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QUE “NEGRO” É ESSE NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS? UMA ANÁLISE SOBRE O JEREMIAS DE MAURÍCIO DE SOUSA Elbert de Oliveira Agostinho Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Alexandre de Carvalho Castro Rio de Janeiro Fevereiro de 2017

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QUE “NEGRO” É ESSE NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS?

UMA ANÁLISE SOBRE O JEREMIAS DE MAURÍCIO DE SOUSA

Elbert de Oliveira Agostinho

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-graduação em

Relações Étnico-raciais do Centro

Federal de Educação Tecnológica

Celso Suckow da Fonseca,

CEFET/RJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção

do título de Mestre.

Orientador:

Prof. Dr. Alexandre de Carvalho Castro

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

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QUE “NEGRO” É ESSE NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS?

UMA ANÁLISE SOBRE O JEREMIAS DE MAURÍCIO DE SOUSA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações

Étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca,

CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre

Elbert de Oliveira Agostinho

Banca Examinadora:

________________________________________________________

Presidente, Professor Dr. Alexandre de Carvalho Castro (CEFET-RJ)

________________________________________________________

Professora Dra. Maria Cristina Giorgi (CEFET-RJ)

_______________________________________________________

Professora Dra. Ana Paula Alves Ribeiro (UERJ)

SUPLENTES

________________________________________________________

Professor Dr. Fábio Sampaio de Almeida (CEFET-RJ)

_________________________________________________________

Professora Dra. Marcele Linhares Viana (UFRJ)

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2017

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

A275 Agostinho, Elbert de Oliveira Que “negro” é esse nas histórias em quadrinhos? : uma

análise sobre o Jeremias de Maurício de Sousa / Elbert de Oliveira Agostinho.—2017.

184f. : il. (algumas color.) ; enc. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação

Tecnológica Celso Suckow da Fonseca , 2017. Bibliografia : f. 180-184 Orientador : Alexandre de Carvalho Castro 1. Negros – identidade racial. 2. Histórias em quadrinhos. 3.

Jeremias (Personagem fictício). 4. Dialogismo (Análise literária). 5.

Bakhtin, M. M. (Mikhail Mikhailovitch), 1895-1975. I. Castro, Alexandre de Carvalho (Orient.). II. Título.

CDD 305.896081

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AGRADECIMENTOS

A construção de todo o caminho que se conclui com a finalização da dissertação, é um

momento no qual esbarramos com muitas pessoas, existem as que de alguma forma nos

presenteiam com novas referências bibliográficas, e as que se tornam importantes por um

abraço, ou um aperto de mão. Então, seria elementar (como diria Sherlock Holmes)

compreender que esse momento de agradecimento, apresenta-se como uma prática um

tanto quanto injusta, já que as poucas palavras apresentadas aqui não serão suficientes

para contemplar todos os que de alguma maneira contribuíram para este trabalho. Mas

ainda sim, apresenta-se aqui uma tentativa.

Inicialmente desejo agradecer a Deus, por ampliar minha intelectualidade, e ouvir minhas

orações nos momentos que pareciam impossíveis sonhar com a possibilidade de estar no

mestrado.

Agradeço por ter me dado forças, e me fazer vislumbrar caminhos que vão além da

graduação.

Agradeço a meus pais. Obrigado Mãe por tornar-se o exemplo acadêmico no qual me

inspirei desde os momentos em que fazia trabalhos da faculdade e corrigia provas no

horário em que todos dormiam, você nunca desistiu, e de maneira nenhuma eu faria o

contrário. Obrigado Pai, por me ensinar a ser exemplo de homem, e por me chamar de

"mestre" desde o momento em que comentei que consegui entrar no curso de mestrado,

saiba que o conhecimento que pude hackerar de você não está em nenhum livro.

Agradeço a minha esposa, Vivian Ramos Santos Agostinho, por dividir comigo a jornada

do herói, e enfrentar de mãos dadas os possíveis inimigos, compreendendo os momentos

em que era necessário me colocar afastado, enclausurado nas cavernas epistemológicas,

onde nada se ouve, apenas se escreve. Saiba que você é minha Heroína.

Agradeço também, a alguns "sacerdotes do saber", que me apresentaram ferramentas para

cavar mais fundo, e pensar e repensar práticas de pesquisa. Ao professor Alexander

Martins Viana, meu muito obrigado, por ser o primeiro a me ouvir dizer: "quero estudar

a representação do negro nos quadrinhos" e me propor o primeiro repertório bibliográfico,

me levando a ter mais sede sobre os estudos culturais e a questão do negro na sociedade.

A professora Ana Paula Ribeiro, que me fez refletir sobre a identidade negra nas

narrativas cinematográficas, e participou de todo o processo de pesquisa, indicando

possíveis caminhos, e questionando possíveis equívocos conceituais deste aspirante a

escritor. A professora Alyxandra Gomes por conversar comigo diretamente da UFBA, e

discutir sobre representação e representatividade negra, sempre elucidando: “Precisamos

de mais Mestres e Doutores Negros”. A professora Cristina Giorgi, que chegou de

repente, como um personagem que daria um tom a trama, levando assim a história a um

clímax, obrigado por assistir minhas apresentações em eventos e congressos, por se

disfarçar de coorientadora, e ainda sim manter sua identidade secreta. Agradeço ao

professor Alexandre de Carvalho Castro, meu orientador, em toda minha trajetória de

vida conheci mestres fictícios, como o Mestre Yoda (Star Wars), Mestre dos Magos

(Caverna do Dragão), Mestre Kami (Dragon Ball Z) e o Mestre Ancião (Cavaleiros do

Zodíaco), mas não pude me aproximar de nenhum deles, você Alexandre Castro,

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realmente reorganizou as possibilidades na qual eu pudesse caminhar, me levando ao

conhecimento do Dialogismo, conceito no qual eu desenvolvi minha dissertação, a partir

de suas sugestões, pude compreender a importância de aprimorar e ter domínio das

questões acerca de minha pesquisa, meu muito obrigado por suas orientações acadêmicas,

e seus conselhos sobre a vida. Saiba, como enunciava em todos os e-mails " Você é meu

Mestre". Agradeço também a todos os amigos que me acompanharam nessa trajetória,

aos que conheci no PPRER, e aos que já faziam parte de minha vida. Agradeço a minha

diretora Silvia Meneses por me apoiar em todos os sentidos, e me colocar como um

exemplo para os outros professores da escola Tabernáculo Educacional. E em especial

agradeço a meus alunos, todos vocês são importantes, vocês são meus super-heróis dos

quadrinhos. Então, "se grandes poderes trazem grandes responsabilidades", me torno

responsável aqui por todo conhecimento que adquiri nesta jornada, e mais uma vez meu

muito obrigado.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo iluminar práticas discursivas que aludem às identidades

negras, no Brasil, tendo como ponto de observação o personagem negro Jeremias criado

por Maurício de Sousa na década de 1960, e presente nas narrativas atuais da Turma da

Mônica. A pesquisa propõe uma abordagem investigativa, observando narrativas nas

quais o personagem aparece de forma mais efetiva, verificando que o personagem negro

de Maurício de Sousa oscilou entre posições de coadjuvante, figurante, e protagonista

temporário, sem assumir uma posição explícita e efetiva de denúncia do racismo e da

promoção da igualdade racial.

Palavras-chave: Bakhtin; Dialogismo; Relações Étnico-raciais; História em Quadrinhos;

Indústria Cultural

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ABSTRACT

This work aims to illuminate discursive practices that allude to black identities in Brazil,

having as a point of observation the black character Jeremias created by Mauricio de

Sousa in the 1960s, and present in the current narratives of the Monica's Gang. The

research proposes an investigative approach, observing narratives in which the character

appeared more effectively, verifying that the black personage of Mauricio de Sousa

oscillated between positions of assistant and temporary protagonist, without assuming an

explicit and effective position of denouncing the Racism and the promotion of racial

equality.

Keywords: Bakhtin; Dialogism; Ethnic-racial relations; Comics; Cultural Industry

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Jeremias, candidato a presidente do clubinho da turma.

Revista Cebolinha. São Paulo: Panini, n°30,jun. 2009. (p.58)

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SUMÁRIO

Uma Dissertação em Quadrinhos.................................................................9

Introdução....................................................................................................11

Recordatório................................................................................................14

1. Referencial Teórico e Metodologia de Estudo...........................................18

1.1 Análise Bakhtiniana...............................................................................21

1.2 O Conceito de Indústria Cultural.........................................................26

1.3 O Desenvolvimento Histórico dos Syndicates......................................29

2. O Cenário Brasileiro.....................................................................................36

2.1 A produção Cultural de Maurício de Sousa.........................................41

2.2 Maurício de Sousa Produções (Ltda)....................................................46

3. Periodização – Maurício de Sousa Produções............................................49

3.1 Era dos Esboços (1947- 1961) ................................................................63

3.2 Período Pré-Turma (1961 – 1970) .........................................................76

3.3 Período Turma (1970 – 2008) ................................................................90

3.4 Período Pós-Turma (2008 – 2016) .......................................................129

4. Conclusão......................................................................................................176

5. Referências Bibliográficas...........................................................................180

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Uma

Dissertação

em

Quadrinhos

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Introdução

Os estudos relacionados a construção, inserção e manutenção da identidade negra

sempre me instigaram. Primeiramente porque eu me compreendo como negro, e a

maneira como eram construídos os diálogos, os personagens, e os papéis que estes

ocupavam na narrativa televisiva, cinematográfica, teatral e até nas histórias em

quadrinhos me causavam incômodo. Meus questionamentos giravam em torno da

reprodução massiva e posições específicas em que o personagem negro deveria ocupar,

ou seja, eram perceptíveis mecanismos comunicacionais de estereotipagem. Papeis

subalternos e práticas racistas, recortes pontuais direcionados a identidade negra me

levaram a possíveis investigações, tendo como objetivo compreender os motivos de tais

repertórios culturais, e suas problemáticas em relação as questões etnicoraciais.

A partir destas perspectivas iniciais comecei a pesquisar de maneira mais ampla

tais questões, colecionando bibliografias que discutissem mídia e racismo, os objetivos

dos estereótipos, o papel da imagem, do discurso e da representação, ou seja, um arsenal

particular que me permitisse pensar sobre a posição do negro nas narrativas midiáticas.

Foi possível observar que os estudos se debruçavam principalmente pelas questões

televisivas, cinematográficas e teatrais.

Ao procurar pesquisas sobre negros e histórias em quadrinhos percebi algumas

lacunas, então, reorganizei os conceitos, até então absorvidos, e me permiti discutir sobre

aspectos representativos da identidade negra, tendo como ponto de observação as

histórias em quadrinhos. Propondo diálogos entre as posições que os personagens negros

são articulados e as leituras de histórias em quadrinhos, tive contato com a obra “O Gênio

e as Rosas (2010)”, uma narrativa construída por Maurício de Sousa e Paulo Coelho, que

em uma história intitulada “Conversando com o Mal”, a figura maligna era representada

por um personagem negro que reunia uma série de características que fazem parte do

imaginário construído em torno do negro, tal leitura me levou a uma abordagem

investigativa tendo como referência as narrativas da Turma da Mônica.

Tendo as revistas produzidas pela Maurício de Sousa Produções como

bibliografia, foi possível identificar dois personagens negros (Pelezinho e Ronaldinho

Gaúcho), entretanto, optou-se por questionar tais protagonismos, pois, esses personagens

foram criados em contextos específicos para ganhar mercados. Logo, ainda no processo

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de pesquisa, me deparei com Jeremias, personagem construído na década de 1960, e ainda

presente nas narrativas atuais da Turma da Mônica.

Iniciei, então, uma espécie de inquérito sobre esse personagem, verificando seu

status não fixo, pois, o personagem Jeremias flutua entre protagonismos temporários,

coadjuvantes, figurantes. Localizando suas posições, e verificando as relações dialógicas

entre as identidades negras no Brasil, não esquecendo de averiguar o papel da indústria

cultural neste processo.

Inicialmente foi possível notar que no decorrer dos cinquenta e seis anos de

existência do personagem, sua palheta de cor originalmente pintada de nanquim, foi

adquirindo um tom marrom, e que o personagem era deslocado para narrativas que tinham

o seguinte objetivo: Precisa-se de um negro.

Então, observou-se que Jeremias tinha posição cativa em narrativas sobre a

escravidão do Brasil e cenários africanos, além dessas histórias, sua presença era

esporádica, quase inexistente. Uma peça que representava a diversidade dentro de um

grupo de histórias em quadrinhos conhecida em toda a sociedade brasileira, e distribuída

em alguns países do mundo. Logo, existia um negro nas histórias da Turma da Mônica,

entretanto, tal dado não apresenta-se como suficiente.

Em suma, a abordagem que se constitui tal trabalho apresenta-se como uma

proposta de desvendar as representações imagéticas desse personagem, levando em

consideração o aspecto discursivo das histórias em quadrinhos, revelando assim práticas

de manutenção do papel do negro na mídia brasileira, evidenciando todo um debate ligado

a maneira que a indústria cultural condiciona práticas de estereotipagem, valorizando a

importância de se rediscutir o cenário em que são apresentadas as relações etnicoraciais

e seus dialogismos no cenário sócio-cultural brasileiro. Ou seja, diante de todos estes

apontamentos, configura-se o objetivo desta dissertação: analisar as relações dialógicas

implicadas no personagem Jeremias, de Maurício de Souza Produções.

Sendo assim, os capítulos a seguir terão a seguinte estrutura. No capítulo 1 serão

apresentados o Referencial Teórico e a Metodologia de Estudo, abordando as

possibilidades de se problematizar as histórias em quadrinhos, levando em consideração

sua multiplicidade, observando também a construção de um arcabouço teórico pautado

em uma análise bakhtiniana, ou seja, uma análise sobre o dialogismo, propondo

intersecções com o conceito de Indústria Cultural, e a construção histórica dos Syndicates.

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No segundo capítulo haverá o detalhamento da construção do mercado editorial

brasileiro de quadrinhos, especificando o cenário no qual surgiram as primeiras revistas,

e a introdução de um jovem artista chamado Maurício de Sousa, culminando em um dos

maiores estúdios de histórias em quadrinhos da América Latina, a Maurício de Sousa

Produções, e toda sua produção cultural. No capítulo 3, a análise dialógica do personagem

Jeremias se constitui como abordagem principal, pois, apresenta-se uma investigação

sobre as diferentes posições que o personagem ocupa, oscilando entre protagonismos

específicos e modelos de estereotipagem, ou seja, evidencia-se como o negro é

apresentado nas narrativas construídas pela Maurício de Sousa Produções.

Vale lembrar, contudo, que alguns resultados parciais dessas pesquisas foram

apresentados em congressos1 e submetidos para publicação, como, por exemplo, o

capítulo “Gibi” do livro a ser publicado pela editora Ciranda Cultural, ainda em 2017.

1 Durante o processo de pesquisa foi possível apresentar fragmentos do trabalho em congresso como: Ser

Negra (IFB), CONINTER (UNB), ABRALIC (UERJ), JED (PUC-RJ), Torna-se Negro (Pedro II) e JIPP (CEFET-RJ).

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Recordatório

As Histórias em Quadrinhos além de seu aspecto textual e imagético apresentam

um recurso específico chamado Recordatório, que funciona como caixas de textos que

acompanham os quadrinhos. Os recordatórios servem para explicar, ou introduzir a

história, ou seja, funcionam como um texto que propõe uma contextualização, no intuito

de situar o leitor. Uma narração particular que pode acrescentar aspectos que não estão

nos desenhos, servindo como uma referência dentro das narrativas. Nesse sentido, ao

propor um trabalho sobre histórias em quadrinhos, optou-se por utilizar o recordatório na

tentativa de situar o leitor, ou seja, a partir deste momento, apresento todos os caminhos

percorridos para se chegar na construção deste trabalho.

Lembro de meu primeiro contato com a disciplina história ainda na quinta série

(hoje sexto ano), um professor de sobrenome Lisboa, era impossível esquecer a capital de

Portugal. As aulas pareciam histórias do meu avô, coisas que ninguém entendia, e não

davam atenção, talvez por ele apenas ditar as questões e encher o quadro de dever,

estamos falando da década de 1990, diálogo com alunos? Essa prática é um tanto quanto

contemporânea...

Depois das manhãs que aconteciam no universo escolar eu passava as tardes

aprendendo outras histórias, estas não estavam no livro didático, mas eu conseguia

lembrar exatamente o que tinha lido, ainda de maneira tacanha pensava: poxa, as aulas da

escola podiam ser com histórias em quadrinhos.

As narrativas foram se alterando, quando olhei a próxima página já estava no

ensino médio, os livros tornaram-se mais densos, e em alguns era possível ver tirinhas em

quadrinhos, que me impressionavam mais do que o texto, entretanto, me perguntava: por

que ao explicar os conteúdos o professor nunca fala das imagens? Eu imaginava que

existia algum potencial nelas... Mas quem eu era para questionar o saber oracular do

professor? Se eles ignoravam aquelas poucas tirinhas da Mafalda (Quino), é porque

realmente não deveriam ser problematizadas.

Apesar das escolhas duvidosas dos tais professores, tinha algo na disciplina de

História que me fascinava, não sabia se eram as guerras, revoltas, processos de

independência, mas, suspeitava que em alguns textos parecia que não estavam relatando

os fatos de maneira coerente. A curiosidade sempre acompanhou esse que vos escreve. E

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pairava pela minha cabeça a seguinte questão: Se um dia eu for professor... Acho que as

aulas podem ser diferentes.

Em 2004 tive contato com umas edições diferenciadas da DC Comics e da Marvel

Comics, conheci os universos alternativos, as leituras apresentavam a ideia de que não

existe apenas o espaço que conhecemos e estamos habituados, há um "infinito e além", a

narrativa me tomou, chacoalhou as ideias, principalmente por que eu estava em outro

universo. Nesse período fui abduzido pela graduação, que realmente parecia fora do meu

mundo, entretanto, escutei a frase de um professor que abalou minhas estruturas: "Tudo

que você aprendeu sobre história até agora é mentira".

O mundo parou, e iniciei minha jornada do Herói, composta por três momentos:

O chamado, a imersão e o retorno... E como um idealista pensei em alto e bom tom: "Eu

realmente quero me formar em História”.

Fui compreendendo a cada capítulo que "história" era um caminho que eu

precisava seguir, fui respondendo perguntas, a algumas dúvidas sobre processos

históricos que os livros que tinha lido até então não me davam respostas... Encontrei o

melhor superpoder de todos: A leitura. Tantas aventuras, mas um episódio em particular

me chamou atenção, em uma aula aparentemente inofensiva, aprendi sobre a imagem

como fonte histórica.

A partir desse momento, iniciou-se meu processo de imersão, leituras e mais

leituras no intuito de saciar minha sede de saber... Até um momento que considero o

estopim de um grande processo, exatamente quando descobri a seguinte informação: "As

histórias em quadrinhos são a 9ª arte”. Como assim? Quadrinhos tem esse título?

Quadrinhos são fontes? São imagens? São História? Sim! Histórias em Quadrinhos são

documentos históricos.

Ainda na graduação pensava nas possibilidades sobre quadrinhos de maneira

muito tímida. Então chegou o momento: "O retorno do Herói". Conclui minha saga,

coloquei meu diploma no bolso, e então passei a procurar livros que falassem sobre

histórias em quadrinhos. Compreendi algumas possibilidades de se lidar com esse tipo de

bibliografia, e já exercendo minha profissão, passei a levar as histórias em quadrinhos

para meus alunos.

A maneira de se trabalhar com os conteúdos de História se tornou mais dinâmica,

pois os alunos estavam exercendo a leitura, e tomando gosto por tal prática. Acreditando

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que a missão já estava completa, no sentido de alterar a forma de ensino dos conteúdos

de História, me vi em um sonho estranho, talvez uma viajem no tempo, seria possível?

Neste sonho, eu me deparava com todos os super-heróis e personagens dos quadrinhos

que eu conhecia, que tinha lido na infância e adolescência. Entretanto, havia um homem

que eu não conhecia, me parecia indiferente ao lugar, pois podia perceber nos personagens

um tom de ficção, entretanto, aquele homem não tinha uniforme, nem escudos ou

espadas... Então perguntei a um dos personagens: "Quem é aquele?" E a resposta veio de

imediato: Você não o conhece? Aquele é o Elbert, um dos maiores especialistas em

histórias em quadrinhos do Mundo.

Acordei eufórico, que sonho era aquele? Seria uma profecia? Passei semanas

tentando lembrar de cada detalhe daquele momento, até que percebi algo muito

interessante, eu era o único negro naquela cerimônia... Isso desencadeou um incômodo,

que se alastrou quando voltei a frequentar as bancas de jornal e não encontrava revistas

com super-heróis negros. Minha agonia só diminuiu quando encontrei um personagem

negro chamado Jeremias que dizia: Eu tenho um sonho. Seria o mesmo sonho que eu

tive? Passei a conversar com Jeremias, e perceber que ele já estava há um tempo nas

Histórias em Quadrinhos, e que apesar de muitos não lembrarem, ele está inserido nas

narrativas da Turma da Mônica.

As conversas que tive com Jeremias, que passou de um personagem a meu objeto

de estudo me fizeram refletir sobre a ausência da representação negra nas Histórias em

Quadrinhos.

No intuito de propor uma investigação sobre essa problemática, iniciei outra

caminhada, com o objetivo de compreender as relações dialógicas entre o personagem e

as diferentes décadas em que ele aparece. A aventura ainda está em curso, no caminho

percebi algumas situações que se repetem e posições que o personagem ocupa. Foi

possível notar a relevância de tal pesquisa. E tornou-se interessante compreender que

passei a produzir uma história, sou o sujeito, personagem de minha narrativa, que é

construída sem estereótipos em torno do negro.

Talvez esse seja o registro que deixarei para as futuras gerações... De repente

alguns desejam compreender o porquê de o personagem negro estar enclausurado em

espaços restritos... Essa história será publicada em breve, e acho que já tenho até título,

que tal: Que “negro” é esse nas Histórias em Quadrinhos?

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Referencial Teórico e Metodologia de Estudo

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1. Referencial Teórico e Metodologia de Estudo

O estudo das Histórias em Quadrinhos tem sido realizado de diferentes formas,

desde a compreensão de que HQs podem ser consideradas uma forma de literatura

(EISNER, 2013), até a concepção de que podem ser utilizadas como recurso pedagógico

(RAMOS, 2012), funcionando também como instrumento de análise de imagens (signo)

e texto (discurso), pois para se compreender os mecanismos comunicacionais de uma

história em quadrinhos torna-se necessário que se saiba ler os componentes sígnicos que

forjam a temperatura estética (CIRNE, 1975). Esta leitura propõe a funcionalidade de

uma mensagem que estimula (e coordena) uma infinidade de significados, e se coloca

portanto, como fonte de informação (ECO, 2004). Seria então, as Histórias em

Quadrinhos um tipo de leitura distinta, dotada de recursos próprios e exclusivos (MOYA;

D’ASSUNÇÃO, 2002).

Portanto, deve-se levar em consideração a multiplicidade de possibilidades de

análise das Histórias em Quadrinhos. De fato, do ponto de vista acadêmico, já foi

superada a tendência dos anos 1950 que considerava os quadrinhos como subarte ou

subliteratura. As HQs marcaram a história do século XX e, para chegar à forma que

conhecemos atualmente, acompanharam toda espécie de evolução gráfica, sofreram

muitas influências, mas forneceram, nas últimas décadas, subsídios para todos os meios

de comunicação e também para as artes (LUYTEN, 1984).

Além disso, por retratar hábitos, costumes e formas de consumo de uma dada

época, as HQs podem se configurar como uma fonte histórica, pois, “Onde o homem

passou, onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história”

(Fustel de Coulanges, apud Le Goff,. 2003, p. 530). Nesse sentido, toda produção material

humana pode ser pesquisada em contextos mais amplos, evidenciando novas perspectivas

analíticas e possibilitando transformações na ótica tradicional de se lidar com documentos

(CARDOSO; MAUAD, 2011).

Alterar esse tipo de mecanismo de análise de fontes históricas significa a

substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema,

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questionando assim, a história das atividades humanas em seus diferentes cenários,

buscando novas respostas, tendo como referência diferentes epistemologias (BURKE,

1992) pois, com tudo o que, sendo do próprio homem, dele depende, lhe serve, o exprime,

torna significante a sua presença, atividade, gosto e maneira de ser (FEBVRE, 1985).

Tendo como referência as distintas possibilidades de se lidar com as Histórias em

Quadrinhos, neste trabalho pretendemos propor articulações discursivas entre os

conceitos de Dialogismos, Indústria Cultural, e Identidade Negra.

Como aporte teórico utilizaremos a análise bakhtiniana, optando pela abordagem

de identidade dialógica do personagem, pois identifica-se como adequada para analisar

as diferentes posições nas quais o personagem foi inserido desde sua criação até suas

representações contemporâneas, ou seja, os discursos surgem nas condições de um

convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido (BAKHTIN, 2011).

E verifica-se o diálogo entre a 9ª arte e as práticas culturais, pois, todos os diversos

campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem (idem, 2011). Nota-se

que, para que esse exercício seja feito de forma correta deve-se prestar atenção nas

transformações subjetivas e objetivas presentes no contexto sócio-cultural, verificando o

desenrolar de eventos que dialogam com as direções escolhidas nas construções de

roteiros e composições estéticas dos personagens nas histórias, ou seja, a utilização do

dialogismo de Bakhtin é fundamental para tal pesquisa.

Portanto, observar um personagem é investigar as realidades que se apresentam e

dão o tom de seu discurso, verificando tais reflexos e questionando possíveis

representações, desvendando os aspectos ideológicos e suas significações, logo, o

personagem é um signo, pois, sem signos não existe ideologia (BAKHTIN, 2014).

Ao observar tais relações dialógicas presentes na Indústria Cultural,

evidenciaremos a questão ligada a lógica mercadológica destinada às HQs. Aspecto que

envolve uma análise sobre o papel dos Syndicates (apresentando as relações que se

articulam e propiciam os mecanismos de produção em massa das Histórias em

Quadrinhos) e um olhar sobre a lógica comercial que utiliza as HQs como produtos de

consumo almejando a obtenção de lucros. Pois essa é a base para a manutenção da

Indústria Cultural.

Em tal trabalho, pretende-se também, examinar a construção e representação das

identidades negras dentro dos quadrinhos, evidenciando o aspecto signico e sua

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representatividade, questionando como a presença dos personagens negros são

efetivamente configuradas, pois expõe valores, agendas culturais, políticas, expectativas,

nesse sentido, os aspectos da identidade cultural formam-se através do pertencimento a

uma cultura nacional, e com os processos de mudança as identidades podem ser

deslocadas (HALL, 2014).

Esses deslocamentos ocorrem também, dentro das histórias em quadrinhos, ou

seja, o personagem apresenta uma fluidez, sendo deslocado em diferentes contextos.

Entretanto, percebe-se a necessidade de questionar os espaços em que a identidade negra

é impressa dentro dos quadrinhos, pois, a identidade é relacional, e existem condições

específicas para que ela exista (WOODWARD, 2014).

A análise inicial sobre estas questões nos leva a percepção de que a identidade dos

personagens negros pode estar enclausuradas em uma objetividade esmagadora (FANON,

2008), ou seja, apesar de se compreender que as identidades se deslocam, observa-se a

manutenção dos espaços em que o personagem negro ocupa, sua construção baseia-se em

estereótipos que negligenciam o processo de representação identitária, ou seja, não está

de acordo com a ideia de assumir plenamente, com orgulho, a condição de negro, em

dizer, de cabeça erguida: sou negro (MUNANGA, 1988). Portanto, pretende-se destacar

os processos de efabulação e enclausuramento que se articulam em torno das construções

sobre a figura do negro (MBEMBE, 2014).

Tendo como base todos estes apontamentos, observaremos as HQs como

uma forma de leitura e lazer inserida na articulação existente no sistema capitalista, que

utiliza ferramentas próprias para produzir representações identitárias que apresentam

dialogismos com a identidade negra na sociedade brasileira e conduz as condições de

produção cultural provocando a manutenção dos mercados editoriais que produzem

histórias em quadrinhos

1.1 Análise Bakhtiniana

Na tentativa de compreender de maneira mais adequada as Histórias em Quadrinhos

e propor analises sobre a instrumentalização do personagem Jeremias, optou-se pelo

dialogismo bakhtiniano, ou seja, a compreensão das relações dialógicas que se conectam

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no sentido de dar sentido à construção, inserção e manutenção do personagem nas

histórias em quadrinhos.

Tais narrativas refletem as condições especificas que culminaram na representação de

determinado personagem, e as direções que este toma dentro da história em quadrinhos,

neste caso, se ocorrem mudanças na trajetória histórica do personagem, ou seja, se de

alguma maneira sua identidade narrativa apresenta-se de maneira diferenciada de sua

construção inicial, isso baseia-se nas diferenças discursivas que são apresentadas no

personagem, em momentos distintos a identidade do personagem Jeremias dialoga com

questões específicas, alterando assim sua estética inicial, ou discursos. Nas palavras de

Bakhtin (2014):

Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como

todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao

contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é

exterior (BAKHTIN, 2014. p. 31).

Portanto, observar Jeremias é investigar as realidades que se apresentam e dão o tom

de seu discurso, verificando tais reflexos e questionando possíveis representações,

desvendando os aspectos ideológicos e suas significações, ou seja, o personagem é um

signo, pois, sem signos não existe ideologia (BAKHTIN, 2014).

Dentro de uma perspectiva histórica, não a como compreender as formas específicas

de utilização do personagem, sem compreender o universo social onde tal obra foi

produzida, no sentido de compreender de forma mais plausível as diferentes posições que

o personagem ocupa, produziu-se uma periodização, identificando seus pontos de

dialogismo, ou seja, as relações dialógicas que posicionam Jeremias na década de 1960,

são diferentes das que posicionam o mesmo personagem em 2016, situando assim as

narrativas no tempo, entre as relações dialógicas, o cenário social e a indústria cultural,

com suas atividades mecânicas de produzir cultura.

Ao utilizar Bakhtin, compreende-se as práticas discursivas racistas (ou não), nas

quais emergiram certos discursos, e que se constituem ao redor do personagem Jeremias.

Portanto, propõe-se uma pesquisa sobre a representação do negro, investigando seus

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dialogismos, tal prática pretende evidenciar a construção, inserção e manutenção do

personagem ao longo de seus cinquenta e seis anos.

A partir de tal postura busca-se averiguar também, os instrumentos de produção, as

relações que se articulam para que em determinado momento o personagem apareça com

mais propriedade, e seu uso torna-se mais preponderante, levando este a ser

ressignificado, ou a perder suas nuances estereotipadas, pois o status de produto de

consumo do personagem faz com que este possa sofrer constantes transformações,

inclusive tornar-se um signo ideológico. Tal perspectiva, posiciona a dimensão ideológica

ligada ao personagem e os espaços que este frequenta. Bakhtin sinaliza: “O domínio do

ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali

onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico”. (BAKHTIN, 2011. p. 33).

Então, compreende-se que torna-se impossível estabelecer o sentido de uma dada

transformação, ou seja, das diferentes representações do personagem, sem considerar toda

a esfera ideológica no qual tais transformações foram produzidas. Pois, a partir de tais

representações é possível enxergar as transformações sociais, portanto, ao se

compreender que o personagem existe por um longo período histórico, é possível

compreendê-lo como indicador de diferentes momentos sociais.

Nesse sentido, ao propor uma pesquisa sobre “O Negro na turma da Mônica”, procura-

se encontrar o ignorado, o encoberto, verificando as condições em que as narrativas que

o personagem está presente foram construídas, ou seja, tomar como base Bakhtin, é

problematizar a estrutura da narrativa, questionar os discursos, observar que existem

relações dialógicas que interferem no cenário social, apresentando direções e espaços

onde o negro pode ou não estar. Portanto, a análise Bakhtiniana apresenta-se como uma

ferramenta fundamental para analisar o Jeremias, um personagem que faz parte de um

contexto social, apresentado nas histórias em quadrinhos, que devem ser compreendidas

como representações discursivas.

Nota-se então que as histórias em quadrinhos funcionam como objeto de discussões

ativas em forma de diálogos, através das narrativas é possível compreender as relações

dialógicas presentes em torno do personagem.

Então, cabe mencionar que o personagem se submete a influência dos sistemas

ideológicos estabelecidos, ele comunica, interage socialmente, funciona como um

discurso, ele responde a alguma coisa, refuta, confirma. Bakhtin (2014) comenta que a

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situação e o auditório social obrigam o discurso, o direcionam, fazem com que ele se

amplie, ou seja, não se torne fixo, mas sim fruto das relações dialógicas. Nas palavras do

autor: “Só se pode falar de fórmulas específicas, de estereótipos no discurso da vida

cotidiana quando existem formas de vida em comum relativamente regularizadas,

reforçadas pelo uso e pelas circunstâncias” (BAKHTIN, 2014. p. 130)

Portanto, as HQ’s não podem ser compreendidas independentemente dos

conteúdos e valores ideológicos que elas se ligam, e o personagem, imerso nessas

narrativas deve ser compreendido da mesma forma. A construção da narrativa faz parte

de uma estrutura social, então, se perdermos de vista os elementos da situação, estaremos

tampouco aptos a compreender as circunstâncias que culminaram na construção da

narrativa e na representação do personagem, pois, sua significação é inseparável da

situação concreta em que se realiza. Para Bakhtin (2014):

A sociedade em transformação alarga-se para integrar o ser em transformação.

Nada pode permanecer estável nesse processo. É por isso que a significação,

elemento abstrato igual a si mesmo, é absorvida elo tema, e dilacerada por suas

condições vivas, para retomar enfim sob a forma de uma nova significação

com uma estabilidade em uma identidade igualmente provisórias. (Bakhtin,

2014. p. 141).

O personagem encontra-se então, com uma estabilidade provisória, aguardando

sua próxima utilização, pois, a partir do momento que a sociedade se transforma, este não

pode permanecer estável, pois é fruto de uma articulação social, faz parte do cenário.

Propõe-se então, novas significações, isso faz com que o personagem continue a existir,

o personagem continua funcionando como um discurso, ou seja, o discurso citado e o

contexto narrativo unem-se por relações dinâmicas, complexas e tensas. É impossível

compreender qualquer forma de discurso citado sem levá-las em conta (BAKHTIN,

2014).

A partir de Bakhtin, utilizando o dialogismo como arcabouço teórico,

problematiza-se a utilização dos instrumentos de produção, as relações que se articulam

para que em determinado momento o personagem apareça com mais propriedade, e seu

uso torna-se mais preponderante, levando este a ser ressignificado. E por que a observação

das relações dialógicas é tão pontual nesta pesquisa? Existe a partir de cada narrativa

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presente no entrelace de cada quadrinho que compõe uma história a comunicação da vida

cotidiana, de modo particular, ou seja, do modo como o autor compreende a sociedade,

uma espécie de domínio específico, uma maneira de enxergar o cotidiano por tal criador,

tal relação pode ser ressignificada, se outro autor apropria-se do personagem, revelando

assim, outras possibilidades e apresentando novas dinâmicas, ou seja, a identidade é

dialógica, verifica-se assim que as formas discursivas situam-se de maneira singular em

diferentes indivíduos. Verifica-se então, a importância de tal epistemologia, a partir da

análise bakhtiniana, evidenciam-se, relações dialógicas, logo, em diferentes períodos

poderão ser atribuídos aos personagens valores sociais significativos.

Em suma, percebe-se que ao estudar um personagem presente em qualquer tipo

de mídia (inclusive nas histórias em quadrinhos), não se deve perder de vista a atividade

de interpretação socioideológica, não dissociando o personagem de possíveis fatores

sociais, não perdendo de vista a significação e sua representatividade, levando em conta

o caráter social do personagem e entendendo que este não é independente, pois, ao ignorar

tais fatores, não será possível compreender a realidade social no qual este foi constituído.

Ao ignorar tais fatores, nos pautaremos sobre uma interpretação errônea dos mecanismos

de produção onde este se insere. Deve-se então, levar em consideração a observação sobre

as articulações e situações sociais, evidenciando o valor cultural, reflexo de relações

dialógicas presentes em cada contexto especificamente.

Portanto, a identidade dialógica do personagem funciona como um registro,

apresenta as impressões do discurso presente no curso das relações dialógicas na

sociedade, manifestando-se como relevantes para a compreensão do cenário social em

que determinada narrativa funciona. A observação sobre os diálogos presentes na

estrutura narrativa das histórias em quadrinhos nos leva a percepção de que um dado

personagem, ou uma certa identidade transita de uma caracterização para outra. Leva-se

em consideração a prática de uma pesquisa específica sobre a funcionalidade da

identidade do personagem nas narrativas estudadas, um personagem negro e as

problemáticas ligadas a sua funcionalidade, como possibilidade de ruptura de um discurso

estabelecido, delimitando assim os espaços que o negro deve ocupar, favorecendo a

manutenção de práticas de invisibilização do negro latentes na sociedade brasileira. Nesse

sentido, procura-se aqui compreender os dialogismos em torno do personagem negro,

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verificando as posições que o personagem ocupa, e questionando os discursos presentes

nas narrativas observando o papel da indústria cultural neste processo.

1.2 O Conceito de Indústria Cultural

A opção por Bakhtin traz em seu bojo a necessidade de situar os enunciados em

seu contexto sócio-histórico. Nesse sentido, os estudos sobre o conceito de Indústria

Cultural se apresentam como indispensáveis para a compreensão da articulação e

funcionamento das diferentes instituições que comercializam e produzem bens

simbólicos e culturais. É possível perceber a dinâmica de vinculação de arte com o

processo de mercantilização do que antes funcionava apenas como manifestação cultural,

portanto, a Indústria Cultural apresenta-se como dispositivo unívoco de produção de

mercados culturais, e nesse sentido, a mídia ligada aos tentáculos industriais age como

porta voz desta lógica que se espalha pelo cenário social, levando aos indivíduos a

sensação de felicidade pela obtenção de bens. Dentro desta perspectiva, os produtos

confeccionados pela Indústria Cultural apresentam-se como bons para o homem, e

adequados ao desenvolvimento das potencialidades e projetos humanos.

O aparecimento efetivo da Indústria Cultural inicia-se com os primeiros jornais

(COELHO, 2006). A invenção dos tipos móveis de imprensa, feita por Gutenberg no

século XV faz com que gradativamente apareça uma cultura de massa, a arte do consumo

ganha mais expressividade a partir do contato de produtos específicos, nas palavras de

Teixeira Coelho:

Produtos como o romance de folhetim – que destilava em episódios, e para

amplo público, uma arte fácil que se servia de esquemas simplificadores para

traçar um quadro da vida na época (mesma acusação hoje feita às novelas de

TV). Esse seria, sim, um produto típico da cultura de massa, uma vez que

ostentaria um outro traço caracterizador desta: o fato de não ser feito por

aqueles que o consumiam. (COELHO, 2006. p. 9)

Nota-se a partir deste trecho uma espécie de funcionalidade característica do

processo de industrialização da cultura. A cultura antes compreendida como uma

singularidade ligada a um tipo de festa organizada por um determinado povo, ou a uma

canção entoada por civilizações antigas passa a ser construída por uns e consumida por

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outros. Compra-se e vende-se, capitaliza-se a arte na intenção de apresentar ao

consumidor algo que ele imagina que seja necessário.

A indústria cultural nutre a cultura de massa, e esta sente-se satisfeita, até que

deseje consumir mais. Coelho (2006) comenta que para se compreender essa estrutura

torna-se interessante observar dois processos específicos: A Coisificação e a Alienação.

Segundo o autor, a Indústria Cultural transforma tudo em coisa, e após a transformação a

tal “coisa” ganha preço, valor monetário, inclusive o homem faz parte deste jogo. E a

alienação funciona como instrumento na vida deste homem, que mesmo produzindo,

mesmo transformando coisas em produtos que serão consumidos, ele mesmo não pode

comprar o que produz.

A coisificação e a alienação funcionam em conjunto levando a produção de uma

cultura em série, que torna-se perecível, apenas uma peça para se usar ou simplesmente

deixar de usar. Existe dentro deste processo uma lógica própria, como por exemplo o fato

de um produto cultural considerado como de categoria inferior alterar sua significação e

status é uma questão de tempo. “É o caso do jazz, que saiu dos bordéis e favelas negras

para as plateias brancas dos teatros municipais da vida” (COELHO, 2006. p. 9)

Adorno e Horkheimer foram os primeiros a usar a expressão Indústria Cultural

ainda na década de 1940. Na abordagem destes autores, a Indústria Cultural

desempenhava as mesmas funções de um estado fascista no exercício de conseguir a

alienação do homem, processo esse onde o indivíduo é levado a não meditar sobre si

mesmo e sobre a totalidade que o circunda. “Na realidade, é por causa desse círculo de

manipulações e necessidades derivadas que a unidade do sistema torna-se cada vez mais

impermeável” (ADORNO, 2015. p.9). O fator alienante presente nesta equação faz com

que o indivíduo não perceba que o esquematismo do procedimento mostra-se no fato de

que os produtos mecanicamente diferenciados revelam-se no final das contas, como

sempre os mesmos. Adorno (2015) ainda comenta que: “A indústria cultural se

desenvolveu com a primazia dos efeitos, da performance tangível, do particular técnico

sobre a obra, que outrora trazia a ideia e com essa foi liquidada”. (ADORNO, 2015. p.14).

A falta de percepção do indivíduo sobre o mundo a sua volta tornou-se o grande

sucesso da lógica de empreendimento da Indústria Cultural, que fornecia artigos de

entretenimento dos quais os indivíduos necessitariam em seu tempo livre, e que seriam

consumidos por eles a partir de sua livre escolha, como sugere Rodrigo Duarte (2014):

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De fato a Indústria Cultural nunca deixou de levar em consideração

necessidades afetivas (inclusive libidinais) latentes do seu público, fornecendo,

entretanto, mercadorias que atendessem a essa demanda sem colocar em risco

a ordem estabelecida. DUARTE, 2014.p. 29)

A lógica presente na Indústria Cultural oferece o produto fornecendo também a

chave de sua interpretação oficial não deixando lacunas para possíveis questionamentos

do indivíduo, um tipo de mensagem subversiva transmitida em um pacote aparentemente

inofensivo. A conclusão deste raciocínio é que o significado dos produtos culturais não é

inerente aos objetos em si, mas reside fora deles. Nas palavras de Muniz Sodré: “... O

produto define-se basicamente como “desejo”, isto é, como noção psíquica que compele

a consciência do sujeito na direção de um objeto”. (SODRÉ, 2010.p.101). E o autor

continua:

Na realidade são várias as “indústrias da cultura”, com diferentes graus de

penetração capitalista. Pode-se mesmo falar em “ramos” industriais (unidades

de produção especializadas) na medida em que os produtos audiovisuais, por

exemplo, são extensões de indústrias já existentes nos campos editoriais,

eletrônicos ou fotoquímicos. (SODRÉ, 2010.p.116-117)

Uma lógica própria, com uma linguagem visando a manipulação, a penetração

ideológica que funcionará como veículo de colonização e doutrinamento intelectual.

Segundo Dorfman (2010), cujo estudo abordou especificamente a questão das Hqs, “essa

tecnologia cultural vai desde a comunicação de massa e seus produtos até as

quinquilharias do turismo organizado (DORFMAN, 2010.p. 115). O autor ainda

especifica a construção social ligada ao processo de industrialização da cultura:

Em toda sociedade, em que uma classe social é dona dos meios de produzir a

vida, também essa mesma classe é proprietária do modo de produzir as ideias,

os sentimentos, as instituições; numa palavra, o sentido de mundo.

(DORFMAN, 2010.p. 154).

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Nota-se através dessas ideias discutidas até aqui que a cultura transformou-se em

produto a ser consumido. A Industria Cultural domina e controla, age na consciência e

inconsciência daqueles aos quais se dirige e de cujo gosto ela procede (ADORNO, 2015).

Torna-se interessante salientar que o lazer não funciona apenas como simples

diversão ou entretenimento, pois, existe uma estrutura que constrói estratégias visando

um tipo de comportamento dócil e uma multidão domesticada através da exploração

sistemática de bens culturais. Entre as estratégias mercadológicas, sua produção é

introduzida como mercadoria e aliada ao espírito de concentração capitalista atingindo

assim, um cidadão passivo e conformista, que não percebe a transformação da arte em

expressão da racionalidade técnica e ignorando totalmente o status de lazer ou

simplesmente entretenimento.

O conceito de Indústria Cultural ainda deve ser compreendido como necessário

para as características e contradições fundamentais do que compreendemos como

sociedade contemporânea. E apresenta-se como fundamental para discutir sobre a mídia,

pois a ideia de produzir cultura está atrelada a produção de entretenimento visando a

manipulação e o consequente consumo da sociedade como um todo.

1.3 O desenvolvimento histórico dos Syndicates

O século XIX influenciou diretamente a noção do que seria de fato informação,

devido à grande evolução dos processos técnicos ocorreram alterações no paradigma de

comunicação. Nesse cenário é possível compreender o nascimento das chamadas

“Agências Noticiosas” (SILVA, 2002). Este é século em que a comunicação social

transforma-se em uma indústria, nota-se o tipo de potencial existente na informação e a

possibilidade de seu alcance. Surgem então, agências singulares que direcionam

informação a certos públicos, não informando apenas sobre assuntos políticos,

econômicos e sociais, mas, construindo conteúdos para alcançar mercados específicos.

A imprensa de opinião transforma-se em imprensa informativa, torna-se mais

acessível e começa a demonstrar uma nova postura. O grande nome deste novo processo

de difusão de informações é Charles – Louis Havas, que em 22 de outubro 1835 cria um

tipo de agência para divulgar informações, a Agence des Feuilles Politiques –

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Correspondence Génerale, que ficou conhecida como Agence Havas (SILVA, 2002).

Charles Havas inicia essa agência com a criação de um pequeno negócio de venda de

notícias, essa tática de manutenção de venda e distribuição de informações transformou

Havas no dono de uma das mais importantes agências de notícias internacionais, a France

Presse. Nota-se que a comercialização de conteúdos (informações) foi pioneira de Havas,

que inicia a história das agências que vendem informações em todo mundo.

Um cenário semelhante também foi se desenvolvendo nos Estados Unidos, onde

agências com estruturas análogas eram chamadas de Syndicates, e igualmente voltavam

ao potencial mercadológico da informação, e a possibilidade de direcionar o conteúdo, o

que fizeram inicialmente com as notícias, e depois com as tirinhas em quadrinhos, nesse

sentido, é importante salientar que apesar do sucesso internacional dos Syndicates norte-

americanos, e a popularização do pioneirismo na comercialização de conteúdos , nota-se

que esse processo de produção dentro do mercado editorial, não pode ser visto como uma

exclusividade norte-americana. Entretanto, nos Estados Unidos os Syndicates

responsabilizavam-se por qualquer tipo de relação mercadológica ligada a possibilidade

de negociação de informações, e ainda trabalhavam protegendo os direitos autorais dos

artistas e o combatendo a concorrência.

É importante salientar portanto, que antes do surgimento das Hqs os Syndicates já

existiam como forma de distribuição de material jornalístico em geral, nesse sentido, a

lógica mercadológica já existia, entretanto, absorveu as histórias em quadrinhos tendo

como objetivo aumentar expressivamente as tiragens, ampliando a produção no intuito de

alcançar novos mercados consumidores. Segundo Iannone (1994): “Os Syndicates

surgiram por volta de 1840, para abastecer os jornais norte-americanos, geralmente de

pequeno porte e sem estrutura para produzir seus próprios artigos e materiais gráficos.”

(IANNONE, 1994, p. 44).

Os Syndicates apropriaram-se das tiras diárias e redimensionaram seu potencial,

compreendo a possibilidade lucrativa das histórias que eram publicadas, multiplicando

este tipo de produto cultural, criando assim uma estrutura para produção e reprodução das

Histórias em Quadrinhos.

Cleide Furlan (1984) ao propor um estudo sobre HQ e os Syndicates norte-

americanos nos alerta que para se compreender a construção e a importância dos

Syndicates nos EUA é necessário perceber que o primeiro passo para seu

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desenvolvimento surge em virtude da concorrência entre dois grandes jornais e seus

proprietários. Ainda segundo a autora, o New York World e o Morning Journal, de Joseph

Pulitzer e William Randolph Hearst respectivamente, seriam as grandes duas potências

no mundo da comunicação estadunidense neste momento.

Pulitzer edita, em 1893, um suplemento dominical no New York World, com a

história “Down Hogan’s Alley”, desenhada por Richard Outcault. Em 1896,

realizam-se os primeiros testes de cor na camisa da personagem principal, que

passou então a ser conhecida como “ Yellow Kid” (“O garoto amarelo”).

“Down Hogan’s Alley” pode ser considerada uma predecessora do gênero de

HQ, pois utiliza-se do balão, além de, por sua natureza debochada e

sensacionalista, ter dado origem à expressão “imprensa amarela” nos EUA (no

Brasil, passou a chamar-se “imprensa marrom”).

Posteriormente, Richard Outcault e seu “Yellow Kid” passaram ao Morning

Journal, de Hearst. Em contrapartida, Pulitzer vem introduzir, em 1897, “Os

Sobrinhos do Capitão”, criada por Rudolph Dirks e que, pelo novo tipo de

linguagem e de expressão, será chamada de HQ. (FURLAN, Cleide. HQ e os

"syndicates" norte-americanos. In: LUYTEN, Sonia Bibe (org). História em

quadrinhos: leitura crítica. São Paulo: Edições Paulinas. 1984. p. 27.)

Furlan (1984), explica que no início as HQs eram humorísticas, daí surge o termo

Comics. Posteriormente todas as revistas que seguiam o mesmo modelo, a mesma

estrutura, foram chamadas de Comics, independente da linguagem ou do tipo de história

desenvolvida. Neste clima de disputa comercial e comunicacional em 1912 Hearst cria o

primeiro Syndicate, o International 28 News Service que, em 1914, deu origem ao King

Features Syndicate. Segundo Furlan (1985) “Alguns anos depois, surgiram o Chicago

Tribune Daily New Syndicate, o United Press International, além de outros de menor

porte”. (Furlan, 1985, p. 27). A autora ainda discute sobre a possível tradução do termo

Syndicate:

A palavra “Syndicate”, nos moldes norte-americanos, não encontra similar em

nosso contexto. Não se trata de um sindicato e ultrapassa as atribuições de uma

associação. Podemos tratá-lo como agência especializada em fornecer matérias

variadas, particularmente de entretenimento. (FURLAN, Cleide. HQ e os

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"syndicates" norte-americanos. In: LUYTEN, Sonia Bibe (org). História em

quadrinhos: leitura crítica. São Paulo: Edições Paulinas. 1984.p.28).

Furlan (1985) e Iannone (1994) concordam que o termo mais adequado para se

compreender o que eram Syndicates na língua portuguesa seria “Agência”, Nota-se,

entretanto, que o conceito não deve ser simplificado. Trata-se então de uma espécie de

agência especializada em desenvolver tarefas específicas. Furlan (1985), explica:

Os “Syndicates”, além de possuir direitos sobre os trabalhos dos desenhistas

(direitos sobre a venda e a distribuição), funcionam como agência de

veiculação das histórias, preparando e emitindo milhares de matrizes a serem

vendidas não só nos EUA como também em outros países. São responsáveis

por alguns cuidados, ou seja, devem seguir um código de ética: as histórias não

devem ofender nenhum leitor; não devem conter palavrões explícitos, que

poderão ser substituídos por sinais convencionais; não devem conter sugestões

de imoralidade; devem evitar controvérsias quanto à religião, raça ou política;

devem evitar cenas de violência com mulheres, crianças e animais; não devem

incentivar o crime, que será sempre punido. (FURLAN, Cleide. HQ e os

"syndicates" norte-americanos. In: LUYTEN, Sonia Bibe (org). História em

quadrinhos: leitura crítica. São Paulo: Edições Paulinas. 1984.p.28).

Deve-se lembrar que a estrutura desenvolvida pelos Syndicates não foi construída

especificamente para as Histórias em Quadrinhos, a lógica funcionava inicialmente nos

jornais. Furlan (1984) comenta que essas “agências” começam a surgir por volta de 1840,

entretanto, neste momento, não possuem a mesma estrutura e dimensão que os Syndicates

que são estruturados em torno de 1912. Nesse sentido, toda a lógica que começa a ser

articulada por volta de 1840, e apresenta-se como extremamente mais eficaz e estruturada.

Por volta de 1912 foi direcionada posteriormente as tirinhas dominicais ou diárias que

eram veiculadas nos jornais, pois, este tipo de conteúdo estava se tornando popular, dentro

desta perspectiva, as HQs tornaram-se mais um elemento dentro desta percepção

lucrativa, ou seja, para a estrutura dos Syndicates as Histórias em Quadrinhos tornam-se

mais um produto com potencial de venda, como complementa Vergueiro (2003):

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O componente econômico da equação envolvida na exportação de histórias em

quadrinhos que enfocam o ambiente familiar é facilmente compreensível:

como grandes distribuidores de quadrinhos, os lucros dos Syndicates eram

estabelecidos em proporção direta aos jornais que publicassem cada tira ou

página dominical específica; da mesma forma, ao atingir um determinado nível

de distribuição, os custos se estabilizavam e os lucros aumentavam

exponencialmente. Assim, quanto maior a distribuição, maior o lucro.

(Vergueiro, As Histórias em Quadrinhos e seus gêneros IV: os quadrinhos em

ambiente familiar. 2003)

Waldomiro Vergueiro (2003), comenta que a ânsia por maiores lucros fez com

que os Syndicates, que em geral eram ligados a grandes cadeias jornalísticas, buscassem

temas que possibilitassem a mais ampla distribuição possível, inclusive externamente ao

país.

Nessa busca de maior aceitação popular, histórias enfocando o ambiente

familiar surgiram naturalmente como uma alternativa bastante viável, pois

traziam um espaço narrativo com o qual todos os leitores se identificavam e

que, ao mesmo tempo, não causava qualquer tipo de rejeição, como poderia

acontecer, por exemplo, com histórias que representassem graficamente as

minorias ou reproduzissem estereótipos raciais... A fórmula atingiu o objetivo

esperado e em pouco tempo os jornais norte-americanos se viram abarrotados

de quadrinhos que retratavam o american way of life das mais variadas formas

e ajudavam a divulgar os costumes e valores norte-americanos pelo mundo

inteiro, com todas as implicações ideológicas que esse fato representava

(VERGUEIRO, Valdomiro. As Histórias em Quadrinhos e seus gêneros IV: os

quadrinhos em ambiente familiar. 2003)

Então, os Syndicates são responsáveis pela transformação das Histórias em

Quadrinhos em produto comercializável internacionalmente, organizando uma estrutura

de controle funcional e articulando as técnicas e possibilidades de merchandising,

portanto, além da lógica de produção, existem as táticas de comercialização dos

personagens ligados as histórias em quadrinhos, como por exemplo, a utilização de

personagens em camisetas, brinquedos e produtos em geral.

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Edmilson Marques (2011) apresenta uma crítica a lógica proposta pelos

Syndicates. Segundo o autor a mercantilização traz como consequência para as Hqs a

transformação dos personagens em propriedade privada, e consequentemente, em

mercadoria a partir do momento em que são comercializados através de revistas, jornais,

etc. O autor ainda comenta:

Com isso, empresas oligopolistas voltadas para a produção de histórias em

quadrinhos começam a utilizar mecanismos para se apropriar daqueles

personagens que os desenhistas criam, assegurando assim o lucro com tais

produções, mediante a exclusividade no uso dos personagens, após sua

divulgação, despertando o interesse de leitores, isto é, além do lucro com a

vendagem dos gibis, lucram também com os direitos autorais (MARQUES, E.

Super – Heróis: Ficção e Realidade. In: VIANA, N; REBLIN, I. A. Aparecida,

SP: Idéias & Letras, 2011. p. 101.).

A análise sobre a atuação dos Syndicates nos faz perceber os sutis mecanismos

que são articulados para que se obtenha lucros. Como apropriação de personagens para

ganhar contextos específicos, ou a própria construção de personagens para determinados

fins. Existe dentro desta prática uma sedução ideológica. Ao se propor uma crítica sobre

a participação dos Syndicates na lógica mercadológica de produção das Histórias em

quadrinhos é importante notar os contextos, as condições históricas, as relações de

produção, os significados culturais, os mecanismos de motivação ligados ao consumo do

leitor, e todos estes fatores funcionam como manutenção da Indústria Cultural. É possível

compreender que Histórias em Quadrinhos são ferramentas de marketing veiculadas a

empresas e produtos. Dentro desta perspectiva, ao compreender as histórias em

quadrinhos como uma mercadoria da indústria cultural, torna-se importante notar os

valores que difundem, e as ideologias que utilizam em seu processo comunicacional,

tendo como objetivo o real significado das mensagens utilizadas nas aparentemente

inofensivas histórias em quadrinhos.

Nildo Viana e Iuri Andréas Reblin (2011) desenvolveram a obra Super-Heróis,

Cultura e Sociedade, selecionando diferentes intelectuais para discutir sobre a temática

histórias em quadrinhos. A obra discute as possíveis aproximações multidisciplinares

sobre o mundo dos quadrinhos conectando os elementos ficcionais aos mecanismos reais

da sociedade. Entre os temas discutidos, e os autores selecionados, Edmilson Marques

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(2011) evidencia o papel dos Syndicates. Segundo o autor é possível notar a partir dos

Syndicates uma intensificação da produção de Histórias em Quadrinhos, uma maneira

específica de produzir e distribuir as Hqs, dando a estas o status de produto cultural.

Com o sucesso das tiras diárias, os syndicates proliferaram, contratando

desenhistas famosos e difundindo seus trabalhos por todo o território norte-

americano. Operando com custos cada vez menores, devido ao enorme volume

de reproduções feitas a partir de uma única tira, eles acabaram dominando o

mercado editorial internacional. Hoje os syndicates atuam no mundo inteiro e

são os grandes responsáveis pelo sucesso das histórias em quadrinhos norte

americanas (IANNONE, 1994, p. 44. apud MARQUES, E. Super – Heróis:

Ficção e Realidade. In: VIANA, N; REBLIN, I. A. Aparecida, SP: Idéias &

Letras, 2011. p. 99.).

A compreensão dialógica dos sentidos da Indústria Cultural, particularmente em

relação à dinâmica dos Syndicates norte-americanos, configura-se, portanto, como

fundamental para circunstanciar o cenário brasileiro das publicações de Maurício de

Sousa, conforme será melhor detalhado no capítulo a seguir.

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O Cenário Brasileiro

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2. O Cenário Brasileiro

No livro “A Guerra dos Gibis” de Gonçalo Junior (2004), o autor apresenta uma

pesquisa destinada a mostrar ao leitor a formação do mercado editorial brasileiro,

enfatizando a maneira que as Histórias em Quadrinhos chegaram ao país, e com o tempo

tornaram-se populares. Segundo o autor, um dos primeiros brasileiros a prestar atenção

no potencial mercadológico deste tipo de leitura foi Adolfo Aizen, jornalista que em uma

viagem aos Estados Unidos se encantou com um novo formato de leitura aparentemente

infanto-juvenil que estava fazendo um enorme sucesso. Gonçalo Junior (2004) comenta

que:

Um dos passatempos do jornalista era bisbilhotar os pontos-de venda de jornais

e revistas. Encantava-se com o mercado editorial americano, então

impulsionado pelas modernas tecnologias de impressão, que possibilitavam

triagens cada vez maiores em menor tempo. (JUNIOR, 2004, p. 24).

Adolfo Aizen começou a demonstrar interesse na lógica mercadológica

estadunidense. O ato de prestar atenção nos jornais e revistas que eram comercializados

funcionou como uma tática para apresentar ao Brasil novas possibilidades de produção.

Junior (2004) comenta que nessa viajem Adolfo Aizen notou uma novidade conhecida

como suplementos semanais temáticos que eram encartados gratuitamente nos jornais.

Entre estes suplementos os comics faziam mais sucesso.

Em conversa com colegas americanos, Aizen descobriu que aqueles

suplementos aumentavam substancialmente a venda dos diários, uma vez que

muitos leitores compravam o jornal apenas pare tê-los. Notou ainda que

nenhum caderno fazia mais sucesso que o infanto-juvenil, que trazia

curiosidades, passatempos e muitas histórias em quadrinhos – chamadas

comics pelos americanos porque os primeiros artistas exploraram o gênero

para fazer graça com o universo miserável dos cortiços das grandes cidades

americanas no final do século XX. (Junior, 2004, p. 25).

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Ao ler os suplementos que saiam no jornal e observar e perceber que tratava-se de

uma obsessão nacional, Adolfo Aizen começava a compreender as relações específicas

de produção que existiam nos Estados Unidos, e as táticas de manutenção destes

mecanismos. Adolfo Aizen trouxe para o Brasil a mesma lógica de produção, ou seja,

dentro do mercado editorial brasileiro de histórias em quadrinhos, Adolfo Aizen pode ser

considerado um dos primeiros a reproduzir, adaptando a lógica dos Syndicates no Brasil.

Contudo, o processo não foi tão simples (JUNIOR, 2004). A aplicabilidade da

lógica mercadológica estadunidense enfrentou alguns percalços no Brasil.

Aizen procurou ser fiel ao formato dominical americano, o que não seria nada

fácil, uma vez que as máquinas de A Nação estavam longe de possuir alguma

qualidade gráfica. Os cadernos foram planejados e desenhados numa pequena

sala, no ritmo frenético de um jornal com circulação diária. Como estratégia

contra a concorrência, somente dois dias antes da estreia os leitores foram

informados da novidade. (JUNIOR, 2004, p. 30).

Apesar das dificuldades técnicas que instauravam-se no Brasil, um tipo de

mecanismo iria alterar a maneira de se compreender as Histórias em Quadrinhos, até

então, observadas em tirinhas nos jornais, então no dia 15 de março de 1934 saiu a

primeira edição do suplemento juvenil encartado no jornal A Nação. Segundo Junior

(2004), a concorrência ficou boquiaberta, acharam ousado o novo formato apresentado

por Aizen, entretanto a repercussão entre os leitores funcionou de forma adequada, Aizen

conseguiu reproduzir a maneira de comercializar os exemplares como observou nos

Estados Unidos. Mantendo ainda ligação com o país, na verdade com “agências” que

representavam o país, Aizen fazia conexões com os Syndicates.

Alimentar cinco edições por semana com notícias e variedades culturais e

esportivas se tornou uma tarefa árdua para Aizen. Parte da dificuldade foi

resolvida com a compra de textos e desenhos americanos, vendidos no Brasil

por representantes de agências conhecidas nos Estados Unidos como

syndicates, distribuidoras de features (ilustrações, artigos e reportagens).

(JUNIOR, 2004, p. 30).

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Torna-se interessante comentar que não há menção neste texto de que Adolfo

Aizen fundou um Syndicate no Brasil, percebe-se que Aizen traz para o país uma maneira

de se produzir e reproduzir os suplementos semanais que aprendeu nos Estados Unidos.

Apesar de Aizen ser considerado um dos primeiros a utilizar tais técnicas, por observação,

outros jornais compreenderiam a lógica mercadológica utilizada por Aizen, e

reproduziriam o modelo adequando as suas edições, o que para alguns era compreendido

como cópia, como se Aizen tivesse criado esta maneira singular de transformar a leitura

de tirinhas ou HQs em produto comercializável. Não se trata apenas de compreender que

a lógica proposta pelos Syndicates começou a funcionar no Brasil, além disto, mantinha-

se contato com os Syndicates para que se tivesse os direitos de utilização de personagens

e histórias. Aizen apresentou sua ideia para que fosse incluída no jornal A nação, nesse

sentido, A Nação passava a ter um suplemento infantil, um jornal que tinha sido fundado

em 1932, ao incluir a aposta de Aizen em um projeto pioneiro de lançar suplementos

diários, teve sua tiragem triplicada.

De repente, um jornal sisudo, de temática quase que exclusivamente política,

era disputado no meio da semana por crianças e adolescentes em todos os

pontos-de-venda do Rio de Janeiro. Em pouco tempo, o jornalzinho se tornou

assunto da garotada nas filas das matinês dos cinemas, até se transformar numa

leitura quase obrigatória, em especial para os meninos. A aceitação do tabloide

de Aizen foi tão grande que era comum a molecada se dirigir ao jornaleiro toda

semana para pedir o caderno de forma peculiar: - Por favor, moço, quero o

suplemento que está ai no jornal. (JUNIOR, 2004, p. 33).

Ao fazer tamanho sucesso com os suplementos juvenis, Aizen também levou a

concorrência a prestar atenção na nova maneira de conduzir os jornais para o lucro. O

mercado editorial brasileiro notou a repercussão dos suplementos juvenis no público. O

jornal O Globo, de Roberto Marinho, passou a planejar um jornal de histórias em

quadrinhos para concorrer com diretamente com Aizen, reproduzindo uma concorrência

similar aos grandes tabloides norte-americanos. É interessante pontuar que Aizen, ao

voltar de sua viagem dos Estados Unidos ofereceu primeiramente a seu chefe e amigo

Roberto Marinho as possibilidades de se utilizar a lógica dos Syndicates nos jornais

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brasileiros. Marinho não achou interessante as ideias de Aizen, entretanto, posteriormente

percebeu o potencial dos suplementos juvenis e “copiou” a proposta de Aizen.

Em 12 de Junho de 1937 saiu o primeiro número do suplemento juvenil de Roberto

Marinho, chamado de O Globo Juvenil. Marinho também fez contato com representantes

de Syndicates no Brasil, isso fez com que importasse quadrinhos para incluir em suas

edições, 100 % do material de O Globo Juvenil vinha dos Estados Unidos e da Inglaterra.

O Suplemento Juvenil de Aizen tinha alguns artistas brasileiros. Nesse sentido, nos parece

que Roberto Marinho podia investir mais pesado, e construir melhores acordos com os

Syndicates e consequentemente possuir os direitos de mais personagens e histórias.

Apesar de se tratar de dois jornais diferentes, Aizen e Marinho reproduziam a

mesma maneira de se articular e comercializar os quadrinhos existentes nos Estados

Unidos. A aproximação com os Syndicates fazia com que estes usufruíssem das histórias

em quadrinhos e dos personagens como produtos, podendo utilizar da melhor forma

possível, ou seja, da maneira que mais gerasse lucro. É importante notar que os jornais

imersos na concorrência e na articulação ao redor dos direitos de publicar, ou da

associação com os Syndicates não estava nem um pouco preocupada com o caráter

pedagógico das Histórias em Quadrinhos. As HQs eram um produto, e precisava ser

vendido.

A lógica proposta pelos Syndicates revela a possibilidade e capacidade de

consumo das histórias e dos personagens. O personagem das histórias em quadrinhos, por

exemplo, torna-se uma marca que tem os direitos vinculados as tais “agências”, e pode

ser vendido, sendo agregado a diferentes produtos. A importância desse cenário histórico

para esta pesquisa se deve ao fato de que o personagem que é o foco deste estudo –

Jeremias – também se constituiu dentro da mesma perspectiva, pois a Turma da Mônica,

de Maurício de Sousa, tornou-se um fenômeno, sucesso absoluto de vendas,

desenvolvendo uma lógica mercadológica muito semelhante à dos Syndicates, da

indústria cultural norte-americana.

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2.1 A produção cultural de Maurício de Sousa

Eu faço histórias para contar histórias. Na minha infância ouvi muitas e até

hoje meus avós me contam algumas, ou melhor, me ensinam a ser um contador

de histórias. (Maurício de Sousa, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo,

dezembro de 1982).

Mauricio Araújo de Sousa nasceu no Brasil, numa pequena cidade do estado de

São Paulo, chamada Santa Isabel, em 27 outubro de 1935. Seu pai era o poeta e barbeiro

Antônio Mauricio de Sousa. A mãe, Petronilha Araújo de Sousa, poetisa. Além de

Mauricio, o casal teve mais três filhos: Mariza (já falecida), Maura e Marcio. Com poucos

meses, Mauricio foi levado pela família para a vizinha cidade de Mogi das Cruzes, onde

passou parte da infância. Outra parte foi vivida em São Paulo, onde seu pai trabalhou em

estações de rádio. Suas primeiras aulas foram no externato São Francisco, ao lado da

Faculdade, no centro de São Paulo. Mas depois continuou estudos no primário e no

ginásio, dividindo-se entre as duas cidades.

Enquanto estudava, trabalhou em rádio, no interior, onde também ensaiou

números de canto e dança. E, para ajudar no orçamento doméstico, desenhava cartazes e

pôsteres. Mas seu sonho era se dedicar ao desenho profissionalmente. Chegou a fazer

ilustrações para os jornais de Mogi, mas, interessava-se no aprimoramento, no

desenvolvimento de técnica e arte. Para isso, precisava procurar os grandes centros, onde

editoras e jornais pudessem se interessar pelo seu trabalho. Pegou amostras do que já

tinha feito e publicado e dirigiu-se para São Paulo em busca de emprego. Não conseguiu.

Mas havia uma vaga de repórter policial no jornal Folha da Manhã. Mauricio de Sousa

fez um teste para ocupar a vaga e trabalhou com reportagens policiais durante cinco anos.

Após esse período resolveu se dedicar a arte, então, em 1959, criou seu primeiro

personagem – o cãozinho Bidu, juntamente com uma série de tiras em quadrinhos e

resolveu oferecer seu material para os redatores do Jornal a Folha de São Paulo. As

historinhas foram aceitas, iniciava-se então, a trajetória de Maurício de Sousa no ramo

dos quadrinhos.

Inicialmente as tirinhas de Maurício de Sousa eram calcadas no cãozinho Bidu e

no personagem Franjinha, posteriormente outros personagens como Cebolinha, Piteco,

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Chico Bento, Penadinho, Horácio, Raposão, Astronauta, etc. foram sendo inseridos nas

Histórias, até que em 1963 surge a Mônica em uma tira de jornal, ainda como personagem

da história do Cebolinha (nome da tirinha nos jornais) que passa a ser o principal

personagem do desenhista, e ganha uma revista com seu nome em 1970, com tiragem de

200 mil exemplares, pela editora Abril, torna-se a protagonista de “A Turma da Mônica”

história em quadrinhos que tornou-se extremamente popular no território nacional e

conhecida internacionalmente.

No ano de 1986, Maurício saiu da Editora Abril e passou a fazer parte da Editora

Globo, onde permaneceu até 2006. Atualmente está na Editora Panini.

O autor fundou o Instituto Maurício de Sousa, em 1997, para desenvolver

campanhas sociais, realizando assim várias campanhas educacionais e institucionais.

Atualmente, entre quadrinhos e tiras de jornais, suas criações chegam a cerca de

30 países. Dentre as revistas de histórias em quadrinhos mas vendidas no Brasil, dez são

de Maurício de Sousa – o autor já alcançou o extraordinário número de 1 bilhão de revistas

publicadas e é considerado o maior formador de leitores do Brasil. O autor ainda é

considerado o mais famoso e premiado autor brasileiro de quadrinhos.

Buscamos sempre estar informados sobre os interesses das crianças.

Acompanhamos as mudanças naturais de geração para geração. Por essa razão,

acredito que sempre mantemos um público constante sem perda de atualidade.

(Entrevista de Maurício de Sousa para revista Literatura da Editora Escala,

2013)

Isso se deve as diversas áreas que Maurício atua, como por exemplo: Livros

ilustrados, revistas de atividades, álbuns de figurinhas, espetáculos teatrais, desenhos

animados e longas-metragens produzidos pela Maurício de Sousa Produções.

Maurício de Sousa, para a distribuição desse material (suas histórias em

quadrinhos), criou um serviço de redistribuição que atingiu mais de 200 jornais ao fim de

uma década, reproduzindo os mecanismos dos Syndicates em suas produções. Rodrigo

Otávio dos Santos em seu artigo “Origem dos Quadrinhos e o Binômio Produção

Consumo: De Topffer aos Syndicates nos ajuda a compreender:

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Sousa percebeu que não poderia concorrer comercialmente com as tiras norte-

americanas, vendidas de forma muito barata por meio dos já citados syndicates.

Assim, o artista começou a vender a mesma tira para diversos jornais, passando

a lucrar não mais com a criação da história, mas sim com sua distribuição pelo

maior número de jornais possível. Com este tipo de estratégia, seus

personagens ficaram conhecidos do grande público, sendo populares o

suficiente para entrar em outro ramo do mesmo negócio, que no final da década

de 1960 parecia mais rentável: as revistas em quadrinhos. (SANTOS. Origem

dos Quadrinhos e o Binômio Produção Consumo: De Topffer aos Syndicates.

2010.).

Apesar de Maurício de Sousa utilizar a lógica proposta pelos Syndicates, nos

parece que ele amplia a possibilidade de utilização dos mecanismos utilizados antes por

Aizen e Roberto Marinho, Maurício de Sousa cria suas histórias, então, toma para si a

lógica de uma forma diferenciada, nos moldes de Walt Disney. Torna-se interessante

perceber que a lógica de criação e apropriação das técnicas utilizadas pelos Syndicates é

apropriada por Maurício de Sousa, que também se apropria da maneira que Walt Disney

conduzia seus personagens, uma espécie de ideologia que se transfere sutilmente, não é

explicita, e pretende atingir os leitores. Isso se traduz por exemplo na maneira que as

Histórias de Maurício de Sousa são construídas.

História em quadrinhos é, antes de tudo, roteiro. Não é desenho: desenho vem

na sequência. O que eu busco é roteiro, história, texto. (SOUSA, Uma

conversa com Maurício de Sousa: depoimento. [Dezembro de 1982]. São

Paulo: Jornal Folha de São Paulo.

A Turma da Mônica não possui elementos regionais, que para o sistema

mercadológico pode limitar seu potencial de vendas. A História é construída geralmente

no Bairro do Limoeiro, que pode ser identificado como qualquer bairro ao redor do

mundo, possui uma praça, pessoas aparentemente comuns. E a turma é composta por

quatro personagens principais: Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, crianças que podem

gerar identificação com leitores de outros países. Nesse sentido, Maurício de Sousa

utilizou e continua utilizando a ideia base proposta pelos Syndicates, uma maneira

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adequada de criar, produzir e reproduzir um produto. Além disso, ainda cria histórias em

quadrinhos para ganhar contextos específicos, como é o caso de Pelezinho, personagem

que surgiu em 1976 entre conversas de Maurício de Sousa com o jogador Pelé. A proposta

era criar um personagem para promover melhor o jogador (e alavancar o mercado de

histórias em quadrinhos) que tinha acabado de se tornar um fenômeno na seleção

brasileira. A primeira edição da HQ Pelezinho foi publicada em agosto de 1977.

Rodrigo Otávio dos Santos também observa o tato de Maurício de Sousa para

comercializar seus produtos: “Em 1970, as revistas passam também a ser comercializadas

na forma de revistas em quadrinhos, com histórias maiores e mais bem elaboradas, além de

uma tiragem inicial de 200.000 cópias. (SANTOS, Origem dos Quadrinhos e o Binômio

Produção Consumo: De Topffer aos Syndicates 2010.).

O autor ainda comenta que os gibis da Turma da Mônica tornaram-se os mais

vendidos no território nacional. E nos diz que:

Atualmente as marcas de vendagem das revistas chega a atingir 400.000

exemplares para cada edição. Interessante salientar que a tiragem da mais bem

vendida revista em quadrinhos nos Estados Unidos na década de 2000 foi a

nova edição da revista Wolverine, que, de acordo com Allen (2007) vendeu

163.000 cópias. No entanto, apenas mais 5 títulos venderam acima de 100.000

cópias nesta década, mostrando que as revistas de Sousa são efetivamente

muito populares no Brasil, não sendo sequer ameaçadas em sua liderança de

vendas por nenhuma outra revista em quadrinhos brasileira ou estrangeira

comercializada no Brasil. (SANTOS, Origem dos Quadrinhos e o Binômio

Produção Consumo: De Topffer aos Syndicates. 2010.).

O autor apresenta uma interessante pesquisa sobre as relações de produção

articuladas por Maurício de Sousa. Como por exemplo, a relação do Universo da Turma

da Mônica com o merchandising. Em 1968 Maurício de Sousa fechou contrato com a

empresa de alimentos Cica, onde inseria sua personagem Jotalhão, um elefante, para ser

o garoto-propaganda do extrato de tomate Elefante. Dentro desta perspectiva, nos parece

que esta foi uma das primeiras ações para que se construísse um império ligado ao

merchandising, possibilitando nos dias de hoje a ligação direta entre o universo da Turma

da Mônica e incontáveis produtos licenciados que vão desde um tipo específico de maçã

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até alimentos caninos, passando pelos mais diversos tipos de brinquedos e artigos para

bebês.

Essa maneira de se vincular os produtos, e ganhar mercados específicos, ou seja,

a possibilidade de se apropriar do universo das Histórias em Quadrinhos e construir um

império apresenta-se como algo ímpar na história dos quadrinhos brasileiros. Paulo

Ramos (2012) em sua obra “Revolução do Gibi – A Nova Cara dos Quadrinhos

Brasileiros”, analisa a trajetória de Maurício de Sousa, segundo o autor é interessante

perceber como Maurício de Sousa conseguiu se manter em um mercado difícil como o

território nacional, e transformou suas revistas em líderes de vendas. O autor comenta

que:

Não é exagero dizer que a turma da Mônica se tornou sinônimo de publicação

infantil. Tanto que Maurício de Sousa foi indicado como um dos dez escritores

mais admirados do país, segundo pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de

2008. Não Bastassem essas conquistas, o Pai de Mônica e Cebolinha soube se

reinventar editorialmente na segunda metade da década inicial deste século.

Trocou a Globo pela multinacional Panini (RAMOS, 2012, p. 59).

Ramos (2012), ao propor essa análise nos apresenta a maneira que Maurício de

Sousa se articula para a utilização de suas Histórias em Quadrinhos. Trocar de editora,

por exemplo, é uma estratégia baseada na lógica proposta pelos Syndicates. É

compreender quais são os melhores caminhos para o meu produto, ou seja, pra onde devo

vender? Portanto, nos parece que dentro do mundo dos quadrinhos Maurício de Sousa foi

o que utilizou melhor as técnicas que vieram dos Estados Unidos. Maurício de Sousa

conseguiu estruturar suas empresas reproduzindo de maneira muito eficaz os Syndicates

norte-americanos tornando-se liderança única dentro da área de Histórias em Quadrinhos

no Brasil. Após, aprender os métodos adequados, Maurício de Sousa apenas rearticula as

conexões para gerar outros produtos, projetos, e novas propostas lucrativas.

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2.2 Maurício de Sousa Produções (Ltda)

Eu já sabia que queria distribuir para jornais e ter uma equipe grande para

aguentar o rojão. Mas não sabia que o que ia acontecer, se teria sucesso.

Sucesso não se planeja, só se deseja, se ambiciona. Mas quando se faz um

trabalho bem feito, direitinho, organizado, bem montado e administrado,

modéstia à parte, se alcança resultados. Depois de poucos anos, eu já estava

preparado para fazer as revistas com uma equipe razoavelmente grande. Daí,

o processo se espalhou, e já são mais de cinquenta anos de um processo sem

volta, sempre crescendo. (Entrevista de Maurício de Sousa ao livro: Universo

HQ Apresenta. 2015. p. 356).

A Maurício de Sousa Produções é a empresa responsável pela produção de

histórias em quadrinhos, desenhos animados, criação e desenvolvimento de personagens,

licenciamento de produtos e todos os demais projetos relacionados com as figuras dos

personagens criados por Maurício de Sousa e/ou por funcionários da empresa. Situada na

Rua Do Curtume, nº 745 em São Paulo, a empresa ou estúdio, apresenta espaços

específicos para diferentes projetos, onde trabalham cerca de 300 funcionários, entre

desenhistas, animadores e equipes de produtos e comunicação. A maneira de lidar com

os personagens reproduz a estrutura de empresas multinacionais, ou seja, torna-se

possível perceber o papel de indústria cultural que o estúdio ocupa, nas palavras de

Roberto Civita: “O Brasil é o único país em que um material nativo sobrepujou a Disney

em vendas” (CIVITA, apud GUSMAN, 2015. p. 343).

A empresa apresenta uma projeção visual, marcando sua identidade em produtos

que vão além de histórias em quadrinhos e desenhos animados, como por exemplo em

saches de açúcar e adoçantes utilizados no próprio estúdio.

Outra característica, interessante é o processo que se destaca no desenvolvimento

das atividades exercidas no estúdio2, feita em etapas, por diferentes artistas, perspectiva

que representa o conceito de Taylorismo, pois, está ligada ao aperfeiçoamento dos

2 No dia 10 de Outubro de 2016, foi possível conhecer a Maurício de Sousa Produções. Depois de alguns telefonemas e e-mails, a produção deixou claro que valorizava as pesquisas acadêmicas, e se colocaram à disposição para uma visita, onde foi possível verificar de perto o processo de produção das Histórias em Quadrinhos e outros produtos do estúdio.

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métodos empregados no processo de trabalho, especialmente no tocante aos seus aspectos

organizacionais, uma vez que o desenvolvimento dos meios e instrumentos de trabalho

foi mínimo (RIBEIRO, 2002), ou seja, a partir de Taylor pode-se compreender que o

capital e o trabalho se fortalecem com a prosperidade e a cooperação (HELOANI, 2002).

A construção de Histórias em Quadrinhos apresenta-se nas seguintes etapas:

Roteiro (é nele que estará descrito cada quadro, como ficam os personagens nele, qual

cenário, falas, e como se desenrola toda a história. Desenhista (acompanha as descrições

e ilustrar o que roteirista imaginou.); Arte Finalista (reforça e limpa o traço do desenhista,

dá textura e profundidade às imagens); Colorista (trabalha com a palheta de cores);

Letrista (adiciona os balões e coloca o texto das falas), questões ligadas a impressão e

distribuição (no caso da Maurício de Sousa Produções), são atribuídas as editoras nas

quais o estúdio tem parceria, atualmente é feita pela Panini Comics.

Uma particularidade do estúdio é o fato de a Maurício de Sousa produções

trabalhar com uma palheta de cores padronizadas que envolvem a cor de pele dos

personagens, suas roupas e também o cenário, e a empresa utiliza uma fonte (formato de

letra) própria, chamada “Maurício de Sousa”.

Em suma, é possível notar a partir de uma análise sobre a Maurício de Sousa

produções, que sua funcionalidade representa os mecanismos comunicacionais baseados

no conceito de indústria cultural, ou seja, nas palavras de Maurício:

Não inventei nada. Estava só imitando o que os americanos faziam com

redistribuição de tiras com sindicatos. Na redação da Folha de S. Paulo, onde

eu trabalhava, recebíamos todo o material dos Syndicates. Então, pedi para o

redator-chefe me passar os prospectos, materiais e propagandas que eles

mandavam. Era uma espécie de curso, uma pós-graduação de comercialização

dos quadrinhos que eu fiz. Passei quatro ou cinco anos na redação aprendendo

com esse material e me preparando para fazer esse trabalho no Brasil,

guardadas as devidas proporções de nosso país. (Entrevista de Maurício de

Sousa ao livro: Universo HQ Apresenta. 2015. p. 346).

A organização Maurício de Sousa produções, portanto, configura uma série de

relações dialógicas, algumas delas capturadas em torno do conceito de Indústria Cultural,

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que permitem uma análise mais consequente do personagem Jeremias, conforme será

visto no próximo capítulo.

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Periodização Maurício de Sousa Produções

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3. Periodização Maurício de Sousa Produções

A metodologia a ser desenvolvida levará em conta o fato de que este estudo volta-se

para a análise da Identidade Dialógica do personagem, evitando a naturalização de

conceitos, e propondo a identidade como fluida, ligada a valores culturais instituídos,

evitando, pensar em identidade como estável, estática. Para isso compreende-se como

necessário demarcar as circunstâncias e contextos sócio-históricos que possibilitaram a

configuração do personagem.

Esse estudo e consequente análise sobre o personagem Jeremias perpassa os espaços

simbólicos e representacionais, observando as posições que o personagem é direcionado,

e percebendo sua funcionalidade. Neste trabalho, o uso deste tipo de estrutura analítica

pauta-se sobre a Indústria Cultural, pois, a partir desta instituição alterou-se a noção de

entretenimento e lazer, e essa articulação foi construída visando o que deve ser consumido

e consequentemente gerar prazer para a sociedade.

Destaca-se também, a questão mercadológica existente e os valores atribuídos,

relacionando-os com as ideologias presentes e arquitetadas como parte do produto,

construindo denúncias sobre o real significado das mensagens, criando-se novas maneiras

de se perceber o produto como um problema.

A pesquisa sobre personagens que atuam dentro dos universos conduzidos pela

Indústria Cultural, ou seja, os personagens presentes no cinema, novelas, nos livros,

histórias em quadrinhos ou qualquer universo que funcione de forma narrativa, deve-se

pautar por possibilidades metodológicas plurais, para que possamos analisar as

articulações e construções simbólicas referentes aos personagens de maneira adequada,

nos proporcionando assim novas meditações sobre o objeto de estudo.

Para tal, optou-se por observar o trabalho de Dorfman e Matterlart (1971), intitulado

“Para ler o Pato Donald”, obra que alcançou notoriedade dentro dos estudos culturais

sobre histórias em quadrinhos. Os autores fazem parte de um grupo chileno de análises

da área de comunicação, e apresentam como traço marcante abordagens teóricas com

certa originalidade, construindo trabalhos que se articulam entre o “real significado das

mensagens” e relatórios do exercício concreto do poder editorial na tentativa de

transformar conteúdos em mercadorias (Miranda, 1978 apud DORFMAN e JOFRÉ,

1978, p.10).

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Miranda (1978), comenta que tal obra funciona de forma panfletária, dedicando-se ao

desmascaramento da sútil forma de abordagem do universo Disney. Os autores

negligenciam o papel dinâmico de Pato Donald, analisando várias histórias deste

personagem a partir de um único olhar, partindo desta prática, ignorou-se que o

personagem foi concebido por diferentes artistas em momentos sociais, políticos e

econômicos que se diferem entre si. A obra intitulada “Para ler o Pato Donald”, ensina-

nos a prestar atenção na lavagem cerebral que funciona através dos veículos massivos de

comunicação, e que na frente deste manifesto está a maquiavélica Disney: “Em

consequência, temos no “Para Ler o Pato Donald” um poderoso panfleto (aliás, esta a

intenção principal de seus autores, mas um texto de escasso valor teórico, que se limita a

denunciar o “imperialismo cultural” e seus efeitos”. (MIRANDA, 1978 apud DORFMAN

e JOFRÉ, 1978, p.11).

Compreendo a contribuição dos autores para o estudo e análise do fenômeno da

comunicação de massa e da ação imperialista articulada pela Indústria Cultural, nota-se

que sem a leitura desta obra, algumas considerações presentes neste texto não existiriam,

entretanto, torna-se necessário pontuar que a metodologia utilizada deixou lacunas, e a

partir destas lacunas, pretendo conduzir a pesquisa sobre meu objeto de estudo de maneira

distinta dos autores citados.

Esse tipo de prática apresenta-se como um problema, pois, tenta-se fixar o

personagem, como se tivesse uma identidade presa, marcada. Tais abordagens funcionam

a partir de simplificações banalizadoras costurando uma espécie de esquematismo

empobrecedor. Diminui-se o potencial signico do personagem, impossibilitando novas

concepções metodológicas e danificando a análise de conteúdo. E ignora-se o fato de que

o personagem pode ser compreendido como um ícone, assim sugere Mcclould (1993)

“Todavia, nas figuras, o significado é fluido e variável, de acordo com a aparência elas

diferem da “vida real” em vários graus” (MCCLOULD, 1993).

Mcclould (1993), comenta que as imagens que normalmente compreendemos

como símbolos são uma categoria de ícone, e as figuras funcionam como imagens criadas

para se assemelharem a seus temas. (MCCLOULD, 1993, p. 27).

Vale ressaltar que as diversas formas narrativas podem ser diferentemente

interpretadas e significadas, e os personagens compreendidos de uma maneira não fixa

estão sujeitos a reinterpretações e ressignificações. Dentro desta perspectiva entende-se

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como metodologia impropria tornar estático o que é dinâmico, e que o universo das

histórias em quadrinhos altera-se constantemente. Então, ao propor uma análise sobre um

personagem não podemos cometer o erro de apresentar como unívoco o que é múltiplo.

O significado das histórias está ligado a muitos processos, entre eles a questão capitalista

de produção que incorpora as contradições inerentes às relações produtivas, e como

sinaliza Eisner (2013): “A arte dos quadrinhos lida com reproduções facilmente

reconhecíveis da conduta humana”. (EISNER, 2013, p. 21).

Observando o personagem Jeremias como objeto de estudo, pretende-se

problematizar o universo construído por Maurício de Sousa, demarcando as utilizações

do personagem negro nas histórias em quadrinhos, analisando a funcionalidade da

identidade narrativa em articulação com a identidade negra. Evidenciando os possíveis

estereótipos e arquétipos, e questionando a instrumentalização do personagem Jeremias

e suas formas de representação articuladas pela Maurício de Sousa Produções, tendo

como ponto de observação, também, as condições históricas no qual este foi concebido,

dando atenção as transformações sociais e seus efeitos. Em outras palavras, o personagem

deve ser analisado e compreendido de forma não linear, se possível, tridimensional, ou

polivalente, pois em sua construção a uma série de fatores envolvidos que implicam em

mudanças em seus conteúdos, que estão vinculadas ao desenvolvimento da sociedade

capitalista e às necessidades de valorização do indivíduo com determinadas

características. (SILVA, 2005 apud VIANA, 2005, p.9).

Sobre a construção do personagem, nota-se que os seres sociais e conscientes que

escrevem (e desenham) fazem de uma determinada forma, portando determinadas

concepções, valores, sentimentos, justamente com determinada relação com o tema que

abordam (VIANA,2011). Nesse sentido, Viana (2011), complementa “Um texto, assim

como um livro de textos, é a manifestação de uma relação social” VIANA (2011 apud

VIANA e REBLIN, 2011, p.11.) Pontuo então, que as HQ’s apresentam esta

manifestação de relações sociais, e nas palavras de Eisner (2013): “O processo de leitura

dos quadrinhos é uma extensão do texto” (EISNER, 2013, p.9). Portanto, um personagem,

além de sua representação visual e narrativa contém um grau de comunicabilidade, é um

produto atrelado a significações.

O Personagem Jeremias de Maurício de Sousa será analisado levando em

consideração estes fatores, como por exemplo, o processo de construção e significação

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do personagem que data da década de 1960, e suas alterações estéticas que ocorreram nas

décadas subsequentes, levando o personagem a estar presente nas histórias em quadrinhos

até os dias atuais. Pretende-se também, verificar os protagonismos específicos do

personagem, que geralmente funcionam em ambientes temáticos ligados a África, a

escravidão, ou a posições subalternas, sempre destacando o deslocamento do

personagem, e nunca compreendendo este de forma fixa, imutável. Pois, os personagens

podem alterar-se de geração em geração, e a medida que são transmitidos, mudam sobre

novas pressões. Para O’Neil (2009):

Isso acontece... bem, por uma série de razões. Os criadores tem novas ideias,

ou são forçados a ter novas ideias porque o mercado faminto exige novas

histórias... ou os criadores envelhecem e aos poucos começam a pensar no

mundo de um jeito diferente, e essas mudanças refletem-se de um modo sútil

no trabalho deles. (O’NEIL, Dennis. O Crimson Viper versus a Manyaca

Meme Metamorfica. In: IRWIN, William (org.) Super-Heróis e a Filosofia:

Verdade, Justiça e o Caminho Socrático. Tradução: Marcos Malvezzi Leal. São

Paulo: Madras, 2009.

Partindo deste pressuposto, a metodologia utilizada se baseia na análise de um

grupo específico de Histórias em Quadrinhos, propondo uma leitura flutuante sobre

narrativas em que o personagem Jeremias está localizado, mapeando assim, as posições

e deslocamentos do personagem dentro das histórias em quadrinhos.

Nota-se que existe certa dificuldade em mapear todas as aparições do personagem,

levando em conta o pioneirismo de tal pesquisa, pois, nenhuma outra até então, pautou-

se sobre estudos específicos do personagem Jeremias, nesse sentido, pretende-se capturar

as histórias em quadrinhos em que a presença do personagem se torna mais efetiva, para

que se possa examinar a identidade narrativa do personagem de maneira mais eficaz.

Tendo como referência este material, a análise será construída observando a narrativa

gráfica no âmbito do diálogo (textos presentes nas Hqs) e a representação estética do

personagem no intuito de perceber a articulação entre esses dois campos (a questão

narrativa e a visual), propondo releituras, pois a leitura do texto não pode ser dissociada

da leitura do mundo, já que os sentidos de dado discurso circulam na consciência de um

leitor a partir de formações discursivas muitas vezes vinculadas a outras esferas da vida

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Periodização

Maurício de Sousa Produções

Período Turma

(1947- 1961) (1961 – 1970) (1970 – 2008) (2008 – 2016)

social (CASTRO; ALCANTARA, 2007). E de que forma funciona a representação do

personagem a partir da compreensão de sentidos que a história em quadrinhos produz.

No sentido de propor um recorte temporal, pontuando uma abordagem histórica,

construiu-se uma periodização3, evidenciando os diferentes momentos da produção

cultural de Maurício de Sousa, localizando a posição do personagem Jeremias.

3.1 Era dos Esboços (1947- 1961)

Consideramos “Era do Esboço” período em que Maurício de Sousa inicia sua prática

de desenho e consequentemente carreira como desenhista. Nesse período apresenta-se o

primeiro personagem de Maurício de Sousa, o Capitão Picolé (1947) foi apresentado em

uma edição de Mônica 35 anos (1998), como o primeiro personagem criado por Maurício

de Sousa (até então, o cãozinho Bidu era apresentado nas HQ’s como o primeiro

3 Em “Maurício 80” revista lançada em 2015 como proposta de comemoração aos 80 anos do autor,

apresenta-se nesta publicação uma periodicidade de cunho ficcional. O autor aponta seis períodos, que se

dividem entre sua infância e sua fase adulta. Esses períodos são divididos por seis gênios da inspiração que

Maurício de Sousa encontrou durante sua vida. São eles: Fantasia, Aventura, Terror, Ficção, Juventude e

Inspiração Filosófica. O autor ainda pontua que sua produção baseia-se em 19 universos.

Era dos Esboços

Período

Pós-Turma

Período

Pré – Turma

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personagem de Maurício de Sousa), o autor reapresentou o personagem nas revistas

Lostinho (2006), Os 12 Símbolos do Natal (2009), MSP 50 (2009) e Uma Aventura

Olímpica (2012). Dentro de um ponto de vista histórico torna-se importante pontuar o

início da trajetória editorial de Maurício de Sousa nos Quadrinhos. Em 1959 Maurício de

Sousa apresenta o personagem Bidu nas tirinhas de jornais na Folha de São Paulo. A

tirinha alcança visibilidade, e a editora Continental lança o gibi Zaz Traz, Bidu e

Franjinha (outro personagem de Maurício de Sousa) figuram as páginas da revista.

Mauricio entrou na Continental pelas mãos do desenhista Jayme Cortez, um dos

mandachuvas da editora, e logo se tornaria seu amigo (nos gibis da Abril, por sinal, Cortez

era o único ‘autorizado’ a desenhar as criações de Mauricio em estilo próprio).

Devido ao sucesso das histórias em quadrinhos, Bidu logo ganhou título próprio, que

durou oito edições. A partir do número 5, contudo, o gibi passou a trazer quadrinhos

também de outros autores, já que Mauricio não conseguia tempo para produzir as tiras

diárias e o material para a revista simultaneamente. Atualmente Bidu, continua fazendo

parte das HQ’s do universo de Maurício de Sousa, e é o símbolo da empresa de Mauricio,

a Mauricio de Sousa Produções.

Nesse período o personagem Jeremias aparece pela primeira vez, na revista Bidu, e

analisaremos as histórias em quadrinhos:

O Ovo da discórdia. Revista Bidu nº 1. Ed. Continental. 1960.

Um Rapaz do Outro Mundo. Revista Bidu nº 1. Ed. Continental. 1960.

3.2 Período Pré – Turma: (1961 – 1970)

Com a popularização do personagem Bidu, Maurício de Sousa começa a criar outros

personagens, e inicia algumas articulações distribuindo seu material.

Em 1963, Mauricio de Sousa cria junto com a jornalista Lenita Miranda de

Figueiredo, Tia Lenita, a Folhinha de S. Paulo. Sua principal personagem a Mônica foi

criada neste ano.

A Folhinha apresentava um formato diferenciado, não se parecia com nenhum desses

suplementos que circulam nos jornais de hoje — todos, ainda assim, derivados dela. Da

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primeira à última página, o jornalzinho era fartamente ilustrado com os personagens da

Turma.

As tiras de Mauricio eram publicadas na Folha (Bidu, Franjinha e Cebolinha) e no

Diário da Noite (Astronauta, Piteco, Zé da Roça & Hiro). Pois foi com esses personagens

que o quadrinista lançou, em 1965, pela Editora FTD, três livros ilustrados. Maurício de

Sousa atuava em diferentes plataformas, oferecendo diferentes personagens e iniciando a

construção de seu universo. Deste período será analisada a história em quadrinhos:

“Quem conta um conto”. Revista Mônica nº 2. Editora Abril, 1970.

3.3 Período Turma – (1970 – 2008)

Período em que cria-se se a revista Mônica e sua turma, primeira revista seriada

apresentando o universo construído por Maurício de Souza com a protagonista Mônica.

Nesse momento Maurício constrói as relações entre os personagens, inserindo estes em

um mesmo espaço que será chamado de “Bairro do Limoeiro”, e paralelamente constrói

universos distintos distribuindo seus personagens entre o espaço, a pré-história, a selva,

etc. Esse período se desdobra em cinco plataformas diferentes, articulando-se em cinco

fases.

Fase1: Início do Universo Maurício de Sousa

Entre 1970 e 1986, já como Turma da Mônica, as revistas passaram a ser publicadas

pela Editora Abril. Pela Abril Maurício publicou 200 edições (1-200).

No ano seguinte (1987), a turma da Mônica passou a ser publicadas pela Editora

Globo, onde ficou até 2006 e totalizou 246 edições (1-246).

A partir de 2007 A turma da Mônica e os outros produtos editoriais de Maurício de

Sousa começaram a ser publicados pela editora Panini, que atualmente ainda publica os

produtos de Maurício de Sousa. Nessa fase serão analisadas inicialmente as histórias em

quadrinhos:

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“Fumando” – Revista Cebolinha 121, Ed Abril. 1983

“Jeremim – O Príncipe que veio da África” - Revista Turma da Mônica nº

5.Editora Globo.1987

“Os Novos Donos da Rua” - Almanaque da Mônica nº 1 - Ed. Globo, 1987

“A raça do Floquinho” - Revista Cebolinha nº 107. Globo, 1995.

Fase 2: Produção Audiovisual

Os personagens da Turma da Mônica também são os protagonistas da que pode ser

considerada a primeira série de animação brasileira. Após ser introduzida na televisão

como garotos-propaganda em comerciais a partir de meados dos anos 1960, histórias

completas começaram a ser produzidas em 1976 e distribuídas através de filmes-

coletâneas durante os anos 1980 e 1990 (lançados inicialmente nos cinemas e depois em

diretamente em vídeo)

A coleção audiovisual possui até o ano de 2015 vinte e três títulos, segue abaixo:

As Novas Aventuras da Turma da Mônica (1986, cinema e vídeo)

A Fonte da Juventude e Outras Histórias (1986)

Mônica e a Sereia do Rio (1986, cinema e vídeo)

O Bicho-Papão e Outras Histórias (1987, cinema e vídeo)

A Estrelinha Mágica (1988, cinema e vídeo)

Chico Bento, Óia a Onça! (1990, vídeo)

O Natal de Todos Nós (1992, vídeo)

Turma da Mônica Quadro a Quadro (1996, vídeo)

Videogibi Turma da Mônica: O Mônico (1997, vídeo)

Videogibi Turma da Mônica: O Plano Sangrento (1997, vídeo)

Videogibi Turma da Mônica: O Estranho Soro do Dr. X (1998, vídeo)

Videogibi Turma da Mônica: A Ilha Misteriosa (1998, vídeo)

Coleção Grandes Aventuras da Turma da Mônica (2003, relançamento em

DVD incluindo novos episódios)

Cine Gibi - O Filme (2004, cinema, vídeo e DVD)

Cine Gibi 2 (2005, DVD)

Cine Gibi 3: Planos Infalíveis (2008, DVD)

Cine Gibi 4: Meninos e Meninas (2009, DVD)

Cine Gibi 5: Luzes, Câmera, Ação! (2010, DVD)

Se Liga na Turma da Mônica - Volume 1 (2011, DVD)

Se Liga na Turma da Mônica - Volume 2 (2012, DVD)

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Cine Gibi 6 - Hora do Banho (2013, DVD e Blu-Ray)

Cine Gibi 7 - Bagunça Animal (2014, DVD)

Cine Gibi 8 - Tá Brincando? (2015, DVD)

Entre os 23 títulos destacados, o personagem Jeremias aparece apenas em dois

momentos, nas produções: A Fonte da Juventude e Outras Histórias (1986) e Se Liga na

Turma da Mônica - Volume 1 (2011).

Fase 3: Turma da Mônica Baby (1990)

A Turma da Mônica Baby é a versão bebê da Turma da Mônica, que foi criada por

Mauricio de Sousa e surgiu no início do ano de 1990, também é chamada de Turminha

Baby e aparece com frequência nos pacotes de fraldas descartáveis, em babadores, em

brinquedos e outras coisas direcionadas para o público da primeira infância de 0 a 3 anos.

Constantemente, nas historinhas da "Turma da Mônica Baby" aparecem crianças (bebês)

reais que foram desenhadas pela MSP (as crianças foram sorteadas pela antiga promoção

"Seu Bebê no Meu Gibi"). A Turma da Mônica Baby é composta por um pequeno grupo

de personagens, e não inclui o personagem Jeremias. Fazem parte os seguintes

personagens: Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Mingau, Bidu e Anjinho.

Fase 4: Você sabia? (2003) E Saiba Mais (2007)

As publicações Você sabia? (2003) e Saiba Mais (2007) apresentam temáticas

educacionais no sentido de apresentar histórias em quadrinhos que ensinem além de

divertir. Essas revistas discutem assuntos ligados às áreas de ciências, história, saúde,

comunicações, folclore, datas específicas e biografias de personalidades da história

brasileira.

Este tipo de história em quadrinhos não representa algo novo para os Estúdios de

Maurício de Sousa, que há muitos anos possuem um ativo e eficiente departamento

voltado para projetos especiais, com o propósito de elaborar histórias em quadrinhos com

finalidades específicas. Desta Fase será analisada a revista:

Você Sabia? Turma da Mônica - Abolição da Escravatura (2007)

Saiba Mais sobre o Descobrimento do Brasil (2008)

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Fase 5: Clássicos do Cinema (2007)

A série Clássicos do Cinema da Turma da Mônica possui até fevereiro de 2016

cinquenta e uma edições. Neste tipo de histórias em quadrinhos, os personagens de

Maurício de Sousa representam histórias do cinema consagradas pela crítica e

consideradas produtos da cultura pop. Nesta fase analisaremos a revista:

Os Vingadoidos – Clássicos do Cinema Turma da Mônica. Panini Comics.

2013.

3.4 Período Pós-Turma (2008 – 2016)

Período em que a Turma da Mônica já é conhecida em todo território nacional, e

internacionalmente, e se diversifica, a Maurício de Sousa Produções articula novas

possibilidades e amplia suas plataformas. Para as plataformas deste período pretende-se

verificar as aparições do personagem Jeremias, pensando em suas representações na fase

“Pós-Turma” da Mônica em diferentes séries. Torna-se importante salientar que as

revistas da Turma da Mônica continuaram a ser produzidas e ganharam a titulação de

“Clássicas”. Em relação as revistas da “Turma da Mônica Clássicas”, analisaremos:

Jeremias presidente da turma. Revista Cebolinha nº 30. Ed. Panini. 2012.

Turma da Mônica Jovem (2008)

A Turma da Mônica Jovem é uma publicação mensal dos Estúdios Mauricio de

Sousa lançada em agosto de 2008. Trata-se de uma releitura dos personagens da Turma

da Mônica em versões adolescentes, em traços e linguagem que remetem aos

mangás japoneses e histórias que buscam dialogar com o público pré-adolescente. Com

edições que já chegaram a atingir tiragens superiores a 400 mil exemplares, é uma das

séries de histórias em quadrinhos mais vendidas no mundo. Desta série serão analisadas

inicialmente as Histórias:

Edição nº 4: Fortes Emoções – Primeira aparição do personagem Jeremias na

Turma da Mônica Jovem

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Edição nº 11: Ser ou Não ser – Primeira vez que o personagem apresenta

diálogo na Turma da Mônica Jovem

Clássicos Ilustrados Turma da Mônica (2008)

Os clássicos ilustrados da Turma da Mônica, foram lançados pela RBS Publicações.

São 14 livros na coleção, e cada um deles traz um conto clássico como, por exemplo,

Cinderela, Branca de Neve e Rapunzel, representado pelos personagens da Mônica, e

assinado pelo pai da turminha, Mauricio de Souza.

O objetivo da coleção é incentivar o aprendizado, dos valores abordados nas histórias,

com diversão através da releitura dos clássicos. Nesta série será analisada a história:

A Roupa Nova do Rei

MSP 50 (2009 – 2012)

MSP 50 é uma série de quatro livros de quadrinhos desenvolvido pela Mauricio de

Sousa Produções no qual artistas brasileiros foram convidados a elaborar histórias em que

fizeram uma releitura dos personagens clássicos de Mauricio de Sousa em homenagem

aos 50 anos da carreira do quadrinista, completados em 2009. A série deu origem ao

projeto Graphic MSP, iniciado em 2011. Desta série será analisada a história:

A Lenda de Jeremiwazi. André Diniz. MSP+50 – Maurício de Sousa por mais

50 artistas. Editora: PANINI LIVROS. Edição: 2. 2011

Histórias em Quadrões (2010)

Com 'Histórias em Quadrões', o autor tem como objetivo atrair as crianças aos

museus, e usa a turminha das histórias em quadrinhos para difundir o universo das artes

plásticas. Desta série será analisada a pintura:

Primo Mestiço do Jeremias

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Lendas Brasileiras (2010)

Livros que apresentam algumas das lendas mais conhecidas do folclore popular

brasileiro, representadas pelos personagens da Turma da Mônica lançado em 2010 pela

editora Girassol. Desta série será analisada a História:

Turma da Mônica: Negrinho do Pastoreio

Mônica Toy (2013)

Mônica Toy é uma série derivada lançada em maio de 2013 e distribuída via

internet, pelo canal oficial do Youtube da Turma da Mônica. Os personagens da Turma

da Mônica são reapresentados em traços chibi e vivem situações cômicas através de

histórias mudas, de 30 segundos cada. A série está em sua quarta temporada e também

chegou a ser episódios apresentados na programação dos canais TBS e Cartoon Network.

Edições Especiais

Durante este período (Pós-Turma, entre 2008 e 2016) foram lançadas diversas

edições especiais em comemoração aos Aniversários de Maurício de Sousa e dos

primeiros personagens da Turma da Mônica. Pretende-se também observar a posição do

personagem Jeremias nas edições especiais, verificando a presença ou ausência do

personagem nas “comemorações” da Maurício de Sousa Produções.

Tendo como referência a periodização e as fases e séries destacadas pretende-se

avaliar como a identidade narrativa de Jeremias funciona em cada espaço, e caracteriza-

se efetivamente, articulando tal narrativa com a temporalidade, num quadro de interações

distintas. A partir daí será possível compreender que a construção e deslocamento do

personagem dependerá das transformações subjetivas e objetivas que ocorrem na

Indústria Cultural, frente ao desenrolar dos eventos sociais.

Se debruçar sobre a noção de identidade é apresentar um tom reflexivo,

direcionando os estudos das histórias em quadrinhos a uma compreensão de

temporalidade. Isso nos ensina que: Para se estudar um personagem que

consequentemente possui uma identidade narrativa não se deve usar categorias

monolíticas e essencialistas, pois o caráter não fixo da identidade torna instáveis as

fronteiras (CASTRO, 2012).

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Pretende-se então, posicionar e contextualizar as HQs em seus horizontes

socioculturais, pontuando o processo de mudanças onde um dado personagem, ou uma

certa identidade, transita de uma caracterização preliminar até um momento posterior,

com caracterização totalmente diferente, portanto, a identidade do personagem pode se

transmudar assumindo contornos que fragmentam o sujeito e se articulam de diferentes

formas nas relações presentes no texto.

A pesquisa possui um caráter de reflexão sobre as questões étnico-raciais, não

observando apenas as narrativas propostas por Maurício de Sousa, mas também o campo

social que conduziu, no Brasil, a maneira que se localiza o negro dentro do campo de

representação, verificando os modos de produção e manutenção de estereótipos e

estigmas em torno do negro (BORGES, 2012). Refletindo sobre a instauração de outras

narrativas capazes de abordar dimensões diferentes sobre a temática racial dentro das

HQ’s. Citando Rosane Borges (2012) “As formas de emoldurar o Outro, de fundi-lo em

figuras restritas, é prática recorrente nos sistemas midiáticos que se nutrem, em grande

medida, do discurso imagético”. (BORGES, 2012). Portanto, pretende-se questionar

posições que acentuam uma imagem deformante do negro – sempre caminhando no

sentido de marginalizá-lo de uma maior participação nos destinos da sociedade global

(LUZ, 2010).

A partir da compilação desses dados será possível afirmar o quanto de

estereótipos e arquétipos existem no personagem Jeremias, e de que forma a Indústria

Cultural manipula o personagem negro nas histórias em quadrinhos, nas palavras de

CIRNE (1982): “A verdade é que nossa galeria de personagens negros é bastante

pequena”. (CIRNE, 1982, p.53.).

Nesse sentido, a partir das Histórias em Quadrinhos da Turma da Mônica propõe-

se uma leitura crítica sobre as relações presentes na identidade narrativa que

consequentemente servirá de pano de fundo para a discussão de questões atuais, ligadas

a identidade negra, colocando em xeque as estruturas temporais e evitando que a

identidade (narrativa e negra) venha a ser interpretada em termos rígidos, naturalizados e

permanentes. Portanto, compreender o Jeremias como objeto de pesquisa é propor uma

análise sobre a maneira que o personagem negro é construído e articulado dentro das

histórias em quadrinhos, pensando as coincidências na qual o negro é submetido na

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sociedade brasileira nos diferentes momentos e histórias em que o Jeremias está presente

são produzidas e comercializadas.

Em suma, os mecanismos funcionais de análise de personagem elaborados por

estudos como os de Dorfman e Matterlart (1971), podem funcionar como referência,

entretanto, pretende-se seguir caminhos distintos, propondo novas leituras e formas de

contextualização, evidenciando o status móvel do personagem, propondo assim, um

estudo analítico e consequentemente plural, no sentido de evidenciar as utilizações do

personagem (negro) Jeremias, as articulações e mecanismos gerados pela Indústria

Cultural com objetivo de produção e comercialização direcionada a obtenção de lucros.

Era dos Esboços (1947- 1961)

O período entre 1947 e 1961 apresenta-se como um recorte inicial, servindo como

base para identificar os primeiros passos de Maurício de Sousa. Apesar de ser entendido

com um período onde seus primeiros personagens foram surgindo, o exercício analítico

se pautará pelas questões que evolvem o personagem Jeremias, que representa o objeto

específico deste trabalho. Portanto, para tal perspectiva, optou-se por apresentar em um

primeiro momento as referências que fizeram com que o pai da Turma da Mônica

construísse um repertório estético de como se desenha, ou seja, como se constrói

esteticamente um personagem negro. Nota-se que, as narrativas apresentadas como

referência para se compreender o personagem estudado funcionam como importante

referencial teórico, pois, apresentam-se como mediadoras dos valores latentes na

sociedade brasileira (BAETA, 2009).

Dentro desta análise, observa-se possíveis perspectivas recorrentes no discurso

das histórias em quadrinhos, leva-se em conta, então, o fato de que os discursos surgem

nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito

desenvolvido (BAKHTIN, 2011). Tais perspectivas nos levarão a conclusão de que

nenhum personagem surge por acaso, ou seja, todos os diversos campos da atividade

humana estão ligados ao uso da linguagem (idem, 2011). Pontua-se então, a observância

de padrões relativamente comuns nos diferentes estratos da sociedade, padrões estes que

configuram as tentativas de fixar determinadas posições, ou seja, o personagem pode estar

ligado a estereótipos, um modelo de representação unívoca, que funciona como um

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conhecimento instituído (DIAS, 2010). A partir desses dados, identificaremos

inicialmente o contexto sócio-cultural, no qual, mediante relações dialógicas, Maurício

de Sousa construiu seu personagem negro chamado Jeremias.

O Contexto sócio-cultural: Como se desenha um Negro?

Os traços que identificam um personagem surgem de um imaginário social, nesse

sentido, nota-se como importante, evidenciar quais cenários direcionaram o artista que

desenhou o personagem Jeremias, ou seja, ao analisar um personagem, deve-se levar em

conta o ambiente social no qual estava inserido. A adequação e construção dos

personagens estão vinculadas ao contexto social. Para tal, perceber algumas das histórias

em quadrinhos que Maurício de Sousa leu, e consequentemente se afeiçoou, amplia a

perspectiva dialógica, indicando o caminho por onde a construção imagética do autor-

desenhista se fundamentou.

Em entrevista a série “HQ Edição Especial”, transmitida pelo canal HBO em julho

de 2016, Maurício de Sousa apresenta suas referências mais importantes, segundo o autor:

Tinha príncipe valente que era um clássico né? Um clássico world, tinha

Mandraque, Tarzan, Ferdinando e tinha o Espirito. Que é a história em

quadrinhos que mais me impressionou e mais me influenciou como narrativa,

como ousadia criativa, desenho eu não puxei Will Eisner, puxei roteiro, mas

em desenho eu gostava do Teréré, eu gostava do Popeye antigo e também a

Luluzinha -Bolinha que influenciou milhões de pessoas ai com desenhos

simples né, e chutinho, e tudo mais então eu fui puxando esses dados das

histórias e criando meu estilo que é uma colcha de retalhos, tudo que eu fui

apreendendo juntei ali, fui desenhando. (Depoimento de Maurício de Sousa a

série “HQ Edição Especial”, no canal HBO em julho de 2016).

A partir das palavras do autor é possível compreender o cenário social no qual este

estava inserido. Portanto, a construção de seus personagens se relacionam, ou seja,

dialogam com referências iniciais, percebe-se então, que as relações dialógicas se

conectam no sentido de dar sentido a construção, inserção e manutenção do personagem

nas histórias em quadrinhos. Para se compreender melhor as referências de Maurício de

Sousa, construiu-se uma tabela, indicando se tais narrativas possuíam algum personagem

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negro em seu elenco principal. A tabela foi construída de acordo com a ordem de

referência que o autor apresentou, não seguindo portanto, a ordem cronológica da

construção de cada história em quadrinhos. Nota-se que todo material pertencia aos

Estados Unidos, chegando ao Brasil pelos Syndicates.

Repertório Cultural de Maurício de Sousa baseado nos Quadrinhos

Foram apresentadas oito referências, que datam de 1929 – 1940. Tais datas

representam os lançamentos das tirinhas dominicais nos Estados Unidos. De todas as

histórias em quadrinhos, apenas duas apresentam personagens negros. Percebe-se então,

uma prática comum de não utilizar personagens negros advinda dos Estados Unidos, e

sendo veiculada na mídia nacional, ou seja, ao se compreender o contexto apresentado na

lógica estadunidense, percebe-se que as identidades dos personagens negros possam estar

enclausuradas em uma objetividade esmagadora (FANON, 2008).

Nos concentraremos então, nos dois personagens que fizeram parte do imaginário

simbólico do criador de Jeremias, direcionando como deveria ser o negro dentro das

narrativas quadrinizadas. Lothar, é um personagem criado em 1934 por Lee Falk, ajudante

do personagem título da série, o Mandraque. Lothar é o típico personagem negro que vem

da África, tem força bruta, porém não consegue pensar sozinho, sendo sempre

direcionado pelos conhecimentos do mágico Mandraque.

No início, Lothar era uma espécie de “Bom Selvagem”, mas com o tempo,

Falk para adaptar as tiras aos novos tempos, o fez um homem sofisticado e

boa pinta. (Artigo publicado no site Guia dos Quadrinhos por Antônio Luiz

Ribeiro em setembro de 2007.)

Ébano White, criado por Will Eisner em 1940 é um taxista, que tenta ajudar

Espirito (Spirit no original) a ir a certos lugares, ou a fugir deles se for necessário, não

Príncipe

Valente

(1937)

Mandraque

(1934)

Tarzan

(1929)

Ferdinando

(1934)

Espirito

(1940)

Teréré

(1935)

Popeye

(1929)

Luluzinha-

Bolinha

(1935)

Nenhum

personagem

Negro no

elenco

principal

Um

Personagem

Negro no

elenco

principal

chamado:

Lothar.

Nenhum

personagem

Negro no

elenco

principal

Nenhum

personagem

negro no

elenco

principal

Um

personagem

negro no

elenco

principal

chamado:

Ébano White.

Nenhum

personagem

Negro no

elenco

principal

Nenhum

personag

em

Negro no

elenco

principal

Nenhum

personagem

Negro no

elenco

principal.

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consegue falar inglês direito, sendo sempre corrigido por ter um vocabulário deficiente,

um verdadeiro estereótipo. O próprio Eisner admitiu os problemas na estética de seu

personagem, nas palavras de Eisner:

Em julho de 1940, comecei uma tira de jornal, chamada Spirit, sobre um herói

mascarado, que punha em cena, como contraponto cômico, um jovem afro-

americano de nome Ébano. Isso não era nenhuma inovação. Jack Beny tinha

Rochester, o cinema tinha Stephin Fretchit, o rádio tinha Amos e Andy. Tais

eram as caricaturas estereotipadas aceitas na época. Naquele estágio de nossa

história cultural, o uso deformado do inglês, com base na origem étnica, era

considerado humor. Ébano falava o dialeto ‘negro’ convencional, e seu humor

leve contrabalançava a frieza das histórias de crime. Na minha ânsia de atrair

mais leitores, achei que tinha descoberto um bom filão. (EISNER, 2011. p.3).

Eisner ainda comenta que tomou consciência da gravidade do estereótipo

posteriormente, percebendo as implicações sociais dos estereótipos de raça. O autor

pontua que “com a emergência dos movimentos pelos direitos civis, criei um detetive

negro de linguagem impecável e passei a tratar o assistente de meu herói com mais

cuidado” (EISNER, 2011. p. 3). Então, percebe-se que havia dois apenas dois

personagens negros no repertório de quadrinhos que Maurício de Sousa consumiu entre

as décadas de 1940 e 1950, culminando na criação de seu primeiro personagem negro em

1960, verificaremos agora se o personagem Jeremias dialoga com as referências de seu

criador, pontuando a identidade dialógica do personagem, e se este apresenta possíveis

estereótipos.

O Negro por Maurício de Sousa

Corria o ano de 1960. Haviam se passado apenas alguns meses, desde que

Maurício de Sousa tomara a decisão de deixar de ser repórter policial da Folha

de S. Paulo para arriscar tudo e se dedicar à sua paixão, as histórias em

quadrinhos, fazendo as tiras do cãozinho Bidu e seu dono Franjinha, no mesmo

Jornal. (Sidney Gusman, depoimento para o livro Coleção Histórica Maurício,

2015).

As tirinhas de Maurício de Sousa começaram a fazer parte dos jornais ainda em

1959, com a criação do Cãozinho Bidu e de Franjinha, o autor-desenhista começou a

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construir mais personagens ao iniciar o ano de 1960, construindo assim um universo

particular. Sobre o início de seu primeiro personagem famoso, o Bidu, o autor comenta:

Chegou um dia em que eu senti que tava na hora de sair da reportagem policial,

eu vou fazer minha historinha, vou montar a história em quadrinhos que eu

queria fazer, acho que eu to mais preparado, e voltei pra casa e desenhei a

minha primeira historinha do Bidu, Bidu e Franjinha, tiras de jornal, seriadas,

e levei pra redação, olharam, ah desenha bem, podemos publicar pô, se aceita

publicar? Lógico”. (Depoimento de Maurício de Sousa a série “HQ Edição

Especial”, no canal HBO em julho de 2016).

Maurício de Sousa publicou suas primeiras histórias mais longas, fora do formato

de tira pela Editora Continental, liderada por Jayme Cortez, que anos depois tornou-se o

diretor de arte da Maurício de Sousa produções. Entre essas histórias surgiu sua primeira

turma, na qual faziam parte Franjinha (e seu cãozinho Bidu), Titi, Manezinho, Humberto

e Jeremias, seu primeiro personagem negro. Nota-se que cada personagem apresenta um

tom de significações, o personagem é um signo, então, verificaremos as significações que

envolvem o personagem Jeremias, observando a posição de sua identidade dialógica.

Segundo os registros do livro “Coleção Histórica Maurício: As clássicas aventuras

das revistas BIDU e ZAZ TRAZ!”, publicado em 2015, a primeira história4 em que

Jeremias aparece chama-se “Um Rapaz do Outro Mundo”. A narrativa apresenta o

personagem Franjinha comprando um capacete de Astronauta, e quando seus amigos

encontram Franjinha com o novo adereço, pendem emprestado, entretanto, Franjinha não

consegue escutar nada, o capacete abafa sua audição. Seus amigos acreditam que ele não

quer emprestar, isso desperta a ira do grupo. Jeremias é bem presente nesta narrativa,

tendo diálogos próprios, e apresentando discursos de maneira bastante interessante.

4 Todas as Histórias em Quadrinhos utilizadas nesta periodização foram lançadas originalmente entre 1960 e 1961, sendo republicadas em 2015 na Obra “Coleção Histórica Maurício: As clássicas aventuras das revistas BIDU e ZAZ TRAZ!

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Figura 1. Primeira Aparição de Jeremias, 2015. p. 11.

Figura 2. Personagem Jeremias na História: Um

rapaz do outro mundo. 2015. p. 11. Figura 3. Personagem Jeremias na História: Um

rapaz do outro mundo. 2015. p. 11

A história ainda com formato parecido com as tirinhas de jornal, apresentava

apenas duas palhetas de cor, entre o branco e o preto é possível identificar de maneira

bem visível o personagem, que aparentemente não apresenta estereótipos específicos

como no caso de Lothar e Ébano White. O discurso do personagem apresenta-se de modo

diferente dos outros da turma, Jeremias parece ter ficado mais ofendido do que os outros

pelo fato de Franjinha não ter emprestado o capacete de astronauta.

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Figura 4. Personagem Jeremias na História: Um

rapaz do outro mundo. 2015. p. 12.

Apesar de todos ficarem chateados com a situação, Jeremias é o único que chama

Franjinha de “Gorduchão”, apelidando o suposto amigo. No quadro adiante, Jeremias faz

um tipo de ameaça a Franjinha, quando comenta: “Aquele cara está marcado comigo”.

Então, ao verificar o discurso do personagem, verifica-se que sua postura em

relação a “não conseguir o que deseja” apresenta-se de modo bem evidente. Jeremias foi

o personagem que ficou mais indignado com a situação. Apesar de sua manifestação de

ira, Titi que pensa em um plano para se vingar, e o executa sozinho, pintando o capacete

de Franjinha de tinta preta, e fazendo com que o amigo não consiga enxergar ao andar, e

tenha possíveis problemas. Seria esse o negro que faz parte do universo simbólico de

Maurício de Sousa? Pois, ao construir tal narrativa midiática, o autor, refletiria de algum

modo, representações sociais vigentes (MONNERAT, 2010). Ou seja, a identidade do

personagem Jeremias dialoga com questões específicas, pois, o personagem funciona

como um produto ideológico, ao se ter contato com tal narrativa quadrinizada,

compreende-se o negro como representação ideal, como se não pudesse ser desenhado de

outra maneira. Nas palavras de Bakhtin (2014):

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Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como

todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao

contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é

exterior. (BAKHTIN, 2014. p. 31).

Entende-se então, o potencial ideológico do personagem, que funciona como um

signo, e apresenta significações sobre a ideia de “ser negro”. Barbosa (2009), comenta

que a narrativa das histórias em quadrinhos está envolvida em três pilares: cotidiano,

realidade e ficção. Nesse sentido, ao propor que um produto ideológico faz parte de uma

realidade, Bakhtin (2014), nos ajuda a compreender a posição do personagem, pois, ao

refletir e refratar outra realidade, o personagem apresenta-se imerso entre universos

ficcionais que funcionam como representação do cotidiano, tendo como referência a

compreensão do real do artista. Nas palavras de Barbosa (2009):

Presumimos que as histórias em quadrinhos podem assumir um fator

importante na construção da realidade por alguns motivos: elas trabalham com

a ficção, mas carregam em si todos os elementos que constatam a realidade,

tanto no discurso da escrita como no discurso visual; e autor de quadrinhos –

principalmente aquele que trabalha com os chamados quadrinhos históricos –

remete o leitor a documentos que são tidos como verdadeiros, por uma visão

subjetiva, que é aquela dada pelo artista; dessa forma, ele constrói a cada

momento uma nova história, com um olhar cotidiano, influenciado pelos novos

estereótipos ou por ícones da culturas de massa (BARBOSA, 2009. p. 105 -

106).

Quando Barbosa comenta que “ele constrói cada momento uma nova história, com

um olhar cotidiano”, o autor (intencionalmente ou não) remete aos estudos de Bakhtin,

pois, apresenta as relações dialógicas, ou seja, o personagem não é fixo, ele dialoga com

as questões que estão em pauta no início da década de 1960, período em que ele é

construído. Portanto, observar Jeremias é investigar as realidades que se apresentam e

dão o tom de seu discurso, verificando tais reflexos e questionando possíveis

representações, desvendando os aspectos ideológicos e suas significações, levando em

consideração as questões mercadológicas que estão impregnadas neste cenário cotidiano,

como comenta Vergueiro (2009):

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“Na sua grande maioria, as histórias em quadrinhos da indústria

massiva do mundo comercial ocidental estão relacionadas com a necessidade

de diversão e entretenimento de seus leitores”. (VERGUEIRO, 2009. p. 83).

De que maneira o personagem negro entretém o leitor? Sendo construído de forma

estereotipada? Barbosa (2009) comenta que todos os homens, qualquer que seja a sua

posição na hierarquia social, vivem as cotidianidades. Nela colocam-se ‘em

funcionamento’ todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas

habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias. Por meio deste

mecanismo, podemos entender novas informações que chegam até nós. Nesse sentido, ao

desenvolver a construção de um personagem, seu autor-criador, torna-se responsável,

pelo campo de representação que envolve tanto o personagem, quanto a narrativa em que

este está presente. Tendo em mente o posicionamento do personagem Jeremias nas

diferentes narrativas, analisaremos agora sua próxima história: O ovo da discórdia.

Em O ovo da discórdia, enquanto, a Turma (do Franjinha) está brincando no lago,

o cãozinho Bidu acha um ovo que estava enterrado. Quando os meninos encontram o ovo,

cada um fica imaginando como poderia lucrar com a venda do tal ovo, e o que fariam

com o prêmio em dinheiro. Entre os sonhos de comprar um cavalo e virar caubói (Titi),

de comprar ingressos para o cinema pelos próximos três anos (Humberto), de esconder o

dinheiro embaixo do colchão (Manezinho), e o de aquecer o ovo até chocar, e sair um

dinossauro (Franjinha), apresenta-se o sonho de Jeremias.

Figura 5. Jeremias na História em Quadrinhos “O Ovo da Discórdia”. 2015. p. 50.

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Figura 6. Jeremias na História em Quadrinhos “O

Ovo da Discórdia”. 2015. p. 50.

Segundo Jeremias, se ele ficasse milionário, compraria um avião, ou seja, se

tornaria um piloto, em relação a construção imagética dos sonhos, o sonho de Jeremias

particularmente, apresenta-se como um sonho nobre, a oportunidade de voar, conhecer os

céus, como se pode verificar na continuação do quadrinho abaixo:

Jeremias alça voo, e faz piruetas, enquanto seus amigos observam sem dizer nada.

A nível de comparação, o sonho de Jeremias apresenta-se como menos usual, essa é uma

postura interessante por parte de seu criador. Levando em consideração as relações

dialógicas presentes na narrativas, o sonho de Titi, por exemplo, dialoga com o fenômeno

de faroeste que invadiu o cinema entre as décadas de 50 e 60, filmes como Matar ou

Morrer (1952), Rastros de Ódio (1956), Homem sem Lei (1958), e a própria aparição do

ícone do velho oeste “Clint Eastwood”, pavimentaram um imaginário social, onde tornar-

se um xerife de faroeste equivaleria a um super-herói nos dias atuais, portanto, não era

algo estranho, desejar comprar um cavalo, e cavalgar “por aí”, como na representação

apresentada no sonho de Titi, pois, a partir do Velho Oeste os meios de massas prepararam

uma mitologia substitutiva que ninguém confronta com os fatos de um passado tão

remoto. Os astros do cinema, os hits, suas letras e seus títulos doam um brilho igualmente

calculado. Palavras, sob as quais o próprio, mitológico, man on the street dificilmente

poderia pensar algo, adquirem, com isso popularidade”. (Theodoro Adorno, apud

DUARTE, 2003. p. 97), nas palavras de Antonio Mendonça (2013): “50 anos atrás,

sucessos na TV eram o Pica-pau e os filmes de caubói” (MENDONÇA, 2013. p. 22).

Nesse sentido, o sonho de Jeremias, apresenta-se como uma postura insólita, não imagina-

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Figura 7. Jeremias na História em Quadrinhos “O

Magriço Terrível”. 2015. p. 140.

se, com base nas representações midiáticas do negro na década de 1960, que um

personagem negro teria o sonho de se tornar um piloto de avião. Entretanto, há uma

particularidade entre os sonhos dos personagens, no sentido narrativo, alguns sonhos

ocupam mais a história do que outros, nota-se que, a projeção do sonho de Jeremias

apresenta-se como menor, pois este, tem o seu sonho dimensionado em apenas dois

quadrinhos. O curioso, é que o sonho deste personagem, não equivale nem a uma tirinha,

que possui início, meio e fim, sendo compilada em três quadrinhos.

O sonho de Titi se resolve em quatro momentos, o de Manezinho em nove

momentos, o de Franjinha (que se compreende como protagonista das histórias) se resolve

em oito momentos, e o de Humberto apresenta-se em apenas um momento. O sonho de

Manezinho apresenta-se como uma prática recorrente, ainda nos dias de hoje, “esconder

o dinheiro no colchão”, entretanto, foi-se construída uma narrativa em que para a história

apresentar-se como concisa, necessitou-se de mais espaço, ou seja, de mais momentos

narrativos. Isso nos leva a percepções em torno de como se contar a história de um negro,

na verdade, como exercício podemos pensar: É mais interessante contar a história de

alguém que esconde o dinheiro no colchão, ou alguém que se torna um piloto? Entretanto,

dentro de um roteiro, qualquer uma das histórias podem gerar problematizações

interessantes, dependendo da temperatura estética que o autor situa os horizontes que

deseja, a pergunta mais específica para tal análise é: Qual é a maneira mais adequada de

se contar a história sobre um negro?

Um item importante na caracterização do personagem é o seu boné, entretanto, é

possível dizer que nem sempre o personagem utiliza tal adereço, porém, seu uso costuma

ser frequente. Nas narrativas que se apresentam entre 1960 – 1961, conhecemos o

personagem a partir da História “Magriço O Terrível”.

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O Boné faz parte do personagem desde sua construção inicial, entretanto, tal item

não deve ser considerado essencial para se conhecer o Jeremias, pois o personagem não

é fixo, e pode apresentar contornos ideológicos diferenciados. Em uma das contra capas,

apresentada pela revista ZAZ TRAZ, o personagem é apresentado em versão colorida,

ainda no início da década de 1960, como é possível verificar na Figura 8. Nesta figura

específica o personagem é apresentado com seu característico boné, na cor vermelha, e

ao seu lado, outros personagens da ZAZ TRAZ que não eram desenhados por Mauricio

de Sousa, pois existiam diferentes histórias construídas por outros desenhistas.

O negro que Maurício de Sousa apresenta se configura como parte de um cenário

social, quer dizer, apesar de o autor construir o personagem, ele não criou a maneira de

ser negro nos quadrinhos, por isso, sua abordagem dialoga com questões culturais. Tal

perspectiva nos leva a pensar que seu repertório Cultural parte de suas influências, ou

seja, dos autores-desenhistas que Maurício se inspirou para construir seu estilo. Nesse

sentido, a estética apresentada pelo autor é além de uma representação, uma reprodução

baseada em modelos pré-estabelecidos, ou seja, o negro de Maurício de Sousa apresenta-

se como a manutenção de um estereótipo.

Figura 8. Jeremias na Contra capa da revista ZAZ

TRAZ. 2015. p.214.

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As primeiras aparições se Jeremias, ainda no momento em que os quadrinhos eram

construídos em Preto e Branco, mostra o personagem pintando de Nanquim. Deve-se

levar em consideração a importância de um personagem negro no primeiro leque de

personagens do autor, Jeremias, ainda apresentado de maneira tímida, fazia parte da turma

principal de Maurício de Sousa, pois no início da década de 19605 era possível contar nos

dedos os personagens do autor, nesse sentido o personagem “dava as caras” com mais

frequência, posteriormente ele passou de coadjuvante a figurante, perdendo o título de

membro da turma, e sendo utilizado conforme as necessidades de pontuar um personagem

negro na narrativa.

Levando em consideração as referências citadas, quer dizer ao citar os

personagens Lothar e Ébano White como signos de referência de Maurício de Sousa,

nesse ponto, o personagem de Maurício de Sousa leva vantagem, Jeremias fala bem, ou

seja, utiliza a linguagem que os outros de sua idade usam. Maurício de Sousa acertou na

inversão do personagem, porém, não soube lidar com a manutenção, na verdade, dentro

de uma perspectiva da Indústria Cultural, em alguns momentos o personagem não era útil,

então, era inviabilizado, colocado de lado, até que houvesse a necessidade de um negro

na história.

Portanto, observar Jeremias é investigar as realidades que se apresentam e dão o

tom de seu discurso, verificando tais reflexos e questionando possíveis representações,

desvendando os aspectos ideológicos e suas significações, ou seja, o personagem é um

signo, pois, sem signos não existe ideologia (BAKHTIN, 2014).

A partir de tal postura busca-se averiguar também, os instrumentos de produção,

as relações que se articulam para que em determinado momento o personagem apareça

com mais propriedade, e seu uso torna-se mais preponderante, levando este a ser

ressignificado, ou a perder suas nuances estereotipadas, pois o status de produto de

consumo do personagem faz com que este possa sofrer constantes transformações,

inclusive tornar-se um signo ideológico. Tal perspectiva, posiciona a dimensão ideológica

ligada ao personagem e os espaços que este frequenta. Bakhtin sinaliza: “O domínio do

5 Deve-se pontuar que entre 1960 e 161, Maurício de Sousa criou dois de seus personagens mais conhecidos, Cebolinha e Cascão. Em 1960 surgiu o personagem Cebolinha, segundo o autor, a referência foi um amigo de seu irmão que falava errado e tinha um cabelo que lembrava uma cebola. Cascão foi construído em 1961, também, tendo como referência um garoto que jogava bola com seu irmão, não gostava de tomar banho, e de vez em quando estava fedendo.

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ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali

onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico”. (idem, 2011. p. 33).

Em suma, após observar a “Era dos Esboços”, pretendemos pontuar, as utilizações

posteriores do personagem, que passa a ser desenhado em cores, e que a partir deste

momento se relaciona dialogicamente com um estereótipo conhecido como Black Face,

portanto, é a partir deste ponto que iniciaremos a construção do “Período Pré-Turma”.

Período Pré-Turma (1961 – 1970)

O período estabelecido como “Pré-Turma”, é compreendido como o momento em

que Maurício de Sousa pavimenta seu caminho como ícone de Histórias em Quadrinhos

no Brasil, tornando-se um caso ímpar na história dos quadrinhos brasileiros (RAMOS,

2012). Nota-se que a fama do autor amplia-se nos períodos posteriores, entretanto, as

articulações construídas nesse momento, funcionaram como pilares, para as opções que

o autor fez ao lidar com seus personagens. Compreende-se que os personagens funcionam

como signos, ou seja, todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos

socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. (BAKHTIN, 2014).

Essa interação foi sendo compreendida pelo quadrinista, e sendo moldada e

posicionada para adequação de seus personagens. Percebe-se então, um conjunto de

práticas discursivas (GOMES, 2013), uma leitura da sociedade em que o criador das

histórias está inserido, nesse panorama, vale ressaltar que, as identidades, é sempre bom

lembrar, também são “inventadas” e surgem em decorrência dos estabelecimentos de

fronteiras e não como causa destas (FERNANDES, 2013). Ao construir tais identidades,

utiliza-se elementos da vida comum, podendo fazê-lo de modo alienado e alienante

(COELHO, 2006). Constrói-se a partir dos roteiros presentes nas histórias em quadrinhos

um mundo através da linguagem, e a linguagem como parte deste movimento é

redistribuída, e essa redistribuição se faz sempre por corte (BARTHES, 2015).

Portanto, tais cortes, apresentam a opção narrativa do autor, que opina sobre o

direcionamento que seus personagens poderão dialogar. Percebe-se então, que a

construção do personagem está atrelada a uma série de significações pré-estabelecidas, e

neste sentido, verifica-se que sua utilização apresenta-se condicionada a certos repertórios

culturais, não impossibilitando determinadas rupturas, pois este não deve ser

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compreendido de forma fixa e imutável, entretanto, o personagem dialoga, então, vê-se

marcado pelo horizonte social de uma época e grupo determinado (BAKHTIN, 2014)

Nesse jogo de significações pretende-se verificar possíveis estereótipos em torno

do personagem Jeremias, pois, a característica do estereótipo é justificar a exploração e a

opressão pelo índice imaginário de superioridade de um grupo humano sobre outro,

recalcando todo o processo histórico que engendrou esta determinada situação (LUZ,

2010), pois, se for evidenciado algum tipo de estereótipo, há a ser realizada uma tentativa

de desalienação em prol a liberdade (FANON, 2008).

Diante de tais questões apresentadas, a análise observará o início da formação do

império de Maurício de Sousa, que na década de 1970, se posiciona em três espaços

distintos: As tirinhas em quadrinhos (publicadas nos jornais), As histórias em quadrinhos,

e a publicação de seus primeiros livros infantis.

Construção e Redistribuição dos Personagens: Por onde anda o Jeremias?

Fazer uma tira só pagava um salário mínimo, eu tava casado, eu falei: Preciso

ganhar mais, então eu tirei o Cebolinha da história do Bidu e Franjinha e criei

uma segunda tira, mas ai eu descobri que duas tiras também não tava dando aí

pra feira, daí eu precisava fazer a terceira tira, criei o Piteco, o lado pré-

histórico, mas daí não dava tempo de criar três tiras por dia, daí eu contratei

um auxiliar pra me ajudar, daí pra pagar o auxiliar, eu precisava criar mais uma

tira, e assim, foi indo, foi indo, foi indo, e eu fui sendo conduzido a necessidade

de criar a equipe, administrar o esquema maior e buscar sustentabilidade na

redistribuição, a utilização da mesma tira em diversos jornais. (Depoimento de

Maurício de Sousa a série “HQ Edição Especial”, no canal HBO em julho de

2016).

A obra construída por Maurício de Sousa apresenta relações dialógicas com o

cenário cultural, ao mesmo tempo em que o autor percebia a necessidade de construir

novos personagens, preocupado com a questão econômica, elaborava seus desenhos tendo

como referência o auditório social que estava vivenciando

“Quando eu comecei a pensar em aumentar a nossa produção em

enfrentar a história em quadrinhos estrangeira, eu estudei quais os gêneros de

história em quadrinho, dos que havia e que dominavam o mercado”

(Depoimento de Maurício de Sousa a série “HQ Edição Especial”, no canal

HBO em julho de 2016).

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Ao prestar atenção no cenário social, o autor, direcionou a posição e a construção

de seus personagens, alguns destes, o autor até comenta qual foi sua referência. Segundo

a Maurício de Sousa Produções, o personagem Chico Bento, por exemplo, nasceu das

observações do Mauricio junto ao homem do campo, morador do alto do Tietê, área

próxima à Mogi das Cruzes e ao Vale do Paraíba, na sua porção paulista. O nome do

personagem foi emprestado de um tio-avô de Mauricio, que ele nem chegou a conhecer,

mas sobre o qual ouviu muitas histórias engraçadas, contadas por sua avó – a vó Dita,

também retratada nos quadrinhos do Chico. Apesar de tal explicação, nota-se também,

que o personagem dialoga com outro caipira conhecido como “Jeca Tatu”, criado por

Monteiro Lobato em 1914, e apresentado no cinema em 1959, Mazzaropi interpreta o

personagem Jeca Tatu, e é com esse nome que vai protagonizar a maioria das películas

que se seguem até 1981 (D’Oliveira, 2009). O estereótipo de caipira já fazia parte do

repertório cultural dos brasileiros quando surge Chico Bento.

Pois é, muita gente não sabe, mas o Chico nasceu como coadjuvante. Ele

estreou em 1963, na tira Hiroshi e Zezinho (O Hiro e o Zé da Roça), publicada

na revista da cooperativa Coopercotiva. Ele era quase uma versão mirim do

Jeca Tatu, personagem clássico de Monteiro Lobato” (SOUSA, 2015)

Percebe-se então que, a partir do estereótipo de caipira que figurava na literatura

e no cinema, tal personagem chega aos quadrinhos. Ao exemplificar como compreendia

o mundo a sua volta e representava tal mundo em suas histórias em quadrinhos, o autor

apresenta um esquema, que utilizou na década de 1960:

Astronautas

Homem das

Cavernas

Histórias

de Crianças

Terror

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O esquema construído foi elaborado com base na explicação feita pelo autor, para

apresentar uma compreensão melhor da estratégia utilizada. Maurício observou estes

quatro domínios dialógicos presentes na sociedade, e funcionais, a partir da indústria

cultural, e então, criou seu repertório. Tinham várias séries espaciais, ele criou o

astronauta, tinha série de fantasmas, ele criou o Penadinho, tinha homem das cavernas, o

Brucutú, ele criou o Piteco. (GUSMAN, 2016). Nas palavras do criador:

Quando eu comecei a pensar em aumentar a nossa produção em enfrentar a

história em quadrinhos estrangeira, eu estudei quais os gêneros de história em

quadrinho, dos que havia e que dominavam o mercado. Tinha história

infantil, tinha do fantasminha, tinha história espacial, então eu fiz um círculo,

fiz uma pizza né, e pûs ali em cada pedaço, o gênero que dominava.

(Depoimento de Maurício de Sousa a série “HQ Edição Especial”, no canal

HBO em julho de 2016).

E dentro de toda esta trajetória, por onde andava Jeremias? Apesar de observar

sobre referências citadas por Maurício de Sousa, não foi encontrada nenhuma explicação

para a composição do personagem Jeremias, ou seja, não é possível compreender a

construção do personagem pelas palavras do autor, entretanto, pode-se compreender de

acordo com as relações dialógicas presentes nas narrativas. Pontua-se que os personagens

utilizados pelo autor, reproduzem estereótipos, prática utilizada de maneira frequente nos

quadrinhos, ele é uma necessidade maldita – uma ferramenta de comunicação da qual a

maioria dos cartuns não consegue fugir. Dada a função narrativa do meio, isso não é de

se surpreender (EISNER, 2013). Ainda sobre estereótipos, Eisner (2013) continua:

A arte dos quadrinhos lida com reproduções facilmente reconhecíveis da

conduta humana. Seus desenhos são reflexo no espelho, e dependem de

experiências armazenadas na memória do leitor para que ele consiga visualizar

ou processar rapidamente uma idéia. Isso torna necessária a simplificação de

imagens transformando-as em símbolos que se repetem. Logo, estereótipos”

(EISNER, 2013. p. 21).

Observa-se que a construção do personagem de quadrinhos baseia-se na

simplificação de certas imagens, entretanto, deve-se olhar com cautela o “reflexo no

espelho” exemplificado por Eisner, pois, se o negro é desenhado de certa forma, qual foi

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o espelho utilizado como referência? Se o desenhista do personagem negro não é negro,

que imagem está refletida? Nesse sentido, deve-se questionar determinados esquemas

estéticos atribuídos a certos personagens, pois a partir da representação, influencia-se o

leitor, fazendo com que este enxergue a todos da forma como estão desenhados nos

quadrinhos.

A partir de tais análises entende-se que Jeremias de vez em quando apresenta-se

em determinadas narrativas que são construídas entre 1961 e 1970, observaremos agora

entre as três dimensões que o autor trabalha (tirinhas em quadrinhos, histórias em

quadrinhos e livros infantis), em que momentos o personagem evidencia-se de maneira

mais pontual.

As Tirinhas em Quadrinhos

A construção das tirinhas em quadrinhos, que faziam partes dos jornais, eram

construídas tendo certos esquemas estéticos, o jornal era uma forma de comunicação

popular, então, embora os negros e as tradições e comunidades negras apareçam e sejam

representados na cultura popular sob forma de deformados, incorporados e inautênticos,

continuamos a ver nessas figuras e repertórios, aos quais a cultura popular recorre, as

experiências que ficam por trás deles (HALL, 2014.)

O negro que se apresenta nestes espaços como personagens, pode apresentar

características que fazem com que este não seja identificado pelos leitores negros.

Observou-se as tirinhas clássicas6 publicadas por Maurício de Sousa entre 1961 e 1970,

e em nenhuma destas verificou-se a presença de Jeremias, entretanto, foi possível

verificar a presença de personagens coadjuvantes negros, nota-se que alguns outros

personagens que faziam parte da primeira “turma” em que Jeremias estava presente,

também não estão nas tirinhas, ou seja, o autor optou pela utilização de certos personagens

em detrimento de outros.

Um aspecto curioso das tirinhas distribuídas nos jornais, é que o conteúdo

dialogava de maneira mais particular com os acontecimentos culturais do período, então,

6 "As Tiras Clássicas da Turma da Mônica" é uma coleção da Editora Panini, lançada em 2007, que compila as tiras da turma que saíram no jornal "Folha de são Paulo" em ordem cronológica, desde os primórdios dos anos 60. Foram analisadas 6 edições que datam de 1960-1970.

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Figura 10. Tirinha do Cebolinha, publicada em Tirinhas

Clássicas da Turma da Mônica nº5, 2009. p.17

entre as tirinhas apresentadas entre 1961-1970, é possível encontrar referência a episódios

como a eficiência dos correios, enchentes, conflitos no Vietnã, Jovem Guarda,

Tropicalismo, Super-Heróis, ou seja, a partir das tirinhas é possível compreender as

relações dialógicas entre quadrinhos e o ambiente sócio-cultural.

Para tal análise destacam-se duas tirinhas que foram publicadas entre 1968-1970,

por perceber a utilização de personagens negros na narrativa.

Na tirinha em questão, Cebolinha está tocando samba, e impressiona Cascão, que

comenta: “Puxa, Cebolinha! Como você consegue batucar tão bacana assim numa caixa

de fósforo?”. A Tirinha dialoga uma prática recorrente entre os encontros de grandes

sambistas, então, Cebolinha mostra a Cascão o grande segredo: Dois personagens negros

estavam escondidos dentro da caixinha de fósforo. Então, os personagens negros estavam

presos na caixinha de fósforo? A tirinha apresenta a utilização da cultura negra, sem

necessariamente dizer que pertence aos negros. A apropriação da música por parte de

interesses próprios. Neste caso, Cebolinha sabia tocar bem, porque utilizava o talento dos

negros sambistas.

Figura 9. Tirinha do Cebolinha, publicada em Tirinhas

Clássicas da Turma da Mônica nº5, 2009. p.21

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Na tirinha (Figura 10), Cebolinha questiona Mônica7, por ter falado que ele tinha

medo do escuro. Mônica chama Tião, que representa o “escuro”, o personagem é negro,

e Mônica ainda comenta que Cebolinha estava falando mal dele. Então, ao se chamar um

negro o que ele fará? Vai bater no Cebolinha? O apelido de Tião era “Escuro”? As tirinhas

sempre apresentam-se de forma muito rápida, ou seja, geralmente o leitor não pensa muito

para compreender, então, todo negro é compreendido como “Escuro”, e

consequentemente deve ser temido? A expressão de Cebolinha é de medo, ao ver Tião

chegar.

Nas duas tirinhas apresentadas, o negro figura como instrumento, sendo utilizado

quando é necessário, entre a musicalidade e a força bruta, estereótipos clássicos do negro

na narrativa midiática, ou seja, na ficção brasileira, no cinema ou fora dela, todos os

personagens negros pertencem a classificações específicas, ou se não, uma mistura de

várias delas (RODRIGUES, 2011).

Nota-se que nas tirinhas apresentadas o personagem negro não era totalmente

pintado de nanquim, como nas aparições de Jeremias, mas sim com riscos no rosto que

identificavam sua face mais escura. Nesse sentido, as narrativas produzidas por Maurício

de Sousa estavam permeadas de estereótipos, reflexos de todo aparelho midiático da

época. Isso não significa que a maneira de se construir o negro sempre funcionará desta

forma, pois, em diferentes períodos poderá ser atribuído aos personagens valores sociais

significativos, Bakhtin (2014).

A História em Quadrinhos: “Quem conta um conto...”

A História em questão apresenta uma narrativa onde os personagens representam a

confusão entre “ouvir e dizer”, distorcendo a informação. Enquanto Franjinha está

caminhando, um senhor ao explicar ao filho o que significa “supérfluo”, comenta que a

barriga de Franjinha é supérflua, fazendo com que o protagonista sinta orgulho, pois este

não sabe o significado da palavra. Ao encontrar os amigos, Franjinha conta a informação

como algo muito importante, fazendo com que estes redistribuam a informação a sua

7 A personagem Mônica foi criada em 1963, tendo como inspiração a filha de mesmo nome de Maurício de Sousa. Devido a importância da personagem no universo construído pelo autor, trataremos desta personagem, especificamente no Período Turma que data de 1970 – 2008. Período que se inicia com a revista turma da Mônica.

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maneira, fazendo com que cientistas venham verificar o que existe na barriga de

Franjinha, até descobrirem que foi um mal-entendido. Na narrativa Jeremias tem aparição

de acordo com a maioria dos personagens, destaca-se em tal história apenas Cebolinha,

que neste momento (1961), já faz parte do grupo. Entretanto, verificou-se que a história

foi publicada originalmente em 1961, e publicada posteriormente em cores em 1970,

portanto, será apresentado as alterações feitas no personagem Jeremias entre as duas

edições.

Acima apresentam-se as duas versões da mesma história, torna-se interessante

dizer que nesta narrativa, alterou-se praticamente apenas as cores, o que torna curioso

pensar: Se a palheta de cores tinha aumentado, porque Jeremias continuava sendo pintado

de nanquim? A alteração de Jeremias representava o estereótipo conhecido como

Figura 12. Personagem Jeremias na década de 1970. “Quem conta um conto”.

Revista Mônica nº 2. Editora Abril, 1970 p. 23.

Figura 11. Personagem Jeremias na década de 1960. Coleção Histórica

Maurício: As clássicas aventuras das revistas BIDU E ZAZ TRAZ.2015. p. 209

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blackface8, pois, para se estabelecer a origem da representação gráfica que se tornou o

estereótipo do negro nos desenhos humorísticos, é possível traçar uma linha evolutiva que

começa com os primeiros artistas itinerantes que se apresentavam em salões de bailes e

praças públicas: os menestréis (CHINEN, 2013).

A partir de tal perspectiva, compreende-se que as diferentes representações de

Jeremias, indicam uma linha, uma direção do imaginário social, e das questões que

dialogam em torno do negro. Muitas das configurações e ideias sobre os negros eram

sintetizadas pela figura do menestrel, que ajudaram a massificar e reforçar estereótipos

raciais sobre os negros ao satirizar seu modo de vestir, suas maneiras e seu linguajar

incorreto (CHINEN, 2013).

Tal representação, advinda dos menestréis, também figurou nas representações de

Jeremias, como é possível perceber nas narrativas apresentadas, principalmente, nas da

década de 1970, onde o personagem apresenta a boca construída esteticamente de maneira

estereotipada, remontando a vermelhidão nos lábios, presente nas construções estéticas

do blackface. Quais são os problemas dos estereótipos em torno do negro? Nas palavras

de Fanon (2008): "E o Lobo, O Gênio do Mal, o Mal, O Selvagem, são sempre

representados por um Preto..." (Fanon, 2008. p. 130).

8 Blackface é o nome dado para a caracterização de personagens do teatro com estereótipos racistas atribuídos aos negros. Na tradução literal do inglês, blackface significa “rosto negro”, em português. Os blackfaces surgiram no começo do século XIX nos Estados Unidos, como uma das atrações dos Minstrel Shows (shows de menestréis ou jograis), que eram bastante populares naquela época.

Figura 13. Personagem Jeremias na década de 1960.

Coleção Histórica Maurício: As clássicas aventuras

das revistas BIDU E ZAZ TRAZ.2015. p. 209

Figura 14. Personagem Jeremias a década de

1970. “Quem conta um conto”. Revista Mônica

nº 2. Editora Abril, 1970 p. 23.

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Fanon, fala sobre as narrativas ficcionais que geralmente estão nas revistas

ilustradas para jovens, pois ao observar tais revistas, algumas pessoas poderão pretender

que isso não é muito importante, porque não refletiram sobre o papel dessas revistas

ilustradas (FANON, 2008).

Então, esse é nosso papel, tal reflexão apresenta-se como essencial para se

compreender a identidade dialógica do personagem negro, e o exercício apresenta-se

como importante, pois, há uma constelação de dados, uma série de proposições que, lenta

e sutilmente, graças às obras literárias, aos jornais, a educação, aos livros escolares, aos

cartazes, ao cinema, a rádio, penetram no indivíduo - constituindo a visão do mundo da

coletividade a qual pertence (FANON, 2008), nesse sentido, as histórias em quadrinhos

se encaixam nesta coletividade, funcionando como veículo midiático.

No caso de Jeremias não há um linguajar incorreto, nem um modo de vestir que o

difere dos meninos de sua turma, mas há, a questão da invisibilidade que o torna um

personagem menos expressivo, na maioria das vezes com menos diálogos que outros

personagens, e torna-se importante comentar que, conforme o leque de personagens de

Maurício de Sousa foi aumentando, o personagem negro foi tornando-se menos usual, na

verdade, dos personagens que “andavam” com Jeremias, apenas Franjinha e Titi

continuam presentes nas narrativas da Turma da Mônica, além de Cebolinha e Cascão

que chegaram depois, e fazem parte da turma principal, personagens como Manezinho e

Humberto, tornaram-se completamente invisíveis, na verdade, inexistentes nas narrativas

das décadas posteriores.

Nesse sentido, Jeremias apresenta-se com um personagem que resistiu as

alterações propostas pelo artista, e consequentemente, as alterações socioculturais que

culminam no imaginário sobre o negro. Nas palavras de Maurício de Sousa: “Não sou eu

que dirijo a perpetuidade do personagem, é o público, o personagem que aparece, que

deixa de ser coadjuvante e vira principal, é puxado pelo público” (SOUSA, 2016).

Ou seja, o consumidor torna-se o álibi da indústria do divertimento, cujas

instituições ele não pode subtrair (ADORNO, 2015). E para tal, esta narrativa, portanto,

é executada por adultos que justificam seus motivos, estrutura e estilo em virtude do que

pensam que deve ser uma criança (DORFMAN; MATTERLART, 2010).

Portanto, as opções do autor apresentam uma visão de mundo, uma corrente, um

ponto de vista, uma opinião sempre tem uma expressão verbalizada (BAKHTIN, 2011).

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Observaremos agora, a posição do personagem Jeremias nos primeiros livros

infantis com os personagens de Maurício de Sousa.

Novas Perspectivas: O Negro nos Livros Infantis é diferente do Negro nos

Quadrinhos.

Observaremos agora, a posição do personagem Jeremias nos primeiros livros

infantis com os personagens de Maurício de Sousa.

A partir das análises sobre as narrativas em que Jeremias está presente, foi possível

perceber que existe a partir de cada narrativa presente no entrelace de cada quadrinho que

compõe uma história a comunicação da vida cotidiana, de modo particular, ou seja, do

modo como o autor compreende a sociedade, uma espécie de domínio específico, uma

maneira de enxergar o cotidiano por tal criador, tal relação pode ser ressignificada,

revelando assim, outras possibilidades e apresentando novas dinâmicas atreladas a

identidade dialógica, verifica-se assim que as formas discursivas podem situar-se de

maneira particular em diferentes esferas, e é a partir desta perspectiva que observaremos

como se situa a identidade dialógica do personagem Jeremias no livro infantil9 lançado

por Maurício de Sousa.

Os personagens de Maurício de Sousa estavam se tornando populares, então,

surgiu o projeto do livro, neste momento (1965), o autor trabalhava com três jornais:

Folha de São Paulo, Diário de São Paulo e Diário da Noite. A FTD investiu na ideia,

propondo um livro de 64 páginas.

Eu não tinha nada! Nunca tinha feito aquilo. Quando o Moacir trouxe o desafio,

chamei minha equipe de artistas para conversar. Ainda era pouca gente, mas

conseguíamos manter as tiras de páginas semanais dos jornais com muito

esforço e competência. Às vezes, à custa de noites em claro. Mas os livros

eram uma deliciosa tentação. A oportunidade de ver meus personagens

saltarem das histórias em quadrinhos e ganharem o texto colorido, a ilustração

colorida, a capa dura... Então, eu e minha pequena equipe decidimos que

valeria a pena o desafio. Reuni os artistas e disse: “Vamos fazer bastante café

para todos aguentarem. Eu vou escrevendo e desenhando e vocês vão fazendo

a arte-final”. (SOUSA, 2015).

9 Em 1965 Maurício de Sousa publicou três livros pela editora FTD, que foram relançados em 2016 na coletânea “Maurício O Início”.

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Apesar de o autor trabalhar com quadrinhos, adaptou seus personagens para os

livros infantis, isso mostra que existe fluidez, tais personagens não estão presos no

universo dos quadrinhos, podem, como disse o autor: “saltarem das histórias em

quadrinhos”, percebe-se então, que nesta alteração, nas representações apresentadas pelo

autor para os livros infantis, a composição estética do personagem Jeremias foi mais

alterada, compreende-se que torna-se impossível estabelecer o sentido de uma dada

transformação, ou seja, das diferentes representações do personagem, sem considerar toda

a esfera ideológica no qual tais transformações foram produzidas. No entanto, presume-

se que a representação estética que figurava nos quadrinhos tendo como referência a

blackface, não era usual nos livros infantis, considerados meios educacionais legítimos,

já que na década de 1960, os quadrinhos não eram bem vistos, funcionavam apenas como

um tipo de entretenimento barato destinado as crianças.

Naquele tempo, eu tinha os personagens divididos em dois blocos: na Folha,

saíam as tiras do Bidu e Franjinha, do Cebolinha, do Piteco, do Penadinho e

do Raposão. Nos Diários Associados, vinham Hiro e Zé da Roça, do

Astronauta e do Chico Bento. Só não usei os personagens no núcleo principal,

com Cebolinha, Franjinha, Bidu e a Mônica, que começava a ganhar

notoriedade, porque eu tinha planos de fazer livros com eles também.

(SOUSA, 2015).

O autor estrategicamente optou por utilizar seus personagens iniciais, pois, se tal

proposta funcionasse, poderia lançar seus personagens que estavam mais populares.

Em “Chico Bento”, uma das histórias do livro, a narrativa se pauta pelo ambiente

rural, local onde o personagem Chico Bento vive. Na história apresenta-se o núcleo

familiar de Chico Bento, o rancho onde vive, e o fato de que aos sábados ele visita sua

avó, e ouve histórias e contos, histórias do tempo em que os bichos falavam, de reis e

rainhas, dos tempos da escravidão (SOUSA, 2015). Sua avó, ao contar histórias do

folclore brasileiro, de Saci, Mula sem cabeça e lobisomem, fez com que Chico Bento

ficasse impressionado, tanto que, ao ouvir qualquer barulho o personagem ficava

assustado e pensava: “Só pode ser o Saci”, ou “Deve ser a Mula sem cabeça”. Para

completar sua angústia, ao amanhecer, sua avó comenta que os cavalos do sítio acordaram

com o rabo trançado. “Arte do Saci”. Após tal episódio, Jeremias começa a fazer parte da

narrativa, pois, é o amigo que ouve as histórias de Chico Bento.

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Na narrativa, Jeremias é um amigo que mora em um rancho vizinho, nota-se que

pela primeira vez, Jeremias mora em algum lugar, em relação as narrativas observadas

até então, Jeremias apenas aparece nas histórias em Quadrinhos, não sabemos de onde ele

vem, e pra onde ele vai quando acaba as histórias. Nesta história publicada no livro

infantil, Jeremias vive em algum lugar, sua representação estética, se diferencia dos

referenciais utilizados nos quadrinhos, ele não usa boné, não apresenta traços

estereotipados, e é pintado de marrom, e não preto. Isso nos leva a percepção de que a

representação utilizada nos quadrinhos não condizia com a maneira de se representar o

negro nos livros infantis, pois, sua circulação era maior, ou seja, através de um meio

considerado educacional não cabia um “negro da cor de carvão”, em contrapartida, por

apresentar um viés humorístico, o estereótipo era permitido e bastante usado nos

quadrinhos. Na História, Jeremias fica rindo de Chico Bento, aparentando não acreditar

muito nos contos do amigo.

Deve-se observar que da mesma forma que Chico Bento faz parte das relações

dialógicas pautadas na representação do caipira, a popularização de um imaginário

Figura 15. Personagem Jeremias em 1965. História “Chico Bento”. 2015.

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pautado na figura mítica do Saci10, foi utilizado anteriormente por Monteiro Lobato

(1918), em Ziraldo (1959) e em Maurício de Sousa (1965). O autor de Turma da Mônica,

apresentou relações dialógicas com o folclore nacional, relações apresentadas antes por

outros autores, e rearticulou a posição do Saci nas narrativas, na história de Maurício de

Sousa, Saci é o pai de Jeremias.

No fim da História, Jeremias conta o que ouviu de seu amigo para seu pai em tom

repreensivo, e seu pai (o Saci), promete que não voltará mais a assustar ninguém nas

10 Sobre a figura e representação do Saci, deve-se levar em consideração que "O Sacy-Pererê:

Resultado de um Inquérito" é o primeiro livro do escritor Monteiro Lobato, publicado em 1918, a partir

de uma série de depoimentos reunidos pelo autor e publicados no jornal "O Estado de S. Paulo" sob o

título: "Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-Pererê". Este material depois se converteu

no primeiro livro a tratar da crença no Saci, um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro.

Lobato, porém, não assinou a obra como autor, considerando que seu papel havia sido de editor dos textos

enviados. Esse trabalho estendeu-se ao público infanto-juvenil, com a publicação, em 1921, do livro "O

Saci", inscrito no universo do "Sítio do Pica-pau Amarelo”.

Figura 16. Personagem Jeremias em 1965. História “Chico Bento”. 2015.

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redondezas. Nota-se que a figura do Saci apresenta certos estereótipos, sua composição

estética diferencia-se de seu filho Jeremias.

Em suma, observou-se até então, duas periodizações, e neste período temporal

discutido até agora foi possível notar três representações diferentes do personagem

Jeremias, como é possível observar na linha do tempo a seguir:

Personagem Jeremias entre 1960 e 1970

A partir desses estudos iniciais, já foi possível notar como o personagem torna-se

flexível, dependendo de qual plataforma este será posicionado, portanto, o personagem é

fruto de relações dialógicas, este funciona como um signo, propondo diferentes

significados. Jeremias pode ser o menino que sonha em ser piloto de avião, ou o filho do

Saci que mora em um rancho. A investigação sobre o personagem deve continuar,

observando a maneira que este é direcionado, a partir destes resultados, passaremos para

a próxima periodização, notando assim, as diferentes utilizações do personagem em

consonância com as relações dialógicas, e as direções escolhidas pela Indústria Cultural.

Período Turma – (1970 – 2008)

As análises apresentadas até aqui evidenciaram três representações do

personagem Jeremias, tratando este como objeto, e discutindo sobre sua composição

estética. A partir de agora, apresentaremos a ampliação do cenário construído por

Maurício de Sousa, ou seja, as novas articulações e consequentes configurações das

1960 1970 1965

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narrativas, verificando sempre, o papel de Jeremias em cada universo simbólico expresso

nas histórias em quadrinhos, levando em consideração que, as histórias criadas expressam

o contexto histórico que as cercam, são expressões da realidade (MARQUES, 2011).

Nota-se que a década de 1970 apresenta-se como importante para o desenrolar de

seus personagens, pois, nesta década, cria-se a revista Turma da Mônica, então,

constroem-se elementos que giram em torno da protagonista, como uma relação mais

próxima entre personagens, e torna-se evidente a compreensão de um núcleo principal,

coadjuvantes e figurantes, ou seja, compreende-se tais personagens como um elenco,

surge assim um cenário específico chamado “Bairro do Limoeiro”, a partir desta opção

narrativa, os personagens principais ganham família, casa, e até constroem-se bairros

vizinhos, ou seja, o que era uma noção... virou uma explosão criativa... surgiram novos

mundos, personagens, turmas... (SOUSA, 2015). Além disso, o autor associa seus

personagens ao marketing, dialogando entre alimentos e brinquedos, também conquista

um “Yellow Kid”, o Oscar das Histórias em Quadrinhos, em 1971 (IAONNE, 1994). A

partir de sua própria agência, o autor ultrapassa os obstáculos enfrentados pelos

quadrinistas brasileiros e compete com as histórias em quadrinhos estrangeiras. Portanto,

apresenta-se todo um cenário onde a identidade dialógica do personagem surge, e é

reinterpretada, reconfigurada, dialogando entre o imaginário, assim como no simbólico

(HALL, 2014).

Então, percebe-se que a identidade dialógica é construída dentro de um discurso,

e a ampliação e utilização de personagens, apresentam relações dialógicas com discursos

presentes na sociedade. Para se discutir sobre o “Período Turma”, construiu-se uma

divisão em cinco fases: Início do Universo Maurício de Sousa, Produção Audiovisual,

Turma da Mônica Baby, Revistas: Você sabia? E Saiba Mais, e Clássicos do Cinema. Em

cada fase, verificaremos as aparições e ausências do personagem Jeremias, verificando

os discursos e os cenários em que o personagem é apresentado, e dando atenção ao fato

de que, todo meio de representação, ao propor uma narrativa, funciona como a tradução

de eventos (HALL, 2014). Eventos estes, que se relacionam dialogicamente com a

sociedade.

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Fase1: Início do Universo Maurício de Sousa

Criei o Bidu, Franjinha, Cebolinha, Cascão, Manezinho, Jeremias e assim por

diante, e daí alguém da redação falou: Cadê as mulheres da sua história?

(Depoimento de Maurício de Sousa a série “HQ Edição Especial”, no canal

HBO em julho de 2016).

A partir da década de 1960, é possível compreender que partes do

repertório cultural produzido por Maurício de Sousa foram compondo o que

compreendemos seu universo ficcional, entretanto, pontua-se aqui, especificamente nessa

periodização, como início do universo, pois, a partir da década de 1970, e

consequentemente da revista Turma da Mônica, o autor organiza todo o seu leque de

personagem, e o projeta em um só cenário, ou seja, suas narrativas passam a girar em

torno da Mônica, e seus personagens anteriores, passam a funcionar nas narrativas em

que ela ou sua turma estão presentes.

A partir da perspectiva de demanda, ou seja, o fato de não haver nenhuma

personagem feminina, Maurício construiu a Mônica como mais um personagem, nas

palavras do autor: “Eu não planejei a Mônica para ser tudo isso, ela entrou, e o público é

que alçou, que elegeu a Mônica como carro chefe” (SOUSA, 2016).

Ao iniciar a construção de sua nova personagem, o autor observou os traços de

sua filha, e com o tom de sua personalidade, projetou tais características na nova

personagem, então, em 1963 época em que sua filha tinha mais ou menos três anos, a

personagem Mônica passou a fazer parte das tirinhas de jornais juntamente com seus

Figura 17. Primeira aparição da Mônica no Universo Maurício de Sousa, publicada

em 3 de março de 1963 no Jornal Folha de São Paulo.

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outros personagens. Na década de 1960, as cartas funcionavam como termômetro ou seja,

a partir delas o autor sabia os personagens que faziam mais sucesso. Entre as opiniões e

sugestões, Maurício percebeu que o público desejava ver mais a aparição da nova

personagem.

O sucesso da personagem fez com que em 1970 ela tivesse sua própria revista em

quadrinhos, onde os outros personagens foram sendo posicionados de acordo com

narrativas em torno da Mônica.

Durante muitos anos a tira em quadrinhos onde sai a Mônica, saiu com título

de Cebolinha. Não existe na história nossa, uma tira chamada Mônica, existe

história em quadrinhos, existe revista, mas na tira, talvez o meu lado, Cebolau,

tenha mantido lá o Cebolinha pelo menos dono do título da Tira. (Depoimento

de Maurício de Sousa a série “HQ Edição Especial”, no canal HBO em julho

de 2016).

Em pouco tempo a personagem tornou-se o elemento mais importante de suas

criações, fazendo com que o autor reorganizasse a direção de seus personagens e seus

roteiros, nas palavras de Sidney Gusman:

A Mônica é a primeira dama do quadrinho brasileiro, qual o maior personagem

da França? Asterix. Da Bélgica? Tim Tim. Do Japão? Sei lá, Dragon Ball ou

um personagem do Tezuca. Estados Unidos? Super-Homem, Homen Aranha,

Batman. Qual desses países tem uma mulher como a maior personagem de seu

país? Ah! Talvez a Mafalda na Argentina, mas também tem o Internauta que é

pau a pau. Agora o único lugar que é unanime é no Brasil, o único lugar do

planeta que a principal personagem de quadrinhos do seu mercado é uma

mulher é o Brasil. Uma doce garotas de sete aninhos que com seu coelinho fez

o mercado acontecer no nosso País. Ela é um ícone da cultura pop brasileira, é

incrível, eu viajo muito com o Maurício, o tanto de gente que se chama Mônica

por causa dele, é assustador... (Depoimento de Sidney Gusman a série “HQ

Edição Especial”, no canal HBO em julho de 2016).

Tendo como referência o sucesso de sua primeira personagem feminina, ainda em

1963, o autor criou a Magali, sua segunda personagem feminina, também inspirada em

uma filha, e assim o autor construiu a “Turma”, entre 1960 e 1963, Maurício criou

Cebolinha, Cascão, Mônica e Cebolinha, que acabou se tornando sua turma principal nas

narrativas produzidas por ele.

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Percebe-se então que ao estudar um personagem presente em qualquer tipo de

mídia, não se deve perder de vista a atividade de interpretação socioideológica, não

dissociando o personagem de possíveis fatores sociais, não perdendo de vista a

significação, e levando em conta o caráter social do signo (personagem) e entendendo

que este não é independente, pois, ao ignorar tais fatores, não será possível compreender

a realidade social no qual este foi constituído, ignorar tais fatores, nos leva a uma

interpretação errônea dos mecanismos de produção onde este se insere.

Portanto, ao inserir suas filhas nas Histórias em Quadrinhos o autor dialoga com

as questões culturais que presencia, a partir de tais dados, deve-se então, levar em

consideração a observação sobre as articulações e situações sociais, evidenciando o valor

cultural, reflexo de uma ideologia presente em cada contexto especificamente. Nas

palavras de Bakhtin (2014): “O signo e a situação social em que se insere estão

indissoluvelmente ligados. O Signo não pode ser separado da situação social sem ver

alterada sua natureza semiótica”. (idem, 2014. p. 63).

Tendo como referência as novas articulações construídas a partir da presença da

Mônica, verificaremos agora histórias em quadrinhos em que o personagem Jeremias está

presente.

Um personagem, diferentes representações

E na Turma da Mônica não existe negro? Não tem? Tem sim. É o Jeremias

(personagem criado em 1960, que durante... por muito tempo foi o único

menino negro da turma. Usa sempre um boné que foi de seu avô, para esconder

a falta de cabelo, embora todos saibam disso...). Não faço diferença de cor de

personagem, porque todos eles funcionam da mesma maneira nas historinhas

(Entrevista de Maurício de Sousa ao programa Roda Viva, exibido em 9 de

outubro de 1989.

A partir das perspectivas discutidas até então, percebe-se que as relações

socioculturais se apresentam como panorama para as articulações impressas nas histórias

em quadrinhos, partindo desse ponto, percebe-se que entre as décadas de 1980 e 1990,

entra em pauta toda uma discussão sobre as ações afirmativas, ocorre no Brasil uma

intensificação nas ações do Movimento Negro, que se voltam cada vez mais, em defesa

de seus interesses, ou seja, a partir dessas ações, questiona-se os direitos dos negros no

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país, reivindica-se sua história, e ancestralidade, questiona-se também, a maneira que o

negro é representado na mídia.

Alguns pontos desta histórica reivindicação dos movimentos sociais negros

foram atendidos pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 1990,

como, por exemplo, a revisão de livros didáticos ou mesmo a eliminação de

vários livros didáticos em que os negros apareciam de forma estereotipada, ou

seja, eram representados como subservientes, racialmente inferiores, entre

outras características negativas. (Santos, 2005. p. 25)

Tendo perspectivas em torno do âmbito cultural e social, ideias transformadoras

se expandem, rompendo barreiras e concedendo maior visibilidade ao negro no Brasil.

Observa-se então que, o Movimento Negro engloba um conjunto das organizações negras

do tipo sociedade recreativa, associações comunitária ou cultural, instituto de pesquisas,

grupo e organizações não governamentais – além de personalidades e indivíduos

engajados em ações políticas, culturais, sociais, religiosas, recreativas e desportivas – que

lutam para promover a igualdade racial. Seu objetivo é combater o racismo manifesto nas

relações sociais brasileiras marcadas pelo preconceito, a discriminação e o racismo,

defender os direitos da população negra e empoderar sua presença nas instancias jurídico-

politicas (SANTOS, 2010).

Portanto, a partir deste cenário que era vivenciado no país, surge a primeira

história em que o personagem Jeremias é protagonista, uma narrativa construída apenas

sobre o personagem negro, explicando o processo de escravidão, e de certa forma a

herança cultural que veio da África.

Figura 18. Jeremim em O Príncipe que veio da África. Revista

Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 66

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Em Jeremim, O Príncipe que veio da África, história criada em 1987, Jeremias é

da família real, um príncipe, esbelto e corajoso, conhecedor das selvas africanas, cobiçado

pelas meninas de sua idade, e que curte bastante a liberdade. Dentro da narrativa, nota-se

que as características apresentadas inicialmente, que direcionam o leitor, são apresentadas

pelo narrador, e curiosamente, a primeira fala do personagem é: “Oh, não! Caçadores de

Escravos!”

O principado do personagem dura apenas uma página, a história de sete páginas,

se concentra em mostrar como os negros foram escravizados, como trabalhavam de

maneira forçada, seus momentos de fuga, e por fim foram agraciados com a liberdade.

A narrativa deixa claro que os negros foram vendidos como bichos, e

transportados em navios pra longe da África. A presença do dono do escravo, manuseando

sua propriedade, ou seja, utilizando o chicote, e alimentando mal seu escravo para que

este não dê prejuízo.

Figura 19. Jeremim em O Príncipe que veio da África.

Revista Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 67

Figura 20. Jeremim em O Príncipe que veio da África. Revista Turma da

Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 67

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Além do fato de posicionar a maneira como os negros sofriam no período

escravista.

A narrativa pauta-se também, pelos momentos de resistência dos escravos, onde

Jeremim, é o protagonista, e livra seus amigos do cativeiro, escondendo-se na floresta.

Figura 21. Jeremim em O Príncipe que veio da África. Revista Turma

da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 68.

Figura 22. Jeremim em O Príncipe que veio da África. Revista Turma

da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 69.

Figura 22. Jeremim em O Príncipe que veio da África.

Revista Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 70.

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Por fim, a liberdade foi concebida aos negros, como se estes não tivessem

importância neste processo.

O Narrador propõe que um dia alguém resolveu dar um basta naquela situação, e

que esse foi o primeiro passo para que todos se tornassem iguais, independentemente de

cor de pele ou lugar de nascimento. Ao chegar no final, percebemos que o Avô de

Jeremias que lhe contava essa história.

Uma História ancestral, de seu Tataravô. Jeremias sente orgulho por saber do que

aconteceu com seu antepassado. Entretanto, o protagonista, aparentemente não

compreendeu de maneira adequada o contexto da história que seu avô lhe contou e o

contexto em que vivia naquele momento. Após ouvir a história, Jeremias vai jogar bola

com seus amigos, e apresenta muita habilidade e talento, enquanto demonstra suas

Figura 22. Jeremim em O Príncipe que veio da África.

Revista Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 72.

Figura 22. Jeremim em O Príncipe que veio da África.

Revista Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 73.

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proezas, o jogador é observado por um agente de futebol, que fica impressionado e

vislumbra planos para o novo talento.

Quando o agente elogia Jeremias, e menciona “quero comprar você!

Quanto custa?” Jeremias interpreta a afirmação e relaciona com o contexto de escravidão,

o quadro seguinte apresenta o olheiro tonto no chão, como se tivesse tomado uma bolada

de Jeremias. Então, o personagem não conseguiu diferenciar o contexto escravocrata de

sua realidade social, fazendo com que seu colega Cascão também apresentasse um olhar

de espanto.

Vale ressaltar que apesar de o personagem ganhar uma história, toda a

condução do personagem é feita pelo narrador, Jeremias se passando por “Jeremim” tem

poucas falas, então, o narrador nos revela todas as relações presentes na narrativa, ou seja,

mesmo em sua própria história o personagem não tem voz. Nota-se também, que existem

diferenças estéticas entre o príncipe Jeremim, e Jeremias, na narrativa que trata do

príncipe, este é apresentado com lábios, já no momento em que Jeremias aparece, é

desenhado com círculo rosado na boca. Outra questão importante, é que os traços de

Jeremias se modificaram, sua cor tornou-se marrom, esta é uma das expressões estéticas

Figura 23. Jeremim em O Príncipe que veio da África.

Revista Turma da Mônica nº 5.Editora Globo, 1987. p. 73.

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do personagem na década de 1980, onde sua representação11 oscilou entre diferentes tons,

como é possível perceber na história “Os Novos Donos da Rua”, publicada no primeiro

almanaque da Mônica da editora Abril, em 1987.

Jeremias aparece ainda no formato “blackface”, torna-se interessante perceber que

no mesmo ano, a estética do personagem foi modificada, apresentando seu caráter não

fixo, pontua-se então que, não seria apropriado apresentar o personagem repleto de

estereótipos para contar um pedaço da história dos negros, ou seja, para se contar sobre a

herança africana, e consequentemente o processo de escravidão e a liberdade, o

personagem sofreu alterações estéticas, pois foi representado de maneira a propor novas

significações.

Na história “Os Novos Donos da Rua”, Mônica desiste do título e resolve nomear

Cebolinha e Cascão como seus sucessores, com tal título os personagens começam a

brigar, querendo a conquista sem nenhum tipo de divisão, até que Mônica volta atrás e

toma o título de volta.

Jeremias aparece de maneira muito pontual, para parabenizar os amigos pela

conquista, e visualiza toda a briga.

11 Sobre as representações de Jeremias da década de 1980, a figura 24 corresponde a uma representação utilizada inicialmente entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, alguns arquivos da internet pontuaram essa utilização do personagem, entretanto, não foi encontrada histórias em quadrinhos com o personagem representado desta cor na data sugerida, portanto, em 1987 provavelmente a história “Os Novos Donos da Rua foi republicada, fazendo com que o personagem apresenta-se a tonalidade anterior, já que em 1987, Jeremias já era pintado de marrom, entretanto, existe a possibilidade de o personagem ter sido pintado de maneira errada, ou diferente, levando em consideração o fato de que as histórias de Maurício de Sousa funcionavam em diferentes plataformas.

Figura 24. Jeremias na história “Os Novos Donos da Rua”,

Almanaque da Mônica, Abril. 1987. p. 51

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Torna-se interessante pontuar que as alterações de cor do personagem Jeremias

não foram feitas por mero acaso, e sim com relações dialógicas, de acordo com as

alterações socioculturais em torno da figura do negro, portanto, a partir de tal perspectiva,

é possível compreender que mesmo no ano de 1987, o personagem figurou de maneiras

diferentes nas histórias em quadrinhos.

É possível perceber também o personagem representado de outra forma na mesma

década:

Em “Fumando”, história que tem como protagonista o Cebolinha, Jeremias

aparece como coadjuvante, fazendo parte de toda a narrativa. O Personagem vê Cebolinha

saindo da loja com um maço de cigarro e acredita ser de verdade, como bom amigo,

Figura 25. Jeremias na história “Os Novos Donos da Rua”,

Almanaque da Mônica, Abril. 1987. p. 52

Figura 26. Representação de Jeremias na década de 1980.

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aconselha Cebolinha a não utilizar os cigarros, até descobrir que são cigarros de

chocolate.

Não é Incomum dentro das narrativas que Jeremias está presente, o personagem

entender os acontecimentos de forma equivocada, como é possível notar na continuação

da história logo abaixo.

Figura 27. Representações de Jeremias na década de 1980 na história

“Fumando”, publicada em Cebolinha 121, Ed Abril. 1983, p. 36

Figura 28. Representações de Jeremias na década de 1980 na história

“Fumando”, publicada em Cebolinha 121, Ed Abril. 1983, p. 39

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Apresentam-se então, diferentes nuances, Jeremias dialoga com diferentes

momentos culturais do País, sendo representado entre o nanquim e o marrom, tornando-

se fruto das relações dialógicas. O personagem funciona como um signo, propondo inter-

relações com o contexto no qual foi concebido.

Na história “A raça do Floquinho”, publicada na década de 1990, Jeremias aparece

em apenas um quadro, demonstrando que não compreende o que Cebolinha diz, como é

possível observar abaixo:

Figura 29. Jeremias. Revista Cebolinha nº 107. Globo, 1995.

Observa-se que em algumas narrativas Jeremias aparece como um personagem

que não compreendesse a narrativa em que está presente, um desconhecedor do discurso.

Então, o personagem situa-se entre a ausência de falas e a falta de compreensão do que

está acontecendo. Apesar de sua alteração estética, sua posição discursiva não sofreu

grandes alterações, na verdade, é possível perceber que na década de 1960, quando o

leque de personagens de Maurício de Sousa era menor, o personagem era posicionado de

maneira mais presencial, ou seja, como parte da turma, tinha trechos específicos em que

eram apresentados suas opiniões, seus sonhos, o personagem era parte do discurso, e

compreendia a narrativa que funcionava ao seu redor. No entanto, com a chegada de

novos personagens, seu posicionamento tornou-se limitado, figurando entre personagem

secundário e terciário.

Em “O Chapéu do Contrário” publicada em 2005, é possível ver o personagem

reivindicando a utilização do chapéu pelos outros personagens, já que é um item que

Jeremias usa desde sua primeira aparição. Nas palavras do personagem: “Ué! Agora, todo

mundo deu pra imitar?” É possível compreender uma atitude tomada pelo personagem,

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103

ou seja, o personagem posiciona o seu lugar de único usuário de boné da Turma, e

apresenta um discurso no momento em que ninguém fala.

Nota-se que na década de 1980, a composição estética de Jeremias se alterou em

vários momentos, e no final desta década o personagem assumiu a representação que

figura até os dias de hoje na Turma da Mônica Clássica, portanto, a partir desta década é

possível traçar o seguinte panorama:

Personagem Jeremias na Década de 1980

Figura 30. Jeremias em “O Chapéu do Contrário” Publicada no

almanaque do Cebolinha nº 89, ed. Globo, 2005. p. 33

1980 1982 1987 1989

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Tendo como referência as histórias em quadrinhos analisadas foi possível observar

as alterações feitas no personagem, e seus dialogismos. Ao propor a linha do tempo como

exercício analítico, é possível compreender que o personagem passou por quatro estágios

na década de 1980, e ao comparar com a linha do tempo apresentada no período chamado

“Pré-Turma”, nota-se que entre 1960 e 1989 Jeremias12 é representado de sete maneiras

distintas, ou seja, o personagem não funciona de maneira fixa, este funciona como signo,

discurso e dialoga com a sociedade em que está inserido.

Um Protagonista Negro: Surge o Pelezinho

“De início, Pelé relutou muito em aceitar a ideia, ver sua imagem ligada

a um personagem com feições estritamente infantis...” Entrevista de Maurício

de Sousa ao jornal Folha de São Paulo, 1976).

Na década de 1970, Maurício de Sousa articulava seus personagens de acordo com

as possibilidades mercadológicas, e o autor foi percebendo que os personagens

funcionavam, dialogando com marketing, diferentes mídias, ou seja, o autor foi repetindo

uma lógica que conseguiu administrar, e que ainda é utilizada nos dias atuais. Maurício

compreendeu a forma que os Syndicates funcionavam nos Estados Unidos, e reproduziu

as articulações com a Indústria Cultural. A partir de tal percepção, o autor propôs um

diálogo com a cultura futebolística, criando a partir de um grande atleta, sua representação

nos quadrinhos.

Sobre a minha impressão do Pelezinho, no início quando o Maurício veio com

a ideia, eu não tinha nenhuma experiência também, era tudo novo, a única coisa

que eu não gostei e que hoje é a marca real do Pelezinho, a única coisa que eu

não gostei foi o cabelo, o topete... Falei mas Maurício... Não dá pra arrumar...

(Depoimento do jogador Pelé no relançamento do personagem Pelezinho para

Copa do Mundo de 2014).

12 Em algumas histórias em quadrinhos produzidas na década de 1990 Jeremias fazia parte da “Turma do Bermudão”, com Manezinho, Titi e Franjinha. A tal turma aparecia em poucas narrativas, e o “bermudão” servia para identificar o fato de estes personagens serem mais velhos que Mônica, Cebolinha e os outros personagens criados posteriormente.

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O personagem foi criado em 1976, e foi publicado inicialmente nas tiras de Jornal

do Folha de São Paulo, Maurício de Sousa acreditava que as narrativas deveriam ser

baseadas nas histórias que Pelé viveu quando era pequeno. Entretanto, o jogador

acreditava que seria melhor uma versão adulta em quadrinhos. Segundo Maurício, a

continuidade da marca do rei do futebol estaria garantida se os quadrinhos fossem

destinados ao público infantil.

Pelezinho tinha uma turma, os personagens coadjuvantes eram todos baseados em

sua infância, Maurício de Sousa e Pelé mantinham diálogos, e a partir daí, as tirinhas eram

criadas. Em 1977, devido ao sucesso da tirinha, Pelezinho ganhou uma revista publicada

pela editora Abril.

“Frangão; Teófilo; Cana Brava; Bonga; Rex, o cavador e Samira serão os

primeiros da “turminha do Pelé” a entrarem em ação. Para isso foram feitas

algumas subtrações dos personagens inicialmente indicados por Pelé”.

(Divulgação dos personagens no Jornal Folha de São Paulo, 5 de Outubro de

1976)

Em relação a composição e características dos personagens coadjuvantes da

“turminha do Pelezinho”, torna-se interessante destacar dois deles, e a maneira como eles

foram descritos.

A descrição apresentada no jornal Folha de São Paulo mostrava “Teófilo” como

um goleiro “criolão”, que jogava no São Paulinho de Curuçá. Por ser forte andava sempre

de camiseta bem apertada para mostrar o físico. E “Bonga”, apelido de uma crioulinha

com seios grandes, que brigava muito quando a chamávamos assim.

Figura 31. Divulgação do personagem Pelezinho no Jornal Folha de São Paulo, 5 de Outubro de 1976.

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As características dos personagens foram apresentadas por Pelé, indicando como

eram seus amigos de infância, então, tal descrição foi feita pelo jogador, ou pelo autor

das representações? A questão aqui, é compreender como era o pensamento social no

momento em que as tirinhas foram criadas, percebe-se que os personagens dialogam com

o futebol, como tirinhas construída especificamente para mercados específicos, com fins

lucrativos.

A construção de narrativas sobe Pelé deve-se ao fato de o jogador ser muito

habilidoso e ter se tornado um fenômeno nacional e internacional, nas palavras do

jornalista esportivo Luís Mendes13:

O Pelé foi maior jogador do mundo por causa do comportamento pessoal que

agradava a todos. Sempre foi muito cordial, era um homem completo, sempre

muito profissional. Vou usar a frase do Johan Cruyff: 'Para surgir alguém

13 Luís Mendes começou a trabalhar na rádio globo em 1950, foi um dos criadores do debate esportivo chamado de “mesa redonda” na televisão brasileira, ficou conhecido como o comentarista da palavra difícil.

Figura 33. Personagens Teófilo e Bonga

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como Pelé, só de cem em cem anos'. Depois ele se corrigiu, ainda bem.

'Talvez nunca mais'. Foi uma coisa fora do normal (Entrevista de Lupis

Mendes ao jornalista Lucas Moretti, em 2010).

Quando o personagem transformou-se em personagem de quadrinhos, Pelé

(Edson Arantes do Nascimento) já tinha participado de três copas do mundo

( 1958, 1962 e 1970), e o jogador já tinha feito mil gols (o milésimo ocorreu em 1969),

fato inédito na história do futebol, ou seja, colocá-lo nas histórias em quadrinhos era uma

fórmula lucrativa, pois, o jogador, já era conhecido em diferentes mídias, faltava apenas

as histórias em quadrinhos. Nesse sentido, percebe-se a proposta e articulação de

Maurício de Sousa, que ao compreender a lógica existente no mercado, posicionava suas

ideias em direções lucrativas, construindo assim um novo personagem negro que tornou-

se mais famoso que Jeremias.

Apesar do sucesso das histórias em quadrinhos, as publicações feitas pela editora

duraram até 1982, e alguns almanaques ainda continuaram sendo publicados até 1986.

Em 1988, Maurício de Sousa trabalhava coma editora Globo, então, Pelezinho foi

republicado em uma coleção de histórias antigas. O personagem ainda teve algumas

aparições posteriores, chegando a ser relançado em 2014, como possível mascote da Copa

do Mundo no Brasil, pois, segundo Maurício de Sousa “Pelé continua representando o

Brasil no mundo todo, mesmo não entrando em campo” (Sousa, 2009), e o autor teve o

apoio do Rei do Futebol: ‘Hoje tudo que se respira é futebol. Temos a Copa do Mundo, a

Figura 34. Primeira capa da revista Pelezinho, 1977.

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Copa das Confederações, etc… O Pelezinho serve como mascote da Copa no Brasil de

maneira informal” (Pelé, 2002).

Em suma, foi possível perceber que no decorrer dos anos, a Maurício de Sousa

Produções tornou-se uma potência, entre tirinhas, histórias em quadrinhos, livros infantis,

e representações de ícones da cultura pop, os personagens de Maurício de Sousa deixaram

as narrativas gráficas, e funcionaram como signos, propondo diferentes diálogos com a

Indústria cultural. Nota-se que nesse fluxo, Jeremias não tornou-se um personagem fixo,

mesmo com aparições pouco expressivas, o personagem foi sendo alterado de acordo com

as demandas apresentadas pela sociedade. Em relação as alterações estéticas, o autor

comenta: “Quanto às mudanças, todo mundo muda um pouco hoje em dia, todo mundo

quer dar uma mudadinha de visual, eu, enquanto desenhista, tenho essa vontade também”

(SOUSA, 2007). Entretanto, percebe-se que os desenhos de Maurício são direcionados

pelo auditório social em que o autor está vivenciando, logo, é preciso focar uma área do

público e ir em direção a essa faixa (SOUSA, 2014), percebe-se então que suas opções

são dialógicas.

Dentro desta perspectiva, observaremos agora, a identidade dialógica do

personagem, dialogando com outra mídia que Maurício de Sousa passou a utilizar.

Analisaremos a produção audiovisual construída pelo autor, ou seja, o universo

cinematográfico que se inicia na década de 1980, percebendo em que narrativas Jeremias

está presente, e de que forma o personagem é posicionado.

Fase 2: Produção Audiovisual

Os estudos sobre o personagem Jeremias nos levam a compreensão de que

o personagem inicialmente é construído de uma certa forma, entretanto, este pode ser

utilizado de acordo com os interesses de seu criador, os dialogismos em torno do

personagem fazem com que este seja posicionado em diferentes mídias, ou seja, pode

estar atrelado a outras significações em momentos específicos distintos, portanto, a

situação social determina que modelo, que metáfora, que forma o personagem poderá

assumir, representar. Nas palavras de Bakhtin (2014):

Os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte e da

religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez

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sobre esta, em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a

essa ideologia. (BAKHTIN, 2014. p. 123).

Dentro desta perspectiva, observou-se que a inserção dos personagens na mídia

televisiva e cinematográfica inicia-se na década de 1960, com comerciais, onde seus

personagens tornavam-se garotos propagandas, ou dialogavam com algum ator. As

Histórias completas, no formato curta metragem, começaram a ser produzidas em 1976,

e distribuída através de filmes coletâneas durante os anos 1980 e 1990, lançadas no

cinema inicialmente, e depois em vídeo. O repertório audiovisual cinematográfico da

Maurício de Sousa Produções possui até o ano de 2015 vinte e três títulos.

Após ser introduzida na televisão como garotos-propaganda em comerciais a

partir de meados dos anos 1960, histórias completas começaram a ser produzidas em 1976

e distribuídas através de filmes-coletâneas durante os anos 1980 e 1990 (lançados

inicialmente nos cinemas e depois diretamente em vídeo)

A coleção audiovisual possui até o ano de 2015 vinte e três títulos, entre eles,

Jeremias aparece em apenas dois.

O filme A fonte da Juventude e outras histórias (1986), vem com oito episódios,

onde apresentam-se os personagens de Maurício de Sousa distribuídos nas narrativas.

O Episódio “A fonte da Juventude”, apresenta alguns dos primeiros personagens

de Maurício de Sousa, estão presentes, Franjinha (e o cãozinho Bidu), Titi, Jeremias e

Cebolinha. A narrativa se passa em uma ida dos amigos a uma floresta, onde estes

desejam acampar.

Figura 35. Jeremias em “A Fonte da Juventude”, 1986

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Cebolinha deixa os amigos para procurar água e encher o cantil, sem saber,

Cebolinha enche o cantil e dá para seus amigos, eles fazem um café com aquela água e

bebem. Todos transformam-se em bebês, menos Cebolinha, pois esse não queria beber

café, e sim refresco.

Após perceber que os amigos tornaram-se crianças, Cebolinha é instruído por um

senhor que conhecia a floresta a leva-los na “fonte da velhice”, e assim, após algumas

horas, seus amigos voltariam ao normal.

Observa-se que em toda narrativa Jeremias é o único que não fala, limita-se a

chorar quando se torna criança. O personagem é construído com base nas referências da

década de 1980, ou seja, lhe são atribuídos os estereótipos que eram considerados úteis

para representar o negro naquele momento. Sua posição na narrativa difere-se dos

momentos anteriores em que existiam apenas esses personagens, no filme o personagem

aparece em diferentes cenas, entretanto, passa como invisível, sem apresentar nenhum

discurso, utilizado como figuração.

Em Se Liga na Turma da Mônica - Volume 1 (2011), Jeremias aparece no episódio

“A Aposta”, em que Cebolinha e Mônica fazem uma aposta, onde o prêmio seria um

sorvete.

Figura 36. Jeremias Bebê em “A Fonte da Juventude”, 1986

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Nesta narrativa, Jeremias estava jogando bafo (cartas) com Cascão, quando

Cebolinha passa correndo e atrapalha a brincadeira das crianças. Jeremias indignado diz:

O que foi isso? Cascão responde: Foi o Cebolinha, então Jeremias comenta: Ah! Aquela

aposta ridícula. O personagem está caracterizado com a composição estética construída

no final dos anos 1980, e que passou a ser utilizada na maioria das histórias posteriores.

Entre um filme e outro é possível notar diferenças estéticas, e o fato de que em um o

personagem funciona como figurante, e no outro como coadjuvante, chegando a ficar

indignado pelo fato de Cebolinha atrapalhar o jogo.

O personagem apresenta personalidade, questionando o fato de alguém ter

atrapalhado a brincadeira dele, tal postura, não é comum nas aparições de Jeremias, que

se apresenta como passivo em muitas das narrativas onde está presente. Outro aspecto

interessante é o fato de que o personagem funciona além do grupo onde quase sempre é

apresentado, ou seja, nesta história, Jeremias é apresentado isoladamente com Cascão, os

Figura 37. Jeremias em “A Aposta”, 2011.

Figura 38. Jeremias em “A Aposta”, 2011.

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dois brincam independentemente das coisas que estão acontecendo. Isso mostra a fluidez

do personagem.

Nota-se que mesmo em diferentes plataformas, a identidade dialógica do

personagem se mantém de forma fluida, entre protagonismos e invisibilidades, entretanto,

é possível perceber também, que independente das nuances do personagem, este

permanece nas narrativas, sendo posicionado conforme os interesses de produção, ou seja,

ter um personagem negro tornou-se relevante. Entretanto, percebe-se também, que em

algumas plataformas específicas são escolhidos determinados personagens, não

utilizando perspectivas ligadas a diversidade, mas sim a obtenção de lucros, como é

possível perceber no próximo tópico que trabalharemos.

Fase 3: Turma da Mônica Baby (1990)

As análises propostas até então, pautaram-se sobre o dialogismo, verificando os

pontos em que ocorrem relações dialógicas entre a produção de personagens e o ambiente

sociocultural, partindo desta perspectiva, construiu-se na década de 1990 uma versão

bebê para a turma da Mônica, a “Turma da Mônica Baby”, que foi direcionada como

proposta de marketing para pacotes de fraldas descartáveis, babadores, brinquedos, ou

seja, foi criada especificamente para o universo infantil da primeira infância, de 0 a 3

anos.

A Turma é composta pelo elenco principal de Maurício de Sousa (Mônica,

Cebolinha, Cascão e Magali), com os mascotes Bidu e Mingau, e também com o

Figura 39. Turma da Mônica Baby

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personagem Anjinho. Alguns comerciais foram vinculados na década de 1990, onde

apareciam os personagens juntamente com crianças pequenas.

Ainda hoje são lançados produtos específicos direcionados produzidos com a

temática da turma baby. Mesmo com a linha de mercado lucrativa, não há uma

preocupação da empresa em propor diversidade entre os personagens, nesse nicho

específico Jeremias não está presente. Ou seja, não há nenhum bebê negro. Recentemente

saíram alguns livros temáticos para crianças, com histórias ligadas a rotina dos bebês.

Fase 4: Você sabia? (2003) E Saiba Mais (2007)

As Histórias em Quadrinhos publicadas em: Você sabia? (2003) e Saiba Mais

(2007), dialogam com questões educacionais, discutem assuntos ligados às áreas de

ciências, história, saúde, comunicações, folclore, datas específicas e biografias de

personalidades da história brasileira. Dentro deste repertório foram escolhidas as revistas

Você Sabia? Turma da Mônica - Abolição da Escravatura (2007) e Saiba Mais sobre o

Descobrimento do Brasil (2008)

Figura 40. Turma da Mônica

Baby em Hora do Banho, 2008.

Figura 41. Turma da Mônica

Baby em Hora da Papinha, 2013.

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A Abolição da Escravatura em Quadrinhos

Na opção narrativa proposta pela Maurício de Sousa Produções, a história se inicia

com a indignação de José do Patrocínio, que nessa história é tio da Mônica. O

abolicionista não aguenta mais o processo de escravidão no Brasil, e conta para a sobrinha

como se iniciou tal processo no Brasil.

Na história aparecem personalidade como Castro Alves, Rui Barbosa e Princesa

Isabel, entretanto, Jeremias não faz parte da narrativa, apesar de aparecerem personagens

negros e até indígenas. Jeremias apresenta-se apenas na seção “passatempo”.

Curiosamente o personagem aparece sete vezes, não tendo diálogo, ou seja, mesmo na

história que fala-se sobre o negro e o processo de escravidão, o personagem não foi

utilizado dentro da narrativa, provavelmente por já ter feito parte de história semelhante

em Jeremim, o príncipe que veio da África (1987). Entre as sete representações

apresentadas em “Passatempo”, em apenas uma delas Jeremias é escravo, em cinco ele é

um homem livre, e em uma delas Jeremias apresenta-se como um navegante.

Figura 41. Turma da Mônica em Abolição da Escravatura.

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Outro aspecto interessante da narrativa, é que a princesa Isabel, só assina a Lei

Áurea porque a Mônica fez um pedido a ela.

Através das leituras e análises dessa história em quadrinhos, percebeu-se que

mesmo se a temática tratar de uma parte da história em que os negros viveram, isso não

significa que Jeremias será utilizado dentro das narrativas, mesmo sendo o único

personagem negro da Turma da Mônica (Pelezinho não faz parte da Turma, esse

personagem tem revista própria), então, percebe-se que a utilização do personagem está

atrelada a lógica mercadológica de produção, este pode ser utilizado ou não, dependendo

do contexto, como por exemplo, o fato de Jeremias aparecer como um navegante, um

leitor de mapas, representação inédita até este momento.

O Descobrimento do Brasil em quadrinhos

Em saiba mais sobre o descobrimento do Brasil (2008), o personagem Jeremias

aparece na capa da revista como um dos navegantes.

Figura 42. Jeremias como Navegante, Aproveitando a liberdade

após a libertação dos Escravos, e como escravo. 2007.

Figura 43. Mônica e a Princesa Isabel. 2007

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A revista propõe diálogo com a publicação do ano anterior (Você sabia –

Escravidão do Brasil). Onde o personagem apareceu pela primeira vez como navegante.

Apesar do cargo de ajudante do capitão, Jeremias não apresenta nenhum diálogo

nesta narrativa, é apenas uma representação figurativa.

Figura 44. Capa da Revista Saiba Mais sobre Descobrimento do Brasil

Figura 45. Jeremias o navegante, 2008.

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Um fato curioso sobre a aparição do personagem nesta narrativa, é que quando o

Navio chega as terras brasílicas, uma pequena equipe sai para averiguar o local que

“descobriram”, tendo Cebolinha como capitão, e representando Pedro Alvares Cabral na

narrativa quadrinizada. Neste momento específico Jeremias fica no navio, e não tem

contato com os habitantes do país, não participa dos contatos culturais, e não aparece mais

na história. O personagem volta a aparecer na seção passatempo.

Jeremias como Aires Gomes da Silva, aparece como “os 13 mais mais da marinha

portuguesa”, importantes por comandarem uma grande exposição, com 10 naus e 3

caravelas escolhidos por Dom Manuel, como um dos 13 comandantes. Apesar de tal

prestígio e titulação, o personagem mais uma vez é invisibilizado dentro da narrativa.

Ainda na mesma revista, Jeremias aparece como parte importante da diversidade.

Figura 46. Jeremias é Aires Gomes da Silva, 2008.

Figura 47. Jeremias é parte da diversidade do país, 2008.

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É exatamente pelas questões apresentadas até aqui que as HQ’s não podem ser

compreendidas independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que elas se

ligam, e o personagem, imerso nessas narrativas deve ser compreendido da mesma forma.

A construção da narrativa faz parte de uma estrutura social, então, se perdermos de vista

os elementos da situação, estaremos tampouco aptos a compreender as circunstâncias que

culminaram na construção da narrativa e na representação do personagem, pois, sua

significação é inseparável da situação concreta em que se realiza. Sua significação é

diferente a cada vez, de acordo com a situação (BAKHTIN, 2014). Se o personagem muda

sua significação, quer dizer, a mudança de significação apresenta-se como uma

reavaliação, um deslocamento possibilitando novas representações. Para Bakhtin (2014):

A sociedade em transformação alarga-se para integrar o ser em transformação.

Nada pode permanecer estável nesse processo. É por isso que a significação,

elemento abstrato igual a si mesmo, é absorvida elo tema, e dilacerada por suas

condições vivas, para retomar enfim sob a forma de uma nova significação

com uma estabilidade em uma identidade igualmente provisórias. (BAKHTIN,

2014. p. 141).

Na tentativa de mapear as aparições do personagem, apresentam-se nuances,

representações que podem ser consideradas positivas, estereótipos e processos de

invisibilidade, onde o personagem não tem voz, ou simplesmente desaparece da narrativa.

Isso mostra que o personagem existe, mas não é estável, pode ser situado em diferentes

fronteiras de formas distintas, não sendo posicionado de maneira fixa.

Fase 5: Clássicos do Cinema (2007)

As análises apresentadas até então, nos levam a percepção de que a identidade

dialógica do personagem funciona como um registro, apresenta as impressões do discurso

presente no curso das relações dialógicas na sociedade, manifestando-se como relevantes

para a compreensão do cenário social em que determinada narrativa funciona.

Dentro desta perspectiva, apresentaremos as posições do personagem Jeremias na

série Clássicos do Cinema, publicada inicialmente em 2007. Nota-se que até junho de

2016 foram lançadas cinquenta e uma edições, as narrativas presentes nessas histórias

dialogam com o cinema, filmes que obtiveram certo prestígio, ou seja, tornaram-se

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sucesso, e transformaram-se em produtos da cultura pop. Nesse sentido, os personagens

da Turma da Mônica ocupam os lugares dos atores, propondo uma espécie de sátira.

Observou-se que entre as edições publicadas Jeremias apareceu na capa de cinco edições:

Comandante Gancho (2008), O Feio Contra-Ataca (2008), Esse Espelho é Meu (2013),

Os Vingadoidos (2013) e Gamebusters (2016).

Observou-se também um fato curioso na revista Star Treko (2012), onde o

objetivo da narrativa era propor um diálogo com a série Star Trek14 (Jornada nas Estrelas),

lançada incialmente em 1966.

Como parte da frota estelar, e do elenco principal, existe na série original uma

personagem chamada Uhura, oficial-chefe de comunicações, com representatividade

significativa na série. Na versão produzida pela Maurício de Sousa Produções, a

personagem Uhura é representada pela Mônica.

Em relação a posição da Mônica nesta revista específica, dois fatores devem ser

levados em consideração, o primeiro é o fato inegável de que a personagem Mônica é o

ícone mais importante da Maurício de Sousa Produções, como foi possível observar nas

discussões propostas anteriormente, outra questão relevante, é que apresentar a Mônica

14 Star Trek é uma franquia de entretenimento norte-americana criada por Gene Roddenberry. A franquia iniciou-se como uma série de televisão em 1966, originalmente chamada Star Trek mas posteriormente renomeada para Star Trek: The Original Series.

Figura 48. Mônica é Uhura em Star Treko, 2012.

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neste papel evidencia o fato de que aparentemente não existe personagem feminina negra

no universo da Turma da Mônica. Falamos anteriormente sobre a personagem Bonga, que

é específica do universo em que Pelezinho existe, apesar de que recentemente a

personagem está sendo reapresentada na campanha “Somos todas donas da rua”,

veiculada pela Maurício de Sousa Produções em 2016.

Para a campanha alteraram a composição estética da personagem, processo similar

ao de Jeremias. Entretanto, a personagem Bonga, limita-se exclusivamente as narrativas

de Pelezinho, apesar de isso não significar que a personagem é fixa, os dialogismos

ligados a personagem Bonga podem leva-la a ser “Dona da Rua”. Porém, imagina-se que

a falta de popularidade da personagem fez com que não se tornasse interessante

mercadologicamente para figurar “Uhura” na revista em quadrinhos.

Figura 49. Bonga é uma das Donas da Rua, 2016.

Figura 50. Aninha é “Chuvinha” em X-monicos, (2015).

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Tal questão apresenta-se também, em X-Monicos (2015), a série inspirada nos X-

Men15, que desde a década de 1970 tem em seu uma protagonista negra chamada Ororo

Munroe16 (Tempestade), que na versão turma da Mônica foi interpretada por Rosinha

(Chuvinha). Observa-se que Rosinha faz parte de um universo rural, uma personagem

frequente nas narrativas de Chico Bento, que, na ausência de uma protagonista negra, teve

sua identidade deslocada, ou seja, Rosinha tornou-se negra, mas uma vez é possível

compreender que os personagens não possuem identidades estáveis, ou seja, suas

identidades flutuam de acordo com os interesses de seus criadores.

Portanto, observou-se que não só a identidade dialógica de Jeremias pode mudar,

mas de todos os personagens que fazem parte da Maurício de Sousa Produções, pois, a

questão mercadológica direciona as utilizações dos personagens, então, a Mônica (ou a

Rosinha) podem se tornar personagens negras, se for de interesse dos meios que

produzem as revistas em quadrinhos.

Jeremias, um Agente Secreto

Até o presente momento, as narrativas em torno de Jeremias o apresentavam como

uma criança, um príncipe africano, um escravo, e até um navegante. Em Os Vingadoidos

15 X-Men é uma equipe de super-heróis de histórias em quadrinhos épicas publicadas nos Estados Unidos pela Marvel Comics. Criados por Stan Lee e Jack Kirby, estrearam em The X-Men #1, publicada em setembro de 1963 16 Ororo Monroe é Tempestade em X-Men, uma personagem fictícia de história em quadrinhos do Universo Marvel Comics. Sua primeira aparição foi em Giant-Size X-Men #1 (Maio de 1975). Uma das primeiras personagens femininas negras a fazer parte do universo das histórias quadrinhos.

Figura 51. Aninha (Chuvinha) utilizando seus poderes (2015).

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(2013), Jeremias obtém seu papel mais representativo, até este momento. Jeremias

tornou-se agente especial, figura importante na espionagem mundial.

Em Vingadoidos Jeremias é o agente responsável por reunir os super-heróis mais

poderosos da terra. A narrativa inspira-se no filme Vingadores lançado pela Marvel17

Studios em 2012. Devido a uma grande ameaça alienígena, o agente Nick Furo

(Jeremias), prepara um plano de contenção para livrar o planeta terra do mal.

17 Marvel Studios (originalmente conhecida como Marvel Films entre 1993-1996) é um estúdio de televisão e de cinema, subsidiário da Marvel Entertainment, responsável por produzir filmes, desenhos animados e séries.

Figura 52. Jeremias em Vingadoidos, 2013.

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Nas palavras de Jeremias “Só mesmo os Vingadoidos”, o agente articula situações

para conseguir conversar com os super-heróis e convencê-los sobre a importância de

trabalharem juntos.

Nota-se que nessa narrativa, a representação de Jeremias é bastante significativa,

tornando-se o articulador de um grupo de pessoas com superpoderes, e convencendo estes

a usarem tais poderes pelo bem da humanidade.

A posição da identidade dialógica do personagem nesta história é mais

evidenciada do que em Jeremim, O Príncipe que veio da África (1987), Apesar da história

resgatar elementos da herança africana, o personagem passa a maior parte da narrativa

em silêncio, já em Vingadoidos, o personagem protagoniza certos momentos, posiciona-

se em determinados aspectos, ou seja, torna-se presente, não sendo possível passar

despercebido. Em Gamebusters (2016), Jeremias também participa de uma narrativa onde

Figura 53. Jeremias e sua equipe de Agentes Secretos, 2013.

Figura 54. Representação da autoridade de Jeremias

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salva o mundo. A revista, apresenta uma versão de Caça-Fantasmas18 (1984), entretanto,

foi produzida devido ao fato de que em 2016 estreou um remake19 do filme, logo a

Maurício de Sousa Produções, lançou a história em quadrinhos antes da estréia do filme

2016, dialogando com a indústria cultural, e posicionando Jeremias na narrativa, pelo fato

de ele ser um personagem negro.

Foi possível notar que a maneira de conduzir o personagem alterou-se, desde sua

aparição inicial, em um primeiro momento, Jeremias era integrante da turma, coadjuvante

presente nas histórias de Bidu e Franjinha, com a construção da “Turma Oficial”

composta por Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, o personagem foi perdendo espaço,

fazendo aparições restritas, entretanto, com a construção de Clássicos do Cinema,

Jeremias apresenta-se como pontual, quando deve ser feita uma representação de um

personagem negro, ou seja, é possível compreender que, nessas narrativas, Jeremias

aparece quando precisa-se de um negro, o personagem é uma proposta de diálogo com a

representatividade negra no cinema, este, apresenta-se sozinho, como o único

personagem negro que se apresenta na Turma da Mônica.

18 Ghostbusters (Os Caça-Fantasmas) é um filme americano de 1984, do gênero comédia, dirigido por Ivan Reitman. 19 Refilmagem é o termo em português equivalente ao inglês remake (tradução literal: "refazer") e é a designação usada para novas produções e regravações de filmes, telenovelas, jogos, seriados ou outras produções do gênero de ficção.

Figura 55. Jeremias em Gamebusters, 2016.

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A observação sobre cada fase presente no “Período Turma”, nos levou a percepção

de que no decorrer das décadas, o personagem Jeremias esteve ligado a diferentes

contextos de significação, ou seja, é perceptível seu caráter fluido. Onde antes, eras

possível observar as alterações estéticas do personagem, com o passar dos anos foi

possível identificar que o personagem estava inserido em contextos ligados a história do

Brasil, e em diferentes profissões.

Nasce outro jogador (negro), a Turma de Ronaldinho Gaúcho

Além de todas as questões abordadas no “Período Turma”, deve-se evidenciar a

construção de mais uma narrativa particular, onde a figura do jogador de futebol é

utilizada mais uma vez por Maurício de Sousa. Depois da revista Pelezinho (1977), a

indústria responsável pela Turma da Mônica repete a dose e constrói um universo

particular onde vive o novo personagem com habilidades futebolísticas: Ronaldinho

Gaúcho. Nas palavras de Maurício de Sousa: “Ronaldinho me pareceu a chave ideal para

fazer uma entrada no mercado internacional. Serviu para melhorar nossa estratégia”

(Sousa apud RAMOS, 2012). Observa-se então que, de maneira similar a proposta que

envolvia Pelezinho, as articulações que envolveram a construção do personagem,

visavam um contexto mais abrangente, uma publicação internacional, Ronaldinho é o

cartão de visitas. Só que junto com ele, estavam também os outros personagens da

empresa, como Mônica e Cebolinha (Ramos, 2012).

Figura 56. Primeira edição da revista Ronaldinho Gaúcho, editora globo, 2006.

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Observa-se que Jeremias está presente na capa da primeira edição, pois, o

personagem geralmente faz parte do núcleo futebolístico das histórias da turma da

Mônica. Entretanto, Ronaldinho Gaúcho tem sua própria turma, com histórias que se

articulam além de Mônica e seus amigos.

Nota-se que no núcleo de personagens das histórias de Ronaldinho Gaúcho,

existem duas meninas negras, Deisi é irmã do meio de Ronaldinho Gaúcho, e Marilu é

sua amiga, esse fato nos faz contatar que no universo de Maurício de Sousa existem três

personagens femininas negras (sem contar a Mãe de Ronaldinho), Além de Deisi e

Marilu, Bonga faz parte das histórias de Pelezinho, logo, na série “Clássicos do Cinema”

(2007), a utilização de personagens como Mônica e Rosinha para interpretarem

personagens negras do cinema, não é por falta de personagens, mais uma opção

estratégica, mecânica, para que a aceitação do público funcione de forma sistemática.

Figura 57. Ronaldinho Gaúcho com Dona Miguelina (sua Mãe), Diego, Assis e Deisi, 2006.

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O contrato de Maurício de Sousa foi feito com a empresa americana Universal,

que mantém uma rede de 4. 700 jornais, e tornou-se responsável pela distribuição de tiras

e histórias em quadrinhos de Ronaldinho Gaúcho e da Turma da Mônica. Nota-se então,

que cada produção construída pela Maurício de Sousa Produções, apresenta relações

dialógicas com o cenário cultural, enfatizando o aspecto industrial, ou seja, a criação de

personagens específicos para sua utilização mercadológica.

Partindo destas perspectivas, a análise a partir de agora se pautará pelas

articulações feitas em torno do personagem no período conhecido como “Pós-Turma”,

período onde a Turma da Mônica já tem um mercado específico, os personagens tornam-

se adolescentes, a Maurício de Sousa Produções continua dialogando com várias mídias,

inclusive com a internet, onde foram criadas histórias específicas para essa plataforma, e

suas publicações são comercializadas visando a comemoração de aniversário dos

personagens e do autor.

Figura 58. Marilu na capa de Ronaldinho Gaúcho nº 49, 2006.

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Período Pós-Turma (2008-2016)

O período Pós-Turma é compreendido como o período que se inicia em 2008, e

funciona até os dias atuais, a Maurício de Sousa Produções já possui mercado específico

nacional e internacional, e continua propondo novas articulações, construindo

mecanismos para que seus personagens possam ser posicionados em diferentes

plataformas, sendo responsável por império cultural que movimentam representações e

identidades, assim, nossos contextos culturais agregam infinitas tendências, estilos,

características, que interferem nos processos de identidade dos indivíduos de modo

complexo e peculiar (GONÇALVES, 2016). Nota-se em tal período os usos da identidade

dialógica do personagem Jeremias, investigando seus deslocamentos, e suas inserções

específicas em determinados contextos. Em tal período verificou-se publicações distintas,

reconfigurando certos personagens, entre o que compreendemos como “Turma da Mônica

Clássica” e “Turma da Mônica Jovem”, levando em consideração, também, uma série de

publicações de aniversário, com objetivo de homenagear o Maurício de Sousa e seus

personagens. Constroem-se então, perspectivas, evidenciando o dialogismo presente nas

histórias em quadrinhos que serão analisadas, percebendo a linguagem, ou seja, o discurso

presente, e sua significância narrativa, levando em consideração seu status de produto

cultural que dialoga com o cenário social.

Em suma, pretende-se então, pontuar especificamente a posição do personagem

Jeremias em todo este processo que data de 2008 -2016, discutindo as relações dialógicas,

e a manutenção da indústria cultural, pois, todos os aspectos dos quadrinhos tem sido

afetados pelo comércio (MCCLOUD, 2005), e compreender tais relações são essenciais

para propor de maneira coerente tal periodização.

Jeremias, o Presidente da Turma

A compreensão das relações dialógicas nos leva a uma análise mais elaborada

sobre a construção narrativa, e a inserção do personagem em cenários específicos, nota-

se então, a observância de relações dinâmicas, complexas e tensas. Logo, é impossível

compreender qualquer forma de discurso citado sem levar tais relações em conta

(BAKHTIN, 2014).

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Optar pelo dialogismo como ponto epistemológico específico para análise das

narrativas em que Jeremias está presente, é propor uma leitura, percebendo assim, pontos

de comunicação com o cenário social, ou seja, a percepção das relações dialógicas. Dentro

desta perspectiva, nota-se que as construções da identidade dialógica de Jeremias flutuam,

apresentam-se de formas distintas, assim o personagem ocupa diferentes posições. Um

exemplo disso é a narrativa que foi construída especificamente no ano de 2009, onde

Jeremias concorre a presidência do “clubinho”. Jeremias tem como candidato de oposição

Cebolinha, com um discurso pautado na igualdade, o personagem convence os eleitores

e vence a eleição. Nas palavras de Jeremias: “Sonho que se sonha só é um sonho igual,

mas sonho que se sonha junto vira uma coisa real”.

Observa-se que tal narrativa que transforma Jeremias a candidato à presidência e

consequentemente, o presidente do clubinho, não foi construída de maneira aleatória.

Em 20 de Janeiro de 2009, Barack Hussein Obama tornou-se o 44º presidente dos

Estados Unidos. Em Junho de 2009, Jeremias diz: “Eu tenho um sonho”.

Toda a narrativa em torno de Jeremias teve como referência, ou seja, dialogou

com o cenário político dos Estados Unidos, onde pela primeira vez um negro tornou-se

presidente. Jeremias, representa obama, e o bairro do Limoeiro simboliza os Estados

Unidos. Este dialogismo presente, verifica-se a partir da maneira como a identidade

dialógica do personagem é posicionada ou reposicionada, onde este, ocupa o lugar do

negro na sociedade.

Um fato curioso dentro da análise narrativa é a aparição do personagem Louco no

final do discurso de Jeremias. Tal personagem costuma aparecer quando a narrativa “não

Figura 59. Jeremias, presidente da turma, 2009.

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faz sentido”, ou seja, o Louco20 que comunica a todos que Jeremias ganhou a eleição.

Então, Jeremias cadidatar-se a presidencia do clubinho e consequentemente vencer faz

parte de um discurso delirante ou esquizofrênico? Nota-se que mesmo nos esparsos

momentos de protagonismos do personagem, há uma ausência de legitimidade na figura

de Jeremias, percebe-se também, a expressão do rosto de Cebolinha, quando Jeremias

emociona os outros personagens com suas palavras, Cebolinha ao “pôr a lingua pra fora”,

demonstra um dilogismo comas práticas culturais hegemônicam que descaracterizam o

discurso do negro, na tentativa de desconstruir toda uma história, subjulgando, ou seja,

não legitimando a posição do sujeito negro em cenários sociais que se diferem do

imaginário de estereótipos construido ao longo dos anos.

Em 2012, é possível notar também relações dialógicas entre a representação de

Jeremias e as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos, quando o presidente

Barack Obama se reuniu com a presidenta Dilma Rousseff, o desenhista e ilustrador

Ismael Martinez, evocou Jeremias em uma ilustração, onde este, mais uma vez apresenta-

se como presidente, ao lado de Mônica, que representa a presidenta brasileira.

Nota-se que Ismael Martinez não representa a Maurício de Sousa Produções,

entretanto, o desenhista repete a construção narrativa apresentada em 2009 na revista

Cebolinha. Ou seja, por mais um momento o personagem ocupa a posição de presidente,

20 O personagem Louco da Turma da Mônica foi criado em uma parceria de Márcio Araújo (roteirista) e Sidnei Lozano (artista). Márcio é irmão de Maurício de Sousa. Louco estreou na primeira edição da revista Cebolinha em janeiro de 1973, em “Uma história muito louca”, o personagem foge do hospício e se encontra com Cebolinha.

Figura 60. Jeremias Obama e Mônica Rousseff por Ismael Martinez. 2012.

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que é transitória, flutuante, pois, especificamente na narrativa proposta pela Maurício de

Sousa Produções, a história tem um fim, então, não é possível compreender se Jeremias

tornou-se um bom presidente, ou se por acaso chegou a exercer o cargo, a narrativa de

maneira pontual apenas incorporou os aspectos culturais e deu voz ao personagem por

um único momento específico. Bakhtin (2014), comenta que a sociedade em

transformação alarga-se para integrar o ser em transformação. Nesse sentido, a sociedade

construída nas narrativas dos quadrinhos reproduz esse exercício., pois o Bairro do

Limoeiro, pode tornar-se mais amplo, e Jeremias pode ser o protagonista de uma

narrativa, entretanto, é possível observar, que de maneira pontual o personagem é inserido

nas narrativas, que nunca estão separadas das relações sócio-culturais. Logo, as HQ’s não

podem ser compreendidas independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que

elas se ligam, a construção da narrativa faz parte de uma estrutura social.

Turma da Mônica Jovem (2008)

Mônica mantém os dentões e o coelhinho, mas não é mais uma menina

gorducha, como diziam Cebolinha e Cascão. Os dois também mudaram...

Magali continua comilona. Mas controla o que come para se manter esbelta.

(RAMOS, 2012. p. 64).

Em 2008 a Maurício de Sousa Produções, lançou a Turma da Mônica Jovem,

publicações em que ocorreu mudança no perfil de seus personagens, onde tornaram-se

adolescentes. A proposta dessa nova cara da Turma da Mônica, seria atrair um leitor mais

jovem, diferente do que tradicionalmente lê as revistas infantis (RAMOS, 2012).

A revista foi produzida no estilo mangá (quadrinho japonês), gênero muito

popular entre a faixa etária adolescente, chegando a dividir espaço com as revistas de

super-heróis. Para promover a nova publicação, a Maurício de Sousa Produções distribuiu

gratuitamente uma revista especial de seis páginas em um evento chamado Anime

Friends.

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Nota-se que a MSP (Maurício de Sousa Produções), não tinha nenhuma

publicação nesse formato, logo, percebendo o mercado específico onde adolescentes

consumiam os quadrinhos japoneses, a MSP se articulou e construiu narrativas em que

seus personagens tornaram-se jovens, para se inserir em um tipo diferente de nicho de

mercado. Observa-se que tal articulação dialogou diretamente com a indústria cultural,

pois, a disputa mercadológica fez com que construíssem publicações específicas para tal

público. A construção de tal narrativa representa um discurso, parte integrante de uma

discussão ideológica em grande escala (BAKHTIN, 2014).

Há um incômodo estranhamento na leitura do primeiro número de “Turma da

Mônica Jovem”, que já é vendido em lojas de quadrinhos paulistanas (Panini,

132 páginas). Demora um pouco para assimilar as duas principais mudanças

da obra. A primeira e mais evidente é aceitar que os personagens cresceram e

estão na adolescência. A segunda é constatar que o novo projeto dos Estúdios

Maurício de Sousa faz uma radical mudança de gênero. Sai o quadrinho

infantil, entra o Mangá. (RAMOS, 2012. p. 65).

Em a Turma da Mônica Jovem, além dos quatro protagonistas, o universo

construído por Maurício de Sousa, também é reapresentado nesta nova caracterização, a

volta de antigos personagens, a interação com a turma do fantasma Penadinho e do

Elefante Jotalhão, então, dentro dessas novas relações dialógicas, por onde anda

Jeremias?

Figura 61. Capa da Edição nº 1 da Turma da Mônica Jovem. 2008.

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O Jovem Jeremias

As perspectivas apontadas nesta pesquisa nos mostram que as relações dialógicas

estão vinculadas a processos de produção e articulam-se com práticas discursivas,

especificamente, evidenciam-se tais questões nas narrativas gráficas escolhidas para

observação, e de que maneira se posiciona a identidade dialógica do personagem

Jeremias.

A partir das novas produções da MSP, verificou-se que Jeremias também está

presente nesse universo remodelado, e observaremos se as discussões acerca de sua

inserção e manutenção de alguma maneira se alteraram.

A versão Jovem de Jeremias se diferencia das versões analisadas anteriormente,

o personagem, que dialoga com o perfil do adolescente negro, tem roupas estilosas, uma

possível referência ao street style21 advindo da cultura hip hop. Jeremias agora usa um

boné azul, entretanto, nas histórias da Turma da Mônica clássica ainda permanece com o

boné vermelho.

21 O street style é uma tendência de moda que surge nos centros urbanos, uma proposta de valorização do indivíduo, onde este através das roupas reproduz sua identidade, independente de classe social dos indivíduos, cultura ou etnia, e não das marcas ou semanas de moda.

Figura 62. O Jovem Jeremias. 2008.

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Apesar das alterações em torno do personagem, suas posições nas

narrativas continuam esparsas, o personagem tem sua primeira aparição em Turma da

Mônica Jovem nº 4 “Fortes Emoções...” (2008).

Jeremias faz sua primeira aparição com grande parte do elenco, quando Mônica,

Cebolinha, Cascão e Magali precisam de ajuda para derrotar um vilão. Apesar da cena

demonstrar que todos apareceram no momento exato para derrotar o vilão, a aparição de

Jeremias se resume apenas a esse momento. Na continuação da narrativa Jeremias não

está mais presente, o personagem tornou-se invisível, ou seja, para o desenrolar da

história, ele não era essencial. Ocorre então um processo de invisibilização, onde nesse

momento, o personagem é deslocado, não precisa mais estar presente.

Observa-se então, que apesar de sua nova composição estética, o personagem

ainda ocupa uma posição subalterna, onde sua presença não é pontual na narrativa.

Figura 63. Primeira aparição de Jeremias na Turma da Mônica. 2008.

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O personagem aparece novamente na edição nº 11 “Ser ou não ser?” (2009), onde

faz parte do time de futebol do colégio. Esta é a primeira narrativa em que o personagem

apresenta diálogos.

Apesar de Jeremias fazer parte do time que está em um campeonato escolar, o

personagem é invisibilizado, e não aparece no campo como um elemento importante do

grupo, suas aparições são pontuais quando os personagens estão no vestiário, e isso é

apresentado no discurso do treinador do time.

Figura 64. Jeremias, Do Contra e Titi (2009).

Figura 65. Jeremias e Nimbus (2009).

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Entre as histórias que foram observadas até então, nenhuma tinha

apresentado tal discurso, essa opção “irônica” do roteirista revela que ele compreende

bem o papel que Jeremias ocupa nas narrativas da Turma da Mônica, ou seja, não trata-

se apenas de um processo invisibilidade aleatório, a narrativa é um discurso, e neste

discurso produzido pela MSP o negro torna-se invisível, e em momentos específicos são

construídas posições de visibilidade temporária, onde Jeremias faz parte de um contexto,

e é presente na história, até que seja deslocado para uma posição subalterna novamente.

Nota-se que Jeremias oscila entre o coadjuvante, o figurante, e o protagonista

temporário, entretanto, percebe-se também, que em alguns momentos, o personagem é

desconstruído dentro da narrativa, passando a não existir, ou a não ser mais importante.

Na tentativa de um exercício analítico mais preciso, foram analisadas as revistas

da turma da Mônica Jovem de agosto de 2008 a agosto de 2009, observando um recorte

especifico de um ano de produção, entre as revistas em quadrinhos foi possível notar que

Jeremias aparece apenas em duas edições (nº 4 e nº 11), e que em tais narrativas gráficas,

sua presença não é pontual, ou seja, se o personagem não estivesse presente,

aparentemente não faria diferença.

A partir de tais perspectivas, observa-se que apesar deste universo jovem criado

pela MSP, o personagem Jeremias é posicionado da mesma maneira que nas narrativas

da Turma da Mônica clássica.

Clássicos Ilustrados Turma da Mônica (2008)

Em 2008 a Maurício de Sousa Produções construiu narrativas pautadas em

clássicos da literatura, as revistas foram lançadas pela RBS Publicações. Os personagens

da Turma da Mônica se dividiram em 14 histórias, e cada uma delas trazia clássicos como

Cinderela, Branca de Neve e Rapunzel.

Entre as histórias Jeremias aparece em “A Roupa nova do Rei22”. A narrativa é

apresentada de maneira semelhante a história original, os personagens não apresentam

falas, apenas compõem a cena, uma espécie de livro ilustrado.

22 A roupa nova do rei (em dinamarquês Kejserens nye Klæder) é um conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen, e foi inicialmente publicado em 1837.

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Jeremias é um súdito real do rei Cebolinha, o personagem aparece duas vezes na

narrativa, e também está presente na capa da história. Apesar de aparições pontuais,

Jeremias se mostra alegre em desempenhar suas funções. Observa-se que entre as 14

narrativas produzidas, na única em que Jeremias está presente, o personagem apresenta-

se em posição de subalternidade.

MSP 50, MSP + 50, MSP 50 Novos Artistas e Ouro da Casa

Em 2009, a Maurício de Sousa Produções criou um novo projeto, em homenagem

aos 50 anos de carreira de Maurício de Sousa, a proposta era uma releitura do universo

criado pelo autor, ou seja, os desenhistas convidados teriam liberdade para reelaborar a

Turma da Mônica. A obra se dividia entre cartuns, tiras e quadrinhos feitos por um rol de

desenhistas e roteiristas nacionais. A ideia era mesclar diferentes autores, cada um com

uma versão pessoal de dado grupo de personagens.

MSP 50 – Maurício de Sousa Por 50 artistas foi um projeto bem sucedido.

Termômetro disso pôde ser percebido na premiação do Troféu HQMix do ano

seguinte. A obra venceu três categorias: melhor edição especial nacional,

projeto editorial e publicação mix (reunião de histórias de diferentes autores).

(RAMOS, 2012. p. 70).

Figura 66. Jeremias é um súdito do Rei (2008).

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Do ponto de vista mercadológico, a obra também tornou-se interessante,

gerando mais duas continuações “MSP + 50 Maurício de Sousa por mais 50 artistas

(2010)” e “MSP 50 Maurício de Sousa por 50 novos artistas”. Em 2012 a Maurício de

Sousa resolveu fazer uma obra específica intitulada “Ouro da Casa”, que seguia o mesmo

formato das três edições citadas, entretanto, a homenagem foi feita pelos profissionais

que trabalham em seu estúdio. A inspiração veio da clássica “Mônica 30 anos”, em que

vários artistas brasileiros e estrangeiros desenharam a “dona da turma”, e do álbum

“Asterix e seus Amigos”, no qual 34 artistas do mundo todo fizeram histórias do baixinho

gaulês para comemorar os 80 anos de Albert Uderzo que criou o personagem junto com

o roteirista René Goscinny (GUSMAN, 2009). Ou seja, as obras reunidas totalizaram 200

novas representações do universo da Turma da Mônica, e dentro destas releituras, nos

interessa saber a posição do personagem Jeremias. Nesse sentido, destacaremos as

narrativas em que Jeremias está presente.

Cebolinha em: Ele está Chegando (MSP 50 – 2009)

A Narrativa criada por Luciano Félix, apresenta uma rotina aparentemente normal

no bairro do Limoeiro, Cebolinha mais uma vez arquiteta um plano para pegar o

coelhinho da Mônica, até que o personagem Louco diz para as crianças se esconderem,

pois, “ele está chegando”. A história é a única de MSP 50 em que Jeremias aparece.

Apesar de uma releitura, o personagem apresenta-se como em algumas narrativas

anteriores, sem falas, nos dando a impressão de que se não estivesse neste quadro

específico não faria falta, pois a cena poderia ser construída com qualquer outro

Figura 67. Jeremias na História “Ele está chegando” (2009).

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personagem, já que apenas o personagem Louco apresenta um discurso. Jeremias ainda

encara o leitor, o personagem foi construído com uma expressão de que não compreende

nada do que está acontecendo. Depois desse quadro o personagem não aparece mais, e a

narrativa termina com um tom de suspense, pois “ele” não revela sua aparência.

Sessão da Tarde – Parte 1: Recreio (MSP + 50 - 2010)

A narrativa de Mateus Santolouco apresenta as crianças no ambiente escolar, onde

todos temem a Mônica, e Cebolinha tenta subornar as crianças para que tentem dar um

susto na Mônica.

Nesta história, Jeremias tem um momento de fala, o personagem nega qualquer

possível favor a Cebolinha, mesmo em troca do “álbum completo do campeonato

blasileilo”.

Sessão da Tarde – Parte 2: Primeiro Período (MSP + 50 - 2010)

A história apresenta-se como uma continuação indireta da narrativa anterior, pelas

mãos de Rafael Albuquerque, Jeremias é retratado com uma das crianças que tem pavor

da Mônica.

Figura 68. Jeremias na História “Recreio” (2010).

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Mônica por Romahs (MSP + 50 – 2010)

Nesta narrativa, a história gira em torno de um trauma que a Mônica sofre após

um tombo, e fica com medo. Jeremias aparece como parte de uma cena onde os meninos

estão jogando bola.

A lenda de Jeremiwazi (MSP + 50 – 2010)

Na edição publicada em 2010, segundo número da trilogia, Jeremias ganha uma

história onde se torna o protagonista, um herói que deseja salvar seu povo. A narrativa

Figura 69. Jeremias e Titi na história “Primeiro Período” (2010).

Figura 70. Franjinha, Cebolinha, Cascão e Jeremias. (2010).

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dialoga com a identidade negra, pois se trata de uma lenda africana transmitida por seu

avô, e Jeremias dividi com seus amigos. A construção foi feita pelo artista André Diniz,

que já trabalhou com outras narrativas tendo a cultura negra como elemento central. Em

2010 Diniz lançou “O quilombo Orum Aiê”, e em 2011 a história “Morro da Favela”.

No início da história os garotos estão discutindo sobre qual o melhor herói,

Jeremias aparece e diz: “Humpf... Que heróis mais manjados! Aposto que vocês nunca

ouviram falar do meu herói preferido”. Jeremias em seu discurso questiona o padrão

tradicional de herói, e mostra aos colegas um herói que dialoga com sua tradição

identitária. Jeremiwazi é um ancestral de Jeremias, uma lenda passada por gerações em

contação de histórias. Nesta narrativa específica Jeremias com orgulho conta sobre uma

representação que apresenta significações especificas com sua família e

consequentemente sua identidade étnica.

Jeremiwazi representa a narrativa mítica e passa pela jornada do herói, ou seja,

alguém que arrisca ou dá a própria vida em favor de algo maior que ele mesmo

(SCHAPER, 2011). A chamada trajetória do herói é pautada em uma estrutura, onde

existe a partida, a iniciação e o retorno (CAMPBELL apud SCHAPER, 2011).

O personagem do conto lembra o que é compreendido nas histórias em

quadrinhos como o Messias, um nobre herói que se sacrifica em nome do altruísmo para

salvar os outros (KNOWLES, 2008).

Figura 71. Jeremias por André Diniz (2010).

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Então, observa-se que Jeremwazi inicialmente “morre”, por ter engolido um

pedaço de osso de boi que ficou entalado em sua garganta, o que poderia ser

compreendido como uma espécie de partida, já que posteriormente o personagem retorna

de maneira épica da morte.

Enquanto o herói está “morto”, Kammapa, um monstro gigante se aproxima da

aldeia e engole todos os que vivam nela, exceto Jeremiwazi. O processo de iniciação, é

percebido quando o personagem retorna da morte, pega uma lança e vai atrás do monstro,

um longo caminho até cumprir seu objetivo.

Figura 72. A “morte” de Jeremwazi (2010).

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Jeremiwazi encontra o monstro, é engolido por ele, e percebe que toda sua aldeia

ainda está no estômago do monstro. O personagem ajuda todos a escaparem, e derrota o

monstro concretizando o que poderíamos compreender como o retorno, pois, a partir

desse momento Jeremiwazi se transformou em herói, e é recompensado pela linda jovem

da aldeia.

Uma particularidade desta narrativa é que o personagem Cebolinha apresenta

um discurso em que questiona a posição do herói Jeremiwazi. Ao ouvir a história de

Figura 73. A Iniciação de Jeremwazi (2010).

Figura 74. O Herói Jeremwazi (2010).

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Jeremias, Cebolinha compara a história com as narrativas que conhecia sobre os heróis,

e logo, aparentemente para ele, a história de Jeremias não se apresenta como possível.

Cebolinha se posiciona em quatro momentos:

1. “Mas que laio de helói é esse que mole no plimeilo quadlinho?”

2. O Helói moleu e todo mundo foi engolido. Não achei muito helóica essa histólia...

3. Plonto, quando tava ficando bom, o “Helói” moleu de novo...

4. Achei meio estlanha essa histólia... Difícil de acleditar num monstro devorador

que come tudo o que vê”.

Figura 75. Cebolinha questiona a História de Jeremias (2010).

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“Fica quieto e escuta”, foram as palavras de Jeremias, depois de algumas

interrupções de Cebolinha. Os questionamentos de Cebolinha dialogam com uma visão

unilateral de heróis, onde qualquer narrativa com elementos distintos parece menos

razoável. Ou seja, a visão de Cebolinha, um símbolo da Turma da Mônica, mas conhecido

que Jeremias, reflete o pensamento mercantilista da indústria cultural, estruturado em

construções ideológicas que são mantidas, apresentando um herói clichê, e elaborado

principalmente nas formas do heroísmo das HQ’s norte americanas. No início da história

Cebolinha diz: “Meu helói plefelido é o supelomão”, o que poderíamos compreender

como referência ao Super-homem23. Logo, Jeremiwazi não se parece com o herói que faz

parte de seu imaginário, assim, não deve ser compreendido como real.

André Diniz ao construir essa história, e escolher entre o universo da Turma da

Mônica o personagem Jeremias rompe com os estereótipos massificados em torno de

personagens negros, e constrói uma narrativa que figura a representação da identidade

negra, ou seja, o autor mostra que a identidade dialógica do personagem é fluida, e não

deve ser vista como estática, imóvel, podendo assim ser essencial em uma narrativa.

Observa-se que, até a análise dessa história específica, Jeremias só teve uma outra

narrativa longa dentro do universo de Maurício de Sousa, ou seja, “Jeremim, o Príncipe

que veio da África” foi publicada em 1987, e entre a década de 1980 e 2010, não houve

outro momento em que uma história e toda sua construção estivesse baseada

especificamente em Jeremias. Portanto, nota-se que é possível deslocar a identidade

dialógica do personagem, para que esse apareça em diferentes cenários e posições,

entretanto, esse deslocamento não costuma ser representado de forma positiva, visto que,

entre 1960 e 2010, Jeremias é especificamente protagonista de apenas duas narrativas.

Cebolinha em: Nó (MSP 50 Novos artistas – 2011)

Em “Nó”, João Montanaro constrói uma narrativa pautada em Cebolinha, e

nas explicações psicológicas relacionadas ao fato de o personagem sempre querer roubar

23 Superman ou Super-homem é um super-herói fictício de histórias em quadrinhos, criado por Joe

Shuster e Jerry Siegel na década de 1930, sua primeira aparição foi na revista americana Action Comics,

que fazia parte da editora DC Comics.

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o coelhinho e dar nó em suas orelhas. Jeremias aparece jogando bola com os amigos, sem

falas. O núcleo futebolístico das histórias da turma frequentemente reflete a presença de

Jeremias.

A Turma em: Dia de Pagamento no Bairro do Limoeiro (MSP 50 Novos artistas –

2011)

A história construída por Samuel Fonseca, evidencia o protagonismo do

personagem Zé Luís. Jeremias aparece em quatro momentos na narrativa, entretanto sua

fala se resume a: “Sei lá... Bem no melhor da festa...”. O personagem questiona o fato de

Cebolinha deixar a comemoração e ir embora.

Figura 76. Jeremias jogando bolas com os amigos (2011).

Figura 77. Jeremias e os amigos (2011).

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O Dono da Lua (MSP 50 Novos artistas – 2011)

Os artistas Hector Lima e George Schall produziram uma história em que se o

Cebolinha se tornar o dono da rua pode causar alguma confusão, já que normalmente o

personagem não ocupa este cargo.

Nesta narrativa Jeremias e Humberto estão jogando bola com Bernardão, um

personagem que era utilizado no início da trajetória de Maurício de Sousa. Neste

momento aparece o personagem Louco. Jeremias alerta Humberto: “Hã, Humberto vamos

nessa, minha mãe tá chamando. Tchau Bernardão!”. E continua: “Sabia que jogar com

ele dava azar”.

Observa-se que para Jeremias a aparição de Louco não é algo positivo. Nessa

história, Jeremias apresenta seu ponto de vista sobre alguma questão específica, sugerindo

ao amigo que eles saiam da rua e voltem para casa. Outra questão pertinente, é o fato de

o personagem evocar “sua mãe”, outra prática pouco usual nas narrativas em que Jeremias

está presente.

Figura 78. Jeremias, Humberto e Bernardão (2011).

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A Turma da Mônica por Will Leitte (MSP 50 Novos artistas – 2011)

O Ilustrador Will Leite apresenta uma espécie de painel, retratando a Turma da

Mônica com seus traços, entre os personagens está Jeremias.

O Primeiro Dia (MSP 50 Novos artistas – 2011)

O primeiro dia é uma história construída por Estevão Ribeiro e Leo Finocchi, a

narrativa se baseia no primeiro dia de aula de Cebolinha. A aparição de Jeremias se

resume a sua caminhada em direção a porta da Escola Municipal Maurício de Sousa.

Figura 79. Turma da Mônica por Will Leite (2011).

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Uma Tarde de Outono (MSP 50 Novos artistas – 2011)

A narrativa apresenta um questionamento sobre a industrialização, a chegada de

prédios e a possível perda do Bairro do Limoeiro, já que a cidade está crescendo.

Franjinha e Jeremias enfatizam que são mais velhos, e que tem mais

responsabilidade “escola de manhã e curso técnico a tarde”. Jeremias está presente em

quatro momentos, e suas falas são: “Pode crer Franja”, em concordância com o amigo;

“Falando nisso, vamos nessa senão perdemos o ônibus...”, indicando suas

Figura 80. Jeremias indo a escola (2011).

Figura 81. Jeremias e Franjinha (2011).

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150

responsabilidades; e “Falou moçada!”, evidenciando a diferença de idade entre ele e as

crianças (Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali).

Apesar de sua aparição se remeter a pequenos momentos, o personagem apresenta

um perfil responsável, outra prática incomum nas narrativas, pois, mesmo na análise

específica da Turma da Mônica Jovem (2008), em nenhum momento o personagem

evocou suas responsabilidades, ou o fato de ser mais velho que as crianças.

Dia em que voltei a ser Criança (Ouro da Casa – 2012)

O artista João Marcos apresenta uma história aparentemente baseada em sua

experiência ao fazer parte da Maurício de Sousa Produções. No final da História, o

desenhista apresenta os personagens da Turma da Mônica. Nesta ilustração, apesar de

aparecer apenas uma vez, Jeremias faz parte do núcleo central.

O Homem sem pressa (Ouro da Casa – 2012)

A narrativa proposta por Bruno Honda Leite, apresenta uma estrutura diferente de

histórias, como uma espécie de recortes misturando ficção com vida real. A história

apresenta a perspectiva de Horácio sobre o mundo. Jeremias tem apenas uma aparição.

Figura 82. Jeremias e a Turma da Mônica (2012).

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A Turma da Mônica por 200 artistas

A análise objetiva sobre o material produzido pela Maurício de Sousa produções

onde outros artistas apresentaram sua maneira particular dos personagens de Maurício de

Sousa apresentou-se como um exercício interessante, pois, foi possível perceber que os

personagens não possuem uma identidade fixa, suas posições podem oscilar, dependendo

contexto sócio-cultural, ou seja, a identidade dialógica dos personagens pode ser

deslocada, logo, nesta análise, pontuou-se os deslocamentos do personagem Jeremias, e

as maneiras em que este produzia algum tipo de discurso, ou apenas funcionava como

parte do cenário.

A partir desta análise foi possível compor o seguinte quadro:

Personagem Jeremias (2009 – 2012)

MSP 50 (2009)

1 aparição

MSP + 50 (2010)

4 aparições

MSP 50 Novos

Artistas (2011)

6 aparições

Ouro da Casa

(2012)

2 aparições

Figura 83. Horácio observando Jeremias (2012).

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Em 200 representações da Turma da Mônica, Jeremias apareceu 13 vezes, e em

apenas uma delas foi o protagonista. Uma questão curiosa a se destacar é que em “Ouro

da Casa”, no qual os artistas que trabalham no estúdio apresentaram as releituras da

Turma da Mônica, tendo em suas mãos a liberdade de criação, o personagem manteve-se

inexistente na maioria das narrativas, entretanto, na “MSP 50 novos artistas” Jeremias

apareceu 6 vezes. Nota-se também que, no primeiro projeto (MSP 50 – 2009) o

personagem aparece apenas uma vez.

Toda essa análise reflete um imaginário social, onde o negro é invisibilizado, ou

seja, as histórias em quadrinhos apresentam relações dialógicas com a sociedade. E dentro

dessa produção cultural, o protagonismo do personagem negro tornou-se uma exceção,

algo quase irreal como sinalizou o personagem Cebolinha na narrativa construída por

André Diniz. Devido a estes apontamentos, a observação sobre a representação do negro

nas histórias em quadrinhos apresenta-se como um exercício essencial, pois, a partir dos

resultados obtidos, será possível compreender que a construção do personagem negro nas

narrativas gráficas faz parte de um processo mercadológico, onde apesar dos

deslocamentos do personagem, suas posições são construídas de maneira subalterna, ou

se refletem ausências, onde o negro não tem necessidade de fazer parte da narrativa.

Histórias em Quadrões (2010)

Na década de 2000 os personagens de Maurício de Sousa saltaram das histórias

em quadrinhos e foram parar nas galerias de Museus. O projeto “Histórias em Quadrões”

fez parte de uma exposição que ficou em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo,

de outubro a dezembro de 2001. Os quadros apresentavam releituras das principais obras

da pintura brasileira e internacional.

Tudo surgiu no início da década de 80, quando visitei o Museu do Louvre. Lá,

deparei-me com crianças sentadas no chão, fazendo desenhos, que

reproduziam obras de artistas famosos. (Entrevista de Maurício de Sousa ao

site acessa.com, 2011)

A exposição composta de 47 obras, tinha como destaque a Mônica Lisa, que

relembra a imortal obra Mona Lisa de Leonardo da Vinci. Monet, Botticelli, Van Gogh,

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Degas, Michelangelo, Toulouse-Lautrec, Renoir, Portinari, Almeida Júnior e Anita

Malfatti. A exposição também esteve presente no museu de Belas Artes no Rio de Janeiro,

de março a maio de 2002; no Conjunto Cultural da Caixa, em Salvador, de julho a

Setembro de 2002; em Curitiba, no Museu Metropolitano de Arte, de Setembro a

novembro de 2002 e em Brasília, no Conjunto Cultural da Caixa, de agosto a Setembro

de 2003.

.

As pinturas foram analisadas de maneira mais atenta devido a um catálogo que

saiu em 2010, pela editora globo. O personagem Jeremias aparece em duas

representações, a primeira (figura 81), chamada “A Independência da Turma” é uma

releitura da obra “Independência ou Morte” pintada por Pedro Américo entre 1886 e

1888. O protagonismo do personagem Jeremias aparece na segunda pintura, “O Primo

Mestiço de Jeremias”, é uma releitura da obra “Primo Mestiço” de Cândido Portinari,

pintada em 1934.

Figura 84. Jeremias em Independência da Turma (2010).

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Em suma, “Histórias em Quadrões”, apresenta-se como mais uma plataforma

utilizada pela Maurício de Sousa Produções para popularizar seus personagens. Entre as

47 obras, Jeremias é representado em dois momentos, e em um destes o personagem é

protagonista de seu próprio quadro. Nota-se que dentro da compreensão das relações

dialógicas e dos deslocamentos da identidade dialógica do personagem, Jeremias torna-

se mestiço, ou seja, nem sua caracterização como negro é fixa, logo percebe-se que sua

posição continua a ser oscilante, e funciona de acordo com as articulações da Maurício

de Sousa Produções.

Lendas Brasileiras (2010)

A série “Lendas Brasileiras”, produzida em 2010 se assemelha ao formato

apresentado em Clássicos Ilustrados Turma da Mônica (2008), entretanto, as narrativas

pautam-se nos mitos brasileiros. Os livros foram lançados pela editora Girassol, e entre

as histórias, Jeremias torna-se protagonista em “O Negrinho do Pastoreio24”.

A narrativa também funciona como livro ilustrado, os personagens figuram as

páginas ao lado de textos que contam a história.

24 O Negrinho do Pastoreio é uma lenda afro-cristã muito contada no final do século XIX pelos brasileiros que defendiam o fim da escravidão, sendo muito popular na região Sul do Brasil.

Figura 85. Primo Mestiço de Jeremias (2010).

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Vale ressaltar que “Negrinho do Pastoreio” é a terceira narrativa pautada no

personagem Jeremias, antes o personagem figurou como protagonista em “Jeremim, o

príncipe que veio da África” (1987) e “A lenda de Jeremiwazi” (2010). Portanto, percebe-

se que desde sua construção em 1960 até 2010, Jeremias tornou-se essencial em três

narrativas, em algumas outras como “Os Vingadoidos” (2013) e “Gamebusters” (2016),

o personagem faz parte do núcleo central da narrativa, entretanto, não protagoniza a

história sozinho, logo, esses três momentos devem ser compreendidos como importantes

para a trajetória do personagem, pois, apresentam relações dialógicas que rompem com

as construções rotineiras dos desenhistas e roteiristas. Entretanto, cabe mencionar

também, que tais narrativas só poderiam ser protagonizadas por um personagem negro,

ou seja, aparentemente, a identidade dialógica de Jeremias é reposicionada para o

protagonismo, apenas quando há uma necessidade específica de utilizar um negro na

história.

Figura 86. Jeremias é o Negrinho do Pastoreio (2010).

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Mônica Toy (2013)

Em 2013, a Maurício de Sousa Produções lançou a web-série “Mônica Toy”, os

personagens da Turma da Mônica são apresentados em animações de 30 segundos,

sempre em situação cômica. As histórias são mudas, e apresentam alguns sons ambientes,

além da internet, a série também é veiculada nos canais TBS e Cartoon Network.

A série teve boa aceitação de pública e já está em sua quarta temporada. As

narrativas são pautadas apenas nos personagens Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali,

entretanto, já apareceram em alguns episódios Chico Bento (Dupla maluca, sô! – 4ª

Temporada, Episódio 05) e o próprio Maurício de Sousa (Mauricio 80, Especial de

aniversário 3ª Temporada, Episódio 06).

Monica Toy apresenta relações dialógicas com a cultura pop, apresentando em

seus episódios referências a filmes, eventos, ou seja, um diálogo com as relações sociais,

como é possível notar nos episódios Presentes curiosos (Especial de Natal 2015) e

Toylimpíadas (4ª Temporada, Episódio 17).

Figura 87. Jeremias em o Negrinho do Pastoreio (2010).

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Observou-se então, que as narrativas são pontuais, e são utilizados personagens

específicos, ou seja, Jeremias não faz parte desta plataforma, levando em consideração o

sucesso da série, existe a possiblidade de outros personagens aparecerem futuramente,

portanto, não é possível dizer que Jeremias nunca participará desta série.

Edições Especiais

As narrativas produzidas por Maurício de Sousa Produções costumam ser

seriadas, isto porque a fabricação em edições faz com que o público acompanhe as

revistas, ou seja, cria-se um mercado específico. Entretanto, são lançadas também,

narrativas particulares, edições especiais que apresentam relações dialógicas entre os

personagens da Turma da Mônica e outros cenários culturais.

Dentro desta perspectiva, optou-se por observar algumas edições lançadas entre a

década de 2000 - 2016, verificando as posições da identidade dialógica de Jeremias, suas

representações e ausências. Ou seja, uma investigação sobre os espaços que o personagem

é inserido, sua funcionalidade, articulando tais narrativas com a temporalidade, num

quadro de interações distintas, dando atenção a construção e o deslocamento do

personagem dependerá das transformações subjetivas e objetivas que ocorrem na

Indústria Cultural, frente ao desenrolar dos eventos sociais. Ou seja, propor um tom

reflexivo, direcionando os estudos das histórias em quadrinhos a uma compreensão de

discursos que se articulam na nas narrativas. Logo, para tal, não se deve usar categorias

monolíticas e essencialistas, pois, a identidade flutua, se desloca, então, o caráter não fixo

da identidade torna instáveis as fronteiras.

O Mau é Negro

Em 2004, Maurício de Sousa lançou juntamente com Paulo Coelho um livro

ilustrado chamado “O Gênio e as Rosas”, onde alguns contos que circulam o mundo são

representados pelos personagens da Turma da Mônica. Entre as narrativas, uma que nos

chama atenção, é intitulada “Conversando com o Mal”, onde o Mal fica rondando o

guerreiro, esperando um momento em que este se enfraqueça para que seja derrotado,

entretanto, a astúcia do guerreiro faz com que Mal se canse e vá embora. Nesta história,

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Cascão é o guerreiro da luz, e o personagem que representa o mal foi construído

especificamente para este conto.

O mal, um dos dois personagens negros do livro ilustrado (o outro é Jeremias),

reflete as relações dialógicas que influenciam os autores a produzirem tal narrativa. Por

que o Mal é negro? O conto apresenta de maneira negativa o personagem para as crianças,

não dialogando com todas as crianças que leem a Turma da Mônica, uma opção

equivocada, já que se trata de um conto, o personagem poderia ser construído com

qualquer cor, entretanto, optou-se pelo tom marrom, representando de maneira negativa

a identidade negra na história.

Em contrapartida, Jeremias aparece em 2 dos 62 contos, em “Olhando os Outros”,

Jeremias e toda a turma carregam sacolas, na frente estão as qualidades e atrás os defeitos.

Figura 88. Conversando com o Mal, 2ª edição (2010).

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Levando em consideração o leque de personagens de Maurício de Sousa, um fato

curioso é que Jeremias é o 9º da fila, e que nesta narrativa, o personagem é apresentado

de maneira igualitária aos outros que também fazem parte da história, ou seja, Jeremias

participa da jornada da vida como todos os outros personagens.

Em “Por que deixar o homem para o sexto dia?”, um grupo de sábios se questiona

sobre a criação do homem, nesta narrativa Jeremias é um dos sábios, posição que o

personagem ainda não tinha ocupado nas histórias em que costuma aparece.

Figura 89. Jeremias em “Olhando os outros”, 1ª edição (2004).

Figura 90. Jeremias em “Por que deixar o homem para o sexto dia?”, 2ª edição (2010).

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A análise sobre “O Gênio e as Rosas”, evidencia as relações dialógicas e o

imaginário social que funciona na construção dos personagens e narrativas. Observa-se

que nessa publicação específica Jeremias foi posicionado de maneira similar aos outros

personagens, e não foi apresentado de maneira subalternizada, postura considerada

insólita, já que o personagem, mesmo com sua identidade dialógica deslocada, funciona

em cenários característicos, com aparições e posições que se repetem.

Maurício de Sousa é homenageado, e Jeremias não é convidado

Em setembro de 2007, Maurício de Sousa lançou pela Panini Comics “Maurício

de Sousa - Biografia em Quadrinhos” A narrativa é inspirada em premiações de cinema,

onde os personagens muito bem vestidos, vão ao Cineteatro Limoeirão, e prestam

homenagens a Maurício de Sousa, contando sua trajetória desde a infância até a criação

da Turma da Mônica. É interessante pontuar que os personagens organizam a

homenagem, entretanto, em tal narrativa Jeremias não está presente.

Figura 91. Maurício de Sousa – Biografia em Quadrinhos. Panini Comics, 2007.

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Observa-se que nesta história, evidencia-se a presença de personagens negros,

construídos especificamente para esta narrativa, entretanto, o único personagem negro

que está na história e já faz parte do universo de Maurício de Sousa é Ronaldinho Gaúcho.

A história apresenta certas “posições clichês” que personagens negros costumam

ocupar nas narrativas midiáticas, como por exemplo o papel de segurança, e o sambista.

Figura 92. Ronaldinho Gaúcho em Maurício de Sousa – Biografia em Quadrinhos. 2007.

Figura 93. O Segurança

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O Destaque na narrativa, está na representação de Mário Cartaxo, o jornalista que

aconselhou Maurício de Sousa a continuar no jornal e melhorar seus traços, o personagem

deve ser entendido como uma representação positiva, pois é apresentado como alguém

influente na narrativa.

Em suma, o grande problema da narrativa, é a ausência do personagem Jeremias,

pois, nos dá a impressão de o fato de o personagem ser invisibilizado na maioria das

narrativas fez com que se tornasse invisível por completo. Por que Jeremias não está na

Figura 94. O Sambista

Figura 95. Mário Cartaxo e Maurício de Sousa

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narrativa? Essa é uma questão difícil de responder com exatidão, entretanto, de acordo

com as análises propostas até então, nos parece que entre os deslocamentos que o

personagem sofreu, este foi deslocado para fora da narrativa.

MSP e as Grafic Novels

A série MSP 50 fez grande sucesso, e a partir da compreensão de mercado, e das

relações dialógicas que tornavam a Turma da Mônica um sucesso não apenas para

crianças, ou seja, a partir de novas releituras, Maurício de Sousa reconquistou antigos fãs,

e então, lançou o projeto Grafic MSP, que consiste em histórias dos personagens do

estúdio desenhadas e roteirizadas por artistas brasileiros com certo prestígio na indústria

de quadrinhos. O nome vem do termo Grafic Novel25. A primeira edição foi lançada em

2012, Astronauta – Magnetar, por Danilo Beyruth e Cris Peter. Até o presente momento

foram lançadas 12 histórias neste formato.

Em Turma da Mônica Laços (2013), Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi, apresentam pela

primeira vez a turma em uma Grafic Novel, já que a primeira edição explorava o universo

das narrativas sobre o Astronauta. Os autores constroem uma história sobre o

desaparecimento de Floquinho, o cachorro de Cebolinha. A narrativa pontua a

importância da amizade, e mostra o início dos “laços” entre a turminha, roteirizando como

se conheceram.

Jeremias apresenta-se como um personagem que compõe o cenário, este não te

fala, mas alguns outros também são posicionados da mesma forma.

25 Grafic Novel, ou romance gráfico é uma espécie de livro, normalmente contando uma longa história através de arte sequencial (banda desenhada ou quadrinhos), e é frequentemente usado para definir as distinções subjetivas entre um livro e outros tipos de histórias em quadrinhos. O termo foi popularizado por Will Eisner.

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Uma particularidade interessante no trabalho de Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi, é que

pela primeira vez desde a construção inicial do personagem Jeremias, é apresentado um

esboço de sua composição estética, quando os autores ainda estavam pensando na maneira

que o personagem seria representado.

Figura 96. Jeremias em Turma da Mônica Laços (2013).

Figura 97. Esboço do personagem Jeremias por Lu Cafaggi e Vitor Cafaggi (2013).

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165

Maurício de Sousa faz 80 anos

Em 2015, Maurício de Sousa completou 80 anos, e a Panini Comics publicou uma

história em quadrinhos chamada Maurício 80. A narrativa apresenta a trajetória de

Maurício de Sousa desde o nascimento até os dias de hoje, em uma mistura de ficção e

realidade. Maurício apresentado como personagem na história, revive todo seu passado,

relembrando os momentos mais importantes de sua vida.

A história é construída com uma série de relações dialógicas, entretanto, algumas

referências só são compreendidas por quem já conhece as histórias da Turma da Mônica,

como a primeira aparição da Mônica, do Bidu, e alguns outros personagens que nem são

mais utilizados no universo produzido por Maurício de Sousa.

O personagem Jeremias aparece de forma tímida, relembrando sua representação

da década de 1960, em uma referência a Mogi das Cruzes em 1941, época em que

Maurício tinha 6 anos, ou seja, pela narrativa, supõe-se que quando Maurício de Sousa

era pequeno, alguns meninos viviam brincando pelo bairro, e um deles era negro.

Uma parte interessante da narrativa é que em toda sua vida Maurício de Sousa foi

visitado por seis gênios da inspiração, são eles: Fantasia, Aventura, Terror, Ficção,

Juventude e Inspiração Filosófica. Todos os personagens foram construídos

especificamente para esta narrativa, e o personagem Aventura é um homem negro.

Figura 98. Jeremias, Titi e Humberto em Maurício 80 (2015)

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O personagem Aventura surge quando Maurício de Sousa tem 14 anos, é o

segundo gênio da inspiração, e mostra a Maurício como é interessante viver uma aventura,

e a coragem necessária para conhecer mundos diferentes.

O Gênio da aventura é um personagem importante dentro da representação do

negro no universo da Turma da Mônica, pois, a narrativa mostra que a partir dele,

Maurício construiu universos além de Mogi das Cruzes, ou seja, sua aparição inicial como

personagem negro, funciona como uma representação positiva, a posição que este

personagem especifico ocupa, apresenta-se mais pontual do que as aparições recentes de

Jeremias.

Jeremias e a Discriminação Étnica

O que seria do mundo sem as cores, olha, com certeza teríamos um mundo

pálido, sem graça, sem brilho, sem alegria, não acham? Olha, as cores estão

presentes em todos os lugares... As cores estão presentes também nas pessoas,

tem gente que é branquinha como fantasma, e não estou falando do Penadinho,

tem gente moreninha cor de canela, amarelinha, vermelhinha, e são essas cores

que deixam as pessoas mais bonitas. (Sousa, 2009).

Em 2009 a Maurício de Sousa Produções publicou na internet um vídeo no intuito

de discutir questões relacionadas a discriminação étnica. No vídeo, inicialmente Maurício

de Sousa fala sobre a importância das cores, propondo um diálogo sobre a diversidade, e

então, o autor-desenhista conversa com o personagem Jeremias, pois este, tinha acabado

de sofrer preconceito.

Figura 99. O Personagem Aventura e Maurício de Sousa (2015)

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Após o autor falar sobre a importância das cores, Jeremias chega e os dois

começam a conversar:

Jeremias: É verdade, mas não é bem assim Maurício

Maurício: Oi Jeremias, ué que carinha triste é essa?

Jeremias: Ah! Deixa pra lá

Maurício: Não! Não! Não! Agora eu quero saber Jeremias

Jeremias: Eu fui convidado pra festa da Carminha Frufru, sabe?

Maurício: Ah! Toda turminha foi convidada, Mônica falou que a Carminha tava toda

proza, mas você não foi na festa?

Jeremias: Eu fui, mas quando eu cheguei lá, o parente da Carminha não me deixou entrar

Maurício: Não deixou você entrar?

Jeremias: Ele disse que a festa não era pra gente da minha cor, e depois ficou contando

um montão de piadas

Maurício: Oh meu Deus! Preconceito. É tão feio esse negócio de preconceito Jeremias.

É tão errado.

Jeremias: Preconceito? É, eu sempre ouço falar, mas não sei direito o que é Maurício

Figura 100. Jeremias em Discriminação Étnica (2009).

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Maurício: Preconceito é quando alguém faz um julgamento antecipado de outra pessoa

Jeremias, é quando alguém não gosta de você por causa da sua religião, da sua idade, da

sua cor. Ah! Mas peraí, eu vou mostrar uma história que vai explicar muito bem pra você

e pra turminha toda.

No primeiro momento da conversa é possível notar que Jeremias sofreu uma

atitude preconceituosa, talvez a primeira explicita, apesar de tal situação não ser

encenada, o personagem não entende o motivo da rejeição. Deve-se levar em

consideração que esta é a primeira narrativa que pontua tal questão de maneira mais clara

e evidente, em que o personagem diz o que sofreu e como passou pela situação, ou seja,

o personagem apresentou o discurso. Observa-se também que Jeremias não sabe o que é

preconceito, então Maurício explica para o personagem. Nota-se que como Jeremias

ainda é uma criança (mesmo sendo mais velho que Mônica, Cebolinha e os outros), torna-

se aceitável o fato de que nunca tenha se deparado com a questão do preconceito. E

observa-se também como o personagem é afetado pela negação de sua entrada na festa.

Maurício apresenta a animação “Os Azuis” (2009), em que em um dia qualquer,

Mônica acorda e sai para brincar, quando nota que todos os seus amigos

inexplicavelmente estão azuis. Inicialmente achando que é um plano infalível do

Cebolinha, a garota se surpreende ao notar que não só eles, mas todas as pessoas do

mundo estão azuis - menos ela. E o que parecia brincadeira vira um pesadelo quando

Mônica passa a ser hostilizada e perseguida apenas por sua cor. A narrativa se resolve

quando aparentemente Mônica foi teletransportada para uma outra dimensão, e então,

volta a sua realidade e encontra todos de sua cor habitual. Mônica feliz por tudo voltar ao

normal diz: “Gosto muito de vocês, de qualquer jeito, de qualquer cor”.

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A história que tem a pretensão de discutir um tema sério, apresenta uma resolução

sem consistência, pois, a narrativa indica que apenas em outra dimensão haveria tal

preconceito, logo, a sociedade “real” não tem esse tipo de problema. Na verdade, ao

apontar a animação como interessante para se perceber este problema, Maurício de Sousa

em seu discurso, aponta que no universo criado por ele não há preconceito, apesar do fato

de Jeremias aparecer na animação com lábios característicos de representações dos anos

1970 -1980.

Depois da apresentação do vídeo Jeremias e Maurício voltam a conversar:

Figura 101. Os Azuis (2009).

Figura 102. Jeremias em “Os Azuis” (2009).

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Jeremias: Puxa, mas é chato a gente se sentir assim

Maurício: É claro né, as pessoas preconceituosas magoam muito as outras pessoas

Jeremias: Nem me fale, mas será que dá para mudar isso Maurício?

Maurício: Bem, na verdade as pessoas deveriam valorizar seus traços físicos, sua cor,

conhecer sua origem, sua cultura, tudo isso é muito importante, são essas diferenças que

fazem a riqueza e a beleza de um povo.

Jeremias: Assim como a turminha né? A Mônica é dentucinha, a Magali é magrinha e

comilona, o Cascão é sujinho, o Cebolinha é quase carequinha e fala errado, e eu sou

negro.

Maurício: É isso mesmo Jeremias, na minha turminha por exemplo tem o Hiro, o

japonesinho, tem o indiozinho Papa-capim, tem o Nimbus, o Do Contra. E tem até o

pessoal da roça lá, do Chico Bento. Tá vendo como é bom ser diferente? E são essas

diferenças que nos tornam únicos. Já pensou se fossemos todos iguais?

No fim da história Mônica e seus amigos chegam e convidam Jeremias a voltar a

festa, pois a Carminha Frufru estava perguntando por ele, e o tal primo preconceituoso

estava impedindo a entrada de todos, até quase apanhar da Mônica por chamá-la de

dentuça. O discurso de Jeremias ao “aprender” sobre as diferenças é um tanto quanto

curioso, pois, ao perceber a diferença de cada um dos personagens cita características que

são compreendidas como negativas pelas crianças como por exemplo, ser sujo, dentuço,

e falar errado, ou seja, ser negro tem a mesma dimensão das outras características citadas?

Observa-se que o personagem citou referências próximas, e que sua interpretação

sobre o mundo é de uma criança. Entretanto, não há motivo para problematizar tal

questão, deve-se levar em consideração também, que nesta narrativa específica foi a

primeira vez que o personagem usou a expressão: “Eu sou negro”. Observa-se que mesmo

sendo criança, Jeremias entende que é negro, mas não compreendia o que era preconceito.

Ou seja, as narrativas construídas pela Maurício de Sousa Produções apresentam um

mundo diverso, com personagens que apresentam características pessoais, uma proposta

de que cada personagem tem uma identidade, entretanto, compreendendo que a

identidade é fluida, tal perspectiva apresenta-se como um discurso incoerente, pois, foi

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constatado que qualquer personagem pode “tornar-se negro”, entretanto, Jeremias

costuma ser posicionado em narrativas em que apenas um negro poderia participar.

A Identidade (negra) de um Personagem

A construção da trajetória histórica de um personagem é um exercício que tem por

objetivo os perceber os aspectos dialógicos que fazem com que o personagem continue a

existir, e as diferentes posições que este ocupou desde que foi criado. A partir de tal

panorama, percebe-se a importância de refletir sobre as questões étnico-raciais

evidenciadas (ou não) nas histórias em quadrinhos, tendo como referência o campo social

que conduziu, no Brasil, a maneira que se localiza o negro dentro do campo de

representação, pois, a composição estética do personagem das HQ’s dialoga com outras

mídias. Verifica-se então, a partir de tal pesquisa, uma linearidade em torno dos espaços

que o negro pode ocupar no discurso midiático, os modos de produção e manutenção de

certos estereótipos, no caso de Jeremias, o súdito, o escravo, o invisível, aquele que não

tem o que dizer, ou será que não pode dizer? Tal, postura epistemológica propõe reflexões

específicas sobre a instauração de outras narrativas capazes de abordar dimensões

diferentes em torno da temática racial. Ou seja, não deve existir apenas uma forma de

emoldurar o outro. Logo, tal trabalho questiona posições, interpreta certos usos da

identidade dialógica de Jeremias como equivocadas, pois, os dados mostram as raras

exceções em que o negro é protagonista, dono de sua história.

Entre as relações dialógicas, nota-se nitidamente o papel da Indústria

Cultural, como responsável pela manipulação do personagem negro nos diferentes

domínios representacionais. Portanto, propõe-se a partir da leitura de diferentes histórias

da Turma da Mônica, uma análise crítica sobre os usos (e desusos) da identidade dialógica

que consequentemente servirá de pano de fundo para a discussão de questões atuais, como

por exemplo, a construção social da identidade negra nos meios de comunicação,

colocando em xeque as estruturas temporais e evitando que a identidade (narrativa e

negra) venha a ser interpretada em termos rígidos, naturalizados e permanentes.

Portanto, compreender o Jeremias como objeto de pesquisa é propor uma

análise sobre a maneira que o personagem negro é construído e articulado dentro das

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histórias em quadrinhos, é refletir sobre minha própria condição, ou seja, quais referências

dialogaram com minha compreensão do que é ser negro?

Como leitor assíduo de histórias em quadrinhos, as memórias que se relacionam

com a presença de Jeremias nas aventuras da Turma da Mônica são esparsas e as vezes

incoerentes. Portanto, deve-se problematizar as coincidências na qual o negro é

submetido na sociedade brasileira nos diferentes momentos e histórias em que o Jeremias

está presente são produzidas e comercializadas. Denunciando os estigmas funcionais que

operam na construção, inserção e manutenção do personagem, propondo novas leituras e

formas de contextualização, evidenciando o status móvel do personagem, propondo

assim, um estudo analítico e consequentemente plural, no sentido de evidenciar as

utilizações do personagem (negro) Jeremias, as articulações e mecanismos gerados pela

Indústria Cultural com objetivo de produção e comercialização direcionada a obtenção de

lucros.

Observa-se então uma série de protagonismos específicos, como é possível notar

na figura26 abaixo, que propõe uma homenagem ao dia da consciência negra.

A imagem acima representa o poder cultural do personagem, como signo, que

dialoga com questões sociais. Neste caso, verifica-se a articulação do personagem com a

o Dia da Consciência Negra, ou seja, sua identidade negra foi evidenciada para que este

fosse compreendido como símbolo de uma data. Essa articulação não ocorre de maneira

ingênua, pois, o personagem da voz a lógica proposta pela indústria cultural, ou seja, a

26 Apesar de a imagem estar vinculada na internet não foi possível encontrar a data exata de sua construção, a datação de postagem encontrada foi Novembro de 2012.

Figura 103. Personagem Jeremias representando o Dia da Consciência Negra, 2012.

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partir da inserção dessa imagem nos diferentes espaços midiáticos, Jeremias passa a ser

visto como importante para a Consciência Negra, ou seja, o acesso desse tipo de

informação geralmente é visto pelo público infantil, que associará diretamente tal imagem

ao dia 20 de novembro, possibilitando assim a Maurício de Sousa Produções veicular

produtos específicos para tal data, construindo e separando mercadorias para serem

lançadas especificamente no dia 20 de Novembro.

Então, todo o mapeamento proposto, notando as oscilações da identidade

dialógica do personagem Jeremias, funciona como um exercício de reflexão, e uma

proposta de reivindicação do lugar ocupado pelo negro, pois, o personagem negro, não

deveria ser utilizado apenas quando se precisa de um negro, suas invisibilidades, seus

discursos incoerentes, e suas representações subalternizadas tem sido notadas, e

evidenciar isso é exatamente a proposta de tal pesquisa, pois, a análise das diferentes

representações de Jeremias é um exercício que detém relevância, pois, a partir desta

construção inicial, poderá se questionar qualquer tipo de composição estética e discursiva

do negro independente do meio de comunicação que este for construído e inserido.

Que Negro é esse nas histórias em Quadrinhos?

O exercício de situar o personagem Jeremias no contexto sociocultural norteou

toda esta pesquisa, tendo como ponto de referência a maneira de pensar identidade negra

a partir das perspectivas de Stuart Hall, observou-se os aprisionamentos ligados a

construção da estética negra nos veículos midiáticos, e a dificuldade de escapar das

políticas de representação (HALL, 2006). Nesse sentido, observou-se que o personagem

Jeremias propõe significados, possui uma identidade dialógica, e que não se deve

observar tal objeto de pesquisa sem prestar atenção na maneira como este é conduzido,

pois tal significado pode ser arrancado de seu encaixe histórico, cultural e político e ser

alojado em outras categorias (idem, 2006). Nota-se então, a possibilidade de verificar as

posições e os deslocamentos do sujeito negro, propondo uma análise bakhtiniana.

A apropriação do conceito de dialogismo nos permitiu compreender a construção

histórica do personagem que apresentou diálogos com o cenário social desde sua criação

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em 1960 até as narrativas contemporâneas27, levando em consideração o papel da

Indústria Cultural em todo este processo.

O negro representado nas HQ’s não se diferencia dos outros veículos midiáticos,

as articulações propostas por um sistema hegemônico construíram um imaginário onde o

negro foi subalternizado em diferentes plataformas. No entanto, se a representação

apresenta-se como uma figuração embaraçada (BARTHES, 2015), então, vale o exercício

de questionar, desconstruir, pois, observa-se um conjunto de práticas que remetem o

negro a um único papel, na tentativa de fixar este em camadas de estereotipagem, este é

um exercício de denunciar os significados produzidos, observando relações dialógicas e

possíveis praticas racistas em torno do negro.

Segundo Hall (2016), existem práticas centrais que produzem a cultura e seus

significados que são intercambiados, então, nos debruçamos sobre o sentido de cada

narrativa onde Jeremias foi encontrado, e investigamos os aspectos representativos de

cada imagem e discurso, pois, em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo

tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de

procedimentos (FOCAULT, 2014).

Dentro do campo produzido pela Maurício de Sousa produções Jeremias é um

personagem negro, e costuma ocupar somente este papel, existem oscilações, momentos

em que são possíveis notar que a identidade dialógica do personagem flutua, e se

encontra-se entre protagonismos específicos, coadjuvante e figurante, ou seja, certos

estereótipos pertencem a um contexto social ou histórico específico, que em novas

circunstâncias, desaparecem (SANTOS, 2015), entretanto, constatou-se que Jeremias se

torna presente quando “Precisa-se de um Negro”, ou seja, dentro da perspectiva de

indústria cultural, há formas típicas de práticas representacionais, então, há espaços

específicos de se utilizar o personagem negro. Nas palavras de Stuart Hall:

O significado “flutua”. Não há como mantê-lo fixo. Acontece que a tentativa

de “fixação” é o trabalho de uma prática representacional que intervém nos

vários significados potenciais de uma imagem e tenta privilegiar um deles.

(HALL, 2016. p. 143).

27 Em dezembro de 2016 a Maurício de Sousa Produções anunciou uma Graffic Novel do personagem Jeremias, que será construída pelos artistas Rafael Calça e Jefferson Costa. Foi possível entrar em contato com os autores, entretanto, por questões contratuais eles não puderam revelar detalhes sobre a arte ou o roteiro. A Graffic Novel será lançada em 2018.

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Em suma, propondo o dialogismo de Bakhtin como arcabouço teórico, foi possível

apresentar diálogos entre as Histórias em Quadrinhos, o contexto sociocultural, a

indústria cultural, e a identidade negra, observando a construção, inserção e manutenção

do personagem Jeremias de Maurício de Sousa.

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Conclusão

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CONCLUSÃO

Os questionamentos em torno de representações típicas de personagens negros em

espaços midiáticos culminaram nesta pesquisa, cujo objetivo foi analisar as relações

dialógicas implicadas no personagem Jeremias, de Maurício de Souza Produções. Um

personagem negro que dentro do ponto de vista epistemológico nunca tinha sido levado

a sério, entretanto, a partir de Jeremias é possível ressaltar questões relativas as práticas

discursivas que aludem as identidades negras no Brasil.

Logo, a construção de tal trabalho, ao abordar um personagem se apresentou como

um desafio, entretanto, vale ressaltar o prazer de utilizar como referência histórias em

quadrinhos, pois, tal veículo midiático já fazia parte da vida deste pesquisador, mesmo

antes das experiências acadêmicas. Construir uma pesquisa pautada, em um personagem

negro, ainda hoje, é considerada postura insólita, devido ao número limitado de trabalhos

que se desenrolam sobre as relações étnico-raciais tendo como ponto de observação as

narrativas gráficas.

Entre conceitos pertinentes e leituras divertidas foi possível compreender o melhor

caminho para problematizar as posições ocupadas pelo personagem Jeremias ao longo de

seus cinquenta e seis anos de existência, possibilitando um exercício metodológico, no

intuito de problematizar posições frequentes de personagens negros na mídia, ou seja, se

era possível perceber estereótipos nas narrativas televisivas, cinematográficas e teatrais,

tais construções estéticas funcionavam nas histórias em quadrinhos?

Partindo deste pressuposto, levou-se em consideração a instrumentalização das

histórias em quadrinhos como bibliografia relevante para as ciências humanas e sociais,

sendo observadas como literatura, recurso pedagógico, e como fonte de informação e

significados, evidenciando seu papel histórico e negligenciando o status de subliteratura

ou material irrelevante.

Dentro de uma postura teórica, observou-se incialmente o status de Indústria

Cultural, verificando a maneira mecânica na qual são utilizados os veículos midiáticos, e

a posição capitalista impressa no mercado, para tal, verificou-se a construção dos

Syndicates, e sua atuação no cenário das histórias em quadrinhos. Logo, foi possível notar

de que maneira a lógica dos Syndicates foi inserida no cenário brasileiro, possibilitando

articulações similares a de países como Estados Unidos, e sendo utilizada posteriormente

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por Maurício de Sousa na construção de todo um repertório cultural, conhecido

nacionalmente e internacionalmente como Turma da Mônica. A partir de tais perspectivas

surgiu a Maurício de Sousa Produções.

Observou-se então, cada passo do personagem Jeremias, construindo

periodizações onde foi possível averiguar os imaginários construídos e a manutenção da

estereotipagem, nos espaços onde o personagem foi aprisionado e evocado por ser negro.

Esse exercício analítico foi essencial para propor uma investigação sobre tal

personagem, pois, ao observar os períodos: “Era dos Esboços”, “Pré-Turma”, “Turma” e

“Pós-Turma”, foi possível mapear a presença de Jeremias desde a década de 1960 até as

narrativas atuais da Turma da Mônica. Portanto, Levou-se em consideração que a

construção de uma narrativa por parte da indústria cultural dialoga com a estrutura social,

nesse sentido, o que há, portanto, em relação a Jeremias e ao negro brasileiro, são

representações cambiantes de identidades igualmente provisórias.

Tal pesquisa evidencia a necessidade de enfrentamento em torno de práticas

racistas na sociedade brasileira e da questão da mídia majoritariamente negligenciar o

processo de representação identitária do negro em suas práticas discursivas. Propor um

inquérito sobre o papel de Jeremias nas narrativas gráficas permite pensar não só a relação

dialógica entre diversos discursos que deram, ou não, visibilidade ao negro no Brasil.

Para elucidar tais perspectivas optou-se por uma análise Bakhtiniana, porque

“Jeremias” consiste em um personagem que faz parte de uma dada prática discursiva –

representada pelas e nas HQs – aqui compreendida como eminentemente dialógica.

Então, não foi o caso, cabe enfatizar, de se conceber a identidade negra de Jeremias como

algo fixo, ou elemento essencializado pela intenção de um suposto autor: Maurício de

Sousa. Tal demanda seria equivocada, sobretudo porque quando se considera um

personagem (ou os temas a ele vinculados) como sendo estático, acaba por fixar-se na

mediação que uma pretensa materialidade do signo supostamente oferece, e assim perde

o dado analítico que seria o mais importante: as mudanças de sentido capazes de mostrar

as dinâmicas das transformações sociais.

Desse modo, ao se analisar algumas histórias representativas de quatro

periodizações distintas, verificou-se nuances racistas, representações que podem ser

parcialmente consideradas positivas, estereótipos e até processos de invisibilidade social

do negro, onde o personagem não tinha voz, ou simplesmente desaparecia da narrativa.

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179

A identidade de Jeremias manteve dialogismos perceptíveis com os cenários

sócio-políticos, oscilando entre um presidente que propõe que todos são iguais e

personagens construídos nos moldes da blackface.

Por ser um trabalho que propõe um exercício analítico sobre histórias em

quadrinhos, optou-se por elucidar alguns momentos relevantes da pesquisa de forma

quadrinizada, onde este pesquisador torna-se um personagem de histórias em quadrinhos,

e de maneira narrativa apresenta momentos específicos da construção e das considerações

finais desta dissertação.

Em suma, tal prática apresentou-se como relevante para se colocar em pauta a

construção de personagens dentro das narrativas midiáticas, verificando as conotações

discursivas e estéticas utilizadas para posicionar o personagem negro, tal exercício nos

mostra que a sociedade contemporânea ainda aciona mecanismos de subalternidade e

invisibilidade em torno de personagens, que representam as identidades negras, omitindo

quaisquer tipos de protagonismos, ofuscando representações positivas, ou seja, o negro

dos quadrinhos é construído com referências de práticas racistas, onde persistem

tentativas de fixar atributos e discursos em torno da negritude.

Portanto, tendo em vista os dados obtidos nesta pesquisa, é possível responder:

Que negro é este nas histórias em quadrinhos? Este negro chama-se Jeremias, e foi

observado a partir de sua identidade dialógica, que oscilou entre estereótipos clássicos

em torno do negro, ou seja, narrativas que evidenciavam aspectos da África, sociedades

escravocratas, e profissões subalternizadas e protagonismos específicos onde o

personagem tornou-se agente secreto, caçador de fantasmas, e um herói. No entanto, as

representações cambiantes do personagem, ainda sim, fazem parte de uma estrutura

massiva, onde o negro é reproduzido com base em nuances estereotipadas, postura

construída e mantida pela mecânica da Indústria Cultural, sendo reproduzida, ainda hoje,

pela Maurício de Sousa Produções.

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