racismo e representaÇÃo: uma anÁlise das narrativas de trajetÓria profissional...

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RACISMO E REPRESENTAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE ADVOGADAS NEGRAS NO RIO DE JANEIRO Marina Marçal do Nascimento Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Relações Étnico-Raciais, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações Étnico-Raciais. Orientador: Prof.º Dr. Roberto Carlos da Silva Borges Rio de Janeiro Dezembro de 2018

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RACISMO E REPRESENTAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE ADVOGADAS NEGRAS NO RIO DE

JANEIRO

Marina Marçal do Nascimento

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Relações Étnico-Raciais, do

Centro Federal de Educação Tecnológica

Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Relações Étnico-Raciais.

Orientador: Prof.º Dr. Roberto Carlos da Silva Borges

Rio de Janeiro

Dezembro de 2018

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RACISMO E REPRESENTAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE ADVOGADAS NEGRAS NO RIO DE

JANEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações-Étnico Raciais,

do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Relações

Étnico-Raciais.

Marina Marçal do Nascimento

Banca examinadora:

Presidente, Professor Dr. Roberto Carlos da Silva Borges (CEFET/RJ) (orientador).

Professora Dra. Luciana de Mesquita Silva (CEFET/RJ)

Professora Dra. Thula Rafaela de Oliveira Pires (PUC/RJ)

Rio de Janeiro

Dezembro de 2018

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

N244 Nascimento, Marina Marçal do

Racismo e representação: uma análise das narrativas de trajetória

profissional de advogadas negras no Rio de Janeiro / Marina Marçal do

Nascimento. – 2018

118f. : il.col. , tabs. ; enc.

Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica

Celso Suckow da Fonseca ,2018.

Bibliografia : f. 109-118

Orientador: Roberto Carlos da Silva Borges

1. Negras – Identidade racial – Brasil. 2. Advogadas negras.

3. Racismo – Brasil. 4. Poder judiciário. I. Borges, Roberto Carlos da Silva

(orient.). II. Título.

CDD 305.896081

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DEDICATÓRIA

“Dedico este trabalho às mulheres negras da minha família e a todas as outras que, historicamente, construíram o caminho para que eu pudesse chegar até aqui; Dedico também às mulheres negras do PPRER e às advogadas do GT Mulheres Negras da OAB do Rio de Janeiro, por terem me ensinado a importância de estarmos em rede, no afeto e na dor.”

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AGRADECIMENTOS

Repito o início dos termos que utilizei em minha monografia da graduação em direito

em 2012, para dizer que sou uma mulher negra, de origem suburbana, que luta para

sobreviver à vida acadêmica e que, por isso, não me sinto à vontade para prosseguir a

apresentação desse trabalho sem antes agradecer.

A Deus(a) e todas as energias positivas nas quais acredito por me ensinarem que cada

ação se conclui no tempo que deve ser e não o tempo do querer.

Aos meus pais por todo sacrifício que fizeram em prol da minha educação, no esforço

de me guiarem a ser uma mulher realizada e feliz, tanto na vida pessoal como

profissional.

À minha irmã e familiares pelo apoio, ainda que distantes.

Ao meu orientador e banca: Roberto Borges, Thula Pires e Luciana Mesquita pela

compreensão, paciência e gentileza nos apontamentos críticos.

Aos irmãos e cineastas, Dayene Couto e Demerson Couto pelo suporte na produção do

documentário fruto dessa pesquisa.

Aos amigos que colaboraram no processo tanto de produção da pesquisa como de

impulso para segui-la: Roberta Pitta, Ketlyn Chaves, Renata Shaw, Jéssica Oliveira,

Ana Cláudia dos Santos Januário, Laura Rose, Aline Nascimento, Priscilla Teodósio

Rosa, Simone Braz, Carolina Netto, Rachel Nascimento, Andréia Coutinho, Ana

Carolina Assumpção, Eliane Almeida e todxs que me mandaram palavras de motivação

para seguir com a escrita.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio

institucional.

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[Tratem] de escrever, pois sua potência também está aí, e ao escrever [vão] partilhando, areando, arrumando, fortalecendo. [Escrevam], amigas! E não [esqueçam] de respirar com intento.

Azoilda Loretto da Trindade

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RESUMO

Racismo e representação: Uma análise das narrativas de trajetória profissional de advogadas negras no Rio de Janeiro

O número de advogadas negras tem crescido no Brasil, sobretudo com o

advento das leis que estabeleceram as cotas raciais. Reconhecendo a desigualdade das relações raciais no Brasil (SANTOS, 2009), essa pesquisa tem como objetivo analisar as narrativas de cinco advogadas negras sobre a presença ou não, do racismo em suas trajetórias profissionais refletindo sobre representação e o poder judiciário. A hipótese de trabalho é que os estereótipos negativos ligados à mulher negra estão em conflito com a construção do imaginário social do profissional que atua em espaços de poder, como ambientes jurídicos. Isso se legitima diante da perspectiva de que o pensamento ocidental formou-se a partir de uma estrutura patriarcal e branca (CÉSAIRE, 1978, p.28), tornando normativa a presença de pessoas com este perfil. Assim, busco compreender os impactos da presença negra feminina e protagonista ali. Para atingir os objetivos foram realizadas entrevistas por questionário semiestruturado com advogadas negras do "GT Mulheres Negras" da OAB do Rio de Janeiro. As entrevistas foram gravadas através de audiovisual e transcritas. A análise de conteúdo temática foi o meio de tratamento dos dados gerados nas entrevistas, com identificação e compreensão da conduta padronizada (DENZIN e LINCOLN, 2006). Um documentário foi produzido com as entrevistas. Os depoimentos exibem episódios de discriminação racial direta e indireta, diferença de tratamento e incômodo com a falta de representatividade. O fato de essas mulheres estarem em rede aponta para um processo de ressignificação do que SOUZA (2008) define como aquilombar-se, estratégias de resistência dos quilombos para manutenção da integridade social, cultural e física. Entre as cinco entrevistadas, quatro relataram terem sofrido episódios de discriminação racial ou de gênero, mas nenhuma delas teria encontrado conjunto probatório ou motivação suficiente para denunciá-los. Desse modo, é possível concluir que estar em rede permite-lhes o bem estar psíquico para que possam, em conjunto, pleitear melhoria nas condições de trabalho, apontando novas propostas para o direito lidar com correções às desigualdades sociais.

Palavras-chave: Advogadas negras; poder judiciário; trabalho; racismo; representação.

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ABSTRACT Racism and representation: An analysis of the narratives of

professional trajectory from black women lawyers in Rio de Janeiro

The number of black female lawyers has grown in Brazil, especially with the advent of laws that established racial quotas. Recognizing the inequality of race relations in Brazil (SANTOS, 2009), this research aims to analyze the narratives of five black women lawyers about their experiences with racism in their professional career paths, reflecting on the themes of representation and judiciary power. The study’s hypothesis is that the negative stereotypes linked to black woman comes into conflict with the constructed social imaginary of professionals that work in spaces of power, such as legal environments. This idea is legitimized, considering that Western thought was formed from a white, patriarchal point of view (CESAIRE, 1978, p. 28), which make white men the norm. Thus, I try to understand the impact of the presence of black women as protagonists in these spaces. In order to fulfill the research objectives, I conducted interviews using a semi-structured questionnaire, with black women lawyers from the Black Women Working Group of the Brazilian Bar Association (Ordem dos Advogados do Brasil – OAB) in Rio de Janeiro. Audio from the interviews was recorded and transcribed. For analysis, content from the interviews was organized into themes, identifying and trying to understand certain patterns (DENZIN and LINCOLN, 2006). A documentary was also produced with the interviews. The testimonies show episodes of direct and indirect racial discrimination, differences in treatment, and discomfort with the lack of representation. The fact that these women are in a supported community points to a process of re-signification of what SOUZA (2008) defines as “aquilombar-se”, resistance strategies from “quilombos” developed in order to maintain social, cultural and physical integrity. Among the five interviewees, four reported having suffered episodes of racial or gender discrimination, but none of them reportedly found sufficient evidence or were motivated to report them. Thus, it is possible to conclude that being in a supported community provides them with the psychological well-being to be able to jointly push for improved working conditions, suggesting new proposals for the law to correct social inequalities.

Keywords: Black women lawyers; power judiciary; work; racism; representation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Foto de Elaine Rosa, colega do curso de Diáspora Africana pela ONG Criola em 2017 18 Figura 2 – Foto da Suprema Corte da Nigéria – Setembro de 2017 28 Gráfico 1– Dados do Censo IBGE, 2010, sobre ações afirmativas 29 Gráfico 2 – Dados do Censo IBGE, 2010. 26% dos alunos do Ensino Superior são negros 29 Gráfico 3– Dados do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. 29 Gráfico 4 - Dados do Censo IBGE. Crescimento da População Universitária entre 2000 e 2010 30 Gráfico 5 - Discursos e Conceitos – Buscas Online sobre Alisamento Capilar e Transição Capilar 51 Figura 3 - Kerry Washington como sua personagem, a advogada “Olivia Pope” na série norte-americana “Scandal” 52 Figura 4 - Viola Davis na personagem Annalise Keating da série “How to get Away With Murder” 53 Figura 5 - Viola Davis na personagem Annalise Keating da série “How to get Away With Murder” 54 Figura 6 – Capa do Jornal “New Yorker” quando o primeiro presidente afro-americano foi eleito 56 Figura 7 - Foto de Soujourner Truth 59 Figura 8 – A ex-desembargadora Ivone Caetano no evento “Mulheres Negras e Poder Judiciário” 62 Figura 9 - Mensagem em rede social recebida de advogada do Rio Grande do Sul em 24/10/2017 65 Figura 10 - XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira em 27/11/2017 66 Figura 11 - 1° Evento “Mulheres Negras e o Poder Judiciário” em 25/07/2017 70 Figura 12 - 2° Evento - “Perspectivas Negras do Direito” em 8/11/2017 70 Figura 13 - 3° Evento - “A voz das Mulheres Negras” em 7/02/2018 71 Figura 14 - 4º Evento - “Autocuidado e Saúde da Mulher Negra” em 8/05/2018 71 Figura 15 - 5º Evento - “Homenagem ao Dia da Mulher Negra Latino- Americana e Caribenha” em 25/07/2018 72 Figura 16 - 6ºEvento - “Mulheres Negras contra o racismo” em 03/10/2018 72 Figura 17 - Número de Processos de Racismo nos Tribunais de Justiça do Brasil 100

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dados do Site da Ordem dos Advogados do Brasil 32 atualizados em 20/10/2007

Tabela 2 – Perfil das Entrevistadas 75

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SUMÁRIO

Apresentação 12

Introdução 21

Capítulo 1 – Ser mulher negra e advogada 34 1.1 Racismo e Cultura 34 1.2 Racismo e Sexismo 41 1.3 Busca por aceitação 47 1.4 Saber-se negra 57

Capítulo 2 – Mulheres Negras Advogadas na OAB do Rio de Janeiro 64 2.1 Apresentação do Grupo de Trabalho Mulheres Negras 64 2.2 Perfil das Entrevistadas 74

Capítulo 3 – Análise das Entrevistas 81 3.1 Autodeclaração das entrevistadas 81 3.2 POR QUE DIREITO? O que a levou a escolher a profissão? 86 3.3 DIREITO e PROTEÇÃO - Você acha que ter feito direito a protege? 88 3.4 PRECONCEITO? Em algum momento você passou por algum episódio 92 atuando como advogada, que entendeu como preconceituoso? 3.5. VOCÊ SE SENTE MAIS COBRADA PROFISSIONALMENTE? 95 3.6. QUANDO VOCÊ SOFREU PRECONCEITO, VOCÊ DENUNCIOU? 96 3.7. - FRUSTRAÇÃO COM O DIREITO - Quais são suas frustrações 102 com o direito? Considerações Finais 105 Referências 109 Glossário 119 Anexo I – Questionário para Entrevistas Semiestruturadas 120 Anexo II - Portaria de Nomeação para Comissão OAB Mulher RJ 121 Anexo III - Portaria de Nomeação para Diretoria de Igualdade Racial 122 Anexo IV – Portaria de Nomeação como Coordenadora Zonal na 123 Diretoria de Igualdade Racial Anexo V – Portaria de Nomeação para Coordenadora do Grupo de 124 Trabalho Mulheres Negras na Comissão OAB Mulher RJ Anexo VI – Convite para palestra na XXIII Conferência Nacional da 125 Advocacia Brasileira Anexo VII - Lista de Presença Reuniões GT Mulheres Negras 126 Anexo VIII - Processo sobre Ofício cobrando Melhoria no 131 Atendimento de Mulheres Negras nas Delegacias, Respeito ao Princípio da Autodeclaração, Capacitação Profissional e Criação da Delegacia de Crimes Raciais e de Intolerância Anexo IX - Decreto do Interventor Federal sobre criação da DECRADI 137 Anexo X – Termo de Parceria Centro do Teatro do Oprimido e OAB 138 Anexo XI – Carta de Intenções – GT Mulheres Negras para a OAB RJ 140

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Apresentação

A escrita desse trabalho acadêmico como produto da minha formação em uma

pós-graduação sobre relações étnico-raciais no Brasil parte do posicionamento de como

essas questões me atravessam subjetivamente, antes mesmo de ser vista como

mestranda. Nesta seção do trabalho, tentarei compartilhar com o leitor um pouco da

minha trajetória de vida e das angústias de pesquisa que me levaram a escrever sobre

mulheres negras advogadas.

Durante o curso de Direito, me identificava com todo o poder que o

conhecimento jurídico trazia: argumentos mais sólidos para apontar injustiças e,

principalmente, instrumentos coercitivos para repará-las. No entanto, era só olhar para

os lados na sala de aula, que eu percebia que aquele espaço não tinha sido pensado para

pessoas como eu. Que aquele era um não-lugar para mim.

Em minha graduação, tive um orientador que me ensinou a importância de se

compreender que a universidade é composta por pilares de ensino, pesquisa e extensão e

que essas três vertentes são essenciais para a formação de um profissional que se propõe

atuar de acordo com a realidade social, econômica, política e geográfica de determinada

sociedade.

Fui pesquisadora de conflitos urbanos e socioambientais e percebia o enorme

descompasso do que se aprendia em sala de aula com a realidade de diversos

quilombolas, comunidades indígenas e populações urbanas de Madureira. Do subúrbio

do Rio de Janeiro a Oriximiná, na região Amazônica do Pará, eu me questionava diante

da realidade: Para quem eram realmente direcionados aqueles direitos os quais eu

estudava?

Apesar de ter concluído um curso, de duração mínima de cinco anos, em uma

universidade federal reconhecida no cenário nacional, não me recordo de ouvir nas

aulas sobre a importância de Luiz Gama como abolicionista, o papel de Abdias do

Nascimento na autoria de leis para emancipação da população negra, a lei “Afonso

Arinos”1 e lei “Caó”2 como marcos do Poder Legislativo no combate ao racismo, entre

1A lei n º 1390 de 1951, era conhecida popularmente como Lei “Afonso Arinos”, pelo nome do deputado que propôs o projeto da primeira lei que incluiu entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceitos de raça (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1951). 2Com a sanção, a lei nº 7.716 de1989, regulamentou o trecho da Constituição Federal que torna inafiançável e imprescritível o crime de racismo, após dizer que todos são iguais sem discriminação de

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outras ações e pessoas de destaque para a história da população do Brasil,

fundamentalmente para negros e negras brasileiras.

No entanto, repetidas eram as aulas sobre as obras de Ronald Dworkin, Imannuel

Kant, Georg Hegel, Karl Marx, Hans Kelsen e uma infinidade de intelectuais, em sua

maioria homens, europeus e brancos. Não que esses autores não sejam importantes, mas

será que nesses cinco anos de formação como jurista, os saberes de homens e mulheres

intelectuais negras, latinas, africanas não fazem falta para uma estudante de direito?

Tenho certeza de que fizeram falta, tanto para mim como para milhões de

brasileiros, sejam homens ou mulheres, negros ou brancos, mas principalmente para

estudantes negros(as). A população negra é constituída de 53,6% do contingente

nacional3, mesmo assim, ao adentrarmos na graduação, encontramos um ambiente hostil

e excludente pela falta – dentre tantos subsídios - inclusive, de identificação. Seja a

identificação com outros alunos, com professores, com a bibliografia de curso, em

verdade, o que encontramos na graduação, sobretudo antes do advento das cotas

raciais4, é a solidão.

Embora atue como advogada em prol da defesa dos direitos dos trabalhadores e

desfrute de pequenas vitórias, ao poder pleitear a efetividade da justiça em nome deles,

sinto que há muito mais a ser apontado. Acredito que a melhoria da qualidade de vida

dos grupos em condição de vulnerabilidade não vem necessariamente da judicialização

dos conflitos, mas da transformação através da educação, para desconstruirmos

preconceitos tão arraigados na sociedade brasileira que é ainda tão patriarcal, classista e

racista.

No Brasil, observando os estudos relacionados à questão do negro, percebo que,

majoritariamente, são análises da perspectiva sociológica, histórica, biológica, entre

outras áreas e minoritariamente da ótica jurídica. Além disso, em minha percepção, a

falta de fiscalização e de aplicação de leis na prática que buscam a equidade para grupos

qualquer natureza. A lei ficou conhecida como “Caó” em homenagem ao seu autor, o deputado Carlos Alberto de Oliveira. 3Segundo dados do IBGE do Censo de 2010, os negros são 17% da população mais rica do país e três quartos da população mais pobre, sendo, aproximadamente, 54% da população (AGÊNCIA BRASIL, 2016). 4Em 2012, o STF julgou constitucionais as cotas raciais para ingresso nas universidades através do julgamento da Ação de Arguição de Descumprimento de Lei Federal nº 186. A previsão de cotas raciais para ingresso no ensino superior surge no âmbito federal em 2012, através da Lei 12.711. Nos concursos públicos, elas são dispostas através da Lei 12.990 de 2014 e na pós-graduação são regulamentadas pela portaria do Ministério da Educação nº 13 de 11/05/2016.

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em vulnerabilidade são os maiores problemas enfrentados pelas ditas “minorias”5 com a

legislação na sociedade brasileira.

Desse modo, após quinze anos da publicação da lei 10.639/20036, que inclui no

currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura

Afro-Brasileira”, com diversos trabalhos acadêmicos e clamores dos movimentos

sociais sobre a falta de cumprimento da lei, não seria o momento de utilizar o direito

como meio coercitivo para fiscalizar e punir quem não a cumpre?

Assim, ao optar pelo ingresso em um Programa de Pós-Graduação em Relações

Étnico-Raciais no CEFET/RJ, decidi contribuir através da minha trajetória profissional

como advogada à produção acadêmica como mestranda. Meu objeto de pesquisa inicial

tinha como foco analisar um processo judicial ainda em curso sobre o cumprimento da

lei 10.639/2003, no âmbito do Rio de Janeiro. O objetivo era perceber se a cobrança

judicial pela falta de implementação da lei, mesmo após quatorze anos (à época) de sua

redação, poderia ser um instrumento coercitivo positivo para a sociedade, diante de toda

a luta do Movimento Negro7 que culminou na criação da lei.

Minha inquietação refletia sobre o fato de que, passados apenas sessenta e seis

anos da primeira lei que dispõe sobre a proibição da recusa do ingresso de negros em

estabelecimentos de ensino – a Lei Afonso Arinos -, é possível ver até hoje a

dificuldade fática dos negros e negras usufruírem desse direito. E pior, aos que

ingressam em instituições de ensino, muitas vezes, ainda lhes é negado o conhecimento

sobre o protagonismo negro no Brasil, ao utilizarem uma bibliografia ainda bastante

eurocêntrica.

A ausência de reconhecimento sobre protagonismo negro e a falta de

representatividade - tanto no corpo docente quanto no corpo discente no curso de

Direito - foi se agravando no mercado de trabalho: a única estagiária negra na secretaria

5O conceito de minoria tem sido ampliado na modernidade e aqui é utilizado à luz dos apontamentos de Milton Santos (1994), para se referir aos grupos humanos em situação de “desvantagem social, cultural, econômica, espacial, política ou jurídica, cujos direitos são vulnerados apenas por possuírem alguma ou algumas características diferentes das do grupo dominante da sociedade” (SANTOS, 1994, p. 53). 6A lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, foi alterada pela lei nº 10.639 (BRASIL, 2003), determinando a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo básico de todas as escolas de ensino fundamental, médio e particular do país. 7Aqui o Movimento Negro é compreendido no sentido apontado por Nilma Lino Gomes (2017, p. 13-14) como um movimento de luta pela superação do racismo e pela construção social no Brasil e na diáspora africana, através de processos educativos na produção de saberes emancipatórios e agendas sistematizadoras de conhecimento sobre a questão racial no Brasil.

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de um órgão público, a primeira trainee negra da empresa, a advogada negra do

escritório.

Sempre me entendi como uma mulher negra, mas analisar as implicações disso

em sociedade, me parece, foi algo que fui obrigada a deixar de lado quando era

estudante para continuar a ter força de seguir sonhos maiores como a faculdade de

Direito, por exemplo. Um ambiente que não tinha sido criado por mulheres e nem para

elas não me soava como acolhedor para abranger as minhas questões como mulher

negra e suburbana.

Além disso, parte de mim, queria acreditar nas alegações de meus pais quando

diziam que a questão do racismo no Brasil era apenas de origem econômica. Havia, sim,

um silencioso desejo de que se eu conseguisse me formar, essas questões não me

atravessariam tanto, mas não foi isso que encontrei quando me formei e comecei a

trabalhar.

Como profissional, em determinados momentos, recebia tratamento

diferenciado e ouvia argumentos de que isso se daria pela diferença de gênero, certas

vezes diziam que seria por conta da idade, mas quando alegaram diretamente que ser

solteira também influenciava - inclusive no valor do meu salário -, tive a impressão de

que esses argumentos eram escusas para não abordarem objetivamente o fator racial. E,

com o tempo, percebi que todos esses fatores se somavam. Por vezes, no lugar em que

se opera o Direito - apesar de ser o espaço que sempre me trouxe a ilusão de que seria

onde todos seriam iguais perante a lei8 -, é onde mais se exclui.

Com Kimberlé Crenshaw (2004), advogada negra estadunidense, pude

compreender que, em verdade, esses fatores - gênero e raça - operam juntos em um

sistema de opressão, no que ela nomeia como teoria da interseccionalidade9 nos anos 80

e que o Coletivo Combahee River (1977)10 já havia decidido lutar contra essas

8O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, uma grande conquista democrática aos cidadãos, estabelece sobre direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos, dispondo em seu caput que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. 9Esse é um conceito que explica como as desigualdades, opressões e vulnerabilidades operam em conjunto, em especial, a questão de gênero e raça. Kimberlé Crenshaw ficou conhecida por usar essa nomenclatura pela primeira vez. 10 Coletivo de mulheres negras feministas lésbicas estadunidenses que pretendeu enfrentar o fenômeno da dominação sobre múltiplos aspectos, sendo um dos primeiros a formular a ideia de interseccionalidade, conceito melhor elaborado por Crenshaw posteriormente. O Manifesto do Coletivo Combahee River, elaborado em 1977, pode ser obtido na íntegra a partir do link: http://circuitous.org/scraps/combahee.html

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opressões correlacionadas desde 1978. As minhas experiências de tratamentos

diferenciados não estavam justificadas somente por ser negra ou por ser mulher, mas o

somatório de todos esses fatores.

Crenshaw (2004) narra que assumiu o compromisso de estudar mais sobre o

conceito de interseccionalidade após um episódio que vivenciou numa agremiação de

estudantes de Harvard, quando estava no primeiro ano da faculdade de Direito. Ela

afirma que acompanharia um amigo para prestigiá-lo como primeiro aluno negro a

passar por aquele ritual na instituição – que, até então, não aceitava pessoas negras.

Quando chegaram à cerimônia, ambos já estavam preparados para enfrentar algum tipo

de preconceito. Assim, logo na entrada da agremiação, o colega negro e anfitrião avisou

que eles não poderiam entrar pela porta da frente, dizendo: “Não é uma questão de

discriminação racial. Você pode entrar pela porta da frente. A Kimberlé é que não pode,

porque ela é mulher” (CRENSHAW, 2004, p.7).

Patricia Hill Collins (2012) em seus apontamentos sobre “aspectos

particulares”11 me deu uma amplitude maior sobre a interseccionalidade. Pude perceber

que ser jovem e de origem suburbana, poderia ser também um fator de opressão, que

não era apartado, mas poderia ser somado à questão do gênero, da classe, da etnia, como

eixos de opressões estruturantes que não estavam isolados.

Ao longo do curso de pós-graduação em relações étnico-raciais, eu comecei a

refletir que as minhas lacunas pessoais sobre questão racial, talvez, fossem maiores ou

tão similares às lacunas que me propus a preencher como mestranda e que uma questão

não estava desligada da outra.

Durante as disciplinas do curso, as leituras muitas vezes provocavam

verdadeiras fraturas internas que proporcionavam cada vez maiores reflexões sobre mim

e minha forma de tratar dados de pesquisa. As minhas estruturas identitárias foram

reorganizadas, incapazes de permanecerem iguais, como aquilo que chamamos no

direito de status quo12. Como Nilma Lino Gomes (2005) aponta, esse processo de

tomada de consciência surge do reconhecimento da identidade negra como uma

11 Tradução de “rasgos distintivos” feita por mim do texto em espanhol de COLLINS, 2012. 12Status quo é uma expressão latina que significa “no estado atual”, “estado da coisa”, relativa a manter situação ou muda-la. Dicionário escolar da língua portuguesa/Academia Brasileira de Letras. 2ª edição. São Paulo. Companhia Editora Nacional. 2008, p-200.

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construção social, histórica e plural, da relação de um grupo étnico-racial sobre si

mesmo e sobre o outro.

Ao longo do mestrado, percebi que a maior parte das pessoas que estudava

relações étnico-raciais no Brasil, era do magistério. Aparentemente, eu era a primeira

pessoa do Direito. Eu acreditava que uma análise da perspectiva do direito sobre

relações raciais poderiam ser de grande ganho para a pesquisa e a sociedade, desse

modo, foquei na lei 10.639/03. Por outro lado, como já havia muitos trabalhos falando

sobre a lei, mesmo que não fosse através de uma abordagem jurídica, entendi que

poderia usar minha subjetividade como ferramenta de ação.

Pouco antes de entrar na pós-graduação, eu iniciei um processo de transição

capilar, que pode ser definido como o fim da rotina de alisamento químico para o

retorno ao cabelo crespo. Algumas pessoas realizam o corte total do cabelo com

química e aguardam o crescimento. Eu preferi utilizar tranças e implantes capilares

cacheados que ajudassem no crescimento. Percebo a transição como, geralmente,

utilizada por pessoas que têm o cabelo naturalmente crespo ou cacheado, sendo uma

alternativa de retomada da autoestima que, em muitos casos, é movida por um

sentimento de orgulho da negritude e uma crítica à estética branca como único padrão

de beleza. Ao menos, essas foram as minhas motivações.

Durante os anos em que advogava e usava o cabelo quimicamente alisado não

me recordo de ter ouvido sequer uma vez a palavra advogada “negra”. No entanto, esse

referencial passou a ser frequentemente utilizado para me mencionar ao mudar a forma

de utilizar o cabelo para qualquer modo diferente do liso de “chapinha” e aqui vou

relatar algumas breves experiências.

Certa vez, usando tranças, imediatamente ao entrar em sala de audiência, o juiz

me sugeriu espontaneamente que eu sentasse na cadeira do réu. Nenhuma palavra havia

sido pronunciada por ninguém e ele não fez a mesma sugestão para nenhuma das outras

partes presentes. Informei que era advogada do autor e que me sentaria no respectivo

assento, o juiz brevemente se desculpou e disse que, pela pouca idade, eu aparentava ser

representante da empresa ré. Interessante que ele sequer sabia o nome das partes

envolvidas, não havia aberto ainda o sistema do processo eletrônico, então por que

chegou à conclusão de que eu, a única negra da sala, era ré no processo?

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Recentemente, assumi a coordenação de um grupo de advogadas negras na

Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro, grupo este que propus e sobre o qual ouvi,

por diversas vezes, que sua criação seria impossível por ausência de quórum. Em

menos de três meses, já somávamos em torno de trinta mulheres. Certa vez, perguntei a

uma advogada, companheira de pós-graduação, sobre experiências de tratamento

diferenciado por ser negra. Ela me mandou o seguinte e-mail:

“Há poucos meses fui fazer uma audiência no Fórum de Caxias, neste dia fiz um penteado que não escondia muito meu black, quando estava entrando em meio a outros advogados fui parada pela segurança (apenas eu) para que a informasse para onde pretendia ir. Uma juíza da 81ª VT, já se recusou a conceder a prioridade para minha cliente que estava com um bebê de 4 meses. Muito grosseira me falou que lugar de criança era em casa e que o tribunal não era creche, não sei se teve um cunho de preconceito, mas o que percebo é que temos nos reafirmar diariamente para sermos respeitadas. Isso sem falar os olhares de desdém que passamos todos os dias, sinto que isso aumentou depois que decidi não alisar o cabelo, depois disso tenho usado muita mais minha carteira para provar que sou advogada..... A luta é diária, mas somos guerreiras. Bjs” (Idia13*, email de julho de 2017)

Interessante que esse mesmo corpo negro é tratado de forma aparentemente

mais branda quando se aproxima do padrão estético branco, como relata Idia* ao dizer

que “os olhares de desdém” aumentaram quando ela decidiu não alisar o cabelo.

Subentende-se que o não alisar do cabelo é lido como elemento de resistência a uma

prática adotada em larga escala pelas mulheres que circulam naquele espaço,

interpretado como uma ação de negritude, pela oposição.

13 Aqui utilizo um pseudônimo para me referir à advogada, já que ela foi uma das entrevistadas.

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Figura 1 – Foto de Elaine Rosa, colega do curso de Diáspora Africana pela ONG Criola em 2017.

Fonte: Foto tirada pela aluna (2017)

Em um curso que realizei pela ONG Criola sobre Diáspora Africana, por quase

dois meses, todas as mulheres presentes - inclusive eu -, em algum momento,

apresentaram narrativas sobre seus cabelos, seus corpos e como sua estética em geral

diziam algo sobre as suas identidades ou eram interpretadas desse modo por agentes

externos. Com as intervenções, pude perceber que essas inquietações não eram somente

minhas, já que tanto as mulheres negras brasileiras quanto as estadunidenses trouxeram

reflexões e experiências sobre o modo em que eram interpeladas socialmente, em

relação à estética negra.

Desse modo, decidi investigar as narrativas de outras advogadas negras que,

em suas análises, tivessem relacionado o atravessamento do racismo no decorrer de suas

atividades profissionais. Em um primeiro momento, a estética me parecia ser um

marcador importante que no decorrer da pesquisa caminhou para a questão da

representação.

Durante o curso sobre Diáspora Africana, as trocas com os professores Roberto

Borges, João Vargas e o trabalho de Luciane Rocha (2006)14 de Antropologia do

Ultraje sobre gênero e emoções na pesquisa ativista foram importantes para que eu

14Rocha, Luciane. Outraged Mothering: Black Women, Racial Violence, and the Power of Emotions in Rio de Janeiro’s African Diaspora. Universidade do Texas, Austin, 2006.

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decidisse mudar o direcionamento da dissertação, para analisar mulheres negras com

trajetórias semelhantes ao que eu havia experimentado.

Nesse sentido, naquele momento, as referências estadunidenses sobre a questão

racial e a pesquisa ativista me pareceram de grande auxílio para pensar como negras e

negros em diáspora podem contribuir com reflexões acadêmicas a partir do olhar sobre

si. Ao ler um trecho da carta do Coletivo Combahee River, decidi trabalhar a partir

dessa política como ferramenta de escrita:

“O foco na nossa própria opressão está incorporado no conceito de política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente mais radical vem diretamente da nossa própria identidade, em oposição a trabalhar para acabar com a opressão de outrem. No caso das mulheres negras, isso é um conceito particularmente repugnante, perigoso, ameaçador e, portanto, revolucionário, porque é óbvio, ao olhar todos os movimentos políticos que nos precederam, que qualquer um merece mais a libertação que nós mesmas. Nós rejeitamos os pedestais, a realeza, e andar dez passos atrás. Sermos reconhecidas como seres humanos, no mesmo nível, é o suficiente.” (Declaração do Coletivo Combahee River, 1977 – tradução minha)

O desafio de falar em primeira pessoa pela primeira vez fora da abordagem

jurídica, sobre dados e conceitos que atravessam a minha realidade, é um árduo

exercício. O tempo para realização da pesquisa também foi desafiador. Por outro lado,

vejo essas transformações como importantes em meu processo de produção de uma

pesquisa que se propõe ativista, partindo da ferramenta que Conceição Evaristo (2017)

chama de “escrevivência”: escrever a partir das experiências de vida. Assim, através

dessas experiências, encerro minha apresentação e passo a introduzir a pesquisa.

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Introdução

A presente pesquisa qualitativa tem como objetivo geral analisar as narrativas de

cinco advogadas negras e suas percepções sobre poder judiciário e suas trajetórias de

atuação profissional. Diante da representação social sobre as características físicas

étnico-raciais das pessoas que circulam nesses espaços, busco compreender os impactos

da presença negra feminina e protagonista ali.

Como objetivos específicos, os seguintes pontos serão tratados:

Identificar os impactos da representatividade negra no ambiente de

trabalho das advogadas;

Analisar se o racismo interfere ou não em suas trajetórias e, em caso

positivo, como ocorreu;

As hipóteses de trabalho são: a) que os estereótipos negativos associados à

mulher negra estão em conflito com a construção do imaginário social do profissional

que atua em espaços de poder, como ambientes jurídicos, por exemplo. Isso se legitima

diante da perspectiva de que o pensamento ocidental formou-se a partir de uma estrutura

patriarcal e branca (CÉSAIRE, 1978, p.28), tornando normativa a presença de pessoas

desse perfil. b) essas mulheres buscaram no direito alguma proteção, se elas

acreditavam que o acesso à legislação poderia mantê-las afastadas do racismo e das

condições sociais em que negros são tratados no Brasil ou se elas pensavam que se

sentiriam mais seguras atuando no sistema jurídico.

A partir da minha experiência como mulher negra e advogada e da narrativa de

outras mulheres negras que conheci atuando no Poder Judiciário, busco refletir sobre as

circunstâncias que podem levar pessoas a terem a sua trajetória profissional atravessada

pelo racismo, diante da leitura do corpo e do cabelo como elementos da identidade

negra (GOMES, 2002), em espaços hegemonicamente brancos como os ambientes de

atuação jurídica.

Destaco que não pretendo analisar a identidade negra dessas mulheres como

um fim, mas um fator importante que pode nos levar a compreensão de como pessoas

negras são tratadas no sistema de justiça, ainda que atuando de forma legítima nele, e o

que isso nos diz sobre as práticas perpetuadas dentro do poder judiciário. Aqui,

interpelo o direito na sua estrutura, na sua lógica de funcionamento que privilegia o ser

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másculo e branco não apenas por uma questão de quantitativo, mas de formação do

modo de operar do sistema.

Retomando os apontamentos de Nilma Lino Gomes (2002) sobre a leitura do

negro na sociedade brasileira, Gomes assinala que a inferiorização do corpo negro foi

um instrumento utilizado pelo regime escravista para justificar a reificação do homem

negro e encobrir as intenções econômicas e políticas. Dessa forma, a comparação entre

os sinais diacríticos do corpo negro, como a cor, o cabelo, o nariz e os sinais do corpo

do branco europeu teria servido de argumento para formulação de um padrão de beleza

e de fealdade que persegue o grupo étnico-racial negro até os dias atuais.

Nessa perspectiva, a identidade atribuída ao negro é uma construção social,

uma ficção que, embora não corresponda à realidade, produz efeitos reais sobre ela.

Ainda que tenha um caráter fictício, quando presente no imaginário coletivo,

historicamente determina as relações entre negros e brancos na sociedade brasileira

(Gomes, 2002). Assim, as diferenças corporais são utilizadas para justificar a

hierarquização social.

Com relação às advogadas negras, quando se pergunta a uma mulher negra

formada em direito o motivo da escolha do curso, é possível ouvir a resposta de que

teria sido pelo censo de justiça.

A pesquisa segue uma abordagem qualitativa, a fim de atender a questões

particulares nas ciências sociais, que, segundo Minayo (2009, p.21), trabalha com o

universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das

atitudes. De acordo com Portela (2004, p.5), pesquisadores que utilizam os métodos

qualitativos buscam, através deles, explicar o porquê das coisas. Portanto, a presente

dissertação busca estabelecer relações entre os dados e o contexto em que as mulheres

cujos discursos serão analisados estão inseridas, analisando as similaridades dos

depoimentos.

Para atingir os objetivos da pesquisa, foram realizadas entrevistas com

advogadas negras que atuam no município do Rio de Janeiro, por meio de questionário

semiestruturado - cujas perguntas não são totalmente fechadas -, o questionário pode ser

lido no anexo I dessa dissertação. As entrevistas foram gravadas através de audiovisual

e, posteriormente, transcritas para facilitar a consulta do material. A análise de conteúdo

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temática foi o meio pelo qual foram tratados os dados gerados nas entrevistas, para

identificação e compreensão da conduta padronizada (DENZIN e LINCOLN, 2006).

Brandão (2010, p.48) orienta que a entrevista leva o pesquisador “a refletir

sobre a forma e o conteúdo da fala do entrevistado, os encadeamentos, as indecisões,

contradições, as expressões e gestos”. Isso me permitiu analisar os “núcleos de sentido”,

pontos de convergência e divergência que compõem a comunicação e cuja presença ou

frequência com que aparecem podem significar algo para o objetivo analítico escolhido

(BARDIN, 2009). Dessa forma, o procedimento da análise se deu por blocos de acordo

com as respostas das entrevistadas.

Referencial Teórico e Revisão de Literatura

Frantz Fanon (1956, 1961 e 2008), Lélia Gonzalez (1984) e Achille Mbembe

(2014) foram utilizados para a discussão sobre como o racismo se reflete dentro da

conjuntura em que as mulheres entrevistadas estão inseridas. O racismo institucional ou

sistêmico é analisado à luz do que Jurema Werneck (2013, p.17) aponta como fenômeno

que induz, mantém e condiciona a organização e a ação do Estado, suas instituições e

políticas públicas – atuando também nas instituições privadas, produzindo e

reproduzindo a hierarquia racial.

Para verificar dados do mercado de trabalho para advogadas negras, adiante,

sigo uma análise da teoria da interseccionalidade na pesquisa através da Declaração do

Coletivo Combahee River (1977), de Kimberlé Crenshaw (1989), Patrícia Hill Collins

(2016) e Sônia Beatriz dos Santos (2012). A ideia é deixar que as experiências das

advogadas negras guiem a finalização do trabalho. Isto, porque, a política de identidade

instrui essa pesquisa.

O referencial teórico também conta com o aporte em Stuart Hall (2004), Tomas

Tadeu Silva (2000), Nilma Lino Gomes (2008) e Neusa Santos Souza (1983) que me

ajudarão a pensar questões ligadas à presença das mulheres negras em ambientes

jurídicos, bem como os processos que envolvem a representação social de profissionais

que atuem em espaços jurídicos, diante das considerações apontadas na hipótese de

trabalho. É importante destacar que, as produções aqui destacadas não são do direito,

porque a crítica que se faz é exatamente ao racismo presente no modo de operar do

sistema de justiça e de seus agentes.

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Nesse sentido, amparo os argumentos da presente pesquisa em autoras e

autores pós-coloniais e decoloniais, - ciente de que os autores dessas linhas nem sempre

concordam sobre determinados tópicos -, porque nessa pesquisa essas contribuições

foram lidas como complementares para entender a realidade das desigualdades de

gênero, raça e classe vividos por negras e negros em diáspora no Brasil. Além disso,

com relação à utilização de referências bibliográficas que partem de críticas raciais do

contexto do feminismo negro estadunidense, entendo que a realidade brasileira traz

algumas características que a tornam diferente das experiências das mulheres negras

estadunidenses, mas não ao ponto de uma completa incompatibilidade.

Isto, porque, explicitando apenas um primeiro aspecto dessas diferenças, no

contexto brasileiro, uma das maiores dificuldades enfrentadas na análise das relações

raciais encontra-se no que foi denominado de “mito da democracia racial” (SANTOS,

2009), que construiu uma falsa igualdade e ausência de conflito racial que raramente

permitiu que o racismo fosse discutido em âmbito público. Já nos EUA, diferentemente,

ocorreu o debate público sobre a questão racial e a segregação foi inclusive disposta em

normas.

Além disso, a utilização do suporte de autores pós-coloniais diaspóricos do

continente africano como Fanon e Mbembe, se faz necessária e não incompatível nas

análises, já que os brasileiros também sofrem com o impacto da colonização tanto no

imaginário social ainda existente, quanto na precarização do modo de vida do ser negro.

Frise-se que, na tentativa de realizar uma revisão de literatura sobre o tema,

utilizando o "Google Acadêmico" como ferramenta de busca, nos últimos dez anos

entre artigos, dissertações e teses houve apenas um resultado apontado para a palavra-

chave “advogadas negras”, com pesquisa realizada em 23 de outubro de 2018,

consultando as dez primeiras páginas. Trata-se de dissertação de mestrado do curso de

psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 2013, autoria de Rosana

Antoniacci Platero, intitulado de “Humilhação social no trabalho: o caso das advogadas

negras”.

Platero organiza o trabalho da seguinte forma: apresentação de um histórico so-

bre os cursos jurídicos no Brasil e o cenário até o tempo da pesquisa em 2013; aborda-

gem de conceitos da relação de interseccionalidade entre sexismo e racismo; o panora-

ma histórico da situação do negro no Brasil; a relação da mulher negra com o trabalho e

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o preconceito vivenciado no cotidiano. Como objeto de análise Rosana Platero escolheu

dois casos específicos de mulheres negras: uma juíza e uma advogada. No entanto, os

modelos teóricos utilizados pela pesquisadora, amparados em determinadas epistemolo-

gias hegemônicas eurocentradas, em minha opinião, acabam por reforçar estereótipos do

lugar social determinado para a mulher negra ou de meritocracia, que é exatamente o

que se busca combater aqui.

Por outro lado, a pesquisa no Google Acadêmico também resultou na demons-

tração de diversos trabalhos sobre mídia, movimento de mulheres negras e a questão da

representatividade - que não se relacionavam diretamente com a pesquisa. Porém, é no

âmbito do feminismo negro que se percebe o desenvolvimento mais relacionado ao que

se pretende nesse trabalho. Assim, é preciso lembrar que, desde a década de 1980 aos

dias atuais, há uma expressiva produção de críticas sociais envolvendo mulheres negras,

destacando-se os trabalhos de Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Jurema Werneck,

Sueli Carneiro, Rosália Lemos, Helena Theodoro, Cláudia Pons Cardoso, que são ape-

nas algumas referências de pesquisas de áreas diversas, apontando caminhos para a pro-

dução de novos conhecimentos mais contextualizados no tempo e no espaço.

Breve Contexto da Formação das Carreiras Jurídicas no Brasil

Com relação ao histórico de formação dos cursos jurídicos no Brasil, é preciso

ter em mente que o objetivo da metrópole era o de perpetuar o seu domínio, buscando

assim formar um poder judiciário que a representasse (WOLKMER, 2006). Dessa

maneira, formou-se um corpo burocratizado de agentes públicos que procurou manter-

se afastado da população para que dela não sofresse nenhuma espécie de pressão ou

quaisquer influências. Cabe incluir aqui o clero, que funcionava como se fosse formado

por empregados do Estado.

Assim, ainda que a metrópole não tivesse interesse de que se formasse no

Brasil um judiciário independente que privilegiasse os interesses locais, a intenção de

que os representantes de Portugal não sofressem influência dos colonos não se

concretizou e os acontecimentos perpassaram os temores de Portugal: houve a

interpenetração da burocracia e das relações de parentesco (WOLKMER, 2006). É

exatamente nesse ponto que se evidencia uma questão central que se consolidou ao

longo dos tempos: quem , para quem e como elaborou o sistema jurídico.

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Durante muito tempo, a formação e organização do Poder Judiciário foram

baseadas na integração da elite e dos membros integrantes da mesma. Embora Portugal

quisesse um Poder Judiciário afastado da população, isso não aconteceu, no entanto,

isso não significa que os agentes jurídicos representassem os anseios populares, já que

era a elite local que se unia aos operadores jurídicos (PRADO JÚNIOR, 1987). Assim,

o objetivo era tão somente de estabelecer um grupo em consonância para interceder de

acordo com os desejos da elite local, muito longe de resguardar direitos da população

negra e indígena. É o que nos aponta WOLKMER (2006):

“o modelo jurídico predominante durante os primeiros dois

séculos de colonização foi, por consequência, marcado pelos

princípios e pelas diretrizes do Direito Alienígena, segregador e

discricionário com relação à própria população nativa revelando,

mais do que nunca as intenções e o comprometimento da

estrutura elitista do poder”. (WOLKMER, 2006, p. 12).

Do mesmo modo, o clero, em regra geral, era formado por portugueses ou,

brasileiros brancos, descendentes daqueles. Entretanto, com o decorrer da colônia,

excepcionalmente, muitos padres e frades reagiam e contestavam as ordens e as leis

civis e eclesiásticas da colônia, principalmente aquelas que permitiam os abusos contra

os escravos. Porém, no montante da população colonial, os que reclamavam eram

poucos, com grande parte desses tendo sido expulsos do Brasil, por discordarem dos

métodos da economia colonial (PRADO JUNIOR, 1987). A partir disso, após refletir-se

sobre o que esse poder judiciário representa historicamente, é necessário que se aponte

qual a identidade que a sociedade assume como sendo aquela destinada às mulheres

negras advogadas nesse sistema.

Para falar de identidade, utilizarei o aporte teórico com base nas reflexões de

Silva (2000, p.12), para quem a identidade pode ser definida como relacional, já que sua

existência depende de algo que lhe é externo. Desse modo, a identidade estaria

caracterizada por elementos que contribuem para explicar como ela é formada e mantida

e, ao mesmo tempo, vinculada a outras identidades por meio de símbolos relacionais.

Essa abordagem é importante para refletirmos sobre como as interações sociais das

advogadas negras atuam em seus processos de construção de identidade.

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O autor explica que as diferenciações e identificações fazem com que alguns

significados sejam preferidos relativamente a outros, pelos sujeitos. Assim, as escolhas

estariam vinculadas a uma série de “elementos e condições, como sociais, materiais,

históricas, teóricas e psíquicas que operam como sistemas classificatórios necessários

para a construção e manutenção das identidades” (SILVA, 2000, p.13). Por outro lado,

ele aponta que as representações e escolhas precisam ser negociadas entre o nível

individual e o coletivo de uma sociedade. Assim, a representação é importante para

relacionar quais elementos e símbolos são ligados a uma determinada identidade.

Desse modo, tudo se refere à representação: o mundo ao nosso redor, aquilo

que nos parece mais básico, que nos liga e nos afasta do outro, é como um sistema de

significados, uma forma de atribuir sentidos. “A representação é um sistema linguístico

e cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder. É aqui

que a representação se liga à identidade e à diferença. A identidade e a diferença são

estreitamente dependentes da representação” (SILVA, 2000, p.13). Como a

representação faz a identidade e a diferença adquirirem sentido, é ela que liga ambas aos

sistemas de poder, porque quem tem o poder de representar tem o poder de definir e

determinar a identidade.

Nesse sentido, para Stuart Hall (2016), a representação pode ser compreendida

como um tipo de poder que é exercido no processo de administração da visibilidade

pública midiático-imagética. Sendo assim, a mídia produz amplos efeitos na sociedade,

porque - quando se propõe a demonstrar o que é real - ela também produz

consequências na realidade social. Portanto o “real” é uma construção social que no ato

de representar exibe a qualidade da existência. Ao representar-se quem é poderoso,

naturalmente se atribui qualidades a quem está representando esse ser. Quem é o oposto

dessa representação visual é, consequentemente, visto como fraco.

Pensando em representação e em imaginário, a palavra “lawyer”15, em inglês,

por exemplo, não apresenta indicativo de gênero e de forma geral significa pessoa que

pratica a lei. No entanto, no Brasil, ao traduzirmos essa palavra de forma literal e

descontextualizada, involuntariamente é possível que se imagine uma figura masculina

e de pele branca. Isso pode acontecer ao se pensar em qualquer profissional que atue

15Henry Campbell Black, 5th ed. (St. Paul: West Publishing Co., 1979), p-799.

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com o direito ou qualquer posição construída como de prestígio, por conta da

representação social feita desses sujeitos.

Ainda falando em representação, é preciso lembrar que as perucas brancas

eram um símbolo das diferenças sociais entre classes na Europa e Inglaterra durante

séculos, sinal de prestígio e status e que compôs a indumentária oficial de juízes e

advogados, em alguns países até os dias de hoje (SIEFF, 2017). Diversos países

africanos que foram colonizados continuam se espelhando nessas referências como

Nigéria, Quênia, Zimbabwe, Malaui, Gana (SIEFF, 2017), símbolos que ocupam um

ideal imagético pré-estabelecido em nossas mentes sobre nobreza e respeito e que, nas

representações sociais, são associados somente às características de pessoas brancas.

Figura 2 – Foto da Suprema Corte da Nigéria – Setembro de 2017

Fonte: The Washington Post (2017)

Era este o padrão estético para o judiciário: “o ser branco” e essa referência

ainda carrega seu peso cultural. As perucas tiravam o operador do direito de sua vida

comum e o transformavam visualmente em “um outro ser” (HUIZINGA, 1980), “um ser

de respeito”. Consequentemente, qual o tratamento reservado a quem não se parece

fisicamente com o ser branco?

Desse modo, a presença da estética negra nesse espaço se dá de forma

conflituosa à representação social de quem atua nele. Por isso, refletir sobre o impacto

da presença de advogadas negras em suas relações de trabalho é um dos objetivos

específicos dessa pesquisa.

A justificativa da pesquisa se dá pela falta de representatividade negra em

espaços de poder na sociedade e pela necessidade de se analisar academicamente este

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fato. Mais da metade da população brasileira (53,5%) se autodeclarou negra (preta ou

parda) no censo realizado pelo IBGE em 2010. No entanto, apenas 26 em cada 100

alunos das universidades do país são negros, sem sabermos, porém, quantos são os

homens e mulheres. Apesar de ainda muito inferior, o acesso da população negra ao

ensino superior aumentou 232% na comparação entre 2000 e 2010. Os dados constam

no infográfico Retrato dos Negros no Brasil feito pela Rede Angola (2014).

Gráfico 1– Dados do Censo IBGE, 2010, sobre ações afirmativas. Fonte: CONECTAS DIREITOS HUMANOS (2015) Gráfico 2 – Dados do Censo IBGE, 2010. 26% dos alunos do Ensino Superior são negros. Fonte: FERNANDES (2016)

Gráfico 3– Dados do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações

Raciais (LAESER), do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. Fonte: CONECTAS DIREITOS HUMANOS, (2015)

O aumento no acesso à formação universitária reflete as políticas afirmativas

implementadas pelo governo nos últimos anos, em resposta às reivindicações históricas

do movimento negro no país. Entre 2013 e 2015, a política afirmativa de reserva de

cotas garantiu o acesso a aproximadamente 150 mil estudantes negros em instituições de

ensino superior em todo o país (SEPPIR, 2016).

De cada cem formados, apenas 2,66% são pretos e pardos. Apesar disso,

segundo dados do Ministério da Educação em 2013, o percentual de vagas para cotistas

foi de 33%, índice que aumentou para 40% em 2014 e deveria atingir 50% ainda em

2016 (SEPPIR, 2016). Lembrando que o Brasil é o 2º país com a maior população negra

no mundo, superando apenas a Nigéria.

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Gráfico 4 - Dados do Censo IBGE, 2010. Crescimento da População Universitária entre 2000 e 2010.

Fonte: FERNANDES (2016)

Com relação ao mercado de trabalho, a absorção dos negros formados não tem

ocorrido na mesma medida que seu ingresso no ensino superior. O I Encontro Nacional

de Juízas e Juízes Negros ocorreu apenas em 2017, as reivindicações seguiram em torno

da questão da representatividade na Justiça brasileira. Embora sejamos mais da metade

da população, segundo pesquisas divulgadas pela Associação de Magistratura Brasileira

e o Conselho Nacional de Justiça entre 2014 e 2015 cerca de apenas 14% dos

magistrados brasileiros se declararam negros, e aproximadamente 13% se disseram

pardos(as), resta apenas 1% de pretos(as) (AMAGES, 2017).

A quantidade de juízes que se autodeclararam pardos também é um dado a se

pensar. Para a juíza negra Adriana Cruz, em palestra realizada na UFF em 2016 sobre

racismo institucional, parte dos juízes e juízas que se declararam pardos poderiam ser

lidos pela heteroclassificação como pretos, mas a política de branqueamento

institucional faz com que muitos não se autodeclarem.

Com aporte na teoria crítica da raça, podemos compreender melhor esse

comportamento. Foi o movimento da Teoria Crítica da Raça que iniciou a

institucionalização do questionamento crítico sobre as pretensões intelectuais da

supremacia branca aplicando a lei, tendo como uma das primeiras referências Kimberlé

Williams Crenshaw, que por ela pode ser definida do seguinte modo:

“Da maneira como nós concebemos isto, a teoria crítica da raça engloba um movimento de [...] acadêmicos [...] cujos trabalhos desafiam os modos em que a raça e o poder racial são construídos e representados na cultura jurídica americana e,

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mais em geral, na sociedade americana como um todo” (CRENSHAW; GOTANDA; PELLER, 1995, p.13).

A teoria crítica da raça é importante não somente nos Estados Unidos, como foi

abordada primeiramente, pois ela “desafia a ortodoxia racial, balança a academia do

direito, questiona as premissas liberais pacificadas e leva a uma busca por novos

caminhos de pensar o mais intratável e insolúvel problema [nos Estados Unidos] - a

raça” (DELGADO; STEFANIC, 2000, p. 584).

Nesse sentido, a teoria crítica da raça aponta que o direito representa e

reproduz as dinâmicas de opressão socialmente existentes. Em seu artigo sobre o

conceito, a professora Thula Pires considera que “o direito como mecanismo de controle

social é constituído a partir da dinâmica das relações sociais e atua diretamente sobre

elas, reforçando hierarquias morais, modelos de comportamento e padrões de

normalização” (PIRES; SILVA, 2015, p.62).

No contexto histórico, se analisarmos o recorte de gênero, levando em conta

que a até o fim dos anos 1960, 2,3% dos magistrados eram mulheres – o número subiu

para 11% no começo da década de 1990. Em 2012, o percentual era de quase 30%

(VEJA, 2012). Entre os magistrados, a minoria feminina é mais perceptível. Apesar da

primeira juíza, Teresa Grisólia Tang, ter tomado posse em Santa Catarina em 1954. A

primeira juíza negra, Luislinda Valois, só tomou posse em 1984 (JUSBRASIL, 2011).

Trinta anos após Teresa Tang.

Quanto ao número de advogadas negras, a Ordem dos Advogados do Brasil -

OAB não tem nenhum informe institucional estatístico sobre esses dados e em contato

por e-mail e telefone não obtive sucesso em relação a essas informações. Em 2015, o

presidente nacional da OAB proferiu, em evento da posse da Comissão Nacional da

Verdade da Escravidão Negra no Brasil, a seguinte afirmação:

“Nos últimos 30 meses, 39 mil advogados negros ingressaram nos quadros da OAB, ou seja, uma média de 1.300 novos advogados negros por mês. Isso demonstra que a política inclusiva de acesso à educação vem funcionando, sendo esta uma grande conquista para a classe e para o Brasil. É uma conquista emancipatória da raça negra, pois teremos mais advogados, juízes e promotores negros” (GELEDÉS, 2015).

Por outro lado, no site da Ordem, o quadro geral de advogados e advogadas

inscritas, que é atualizado todos os dias, só apresenta dados quantitativos de advogados

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de acordo com gênero, faixa etária e Estado em que estão inscritos. Não há nenhuma

informação respectiva ao ingresso de advogadas negras. Em contato com a OAB do Rio

de Janeiro, a resposta da equipe de sistema de informações foi: “não temos esse filtro”,

“não há meios de fazer a busca atualmente”.

Tabela 1– Dados do Site da Ordem dos Advogados do Brasil atualizados em 20/10/2017 Fonte: CFOAB (2017)

É importante destacar o aspecto da falta de representatividade política feminina

no órgão na seguinte medida: o número de mulheres advogadas no Rio de Janeiro se

aproxima muito do número de homens atualmente, em diversos estados o número de

advogadas é maior; o quadro feminino de estagiárias é maior do que o de homens no

Rio de Janeiro, mas a instituição se chama “Ordem dos Advogados do Brasil”. Além

disso, a maior parte dos cargos de chefia é desempenhada por homens.

Em resposta a isso, há em curso uma petição pública acompanhada da

hashtag16

#mudaoab, requerendo a mudança de nome do órgão para “Ordem da

Advocacia do Brasil” pela alteração da lei 8906/1994. A petição é datada de 2016 e

conta com menos de 500 assinaturas atualmente (PETIÇÃO PÚBLICA, 2016), embora,

somente no Rio de Janeiro, haja mais de 70 mil mulheres (CFOAB, 2017).

16Hashtag é um termo em inglês para designar o ato de digitar o sinal tipográfico da cerquilha (#) acompanhado de alguma expressão, palavra ou frase para se formar uma tag ou seja, uma palavra-chave ou termos associados a uma informação, tópico ou discussão que se deseja indexar de forma explícita a mecanismos de buscas em redes sociais ou aplicativos como Twitter, Facebook, Google+, Youtube e Instagram, etc.

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Outra característica que demonstra parte dessa exclusão proporcionada pelo

direito é também com relação às advogadas com limitações físicas. Em 2013, iniciou-se

o processo de informatização dos sistemas do Judiciário através de processos

eletrônicos. A advogada Deborah Prates, que conta ter ficado cega após o exercício da

profissão, aponta que ficaria impossibilitada de advogar, a partir de 2013, com a

implantação do processo eletrônico, diante da falta de acessibilidade do sistema (O DIA,

2014). Assim, em 2014, ela peticionou ao Supremo Tribunal Federal, - corte maior do

sistema jurídico nacional - requerendo a possibilidade de continuar peticionando

fisicamente via papel, alegando que a informatização no sistema judiciário precisa de

adequações para deficientes visuais. Joaquim Barbosa, à época presidente do Conselho

Nacional de Justiça, negou a petição. Então a advogada procurou a mídia, dizendo que o

entendimento do presidente era o de que advogadas cegas deveriam pedir ajuda de

assistentes, o que fere a dignidade de sua autonomia como profissional. A advogada não

estava sozinha nesse argumento. Para o procurador federal Emerson Odilon, membro da

comissão de acessibilidade do CNJ, o processo eletrônico é inevitável, mas gera um

“apartheid digital” por impedir advogados de peticionar por papel. Em matéria

jornalística para o jornal “O Dia”, Deborah informa que a decisão afetou pelo menos

1.145 advogados cegos registrados no país desde 2002 pela OAB, sendo 27 deles no

Rio de Janeiro (O DIA, 2014). Essa decisão excludente se faz paradoxal, na medida em

que, em 2009, o Tribunal do Trabalho de Curitiba deu posse inclusive ao primeiro juiz

cego do Brasil.

Esses dados são importantes para a compreensão das condições sociais e

laborativas em que as advogadas negras estão inseridas estatisticamente, a fim de

perceber a falta de representatividade que a mulher encontra na esfera jurídica,

principalmente a mulher negra. Ambientes de trabalho em que se opera o direito são

ainda bastante patriarcais e eurocêntricos. Desse modo, é importante refletir sobre o

impacto da presença negra feminina nesses espaços e o fenômeno do racismo nesse

contexto.

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CAPÍTULO 1 – Ser Mulher Negra Advogada 1.1 Racismo e Cultura

“Assumamos que as pessoas negras têm o valor da ausência. Esse modo de ser torna se existência quebrada – existência que deu errado. Esse modo de ser torna se o ser do NÃO”. (Gordon, 1998)

A trajetória de mulheres negras é construída a partir de suas experiências e

visões sobre raça, gênero, classe, espaço geográfico, política e das construções de

diferenças, ligações e hierarquias entre as pessoas em face dessas categorias. Apesar do

racismo, as mulheres têm procurado vencer as condições impostas pelos estereótipos e

invisibilizações em uma sociedade que as trata como se nascessem com um papel e um

lugar social determinado: o de objeto passivo. É desse lugar que as mulheres negras têm

se insurgido pelo legado socioeconômico e cultural do racismo.

Uma das alternativas para se pensar o contexto em que mulheres negras estão

inseridas na sociedade brasileira é reconhecer o legado do regime escravocrata,

analisando as relações entre racismo, cultura e sua ação recíproca. O racismo pode ser

compreendido primeiramente como elemento cultural, levando em conta que “a cultura

é o conjunto dos comportamentos motores e mentais nascido do encontro do homem

com a natureza e com o seu semelhante” (FANON, 1956).

A essência da escravização de seres humanos está na ideologia de supremacia

entre grupos e, portanto, o resultado dessa relação de opressão estabelece a situação

econômica de opressor e oprimido e, com o lapso temporal, as diferenças sociais são

dispostas pelos processos de formação histórica. Assim, a escravidão assumiu sua face

mais cruel pela dominação econômica e a dimensão da exploração de mão de obra

escravizada. A justificativa católica apontava falta de desenvolvimento dos povos

africanos e indígenas por não terem acessado o cristianismo (VASCONCELLOS,

2005). Vistos como pagãos, eram, portanto, sem alma e foi por esse viés que o

cristianismo caracterizou seu papel e sua responsabilidade no genocídio dessas

populações através da colonização.

No entanto, a noção de intolerância religiosa pode ser observada desde a bula

Romanus Pontifex no século XV, intolerância esta que continuamos a combater até hoje.

Lembrando que, naquele momento da história, Igreja, Estado e capital se confundiam e,

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historicamente, continuam em muitos momentos a se confundirem em suas atuações

(VASCONCELLOS, 2005). Esses exemplos nos mostram que o processo de

escravização como modo de exploração econômica, certamente, deixou legados

econômicos e sociais, mas também culturais. É justamente o conceito eurocêntrico de

civilização que determina a construção da inferioridade negra.

Inicialmente, o racismo – para além da questão geográfica - se amparou em

argumentos simplistas, primitivos e vulgares com respaldo biológico. Formatos de

crânio, configuração de cérebro, tamanho de ossos, estudos da derme, diversos esforços

empreendidos para legitimar o mito de inferioridade entre raças e dar novas

justificativas para a exploração do trabalho (FANON, 1956).

Contextualizando os fatores que envolvem o tema a ser pesquisado, é preciso

primeiro que se reflita sobre as relações raciais e a desigualdade no Brasil, o último país

a abolir a escravidão nas Américas, cuja identidade nacional é marcada pelo sistema

colonial e escravista. Por conseguinte, o desenvolvimento da sociedade brasileira foi

estabelecido a partir de uma “cultura patriarcal e etnocêntrica”, propiciando um

histórico de concentração de renda, monopólio de terras e estratificação de classes

(SANTOS, 2009, p.16).

Nesse sentido, a abolição formal da escravidão pela Lei Áurea não permitiu

que negras e negros tivessem condições dignas de liberdade, tendo sido deixados à

própria sorte desde a abolição e enquadrados na massa considerada “vadia”, por

ocuparem-se de subempregos temporários e até da indigência. Gonçalves Filho (1998)

analisa assim o contexto à época:

“a emancipação dos escravos agenciada pelo Estado Brasileiro não foi acompanhada pelas reformas agrária e urbana. Os negros sem terra, seguiram agregados aos seus senhores ou liberaram-se para as cidades, sem casa, caindo na indigência das favelas e no aviltamento dos servi-ços proletários, sob o mando de novos senhores. Para as grandes cida-des industriais foi carreada uma multidão de despossuídos, herdeiros sem herança, vítimas da expropriação que se abateu sobre seus avós (...)”(GONÇALVES FILHO, 1998, p.14).

Desse modo, muitos libertos passaram a ganhar a vida por meio de afazeres que

os colocavam em conflito com a lei, já que em 1890, o Código Penal, em seus artigos

391 a 404, passa a tratar dos “Mendigos e Ébrios”, “Vadios e Capoeiras”, considerando

crime não somente as práticas sociais como a condição de vida em que se encontravam

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os negros. Crimes estes que foram mantidos como Contravenção Penal pelo Decreto-

Lei no. 3.688 de 1941, artigo 60 (Lei das Contravenções Penais) e permaneceu em vigor

até 2009, quando foi revogado pela Lei no. 11.983 de 17 de julho de 2009.

Além disso, González e Hasenbalg (1982) argumentam que a negação do traba-

lho ao recém-abolido do sistema escravista se dava não só pela negação à posição do

negro como homem livre, como pela preferência dos empregadores por trabalhadores

brancos imigrantes. Isso teria resultado na marginalização e desclassificação social do

negro.

Santos (2009) destaca ainda a chegada de teorias racistas no Brasil entre a

segunda metade do século XIX e a década de 1930, propagadas através dos estudos

eugenistas de Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Renato Kehl, entre outros que temiam a

mestiçagem. Assim, o ideal de embranquecimento da população brasileira surge por três

motivos, segundo Santos (2009):

“1)o senso comum julgava que negros e mestiços eram inferiores, sobretudo devido ao subdesenvolvimento do continente africano; 2) houveram diversas rebeliões e revoltas negras na América, o que provocava a desconfiança das autoridades e da sociedade; 3) o ideal de branqueamento, à luz das doutrinas racistas, também fora influenciado pelas ideias eugênicas de melhoria da raça humana, aliadas ao pensamento sanitarista de controle das epidemias públicas.” (SANTOS, 2009, p.40-41)

No Brasil, a teoria eugenista17 chegou inclusive a fazer parte do texto

constitucional. O artigo 138 da Constituição de 1934 previa: “a União, os Estados e aos

Municípios, nos termos das respectivas leis: caberia: a) estimular a educação eugênica”

(BRASIL, 1934). Além disso, o Brasil teve o maior partido nazista fora da Alemanha,

reproduzindo, diante das consequências históricas da formação nacional, uma produção

audiovisual com um padrão de beleza eurocêntrico, demonstrando um desejo de

branqueamento da nação que acabou por tornar-se um ideal imagético, uma meta racial,

a ser alcançada e trouxe seus resquícios culturais.

17 Eugenia é um termo criado em 1883 por Francis Galton (1822-1911). Galton definiu eugenia como "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente". A eugenia é uma teoria que buscava produzir uma seleção nas coletividades humanas, baseada em leis genéticas e no aperfeiçoamento da espécie via seleção genética e controle da reprodução. Vide STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005, p.224.

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Assim, partindo da premissa que a visão histórica social sobre o negro foi

construída pelo sistema escravista nos primórdios da colonização, o negro é uma

categoria social que “se confunde com os conceitos de escravo e de raça” (MBEMBE,

2014, p.15). A imagem do negro foi socialmente disposta como existência subalterna,

servil e de humanidade castrada desde a era mercantilista até o período neoliberal.

Achille Mbembe (2014) nos lembra de que o termo negro nunca esteve dissociado da

categoria escravo.

Do mesmo modo, a África representa um não-lugar diante do enquadramento

histórico colonial e na visão eurocêntrica do colonizador. Sinônimo de atraso e sem

qualquer contribuição para a humanidade, as obras e conhecimentos africanos, bem

como as lutas diaspóricas e presença de negros nas Américas, não só foram

desconsideradas, como desconstruídas, propositalmente ocultadas e ridicularizadas. A

nação que coloniza, “assiste-se à destruição dos valores culturais, das modalidades de

existência. A linguagem, o vestuário, as técnicas são desvalorizadas, o jeito de falar, de

andar” (FANON, 1956, p.42).

Portanto, se a raça primeiramente buscou aspectos mais facilmente observáveis

como fatores biológicos e geográficos de diferença, em um segundo momento, as

afirmações deram lugar a uma argumentação mais sofisticada. Fanon (1961) nos aponta

que o racismo se renova e muda de fisionomia para absorver as mudanças do conjunto

cultural que o informa.

Assim, o fenômeno do racismo como “racional, individual, determinado,

genotípico e fenotípico” se transforma em cultural. Desse modo, ao longo do tempo atua

não somente sobre a presença do indivíduo em particular, mas na sua forma de existir,

de falar, o seu estilo. “O racismo não é um todo, mas o elemento mais visível, mais

cotidiano, em certos momentos, o mais grosseiro de uma estrutura dada” (FANON,

1956).

Por conseguinte, dentro desse contexto histórico, para a visão eurocêntrica, se

África e a população negra são representadas como sinônimos de atraso e inferioridade,

a invisibilização da presença negra passa a ser também uma estratégia. Para Mbembe

(2014, p.2), o racismo “além de negar a humanidade do outro, se desenvolve como

modelo legitimador da opressão pela diferença. O racismo como biopoder representa a

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morte física, política e simbólica do oprimido”. Ao reduzir o ser a sua aparência, como

objeto, age-se como se ele merecesse vigilância e doutrinação (MBEMBE, 2014).

Assim, no caso das advogadas negras, não raro as entrevistadas narram

encontrarem no tribunal um juiz(a), um(a) colega de trabalho, uma parte contrária que

agem perante suas presenças requerendo maiores provas de credibilidade de suas

afirmações, requerendo a exibição de credenciais mais frequentemente, como já

retratado no episódio com a advogada Idia18 e como será abordado ao longo das análises

das narrativas.

Essa postura é fruto de toda a conjuntura histórica, social e cultural afetada

pelo racismo, em que nós nos sentimos mais cobradas, que agimos como se tivéssemos

que provar para todos que somos realmente boas profissionais, reforçando, muitas vezes

de forma indireta, a concepção de que somos capazes, mas de forma excepcional. Como

será demonstrado ao longo das análises de narrativas, as mulheres negras advogadas

entrevistadas se preocupam com o modo de “falar” para serem realmente ouvidas,

como devem se “portar” para serem vistas.

A preocupação dessas mulheres com o jeito de falar, com o domínio das

terminologias jurídicas estabelecidas como “formais” pela hegemonia branca, se dá

exatamente pelo receio de serem vistas pelo estereótipo da selvageria negra,

especialmente em ocasiões com espectadores, como uma audiência em tribunais. O

medo de que o subalterno19 fale, o medo de que “o lixo fale”20, se contrapondo ao que é

posto pelos detentores do poder, majoritariamente brancos, exemplifica o que DiAngelo

(2004) aponta:

“A linguagem da violência que muitos brancos usam para descrever intervenções antirracistas é algo muito significativo, porque se trata de mais um exemplo de como a fragilidade branca perverte e distorce a realidade. Empregando termos que sugerem ameaça física, ela evoca discursos históricos que descrevem negros como perigosos e violentos” (DIANGELO, 2004, p.31, tradução minha).

18 Aqui utilizo um pseudônimo para me referir à advogada, já que ela foi uma das entrevistadas. 19Ver “Pode o subalterno falar?” de Gayatri Chakravorty Spivak. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2010. 20Referência à frase de Lélia Gonzalez: “o lixo vai falar, e numa boa” em “Racismo e sexismo na cultura brasileira” na Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 225

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Assim como apontado por Mbembe (2014) anteriormente, Robin DiAngelo

também considera que o sistema hegemônico branco não age sempre de maneira aberta

e que o silêncio e ocultamento são estratégias frequentemente utilizadas. “Quem fala,

quem não fala, quando, por quanto tempo, com que validade emocional são ideias-

chave para entender os padrões que mantêm as opressões em ação” (DiAngelo, 2004,

31).

Essas ações são personificadas nos olhos de quem vigia, de quem é

aconselhado pelo chefe a fiscalizar incisivamente o “suspeito cor padrão”21, na escrita

de quem formula os editais para ingresso nos cargos públicos, dos que indeferem

pedidos, dos que prolatam sentenças, dos que decidem quem tem razão e que dão rosto

à figura abstrata e genérica do intocável e aparentemente irresolúvel do racismo

institucional.

Jurema Werneck (2013, p.17) conceitua o racismo institucional como uma

ideologia que desenvolve uma relação de hierarquias a partir da cor da pele, gerando

uma estrutura de desigualdade social permanente em nossa sociedade, limitando a

população negra de ter acesso a seus direitos. A definição de racismo institucional ou

racismo sistêmico, que em 1967 foi delineada por integrantes do grupo estadunidense

Panteras Negras, tem sido adotada também no Brasil em várias práticas antirracistas,

ampliando a concepção restrita de racismo e seu enfrentamento como fenômeno

individual e interpessoal (GELEDÉS − INSTITUTO DA MULHER NEGRA;

CFEMEA; WERNECK, 2013; WERNECK, 2010; GOULART; TANNÚS; LOPES,

2007).

21Em 2013, a Secretaria Nacional de Segurança Pública pelo Ministério da Justiça produziu uma cartilha chamada “Atuação Policial na Proteção de Direitos Humanos em Pessoas em Situação de Vulnerabilidade”. Nas páginas 52-53 da cartilha, o personagem apresentado como policial instrutor aponta para as seguintes sugestões: ““Elemento suspeito cor padrão” é discriminação: Alerta-se para a total inadequação da expressão acima. Ao utilizar o termo “elemento suspeito cor padrão”, o agente policial reforça uma associação injusta entre a cor da pele negra e ser suspeito. A própria composição das corporações, nas quais se encontram muitos policiais negros, é uma prova de como essa associação é inadequada e preconceituosa. Assim, o agente policial, ao agir no sentido de promover direitos, não deve usar, sob nenhuma hipótese, expressões como essa. Mais do que isso, recomenda-se que, ao receber orientações em que conste o referido termo, o agente policial solicite que a orientação seja reformulada tendo em vista não ser “elemento suspeito cor padrão” adequado nem como termo técnico de abordagem policial nem como expressão corrente da comunicação”. Essa orientação de duas páginas da cartilha demonstra que esse é um vício de linguagem discriminatório, pelo menos até pouco tempo, recorrente na corporação. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-publica/cartilhas/a_cartilha_policial_ 2013.pdf>.

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Assim, o racismo e a cultura presentes nos sistemas de poder fazem com que

mulheres negras sejam invisibilizadas ou representadas em situações análogas àquelas

relativas ao legado escravocrata. Mbembe (2014) nos mostra como as palavras

“escravo”, “raça” são tomadas como intrínsecas exclusivamente ao negro. Nesse

sentido, a condição de subalternidade também, já que a escravidão formal foi proibida,

mas isso não garantiu necessariamente a melhoria da qualidade de vida e da educação

da população negra.

Desse modo, quando uma pessoa negra adentra em um Tribunal de Justiça, é

possível que ela seja vista como alguém que é “da limpeza”, que “trabalha na cozinha”;

quando uma mulher negra entra em um Tribunal do Trabalho, é associada à figura da

“empregada”, da “doméstica”, da “ascensorista”. Trabalhos que são muitas vezes vistos

como subalternos, pela baixa remuneração que lhe é atribuída no Brasil, embora dignos

e de extrema importância cotidiana. Em espaços institucionais, é comum que esses

trabalhos sejam realizados por empresas contratadas e executados por suas funcionárias

terceirizadas, em muitos casos, por mulheres e homens negros. Nesses espaços de

poder, a presença negra como servil é praticamente não notada, é um trabalho invisível.

Nesse sentido, com o objetivo de provocar uma reflexão institucional, em

junho desse ano, o Tribunal do Trabalho do Rio de Janeiro promoveu uma atividade

com juízes trabalhistas chamada “Vivendo o trabalho subalterno”, com base no livro

“Homens invisíveis, relatos de uma humilhação social” do psicólogo Fernando Braga,

que atuou por oito anos como gari. O edital dizia que o objetivo da vivência era nobre:

“suscitar nos magistrados a experiência de uma pesquisa etnográfica, em que passarão o

dia atuando como trabalhadores subordinados”. A atividade provocou discussões e o

nome gerou polêmica. Para o antropólogo, Paulo Storani: “Trabalho é trabalho, pode ser

até alternativo, não subalterno” (GLOBO, 2017).

Com relação ao nosso objeto de pesquisa, podemos perceber como a equipe

técnica do tribunal percebe as hierarquizações de trabalho. Discordando do antropólogo

Storani, trabalho é trabalho, e não deve ser considerado nem alternativo e nem

subalterno. A questão é que, diante do passado escravocrata, o imagético brasileiro

estratifica qual trabalho é mais humano, mais digno, “menos alternativo”, “menos

subordinado” e todas as outras modalidades são tratadas como invisíveis, bem como

eram vistas as pessoas que foram escravizadas.

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Além disso, se o nome do livro do psicólogo atenta para as mãos de homens

invisíveis, aqui atentamos para as mulheres negras que limpam todos os dias os

tribunais para que possamos circular e nessas análises não são sequer incluídas. A

atividade foi designada para onze juízes – todos homens - trabalharem em funções

vistas como “subalternas”. Em dinâmicas de reflexão ou inclusão, o tribunal continua

excluindo ou o fato racial ou o fator de gênero, quando não os dois. Desse modo, a

presença da mulher negra como subordinada não só não incomoda, como não é vista e

sequer analisada. Ao refletir sobre a conjuntura de estereótipos ligados à mulher negra

podemos compreender o por que.

1.2 Racismo e Sexismo

“Mulher negra, naturalmente, é cozinheira, faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir rádio e ver televisão. Eles [os negros] não querem nada. Portanto têm mais é que ser favelados.” (Gonzalez, 1984) (grifo meu).

. Diante dos estigmas sociais ligados à população negra, o racismo e o sexismo

podem afetar de forma diferente a vida de mulheres negras, de acordo com as suas

trajetórias. É nesse sentido que Werneck e Dacach (2004) apontam que as condições

materiais, culturais e simbólicas ou fatores a que está submetido o indivíduo como

gênero, raça, orientação sexual, idade, condição e local de moradia, influenciam de

diferentes formas na sua situação econômica ou nas vantagens e desvantagens que ele

irá vivenciar.

Nesse sentido, Lélia Gonzalez destaca o pensamento de Fanon (1956) para

lembrar que em um país que vive e tira sua subsistência da exploração de povos

diferentes, esses povos são inferiorizados e o racismo é visto como normal.

Consequentemente, para a professora, há uma conformação com o lugar social do negro

e com características que são vistas como indissociáveis: irresponsabilidade,

incapacidade intelectual, criancice (GONZALEZ, 1984, p. 224).

Anteriormente, foi abordado quem estabelece quais são as linguagens formais e

como o falar do negro é visto, como as pessoas negras são infantilizadas em suas falas,

consideradas como aquelas que não têm fala própria, “como criança que se fala na

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terceira pessoa, porque sua fala é filtrada e silenciada pelos adultos” (GONZALEZ,

1984, p.225). Para mulheres negras advogadas, a infantilização de suas falas é

extremamente prejudicial tendo vista que são profissionais que trabalham com a

oratória.

Desse modo, partindo do pressuposto que estereótipos são a imagem

preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação, eles são usados principalmente

para definir e limitar a forma com que pessoas ou grupos sociais são percebidos em

sociedade. Assim, como apontado, a hipótese que trabalho é que esses estigmas sociais

ligados à população negra são conflitantes com a imagem de mulheres negras que

estejam em uma posição de protagonismo profissional.

Ainda sobre estereótipos de mulheres negras, Lélia Gonzalez lembra que o

único momento em que a mulher negra transforma-se em rainha é única e

exclusivamente durante o carnaval, quando é lembrada como a “mulata deusa do meu

samba”, “mulata assanhada que passa com graça/fazendo pirraça/fingindo

inocente/tirando o sossego da gente” (GONZALEZ, 1984, p.238). Ou seja, até no único

momento de suposto poder da mulher negra, alimentando o mito da democracia racial,

ela continua sendo vista como objeto para as satisfações sexuais alheias. Ela deixa de

ser anônima e invisível para ser “a cinderela do asfalto”. Agressiva, doméstica,

prostituta, passista, amante. O outro estereótipo, ainda pensando na mulher negra, é do

cotidiano pós-carnaval: o de mulher doméstica, agredida pela ideia de ser rainha apenas

por quatro dias do ano. É o retorno da servidão, quando não o lugar da prostituição.

Nesse sentido vale apontar para um tipo de experiência muito comum. Refiro-me aos vendedores que batem à porta da minha casa e, quando abro, perguntam gentilmente: “A madame está?” Sempre lhes respondo que a madame saiu e, mais uma vez, constato como somos vistas pelo “cordial” brasileiro. Outro tipo de pergunta que se costuma fazer, mas aí em lugares públicos: “Você trabalha na televisão?” ou “Você é artista?” E a gente sabe que significa esse “trabalho” e essa “arte”. (GONZALEZ, 1984, p. 228)

Continuando a discussão sobre estereótipos, diante do passado escravocrata,

Gilberto Freyre, em “Casa grande e senzala” (1933), estabelece outros lugares sociais

frequentemente associados à mulher negra: o de mãe preta, a amável, dócil,

subserviente e cuidadosa. A “figura boa da ama negra”, da babá que “cerca o berço da

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criança brasileira de uma atmosfera de bondade e ternura”. A figura da doméstica é

apontada por Lélia como a mucama permitida, “da prestação de bens e serviços, ou seja,

o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas”. O mesmo com

relação à amante, já que “concubinato com negra pode, casamento não” (GONZALEZ,

1984, p.229)

Um dos exemplos trazidos por Gonzalez (1984) como demonstração do modo

como esses estereótipos estariam associados à figura da mulher negra - não importa sua

situação econômica - seriam os casos de discriminação contra mulheres negras da classe

média, episódios cada vez mais recorrentes. Advogadas negras poderiam muito bem ser

um exemplo desses casos. A justificativa se daria, segundo a autora, pelo seguinte

motivo:

“Não adianta serem “educadas” ou estarem “bem vestidas” (afinal, “boa aparência”, como vemos nos anúncios de emprego é uma categoria “branca”, unicamente atribuível a “brancas” ou “clarinhas”). Os porteiros dos edifícios obrigam a entrar pela porta de serviço, obedecendo instruções dos síndicos brancos (os mesmos que as “comem com os olhos” no carnaval ou nos oba-oba [...]só pode ser doméstica, logo, entrada de serviço. E, pensando bem, entrada de serviço é algo meio maroto, ambíguo, pois sem querer remete a gente prá outras entradas (não é “seu” síndico?). É por aí que a gente saca que não dá prá fingir que a outra função da mucama tenha sido esquecida. Está aí.” (GONZALEZ,1984, p.230).

Nessa perspectiva, quanto à ambiguidade da porta de serviço, quando não acham

que estamos nos tribunais para realizar atividades de serviços gerais ou limpeza,

sugerem em muitos casos que somos as rés ou estamos ligadas à parte ré. De acordo

com as narrativas das advogadas entrevistadas, elas se sentem mais abordadas para

comprovarem suas credenciais, como no caso relatado por e-mail pela advogada Idia*

anteriormente.

Esses episódios podem ser justificados pela análise da professora Lélia, que

destaca que os diferentes índices de dominação nas diferentes formas de produção

econômica passam a coincidir, no Brasil, com os lugares sociais determinados, a

separação do espaço ocupado por dominado e dominante (GONZALEZ, 1984). Para a

autora, o lugar socialmente como natural para o ser branco é o das boas casas, da

proteção, do policiamento. Já o lugar do negro seria o oposto: da senzala, das favelas,

das invasões, dos conjuntos habitacionais, tudo que está à margem. Consequentemente,

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a polícia também estaria presente, mas para “vigiar, punir”22, reprimir, amedrontar e

mantê-lo no lugar de subalterno (GONZALEZ, 1984).

A partir disso, podemos entender porque o outro lugar reservado ao negro é o

espaço prisional. Portanto, se uma mulher negra entra em um tribunal e ela não está lá

para trabalhar como ajudante, é compreensível porque, muito provavelmente, ela é vista

como ré ou com algum tipo de vínculo com a parte ré. Nessa perspectiva, a mulher

negra é vista em muitos casos como “mãe de sementinha do mal”, “irmã de bandido”,

“filha da empregada”, “mulher de malandro”.

A título de exemplo, em 2016, o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi

flagrado em um vídeo entregando a chave da casa em conjunto habitacional de

programa social para a dona do imóvel – mulher negra de periferia – dizendo: “vai

transar muito nesse quartinho”23 (GLOBO, 2016). Quando o episódio foi veiculado na

mídia, o prefeito não se pronunciou sobre o caso, demonstrando despreocupação com a

necessidade de se retratar à sociedade sobre seu tratamento com uma mulher negra.

Outro caso similar aconteceu com o ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio

Cabral Filho, ao fazer a seguinte afirmação pública sobre aborto como forma de conter a

violência: “Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na

Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na

Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal" (GLOBO,

2007)24. Os mesmos olhos que antes viram as mulheres negras como fábricas de mão de

obra escravizada, hoje veem como fábrica de marginal.

Para além da questão da impunidade dos episódios que não passaram por

nenhuma retratação ou punição, assumir que, em 2016, a condição humana, o respeito, a

dignidade, é negada por chefes de Estado publicamente a mulheres negras é entender

que elas estão de fato na base da pirâmide social. Compreender o que leva esses

governantes a sequer pedirem desculpas é aceitar que a presença negra é atravessada

tanto pelo racismo, quanto pelo sexismo, pelo classismo como por outros fatores de 22Ver: FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. Editora Vozes, Petrópolis, 1987. 23Em 2016, o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, entrega chave de apartamento à mulher negra em conjunto habitacional, dizendo: “vai transar muito nesse quartinho”. O prefeito não se retratou. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/08/prefeito-eduardo-paes-e-alvo-de-criticas-apos-video-viralizar-na-web.html>. Acesso em 20 de outubro de 2017. 24O governador do Rio de Janeiro, em 2007, fez a referida afirmação pública ao falar sobre aborto e violência. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL155710-5601,00-CABRAL+DEFENDE+ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html> . Acesso em outubro de 2017.

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exclusão e que, em muitos casos, as mulheres negras ainda estão lutando para serem

vistas como seres humanos.

Em entrevista para a professora Sônia Beatriz dos Santos (2009), Jurema

Werneck faz a seguinte colocação sobre ser mulher negra:

Ser mulher negra tem dois lados. O lado áspero, de ser maltratada em qualquer lugar; todo mundo é mal-educado com você; todo mundo sente vontade de ser mau educado com você. E tem o outro lado, que é o da aglutinação; eu sendo mulher negra, também... tem um coletivo a que eu me reporto que é enorme em qualquer parte, aqui no Rio de Janeiro, ou Salvador, ou em São Luís do Maranhão, em Belém... em qualquer lugar que eu vá, ou em boa parte dos lugares que eu vou, tem um coletivo de milit.... [militantes], de outras mulheres negras; de outras mulheres negras que se apresentam enquanto mulheres negras; a história está pela diáspora. E em todas estas atividades tem sempre alguém mal educado pra você apertar a mão... (Trecho da entrevista com Jurema Werneck, feminista negra e coordenadora geral da ONG Criola, Rio de Janeiro), (apud Dos Santos, 2009).

Quando Jurema Werneck afirma que, quando se é mulher negra “todo mundo

sente vontade de ser mal educado com você”, exemplificamos o que foi abordado

anteriormente sobre desumanização das mulheres negras pelo legado da escravidão e

estereotipização à qual somos subjugadas, mas uma parcela ainda resiste.

Nesse sentido, além da questão da discriminação racial, ter acesso ao

conhecimento jurídico não impede que mulheres sofram com as opressões do

patriarcado. O movimento que se propõe a lutar contra essa opressão é o feminismo,

movimento que, segundo bell hooks (1984)25 tem por objetivo acabar com o sexismo, a

exploração sexista e a opressão. Isto, porque, para a autora “a violência contra a mulher

é intrinsecamente conectada a todos os atos de violência na sociedade que ocorrem entre

os poderosos e os desprovidos de poder, os dominantes e dominados” (hooks, 1984, p.

118).

Além disso, para a psicóloga Lélia Gonzalez, as categorias utilizadas pelo

feminismo neutralizavam tanto o problema da discriminação racial quanto do

25

bell hooks é uma autora negra estadunidense que escolheu grafar seu nome em letras minúsculas para não chamar atenção para o seu nome, mas sim para as suas ideias. O nome verdadeiro da autora é Gloria Jean Watkins, mas adotou bell hooks inspirando-se em sua bisavó materna.

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isolamento enfrentado pela comunidade negra na sociedade (GONZALEZ;

HASENBALG, 1982). Ou seja, pensar em uma categoria só isoladamente não dá conta.

É necessária uma abordagem interseccional do contexto em que mulheres negras estão

inseridas.

Dessa forma, é possível perceber que o texto da hooks refere-se às experiências

por ela vividas no contexto estadunidense. Já o texto da Lélia se refere ao Rio de

Janeiro, em contexto diferente de segregação. Ambos os textos produções negras em

diáspora, elemento que os aproxima.

Para Jurema Werneck e Solange Dadach (2004), a presença de fatores com

forte carga de desvalor na vida das mulheres negras, tem como produto um quadro

difícil, porque, por exemplo: o fato de as mulheres negras serem atingidas por graus

diferenciados de violência e preconceito resultantes da presença do racismo, do sexismo

e da pobreza agem de forma diferenciada. Apesar de as mulheres negras advogadas não

estarem sujeitas diretamente à pobreza, a luta contra as opressões que atravessam as

suas trajetórias profissionais podem causar restrições diretas, inclusive às suas

condições de empregabilidade.

Classe, raça, gênero, sexualidade são pilares de sustentação e reprodução de

opressões que determinam a qualidade de vida das mulheres negras. A identificação de

elementos comuns que têm delineado a emergência e a construção das distintas

vertentes do feminismo negro diaspórico, como a exposição da mulher negra a

simultâneas formas de opressão de forma concomitante e interrelacionadamente nos

leva a apontar para a centralidade da tradição intelectual e políticas das feministas

diaspóricas (SANTOS, 2012).

Em 1977, o Coletivo Combahee River faz uma afirmação de que as condições

materiais da maioria das mulheres negras dificilmente as levariam a modificar os

arranjos econômicos e sexuais que parecem representar alguma estabilidade em suas

vidas. “Muitas mulheres negras têm uma boa compreensão tanto do sexismo como do

racismo, mas, por causa das restrições cotidianas de suas vidas, não podem se arriscar a

lutar contra os dois”. O mesmo coletivo, em declaração, escreveu:

“Acreditamos que a política sexual sob o patriarcado é tão onipresente nas vidas das mulheres negras quanto as políticas de classe e raça. Também achamos, muitas vezes, difícil separar opressões de raça, classe e sexo porque, nas nossas vidas, elas são quase sempre experimentadas simultaneamente. Nós

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sabemos que existe uma coisa que é uma opressão sexual-racial que nem é somente racial nem somente sexual, por exemplo, a história do estupro das mulheres negras por homens brancos como arma de repressão política”. “Apesar de concordarmos com a teoria de Marx quando aplicada às relações econômicas mais específicas analisadas por ele, nós sabemos que sua análise precisa ser ampliada para que possamos entender nossa situação específica enquanto mulheres negras”. (COMBAHEE RIVER STATEMENT, 1978, tradução minha)

Nesse sentido, a feminista negra estadunidense Patricia Hill Collins (2016) nos

aponta para a experiência de vida como critério de credibilidade frequentemente

invocado por mulheres negras. O Coletivo Combahee River (1977) por outro lado,

inclui também para a discussão a experiência de mulheres negras lésbicas, que já

suportam outras opressões, como a lesbofobia ou homofobia (SANTOS, 2012). Aqui

poderíamos incluir as mulheres gordas, as mulheres periféricas, mulheres com

limitações físicas, portadoras de HIV, mulheres quilombolas, mulheres negras

transexuais entre outros diferentes marcadores de localização da mulher negra na

sociedade.

Uma das hipóteses trabalhadas nessa pesquisa é de que o racismo atravessa a

trajetória de mulheres negras advogadas e que essas mulheres podem ter optado pelo

curso de Direito como forma de proteção. Por isso, pressuponho que seja necessário

refletir sobre as narrativas das advogadas negras sobre o impacto social de suas

presenças em ambientes jurídicos, como será analisado posteriormente. A seguir, busco

identificar quais os aspectos que possibilitam que as mulheres negras sejam

identificadas como diferentes e a forma de reação dessas mulheres ao padrão estético

branco, para perceber o impacto da estética negra das advogadas nos ambientes

jurídicos.

1.3 Busca por aceitação

“Tendo julgado, condenado, abandonado, as suas formas culturais, a sua linguagem, a sua alimentação, os seus procedimentos sexuais, a sua maneira de sentar-se, de repousar, de rir, de divertir-se, o oprimido, com a energia e a tenacidade do náufrago, arremessa–se sobre a cultura imposta.” (FANON, 1956)

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A psicóloga Neusa Santos Souza (1983) afirma que a cor da pele pode ser uma

marca de diferença, portanto, para ela, ser negro na sociedade brasileira é ser diferente,

inferior e subalterno ao branco. Ela aponta que “a diferença não abriga qualquer vestígio

de neutralidade e se define em relação ao outro, o branco é proprietário exclusivo do

lugar de referência, a partir do qual o negro será definido e se autodefinirá” (SOUZA,

1983, p. 22). Nesse sentido, é possível compreender o porquê de algumas mulheres

negras tomarem o padrão eurocêntrico de beleza como belo.

Quando se é advogada negra quanto mais perto do padrão de beleza branco,

maior a possibilidade de que ocorra aceitação social. Em relação ao agir, quanto mais

próximo da referência escravocrata: “Mãe Preta” e “Pai Tomás”26, maior o número de

colegas de trabalho que te considerarão “agradável”, “simpática”, “boazinha”. É cabelo

mais liso, roupa mais elegante, falar menos impositivo e quanto menos falar melhor. O

ideal é que quase ninguém perceba a presença negra no ambiente. Se você não age

assim? Lembram que você é advogada NEGRA. Que tem muita gente batalhando para

ter essa oportunidade. Que você tem que “se por no seu lugar”. Que você é diferente.

Ao refletir sobre as formas de se adaptar, de se sobreviver a um sistema racista

e excludente, é extremamente angustiante aceitarmos como dói perceber a existência

dessa opressão. Algumas mulheres negras nem se dão conta ou preferem não parar para

analisar a conjuntura em que estão inseridas, já que a tomada de consciência é um

processo de grande carga física e emocional.

Neusa Santos nos faz pensar no custo emocional da sujeição e negação da

identidade original negra: “Afastado de seus valores originais, representados

fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco como modelo de

identificação, como única possibilidade de tornar-se gente” (SOUZA, 1983, p.23).

Lutando muitas vezes contra a dominação, o negro aos poucos foi

concretizando algumas conquistas no sentido de acessar espaços que integravam à

ordem social da competição, possibilitando uma classificação pessoal positiva no

sistema de classes sociais. Como, na sociedade o padrão de cidadania é branco, Neusa

26A Cabana do Pai Tomás é uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo em de julho de 1969, baseada em um romance norte-americano sobre o período de escravatura. Pai Tomás é um personagem extremamente passivo.

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afirma que os ‘serviços de branco’ concediam a oportunidade dos negros serem vistos

como cidadão (SOUZA, 1983).

Com o apagamento e invisibilidade dos sistemas de referência, o negro como

oprimido passa a se identificar com o padrão seguido pelo dominado. No racismo

latino-americano, Lélia Gonzalez destaca que “a alienação é alimentada através da

ideologia de branqueamento, cuja eficácia está nos efeitos que produz: como o desejo de

branquear (de limpar o sangue, como se diz no Brasil), internalizado com a simultânea

negação da própria cultura” (GONZALEZ, 1988). Essa neurose cultural brasileira sobre

a estética como fator de branqueamento é uma das formas na qual racismo e sexismo

afetam as mulheres negras de formas diferenciadas. Um dos melhores exemplos disso é

que, como narramos acima na análise de Lélia, as mulheres negras de classe média não

estão isentas de sofrerem racismo porque “boa aparência” e “educação” são vistas como

características brancas. Isso afasta a ideia de que no Brasil a discriminação seja só

quanto à categoria econômica.

Edmonds (2010) afirma que, no Brasil, o mito da democracia racial tomou de

tal forma a mente dos brasileiros em substituição à eugenia, que passou a fazer parte do

imaginário em torno da identidade nacional, neste processo reside a preocupação com a

beleza pessoal dentro dos parâmetros brancos. Assim, para o autor, não somente pelo

casamento com homens de pele mais clara, dentro do mito da mestiçagem para

branquear a aparência dos filhos, as mulheres negras teriam sido levadas a modificar a

própria aparência (EDMONDS, 2010, p.172-174).

Especificamente com relação à estética das advogadas negras, Nilma Lino

Gomes nos mostra como o cabelo é uma zona de tensão. O padrão de beleza corporal

ideal majoritariamente difundido é branco, mas a realidade de suas estéticas é a de um

corpo negro.Formas ousadas e criativas de usar o cabelo demonstram autonomia.

Assim, a forma de usar o cabelo pode ser considerada como modo de expressar a

consciência sobre a tensão ou o encobrimento do conflito (GOMES, 2008). O cabelo

pode possibilitar exprimir conformidade ou não com o sistema em que se está inserida.

O cabelo crespo é historicamente mal visto na sociedade, só passa a ser aceito

quando está “arrumado” nos moldes aceitos pela sociedade, ou seja, aquele que se

aproxima ao máximo do cabelo das mulheres brancas: o cabelo loiro, o cabelo liso, o

cabelo longo, o cabelo com baixo volume, o cabelo sem frizz é esse o objeto imposto

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como de desejo da mulher negra pela indústria de cosméticos. O que é esquizofrênico

nisso é que o cabelo da mulher negra é o oposto de todas essas características, o que

leva muitas mulheres a até terem experiências com queimaduras químicas ou queda de

cabelo, buscando aprovação social, como aponta Gonzalez:

“Tem uma música antiga chamada “Nêga do cabelo duro” que mostra direitinho porque eles querem que o cabelo da gente fique bom, liso e mole, né? É por isso que dizem que a gente tem beiços em vez de lábios, fornalha em vez de nariz e cabelo ruim (porque é duro). E quando querem elogiar a gente dizem que a gente tem feições finas (e fino se opõe a grosso, né?). E tem gente que acredita tanto nisso que acaba usando creme prá clarear, esticando os cabelo s, virando leidi e ficando com vergonha de ser preta.” (Gonzalez, 1984)

As expressões “cabelo ruim”, “cabelo duro”, “cabelo cheio”, “cabelo mal

cuidado”, “cabelo sem jeito” são estratégias de controle sobre o corpo da mulher negra.

Embora no período da escravidão formal tenha ocorrido o controle do corpo pelo todo,

agora ele encontra seus resquícios controlando-o em partes. Essas imposições muitas

vezes são aceitas como uma estratégia de sobrevivência: é mais fácil de funcionar nessa

sociedade com o cabelo alisado. Os problemas são menores; ou como alguns dizem, “dá

menos trabalho” por ser mais fácil de controlar e por isso toma menos tempo (hooks,

2005).

Aos poucos, algumas mulheres vão acreditando nesse discurso de que

realmente dá menos trabalho, muitas vezes o dominado por si só legitima falas do

dominador. bell hooks nos aponta como dói perceber a relação entre a opressão racista e

os argumentos que usamos para convencer a nós mesmas e aos outros de que não somos

belos ou aceitáveis como somos. (hooks, 2005).

Moldar-se a partir da negação do próprio corpo é uma forma de transformação.

O alisamento do cabelo é um fenômeno que possibilita a mudança da aparência física de

uma mulher. A pseudo migração do feio para o belo. A ampliação das técnicas de

alisamento e o vínculo deste procedimento com diversas problemáticas sociais reforça a

negação de cabelos crespos dentro desta sociedade, que tem em sua origem o profundo

histórico do racismo (KING, 2015). A mídia, por sua parte, reproduz esse ideal

imagético branco como padrão de beleza e, embora haja um aumento de mulheres

negras que se autodeclaram negras segundo o IBGE e a ampliação de visibilidade dos

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movimentos feministas negros, bell hooks nos mostra que a maior parte das mulheres

não receberam apoio de suas famílias, amigos(as) e parceiros(as) amorosos(as) quando

decidem não alisar mais o cabelo (hooks, 2005).

Em palestra realizada na OAB sobre Mulheres Negras e Poder Judiciário, a ex-

desembargadora Ivone Caetano – primeira juíza negra no Rio de Janeiro e segunda do

país – relata episódio de incentivo que as pessoas dão para que os cabelos crespos sejam

alisados, também como forma de afastar o racismo, por incorporar um padrão

hegemônico: “Quando fui tomar posse, um colega que gostava muito de mim mesmo,

eu sei que foi preocupação, ele era branco, esperou todo mundo sair da sala, chegou

bem pertinho de mim e disse baixinho: “Ivone, você vai tomar posse com esse

cabelo?”” (OABTV, 2017). Esse caso demonstra que o cabelo crespo não é visto

majoritariamente como uma característica formal do padrão estético profissional.

Em 2016, foi realizada uma Conferência sobre Racismo e Discurso de Ódio na

Internet. Um dos palestrantes foi Tarcízio Silva, pesquisador pelo Instituto Brasileiro de

Pesquisa e Análise de Dados - IBPAD. Ele apresentou uma série de estatísticas sobre

mensuração de racismo virtual. Em pesquisa sobre busca sobre conceitos, produtos ou

discursos sobre cabelo, o mapeamento demonstrou que embora haja um crescimento

significativo da busca sobre transição capilar aparentemente desde 2013, a média de

pesquisas sobre alisamento capilar aumenta desde 2005 gradativamente e quase

duplamente em relação à transição capilar (IBPAD, 2017). Assim, embora muitas

mulheres estejam pesquisando sobre transição capilar, a maioria continua buscando por

alisamento, demonstrando a procura por adaptação a um padrão estético eurocêntrico

conforme aponta o gráfico abaixo:

Gráfico 5 - Discursos e Conceitos – Buscas Online sobre Alisamento Capilar e Transição Capilar

Fonte: IBPAD (2016)

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No livro “Alisando nossos cabelos”, de bell hooks (2005, p. 48), a autora afro-

americana narra uma experiência que teve ao discutir sobre beleza com jovens mulheres

negras, estudantes da Spelman College. Muitas afirmavam achar importante possuir

cabelos lisos para conquistar uma vaga de emprego. A conclusão é baseada em diversos

relatos de mulheres que narram terem sido discriminadas27 por causa de seus cabelos

naturais, mesmo não denunciando os casos. Ao tomarem consciência de que manter

seus cabelos naturais coloca suas relações emocionais mais íntimas e sociais em risco,

muitas mulheres se inclinam a alisar seus cabelos para evitar esses conflitos (hooks,

2005). Esses conceitos padronizados de beleza, à luz de uma construção eurocêntrica,

também são reproduzidos pela mídia e difundidos indiretamente no subconsciente em

massa. Duas séries estadunidenses com recorde de público, inclusive no Brasil, que

trazem personagens negras como advogadas, ambas usam os cabelos alisados em

ambiente de trabalho.

Figura 9 – Kerry Washington como sua personagem, a advogada “Olivia Pope” na série norte-americana “Scandal”

Fonte: Blog Just a Girl (2015)

Na série estadunidense “Scandal” – traduzida como “Escândalos”, a

personagem vivida pela atriz Kerry Washington é Olivia Pope e representa uma

advogada inteligente, muito competente e dona do próprio escritório. Visualmente, no

entanto, algumas mensagens não faladas podem representar estigmas sociais velados

relacionados à personagem negra.

27Ver matéria sobre perseguição ao cabelo afro no mercado de trabalho em reportagem da organização jornalística “Ponte”. Disponível em: <https://ponte.org/perseguicao-contra-cabelo-afro-expoe-face-racista-do-mercado-de-trabalho/>. Acesso em 18 de outubro de 2015.

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Além de ser advogada, na vida pessoal, a personagem é amante do presidente

dos Estados Unidos, um homem branco – em uma das cenas, o presidente afirma que a

personagem só serviria para relações sexuais, o que reforçaria estereótipos de

hipersexualização da mulher negra -, como na figura da mucama abordada

anteriormente; só se veste de branco ou com roupas claras, que em muito se parece com

um desejo de branqueamento ou de limpeza, sendo frequentemente alvo de blogs e sites

de moda. A foto acima foi retirada de um deles.

Outra personagem advogada negra notória é “Annalise Keating”, da série

estadunidense “How to get Away with Murder”28, que também foi traduzida para o

português por seu sucesso mundial. A personagem ganha vida através da premiada atriz

Viola Davis, famosa por suas atuações em filmes com discussão racial e seu discurso no

Oscar sobre oportunidades para mulheres negras no cinema.

Apesar de também ser uma personagem multifacetada e complexa, a começar

pelo fato de ser interpretada por uma mulher negra de pele escura e sucesso profissional,

o que costuma acontecer com baixa frequência em protagonistas no universo da

indústria do audiovisual estadunidense em Hollywood. Annalise Keating é uma

professora universitária em Harvard que, toda vez em que está nos tribunais ou em

situações de poder, utiliza perucas ou extensões capilares, o que aparenta ser uma

tentativa de aceitabilidade ao estar em público.

Figura 4 – Viola Davis na personagem “Annalise Keating” da série “How to get Away With Murder”

Fonte: ENEWS (2015)

28 No Brasil, a série foi traduzida pela rede Globo de televisão como “Lições de um Crime”. No canal de televisão Sony e aplicativo Netflix, a série foi traduzida com o nome “Como defender um assassino”.

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A personagem enfrenta altos e baixos na profissão, demonstrando-se

extremamente forte em sua atuação profissional, mas é ameaçadora e apresenta ética

profissional duvidosa, submetendo-se inclusive a estratégias ilegais com envolvimento

em crimes, tendo sido presa mais de uma vez. Na vida particular é sozinha,

traumatizada, foi violentada e enfrenta o alcoolismo. Na primeira temporada da série, a

personagem traia seu marido e embora ela fosse frequentemente gravada (em todas as

temporadas) em cenas de sexo, ela dificilmente é flagrada beijando ou demonstrando

afeto a alguém.

A advogada também tem um histórico familiar frágil, envolvendo estupro pelo

tio, abandono do pai. A mãe inclusive se queixa por ela ter “adotado um nome de

branca” – se chamava Anna Mae antes de alterar o nome quando decidiu advogar –

julgando-a por querer se enquadrar em padrões sociais. Nas relações pessoais, a maior

parte dos personagens se sente afetado negativamente por ela. Todas as vezes que a

personagem é exibida em situação de fracasso ela usa o cabelo crespo natural, o que

poderia, por assimilação afirmar que as pessoas de cabelo crespo são a imagem da falta

de êxito.

Figura 5– Viola Davis na personagem “Annalise Keating” da série “How to get Away With Murder” Fonte: BUSTLE (2015)

Nesse sentido, não é que não haja nenhum aspecto positivo em ver

representações de mulheres negras advogadas de sucesso. No entanto, há diversos traços

que evidenciam que em uma sociedade esteticamente regida por um paradigma branco,

a clareza, a brancura, o modo de agir do homem branco, persistem como marcas

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simbólicas de uma superioridade imaginária atuante em estratégias de distinção social

(SODRÉ, 1999).

Assim, ainda que o contexto histórico de segregação racial entre Estados

Unidos e como isso ocorre de modo peculiar em relação ao mito da democracia racial

no Brasil, o sucesso da série em ambos os países com personagens negras que

apresentam tantos estereótipos negativos quanto positivos dialogam com o imaginário

social e estigmas relacionados á população negra.

Ademais, segundo Debord (1997), a produção de imagens, a valorização da

dimensão visual da comunicação como instrumento de exercício do poder, de

dominação social, existe em todas as sociedades onde há classes sociais. O

estranhamento que a posição protagonista de mulheres negras tanto na mídia, quanto no

campo da realidade demonstram que onde há desigualdade social está presente a divisão

social do trabalho, principalmente a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual

(DEBORD, 1997).

Essa afirmação se complementa em “Colonialidade do poder, eurocentrismo e

América Latina”, de Aníbal Quijano, onde o autor alerta que a divisão racial do trabalho

se impõe nas Américas e no mundo. Segundo ele: “raça e divisão do trabalho foram

estruturalmente associados e reforçando-se mutuamente, apesar de que nenhum dos dois

era necessariamente dependente do outro para existir ou para transformar-se”

(QUIJANO, 2005, p. 231). Assim, representar visualmente quem executa tais trabalhos

é uma forma de manutenção dos estigmas sociais.

Nesse sentido, cabe uma indagação: como poderia ser representada a imagem

de uma mulher negra que alcança o lugar social máximo de prestígio do país de maior

potência mundial? Uma última análise sobre representação midiática do cabelo de

advogadas negras é de Michelle Obama. A ex-primeira dama foi tutora de Barack

Obama no escritório em que trabalhava e, em muitas fases do mandato Obama, chegou

a ter maior destaque na mídia internacional do que o próprio presidente. Michelle

LaVaughn Robinson – nome de solteira da pioneira como primeira dama afro-

americana – além de advogada é escritora. Durante a presidência ela era extremamente

proativa em ações contra o racismo. Nunca foi flagrada utilizando o cabelo de modo

natural, mesmo havendo uma enorme perseguição midiática para que houvesse um

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registro do tipo. Na campanha eleitoral, recebeu diversas ofensas racistas, inclusive

depois que o casal foi eleito. Vejamos abaixo uma charge publicada.

Figura 6 – Capa do Jornal “New Yorker” quando o primeiro presidente afro-americano foi eleito Fonte: HUFFINGTON POST BRAZIL (2008)

A capa do jornal norte-americano “New Yorker”, quando o presidente Barack

Obama foi eleito está retratada acima. Dois afro-americanos em situação de poder,

ambos demonstrados como terroristas. Em pesquisa realizada na página de buscas do

Google29, há diversas matérias contendo rumores de que Obama não seria americano e

que ele poderia ser parente de Osama Bin Laden ou o próprio Osama que teria feito

cirurgia. As críticas ao primeiro presidente negro estadunidense retoma o que

abordamos anteriormente sobre a quem é destinada a cidadania de direito, sobre quem é

visto como humano. Ser um terrorista, socialmente, está longe das características

ligadas à humanidade. É em torno dessa análise pejorativa que o presidente e Michelle

Obama foram representados na capa de uma revista no momento de sua eleição.

De modo similar são direcionadas as críticas à Michelle Obama. Como Barack

tem a pele mais clara, é a ela que são reforçados os traços fenotípicos negros. O cabelo

crespo denota uma tentativa de revelar quem ela possivelmente seria em sua identidade

original: uma verdadeira terrorista, muito parecida com Assata Shakur30 – ativista

29 Em pesquisa realizada em 20 de outubro de 2017, podemos ver as seguintes manchetes nos links, a seguir: Líder de movimento civil nos EUA diz que Obama é Osama. Disponível em: <http://blogs.oglobo.globo.com/pagenotfound/post/lider-de-movimento-civil-nos-eua-diz-que-obama-osama-511 633.html>; Questionar a certidão de nascimento de Obama levou Trump ao protagonismo político. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-york-times/2016/07/05/questionar-a-certidao-de-nascimento-de-obama-levou-trump-ao-protagonismo-politico.htm>. 30Sobre Assata Shakur ver SHAKUR, Assata. Assata: An autobiography. Paperback, 1987.

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estadunidense refugiada em Cuba. Ambos aparentemente com planos secretos de

revolução. Assata e Bin Laden ou Michele e Barack Obama. O medo do branco pela

revolução negra é mais visível no governo dos Estados Unidos da Amérika31 tanto com

a entrada de Obama, como no discurso do presidente Donald Trump requerendo a

extradição de Assata Shakur (ESTADÃO, 2017). Mesmo ano em que membros da Ku

Kux Klan realizam nova marcha (VEJA, 2017).

Apesar do processo histórico e do contexto social em que a imagem da mulher

negra foi construída e da forma que são retratadas na mídia; ainda que, historicamente,

tenha ocorrido nos países colonizados a hipervalorização dos padrões culturais

eurocêntricos com o apagamento e inferiorização dos valores e símbolos da população

negra (MBEMBE, 2014); há diversas mulheres que seguem orgulhosas de sua

ancestralidade, valorizando a estética negra e ressaltando suas construções identitárias.

É o que se passa a analisar a seguir.

1.4 Saber-se negra

“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades." (SOUZA, 1983)

Um exemplo de que as mulheres negras nunca estiveram silentes à

discriminação racial e ao patriarcado é o caso de Esperança Garcia. Mulher negra

escravizada e alfabetizada que, em 06 de setembro de 1770, escreveu uma carta ao

representante do governo do Piauí, à época. Na carta, Esperança denunciava violências

e demandava justiça. O texto poderia ser atualmente reconhecido com uma petição

jurídica, pelo que, em 2017, a OAB do Piauí, concedeu o título simbólico de primeira

mulher advogada no Piauí. Abaixo uma de suas denúncias:

‘“Eu sou uma escrava de V.S.a administração de Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões, aonde vivia com meu marido, para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há grandes trovoadas de

31O original é América. Na língua inglesa, muitas vezes os Estados Unidos da América é referenciado apenas como América. A ativista Assata Shakur utiliza a grafia de algumas palavras com a letra k, fazendo referência à Ku Klux Khan, organização supremacista branca dos Estados Unidos.

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pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca; em mim não poço explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.S. pelo amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao Procurador que mande para a fazenda aonde ele me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha. De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia’” (CARTA CAPITAL, 2017)

Outro exemplo secular de resistência é Soujourner Truth, que em 1851, no alto

de seu 1 metro e 83 cm de altura, se levanta para fazer um discurso na Convenção sobre

direitos das mulheres em Ohio, contra a desumanização de sua presença:

“Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso. Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem.” (TRUTH, 1998, tradução minha32)

32 Discurso original disponível em: https://www.feminist.com/resources/artspeech/genwom/sojour.htm

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Figura 7 – Foto de Soujourner Truth Fonte: Mapping the African American Past

A postura dessas mulheres demonstra que, ao longo de toda história, a

população negra esteve em luta para fugir de condições de desumanização, em busca

ainda de direitos básicos. Não à toa que grande parte dos ativistas de direitos humanos

ou revolucionários no mundo fizeram o curso de direito como James Howard Meredith,

Mahatma Gandhi, Nelson Mandela.

Muitos dos famosos ativistas do movimento de direito civis estadunidense

baseavam seus discursos e ações em textos constitucionais como Malcolm X, - que

afirmou ter se rebelado depois de dizer ao professor que gostaria de fazer direito porque

tinha boas notas, mas ouviu que seria no máximo carpinteiro - Assata Shakur, Rosa

Parks, James Baldwin, Angela Davis, todos esses apontam como a legislação afirma

uma suposta igualdade de direitos que é direcionada somente para alguns.

Por outro lado, além da questão da discriminação racial, ter acesso ao

conhecimento jurídico não impede que mulheres sofram opressões, mas o processo de

analisar a conjuntura em que se vive e provocar a sociedade para que reflita sobre

padrões impostos pode fazer surgir novas estratégias de reação.

Um movimento contraposto ao processo de branqueamento e que tem sua

devida importância a ser mencionada, também historicamente, é o movimento da

negritude. Esse foi o nome dado a uma corrente literária, em 1935, que agregou

escritores negros de países que foram colonizados pela França. O objetivo do

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movimento era a valorização da cultura negra em países africanos ou em países com

populações afrodescendentes expressivas, que tenham sido vítimas da opressão

colonialista (CÉSAIRE, 2010). Dentro dessa perspectiva, Fanon afirma que, diante do

homem branco, o negro tem um passado a valorizar e “uma revanche a encaminhar”.

Para o psiquiatra “o mergulho no abismo do passado é condição e fonte de liberdade”

(FANON, 1961, p.67). O movimento buscou desconstruir a afirmação política e social

da cultura europeia como universal, rompendo com modelos eurocêntricos de cultura e

enaltecendo símbolos e saberes da cultura africana, bem como da população negra. Um

processo de morrer para a cultura branca, a fim de renascer para a alma negra

(DOMINGUES, 2005).

O discurso da negritude na África, a princípio, sensibilizou grande parte da

elite negra, que vivia material e espiritualmente nos moldes do colonizador

(DOMINGUES, 2005), disseminando o discurso de retorno às origens na ideologia da

negritude. Apesar de o movimento ter tido repercussão mundial, a mensagem não

atingiu toda a massa popular e ao longo do tempo, seus fundadores foram diminuindo

atuação política, o que não impediu que essa ação tivesse uma grande importância para

a população negra em todo o mundo.

Já nos anos 1960, nos Estados Unidos, os ativistas negros que trabalhavam

ativamente para criticar o racismo, apontavam a obsessão dos negros com o cabelo liso

como um reflexo da mentalidade colonizada (hooks, 2005). Quando paravam de alisar o

cabelo, perceberam o valor atribuído ao cabelo alisado como sinal de conformidade

frente às expectativas da sociedade. Assim, surgiam segundo hooks, os penteados afros,

principalmente o black (ou afro, em inglês), que fizeram parte da moda como símbolo

de resistência cultural à opressão racista e valorização de ser negro. Os penteados

naturais eram associados à militância política (hooks, 2005).

De referências muito similares ao movimento da negritude, as organizações de

direitos civis norte-americanos seguiram essa perspectiva pela atuação de movimentos

como o dos Panteras Negras33, à época contando com a atuação da ativista Angela

Davis (ANDRADE, 2005).Entre tantas outras ações, Davis foi uma das grandes

responsáveis pela popularização do penteado conhecido como “black power”, que

33Movimento social negro norte-americano. Ver mais em: ANDRADE, Raquel B. de. “Enegrecendo o feminismo” ou “feminizando a raça”: narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez. Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura) – Pontifícia Universidade Católica.

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consistia no uso natural do cabelo crespo, símbolo da reivindicação de direitos civis dos

anos 1960, ao emitir politicamente através de seu corpo o ideal de resistência e poder

feminino negro. O movimento “Black is beautiful”34 surge logo em seguida.

Segundo hooks (2005), o movimento Black Power, semelhante ao ocorrido

com o movimento negritude, não conduziu à mudança revolucionária na sociedade,

havendo um rompimento da relação entre a estética, política e a resistência feita através

dos blacks (ou cabelo afro) à hegemonia da branquitude. Para a autora, os cabelos

teriam se homogeneizado novamente na cultura do alisamento com esse rompimento

(hooks, 2005).

Para Coutinho (2011), no Brasil o discurso já se esvaziara antes do movimento

Black is Beautiful e da Negritude terem perdido adeptos. Nos anos 1960, com a ditadura

militar, conforme aponta o autor, o que teria chegado à população afro-brasileira seria

somente a estética do movimento Black Power: os cabelos, a soul music, as roupas e

boinas como moda. Para ele, artistas como Tim Maia e Tony Tornado reproduziam o

que James Brown e os irmãos “Jackson Five” faziam nos palcos americanos,

fortalecendo a autoestima dos negros. (COUTINHO, 2011).

No entanto, o que ocorreu, tanto no movimento Negritude como no movimento

Black Power, foi importante para os avanços que observamos hoje em relação ao

racismo. Assim como destaca Arraes (2014), hoje em dia há um interesse comum no

ramo específico da beleza relativa ao cabelo natural, que tem gerado colaboração entre

mulheres negras, inclusive por falta de apoio familiar. Para Arraes (2014, p.2): “os laços

que essas mulheres, a princípio desconhecidas, criam entre si podem, muitas vezes, ser

invisíveis e distantes, mas também podem culminar em parcerias que despertam debates

políticos e sororidade”.

Assim como demonstrado anteriormente em gráfico do IBPAD sobre aumento

da procura por transição capilar e informações virtuais envolvendo métodos para

retorno ao cabelo natural (IBPAD, 2017). Em vídeos e depoimentos em redes sociais, é

possível identificar o discurso de mulheres negras sobre valorização de autoestima,

transição capilar e tratamentos voltados para a estética do cabelo natural.

34 Black is beautiful (em português: Negro é lindo) é um movimento cultural iniciado nos Estados Unidos da América na década de 1960 por afro-americanos, tendo alcançado repercussão mundial nos anos seguintes. Muito presente nos escritos do Movimento de Consciência Negra de Steve Biko, na África do Sul, o objetivo era eliminar a ideia presente em muitas culturas de que as características naturais aos negros - como a cor da pele, os traços faciais e o cabelo - são inerentemente feios.

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Com relato na própria experiência pessoal, quando conquistou uma vaga de

emprego como professora na Universidade de Yale, bell hooks (2005) nos conta que no

processo seletivo estava com seu cabelo em sua forma natural, sem nenhum alisamento.

Ela ressalta a importância representativa na desconstrução desta imposição da

branquitude e estética afro. “Nem sempre temos de renunciar a nossa capacidade de

sermos pessoas que se autodefinem para termos sucesso no emprego” (hooks, 2005,

p.6).

Em consonância com isso, trago mais uma vez o caso da ex-desembargadora

Ivone Caetano que, em palestra, contou sobre colega de trabalho que se preocupou com

a aparência do cabelo natural para a cerimônia de posse como juíza: “Eu adoro a minha

idade, meu cabelo crespo, meu nariz chato e a minha pele negra, gente... Eu gosto!

Quem ver meu vídeo de posse, vai ver que tomei posse com esse cabelo” (OABTV,

2017).

Figura 8 – A ex-desembargadora Ivone Caetano no evento “Mulheres Negras e Poder Judiciário” Fonte: OABTV (2017)

O fortalecimento da autoestima de mulheres que descobrem nos seus cabelos

crespos um corpo historicamente excluído de suas raízes e que mesmo diante das

opressões sociais optam por assumi-lo em ambiente de trabalho, é um fenômeno a ser

analisado. A aceitação de si mesmas vivenciadas por essas mulheres exemplifica o

momento quando a negritude não mais pode ser usada contra o negro e esse momento,

juntamente com as ferramentas utilizadas, precisa ser investigado nas suas mais

específicas variações e aspectos (KING, 2015).

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Embora a escravidão tenha obtido sucesso na despersonalização do negro e por

mais que a mistura racial disseminado um processo de hierarquização racial que elege o

tipo de cabelo e a cor da pele que são símbolos de beleza ou de feiura, todo esse

processo não conseguiu apagar as marcas simbólicas e reais que inevitavelmente

remetem mulheres negras à ascendência africana. Nilma Lino Gomes, em sua pesquisa

sobre cabelo e salões étnicos, destaca que o corpo e a manipulação do cabelo são

depósitos da memória (GOMES, 2008). Fanon explica o processo de retomada da

consciência no seguinte sentido.

“Descobrindo a inutilidade da sua alienação, a profundidade do seu despojamento, o inferiorizado, depois desta fase de desculturação, de estrangeirização, volta a encontrar as suas posições originais. [...] retoma apaixonadamente essa cultura abandonada, rejeitada, desprezada. Há nitidamente uma sobrevalorização que se assemelha psicologicamente ao desejo de se fazer perdoar.” (FANON, 1961)

Desse modo, a intervenção ou não no cabelo pode representar uma trajetória da

mulher negra e sua identidade (GOMES, 2008). Como a identidade é construída

culturalmente, cabelo e cor da pele passam a ser significantes extremamente expressivos

na nossa sociedade. Portanto, cada trajetória, cada mulher negra, em seus diferentes

modos de utilizar o cabelo e variações de cor de pele podem ter experiências diferentes

nos ambientes jurídicos.

Muitas mulheres que têm assumido seus cabelos crespos, inclusive advogadas

entrevistadas, narram que o uso do cabelo crespo tem retomado ativismo político como

afirmação da identidade negra e construção de representatividade. Contudo, isso não

significa necessariamente que mulheres que utilizam seus cabelos lisos ou

quimicamente tratados devam ser tomadas por inconscientes da questão racial.

Ser uma mulher negra que usa os cabelos alisados é ser uma mulher que não

será atravessada em sua trajetória profissional pelo racismo? A forma da mulher negra

usar o cabelo faz diferença em ambientes jurídicos? Essas perguntas serão respondidas

com as narrativas das advogadas entrevistadas.

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CAPÍTULO 2 - Mulheres Negras Advogadas na OAB do Rio de Janeiro 2.1 Apresentação do Grupo de Trabalho Mulheres Negras

“Você pode substituir as mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando a sua própria história” (XAVIER, 2017).

Antes mesmo de adentrar na análise das narrativas das advogadas que foram

entrevistadas, será apresentado o grupo de trabalho do qual elas fazem parte e que foi

fundamental para a escolha dessas mulheres na participação da pesquisa.

As advogadas escolhidas fazem parte do “Grupo de Trabalho Mulheres Negras”,

um grupo de advogadas negras que atuam pela comissão OAB Mulher do Rio de

Janeiro. A Ordem dos Advogados do Brasil possui, nos quadros de sua estruturação no

estado, comissões sobre assuntos de repercussão social no âmbito sociojurídico,

reconhecendo a importância da instituição a partir da premissa da advocacia como

função indispensável à justiça (BRASIL, 1988) e, portanto, para toda a sociedade.

A OAB Mulher do Rio de Janeiro é uma comissão dentro da OAB do Rio de

Janeiro que, em minha experiência como membro da comissão, pude identificar que é

formada majoritariamente por mulheres brancas, binárias, cisgênero, cristãs. A

experiência do vivido demonstra que há diferenças existentes no interior da categoria

mulher e que cada especificidade pode significar uma maneira diferente de se criar

políticas de ações.

Desse modo, por existirem diversos núcleos de diferentes ramos de atuação

dentro dessa instituição, em sugestão à presidenta da OAB Mulher do Rio de Janeiro da

gestão 2016-2018, por meu requerimento, foi autorizada a criação em março de 2017,

de um novo grupo de trabalho dentro da comissão OAB Mulher: o GT Mulheres

Negras, sendo o primeiro grupo formalizado composto apenas por advogadas negras

dentro de uma unidade da OAB em nível nacional. As atividades iniciaram em

25/07/2017, com um evento no dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha,

que é também o dia de Tereza de Benguela35.

35 O Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha é comemorado no Brasil no mesmo dia celebrado em homenagem à Tereza de Benguela, líder quilombola do século XVIII da atual região do estado de Mato Grosso. A data foi instituída nacionalmente pela lei federal 12.987 de 2 de junho de 2014.

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Apesar de ter recebido a nomeação para coordenação do grupo apenas em agosto

de 2018 – vide anexo V -, coordeno o grupo desde o início das atividades em 2017 e, na

ocasião, havia rumores de que a sua consolidação seria impossível pela dificuldade de

se encontrar advogadas negras. Em menos de três meses, o grupo já recebera mais de

20 mulheres interessadas, o que é um número expressivo considerando o número de

participantes efetivas em determinadas comissões.

Figura 9 -Mensagem em rede social recebida de advogada do Rio Grande do Sul em 24/10/2017.

Fonte: Rede Social da Autora

Apesar das especulações sobre as ações do grupo, o destaque das iniciativas

tomou tamanha amplitude que, conforme visto na imagem acima, o GT se tornou

referência para a OAB de outros estados, como no caso do Rio Grande do Sul, que

implantou iniciativa similar. Dentre as participações do GT em atividades externas à

OAB do Rio de Janeiro, destaco a conferência citada na mensagem, como um evento de

grande visibilidade do grupo.

Na ocasião da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira ocorrida de

27 a 30 de novembro de 2017 em São Paulo, onde participei junto a outros cinco

palestrantes do Painel MULHER ADVOGADA- IGUALDADE DE GÊNERO, fui a

Sobre Tereza de Benguela, veja mais em: CRUZ, Tereza Almeida. Um estudo comparado das relações ambientais de mulheres da floresta do Vale do Guaporé (Brasil) e do Mayombe (Angola) – 1980 – 2010. Tese (Doutorado em História) – Curso de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012, p. 367.

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única advogada do Rio de Janeiro convidada a falar em um painel. O tema foi

“Discriminações de Raça e de Gênero no Mercado de Trabalho Brasileiro”. A

Conferência recebeu aproximadamente 20 mil pessoas (Conferência Nacional da

Advocacia Brasileira, 2018).

Esse evento se constituiu em um marco para as advogadas negras da OAB em

nível nacional. Isso porque, além de ser a primeira vez que uma advogada negra foi

convidada para compor a mesa com a temática racial, meu convite para palestrar,

recebido do próprio presidente do Conselho Federal da OAB, só foi aceito na condição

de que outras mulheres negras pudessem estar presentes naquele espaço. Desse modo, a

OAB-RJ acabou por acatar o pleito e providenciou um ônibus e pagou a conferência -

no valor de 350 reais à época - para que as advogadas do GT Mulheres Negras

pudessem me acompanhar na Conferência.

No entanto, apesar desse feito, diferentemente das demais palestrantes, fui a

última a ser convidada para a composição do painel, recebendo o convite no mesmo

mês do evento, a única convidada do painel que não teve as despesas como passagem e

hospedagem financiadas pela Conferência – vide convite do CFOAB no anexo VI-, e só

a mim solicitaram diminuir tempo de fala no decorrer do evento – o que tive que negar-,

tendo sido a última mulher a se pronunciar. Este episódio demonstra discriminações

indiretas quase imperceptíveis num panorama geral, mas que exibe um exemplo de

diferença no tratamento e a necessidade de nos posicionarmos nesses espaços, de ter

representatividade e fala, inclusive para apontar essas diferenças e desigualdades que

precisam cessar. Ainda assim, pude exibir trechos do documentário fruto da presente

pesquisa, demonstrando a realidade de outras mulheres negras advogadas.

Figura 10 - XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira em 27/11/2017.

Fonte: José Luis da Conceição/OABSP

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A ideia de criação do grupo não vem de uma premissa hierárquica ou

separatista, mas da compreensão de que raça ou etnia determina a maneira que se

vivencia outras opressões, assim como a idade, por exemplo, pode fazer com que o

modo de se conviver com a opressão seja diferente. No meu caso, como advogada, eu

busquei primeiramente a Comissão da OAB Mulher do Rio de Janeiro para conhecer

outras mulheres que lutavam contra a desigualdade de oportunidades, de salário, de

benefícios pelo fato de serem mulheres (o fato de que advogadas temem a gravidez com

receio de estabilidade de emprego atravessa mulheres negras e brancas).

No entanto, preciso explicar que, ao longo de três anos, atuei como membra

das comissões OAB Mulher, OAB Jovem e Diretoria de Igualdade Racial, sendo esse

histórico um grande exemplo de que as opressões que me atravessam são diferentes

daquelas que perpassam a vida de advogadas militantes que atuam somente na comissão

de mulheres, ou na comissão de direitos das pessoas com deficiência, por exemplo. Há

imbricações nas lutas, mas não significa que todas as mulheres são iguais.

A experiência do vivido demonstra que há diferenças existentes no interior da

categoria mulher e que cada especificidade pode significar uma maneira diferente de se

criar políticas de ações. Por conseguinte, em uma sociedade patriarcal, os homens

negros podem estar em condição de opressão às mulheres brancas e, em uma sociedade

racista, as mulheres brancas podem estar em condição de opressão às mulheres negras,

mas em uma sociedade patriarcal e racista, as mulheres negras não estão em posição de

oprimir ninguém. Só nos resta construir.

Nesse sentido, é preciso reconhecer que o padrão de vida das mulheres negras

destoa do discurso feminista hegemônico, mas se o feminismo se propõe ser coerente

deve ser também antirracista e se o antirracismo é coerente deve ser antissexista como

propõe DAVIS (2016).

No entanto, apesar da compreensão de que não só as mulheres negras devem

estar na luta antirracista e contra o machismo, não é possível forçar a militância

naqueles(as) que não sentem empatia pela causa alheia. Por isso, enquanto nem todos

têm essa visão, é compreensível que a construção de políticas para as advogadas negras

surja a partir das angústias de uma delas. Desse modo, com o aceite da presidente da

OAB Mulher do Rio de Janeiro, Marisa Gaudio, o GT de Mulheres Negras foi criado

dentro da Comissão da OAB Mulher do Rio de Janeiro.

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O grupo promove ações envolvidas na luta contra o sexismo, classismo e

principalmente contra o racismo, já que todas essas opressões atingem as advogadas

negras. As advogadas do grupo afirmam que, em diversas situações, as credenciais de

advogadas não as protegeram das violências raciais, mas entendem seus privilégios em

relação a outras mulheres negras. Por isso, o engajamento teria se dado na luta para

melhoria de condições de vida e trabalho não somente das advogadas, mas de todas as

mulheres negras, por entender que essas mulheres estão na base da pirâmide social.

À época do início das atividades do grupo de trabalho, as mulheres somavam o

total de 70.184 advogadas no Rio de Janeiro - sendo 71.082 advogados (Dados do CFO

OAB de outubro de 2017 retirados da página do próprio grupo em rede social). Hoje,

em setembro de 2018, esse número cresceu para 71.132 mulheres e 71.154 homens

advogados (CFOAB, 2018). Ainda não sabido o número de advogadas negras, apesar de

ter sido pleiteado mais de uma vez pelo GT Mulheres Negras, vide anexo XI.

Desse modo, apesar do imaginário social de que esta atividade está associada ao

trabalho masculino, observa-se que atualmente existe uma diferença ínfima quantitativa

de gênero quanto ao número de profissionais registrados na OAB do Estado do Rio de

Janeiro. Embora haja diversas situações de discriminação em que as mulheres são

desrespeitadas e diminuídas dentro desse cenário, emergindo de todo o contexto narrado

até aqui, a necessidade de criação do grupo.

Nesse sentido, é possível pensar a experiência do GT Mulheres Negras com uma

tentativa de aquilombar-se que, de acordo com SOUZA(2008), é um movimento que

tem por ideia central as formas de mobilização e estratégias dos quilombos, mocambos,

terras de preto, terras de santo, dentre outras denominações existentes para se manterem

íntegros socialmente, culturalmente e também fisicamente, ao longo da história do

Brasil, trazendo a perspectiva da resistência de forma intrínseca e que carrega em si a

concepção fundamental de existência. Essa existência histórica se fundamenta e é

ressignificada no presente, no existir nos dias de hoje. Sendo assim o aquilombar-se é:

“ uma ação contínua de existência autônoma frente aos antagonismos que se caracterizam de diferentes formas ao longo da história dessas comunidades, e que demandam ações de luta ao longo das gerações para que esses sujeitos tenham o direito fundamental a resistirem e existirem com seus usos e costumes. Esse existir tem um movimento fortemente voltado para a coletividade, para os laços que unem os quilombolas entre si e que, num movimento mais amplo e recente, une as comunidades de distintas regiões. A resistência e a autonomia,

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aspectos fundamentais da construção identitária das comunidades quilombolas, são também as linhas motoras do movimento de aquilombar-se. Por meio de estratégias as mais distintas possíveis, essas comunidades se estabelecem enquanto lócus de alteridade em relação à dita sociedade nacional e reivindicam o reconhecimento de sua cultura, de seus costumes, de suas formas de organização.” (SOUZA, 2008, p.106)

Além disso, SOUZA pontua que o processo histórico da luta pela existência

partindo de costumes e seus usos é um fator estrutural da ideia do aquilombar-se. Sendo

este um movimento que marca a oposição aos antagonismos que se fazem presentes até

hoje, nas situações mais diversas vivenciadas pelas comunidades, tanto no período

posterior à dita “abolição” da escravidão, quanto no período escravocrata. As formas de

mobilizações, as ações e os caminhos dessas comunidades são marcados pelos

antagonismos e vão exigir uma adequação de iniciativas em diálogo com os contextos

de cada época, não estando restrito apenas aos quilombolas e a um determinado período

histórico em nossa sociedade.

“A sociedade brasileira, no pós-abolição, não efetivou um processo concreto de reconhecimento da população negra em sua diversidade como parte constitutiva sua e construiu ao longo dos séculos XIX, XX e XXI um complexo enredo de desigualdade racial. Os segmentos e grupos empobrecidos de descendentes de africanos, cuja boa parte era de escravizados, mesmo após a abolição da escravidão e a proclamação da república permaneceram em completa e violenta desigualdade. Todavia, não apenas a opressão marca os processos vivenciados por esses grupos. É fundamental lembrar a importância que tiveram os movimentos, resistências e reações por parte da população negra. No período posterior a 1888, além da grande desigualdade, a população negra de modo geral e as comunidades quilombolas, em especial, são fortemente invisibilizadas no escopo do Estado. O debate e a tônica que trazem para a sociedade brasileira a discussão sobre a questão quilombola, no século XX, são frutos de um longo processo. Os movimentos negros urbanos tiveram grande peso nesse contraponto à invisibilidade. (...)” (SOUZA, 2008, p.107-108)

Diante da invisibilidade da população negra frente ao Estado e, consequente-

mente dentro de suas instituições, na tentativa de sair da invisibilidade e ir contra os

antagonismos e diferenças vividos, o Grupo de Trabalho das Mulheres Negras foi tra-

çando estratégias e formas de atuação de modo a atingir não apenas as mulheres do gru-

po, mas construindo eventos, ações e palestras dedicados às mulheres negras, de modo

geral.

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Desde sua inauguração em julho de 2017 até outubro de 2018, o GT realizou seis

eventos com propostas diversas a respeito de mulheres negras e por pensar a questão da

representatividade e preocupação com a formação de imagens positivas de ser negra, é

possível observar o reflexo disso nas chamadas dos eventos, enaltecendo as mulheres

negras e lhes dando o protagonismo reivindicado pelo grupo, como nas figuras a seguir:

Figura 11 - 1° Evento “Mulheres Negras e o Poder Judiciário” em 25/07/2017.

Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2017)

Figura 12 - 2° Evento - “Perspectivas Negras do Direito” em 8/11/2017.

Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2017)

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Figura 13 - 3° Evento - “A voz das Mulheres Negras” em 7/02/2018. Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2018)

Figura 14 - 4º Evento - “Autocuidado e Saúde da Mulher Negra” em 8/05/2018. Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2018)

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Figura 15 - 5º Evento - “Homenagem ao Dia da Mulher Negra Latino- Americana e Caribenha” em 25/07/2018.

Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2018)

Figura 16 - 6ºEvento - “Mulheres Negras contra o racismo” em 03/10/2018. Fonte: página do Facebook – GT Mulheres Negras (2018)

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Entre as ações do grupo, há iniciativas diversas como a produção do

documentário “Nega Maluca, não!”36, construído com dezoito mulheres negras, entre

advogadas do GT, atrizes do Centro de Teatro do Oprimido, mestrandas do Programa de

Pós-graduação em relações Étnico-Raciais e alunas do curso sobre Diáspora Africana da

ONG Criola, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=tFBQPQp-8bA.

Outra ação de destaque foi o ofício remetido à Secretaria de Segurança Pública

do Rio de Janeiro, requerendo a melhoria de tratamento com as mulheres negras nas

delegacias da mulher, bem como capacitação da equipe para que não haja

desencorajamento nas denúncias tanto de violência contra mulheres negras como em

casos de racismo e injúria racial, reconhecendo que as mulheres negras são as maiores

vitimas de violência, conforme dados do dossiê mulher37.

No ofício também foi cobrada a criação da Delegacia de Crimes Raciais e de

Intolerância – DECRADI, autorizada desde o ano de 2017 pelo Governador Pezão e sua

criação prevista para dezembro de 2018, conforme resposta do secretário de Estado de

Segurança, Richard Nunes, em novembro de 2018 e decreto do interventor federal

general do Exército Walter Souza Braga Netto em agosto de 2018 (vide decreto em

anexo IX).

Além das ações e eventos realizados, o GT já articulou diversas parcerias para

eventos e ações com outras instituições que trabalham com iniciativas voltadas para a

população negra como a ONG Criola, o instituto Identidades do Brasil – IDBR, o

Coletivo de Cinema Experimental do Negro – Siyanda, a editora Piraporiando, o Núcleo

Contra a Desigualdade Racial da Defensoria Pública – NUCORA, o Coletivo de teatro

Madalena Anastácia e Centro de Teatro do Oprimido, sendo esses dois últimos citados

integrantes de parceria fixa com a OAB, criada pelo GT Mulheres Negras conforme

36 O documentário foi construído no intuito de apontar opiniões de mulheres negras sobre a personagem “nega maluca”, falando sobre “black face” no Brasil e estereótipos ligados à mulher negra. A iniciativa foi proposta pelo cineasta Hugo Lima, que se dispôs a gravar os relatos após ter ciência de que participantes do documentário teriam desistido de desfilar no Carnaval da escola de samba Mangueira, porque haveria em uma das composições de ala da comunidade a personagem. Em 2018, não só a escola de samba estação primeira de Mangueira, como Salgueiro e Beija-Flor foram acusados de exibir performances e fantasias racistas pelo uso do “black face”, mais informações disponíveis em: <https://theglowup.theroot.com/samba-misogynoir-will-2018-be-the-last-year-of-black-1822964862> 37Dados do Dossiê Mulher 2018 referente ao ano de 2017, disponíveis em: <http://arquivos.proderj.rj. gov.br/isp_imagens/uploads/DossieMulher2018.pdf> . Acesso em 3 nov 2018.

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anexo X.

Sobre as parcerias, a defensora pública Lívia Casseres que esteve presente no

penúltimo evento de 2018, falando sobre seu trabalho como coordenadora do Núcleo

Contra Desigualdade Racial (NUCORA) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e o

desdobramento foi a parceira entre o GT Mulheres Negras e o NUCORA para envio de

casos que se enquadrem na temática do núcleo, bem como divulgação de vaga de

estágio remunerado na Defensoria Pública do RJ para atuação no NUCORA.

A criação do GT se deu em paralelo com a atividade do mestrado. Apesar das

mulheres serem engajadas no projeto e nas atividades do GT, outros critérios de escolha

foram levados em conta que não a participação no grupo em questão.

2.2 Perfil das entrevistadas

A escolha das entrevistadas levou em conta a região, já que todas as advogadas

sempre atuaram na cidade do Rio de Janeiro; geração, sendo suas idades entre 29 anos e

47 anos; área profissional, variando entre direito de família, direito do consumidor,

direito de propriedade intelectual e direito civil na área da criança e do adolescente, bem

como discriminação de raça e gênero; a relação de trabalho, com entrevistadas que são

advogadas empregadas, assim como autônomas, funcionárias de empresas e fundadoras

do próprio escritório; a cor da pele, com variações de mulheres negras de pele clara ou

escura e, por fim, de acordo como o cabelo que usavam, podendo ser pela forma

natural38 ou de outro modo.

Assim, exceto pela regionalidade e o reconhecimento como negra, busquei

mulheres do GT Mulheres Negras que tivessem diferença de idade, modo de usar o

cabelo e área profissional. Abaixo segue tabela com dados das entrevistadas, utilizando

nomes fictícios com referências de rainhas africanas39, com o objetivo de proteção de

identidade.

38 Com o uso da palavra natural aqui, me refiro ao cabelo tanto crespo como cacheado, sobretudo o desejo de não utilizar mais químicas alisantes. 39 As referências dos nomes africanas podem ser vistas no site: https://www.geledes.org.br/grandes-reis-e-rainhas-da-africa/

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Tabela 2 – Perfil das Entrevistadas

NOME IDADE CARGO ÁREA PROFISSIONAL

Amina 43 anos Advogada Autônoma

Direito Civil – área de família

Zahira 47 anos Advogada Empregada em Escritório

Direito Civil – área dos direitos da criança e do adolescente

Makeda 29 anos Advogada Fundadora do Próprio Escritório

Direito Civil – contra discriminação de raça e gênero

Idia 38 anos Advogada Autônoma

Direito Civil e Direito do Consumidor

Nzinga 45 anos Advogada em Empresa

Direito de Privado – área de propriedade intelectual

Fonte: Dados da Pesquisa (2017)

Na presente dissertação, embora algumas entrevistadas desejassem que seus

nomes reais aparecessem, preferi não utilizar os nomes reais das entrevistadas por uma

questão ética. Porém, foram preenchidos devidamente os termos de livre consentimento

e autorização de uso tanto de voz como de imagem.

As entrevistas foram realizadas em agosto de 2017, no mesmo dia, em um

estúdio dentro da OAB Rio de Janeiro, por meio de questionário semiestruturado

(conforme anexo I). Os horários eram diferentes para que uma entrevistada não tivesse

contato com a outra e nem tivesse acesso prévio ao teor das perguntas. A escolha da

metodologia de geração de dados (BARDIN, 2009) ter sido feita pela gravação de voz e

vídeo se deu pelo reconhecimento de que advogadas são profissionais que atuam com o

uso da oratória, com o hábito de ter um discurso elaborado, na expectativa de atingir aos

interesses do que elas imaginavam que eu, como pesquisadora, gostaria de ouvir. Assim,

a câmera poderia registrar não somente a voz, mas também a expressão corporal para

análise de uma possível mudança de postura ao se falar de assuntos como racismo, por

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exemplo.

Apesar de informar para as entrevistadas previamente que se tratava de uma

conversa informal com perguntas sobre atuação profissional para a minha dissertação de

mestrado, é plausível cogitar que pudesse haver por parte delas uma expectativa de

construção de uma performance positiva da narrativa sobre si. Isto, porque, as

entrevistadas se conheciam há poucos meses, a partir do grupo de trabalho de mulheres

negras – no qual atuo como coordenadora – e, cientes do título da pesquisa e do meu

posicionamento frente às questões raciais, seria plausível que pensassem ser importante

a construção de narrativas de valorização do reconhecimento racial delas. Assim, a

câmera estaria ali para registrar as expressões corporais e tentar capturar o que

chamasse a atenção para a pesquisa para além do dito. No entanto, no decorrer da

pesquisa foi analisado somente o conteúdo dos discursos.

Ao entrar na sala e ver a câmera, todas reagiram com surpresa. Umas com

intimidação e outras com animação, como era esperado como nos aponta ERICKSON e

SHULTZ (2002) sobre as interferências do “quando” e “onde” da pesquisa. Informei

que a ideia era não perder nenhuma anotação do que seria dito e que não haveria

nenhuma intervenção no sentido de pedir para repetir algo ou fazer “corte” como nas

gravações de filme. Ao longo das entrevistas, em algum momento, todas elas passam a

relaxar mais, mesmo diante das câmeras. O vídeo totalizou 55 minutos e 14 segundos de

entrevistas.

Na entrevista, as perguntas versavam sobre a motivação da escolha pela

profissão, a expectativa com relação ao direito, experiências nos tribunais e no mercado

de trabalho em geral, percepções sobre representatividade e privilégios em espaços de

poder, bem como episódios discriminatórios ou possíveis entraves como mulheres

negras inseridas no nicho profissional do direito.

Cabe ressaltar que, mesmo considerando o propósito acadêmico, as

entrevistadas apresentaram vivências particulares entrelaçando trajetórias profissionais

com experiências de vida. Essas narrativas cotidianas interseccionavam, em muitos

casos, dimensões de raça, gênero e classe muito similares às minhas experiências. Desse

modo, o fato de ser uma pesquisadora que compartilha do universo profissional em que

as entrevistadas atuam ajudou na construção de uma relação de confiança na pesquisa.

Essa relação possibilitou que nos relatos fossem divididas dores, desabafos, autocríticas

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e reflexões identitárias, envolvendo atravessamentos pessoais e profissionais.

Nesta etapa do processo de pesquisa era, portanto, necessário lembrar o que

estava sendo investigado. A pesquisa iniciou com duas hipóteses: que o estereótipo da

mulher negra está em conflito com a construção do imaginário social do profissional

que atua em espaços de poder, como ambientes jurídicos, por exemplo; e se essas

mulheres buscaram no direito alguma proteção, se elas acreditavam que o acesso à

legislação poderia mantê-las afastadas do racismo e das condições sociais em que

negros são tratados no Brasil. Desse modo, a construção do roteiro foi estruturada

pensando essas questões.

Na análise que produzirei, a intenção é marcar o vínculo das memórias do

passado com a situação presente, entre a memória e o trauma, a partir dos relatos.

Segundo Grada Kilomba, escritora portuguesa, psicanalista e professora da área de

pesquisa sobre racismo, branquitude e colonialismo, um aspecto importante do racismo

no presente é a capacidade de nos remeter ao passado histórico (KILOMBA, 2015). De

acordo com a escritora, a cadeia do passado e o trauma não têm sido muito explorados

na perspectiva psicanalítica de episódios do racismo cotidiano.

Desse modo, Grada Kilomba aponta que, quando pensamos em racismo, é

comum que a perspectiva adotada seja no sentido macro político, mas os sentimentos e

as experiências de pessoas negras, em muitos casos, são ignorados (KILOMBA, 2015).

Muito embora este trabalho não tenha a pretensão de abordar a perspectiva

psicanalítica, além de compreender que o racismo está longe de ocorrer somente na

esfera intersubjetiva ou individual – muito pelo contrário -, existe aqui um esforço de se

analisar os discursos perpassados pelos sentimentos que se originam de experiências de

discriminação racial e de percepções gerais das entrevistadas sobre raça e racismo.

Assim, nesse trabalho, pretendo focar nesse universo do mundo subjetivo das

experiências, da realidade, do cotidiano dessas mulheres para refletir sobre questões

macro culturais estruturais.

As participantes da pesquisa são de áreas, idade, aparência e campos de

atuação diferentes, sendo através dessas perspectivas que busco compreender a

percepção de cada uma sobre como os atravessamentos das relações raciais, de gênero e

classe no Brasil se interseccionam em suas trajetórias profissionais. No entanto, embora

as entrevistadas apresentem diferenças na construção de suas trajetórias profissionais e

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de vida, nos interessa analisar os pontos de similaridade da percepção de cada uma, para

identificar questões culturais dos entraves que essas mulheres enfrentam.

Seguindo a ordem cronológica de entrevistas, Amina* foi a primeira

entrevistada. Ela tem 43 anos de idade, casada, sem filhos, possui registro da carteira da

OAB na subseção do bairro de Madureira, que é conjunta com o bairro de Jacarepaguá,

além desses bairros, também frequenta os fóruns do Méier e Centro do Rio de Janeiro.

Atua na área de direito civil, no campo do direito de família. Amina* é secretária-geral

da comissão OAB Mulher RJ e presidente da ABMCJ – Associação Brasileira de

Mulheres de Carreiras Jurídicas, além de afirmar fazer parte de diversas comissões da

OAB, “são tantas que às vezes eu nem me lembro”, diz a advogada no processo de

marcação de entrevista.

Amina* é uma mulher muito conhecida na OAB do Rio de Janeiro e, embora

não tivesse o hábito de se afirmar como negra antes da criação do grupo de trabalho de

mulheres negras da comissão OAB Mulher, foi a primeira a manifestar interesse em

participar. No dia das entrevistas não foi diferente, foi a primeira a chegar, vindo

diretamente de uma reunião em São Paulo da ABMCJ para a entrevista. Antes de

começarmos, ela perguntou se havia algum roteiro prévio, mas foi explicado que a ideia

era a espontaneidade dos relatos sobre sua trajetória profissional.

A segunda entrevistada foi Makeda*, de 29 anos, solteira, fundadora do próprio

escritório e atua com direito civil no campo de discriminação de raça e gênero.

Makeda* ingressou no grupo de mulheres negras da OAB utilizando tranças, mas

costuma usar o cabelo natural crespo em determinados momentos. É uma das mulheres

mais jovens do grupo e afirma que o fato de fundar o próprio escritório tem a ver com a

dificuldade de aceitarem mulheres negras com cabelo natural e de pele escura em

ambientes jurídicos. A contradição, no entanto, se dá na forma com que algumas

pessoas compreendem o campo de atuação dela.

Por incrível que pareça, as pessoas têm uma percepção equivocada do trabalho que eu desempenho. Meu escritório é especializado em gênero e raça e, existem sim, algumas pessoas brancas que não entendem a minha militância. Acham que isso é uma desculpa pra ganhar dinheiro. Quando, na verdade, não faz o menor sentido. Militar em prol da causa negra não dá dinheiro (risos). (Makeda*, 2017)

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A afirmação de Makeda* exemplifica a exclusão para além da formação no

ensino superior, mas na própria absorção de mulheres negras no mercado de trabalho,

apontando o empreendedorismo como uma alternativa contra esses entraves. Makeda*

atua na capital do Rio de Janeiro, sendo a maioria de seus processos do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro, com alguns processos também na Justiça do Trabalho e na

Justiça Federal.

A terceira entrevistada foi Zahira*, de 47 anos, casada, com duas filhas,

advogada empregada em um escritório de advocacia, atuante na área de direito civil no

campo de direito da criança e adolescente e também no direito de família. Zahira* é

registrada na seção da OAB da capital do Rio de Janeiro. Geralmente, frequenta o

Tribunal de Justiça Comum e as varas de Infância no Centro do Rio de Janeiro,

Madureira e Campo Grande.

A advogada circula imponente com seu flap top40 - penteado afro bastante

famoso nos anos 80 -, e, por onde anda, fala com orgulho de suas filhas. Questionada

sobre a identificação, ela diz: “Adotei, no ano passado (2016) um sobrenome africano,

pois por conta da história da escravidão não sabemos de onde nós viemos” (ZAHIRA*,

2017).

Em conversa informal antes da marcação da entrevista, ela espontaneamente

conta um pouco de sua história de vida, sobre a gravidez que interrompeu parte de seus

estudos e atribui boa parte do seu reconhecimento étnico ao tempo em que conviveu

com o pai de sua primeira filha, um homem africano. Eles teriam se separado quando

ele retornou à África. Zahira* falou da dificuldade de criar a filha sozinha e da

realização ao concluir a faculdade de direito, anos depois.

A entrevista posterior foi realizada com Nzinga*, advogada em empresa,

atuante na área de direito privado, no campo de propriedade intelectual. Com 45 anos,

casada, com dois filhos, Nzinga* usa tranças loiras e muda frequentemente o cabelo.

Assim como Makeda*, ela possui a pele mais escura que as demais entrevistadas.

A advogada é registrada na seção da capital do Rio de Janeiro e trabalha na

mesma empresa nos últimos dez anos. Embora seu trabalho não demande uma

frequência presencial em tribunais, ela costuma acompanhar alguns poucos processos de

maior importância pessoalmente no Fórum.

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A última entrevistada foi Idia*, advogada autônoma que atua na área de direito

civil e direito do consumidor. Sua subseção de registro da OAB fica no bairro do Méier.

Além do Centro do Rio de Janeiro, ela atuou por bastante tempo na Barra da Tijuca e

atualmente frequenta também os municípios de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Em

comparação com as outras advogadas é a que mais circula em tribunais de bairros e

regiões distintas do estado do Rio de Janeiro. Idia* tem 38 anos e é solteira.

Diferentemente das outras advogadas, pude acompanhar o processo de

transição capilar desta entrevistada, quando anteriormente à pesquisa nos conhecemos

em uma pós-graduação. Foi a advogada que ainda quando a pesquisa estava sendo

formulada, enviou um e-mail descrevendo um poucos dos transtornos que enfrentava.

Idia* apresentou bastante interesse em participar de uma iniciativa coletiva de

mulheres negras desde antes da formação do grupo de trabalho na OAB, por

compartilhar relatos de tratamento diferenciado assim que deixou de usar química nos

cabelos. Para evitar os olhares, a advogada usava com frequência o cabelo natural preso.

Na medida em que teve contato com outras advogadas negras na OAB, começou a

temer menos a opinião alheia e hoje fala com orgulho de seu cabelo.

Assim, realizadas as apresentações das advogadas, sendo o corpus de análise a

fala das entrevistadas, a organização dos assuntos foi elaborada de acordo com os

tópicos das perguntas. A separação analítica por tópico tem por objetivo auxiliar no

desvelamento dos significados das falas que recapitularam episódios marcantes das

vivências das advogadas, como mulheres negras e como profissionais, bem como

identificar similaridades de discurso. Esse processo ajuda a conduzir a imersão nas

entrevistas, por um processo que aponte para a compreensão da complexidade das

questões culturais envolvidas diante da interseccionalidade dos atravessamentos de

gênero, raça e classe.

Desse modo, o primeiro tópico foi estabelecido através das perguntas de

identificação apontadas anteriormente, que tiveram por objetivo permitir que as

advogadas pudessem se acostumar com as câmeras e diminuir a tensão da entrevista.

Até aqui foi possível traçar um perfil geral do campo de atuação profissional das

entrevistadas. Adiante passo a analisar o que a narrativas dessas mulheres trazem.

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CAPÍTULO 3 – Análise das entrevistas

3.1 – Autodeclaração das entrevistadas

"A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias pra 'ninar os da casa grande' e sim para incomodá-los em nossos sonos injustos” (Evaristo, 2007)

Este capítulo é dedicado à análise qualitativa do discurso de cinco advogadas

negras sobre o atravessamento do racismo em suas experiências de atuação profissional

no Rio de Janeiro. As narrativas das advogadas versaram sobre raça, gênero e trabalho.

A partir das experiências narradas por essas mulheres pretendo analisar questões

culturais enfrentadas por elas e como essas questões se contextualizam na sociedade

brasileira.

No primeiro tópico, optei por começar com a compreensão de como as

entrevistadas se autodeclaram e para seguir com essa reflexão é necessário

primeiramente que sejam feitas algumas considerações sobre o censo demográfico no

Brasil.

Atualmente, o censo brasileiro requer da população a autoclassificação entre

uma das cinco categorias: branco, preto, pardo, indígena ou amarelo – este último se

refere à ascendência oriental. Para o IBGE, os pretos e pardos configuram a população

negra do país que, segundo dados do PNAD de 2016 que atualizou informações sobre o

CENSO de 2010, somam-se atualmente 53,6% de pessoas que se autodeclaram negras,

ou seja, pretas ou pardas (AGÊNCIA BRASIL, 2016). No entanto, é preciso ter em

mente os processos de construção de identidade nacional que historicamente atravessam

a forma com que as entrevistadas se autodeclaram.

A partir disso, é importante reconhecer que o Brasil foi o último país da

América a abolir a escravidão formal e que insistiu em valorizar historicamente os

componentes étnicos da população branca (LOGES; BRAGA, 2017, p.18). Essa

valorização contribui para além de configurar práticas educacionais e escolhas

profissionais eurocêntricas, discriminar, alijar e violentar a autoestima de todos os

demais grupos raciais.

Nesse sentido, as escolas, por exemplo, se caracterizaram por ser um espaço de

formação da identidade, já que é o primeiro espaço institucional de aprendizagem. Além

disso, como nos aponta a professora Eliane Cavalleiro, o silêncio sobre o racismo, o

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preconceito e as discriminações raciais nas diversas instituições contribui não só para

que as diferenças de fenótipos sejam compreendidas como “desigualdades naturais”,

como reproduzem os negros como sinônimos de inferioridade (CAVALLEIRO, 2005,

p.11). Cavalleiro destaca que, em estudos anteriores alusivos ao que embasou a lei

10.639/2003, foi possível comprovar que:

“a existência do racismo, do preconceito e da discriminação raciais na sociedade brasileira e, em especial, no cotidiano escolar acarretam aos indivíduos negros: auto-rejeição, desenvolvimento de baixa auto-estima com ausência de reconhecimento de capacidade pessoal; rejeição ao seu outro igual racialmente; timidez, pouca ou nenhuma participação em sala de aula; ausência de reconhecimento positivo de seu pertencimento racial; dificuldades no processo de aprendizagem; recusa em ir à escola e, conseqüentemente, evasão escolar”. (CAVALLEIRO, 2005, p.12)

Desse modo, esses dados são importantes na pesquisa para a compreensão de

quais fatores são levados em consideração pelas entrevistadas ao se autodeclararem.

Ainda há outras questões a serem avaliadas sobre as políticas de construção de identida-

de nacional: “a ênfase brasileira sobre a aparência e não sobre o legado genético ou de

raça, referindo-se ao Brasil como uma sociedade na qual as distinções são feitas entre

uma variedade de cores e não entre raças, como acontece nos Estados Unidos” (DE-

GLER, 1971, p. 244), onde a cor é vista como fator objetivo e natural, mas a raça -

mesmo sendo um conceito abstrato e científico, é crucial para caracterização de alguém.

Assim, para Antônio Sérgio Guimarães, é justamente desse modo que a cor

funciona no Brasil, como uma imagem figurada de raça (GUIMARÃES, 1995, p. 19), já

que, segundo ele, quando estudiosos incorporam ao seu discurso a cor como critério

para referir-se a grupos objetivos,

“eles estão se recusando a perceber o racismo brasileiro. Suas conclusões não podem deixar de ser pois formais, circulares, e superficiais: sem regras claras de descendência não haveria ra-ças, mas apenas grupos de cor. Em suma, alguém só pode ter cor e ser classificado num grupo de cor se existe uma ideologia na qual a cor das pessoas tem algum significado. Isto é, as pessoas têm cor apenas no interior de ideologias raciais, stricto sensu.” (GUIMARÃES, 1995, p. 19)

A partir dessa análise, qual a ideologia racial que se identifica no Brasil, dife-

rentemente de outras partes do mundo? O mito da democracia racial é estabelecido, por-

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tanto, pelo fato de que a nacionalidade brasileira foi forjada no mito de harmonia entre

as raças com meras diferenças de cor, que permitiu o encobrimento das ancestralidades

desconfortáveis, em que a ordem escravocrata foi substituída pela cor como marca de

origem (GUIMARÃES, 1995). Assim, o racismo colonial fundado sobre a ideia de pu-

reza de sangue deu lugar a uma nação mestiça, depois da independência do Brasil e da

abolição da escravatura, cuja cidadania dependia do lugar de nascimento e não da ances-

tralidade (Skidmore, 1979; Wright, 1990; Wade, 1993 apud GUIMARÃES, 1995).

Outro ponto das peculiaridades nacionais de construção de identidade que é in-

teressante para a análise das falas é o fato de que, no Brasil, a cor, o status e a classe

estão intimamente ligados e que por isso, estabeleceu-se um arranjo hierárquico que

Lipschütz nomeou de pigmentocracia (OBOLER, 1995, p.28). Essa perspectiva racial

liga a clareza da pele ao maior status social e a cor mais escura aos valores opostos. No

Brasil, o fato de que as gradações de prestígios estão diretamente ligadas à origem fami-

liar, educação formal, cor e classe, fundam-se dentro das dicotomias simbólicas e mate-

riais do lugar social do negro, propiciando uma maior rejeição das pessoas negras, quan-

to mais escura a pele for.

Apesar de todos esses fatores do contexto histórico nacional, as lutas antirracis-

tas estabelecidas pelo movimento negro têm um papel fundamental na construção de um

paradigma positiva da construção de identidade das pessoas negras. Lutas estas que

culminaram no advento das políticas compensatórias de ações afirmativas, além da con-

solidação da lei 10.639/2003, bem como da lei de cotas raciais em estabelecimentos de

ensino e em concursos públicos (GOMES, 2012). Ocorre, portanto, um processo de res-

gate da história da população negra pelos próprios negros e, consequentemente, de valo-

rização étnica.

Assim, é em torno de todas essas questões que os depoimentos das entrevista-

das circulam. Perguntadas sobre isso, elas respondem:

AUTODECLARAÇÃO - Como você se autodeclara? Preta ou Parda?

Bom, eu me autodeclaro negra, muito embora na certidão de nascimento conste como parda. Mas, eu acho que essa coisa de parda me lembra um pouco papel. Enfim. Que é pardo, no caso, o papel. (Amina*, 43 anos)

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Negra! Negra! Negra coroada no Centro da cidade. Aqui! -aponta para o cabelo como quem segura uma coroa - Guardo os meus honorários espirituais. Preta! (Zahira*, 47 anos) Negra! Preta! (Makeda*, 29 anos) Eu sou uma mulher negra. Preta! (Nzinga*, 45 anos) Negra! Preta! (Idia*, 38 anos)

Nesse sentido, nas falas de Makeda*, Idia*, Nzinga* e Zahira* é possível

observar a valorização da negritude, isto por que os pontos de exclamação não foram

usados à toa. Todas as entrevistadas citadas exaltaram o fato de serem mulheres negras,

porém diante do reconhecimento de que todas fazem parte do grupo de mulheres negras

da OAB Rio de Janeiro, era relativamente essa a expectativa naturalmente criada em

relação às entrevistas.

Apesar da diferença de idade de apenas cinco anos entre Zahira* e Amina*, a

hesitação de uma em informar ser preta ou parda, é diametralmente oposta à veneração

da outra sobre esse dado. Fato é que ambas nasceram na década de 70, quando não foi

realizado censo diante da ditadura militar. No entanto, é a partir dos anos 80 que o censo

começa a ser delineado de forma similar à configuração que vemos hoje com as

classificações de preta, parda, amarela, indígena e branca (DOS ANJOS, 2013).

Uma vivência também a ser destacada se dá pela perspectiva de resgate à

ancestralidade enfatizada por Zahira* e a importância que ela auferiu às origens

africanas após seu relacionamento com um homem de África – que foi relatado por ela

antes do início da entrevista. Essa fala remete ao próprio movimento de valorização da

negritude na diáspora africana, consagrado pela atuação de homens como Aimé Césaire,

Léopold Sédar Senghor e Léon-Gontran Damas na década de 1940 na África, em que se

pode tomar como referência a própria conceituação de Césaire, para explicar essa

valoração de Zahira* sobre sua etnicidade:

[...] a Negritude, em seu estágio inicial, pode ser definida primeiramente como tomada de consciência da diferença, como memória, como fidelidade e solidariedade. Mas a Negritude não é apenas passiva. Ela não é da ordem do esmorecimento e do sofrimento. [...] A Negritude resulta de uma atitude proativa e combativa do espírito. Ela é um despertar; despertar de dignidade. Ela é uma rejeição; rejeição de opressão. Ela é luta,

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isto é, luta contra a desigualdade. Ela é também revolta. [...] A Negritude foi tudo isso: busca de nossa identidade, afirmação do nosso direito à diferença. [...] Eu penso em uma identidade não arcaizante, devoradora de si mesma, mas sim devoradora do mundo, isto é: apoderando-se do presente, para melhor reavaliar o passado e, mais ainda, para preparar o futuro. (CÉSAIRE, 2010, p. 109-113).

Desse modo, uma outra autora que contribui para a compreensão do significado

da fala de Zahira* é Neusa Souza Santos, que apontava o discurso sobre si mesmo como

uma das formas de exercício de autonomia. Santos destacava que “o discurso se faz

muito mais significativo quanto mais fundamentado no conhecimento concreto de sua

própria realidade” (SANTOS, 1983, p.17).

Em “Tornar-se Negro”, a psicanalista também fornece base suficiente para a

percepção dos fatores que englobam tanto a valorização de Zahira* sobre sua

autodeclaração, como a hesitação de Amina* em se autodeclarar preta diante das

categorias de heteroclassificação cartorárias de seu registro de nascimento:

A construção de um discurso do negro sobre o negro, no que tange à sua emocionalidade, é um olhar que se volta em direção à experiência de ser-se negro numa sociedade branca. De classe e ideologia dominantes brancas. Este olhar se detém, particularmente, sobre a experiência emocional do negro que, vivendo nessa sociedade, responde positivamente ao apelo da ascensão social, o que implica decisiva conquista de valores, status e prerrogativas brancas. (SANTOS, 1983, p.17)

Em linhas gerais, a conclusão da análise das respostas sobre esse tópico,

envolve o entendimento de que são mulheres negras que gozam de alguns privilégios,

fruto de ascensão social dentro de uma sociedade patriarcal, branca e classista.

Paradoxalmente, são essas mesmas características sociais, as responsáveis pelas

opressões que as entrevistadas sofrem como mulheres que se autoreconhecem negras.

O fato de elas terem conquistado um lugar de destaque e uma posição vista na

sociedade como sendo elitizada, tanto é que advogadas e advogados são chamados

formalmente de doutores (as) diante do título recebido por lei41 desde o Império, não é

41 Essa lei foi criada no período do regime imperial em 11 de agosto de 1827, entre outros trechos com a seguinte disposição: “cria dois cursos de ciências jurídicas e sociais", afirma que os que frequentarem "os cinco annos de qualquer dos cursos, com approvação, conseguirão o gráo de bachareis formados" e diz que "haverá tambem o gráo de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos

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capaz de poupá-las do racismo. Desse modo, a questão da classe não afastaria a

incidência do racismo e nem a diminuiria.

3.2- POR QUE DIREITO? O que a levou a escolher a profissão?

Em muitos casos em que se questiona o porquê de uma escolha profissional, é

comum que o entrevistado apresente uma construção positiva de si e vivências ligadas a

outros campos subjetivos. Com essa pergunta, o resultado não foi diferente. É

perceptível o esforço das entrevistadas em narrar uma perspectiva bem sucedida do

porquê de escolherem suas carreiras, de uma maneira geral, como pode ser visto nos

depoimentos abaixo:

Ah, eu sempre fui uma pessoa que gosta de falar. Falar por mim, falar por outras pessoas. Sempre tive esse senso de justiça, de luta... Então, eu acho que foi um dos motivos de eu ter escolhido a área jurídica, a advocacia. (Amina*, 43 anos) Bom, desde pequena eu sempre quis fazer Direito. Eu nunca consegui vislumbrar a atuação em qualquer outra área. Mesmo na fase do ensino médio, eu tendo optado por fazer um curso técnico em química especializado em alimentos que, eu achei bacana naquele momento, até vislumbrei trabalhar na área e posteriormente fazer Direito, mas realmente eu vi que não era a minha. Eu vi que, realmente, eu deveria continuar focando na área do Direito que é o que seu sempre quis. (Makeda*, 29 anos)

Olha, eu escolhi a profissão do Direito porque eu nunca gostei da questão da injustiça, isso sempre me incomodou. Eu vim de uma família mais humilde. Às vezes, quando eu via algumas coisas acontecendo com a minha família, eu queria de alguma forma ajudar. Na escola não era diferente, quando eu via acontecendo alguma coisa que não me agradava com os meus colegas... eu queria, de alguma forma, resolver aquilo. Eu achei que a profissão do Direito iria me ajudar nesse sentido. (Idia*, 38 anos)

que se especificarem nos estatutos”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM.-11-08-1827.htm> . Acesso em 20 nov 2018.

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Nos três primeiros relatos, é possível perceber essa visão altruística da

profissão do direito como um “sonho” de longa data. No entanto, o terceiro depoimento

já apresenta uma nuance diferente, a entrevistada, ao contrário do primeiro depoimento,

não manifesta interesse em ser o braço da justiça, mas em evitar a injustiça com seus

pares. Ela narra a profissão do direito como uma proposta de solução de conflitos e,

quando afirma “eu achei que a profissão do Direito iria me ajudar”, ainda deixa a

dúvida se essa afirmativa não se concretizou ou se era esse o pensamento que ela tinha à

época de sua escolha.

Em todo caso, levando em consideração: 1) o e-mail enviado por Idia* no

início da pesquisa, relatando importunação ao entrar no fórum por conta de seu cabelo;

2) sua percepção pessoal de tratamento diferenciado em relação aos demais advogados e

advogadas brancas descrita no e-mail; e 3) o quanto ela, inúmeras vezes, declarou sua

gratidão por participar de um grupo de advogadas negras, é possível concluirmos que o

direito não atingiu todas as expectativas prévias dela com relação à justiça.

Na presente pesquisa, é importante percebermos a visão de algumas pessoas

sobre o direito como ferramenta de proteção, já que a noção de que o direito e justiça

têm o mesmo significado é corriqueira. Porém, destaco o pensamento de dois autores

que entendem que essa premissa não é verdadeira: Lyra Filho e Pachukanis.

Em “O que é direito”, Roberto Lyra Filho explica que na língua inglesa a

palavra law - proveniente do latim - pode significar tanto direito quanto lei, o que seria

um erro já que em outras línguas são indicados por termos distintos como: ius e lex no

latim; derecho e léy no espanhol, diritto e legge em italiano, droit e loí em francês, recht

e gesetz em alemão, etc. Essa questão, para ele, evidencia que na verdade lei e direito,

direito e justiça são conceitos diferentes. Para o autor, a força do inglês como língua

universal contribui para a associação do direito à lei, como se não houvesse outro modo

de fazer isso, o que seria um erro (LYRA FILHO, 2017, p. 3-4). Lyra Filho destaca que

a lei começa no Estado e que este está vinculado à economia vigente, fazendo com que

a lei esteja ligada aos interesses da classe dominante.

No mesmo sentido, Pachukanis em “Teoria geral do Direito e Marxismo”,

aponta que o direito se consolida em torno das relações jurídicas entre sujeitos de

direitos, não das relações sociais, mas de quem são os sujeitos envolvidos nas relações

jurídicas e conclui que o direito existe para proteger os interesses da elite burguesa

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(PACHUKANIS, 2017). Assim, para o autor, qualquer revolução como proposições de

apontar injustiça deve ocorrer fora dos limites do direito.

Desse modo, vale destacar que uma das hipóteses da pesquisa era a de que

essas mulheres buscaram no direito alguma proteção e que elas acreditavam que o

acesso à legislação poderia mantê-las afastadas do racismo e das condições sociais em

que negros são tratados no Brasil. Portanto, oportuno analisar, as respostas das

entrevistadas quando questionadas se o direito as protege.

3.3- DIREITO e PROTEÇÃO - Você acha que ter feito direito a protege? Sim. Ter conhecimento... Acho que até em uma fala anterior, eu falei sobre isso... Ter conhecimento do Direito, saber o seu local de fala, o seu local na sociedade, os seus direitos, os seus deveres. Sim. Isso ajuda muito. Por isso que eu acho que os negros só vão conseguir alcançar isso tudo definitivamente com educação, com capacitação, com formação. (Amina*, 43 anos) De forma alguma o Direito me protege. Eu acho que acreditar no Direito que a gente tem hoje é uma ilusão, né. Eu acho que tudo que a gente tem aí precisa ser descontruído, já que o Direito tem ferramentas que, na prática, só servem para encarcerar a população negra. É isso. (Makeda, 29 anos) Não. De modo nenhum. Não protege nada (risos). A única coisa que eu posso é tomar as medidas jurídicas cabíveis, mas não me protege de coisa nenhuma. Se eu estiver no ônibus, o policial vai me parar e me revistar do mesmo jeito. Quer dizer, eu vou tentar impedir, mas ele vai tentar me revistar do mesmo jeito, ele vai tentar me parar do mesmo jeito. Não acho que eu tenha nenhuma proteção. (Nzinga, 45 anos) De forma nenhuma. Ninguém tem conhecimento total de lei alguma. Essa que é a verdade. Embora.... é muito difícil para uma advogada admitir isso. Eu, por exemplo, não sei nada de Direito do Trabalho. Eu digo: “eu não nasci para Trabalho, não sou a mulher do crime”. Então... O fato de você ter uma carteira da OAB, ser advogado, significa que você deu um passo. Mas, ainda é um passo pequeno para o que a gente realmente precisa. Mas até que de certa forma, sim. Vou dar um exemplo: Eu estive em uma delegacia, uns anos atrás, e o escrivão de polícia foi hostil comigo. Eu falei: “eu vim falar sobre este assunto tal...” E, então ele disse: “aqui, você não fala nada sobre este assunto. Aqui, você responde o que eu lhe pergunto”. Eu peguei minha carteira da OAB, levantei pra ele e

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disse: “não, aqui eu conto a minha versão dos fatos e o senhor registra!” Aí, ele pegou abaixou a bola, passou a me tratar bem e chamar de doutora. Isso me dá nojo. Esse tratamento de dignidade, urbanidade, deveria ser para todos e não porque eu sou advogada. Até então, ele tinha visto uma mulher negra e de cabelo duro na frente dele. Só isso. Então, o fato de eu ser advogada fez ele repensar: “não é qualquer neguinha”. (Zahira*, 47 anos) O conhecimento das leis não me protege 100%, mas me ajuda a me impor. Me ajuda a fazer algo que se eu não tivesse o conhecimento das leis, eu não faria. Nesse ponto, sim. Mas, proteger 100%, não. (Idia*, 38 anos)

É interessante pensar que, embora nenhuma das entrevistadas tenha tido acesso

prévio às perguntas ou tenha visto a entrevista uma da outra, a resposta de três

advogadas sobre o tópico em questão tenha tanta similaridade de percepção, com a

utilização das palavras “de forma nenhuma”, “de modo algum”. No entanto, na fala das

respectivas advogadas é possível observar que todas apresentaram interesse, de certa

maneira, em obter algum mecanismo de conhecimento diferente do que a maior parte da

população negra acessa como as medidas jurídicas cabíveis, as ferramentas, o status

social elitizado. Tanto é que, na percepção de Amina*, a educação seria uma importante

ferramenta para ascensão social do negro.

No entanto, é na fala de Makeda* que o direito passa a ser apontado como

ferramenta de biopoder, método de controle social para encarceramento da população

que não se apresenta “dócil” e no mesmo sentido segue a fala de Nzinga* ao falar sobre

a polícia. Amina*, Zahira* e Idia* apresentam de forma mais pontual o acesso às leis

como meio de tentar resistir a esse controle, fazendo uso do sistema ou se adequando a

ele. A partir dessas colocações que os conceitos de biopolítica de Foucault (2008) e

necropolítica de Mbembe (2018) serão usados na pesquisa.

A biopolítica é um termo utilizado por Foucault para designar a forma na qual

o poder, a partir do século XIX, tende a se focar em práticas disciplinares utilizadas para

o controle não mais de um indivíduo, mas de um conjunto de indivíduos, de uma

população (FOUCAULT; SENELLART, 2008). Assim, a biopolítica é, portanto, o

exercício de biopoderes locais, sendo a população tanto alvo como ferramenta em

determinada relação ou relações de poder.

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Nesse sentido, para Foucault, o biopoder é uma tecnologia que permite o

exercício de várias técnicas sendo o poder uma ação e, sobretudo uma ação sobre o

outro. Desse modo, os biopoderes podem se preocupar com a gestão da saúde, da

sexualidade, da natalidade, nos hábitos comuns, já que essas são preocupações políticas

e então, mecanismos de controle de populações (FOUCAULT, 1979, p. 293). É

importante destacar que, para Foucault, o direito é um dos principais mecanismos de

poder. Este poder é reivindicado por essas mulheres, mas, ao mesmo tempo, em suas

narrativas, a maioria percebe como esse poder se aplica de forma diferente em suas

vidas.

Então... Essa história tem tudo a ver com ser uma mulher negra. Quando eu era mais jovem, sempre gostei muito da “coisa” artística, já que meu pai era músico profissional. Então, sempre vivi com muitos artistas, andando pra lá e pra cá. E, eu queria fazer teatro. Aliás, queria muito fazer teatro. Eu era muito apaixonada, inclusive, fiz teatro do oprimido com o Augusto Boal. Assim, virei para os meus pais e falei: “vou fazer teatro”. Aí eles falaram assim: “minha filha se for para servir café na televisão, a gente prefere que você faça outra coisa. Veja, se você for fazer teatro, você vai fazer o papel da empregada no palco ou você vai servir café na televisão”. E aí, a gente precisa lembrar que isso é o retrato de uma época. Naquela época, tinha isso mesmo. Havia pouquíssimas atrizes negras e quando tinham mais destaque, estavam fazendo papel de escrava ou eram a empregada engraçada ou aquela emprega amiga. Mas, de modo geral, eram poucas as mulheres que tinham destaque. Na época, é claro, nós tínhamos Chica da Silva,42 Ruth de Souza... mas eram muito poucas. E aí, gerou muito conflito, muito conflito, muito conflito. E, eu falei: bom, já que eu não posso ser atriz, eu vou ser advogada (risos). Foi assim. (Nzinga, 45 anos) Eu achava que eu nunca ia ser formada em nada. Eu fui criada pra ser mais uma empregada doméstica. Minha mãe era dona de casa e meu pai era pedreiro. Ambos semianalfabetos. Eu sou a primeira pessoa formada na minha família. O que me levou a me tornar advogada foi uma insubordinação inconsciente que carrego dentro de mim que eu não sabia que era parte da minha história. Então... Minha vida escolar foi assim: até a 8ª série eu

42 Aqui, possivelmente, a entrevistada se referia à Chica Xavier ao invés de Chica da Silva, já que mencionou atrizes negras brasileiras como Ruth de Souza. Francisca Xavier Queiroz de Jesus, conhecida como Chica Xavier, é uma grande e consagrada atriz de teatro, cinema e televisão, além de produtora teatral brasileira. Nascida em 1936 em Salvador, teve diversos papéis conhecidos na televisão brasileira.

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estudei. Então me casei e parei de estudar. Depois, eu voltei e fiz o ensino médio, que é o antigo 2º grau. Aí, deixei de estudar novamente. Mas, aí aconteceu um fato na minha vida: eu tinha uma amiga que era uma amiga que ninguém gostava dela, infelizmente. E, eu apoiava essa amiga com unhas e dentes. No final, ela ficou me devendo um dinheiro, fui cobrar, ela me agrediu, eu me defendi e ela registrou a ocorrência. Foram os piores momentos da minha vida! Imagine uma família pobre e honesta e, na nossa cabeça, naquela época, ter que ir à delegacia... Lá eu fui muito maltratada, já estavam me julgando, me condenando, sem nem saber direito da história. Infelizmente, isso doeu muito pra mim e pra toda a minha família. Meus pais, minha irmã, né... Mas, graças a Deus, ela depois repensou, foi lá e declarou que, de fato, não era bem isso. E, a mãe dela foi à minha casa, falou assim pra mim: - dentro da minha casa, na minha família, pra você ter noção de como a minha família é humilde – “eu espero, Zahira*, que você tenha aprendido a lição”. Eu disse pra ela: “dona Isa, eu aprendi a lição. Eu vou fazer Direito, pois eu nunca mais quero que ninguém da minha família passe por isso que eu passei”. Naquela época, a filha dela fazia Pedagogia e eu falei só por falar. Isso foi em 1992. Em 1999, eu ingressei na faculdade. Sete anos depois. (Zahira, 47 anos)

Como é possível ver no depoimento de Nzinga*, em sua visão ou de seus

familiares, na época da escolha de sua profissão, para que uma pessoa negra ocupe um

lugar de destaque na sociedade, era preciso ocupar espaços de poder que tivessem

algum tipo de prestígio social, como a área do direito, por exemplo. Esse modo de

pensar reproduz um ideal social de que a obtenção de sucesso em uma carreira depende

exclusivamente do ramo em que se atua, e não de um destaque pessoal em qualquer área

de atuação.

Essa visão poderia ser entendida como contraditória, ao notar-se ainda que seu

pai é musico profissional, porém, pode ser um posicionamento justificado ao

entendermos a influência das teorias de branqueamento (CARONE; BENTO, 2002),

não só pela estética do homem branco, mas para assemelhar-se na forma de ascensão

social pelo lugar profissional que este ocupa.

Quanto ao depoimento de Zahira*, é possível perceber que a interseccionalidade

atua de tal modo, que é extremamente difícil perceber os limites de onde começa e

termina a questão da classe, de gênero e raça, porque todos esses fatores estão

imbricados. Interessante notar as dificuldades que essa mulher negra, vinda de família

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pobre, enfrentou, para retomar os estudos mais de uma vez, superar uma situação

vexatória que teve seus marcadores sociais como determinantes do tratamento recebido

e, assim, ter a percepção de que cursando uma graduação em direito não passaria mais

por isso.

3.4- PRECONCEITO? Em algum momento você passou por algum episódio atuando como advogada, que entendeu como preconceituoso?

Não, vários (risos). Vários, vários, vários. Tinha um que eu chamava do “sustinho”. Eu trabalhava em um determinado lugar, uma empresa grande e tal. E, como eu te falei, eu era advogada de propriedade intelectual e trabalhava muito com o departamento de marketing. Então, as pessoas chegavam na área do jurídico procurando a Dra. Nzinga*. E, aí, chegavam perguntando pra mim: “posso falar com a Dra. Nzinga?” Aí eu falava, pode. Senta aí. Aí, respondiam: “Não, não. É advogada” (risos). Então eu falava: “sou eu”. Isso aconteceu uma vez. Então, tudo bem. A segunda eu falei: “iiiih”. E então, aconteceu várias vezes. Várias vezes. Assim, eu apelidei: é o sustinho. A pessoa leva um sustinho e depois tenta disfarçar, senta, conversa, tal. Mas, é uma coisa que não dá pra botar o dedo e falar: foi racismo! (Nzinga, 45 anos) Bom, eu já vivenciei vários episódios racistas enquanto

advogada, enquanto estagiária (risos). Mas, eu acho que um episódio que me marcou muito e mudou bastante o tipo de trajetória que eu optei e que eu tô seguindo, foi uma empresa em que eu trabalhava. Eu tinha um bom relacionamento com as pessoas, com a chefia. Eu almejava cargos maiores, tinha a possibilidade, fiz processo seletivo, fui chamada, pois tive a melhor nota de todos os candidatos, fui chamada pelo próprio presidente da empresa, que é uma pessoa muito importante no Brasil, como um todo. Enfim, eu não sei por qual razão, até hoje, eu não fui qualificada para preencher a vaga. Em uma conversa com a superintendente dessa empresa, eu fui chamada de “advogada alternativa” por conta do meu perfil. Aí, quando eu perguntei o que ela quis dizer com “alternativa”, ela respondeu “alternativa, assim, desse jeito diferente que você é... diferente das outras advogadas”. Bem, as outras advogadas eram brancas e tinham um perfil padrão. Então, eu só posso entender que “alternativa” significa negra. O perfil padrão é branco. (Makeda, 29 anos) Sim. Sim. Geralmente, como eu trabalho em uma área específica que é adoção e essas coisas... Geralmente, alguém me indica. Então, a pessoa não me conhece e fala comigo ao

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telefone. Uma vez, um casal da Lagoa, marcou um horário comigo aqui na OAB, na nossa sala. No escritório compartilhado. E quando eu abri a porta, o casal levou um susto. Eu percebi e mantive a pose. Eu pensei... bom, agora ele vai ver que eu seu do que eu tô falando. Geralmente, essas pessoas já vêm sabendo o que que tem ali, já pesquisaram na internet, já tem uma noção do que é. Aí, ele vem, na verdade, pra te testar. Pois bem. Depois que eu comecei a falar, eles respiraram e tal... e eu pude continuar. (Zahira, 47 anos) Já sim. Atuando como advogada, já notei vários. Às vezes, camuflado. Já notei várias situações que foram claramente como preconceito. Às vezes até por eu entrar em um determinado Tribunal e a pessoa perguntar pra onde eu ia... Eu chegar na sala de audiência e a pessoa perguntar se eu era a autora, perguntar cadê a minha advogada. Aconteceu já de eu entrar na audiência e o autor ter faltado, aí a juíza me perguntar cadê o meu advogado e se eu estava sem advogado. (Idia, 38 anos) Olha, assim como advogada mesmo, no Tribunal, na audiência... Sinceramente, comigo assim, eu nunca tive nada muito polêmico. Às vezes, as pessoas olham e falam: “nossa, tão jovem”. Eu não tô dizendo necessariamente agora, mas antes... Pois eu me formei bem jovem. Aí, falavam: “nossa, tão jovem. Você é advogada? Você é advogada mesmo?” Então, sempre teve essa coisa. Eu driblo, assim, com naturalidade. Eu driblo, às vezes falando “é...” Eu já tive uma situação das pessoas falando: “nossa, mas você vai ser presidente dessa associação?”, que é a ABMCJ – Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica e eu estou à frente aqui no Rio de Janeiro. É uma associação que sempre foi das mulheres de carreira jurídica. As carreiras jurídicas não só para mulheres, mas para os homens sempre foram vistas como uma elite, uma coisa bem fechada. E aí, essa associação sempre foi tocada por mulheres das carreiras jurídicas. Muitas delas, já aposentadas. Pessoas de Classe AAAA. Classe Alta. E, ai, diziam: “você... e tal.” E aí, eu penso: “Por que será que questionaram isso?” E ai, eu digo para as pessoas: “sim! Sou eu mesma. Amina*, que veio do subúrbio, filha de nordestino. Meu pai é nordestino, ele já é falecido. Minha mãe é carioca. Sou eu, sim: Amina*, que tô aí tocando esse projeto. Enfim. Eu driblo assim, com a maior finesse, mas impondo e dizendo que “é... Realmente sou eu. É um pouco diferente, né? Mas a gente vai começar a se acostumar com isso”. (Amina*, 43 anos)

Anteriormente, destaquei que uma das hipóteses da pesquisa era o

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questionamento se essas mulheres buscaram no direito alguma proteção, se elas

acreditavam que o acesso à legislação poderia mantê-las afastadas do racismo e das

condições sociais em que negros são tratados no Brasil. Embora as respostas tenham

sido no sentido de dizer que não se sentiam amplamente protegidas por terem feito

direito, o depoimento de todas demonstrou que, em certa medida, acreditavam que algo

em suas vidas iria mudar cursando direito. Aqui, o que se observa é que esse fato não

obstou que todas as entrevistadas experimentassem, ao menos, episódio de tratamento

diferenciado mais de uma vez ao longo de suas trajetórias profissionais.

Além disso, os relatos trazidos com essas perguntas a todas as entrevistadas

neste tópico confirmam a hipótese central da pesquisa em que se considerava que havia

uma expectativa cultivada pelo imaginário social brasileiro de quem ocupa essas

profissões. Destaque-se a fala de Idia* sobre ter sido questionada por uma juíz(A), onde

estava seu advogad(O) - dando bastante atenção ao gênero empregado às duas

profissões no caso relatado – e a fala de Makeda* em que ela afirma ter sido chamada

de alternativa, compreendendo que o perfil padrão é branco. Se Idia* é uma advogada,

porque uma magistrada perguntaria a ela primeiro onde estaria seu advogad(O), ao

invés de questioná-la sobre sua presença em sala de audiência?

Nesse mesmo sentido, ao que foi trazido por Nzinga* e Zahira*, o lugar social

pré-determinado para o negro está tão ligado a estereótipos negativos que parte da

sociedade ainda se assusta, literalmente, ao encontrar uma pessoa negra em espaços de

poder. No entanto, situações como estas não aconteceriam somente com advogadas, mas

outras profissões como juízes, médicos.

Em exemplo, Djamilla Ribeiro, no artigo “Uma negra no poder incomoda

muita gente”, analisa caso em que uma mulher negra estadunidense é eleita prefeita em

Parma. Imediatamente, ao menos oito funcionários se demitiram, todos homens

brancos. A autora define a atitude como machista, racista e desonesta, mas analisa

outros aspectos:

“Vejo um lado positivo nisso tudo: se uma mulher negra no poder

assusta tanto, (...) é porque se está desnaturalizando o lugar de

submissão que foi construído para nós, por julgarmos que certos

espaços não nos pertencem. Finalmente, o incômodo está indo para o

lugar certo.” (RIBEIRO, 2018, p.59)

De forma complementar a essa análise de conjuntura atual, retomo Lélia

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Gonzalez quando a autora aponta que haveria também características vistas como

“indissociáveis” de ser negro como: irresponsabilidade, incapacidade intelectual,

criancice (GONZALEZ, 1984, p.224). É o que se nota do depoimento de Zahira,

quando afirma se sentir testada ao atender clientes. Do mesmo modo, seguiram os

depoimentos de todas as entrevistadas, quando perguntadas se sentiam mais cobradas

profissionalmente, como pode ser visto abaixo.

3.5- VOCÊ SE SENTE MAIS COBRADA PROFISSIONALMENTE?

Não só como advogada eu me sinto assim, tendo que fazer o meu melhor. Mas, é desde criança. Os meus pais sempre cobraram isso e sempre falaram: “olha, para você ser vista como boa, você tem que ser ótima”. Isso começou em casa e depois eu fui vendo que é verdade. Que para eu ser vista como igual, eu tenho que ter um destaque muito grande. Então, eu comecei a ver que eu tenha que falar muito bem, me apresentar muito bem, estar sempre maravilhosamente bem vestida só para ser vista como igual. Para as pessoas verem que eu era advogada. E, é um fardo. Eu nem sei exatamente o que dizer, pois é um fardo que eu carrego meio que sem sentir. (Nzinga, 45 anos) Eu não me sinto mais penalizada. Eu me sinto mais cobrada. Ser negra. Aliás, ser mulher negra advogada é carregar um peso de você fazer o seu trabalho e ter o retrabalho, pois ele está a todo momento checando. Porque a gente não pode errar nunca. A gente não tem o direito de errar. (Makeda, 29 anos) É, eu acho que... Eu sinto isso sim. Eu e todo mundo. Na militância, principalmente. Na militância da advocacia. Até hoje tem gente que pergunta pra mim se eu sou advogada de verdade. Eu levo na brincadeira, né... pois isso já me ofendeu muito. Mas, hoje em dia, eu faço até piada e digo: “não, não sou de mentira. Comprei minha carteira na OAB. É só ir lá, pois tem um setor que vende”. E tem gente que acredita, né (risos). (Zahira, 47 anos) Sim. Eu sempre tive que me afirmar. Eu sempre tive que buscar o melhor pra ser reconhecida. Querer sempre estar fazendo o trabalho da melhor forma possível. (Idia, 38 anos) Sim! Com certeza! O tempo todo, toda hora. Hora, não... Que eu acho até muito. Todo segundo. Todo instante. Não basta você ser boa, você tem que ser muito boa. Você tem que ser, praticamente, a melhor. O tempo inteiro tem essa cobrança, né.

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Porque se fosse uma pessoa loira, de olho azul, não precisava justificar nada. Mas, como eu sou uma pessoa negra, tenho que tá a todo instante justificando o porquê sou eu, o porquê disso ou daquilo. Isso é o tempo inteiro. (Amina, 43 anos)

Os depoimentos acima trazem narrativas como “fardo que carrego meio que sem

sentir”, “a gente não pode errar nunca”, “o tempo inteiro tem essa cobrança” são frases

que carregam uma simbologia de tanta violência, um peso tão grande na vida dessas

mulheres que me remeteram a outros significados do conceito de necropolítica de

Mbembe (2018).

Em um primeiro momento essa ligação pode parecer distante, mas a

necropolítica não nasce da oposição à biopolítica, mas sim do acoplamento deste

conceito (MBEMBE, 2018). Compreendo a necropolítica como o poder de determinar

quem deve viver e quem deve morrer, advém da possibilidade de designar quem são os

sujeitos dotados de humanidade, quem de fato goza de princípios como o da dignidade

da pessoa humana, quem é visto como sujeito de direito em sua materialidade, não

apenas como um conceito universal.

Parece-me que, nas diversas formas do Estado controlar a vida das pessoas –

biopolítica -, controla também quais corpos morrem e como morrem, na relação entre

Estado, direito, poder, controle social e morte, há outras formas de violência que

antecedem a morte física. O quanto deve ser difícil lutar pela dignidade da pessoa

humana de clientes e ter a própria dignidade diminuída na frequência relatada por essas

mulheres.

A trajetória de advogadas negras em relação à existência do racismo e a

construção do imaginário brasileiro sobre como tem sido representadas as pessoas que

ocupam espaços de poder, perpassa por esse controle de como se vive a morte lenta e

psíquica de se conviver com esse “fardo que carrego meio que sem sentir” (Nzinga*,

2017).

3.6- QUANDO VOCÊ SOFREU PRECONCEITO, VOCÊ DENUNCIOU?

Não. Nunca denunciei. Como eu te falei, é difícil colocar o dedo e falar: isso é racismo. Então, nunca tive nenhum episódio que fosse delimitado suficientemente para que eu pudesse denunciar. (Nzinga, 45 anos)

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Denunciar em órgãos oficiais, não. Mas em redes sociais ou buscar medidas cabíveis para contornar a situação, resolver da melhor forma possível, sim. (Makeda, 29 anos) Não. Denunciar propriamente, não. (Zahira, 47 anos) Não. Eu não cheguei a denunciar nenhum dos episódios que

eu percebi que era preconceito. Teve um bem sério. Não foi no ambiente de trabalho... Que eu reconsiderei pela família da pessoa, que eu acabei não indo denunciar. Mas, no dia da minha formatura, eu tava saindo para o salão, pra fazer o meu cabelo e ir linda e bela para a minha formatura... A pessoa começou uma discussão comigo do nada, me chamou de “advogadinha de merda” e me chamou de “macaca”. Gritou, aos berros, me chamando de macaca! Então, foi claramente uma injúria racial, né. Mas, eu preferi não denunciar. Em nenhum dos fatos eu denunciei. Em alguns, eu me impus. Percebi que tava acontecendo alguma coisa e eu consegui me impor. Mas, chegar ir até à delegacia e fazer registro, não cheguei a fazer. Um foi porque eu conhecia a família, era vizinho e eu tinha uma consideração em geral pela família. E, quando essa pessoa me procurou posteriormente, eu falei que ela deveria agradecer à família dela que eu considerava muito e, devido a esse fato, eu não fui à delegacia registrar ocorrência. E... Também eu não queria perder meu tempo na delegacia no dia da minha formatura como advogada. Foi essa resposta que eu dei para essa pessoa. Não sei... Às vezes você pensa que você indo denunciar... Hoje eu já tenho uma outra mentalidade, mas antes eu pensava que indo denunciar não vai resolver muita coisa, vai ser só mais um processo que vai ficar rolando e que não vai ter um resultado final, não vai ter um destino que vai mudar a realidade. Às vezes, eu prefiro me impor, mostrar pra essa pessoa que eu sou tão gente quanto ela e que a minha cor não me diminui em nada do que ir para uma delegacia e fazer um registro. (Idia, 38 anos)

Nos depoimentos relatados acima, causa incômodo perceber que essas

mulheres são operadoras do direito que, não acreditam em seus próprios direitos ou no

poder judiciário como resposta social. Todas as advogadas da pesquisa que relatam

sofrer algum tipo de preconceito, afirmam não ter denunciado. Os motivos são os mais

diversos desde a dificuldade probatória até o descrédito quanto à efetividade da justiça.

Essa percepção das advogadas é um retrato de como as relações raciais têm

sido tratadas no âmbito do poder judiciário e, é possível, que seja um reflexo de como –

não só operadoras do direito -, parte da população enxergue essa questão no Brasil.

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Segundo levantamento do jornal da Globo News em dezembro de 2017, desde a

Constituição Federal de 1988, que completa três décadas em 2018, apenas 244

processos de racismo e injúria racial foram julgados no Estado do Rio de Janeiro (Globo

News, 2017). Desse modo, a média de julgamento de processos seria apenas de oito

casos por ano. Há diferenças na tipificação penal de racismo e injúria racial.

Os atos de discriminação por raça e cor são considerados crimes no Brasil

desde 1989, quando entrou em vigor a Lei 7.716, a chamada Lei Caó - homenagem a

seu autor, o então deputado e ativista do movimento negro Carlos Alberto de Oliveira ,

falecido em 2017. A lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, estabelece uma disposição de

22 artigos de condutas configuradas como racismo, desde então. Racismo e injúria

racial são conceitos jurídicos diferentes, estando o primeiro previsto em lei federal e o

segundo contido no Código Penal Brasileiro, conforme as disposições abaixo.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997) (grifo meu)

Nesse sentido, percebe-se que enquanto a injúria racial consiste em ofender a

honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou

origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos,

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discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime

de racismo é inafiançável43 e imprescritível44.

No entanto, observa-se corriqueiramente no Brasil relatos de pessoas que

sofreram racismo ou injúria racial, mas poucos conseguem seguir adiante em busca de

seus direitos. Aqui retomo Mbembe (2018), porque o sociólogo destaca que o racismo

tem um lugar proeminente na racionalidade do biopoder, para ele, mais do que a questão

de classe, já que a raça sempre foi um conceito importante nas práticas de

desumanidade e dominação das políticas do Ocidente (MBEMBE, 2018).

Do mesmo modo, em termos foucaultianos, o racismo é acima de tudo uma

tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, sendo um velho direito de

soberania de poder matar, em total sintonia dos conceitos de biopolítica e necropolítica,

de acordo com Mbembe (2018).

“Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado. Segundo Foucault, essa é ‘a condição para a aceitabilidade do fazer morrer’”. (MBEMBE, 2018, p. 18)

Para além do reconhecimento da autonomia soberana do Estado Brasileiro em

decidir quem morre e quem vive – como se coloca na questão do genocídio do povo

negro – há outras formas de violência que antecedem a morte física, como a violência

que o Estado brasileiro comete desumanizando corpos negros ao flexibilizar o

cumprimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana para esses corpos.

Segundo dados de 2017, se em trinta anos de Constituição Federal foram

julgados 244 processos de racismo e injúria no Rio de Janeiro, 6 mil casos de

violência contra a mulher foram julgados (GLOBO NEWS, 2017). Aqui se

demonstra a atenção que o Estado tem dedicado a categoria gênero numericamente

muito maior a categoria raça. Destaque-se que o objetivo não é a diminuição no

julgamento de casos ligados à violência de gênero, pelo contrário, deseja-se que

todos os casos sejam investigados, julgados e punidos. O que se requer é que não

haja descaso em relação ao racismo.

43 Os crimes inafiançáveis são aqueles que não têm direito a fiança, quantia depositada pelo réu em crimes menos graves para que possa se defender em liberdade. 44 Crimes que não prescrevem, que nunca perdem o efeito.

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Entre os casos ligados à questão racial, quase 40% foram considerados

improcedentes pela justiça na área cível, já na área criminal, os réus foram absolvidos

em 24% dos casos, tendo sido julgados apenas quatro casos em 2017 e oito casos em

2016 (GLOBO NEWS, 2017). Na matéria, o professor Manoel Peixinho afirma:

“Hoje, quem pratica um crime de racismo, ou seja, a injúria racial, no máximo ficaria preso por três anos. Ou seja, não fica preso. O racista hoje, no Brasil, fica impune na área criminal. Na esfera cível, o Poder Judiciário condena com indenizações mínimas. Não pesa no bolso do racista hoje no Brasil uma indenização. Portanto vale a pena ser racista no Brasil hoje”. (Manoel Peixinho em GLOBO NEWS, 2017)

A análise de Peixinho não é infundada, o Conselho Nacional de Justiça alerta

que a quantidade de processos pode ser muito maior, já que o sistema apresenta falhas

na categorização. Importante destacar que essa não é uma realidade apenas do Rio de

Janeiro. Dados do CNJ demonstram que, em 2016, foram distribuídos 35 novos

processos de racismo no Rio de Janeiro, mas como pôde ser visto anteriormente, apenas

oito processos foram julgados em 2017. Ademais, observa-se na tabela abaixo que o Rio

de Janeiro não é um dos maiores índices de casos como esses. Aqui fica a dúvida se

seria porque o estado tem relações raciais mais harmoniosas ou se as pessoas têm menos

credibilidade no poder judiciário local. De acordo com o depoimento das entrevistadas e

as diversas manchetes virtuais e impressas sobre casos similares, talvez a segunda opção

seja a mais plausível.

Figura 17 - Número de Processos de Racismo nos Tribunais de Justiça do Brasil

Fonte: O GLOBO (2017)

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Acreidito que essa análise responde ao por quê de as advogadas negras que

sofreram preconceito e foram entrevistadas na pesquisa nunca terem feito a denúncia. .

É importante também contextualizar esses dados, com a opinião de alguns outros

operadores negros no sistema de justiça. Na defensoria pública do Rio de Janeiro, a

coordenadora do Núcleo de Defesa da Igualdade Racial – NUCORA, núcleo do qual

existe parceria com o GT Mulheres Negras, existem alguns motivos específicos para

tantos entraves quanto aos crimes raciais.

“A injúria racial dificultou que a lei do racismo, mais rigorosa, fosse posta em prática. Acabou levando as ofensas raciais a um patamar mais brando. A repreensão é mais baixa, a possibilidade de pena restritiva de direito, que não é restrição de liberdade, é maior. Na lei de racismo, a punição é mais rigorosa... A conduta, em geral, é minimizar as práticas de racismo, sempre tratando como algo banal, um mal-entendido, não intencional. É um problema estrutural. O sistema foi feito para reprimir pessoas negras, e, quando elas são vítimas, não funciona”. (Lívia Casseres, em BLOWER; FERREIRA, 2017)

Destaque-se que o crime de injúria comum já existia no Código Penal desde

1940, somente com a lei 9.459 em 1997, que foi incluída no rol de injúrias àquela

motivada por preconceito racial. Um crime que foi tipificado apenas onze anos atrás.

Aqui exemplifica-se a análise de Silvio Almeida, professor de direito, que afirma:

“a história nos demonstra que, na maioria dos casos, a simbiose entre direito e poder teve o racismo como seu elemento de ligação. A ascensão de grupos políticos racistas no poder, colocou o direito a serviço de projetos de discriminação sistemática, segregação racial e até extermínio. (...) a legalidade coloca-se como expansão do poder racista, da imposição de severas restrições às minorias. A conclusão é que o racismo é uma relação estruturada pela legalidade.” (ALMEIDA, 2018, p. 105)

Desse modo, com argumentos jurídicos que acabam tornando desproporcional

o acesso à justiça, tanto o desgaste físico, emocional, os custos, a impunidade,

demonstram a falta de compromisso social do Estado brasileiro no combate ao racismo,

tratando o preconceito racial como crime de menor porte. De acordo com o Ministério

dos Direitos Humanos em 2017 foram recebidas 142.665 denúncias de violações em

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direitos humanos contra 133.061 registradas em 2016 (DINIZ, 2018). No Rio de

Janeiro, ocorreram 1.326 denúncias ligadas à questão racial no ano passado. Os

números de denúncias pelo disque racismo não acompanham os números de registros de

ocorrências em delegacias e menos ainda quanto aos processos judiciais como visto

acima.

Para o desembargador Paulo Rangel, o segundo negro a ocupar o cargo

máximo no tribunal de justiça do Rio de Janeiro, os obstáculos impostos pelo sistema

fazem com que as agressões não cheguem até os tribunais, ou que não tenham um

desfecho adequado (BLOWER; FERREIRA, 2017).

“Grande parte das pessoas que sofrem o racismo é de baixa renda, não pode faltar ao trabalho para ir à delegacia. Não tem disponibilidade financeira ou mesmo conhecimento para movimentar a máquina judiciária. É uma falha do Estado brasileiro, que não cria mecanismos para que as pessoas possam reclamar esses abusos”. (Paulo Rangel, em BLOWER; FERREIRA, 2017)

Reconhecendo o contexto brasileiro quanto às questões raciais no sistema de

justiça, que faz com que não somente as advogadas negras entrevistadas, mas grande

parcela da população – que é formada por mais de 54% de negros (AGÊNCIA BRASIL,

2016) – não se sinta amparado na defesa de seus direitos. Concluo esta parte do trabalho

para indagar as entrevistadas quais as frustrações que elas tiveram com o direito.

3.7. - FRUSTRAÇÃO COM O DIREITO - Quais são suas frustrações com o direito?

Minha frustração com o Direito é que parece que cada vez mais a gente tem menos acesso, menos cliente, né. Eu acho assim... quando você tá na faculdade, você tem uma ideia - talvez - equivocada do que é a militância. A militância é muito hostil. Os colegas são muito hostis, não são unidos. Enfim. (Zahira*, 47 anos) Minhas frustrações com o Direito foi na prática. Quando eu comecei... eu achava a teoria muito linda. Achei que tudo ia ser mais fácil com a formação em Direito. E, na verdade, na prática, você percebe que o Direito não é aquilo que você vê na Universidade. Que o Direito você tem que brigar muito mais do que você precisaria... Já que você tem o conhecimento, que a lei tá a teu favor, você tem que tá o tempo inteiro brigando. (Idia*, 38 anos)

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Ahhh (risos). É... nossa, essa pergunta é muito difícil. A minha maior frustração com o Direito é a falta de efetividade. Muitas vezes, eu vejo que a gente tem uma determinada medida jurídica, mas na hora de colocar em prática, não vale de nada. A indenização é pequena ou porque a gente não consegue tirar uma mãe com o filho pequeno da cadeia. Sabe, por várias coisas. Então, dá muita frustração. (Nzinga*, 45 anos) Eu tenho algumas frustrações com o Direito. Eu acho que a primeira frustração é quando você entra na faculdade e vê que não é nada daquilo que você imaginou. E aí, você passa os cinco anos estudando algo e quando você termina, você... Primeiro que as pessoas, na minha época, o enfoque era o serviço público, né. Então, as pessoas que migraram pra isso... Algumas obtiveram êxito, outras não. E eu sempre quis ser advogada. Então, a minha segunda frustração foi quando eu quis ser advogada e encontrei algumas dificuldades. A principal foi o meu perfil: mulher negra, cabelo crespo, então... Como eu não tive espaço no mercado, eu resolvi abrir o meu próprio espaço, foi quando eu abri o meu próprio escritório. (Makeda*, 29 anos)

Nos depoimentos acima, três entrevistadas relatam o choque da realidade

vivenciada como advogadas e a teoria aprendida quando cursavam a graduação. Zahira*

vai mais além e sugere também frustração com a entidade de classe. Segundo as

entrevistadas, a formação dos cursos jurídicos no Brasil, não tem acompanhado a

realidade vivenciada em suas experiências profissionais.

Apesar da insatisfação tanto com a formação dos cursos jurídicos no Brasil,

quanto ao sistema de justiça propriamente dito, a história nos mostra que sempre

houveram homens e mulheres negras que, reconhecendo o direito como ferramenta de

elite, compreende essa ferramenta como sendo importante para voltar contra o próprio

opressor se houver oportunidade. Almeida (2018, p.115) destaca que na verdade

existem diversos “exemplos de como as contradições do sistema jurídico foram

utilizados de forma estratégica, não apenas pelos juristas, mas também pelas pessoas

que foram e ainda são sistematicamente prejudicadas pelo sistema”.

Entre esses exemplos podemos citar situações remotas como o baiano Luiz

Gama, nascido em 1830, ex-escravizado e abolicionista - como sua mãe Luisa Mahín-,

que ao conseguir sua alforria, foi responsável pela libertação de mais de 500

escravizados e, apesar de seus grandes conhecimentos jurídicos à época, só teve seu

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título como advogado reconhecido em 2015 pela OAB e em lei federal em janeiro de

2018 (MIGALHAS, 2018). Do mesmo modo, Esperança Garcia, que denunciou às

autoridades o sofrimento pelo qual passava, pedindo providências (CARTA CAPITAL,

2016).

Na atualidade, sobretudo com o advento das cotas raciais, os homens e

mulheres negras que ingressarem nos cursos jurídicos do Brasil – mesmo tendo

frustrações com a disparidade entre teoria na graduação e a realidade das práticas de

justiça -, tem a possibilidade de demandarem contra sistemas de opressão, requerendo

mudanças, inclusive, no próprio modo de se operar justiça no Brasil.

Quando Makeda* narra que não se encaixou em um “padrão” esperado por

escritórios jurídicos - apenas por sua estética e não por uma questão de aptidão

intelectual- e, que, diante desse grave episódio de racismo institucional decidiu abrir o

próprio escritório para trabalhar especificamente com questões raciais, são essas novas

possibilidades que a formação de mulheres negras em direito pode proporcionar.

Nesse sentido, embora o ingresso de pessoas negras não garanta, por si só, que

defenderão uma matriz focada em questões raciais – e nem deveriam garantir, já que o

racismo não é um problema só da população negra (KILOMBA, 2016) -, o contato

dessas pessoas com uma prática judiciária destoante das demandas sociais, pode

culminar em projetos que apontem essas lacunas jurídicas. É o caso, por exemplo, de

projetos como “Cartas do Cárcere”45, coordenado por Thula Pires; a associação “Elas

Existem”46, coordenada por Caroline Bispo; o Núcleo Contra a Desigualdade Racial da

Defensoria Pública do Rio de Janeiro – NUCORA, coordenado por Lívia Cásseres; o

próprio GT Mulheres Negras na OAB do Rio de Janeiro, coordenado por esta

pesquisadora.

Portanto, apesar das enormes contradições que pessoas negras têm

experimentado atuando no Poder Judiciário, diversas ações têm sido coordenadas por

mulheres negras que fizeram direito e estão reunindo outras pessoas que estejam

engajadas em, não só apontar deficiências na concretude de uma justiça distributiva47,

45 Sobre o projeto Cartas do Cárcere, ver mais em: Médium. Disponível em: <https://medium.com/cartas-do-carcere/projeto-cartas-do-c%C3%A1rcere-8a4727e8f877> . Acesso em 23 nov 2018. 46 Sobre a associação Elas existem, ver mais em: Elas existem in Wordpress. Disponível em: < https://elasexistem.wordpress.com/>. Acesso em 23 nov 2018. 47 Sobre Justiça Distributiva ver: CITTADINO, Gisele Guimarães. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. Lumen Juris, 1999.

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mas modificar o próprio sistema. Ao que parece, é o que essas mulheres advogadas

entrevistadas estão buscando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ser mulher negra é a minha essência, não a minha sentença” (FEMAFRO,

2014, autora desconhecida)

O objetivo dessa pesquisa era analisar as narrativas de cinco advogadas negras

sobre a atuação ou não, do racismo em suas trajetórias profissionais refletindo sobre

representação e o poder judiciário. A hipótese de trabalho inicial era de que os

estereótipos negativos ligados às mulheres negras estão em conflito com a construção

do imaginário social do profissional que atua em espaços de poder, como ambientes

jurídicos.

Essa hipótese se confirmou, na medida em que, nas narrativas trazidas pelas

advogadas entrevistadas, ainda hoje existem pessoas que literalmente se assustam ao

encontrarem uma mulher negra na posição de advogada. Desse modo, o impacto da

representatividade negra em espaços de poder como ambientes jurídicos foram

identificados nessa pesquisa como positivos. A presença da mulher negra nesses locais

cria novos referenciais ao imaginário social brasileiro sobre quem pode ou não pode se

tornar advogada(o), acompanhando assim a realidade étnica brasileira.

Outra hipótese de trabalho era o questionamento se essas mulheres buscaram

no direito alguma proteção, se elas acreditavam que o acesso à legislação poderia lhes

proporcionar um tratamento melhor. Embora as respostas tenham sido no sentido de

dizer que não se sentiam amplamente protegidas por terem feito direito, o depoimento

de todas demonstrou que, em certa medida, acreditavam que cursar direito possibilitaria

mudar situações de injustiça ou evitar que isso acontecesse.

No entanto, o fato de essas mulheres terem cursado direito não impediu que

todas as entrevistadas sofressem, ao menos, situação de tratamento diferenciado. Um

dado ainda mais substancial na pesquisa foi o fato de que nenhuma das entrevistadas

teria denunciado formalmente qualquer desses episódios, o que demonstra falta de

credibilidade da efetividade da justiça na esfera do Poder Judiciário, inclusive para essas

mulheres negras que são operadoras do direito. Essa reflexão causou-me bastante

angústia no decorrer da pesquisa, já que também sou advogada de formação e ver, de

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certo modo, a falta de esperança dessas mulheres me entristeceu demasiadamente.

Durante o processo de realização das entrevistas e de transcrição das falas,

observou-se outro aspecto a ser considerado aqui: todas as entrevistadas, em

determinado momento, ao relatar situações incômodas tanto de preconceito, quanto na

quebra de alguma expectativa, tiveram como reação o riso e até gargalhadas.

No Congresso Nacional de Pesquisadores Negros, em Belo Horizonte, em

fevereiro de 2018, relatei esse aspecto para a psicóloga Maria Aparecida Bento e ela

respondeu: “É muito triste que essas advogadas tenham que rir das violências que

sofreram, mas, ao mesmo tempo, é esse riso que possibilita que a gente possa

sobreviver”. (BENTO, 2018)

Nesse sentido, a experiência de ter sobrevivido a tantos obstáculos, me parece,

que foi o que fez com que essas mulheres quisessem se unir a outras mulheres negras

advogadas, e saber como elas lidam com tudo isso. Esse aspecto remete ao que Vilma

Piedade chamou de “dororidade”: “a cumplicidade entre mulheres negras, pois existe

dor que só as mulheres negras reconhecem, por isso, a sororidade não alcança toda a

experiência vivida pelas mulheres negras em seu existir histórico” (PIEDADE, 2018).

Apesar dos episódios ruins que tiverem que superar, o riso presente nas

entrevistas também é muito presente quando essas mulheres estão nas reuniões do GT

Mulheres Negras. Nesse sentido, é possível pensar a presença dessas mulheres no GT

Mulheres Negras com uma tentativa de mobilização para manutenção da integridade

social, cultural, física e também psicológica, no que Bárbara Souza (2008) chama de

aquilombar-se. Assim, o “quilombo” vai crescendo com outras mulheres que sofrem

violência tanto pelo Estado como pelo sistema de justiça, como é o caso de Marinete

Silva, advogada de previdenciário e mãe da vereadora assassinada Marielle Franco, que

pediu para integrar o grupo poucos meses após o assassinato de sua filha48. Do mesmo

modo, a advogada Valéria Santos, que no decorrer desta pesquisa teve um vídeo

viralizado na internet, exposta em situação vexatória, algemada ao chão, tendo seu

direito de trabalhar cerceado, após um desentendimento processual com uma juíza49.

48 Vide mais em: Mãe de Marielle entra para o Grupo de Trabalho de Mulheres Negras na OAB do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/mae-de-marielle-entra-para-grupo-de-trabalho-mulheres-negras-da-oab-do-rio-22916261.html>. Acesso em 23 nov 2018. 49 Vide mais em: Valéria Santos – a advogada que foi presa durante uma audiência apenas por querer exercer sua atividade. Disponível em: <https://epoca.globo.com/valeria-dos-santosadvogada-que-foi-

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Nota-se que, apesar do desfecho ou desfecho inadequado – como disse o

desembargador Paulo Rangel ao jornal O GLOBO (BLOWER; PEREIRA, 2017)-, o

resultado dos dois episódios foram negativos para as vítimas e seus familiares. O caso

da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes já ultrapassa oito meses,

com diversas homenagens recebidas por sua mãe, mas sem nenhuma resposta das

autoridades e desinteresse da mídia. Marinete Silva, a despeito de ser advogada,

experimentou a mais amarga face da necropolítica (MBEMBE, 2018), em que o Estado

decidiu por não apenas retirar a vida de sua filha, mas silenciar sobre a deturpação de

sua memória com a propagação de notícias falsas e ignorar o devido processo legal,

com um inquérito de mais de 250 dias (FERRAZ, 2018).

Não tendo sido diferente o resultado da luta da advogada Valéria Santos, que

teve todos os seus recursos julgados improcedentes, tanto na esfera administrativa como

judicial, a advogada desde a data do ocorrido, me procurou como coordenadora do GT

Mulheres Negras para integrar as atividades do grupo. Em ligação telefônica, ela disse

“se a gente não se unir, eles nos engolem”.

Nesse sentido, esses dois episódios que demonstram alguns aspectos do porquê

mulheres negras advogadas estão sentindo a necessidade de estarem unidades, me

ajudaram a pensar as considerações finais desse trabalho, para refletir sobre dois

aspectos:

1) Reconhecer que as respostas jurídicas a episódios envolvendo violência

contra as mulheres negras não têm sido satisfatórias e que, portanto, é preciso disputar

“o direito de produzir o direito, a partir do nosso lugar e dos nossos termos” (PIRES,

2018);

2) Decidir quando e como negociar as categorias importantes para mulheres

negras, entendendo que o movimento associativo entre mulheres negras é apenas um

dos muitos meios para ascensão social de sua própria raça. Que esse movimento não

pode ser uma moda identitária, deve estar bem-intencionado e surgir como a força de

“uma nova inteligência contra a velha ignorância. A luta de uma consciência esclarecida

contra uma sucessão de misérias sociais nascidas da tensão e da dor de um passado

odioso” (LERNER, 1992, p. 575-576).

presa-durante-uma-audiencia-apenas-por-querer-exercer-sua-atividade-23065299 >. Acesso em 23 nov 2018.

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Ademais, apesar de todo o esforço que o Estado faz para controlar nossas

vidas, nossos corpos, nossa felicidade, nas palavras da feminista negra Juliana Borges

(2015), “ser uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”. Portanto, se essas

mulheres decidem estar juntas para enfrentar as opressões que vivem, que usem também

de sua felicidade por estarem vivas, por usufruir dos benefícios financeiros de ocupar os

cargos que ocupam e que essa felicidade possa transformar qualquer realidade

opressora.

Que o humor de mulheres como Patrícia Hill Collins, Deborah Small, Marielle

Franco, mulheres que conheci e que tanto me estimularam quando perdi diversas vezes

as forças para seguir com essa pesquisa, estejam SEMPRE PRESENTES!

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Glossário

OAB CFOAB CF STF STJ GT ENAJUN AJUFE AMAGES Subseção Seccional Comarca Jurisdição

Jurisdicionados Juristas Magistrados Réu Autor Petição Desagravo

Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal da OAB Constituição Federal Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça Grupo de Trabalho Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros Associação dos Juízes Federais do Brasil Associação dos Magistrados do Espírito Santo Divisão de seção. Relativo à seção. Circunscrição judiciária, sob a jurisdição de um ou mais juízes de direito; região; território. Atividade do Poder Judiciário ou de órgão que a exerce. Refere-se também à área geográfica abrangida por esse órgão. Relativo à jurisdição. Aquela(e) que é especializada(o) na ciência do direito. Autoridade judiciária; membro do Poder Judiciário. Aquela(e) que é chamada(o) em juízo para responder por ação cível ou por crime ou delito. Aquele que promove uma ação judicial contra ou em face de outrem. Formulação escrita de pedido feita perante o juiz competente ou que preside ao feito; Requerimento. Reparação de uma ofensa ou dano moral por meio de retratação ou reparação civil.

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Anexo I

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

1- Como você se autodeclara? 2- Qual a sua área de atuação como advogada e quais tribunais você mais frequenta? 3- O que a levou a escolher a profissão? 4- Como você se sente ao estar inserida em espaços que seguem um padrão eurocêntrico, em que se é uma das poucas ou a única mulher negra?

5- Você acha que os tribunais são um ambiente hostil ou de provação para pessoas negras?

6- Como driblar a invisibilidade de ser negra diante de um universo majoritariamente branco, masculino e elitista?

7- Em algum momento você passou por algum episódio atuando como advogada, que entendeu como preconceituoso?

8- Caso positivo, qual a motivação que você acha que foi o ponto maior do preconceito nesse episódio: a questão racial, de classe, ou de gênero?

9- Você denunciou? 10- Qual a sua opinião sobre as questões raciais no Brasil? 11- Em algum momento, o seu progresso profissional foi compreendido como troca de favores com conotações sexuais?

12- O que o direito exigiu de você? 13- Quais são suas frustrações com o direito?

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Anexo II

Portaria de Nomeação para Comissão OAB Mulher RJ

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Anexo III

Portaria de Nomeação para Diretoria de Igualdade Racial

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Anexo IV

Portaria de Nomeação como Coordenadora Zonal na Diretoria de Igualdade Racial

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Anexo V

Portaria de Nomeação como Coordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres Negras na

Comissão OAB Mulher RJ

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Anexo VI

Convite para Palestra na XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira

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Anexo VII Lista de Presença Reuniões GT Mulheres Negras

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Anexo VIII

Processo sobre Ofício cobrando Melhoria no Atendimento de Mulheres Negras nas

Delegacias, Respeito ao Princípio da Autodeclaração, Capacitação Profissional e

Criação da Delegacia de Crimes Raciais e de Intolerância

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Anexo IX

Decreto do Interventor Federal sobre criação da DECRADI

DECRETO N° 18 DE 21 DE AGOSTO DE 2018. CRIA, SEM AUMENTO DE DESPESAS, NA ESTRUTURA DA POLÍCIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO, A DELEGACIA DE CRIMES RACIAIS E DELITOS DE INTOLERÂNCIA (DECRADI), E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. O INTERVENTOR NA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, que lhe conferem o art. 34, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, o art. 3º, do Decreto Presidencial nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, e o art. 145, I, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e tendo em vista o contido no Processo nº E09/156/2/2018, CONSIDERANDO: - as políticas públicas efetivadas pela União e pelo Estado do Rio de Janeiro para o enfrentamento de casos de racismo, xenofobia, intolerância religiosa e demais formas de discriminação; - a necessidade de propiciar à sociedade uma Unidade de Polícia Administrativa e Judiciária própria para investigar ocorrências, nos casos de crimes raciais e delitos de intolerância; e - a intenção do Governo do Estado do Rio de Janeiro de inserir no Programa “Delegacia

Legal” todas as Unidades de Polícia Administrativa e Judiciária do Estado do Rio de

Janeiro, DECRETA: Art. 1º - Fica criada, na estrutura básica da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de que trata o Decreto nº 45.222, de 16 de abril de 2015, sem aumento de despesas, especialmente, no que se refere às despesas com pessoal, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância - DECRADI, subordinada ao Departamento-Geral de Polícia Especializada, classificando-se no item 4.1.11.7.1.2. Art. 2º - As normas pertinentes à implantação, atribuição, organização e funcionamento da Delegacia Especializada ora criada, bem como outras providências que se fizerem necessárias à operacionalização das atividades, serão definidas em ato emanado pelo Secretário de Estado de Segurança. Art. 3º - Fica a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância - DECRADI inserida no Programa “Delegacia Legal”. Art. 4º - A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, através do Departamento Geral de Administração e Finanças - DGAF e do Departamento Geral de Tecnologia da Informação e Telecomunicações - DGTIT, adotará as medidas necessárias para a inserção da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância - DECRADI no Programa “Delegacia Legal”. Art. 5º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2018 GENERAL DO EXÉRCITO WALTER SOUZA BRAGA NETTO

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Anexo X

Termo de Parceria Centro do Teatro do Oprimido e OAB RJ

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Anexo XI

Carta de Intenções – GT Mulheres Negras para a OAB do Rio de Janeiro

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