotidiana (SMITH, 1974).

Com a renúncia de Quadros, assumiu seu Vice, João Goulart, que então

nomeou Gabriel Passos (UDN) para ministro de Minas e energia. Esse

trabalhou para que Barroso fosse afastado do cargo de presidente da empresa,

que ocorreu em 6 de janeiro de 1962. Isso gerou uma greve na Bahia, por

insatisfação dos funcionários com a exoneração de Barroso. Essa só acabou

quando assumiu seu lugar Francisco Mangabeira, outro presidente ligado aos

trabalhadores.

Peter Smith descreve a atuação nacionalista dentro da Petrobrás, no

governo de Goulart, no qual o ministro Gabriel Passos mobilizava comícios

para que a população desse apoio à empresa e atitudes nacionalistas,

Mangabeira punha em prática o nacionalismo e estreitamento de laços com

sindicatos. Esse autor não e simpático a esses acontecimentos, muito menos

ao governo de Goulart, denominado por ele, um demagogo como Vargas. Sua

posição é radical quanto a influência de trabalhadores em atividades executiva

da empresa, como a pressão feita à Mangabeira, como ao próprio governo.

Mangabeira aproximou os trabalhadores da direção da empresa, de modo a

fazê-los representantes dos trabalhadores, assim como ofertou amplos

benefícios sociais (SMITH, 1974).

53

Mangabeira também tentou ampliar o campo de ação da empresa,

participando da distribuição dos combustíveis derivados, iniciando o

fornecimento para entidades públicas, isso com a intenção de tirar esse

fornecimento das empresas estrangeiras. Esse posicionamento nacionalista

não é bem visto por Smith, que aponta para a inadimplência de órgãos públicos

no pagamento de suas contas.

Em maio de 1962, diretores de várias seções técnicas pediram a

exoneração de Mangabeira, que por sua vez apelou aos trabalhadores. Esse

obteve êxito, e dos 175 assinantes do pedido de sua exoneração, vários

voltaram atrás, e lhe prestaram apoio.

Os trabalhadores, com uma posição nacionalista, pressionavam o

presidente da empresa para a nacionalização das refinarias privadas, assim

como o monopólio da distribuição, soluções radicais para tirar o petróleo de

qualquer domínio privado, nacional, e internacional.

Nesses pontos, mas principalmente com relação à nacionalização, o

presidente nacionalista perdeu apoio dos trabalhadores, pois recuou com tal

demanda.

Smith descreve nesse momento, a forte movimentação sindical da

empresa e o poder de influência dos trabalhadores, que tencionavam com a

gestão, em um rumo mais nacionalista.

Francisco Mangabeira renunciou em 1963, para tirar férias, e o sucedeu

Albino Alves, que era chefe da casa militar. Nesse momento, trabalhadores

como Jairo José Farias e Hugo Régis dos Reis, assumiram a diretoria da

empresa, sobre fortes protestos das classes produtoras.

A refinaria privada de Capuava, instalada em São Paulo, teve seus

trabalhadores em greve, pela desapropriação e nacionalização da refinaria. A

greve só acabou quando Goulart prometeu fazê-lo em “momento oportuno”

(SMITH, 1974, p.167).

Albino Alves acusou cinco funcionários da empresa, dentre os quais,

José farias, e isso gerou reação dos trabalhadores, que por sua vez pediram o

54

afastamento do então presidente da companhia. Ocorrido o afastamento,

assumiu o marechal Osvino Alves, outro presidente que sustentava laços com

os trabalhadores, mas sua entrada na empresa era uma tentativa de controlar

os trabalhadores. Aceitando o pedido dos trabalhadores, Alves e Goulart

substituíram os trabalhadores demitidos da direção da empresa por outros.

No ano de 1964, o então presidente da República, em comício anunciou

a nacionalização das refinarias privadas, assim como extensão do monopólio

para a distribuição. Logo depois Goulart foi deposto por uma aliança civil

militar, contrária ao tipo de relação com as massas e concessões populistas

que esse estabelecia com elas, que assumiu o poder, dando início a ditadura

militar. Toda a organização da classe trabalhadora nas refinarias foi

desarticulada a base de expurgo de funcionários.

A empresa continuou suas operações, agora de forma a agilizar o

processo de exploração do petróleo. Em 1965 foi feita uma mudança na

empresa com esse fim, pois internamente, vários técnicos já consideravam

necessária uma reforma administrativa.

A empresa não era dividida em departamentos, o que a caracterizava

por uma centralização das decisões nas mãos da presidência e diretoria.

Importantes setores da eram o Escritório de Comércio de Petróleo (ECOPE) e

o Departamento de exploração (DEPEX). O primeiro era responsável pela

compra de petróleo para processamento nas refinarias brasileiras e venda do

petróleo baiano, que pelo alto teor parafínico, não era processado ainda no

Brasil5. O DEPEX cuidava da pesquisa das bacias brasileiras em busca do

petróleo.

Em 1961, porém, se iniciaram estudos sobre uma reformulação

administrativa da empresa, que poderia seguir dois rumos: A criação de

subsidiárias ou a divisão da empresa em departamentos. A segunda opção foi

a que vigorou, surgindo departamentos como o Departamento de Comércio

(DECOM), que englobou o ECOPE; o DEPEX se tornou Departamento de

Exploração e Produção (DEXPRO); o Departamento de Transportes; e

5 Sob a presidência do General Idálio Sardenberg começaram estudos para processamento do petróleo brasileiro (SMITH, 1974).

55

Departamento Industrial. Com essa mudança o poder decisório ficaria a cargo

de cada departamento. Nesse período grandes projetos de investimentos

regidos pela empresa passaram a ser formulados por grupos executivos,

formados pela direção executiva da empresa, passando pelas estruturas

tradicionais da empresa, para por em andamento rapidamente projetos (DIAS;

QUAGLINO, 1994).

Exemplos são: o Grupo Executivo da Bacia de Campos (GECAM),

responsável pela aceleração dos projetos na plataforma continental de

Campos; e o Grupo Executivo de Obras Prioritárias (GEOP), que por sua vez

servia para adiantar a construção da refinaria Paulínea em São Paulo e

ampliação da REDUC.

Outra mudança ocorrida em meados da década de sessenta, foi à

direção que a exploração tomou para a plataforma continental. Mesmo os

campos de Carmópolis (SE) em 1963, e Miranga (BA) em 1965, não trouxeram

novas perspectivas que compensassem a déficit de produção, em relação ao

consumo brasileiro, que começou a declinar com a decadência do Recôncavo

Baiano. Então a atitude foi buscar na plataforma continental das bacias

pesquisadas. O ano de direcionamento para o mar foi 1967, com o início de

construção da primeira plataforma, a Petrobrás I, que foi acompanhada por

mais três até 1975 (DIAS; QUAGLINO, 1994).

Os problemas encontrados para o empreendimento foram os mesmo

que a exploração terrestre na década de 50, como a falta de pessoal

qualificado, equipamentos produzidos no país, ou seja, a dependência da

tecnologia estrangeira. Mas já existiam centros de qualificação profissional para

o setor petrolífero, e os problemas foi mais rapidamente solucionado do que

antes. As plataformas começaram a operar na década de sessenta, de forma

provisória, até que fossem construídas as definitivas. Os campos eram o de

Guaricema (SE) e Campos (RJ). Mas mesmo a descobertas dessas jazidas

não deram conta da necessidade de consumo brasileiro, prejudicada pela crise

mundial do petróleo, em 1973.

Porém vários campos foram descobertos em Campos, o local que foi

mais promissor, com: Campo de Pargo; Campo de Garoupa (1974); Campo de

56

Badejo (1975); Campo de Enchova; Campo de Bonito (1977); Campo de

Pampo (1977). E a maioria dos campos já se localizava no mar.

A produção em decadência, haja vista a instalação e recursos apenas

futuros da plataforma continental, fez com que a empresa assinasse contratos

de risco em 1975, de modo a tentar solucionar o problema da queda de

produção global do petróleo, o que não surtiu muito efeito, com poucas

descobertas de empresas privadas (DIAS; QUAGLINO, 1994).

Em 1984 e 1985 forma descobertos respectivamente os campos

gigantes de Marlim e Albacora, que fez a autossuficiência pareceu viável em

uma década, tamanho a potencial deles.

No Amazonas, em 1986, ocorreram resultados positivos, com reservas

de óleo em Urucu, na bacia do Solimões.

Mas antes desse sucesso, cabe que outra mudança se operou na

empresa, inicialmente em 1967, mas se consolidando em meados de setenta.

Foi a criação de subsidiárias da empresa. Iniciou-se em 1967 por que a

Petrobrás não podia dominar esse setor, fora do monopólio, deixando então

para empresas privadas, que queriam manipular a indústria química, para

produzir eteno. Um dos grupos foi o Soares Sampaio, que era proprietário da

refinaria de Capuava. Porém essa e a Union Carbide não obtiveram sucesso, o

que fez a estatal intervir, com a criação de uma subsidiária, que auxiliaria a

compra de materiais, fornecimento de tecnologia e demanda para as empresas

privadas.

Do Decreto que permitiu a formação da subsidiária, se abriu desde ali a

possibilidade das demais. Em 1971 a Petrobrás não podia monopolizar a

distribuição, fora da legislação vigente, mas sob o esforço do Governo de

Ernesto Geisel foi criada um subsidiária com esse fim, que foi a BR-

Distribuidora, que pode atuar nesse mercado e na mesma década ultrapassou

as distribuidoras, passando as multinacionais, Shell, Esso, Ypiranga. Outra foi

a BRASPETRO em 1972, que ficou responsável pela exploração de Petróleo

no exterior, em países como: Argélia; Madagascar, Bolívia, Iraque, Irã, Líbia e

Egito. Essa encontrou algumas dificuldades políticas no Oriente Médio, pois

57

quando encontrou a jazida gigante no Iraque, a Majnoon, logo o governo

iraquiano impôs entraves para a exploração dessa jazida, o que não impediu

que a empresa a explorasse.

A BRASPETRO também agiu na Bolívia, que já tinha recebido tentativas

de empresas privadas, dentro do acordo fixado entre Brasil e Bolívia, o tratado

de Roboré. Na época, não era interessante para o governo brasileiro explorar

ou investir na Bolívia, pois os ganhos políticos não aconteceriam, pelo fato de

que não seria a Petrobrás que exploraria. O governo boliviano, que cobrou a

parte do Brasil no acordo feito em 1939 no governo Vargas, manobrava de

modo que o Brasil desistisse de sua parte no território comum determinado,

proibindo a atuação da estatal brasileira e permitindo apenas as empresas

privadas. Essas não obtiveram sucesso. A BRASPETRO porém pode explorar,

por ser uma subsidária.

Dessa nasceu a INTERBRÁS, que teria por fim abrir novos mercados no

exterior e importar produtos para o Brasil. Era um coadjuvante da iniciativa

privada, mas também seguiu políticas de Estado, o que para Dias e Quaglino

confundiu um pouco a função das subsidiárias. Essa era um trading company,

que estendeu suas esferas de ação para outras mercadorias que não

derivados do petróleo, assim como passou a fazer comércio do exterior no

exterior, e não em relação ao Brasil, o que fugiu de sua intenção original, que

era poupar divisas e assegurar mercados fora do país.

Na crise ocorrida nos anos 80 essa empresa enfrentou grandes

dificuldades, por estar muito atrelada a equilíbrio de mercado, mais do que o

setor petrolífero, motivo pelo qual as demais se mantiveram mais estáveis com

a crise. (DIAS; QUAGLINO, 1994)

Na década de 80 a Petrobrás vislumbrava o horizonte da

autossuficiência na produção do petróleo para o fim da década de 90; já era

autossuficiente no refino de petróleo, com parque industrial equipado, e com

equipamentos já produzidos no Brasil; tinha uma subsidiária que liderava o

mercado de distribuição, para além dos subsídios da estatal brasileira;

Mantinha relações comerciais no exterior através da INTERBRAS; então o

êxito que a empresa encontrou, sempre com a defesa do nacionalismo, foi para

58

além dos mitos que Smith considerou. Dias e Quaglino mostram que para isso

ocorrer, muito capital estrangeiro, através de empréstimos, foi injetado, porém

o controle do estado a empresa seguiu o objetivo de beneficiar as divisas do

país. Smith questionou a probabilidade de autossuficiência em 1979, o que

realmente não aconteceu, mas que foram perspectivas abertas com as

descobertas na plataforma continental, com previsões para a década de

noventa, em termos concretos. Sua crítica foi ao investimento estatal, de forma

emocional, o que foi errado, por que as grandes empresas deveriam se

incluídas, pela posse do capital, o que agilizaria a produção petrolífera. Dias e

Quaglino, apesar de concordarem alguns aspectos de Smith, como a

participação privada para o sucesso da empresa, e sua independência

econômica frente ao Estado Brasileiro, admitem que a centralização e a forma

que a Petrobrás se organizou, foi essencial para o sucesso da empresa, pois

nenhuma empresa privada se prestaria aos riscos que uma estatal podia fazer.

Portanto, a fala de Smith sobre a participação estatal e bem matizada com a

análise de Dias e Quaglino, assim como o nacionalismo “emocional” obteve

mais sucessos do que ele esperou, afinal, foi como empresa monopolista que a

Petrobrás cresceu.

3.7 Petrobrás nos anos 90 e 2000

Com a redemocratização, o Congresso Nacional levou a debate várias

pautas políticas, dentre as quais a quebra do monopólio da empresa. O país

estava em crise, assim como o modelo estatal também encontrava limitações,

que deslegitimava sua ação. As teorias de minimização da ação do estado

voltaram a ter força, e já na formatação da Constituição brasileira de 1987/88,

essa tendência se mostrou. Porém o que surgiu foi uma carta social democrata,

que visava medidas de bem estar social, assim como certo grau de intervenção

econômica. Com relação à Petrobrás, pedia-se a quebra do monopólio, que

não ocorreu, por força de interesses já estabelecidos no setor. Seu órgão

político, o CNP, foi extinto em 1990, no governo Collor de Mello, deixando a

empresa de ter aquela instituição de ligação direta com a presidência da

república para regulamentação e intervenção na política do petróleo. Naquele

momento as rédeas sobre a fixação de preços acabaram. Na revisão da

Constituição de 1988, ocorrida em 1993/94, houve novamente vozes que

59

pediram a quebra do monopólio da produção do petróleo no Brasil, o que

novamente não logrou êxito, com sindicatos e a própria empresa fazendo a

defesa do monopólio.

Uma onda de mudança político-econômica fazia pressão para mudança

do papel do Estado naquele período. De um Estado intervencionista e criador

de um sistema econômico, propunha-se um Estado menor, meramente

regulador. No caso da Petrobrás, o CNP, órgão executivo, junto a presidência

da empresa, e ligada diretamente a presidência da República existia mais.

Também no Governo Collor, surgiu o Plano de desestatização (PND),

com o fim de privatizar as empresas estatais. No caso da Petrobrás, foi

diferente das demais, pois essa havia logrado êxito em seus objetivos como

criadora de desenvolvimento industrial, para além das suas expectativas. As

subsidiarias da estatal petrolífera, não ligadas a produção do petróleo, ou forma

extintas, ou foram privatizadas. Extintas foram a Petromisa e Interbrás;

privatizadas foram a Petrofértil e a Petroquisa.

No caso da empresa, houve um esforço de driblar a atuação do Estado

através dessas subsidiárias, como o exemplo emblemático da Interbrás, usada

como meio de regular e atuar na balança comercial do País, assim como

tentativa de controle inflacionário, isso por meio de transações com mercados

internacionais.

Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1995, houve

uma nova empreendida pela flexibilização do monopólio do petróleo, que tinha

por objetivo fazer predominar a lógica de mercado e da livre concorrência, na

tentativa de acabar com a prerrogativa monopolista da estatal brasileira.

Tratava-se de uma estratégia de enxugamento patrimonial, que segundo a

lógica liberal, onerava o estado sem desenvolver a economia. O governo FHC

tina a clara meta de, primeiro quebrar o monopólio, e depois privatizar a

empresa, assim como fez em 1997 com a CVRD e com a Eletrobrás.

No entanto, mantinha tal intenção inaudita, como se verifica na proposta

de emenda constitucional 6/95, na qual foi aprovada a quebra do monopólio na

Câmara dos deputados, mas sem fazer menção a privatização (FELIPE, 2010).

60

A empresa se manteve estatal e integrada, na produção, refino,

transporte e com a subsidiária BR-Distribuidora na liderança do mercado,

porém, sem a primazia do monopólio.

Porém a mudança institucional que passou o Estado, e simultaneamente

a empresa, foi favorável para a empresa, pelo fato de não ter sida a mesma,

vendida por partes, ou seja, a sua manutenção com empresa integrada

garantiu não só a sua sobrevivência, como a elevou ao sucesso absoluto nos

anos 2000 (FELIPE, 2010).

A empresa não foi privatizada por seu êxito na construção da indústria

nacional do petróleo, assim como sua ligação com a população brasileira. Sua

lucratividade era alta e tinha autonomia, haja vista sua ligação com sistema

político brasileiro.

Na esteira da reforma do Estado brasileiro, da intervenção para a

regulação, foram criadas agências reguladoras, no caso da Petrobrás, do CNP

para a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Essa assim como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a

ANP tinha que assumir o papel de neutralidade frente a Estado e a sociedade.

Não podia favorecer nem a poderosa estatal, como não poderia favorecer os

empresários. Seu papel era criar um ambiente concorrencial de livre mercado,

que atraísse investimentos e desse modo desenvolvesse a economia (FELIPE,

2010). Ao contrário do CNP, diretamente ligado a presidência, a ANP,

idealmente deveria de autônoma do governo.

Ela se obteve sucesso em sua criação, em 1998, no segundo governo

FHC. Esse, por sua vez, levou a frente o enxugamento do Estado, assim como

enfraquecimento de alguns ministérios, como o Ministério de Minas e Energia

(MME), que era despovoado (FELIPE, 2010). Desse modo a ANP absorveu

funções que não eram suas e amealhou a legitimidade que necessitava para se

afirmar como agência reguladora, tal necessária para ter a confiabilidade dos

empresários privados.

No governo Lula, em 2002, a situação mudou, pois esse tinha por

intenção fazer intervenções pontuais no mercado, assim como, não ficar

61

submisso a determinações da agência reguladora. O Ministério de Minas e

Energias voltou a ter força, e retomou o espaço vago deixado no governo FHC,

e ocupado pela ANP (FELIPE, 2010).

Lula chamava as agências de “formas de terceirização do poder”

(FELIPE, 2010), e para resolver o dilema das agências, criou um grupo

interministerial para tratar do tema. Esse entendera a importância da agência

reguladora, não isenta do Estado, e fizeram dois anteprojetos, que receberam o

nome de “Lei das agências”. Após isso, o governo manteve influência na ANP

através do MME.

A sobreposição da autoridade do Governo Federal e MME sobre a ANP

foi enfraquecendo a imagem desta, que como qualquer outra, necessitava ser

confiável e gera um clima propício para a iniciativa privada (FELIPE, 2010).

Quando da descoberta do Pré-sal e da regulamentação do gás natural, a

ANP readquiriu grau de importância como instituição.

Na área da exploração, a Petrobrás obteve grandes êxitos com a

descoberta em águas profundas, a cerca de 4.000 metros de profundidade,

abaixo da camada de sal no mar.

Os campos do Pré-sal se localizam na Bacia de Campos, Santos e

Espírito Santo, obtendo jazidas gigantes de petróleo. O maior poço e o de

Libra, localizado em Campos. Somente esse tem a chance de produzir mais

que os poços Marlin, Roncador, Marlin Sul e Albacora.

Em 2010 foi promulgada legislação sobre o Pré-sal, onde empresas

privadas poderiam explorar o petróleo, sobre o regime de partilha, onde a

iniciativa privada assume os riscos e custos do empreendimento, e caso

descobrindo reservas, uma parcela obrigatoriamente direcionada para a União.

A propriedade é da União, para os direitos para exploração leiloada através da

ANP.

Em outubro de 2013, foram leiloados mais blocos para exploração no

campo de Libra, na qual, Petrobrás; as chinesas CNPC e CNOOC; a Shell; e a

francesa Total arremataram blocos para exploração.

62

O campo de Libra é a maior descoberta no século XIX, mas ainda não

existe uma estimativa sobre a quantidade de petróleo existente por baixo da

camada Pré-sal.

Na política interna brasileira deu-se um intenso debate sobre a

distribuição dos royalties do petróleo para as federações, onde os Estados do

Espírito Santo e Rio de Janeiro reivindicaram para eles os recursos vindos da

atividade.

Sobre a questão do Petróleo foram utilizados três compêndios: o livro de

Gabriel Cohn, Petróleo e nacionalismo de 1968; Peter Seaborn Smith, com O

petróleo e a política no Brasil moderno; José Luciano de Mattos Dias e Maria

Ana Quaglino em A questão do petróleo no Brasil- Uma história da Petrobrás.

Cada livro trada de um recorte histórico, um após o outro se

referenciando pelos anteriores, e no caso de dois livros desses, fazem um

balanço da época em que foram lançados. Todas as obras divergem na

interpretação dos eventos ocorridos antes e depois da constituição da

Petrobrás. A ordem cronológica dos recortes históricos começa com Gabriel

Cohn, que limita seu objeto de estudo até a constituição da empresa, em 1953,

sem fazer balanços da empresa do período em que produziu a obra, o ano de

1968; Peter Seaborn Smith, que fez um estudo até a década de setenta, com

balanço de perspectivas da empresa para aquela década; e Dias e Quaglino,

que chegam até a redemocratização da política brasileira, com a situação da

empresa naquela época.

As matrizes interpretativas divergem em maior volume no que concerne

à atitude dos personagens envolvidos na Campanha do Petróleo, a qual

Gabriel Cohn defende o individualismo metodológico, em que esses atores

atuaram segundo cálculos racionais para maximizar ganhos de suas posições;

enquanto Peter Smith defende que a Campanha do Petróleo foi algo

63

emocional, irracional, marcado pela xenofobia aos estrangeiros (multinacionais

e técnicos)6.

O livro de Dias e Quaglino não entra nesse mérito diretamente, mas em

sua argumentação sobre a estrutura interna da empresa, progressos e limites

aponta para o sucesso empresarial que a Petrobrás obteve na diversificação de

suas atividades, que foram além da sua área, que era a produção, transporte e

refino do petróleo, atribuindo isso a racionalidade dos atores.

Gabriel Cohn defende que a Campanha do Petróleo surgiu da interação

entre fatores que remontam à década de trinta. Primeiro o Estado centralizado

de 1930, com vistas ao desenvolvimento industrial, afetado por limitações

internas e influência externa; a preocupação dos militares com a segurança

nacional, extremamente dependente do petróleo; interesses externos voltados

para manutenção do mercado consumidor brasileiro para seus produtos (os

trustes); um setor empresarial em expansão, com exigências básicas para o

seu desenvolvimento; grupos técnicos atentos a viabilidades econômica de

projetos para esse desenvolvimento; a liderança de Getúlio Vargas,

comprometida com o nacionalismo; uma opinião pública mobilizada; e a

oposição parlamentar da UDN à Vargas na época da tramitação do projeto nas

casas parlamentares.

Todos esses fatores interagiram para que, o único motivo para que um

movimento daquele ocorresse, o petróleo e a defesa da exploração estatal

tomasse a forma de uma empresa estatal monopolista.

Melhor explicando, o desenvolvimento industrial desse setor era oneroso

e também dependia dos recursos humanos, mão de obra qualificada, e isso

gerou por parte dos nacionalistas oposição, pelo fato de agentes estrangeiros

poderem dar informações para os trustes; por parte dos técnicos do CNP,

ocorreu a defesa da participação estrangeira na extração do petróleo, assim

como a contratação de pessoal de fora do país, com know-how para as

atividades; os militares, que desde a I Guerra mundial assistiram a

6 Smith divide o nacionalismo daquele período em quatro, que são: nacionalismo nativista ou chauvinista; corporativista; desenvolvimentista; e radical. O último é o que esse autor mais abomina, e não deixa de dedicar toda a sua obra para mostrar os equívocos desses nacionalistas (SMITH, 1974).

64

dependência da defesa nacional ao petróleo, após a II Guerra mundial, recente

ao surgimento da campanha nacionalista, ganhou grande relevância, dividindo

e exercito entre posições desenvolvimentistas e radicais; Getúlio Vargas, que

em 1951 assumiu a presidência com a legenda de deu partido, o PTB,

interessado no rápido desenvolvimento da indústria, haja vista a crise de

abastecimento que o Brasil enfrentava desde fins da década de quarenta,

nomeou uma comissão para por o projeto da Petrobrás para funcionar, e para

isso permitindo a participação estrangeira; e a UDN, que em oposição ferrenha

à Vargas, assumiu a posição pró monopólio, aproveitando do projeto

desenvolvimentista e mais flexível de Vargas para então fazer oposição a este.

Todos esses atores atuaram, segundo a interpretação de Cohn, de

forma racional, com a intenção de obter resultados positivos para seus

posicionamentos e interesses e a interação desses fatores gerou a criação da

Petrobrás.

Em síntese, nas palavras de Gabriel Cohn:

“De modo geral, não há como apontar um grupo de influência decisiva na instituição do monopólio estatal do petróleo no Brasil. Não foi, portanto, a Campanha do petróleo a causa da criação da Petrobrás; nem a ação de Getúlio Vargas, ou dos técnicos governamentais; nem tampouco a oposição parlamentar. Houve isso sim, uma interação complexa entre esses grupos, e outros mais, suscitada e dinamizada por problemas prementes para a sustentação do processo global de mudança que se efetuava em todos o níveis da sociedade nacional; essa interação poderia ter outro desenlace, como o teve, em outras nações latino americanas (...) a dinâmica da situação conduziu a essa decisão, e não outras. (...) configurava-se um contexto de opções múltiplas, que definiam de um modo não dado previamente de forma unívoca uma grande decisão maior, imposta pelas circunstâncias (...) a constelação de opções não era casual, nem ilimitada; pelo contrário, era limitada e estruturada. (...) Posto o problemas maior, da política do petróleo, a sua solução impunha-se; por sua vez, nas condições históricas dadas, um certo número de opções, limitado e, função de grupos sociais em presença, se apresentava; finalmente, em virtude da articulação entre esses dois elementos, essas opções, possíveis mas não aleatórias, se estruturavam, configurando modalidades bem definidas de consciência do problema e de ação correspondente. [houve] o estreitamento desse campo de possibilidades de decisão, por força das sucessivas redefinições dos seus condicionantes históricos, até chegar-se a solução final adotada: uma entre outras possíveis, mas a única realizável, nas condições dadas (COHN, 1968, p.186-7).

Além dessa teoria da interação dos grupos, Cohn distingue três tipos sociais

básicos, assumidos pelos atores da época, na esfera relacional, que são: o

65

burocrata; o técnico; e o político. Esses tipos sociais se deram nos momentos

da Campanha do petróleo, na qual os atores, por vezes, atuavam com discurso

técnico, ligados a viabilidade e exequibilidade do projeto; discurso político,

direcionado ao confronto de interesses que o petróleo gerava, e como

resguardar o Brasil através do domínio da atividade; o burocrata, representado

por Odilon Braga à época das Bases para um inquérito do Petróleo no Brasil,

onde o tom da argumentação disse respeito as dificuldades da pesquisa do

mineral, assim como as dificuldades administrativas e financeiras do

empreendimento. Na interação dos grupos, cada um assumiria um tipo de

ação, conforme a dinâmica da situação.

Peter Seaborn Smith, por sua vez, segue no caminho contrário ao de

Cohn, dizendo que a Campanha do petróleo foi irracional, por ter em seu

substrato, o elemento emocional do nacionalismo, que atrapalhou segundo sua

interpretação, o desenvolvimento da indústria petrolífera no Brasil

Seu objeto são jornais cariocas de diferentes posições, liberais e

nacionalistas, portanto estudou a esfera pública da época, no Rio de Janeiro, a

respeito do petróleo brasileiro.

Chegou à conclusão de que a Campanha seguiu o preconceito

nacionalista xenófobo, guiado pela emoção, o que distanciou segundo ele, o

problema de uma solução mais rápida e de sucesso. Em sua argumentação diz

que os brasileiros se guiaram por dois mitos, o primeiro que foi o da existência

do petróleo no Brasil, em um período em que não se tinham informações

concretas sobre a existência desse mineral; e segundo, de que os estrangeiros

estariam prontos para se apropriar das jazidas. Discordou dos dois mitos,

constatando que o Brasil não tinha uma geologia favorável para a existência do

petróleo, e que para tentar explorar tal riqueza, o capital privado internacional

seria imprescindível, de modo que não fosse feito, não obteria êxitos e

absorveria o empreendimento estatal grandes recursos, para resultados

insatisfatórios.

Segundo ele, os jornais levaram um histerismo ao público brasileiro, que

sob a emoção, contrariou a participação privada estrangeira na indústria

petrolífera. As descobertas em Lobato no ano de 1939 e a reabertura política

66

de 1946 para Smith foram fatores que estimularam os brasileiros a apoiar a

Campanha do Petróleo, ameaçado pelos trustes, segundo o autor, sem razão.

Sua argumentação se baseia em argumentos de políticos contrários ao

monopólio estatal, como Raimundo Padilha (UDN), que contrariando a linha

que seu partido adotou, demonstrou a inviabilidade para a tentativa do Brasil,

em obter a autossuficiência em produção de petróleo, e, portanto,

desqualificando a proposta de monopólio estatal.

Seus estudos extrapolam a criação da empresa, e desse modo, ele

caracteriza as dificuldades iniciais como culpa do nacionalismo, que culminou

com a criação da Petrobrás. A propaganda da empresa, assim como

resistências quaisquer que fossem a participação do capital estrangeiro não

eram racionais, e sim emocionais, portanto, sem créditos para lidar com o

problema.

Os comunistas, os nacionalistas radicais são o alvo das suas mais

intensas críticas, pois não levavam em conta o realismo da situação e a

impossibilidade de que o monopólio oferecesse êxito para a questão do

petróleo no Brasil. O nacionalismo desenvolvimentista, por ser mais flexível e

pragmático, era a melhor alternativa, que para Smith, infelizmente perdeu

espaço para os radicais nos governos populistas de Juscelino Kubitschek,

Jânio Quadros e João Goulart.

Esse autor tem por intenção desqualificar o empreendimento estatal,

acusando-o de onerar o bolso do contribuinte brasileiro, com gastos que

ofereciam pouco retorno. Nesse caminho, não desenvolve sobre o sucesso no

setor do refino, que já na década de sessenta oferecia autossuficiência; e o

setor de transportes do combustível; áreas que tiveram mais sucesso.

Foca na produção do petróleo no Brasil, na não existência de jazidas

consideráveis no país, portanto, desqualificando o monopólio estatal do

petróleo. O que ele observa é a reação nacionalista dos jornais a qualquer

tentativa mais flexível de resolver o problema do petróleo.

Seu estudo se limitou ao fim da década de 60 e inicio de 70, portanto

não tendo no tempo de conclusão de seu trabalho, observado os

67

desdobramentos posteriores da empresa, que atingiu a ponta da distribuição no

mercado brasileiro, através da subsidiaria BR-Distribuidora, e os achados na

plataforma continental, em Campos e Sergipe.

Outro eixo de argumentação de Smith para mostrar o lado emocional da

Campanha do Petróleo, foi o relatório Link. Esse relatório foi feito por 14

técnicos da Petrobrás em 1960, dentre eles, Walter Link, e nesse relatório foi

desqualificado de capacidade regiões como o Amazonas, Sergipe, Espírito

Santo e Alagoas. Smith argumenta que Walter Link foi acusado injustamente

de pessimismo quanto à extração de petróleo, e também, de agente dos

trustes, isso pelo sentimento nacionalista, embebido pelo mito de existência em

grandes quantidades de petróleo no subsolo brasileiro, além da ameaça dos

trustes.

Smith discorda com Gabriel Cohn quando diz que a atenção dos

brasileiros poderia se direcionar para a eletricidade, ou siderurgia, que era

setores simbólicos do desenvolvimentismo industrial. Para ele:

“A mais importante razão da campanha popular concentrar-se no petróleo ao invés de na eletricidade deve ter sido com certeza o mais alto grau de emoção que cercava a indústria do petróleo, e a existência paralela de ‘trustes’ do petróleo muito mais conhecidos e aparentemente mais poderosos, em contraste com a situação da eletricidade” (SMITH, 1974, p.178)

Para Cohn nem é emocional, e nem tinham tais alternativas, pois o

petróleo era o único objeto daquela conjuntura capaz de gerar a Campanha

que gerou.

O que é interessante considerar, é que os personagens agiram perante

uma estrutura de opções disponíveis, das quais assumiram posturas conforme

a dinâmica da situação, exemplificado pela UDN, que ideologicamente se

postou contra seus pressupostos, como o de livre mercado. Que a campanha

tinha um tom emocional, não é errado, porém deve-se matizar a proporção

dessa emoção ao ponto da irracionalidade.

Cada jornalista, político, empresário, tinha interesses diversos, conforme

a posição que ocupavam e linhas ideológicas, portanto militando contra ou a

favor do monopólio do petróleo. Ao escrever uma coluna, o jornalista assume

68

um tom emocional, mas partindo de suas convicções e ideologia, ou seja,

racional.

No caso desse trabalho, tem-se a intenção de comprovar a complexa

interação de fatores da época em que se deu a campanha no Espírito Santo,

onde Setembrino Pelissari atuou, em sua fase estudantil, de modo a se inserir

na política, em um contexto de abertura política, assumindo a questão do

petróleo, juntamente com outros atores de posições política diversas, intenção

na qual obteve êxito, pois obteve uma carreira política extensa, antes da

ditadura militar e depois, muito em parte dos contatos que tinha com Eurico

Rezende e Élcio Álvares, que também assumiram o poder de Estado Capixaba

na ditadura militar.

Sobre o mito do petróleo, há de se concordar com Smith que realmente

os militantes fundamentavam sua defesa do petróleo nacional sem base em

informações concretas, porém não de forma irracional, pois os riscos que os

trustes apresentavam por sua atuação na América Latina eram perfeitamente

plausíveis, e mesmo que nos momentos em que a posição nacionalista

denunciou a atuação dos trustes sem provas concretas, não era novidade para

ninguém da época dos jogos de poder, nos quais as multinacionais se

envolviam, de modo a obter benefícios e maiores lucros. A emoção que Smith

denomina, é na verdade um tipo de irracionalidade com a qual ele não

concorda, por isso chama o estigma estrangeiro como segundo mito do povo

brasileiro com relação ao petróleo, o que para ele foi emocional e foi maléfico

para a economia no setor em questão.

3.8 Análise da entrevista

Os reflexos da campanha carioca, já iniciada em 1947, reverberaram no

Espírito Santo em 1948, e segundo as páginas do jornal A Gazeta da época,

temos alguns dados do ponto de vista institucional, ou seja, como se formou a

campanha, que grupo e através de que órgão criado para tal fim. Após essa

rápida exposição, cronológica em essência, será analisada a entrevista

realizada por Setembrino Pelissari, advogado de 85 anos, que à época

69

estudava o científico, e já se engajava na política. Foi um dos participantes da

campanha “O petróleo é nosso”.

No dia cinco de maio de 1948, uma nota foi publicada no jornal A

Gazeta, feita pelos estudantes no dia 28 de Abril, anunciou a entrada desses

na militância sobre um tema nacional, que era a defesa do petróleo brasileiro.

Nomeada uma Comissão Estudantil de Defesa do Petróleo, ela conclamava a

sociedade para uma solução patriótica para a questão do petróleo, e se

propunha a fazer uma campanha de esclarecimento sobre o assunto, na

defesa do monopólio estatal. Sua reunião foi na Associação dos Funcionários

Público do Espírito Santo.

Daquele momento em diante, varias notas explicativas sobre a comissão

foram sendo publicadas no jornal, a cada passo que essa instituição dava. Sob

a tese nacionalista de Horta Barbosa, defendiam o monopólio em todas as

fases da exploração do petróleo, para o Estado brasileiro, excluindo não só a

iniciativa estrangeira, como a privada. Na verdade o grande foco eram os

trustes americanos, e o exemplo da Venezuela era o mais usado, como foi no

artigo de Setembrino Pelissari, em 4 de setembro de 1948, no qual disse que

“A Venezuela tomada pelos trustes, não manda em si mesmo” (A Gazeta,

04/09/48, p.3), prevendo o mesmo futuro para o Brasil, caso permitisse a

entrada dos estrangeiros no setor. Uma das ações dessa Comissão foi

organizar, no Teatro Carlos Gomes, uma conferência, para debater sobre o

assunto (A Gazeta, 12/05/48, p.1).

Em setembro, a antiga Comissão Estudantil já era chamada de Centro

Estudantil de Defesa do Petróleo, e nesse mês recebeu contato do Centro

Nacional de Defesa do Petróleo, para que cerrasse fileiras na empreitada. Era

a aproximação do núcleo da campanha com o Espírito Santo, que, por sua vez,

se tornou o Centro Espírito-Santense de Defesa do Petróleo, que foi

oficializado no I Congresso Estadual do Petróleo, realizado de 12 a 16 de

Outubro. Antes disso, reunidos na sede do Sindicato dos Comerciários,

tramitava a criação dessa instituição, ligada ao Centro Nacional.

Foi formada uma Comissão Executiva para o Centro Espírito-Santense,

com a seguinte composição:

70

Presidência: Prof. Geraldo Costa Alves

Vice-presidência: Américo Barbosa Meneses

Secretário Geral: Ademar de Oliveira Neves

1º Secretário: Setembrino Pelissari

2º Secretário: Pedro Maia de Carvalho

1º Tesoureiro: Deputado Anibal Soares.

2º Tesoureiro: Joaquim José Silveira

Procurador: Prof. Antônio Souza

Orador: Eurico Rezende

Bibliotecário: Dr. Luiz Antônio Curvacho

Publicidade e propaganda: Sergipense Penna, Hermógenes da Fonseca e

Valeriano Carreto (A Gazeta, 01/10/48, p.11)

Essa comissão, pelos personagens conhecidos, como Setembrino

Pelissari, Eurico Rezende, Hérmogenes da Fonseca, Sergipense Penna, era

heterogênea, englobando indivíduos antagônicos, como udenistas e

comunistas, assim como progressistas, como Sergipense Pena.

Porém, na visão de Pelissari, não havia conflito de qualquer ordem

nessa campanha, ou em sua organização, até porque, segundo ele, “as

lideranças comunistas eram bem quistas, aqui em Vitória. Na época, pelas

pessoas da sociedade inclusive” (Anexo, p. 82).

A campanha foi iniciada pelos comunistas, mas também participavam

professores do ensino secundário, da Faculdade de Direito, deputados e

alunos, como foi o caso de Setembrino.

Fora o I Congresso, realizado em Outubro, Pelissari diz que era feitos

comícios na Praça Oito e nos bairros, Santo Antônio e grande Maruípe, e no

interior, dos quais não participou. Neste caso, havia comícios nas sedes dos

municípios. As reuniões aconteciam com muita tranquilidade, sem repressão, e

71

cujo principal público eram: “Trabalhadores, principalmente a classe mais

humilde, os trabalhadores, principalmente os sindicalizados” (Anexo, p. 82)

Um aspecto importante é o que Setembrino fala sobre os sindicatos,

pois, como se sabe, o Partido Comunista, no momento da ilegalidade, partiu

em ofensiva de greves, com o objetivo de lutar por reivindicações salariais para

depois politizar as greves. No Espírito Santo, assim como em todo o Brasil, isso

não ocorreu, mas aqui pelo fato de que as lideranças ficaram presas às

reivindicações salariais e não politizaram a greve (Pereira, 2013). Porém,

segundo Setembrino, o principal público que assistia aos comícios era formado

por trabalhadores sindicalizados, e os sindicatos, segundo ele: “sofriam um

pressão, digamos assim, ideológica do esquerdismo, da esquerda” (Anexo, p.

82). Se a classe mais humilde, desorganizada institucionalmente estava

antenada nesses comícios, por que razão a greve da CVRD não foi politizada

pelas lideranças comunistas, haja vista a relevância e concretude do tema na

sociedade? Essa é uma pergunta que carece de mais esclarecimentos.

Os participantes da campanha citados por Pelissari, ligados ao PCB,

foram: Doutor Érico Neves, Valdemar Neves, Benjamim Campos, Hermógenes

Lima da Fonseca, o taxista Darcy Xavier, e um enrolador de dínamo,

Clementino Santiago e, entre os estudantes, os irmãos Joré e Desiré Fegali.

No campo da memória, existem dois tipos, uma individual e outra

coletiva. A primeira é a memória bergsoniana e a segunda é halbwachiana.

Primeira remete a uma pessoa que tem uma visão individualista da realidade,

desprendido do que aconteceu a seu redor, enquanto uma memória

hawbachiana traduz uma visão de grupo, reproduzida pelo indivíduo.

No trabalho de André Pereira sobre a memória de um funcionário da

CVRD, o autor demonstra que o indivíduo pode ter os dois tipos de Memória, e

na análise das idiossincrasias do entrevistado, se pode obter ganhos na

pesquisa, pelo fato de captar a construção específica que ele tem, conforme

sua construção histórica, sua História de vida.

Setembrino Pelissari demonstra, com maior força, uma memória

coletiva, uma visão de grupo, já que ele era um udenista. Por esta razão, é

72

interessante caracterizar este tipo de leitura da realidade, como faz Maria

Victória Mesquita Benevides, em seu UDN e udenismo: Ambiguidades do

liberalismo brasileiro. Ela afirma que a UDN se formou como frente pela

redemocratização da política brasileira, e se conformou como um partido e um

movimento. Partido no sentido formal, institucionalizado e sob regras da política

estabelecida, e um movimento, no sentido de conjunto de ideias.

O movimento udenista tinha como característica dominante a

ambiguidade. Por exemplo: reivindicar a democracia legalista, mas em caso de

perda eleitoral, fazer o apelo a vias não constitucionais, como o golpe; defender

a existência do pluralismo político, mas, no caso dos comunistas, fazer

ferrenha campanha de terror a essas pessoas; ter uma ideologia liberal de livre

mercado, e, a o esmo tempo, defender o monopólio do petróleo via estatal.

O aspecto mais emblemático é o chamado golpismo, no qual os

partidários nas derrotas eleitorais apelavam aos militares, com vistas a

derrubar o governo e desfazer o “erro do povo”, que votava errado. Quando

não era fraude eleitoral, era o erro do povo, e esse é mais um traço desse

movimento, que é o elitismo, concepção segundo a qual há certos homens que

fazem o que é certo, como uma missão de sacrifício pela política. Esta

atividade corrompe, de forma que apenas homens com retidão moral seriam

capazes de não se deixar levar pelos desvios. Nessa visão de mundo, a UDN

era tida como o partido certo, com os homens certos.

Setembrino se encaixa perfeitamente nessa visão de mundo e, consigo,

traz essas ambiguidades. Suas informações sobre a campanha do petróleo

merecem ponderações, pois ele parece não considerar alguns aspectos que

parecem ter acontecido, e que ele diz não ter acontecido, como a existência de

conflitos na formação e organização da Campanha do Petróleo; e o debate

político na Academia dos Novos.

Ele parece considerar alguns momentos ou lugares isentos de política,

lugares que parecem não permitir esse tipo de confronto, como a Academia

dos Novos, e uma campanha tão heterogênea em sua formação como a

Campanha do Petróleo. Isso está dentro da ideia de que há uma separação

entre política e assuntos justos, isentos de política. É claro que, em alguns

73

momentos ou lugares, a política não é claramente discutida, ou não é o tema,

mas isso não parece ter sido o caso dessas instituições.

A visão que Pelissari tem da Campanha O Petróleo é Nosso é muito

vaga, até por que tinha cerca de vinte anos, e sessenta e cinco anos o

separam dessa época, porém, haja vista o primeiro movimento político dele,

ainda mais como estudante iniciante na política, não tem lembranças muito

concretas sobre os acontecimentos, lembra das pessoas, dos comícios, mas

um exemplo desse tipo de esquecimento é o fato de ele não ter comparecido

ao I Congresso Estadual do Petróleo, e não lembrar muito bem do que

acontecia. Apesar de estar envolvido na campanha, não era tão orgânico no

movimento.

Primeiro, então, será feita a análise de sua visão de grupo, e depois o

que caracteriza sua memória individual.

Setembrino tem um olhar para o passado de tipo conservador, que

valoriza o que ele considerava positivo e teria se perdido posteriormente.

Exemplo disso é sua fala quanto ao movimento estudantil atual, que, segundo

ele, está ligado à política, enquanto, em seu tempo, os estudantes eram mais

idealistas, e sem ligações partidárias. A liderança da Petrobrás é outro ponto.

Pare ele, a empresa era dirigida por “gente qualificada”, enquanto hoje não há

nada semelhante, sendo um mero instrumento de política. Isto a estaria

conduzindo para um estado de decadência na atualidade.

A sua retidão moral e senso de dever está presente em um trecho da

entrevista, no qual diz ter recusado um emprego do governo, em um momento

que se encontrava na oposição. Diz ele que: “Eu, moralmente... Primeiro, a

teria fragilizado a minha conduta ética e moral e, depois, que eu não podia

criticar quem tinha me dado emprego. Eu não aceitei [...] Se eu aceitasse, eu

perderia aquela situação de independência, e esse foi o comportamento que eu

trouxe pela vida a fora, até hoje” (entrevista concedida ao autor, p. 87). A

questão que está sendo discutida aqui não envolve a veracidade da afirmativa.

O fato é que ele defende tal atitude como princípio moral. É claro que, como

muitas pessoas, podemos indicar relativizações, a exemplo de sua declarada

defesa da democracia, sendo que, com a Ditadura Militar de 1964, ele esteve

74

ligado ao poder, tendo sido prefeito de Vitória por duas vezes, indicado

Procurador Geral da República e Deputado Estadual. Para enfrentar a questão,

ele não cita a Ditadura como o fim da democracia, mas a defende. . Diz que a

democracia é exatamente o que os comunistas não defendem, mas sim um

regime ditatorial, elemento que o faz ter uma aversão a esse tipo de linha

política. Porém, em 1964, sobre o evento do golpe, ele não tece nenhuma

consideração negativa.

Outro aspecto é não governar por adesão. Segundo Setembrino, ele

nunca governou por adesão, mas sim quando conquistava o governo. Quando

questionado sobre como ele conseguiu acesso e um espaço no jornal A Gazeta

em sua época de estudante, disse que só escreveu ali enquanto era jornal de

oposição, porque, quando foi vendido para o PSD, ele foi para A Tribuna, que

era oposição. Argumenta: “Eu só fui para o governo por conquista, nunca por

adesão. Nós ganhamos a eleição em 1954, com o Chiquinho, aí eu fui ser

governo. Quando nós perdemos a eleição lá para um ano depois, eu voltei para

a oposição. Quatro anos depois, eu ganhei a eleição, voltei para o governo de

novo. Aí como deputado estadual e prefeito” e transforma a experiência em

princípio, dizendo: “Eu sempre tive essa natureza, de não me adaptar, a me

acomodar ao interesse. Quando ganhamos eu fui ser governo, conquistamos”

(Anexo, p. 86).

Sua característica e não se acomodar e não seguir fora de seus

princípios, mas ele está enquadrado dentro da leitura que Benevides faz da

UDN, sendo signatário de uma visão de mundo na qual a esses princípios

podem ser sacrificados em caso de ameaça antidemocrática, no caso, a

“ameaça comunista” temida pela UDN.

A prova mais cabal dessa ambiguidade, própria do liberalismo brasileiro,

foi a interpretação “atualizada” que Setembrino tem da Campanha O Petróleo é

Nosso.

Ele foi um defensor da indústria petrolífera nacional, sem participação de

capital privado nacional ou estrangeiro, mas diz que ele, assim como os demais

que participaram da campanha, “errou”. Segundo ele, o Brasil deveria ter

permitido a entrada dos trustes, tomando as devidas precauções, para que

75

esses desenvolvessem a indústria, descobrissem as jazidas e depois as

nacionalizassem, assim como foi feito na Venezuela. Isto teria feito do Brasil

um país autossuficiente muito tempo antes na História nacional. O que vale

observar nesse trecho é a elaboração de um releitura do passado que admite

uma espécie de golpe nas empresas privadas, para que a indústria brasileira

fosse desbravada. Neste caso, os princípios, por exemplo, do legalismo, vão

por água a baixo.

Mas a interpretação do entrevistado não é só composta de uma memória

de grupo, pois, apesar de guardar alguns dados relevantes em sua memória,

demonstra uma certa dificuldade acerca das relações entre os membros do

movimento. Além disso, permite avaliar a questão do debate sobre o caráter

emocional ou racional da Campanha do Petróleo. Neste sentido, quando

perguntado se a Campanha era uma espécie de trampolim político, ele disse

que sim, e usou o seu exemplo, dizendo que:

“Eu, por exemplo, nessa época não tinha possibilidade de aspirar a cargos políticos. Eu não tinha recursos, era um estudante pobre. Trabalhava e estudava à noite. Eu fiz o curso científico no [Colégio] Estadual, trabalhando e estudando à noite. Trabalhava de oito horas da manha até às seis horas da tarde em um escritório, numa exportadora de café, e, à noite, ia para o Colégio Estadual e ficava até as onze horas da noite. Ia jantar, depois do Colégio: era média com pão e manteiga, era na central, que era na praça Costa Pereira, nas lojas Cândido” (Anexo, p. 83).

A Campanha então foi um meio utilizado por ele para se introduzir na

cena política capixaba. Não que não tenha empenhado emoção nos comícios,

mas isso partia de seu cálculo de custo benefício na entrada na campanha.

Mesmo que ele não tenha sido bem sucedido, pois, mesmo em 1951,

candidato a vereador pelo PSB, não conseguiu se eleger, ele participou da

campanha não só pelo nacionalismo, mas também pela possibilidade que esta

oferecia para se lançar politicamente.

Setembrino não lembra porque se iniciou a Campanha do Petróleo,

atribuindo o fato ao relatório Link, que, na verdade, é de 1959, e, sobre o

anteprojeto do petróleo, não se recorda sequer do seu fim. Isso deixa indícios

de que sua participação tenha sido menos comprometida do que a cobertura

de A Gazeta dá a entender, já que o jornal o apresenta como 1º secretário da

comissão executiva do Centro Espírito-Santense de Defesa do Petróleo.

76

Pelissari, por sua vez, não se lembrou de tal informação. Disse que só fazia

comícios, e que não fez parte da direção.

Analisando a entrevista de Setembrino, um udenista convicto, é

perfeitamente aceitável a tese de Gabriel Cohn segundo a qual a qual a

Petrobrás surgiu da interação entre fatores diversos, de vários interesses

entrelaçados que culminaram na criação da única indústria que podia fazer

acontecer uma campanha como O petróleo é Nosso. Setembrino foi um dos

atores que deram corpo aos eventos, um jovem, com seus interesses, assim

como os políticos a nível estadual e nacional.

Para entender melhor as relações entre políticos e estudantes na

Campanha do Petróleo, faz-se necessária outra entrevista, com alguém que

tenha vivido os eventos, de preferência, com um posicionamento político

diferente. Porém, a entrevista com Pelissari confirma a relevância da

campanha do Espírito Santo e deixa viva a pergunta do por que as lideranças

da greve de 1948 na CVRD não tentaram politiza-la no sentido de estabelecer

a conexão entre o tema dos trustes, do nacionalismo e da luta por melhores

salários, já que isto fazia parte da proposta política do PCB no mento e a

campanha contou com a presença de militantes deste partido.

4. Conclusão

A abertura política fez com que setores da sociedade civil voltassem a

ter espaço na política nacional e regional e vários atores políticos se viram em

situação favorável para esse esforço. Eurico Rezende, no jornal A Gazeta,

dedicou acusações graves à direção da CVRD, e, sendo advogado, tinha

noção do tipo de ação que tomava. Imbuído do espírito udenista, com o

pressuposto da modernidade, atacava a estrutura tradicional político-social

capixaba, adequando as situações a sua concepção ideológica, pautada no

moralismo. Porém, seu projeto de disseminação de novos valores, e uma nova

forma de fazer política foi derrotada, assim como o projeto comunista, seu

concorrente menos distante (por que estavam alijados do poder), fato

comprovado pela coexistência relativamente pacífica em vários movimentos,

como a Campanha do Petróleo. Continuou vigorando a rotação de elites,

ligadas ao setor agroexportador, que seguiria a conduta de direcionamento

77

para o campo até a década de sessenta, quando se voltam para a grande

indústria (Ribeiro, 2014).

A Campanha do Petróleo, por sua vez, não teve grande importância para

a direita, isso no caso capixaba, pois não houve repressão aos comícios, assim

como não se configurou como fato relevante da memória do entrevistado, que

teve participação ativa no movimento. Para ele, serviu como um meio de

crescimento na política, no clima de participação advinda da redemocratização

de 1945.

Esse movimento era relevante na esfera pública capixaba, tendo

repercussão por todas as classes sociais, inclusive na classe trabalhadora do

movimento paredista da CVRD. Porém, a greve não foi politizada pelas

lideranças e as pesquisas indicam que foi uma atitude deliberada por elas. O

discurso das Câmara dos Vereadores de Granja e Fonseca era diferente do

que faziam aos trabalhadores, numa adequação do discurso com o lugar e

público.

Cabe ainda um estudo apurado sobre a Campanha da Paz, mas

principalmente sobre a luta contra o imperialismo, que tinha no Espírito Santo

um relevante objeto concreto a ser apontado pelas lideranças comunistas, a

C.C.B.F.E, empresa multinacional, de modo a politizar a greve, no

questionamento da forma como se dava a distribuição de energia elétrica e na

defesa da obtenção de tal recurso por brasileiros.

A organização dos trabalhadores em torno das questões salariais, que

culminou na greve da CVRD (duas paralizações) não se autonomizou, e sua

mobilização fora da esfera institucional (sindicato) e com uma estreita relação

com os trabalhadores foi a baila com um sistema de coerção da empresa,

existente em 1947 e desenvolvido após a greve. A oposição udenista tentava,

através da mídia, atacar a direção da empresa, mas com sentimento moralista,

sem dar conta de problemas maiores que aqueles que tanto alardeavam.

Nas ruas, os comunistas tinham proximidade com as bases, e faziam

comícios por vários pontos, mas não estavam sozinhos, tinha outros políticos

participando dos movimentos. A Campanha do Petróleo, aqui estudada, não foi

78

politizada, e o porquê de tal atitude das lideranças em não o fazer, carece de

uma pesquisa mais específica.

Mas o fato é que, mesmo sem politizar a greve, esta foi derrotada pela

empresa, que não deixou nem a lembrança dessa experiência operária, que

comporia o arcabouço cultural da classe trabalhadora, guiando novas

experiências, ou tendo-a como referência. A memória da greve foi apagada,

assim como erros e acertos das lideranças, a experiência concreta, mas a

busca dessa memória está sendo realizada e essa pesquisa, dentro de um

grupo de estudos, empreende esse esforço, que pretende ser relevante para o

resgate deste momento da memória da classe trabalhadora capixaba.

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em: 10 de jan. 2014.

Fontes primárias

81

Jornal A Gazeta de 1947-48. Coluna a ordem do dia e matérias sobre o

Petróleo.

Entrevista realizada com Setembrino Pelissari, no dia 18 de fevereiro de 2014.

Anexo:

Entrevista, dia 18 de fevereiro de 2014.

D: Entrevista com Setembrino Pelissari, dia 18 de fevereiro de 2014. Senhor

Setembrino, como é que começou a campanha do petróleo aqui no Espírito

Santo? O senhor participou dessa história?

S: A campanha do petróleo, cuja denominação foi “O petróleo é nosso”,

começou aqui em Vitória, no ano de 1948, e ela foi iniciada em razão de um

relatório de um cientista americano, relatório Link, que a gente chamava na

época, que dizia que aqui não havia petróleo, e no entanto a gente sabia que

no recôncavo baiano já tinha sido descoberto o petróleo, e sobre o assunto, o

grande escritor brasileiro... Monteiro Lobato... que escreveu um livro,

exatamente sobre o petróleo.

A campanha surgiu por que nós queríamos preservar as nossas jazidas, nossa

riqueza do subsolo, o petróleo, independente da interferência de outros países.

Aí se lançou a Campanha do petróleo é nosso no Brasil. Ela chegou no Espírito

Santo através de lideranças políticas da época, principalmente as lideranças

esquerdistas, filiadas ao partido comunistas do Brasil, que na época estava na

legalidade. E essa campanha realmente empolgou principalmente a mocidade,

os estudantes, e eu era estudante universitário... estudante de curso

secundário e depois estudante universitário. E começamos a fazer então um

movimento público em relação a campanha. O petróleo é nosso. Eu participei

não como diretor, eu não fui diretor das entidades que foram fundadas para

organizar e dirigir essa campanha, entidades que foram criadas para organizar

essas ações e manifestações públicas. Eu apenas participei das manifestações

públicas. No meio estudantil, e também no meio político. E em que que

importava essa nossa atividade? Importava em fazer comícios, em fazer

82

palestras, em fazer reuniões. Os comícios nós fazíamos aqui na praça Oito,

nos bairros de Vitória. E no interior nós eram feitos os comícios, nas principais

capitais, nos municípios, nas sedes municipais. Dessa atividade pública, dessa

atividade externa, participavam na época, dirigentes e líderes do partido

comunista, como o doutor Érico Neves, como o doutor Valdemar Neves,

Valdemar Neves era um professor de nível secundário do colégio estadual, que

foi meu professor. O doutor Aldemar Neves, o irmão dele, que era médico, era

um dos dirigentes também, do partido comunista, uma das lideranças. Nós

tínhamos o deputado Benjamim Campos, deputado estadual. Tinham os

vereadores Hermógenes Lima da Fonseca, que era um dos dirigentes do

partido comunista. Enfim, todas essas lideranças, e outras lideranças, de

outros partidos, de outras agremiações políticas, participavam da campanha.

Eu por exemplo, tinha nos comícios aqui em Vitória, e sempre com a

participação do coronel Pedro Maia de Carvalho. Era um coronel da polícia

militar, que chegou a ser comandante da polícia militar do doutro Lacerda de

Aguiar, Doutor Chiquinho.

D: Filiado a que partido?

S: O coronel Pedro Maia? Não, ele não era filiado a partido não. Ele era um

coronel da ativa, mas ele participava dessa campanha, que eu me lembro bem,

que era uma pessoa que não tinha ligação partidária, que era o coronel Pedro

Maia de Carvalho, que falava com muito entusiasmo nos comícios. Eu

participei justamente com todas essas lideranças, e lideranças comunistas.

Inclusive eu não era comunistas, nunca fui comunistas, nunca tive simpatia

pela doutrina comunista, pelo comunismo pregado pelo Lênin, pelo Stálin. Eu

nunca achei que esse partido fosse um partido bom para o Brasil, por que não

era um partido democrático, era um partido que defendia a ditadura existente

na Rússia. Mas ideias que eles defendiam, coincidiam com aquilo que eu

pensava também. Então nada impedia que eu participasse também, fazendo

essa campanha. Isso aqui é que se deu. Nós tivemos também a participação

do professor Geraldo Costa Alves... foi um dos líderes, digamos assim, na área

cultural dessa campanha. Ele era um professor, um escritor, um escritor de

renome... poeta. E outras presenças nós tivemos nessa campanha, até que foi

encaminhado para o Congresso, pelo presidente Vargas, o Estatuto criando, a

83

lei criando a Petrobrás, que por sinal, o primeiro presidente dela foi um

udenista, o Juracy Magalhães, Foi o primeiro presidente, e foi quem instaurou,

foi quem instalou a Petrobrás.

D: Mas deixa eu fazer uma pergunta para o senhor. O senhor falou de várias

lideranças não é. E nesses comícios não tinha nenhum tipo de conflito?

S: Não! Que eu me lembre nunca houve conflito.

D: Entre os comunistas...

S: Não, não, O partido comunista inclusive, as lideranças comunistas eram

bem quistas, aqui em Vitória. Na época, pelas pessoas da sociedade inclusive.

D: Esses comícios, eles davam muita gente?

S: Dava. Sempre tinha bastante presentes.

D: Trabalhadores?

S: Trabalhadores, principalmente a classe mais humilde, os trabalhadores,

principalmente os sindicalizados

D: Muita gente sindicalizada?

S: Sim. Os sindicatos na época, sofriam um pressão, digamos assim,

ideológica do esquerdismo, da esquerda. É da natureza dessas agremiações, o

sentido de contestação, de esquerda. Hoje se diz esquerda, por que essa

expressão nasceu... Não sei se foi na Inglaterra... França... por que os que

apoiavam o governo sentavam na direita e a oposição à esquerda, por isso o

termo esquerdismo.

D: Então eram os trabalhadores sindicalizados que participavam. E esses

comícios era um trampolim político para esses esquerdistas, quanto para

outros políticos?

S: Sim. Eu por exemplo, nessa época não tinha possibilidade de aspirar a

cargos políticos. Eu não tinha recursos, era um estudante pobre. Trabalhava e

estudava a noite. Eu fiz o curso científico no estadual trabalhando e estudando

a noite. Trabalhava de oito horas da manha até as seis horas da tarde em um

84

escritório, numa exportadora de café, e a noite ia para o Colégio Estadual e

ficava até as onze horas da noite. Ia jantar, depois do colégio era média com

pão e manteiga, era na central, que era na praça Costa Pereira, nas lojas

Cândido, que hoje é ...não sei o que...

Não tinha condições de... apena fomos candidatos aquela vez, a primeira vez

pelo PSB. Foi idealismo mesmo. Era estudante, professor... Tinha o Eugênio

Sette, que não era professor, mas era um advogado de renome, o jornalista, o

Darly Santos, Alvino Gatti. Foi por idealismo, mas não era um negócio que

tinha condição de eleger, falta de recurso e também falta de conhecimento, no

estado e no próprio município.

D: Senhor Setembrino, o senhor estava no secundário então quando começou

essa campanha. Mas essa campanha também teve a participação de membros

da academia dos novos?

S: Sim! Eu era. Eu fui um dos fundadores.

D: E quem mais da academia da academia dos novos que estava participando?

S: Eu não me lembro, não especificamente.

D: Mas o senhor, já naquela época era membro da academia dos novos.

S: Sim, era da academia dos novos, um dos fundadores. Teve até um livro, não

sei você leu, do desembargador... Rômulo Salles de Sá, era do tribunal,

desembargador aposentado, foi um dos fundadores da academia dos novos...

lançou um livro agora, no ano passado, sobre a História da Academia capixaba

dos novos, onde conta então toda a História do surgimento da academia até

esla ser extinta e incorporada a Academia Espirito Santense de Letras.

Interessante na época, que jovens como nós, estudantes, todo sábado a tarde

nos reuníamos , ali onde era o Banco do Espírito Santo, que era rural Bank na

época, que era a sede da Academia espírito Santense de letras, E nos

reuníamos ali, as três horas da tarde, e íamos lá para nos reunir e discutir

literatura, para ver poesia, para ver soneto, para discutir questões literárias. A

mocidade naquela época, ao invés de se reunir para fumar crack ou para

85

consumir drogas ou para atividades não literárias, se reunia para isso. Todo

sábado, as três horas da tarde.

D: Só debates literários, nada envolvido com a política?

S: Não, tem partidária não. Ali, eu era por exemplo adversário do governo na

época, eu como jornalista comecei, escrevendo para oposição ao governo, mas

tinha por exemplo, membro da academia que era membro do governo, mas ali

não se tratava de política, era só mesmo a política literária digamos assim. E

tínhamos excelentes escritores. Me lembro bem do livro lançado pelo Walmir

Magalhães, que tinha sido expedicionário, foi tenente expedicionário, e ele

escreveu um livro famoso na época: Sangue, amor e neve. Contando então,

toda a participação dele campanha militar, da força expedicionária.

Nós tínhamos, por exemplo, o escritor sueco, de primeira linha, que eu

considero, Antenor de Carvalho... ele era secretário particular do governador do

Estado, do qual eu era adversário politicamente. Era excelente sonetista, um

poeta. Tínhamos o Orlando Cariello, também era outro sonetista. Nesse livro

da História da academia, lá tem uns dois sonetos dele. Um escreveu um soneto

A Cigarra e outro escreveu A fumaça, como uma espécie de resposta. Esses

dois sonetos eu considero excelentes sonetos, principalmente A Fumaça de

Antenor de Carvalho. O Antenor de Carvalho, que em resposta A Cigarra do

Cariello.

D: então as pessoas que estavam ali era para fazer debates literários.

S: Era. A Academia promovia as atividades de natureza cultural. Nos

trouxemos aqui na época, para fazer um recital, Margarida Rosa de Almeida,

que era a maior declamadora, de renome nacional.

D: Eram eventos abertos?

S: Abertos, abertos. Era a Academia que promovia isso. Nós tínhamos aqui por

exemplo, em Vitória, uma declamadora excelente, que está viva até hoje. Maria

Filina Salles de Sá, que é irmã desse desembargador que escreveu esse livro

da História da academia. E se promovia isso aqui.. tertúlias literárias, encontros

literários.

86

D: Senhor Setembrino, o senhor falou que começou a escrever no jornal contra

o governo, na oposição ao governo. Quando o senhor ainda estava no

secundário, o senhor escreveu no jornal A gazeta. Como é que o senhor

conseguiu ter esses espaços no jornal?

S: Olha... A Gazeta era da UDN. Eu fazia oposição, e tive a possibilidade de

escrever.

D: Também por o senhor fazer parte da academia dos novos?

S: Também, também. Por que depois A Gazeta foi vendida para o PSD, para o

Carlos Lindenberg. Quando foi vendida para o PSD, eu saí de A Gazeta e fui

para A Tribuna, por que A Tribuna era o jornal da oposição.

Eu só fui para o governo por conquista, nunca por adesão. Nós ganhamos a

eleição em 1954, com o Chiquinho, aí eu fui ser governo. Quando nos

perdemos a eleição lá para um ano depois, eu voltei para a oposição, quatro

anos depois, eu ganhei a eleição, voltei para o governo de novo. Aí como

deputado estadual e prefeito. Eu sempre tive essa natureza, de não me

adaptar, a me acomodar ao interesse. Quando ganhamos eu fui ser governo,

conquistamos.

Inclusive na época, que eu fazia profissão em A Tribuna, eu tive uma oferta do

governo. Foram criadas umas vagas para trabalhar no IBC na época, e me foi

oferecido um desses cargos. Cargos muito bons. Bom no sentido de me ajudar,

por que eu era estudante, vivia mesmo do meu emprego, meu pai lá na roça,

não tinha condições de me ajudar financeiramente, e eu recusei o emprego.

Não me pediram para deixar de ser opositor, mas se eu aceito o emprego

oferecido pelo adversário, o que significaria? Eu moralmente...primeira teria

fragilizado a minha conduta, ética e moral e depois que eu não podia criticar

quem tinha me dado emprego, eu não aceitei. Me foi oferecido por uma

senhora, esposa de um pessoa colocada no governo, secretário de estado, que

era amigo da minha mãe. Era lá do interior, daquela região lá. Aí me

ofereceram até num sentido maternal, para me ajudar, mas eu não podia

aceitar. Se eu aceitasse, eu perderia aquela situação de independência, e esse

foi o comportamento que eu trouxe pela vida a fora, até hoje.

87

D: Senhor Setembrino, o senhor escreveu em 1948, um artigo, Petróleo,

Comunismo e Incompreensão. O senhor falou que algumas pessoas estavam

chamando que não era comunista de comunista. Que História foi essa?

S: É isso. Por que a campanha era feita juntamente com comunistas, que

também faziam... os comunistas falavam, nós falávamos. As pessoas

entendiam que quem estava na campanha, era todo mundo comunista, e

realmente a campanha do petróleo tinha uma natureza de contestação ao

status quo, para não conceder a exploração do petróleo para empresas

estrangeiras, principalmente para americanos, que estavam interessados em...

O que hoje, hoje não... Eu achei um erro, por que se o Brasil na época, tivesse,

com as precauções necessárias, permitido que essas empresas que tinham

know how para explorar petróleo, viessem explorar petróleo no Brasil, esse

petróleo que até hoje não foi tirado, o Brasil já teria se tornado autossuficiente,

há muitos anos, como a Venezuela se tornou, e o que que aconteceu na

Venezuela? As empresas, americanas, inglesas, francesas... as maiores

empresas de exploração do petróleo, americanas e inglesas, eles foram lá,

descobriram o petróleo lá na Venezuela, e depois veio um governo e

nacionalizou as empresas, com o petróleo já todo descoberto, instalado o

mecanismo, de produção e extração, por que o petróleo tem a extração e a

produção. Eu acho que se a gente fizesse... mas na época, a gente não

entendia isso... a gente achava que ia entregar o petróleo aos estrangeiros. Na

realidade seria. Por que a exploração, os contratos seriam feitos e uma parte

ficaria para o país, e as companhias teriam a parte delas, mas a gente não

entendia isso, pelo menos eu achava que não devia, por que se não nós íamos

perder para essas empresas.

D: Senhor Setembrino, o senhor havia me dito que os comícios eram na Praça

Oito, em maioria, e tinha um político, e que esse artigo Petróleo, comunismo e

incompreensão era relacionado a um político também, que teria uma

desavença com o senhor, o senhor se lembra que me contou isso? Que ele

tomava um café lá na praça oito, e quando vocês estavam fazendo comício

ele... o senhor se lembra que tinha me dito?

S: Não...

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D: Então, tinham comunistas, mas tinha comunistas entre os estudantes?

S: Sim! Eu tinha no colégio Estadual dois colegas filiados ao partido comunista:

Desiré Fegahli e Johré Fegali. O Desiré acho que ia ser advogado depois, e o

Johré era um grande matemático, O pai deles tinham um moinho de fubá na

rua General Osório. Eles devem ser... Essa Jandira Fegali, deputado no Rio,

deve ser neta de um deles, desses dois que foram meus colegas,

possivelmente. Não sei se são vivos até hoje, nunca mais tive contato.

D: O senhor Setembrino, o senhor fala de comícios, mas tiveram comícios

municipais, e um estadual.

S: Eu não fui a todos.

D: O senhor se lembra do maior evento relacionado a campanha do petróleo

em 48? Por que teve um Congresso estadual em Outubro, não é?

S: Teve.

D: Foram até lançados os delegados para o Congresso nacional. O senhor se

recorda?

S: Eu não participei.

D: Mas teve uma agitação entre os estudantes.

S: Sim! Uma situação. Em Cachoeiro.

D: O senhor ficava mais aqui?

S: Ficava aqui.

D: E os comício eram em quais lugares?

S: Aqui em Vitória era aqui na praça, nos bairros. Na época, Maruípe, Santo

Antônio, principalmente Maruípe e Santo Antônio, que eram os bairros mais

expressivos. Ainda não tinha Camburi, não tinha Mata da Praia. Os bairros

conhecidos eram, Maruípe e Santo Antônio. Aquela região depois de Santo

Antônio, ali não tinha nada, só tinha mangue. Depois invadiram ali, permitiram

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que destruíssem ali, absurdo. Por que ali era uma área para preservação

ambiental. Você passa ali em Santo Antônio e está tudo ocupado.

D: O senhor Setembrino, então quer dizer que nesses bairros, esses comícios

eram importantes para o político ser conhecido?

S: Para conscientizar a população, sobre a defesa do Petróleo é nosso.

D: Era um ponto de visibilidade e também de conscientização.

S: Seguramente.

D: Independente da ideologia.

S: Sim. Mas é claro, que outros políticos, que eram políticos também, se

aproveitavam dessas ações para aparecer.

D: O senhor disse que trabalhou no escritório de Eurico Rezende, e foi nessa

época né?

S: Foi.

D: E ele era filiado a UDN. E qual a postura dele?

S: Ele, apesar de ser da UDN, ter uma formação democrática, tinha uma

tendência a esquerda, como estudante ele bem para a esquerda.

D: Ele foi advogado de Benjamim Campos.

S: Foi!

D: Tinha ligação com os comunistas.

S: Tinha. Era o mais novo de renome, na época um dos grandes advogados

criminais era ele. Foi meu professor, foi paraninfo da minha turma, de direito. O

Clóvis Stendhal, o gaúcho que veio para cá, e se elegeu deputado estadual,

também um grande criminalista.

D: O senhor se lembra das lideranças? O Granja. Ele era bem quisto. Qual era

o papel dele?

S: Ele era um dos coordenadores.

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D: E o Hermógenes da Fonseca?

S: Hérmogenes também, o doutor Érico Neves. Tinham outros do PCB...

Clementino Santiago. Ele tinha uma oficina aqui na rua Treze de Maio... Vinte e

três de Maio. Na época, na oficina, enrolava dínamo de motor. Sabe o que é

enrolar um dínamo de motor? Os carros geravam energia através de um

dínamo. Ele foi candidato a senador.

Tinha um motorista de taxi, Darcy Xavier. Era um dos elementos que era filiado

ao partido. Eles tinham um jornal, A Folha Capixaba.

D: Eles organizavam e vocês participavam.

S: Tinham outros, mas maioria parecia ser.

D: O senhor falou do Geraldo Alves, que foi eleito presidente da comissão

executiva, do Centro Espírito-Santense de Defesa do petróleo.

S: Ele era escritor.

D: Ele era filiado a algum partido.

S: Não, ele era um literato.

D: Algum motivo especial para ele se engajar nessa campanha.

S: A defesa do petróleo.

D: A sede provisória do centro, foi a rua Cerqueira Lima. Tinha alguma razão

especial para ser nessa rua?

S: É uma subida, ali onde tem aquela casa antiga. Um palacete, você conhece

ali? Ela era uma rua, que não tinha trânsito para cá e para lá, quando eu fui

prefeito e que abri a rua, para poder transitar e dar uma opção de acesso, para

a cidade alta, por que tinha fechado o acesso pela Duque de Caxias. Aí ficou

como opção de acesso a cidade alta.

Aí essa casa, aonde funcionou a sede, nós tínhamos ali, estudantes

universitários, nós criamos um grupo para lutar pela reabertura da Faculdade

de Farmácia e Odontologia do Espírito Santo, que fora fechada. Nós fizemos

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então... Eu fui presidente dessa campanha, para a reabertura da Faculdade de

Farmácia e Odontologia. E nós nos juntamos nessa mesma sede, onde tinha

sido a sede do petróleo. A nossa sede para organizar a campanha, com um

alto falante voltado para a rua, e conseguimos através da Constituição de 47 a

reabertura. A redemocratização foi em 45, a Constituição Federal em 46 e a

Estadual em 47. Foi eleita pelo partido comunista. Nós conseguimos, através

de uma emenda constitucional. A Faculdade de Farmácia e Odontologia que

depois passou a fazer parte da Universidade. Ela foi reaberta com uma

emenda constitucional. (riso). Foi uma das disposições constitucionais

provisórias, e ela foi reaberta e funcionou por uns três anos, até que foi

incorporada a Universidade. Essa campanha fomos nós estudantes que

fizemos também, participamos também da comissão. Nessa campanha eu fui

presidente da comissão, tinha o Luiz Carlos Correia, que depois foi deputado,

tinha o José Reis, que era um funcionário [inaudível], nunca mais ouvi falar de

José Reis... Enfim, um grupo de estudantes fazendo essa campanha.

D: Isso na rua Cerqueira Lima, que era sede. Mas essa rua Cerqueira Lima, era

um rua que tinha algumas sedes de sindicatos. O dos comerciários foi o

primeiro a ser sede do Centro Espírito-Santense de Defesa do petróleo. Tinha

alguma ligação entre os sindicatos e essa movimentação do petróleo e até a

reabertura da Faculdade.

S: Sim, sim. Eles participavam... Eles apoiavam.

D: Não só a base como também...

S: Sim!

D: E qual desses sindicatos o senhor via como o mais ativo?

S: A construção civil! O sindicato dos comerciários também. Estivadores. O

mais ativo sempre foi o da construção civil.

D: E essas diretorias tinham elementos comunistas?

S: Tinha, mas nem todos.

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D: O Dutra sancionou uma lei naquela época, que ele comprou duas refinarias,

e fez a concessão para privados. Como é que vocês receberam aquela notícia,

naquela época?

S: Contra. O nosso pensamento era totalmente contra.

D: Qualquer iniciativa, mesmo que fosse nacional...

S: É. Ele concedeu para iniciativa particular.

D: E vocês queriam...

S: Nós queríamos que o petróleo fosse nacional. Desde a extração até o refino.

D: O senhor falou da construção civil, na nota de encerramento do Congresso,

tinha o nome de Jayme Barros, o senhor lembra?

S: Lembro, lembro. Por nome eu lembro. Ele era uma liderança sindical.

D: Filiado a algum partido?

S: Não me lembro.

D: Eu já te perguntei se tinha conflito, o senhor disse que não tinha.

S: Não!

D: Em um discurso no jornal A Gazeta, do Geraldo Costa, ele fala de alguns

estudantes estrangeiros que eram de Domingos Martins. O senhor se lembra.

S: Não lembro.

D: O senhor ficava mais circunscrito aqui.

S: É.

D: Também citou a necessidade do petróleo para o maquinário no campo.

Naquela época tinha a entrada de maquinário para o campo, para ele citar? Ele

citou com um peso de importância.

S: Não, não...

D: Então voltando à figura de Monteiro Lobato...

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S: Sim. Monteiro Lobato era a figura referência da campanha. Ele e aquele

general... Horta Barbosa.

D: Juarez Távora, vocês....

S: Juarez também era nacionalista.

D: Só que ele defendia uma tese diferente.

S: Diferente. A do Horta Barbosa era nossa linha... a que queria que o petróleo

fosse nosso! Só nosso.

D: E no clube militar, no Rio de Janeiro, que tinha até um jornal. Como é que

chegavam as teses do Juarez, os debates, do Juarez e do Horta Barbosa, o

senhor lembra?

S: Pela imprensa. Televisão naquela época quase não existia.

D: Senhor Setembrino, esse estatuto do petróleo, de 1948, foi arquivado em

49, o senhor se lembra?

S: Não.

D: Ele ficou de lado... Passou pela Câmara dos deputados, o senhor se lembra,

como receberam, se acalmou o movimento do petróleo naquele momento?

S: Não, não lembro não. Ele foi mandado para o Congresso.

D: Só que ele acabou sendo derrotado.

S: Derrotado. Exatamente essas forças da campanha do Petróleo é nosso,

comunista e não comunista, que não permitiu a aprovação do estatuto do

petróleo. Era para impossibilitar a participação de empresas estrangeiras na

exploração do petróleo, a extração.

D: Senhor Setembrino, avançando na cronologia, em 1950 o senhor se

candidatou pelo PSB, e sobre financiamento...

S: Não, não... Nós fizemos naquela época... Era por cédula... Nós fizemos aí

muito sacrifício, e um papel com a relação dos candidatos , não sei se eram

quinze ou dezesseis candidatos... eu tenho um papel desse guardados lá em

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casa, um dia ainda acho ele, que tinha a relação dos candidatos. Tivemos

Eugênio Sette, Darly Santos, Zeny Santos, que era um escritor.

O partido socialista que nasceu de uma ruptura do João Mangabeira com UDN,

que Otávio Mangabeira considerado o líder da UDN e o João Mangabeira

irmão dele, e o João Mangabeira discordou de alguma linha da UDN, e fundou

o PSB, que era... Muitos udenistas ficaram no PSB.

D: O Eurico se candidatou pela UDN.

S: Pela UDN. O Eurico se elegeu como grande deputado estadual da

assembleia, e depois ele se elegeu senador. Foi líder do Geisel e veio a ser

governador.

D: Na ditadura ele quase veio a ser governador. Antes de ele ser governador,

na década de setenta, que ele quase foi governador, mas outra pessoa que foi

escolhida. O senhor se lembra dessa situação?

S: Em sessenta e seis, sessenta e sete...

D: É.

S: Era o Cristiano...

D: Isso, era o Cristiano Dias Lopes ou o Eurico.

S: Não. Era o Cristiano, o Jeferson de Aguiar, ou Gilberto, pela Arena.

D: Eurico Rezende não.

S: Não concorreu. Ele foi escolhido na assembleia. Nós que escolhemos, a

Arena. O Cristiano foi o mais votado, o Jeferson em segundo e Gilberto em

terceiro.

S: Foi feito então um entendimento, pois já que o antigo PSD dado um

governador, o PSP daria o Vice, que foi Isaac Rubim, irmão de Floriano Rubim,

e a prefeitura ocupada por um ex-udenista, nomeado prefeito.

D: No governo Vargas, tinha uma grave crise do petróleo. Depois do

arquivamento do estatuto, e o Vargas foi eleito, em 1951 e em uma grave crise,

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tanto que ele iniciou a criação da Petrobrás. O senhor lembra dessa crise do

petróleo?

S: Ele fez exatamente para evitar, que essas empresas estrangeiras, e que

vinham sempre. A intenção delas era... Sabiam, que havia petróleo aqui.

Sabiam! Pré-sal, e isso tudo o que descobriram, eles já sabiam disso. Tinham

tecnologia. Nós não temos até hoje. Mas então, a criação da Petrobrás foi um

resultado mais retardado, dessa campanha do petróleo. A Petrobrás nasceu da

campanha nacional. Foi ela que levou a criação da Petrobrás.

D: Então a reação com o anteprojeto para criação da Petrobrás foi positivo por

parte...

S: Foi positivo, dentro do espírito de ter uma empresa brasileira. Se bem que

essa empresa brasileira ia precisar da tecnologia de outras empresas.

D: E sobre a repressão? Em São Paulo, depois que o governo Vargas e o

projeto da Petrobrás, houve muitas campanhas em defesa do petróleo, por que

nem todo o mundo concordou. E aqui no Espírito Santo?

S: Não, não.

D: Não houve repressão?

S: Não.

D: Por que houve em 1948 militares que participaram e sofriam repressão. Mas

em São Paulo, aqui no Espírito Santo...

S: Não, não.

D: Vocês acompanharam os debates que estavam acontecendo no

Congresso?

S: Sim, pela imprensa. A televisão era precária. Rádio e televisão.

D: Senhor Setembrino, no Rio de Janeiro e São Paulo, associações comerciais

mandavam para o Congresso, cartas pela liberalização. Aqui no Espírito Santo

o senhor sabe de alguma carta?

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S: Não, não.

D: O senhor considera que a campanha O petróleo é nosso, no Espírito Santo,

foi bem sucedida?

S: Foi. Bem sucedida. O Espírito Santo deu a contribuição para a campanha

nacional. Foi bem sucedida, até por que não houve repressão alguma. Houve

franca liberdade e participação de todas as correntes políticas e ideológicas.

D: O senhor aponta algum erro da organização das ações?

S: Não. A única coisa que eu acho, que se nós tivéssemos permitido a

exploração do petróleo por empresas estrangeiras, mas seriam naturalmente

através de convênios, contratos, nós teríamos a produção de petróleo a muitos

anos. O Brasil teria se tornado autossuficiente e nacionalizado a empresa,

como se fez aí na Central Brasileira. Nacionalizaram lá no Rio Grande do Sul, o

governador... Leonel Brizzola, e nacionalizou.

D: O comunismo naquela época tinha, uma campanha contra o comunismo, e

eu queria que o senhor dissesse sobre a representação que vocês tinham do

comunismo.

S: O comunismo é, no meu entender, a concepção de Lênin. Marx e Engels

não estabeleceram o comunismo, estabeleceram a luta do Capital e do

Trabalho, esse choque entre o Capital e o Trabalho, no sentido de defender o

trabalhador, mas hoje está provado que sem Capital não há Trabalho. Para ter

Trabalho tem que haver Capital, e essa igualação de todas as pessoas, para

ninguém ter nada e todo ser de todo mundo, não deu certo não. Se tivesse

dado certo, não teria se esboroado. Toda a doutrina, toda a ideologia de

natureza ditatorial, como comunismo... Ele só vicejou enquanto foi mantendo a

ditadura, o poder na mão de um grupo, como o exército, uma minoria que

emplacou essa ditadura terrível, na época de Stálin.

D: Mas esses indivíduos comunistas aqui no Espírito Santo, essa

representação era a mesma, ou era outra coisa?

S: A ideologia era a mesma. Se o comunismo fosse implantado no Brasil como

foi na Rússia, teria sido uma ditadura pior do que essa de 1964.

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D: Senhor Setembrino, tem alguma consideração a fazer sobre esse

movimento?

S: Eu acho que assim como naquela época... hoje eu acho que falta a classe

estudantil, no sentido de idealismo na pregação de questões nacionais. Os

estudantes, eles partem mais para contestação, no sentido de estabelecer um

confronto de natureza material. Nem todos os estudantes, mas esses na

época...eu por exemplo, fui vice presidente da Une, e participei do movimento,

mas todos eles, eram no sentido de construir, no sentido de alcançar novas

conquistas, e não no sentido de paralisar as coisas. Eu acho por exemplo,

muito ruim, esse movimento, não só de estudantes como transtornar o transito,

impedir o movimento da cidade. Isso ao invés de ajudar, atrapalha o país. Todo

instante que você obriga o comércio a fechar suas portas, para evitar o saque,

evitar a depredação, você está impedindo que a economia se desenvolva e

produza resultados para o país.

Eu acho que na minha época, na época dos estudantes, tinha mais idealismo

no sentido da defesa das questões de interesse nacional. Não havia infiltração

partidária no movimento estudantil, o que hoje... Eu sei que na Une, eu sai em

53, eu me formei em 54, era vice presidente, eu acho... o partido comunista

ganhou a direção, e até hoje... para você ver... cadê a Une, agora do governo

do PT?! Por que o Lula foi eleito presidente, e você ouviu alguma

movimentação de natureza nacional, de defesa dos interesses nacionais? Por

que? Por que eles se politizaram, são esquerda, como nós fomos na época

também. Nós fomos não da esquerda comunista, nós éramos da esquerda, no

sentido de contestação, no sentido de tentar melhorar qualidade de vida.

O Lula de 30 Milhões, para construir a sede. Eu não sei se construíram sede

alguma não. E cadê o movimento da UNE em defesa dos interesses nacionais?

O movimento deles é em favor dos interesses do PT.

D: No seu tempo então...

S: Não tinha vinculação partidária. Eu lembro, que nós fizemos uma greve, e o

Ministro da Educação era Simões Filho, no Governo de Getúlio, e não me

lembro por que nós fizemos a greve, era uma reivindicação no sentido de

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interesse do ensino universitário. Era política universitária, era política dos

interesses dos estudantes! Melhoria do ensino. E nós queríamos uma

entrevista com ele, para a reivindicação. Eu lembro que ele nos recebeu, no

Ministério da Educação, aquele edifício do Niemeyer, uma das primeiras obras

do Niemeyer. Nós fomos recebidos, para reivindicar... Aí ele disse: “No meu

dicionário não existe a palavra reivindicar”. Aí: “Ah não, então amanhã é greve”.

E no dia seguinte fizemos a greve nacional.

D: Isso no ano de...

S: 52. No dia seguinte nós fizemos a greve. Tava tudo programado. Era um

reivindicação justa, dentro do interesse universitário. Aí com a greve, em um

instante ele colocou a palavra reivindicação no dicionário dele. (risos) Ali o

bonde passava, na praia do Flamengo, prédio 32 atrás do Flamengo, onde

tinha o clube Germânico, na época da guerra, que era dos germânicos e o

governo tomou prédio e deu par a UNE.

O bonde passava em frente a praia do Flamengo, aí nós estudantes ficamos

todos deitados no trilho do bonde: “Aqui não passa ninguém” (risos) “O bonde

não passa não”.

Eu sei que em um instante o Ministro incluiu a palavra reivindicação ao

dicionário dele. Em 1952, mais tarde, nós fomos recebidos pelo Getúlio, a

diretoria toda tem um fotografia com ele. O interessante é que o segurança de

Getúlio, já ouviu falar no Gregório, um nego forte! Grandão! Até pentear o

cabelo de Getúlio ele penteava. (risos) Nós fomos conversar com Getúlio, os

estudantes, o presidente era Luis Carlos Guel, foi eleito presidente... Nós

estávamos conversando bem, mas aí o Gregório, estava com a porta

entreaberta, aí via a cara do Gregório ali vigiando. Eu tenho essa fotografia.

Foi ele que armou o assassinato de Carlos Lacerda. Foi a segurança dele, que

tentou matar Carlos Lacerda, que matou o outro. Era para matar o Carlos

Lacerda, mas foi o tenente da aeronáutica, que acompanhava ele nos comícios

que ele ia fazer, acertaram ele.

D: O senhor falou em ligação partidária. A Petrobrás, o senhor já me falou que

antes era diferente de hoje, que antes ela não era usada por partido.

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S: Hoje com certeza, é um meio de botar político.

D: e antes não era assim?

S: Podia até ser, mas era gente qualificada. Por que as ações da Petrobrás

estão lá em baixo? As melhores ações eram da Petrobrás, da Vale e Banco do

Brasil. A da Vale continua bem, por que foi privatizada. A Petrobrás...

Meu filho tinha um dinheirinho e quis comprar umas ações. Aí eu disse “Meu

filho, não compra ação não, por quem ganha dinheiro com ação é rico”. Você

compra um grande volume e amanhã vende.., Você aí com dez mil reais não

vai... Comprou e nunca mais... (riso)

É por que a ação da Petrobrás tava lá em cima.

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