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i CAIO AUGUSTO TOLEDO PADILHA EDUCAÇÃO E INCLUSÃO NO BRASIL (1985 – 2010) CAMPINAS 2014

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CAIO AUGUSTO TOLEDO PADILHA

EDUCAÇÃO E INCLUSÃO NO BRASIL (1985 – 2010)

CAMPINAS 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CAIO AUGUSTO TOLEDO PADILHA

“EDUCAÇÃO E INCLUSÃO NO BRASIL (1985-2010)”

Orientadora: Profª. Drª. Maria Teresa Eglér Mantoan

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO CAIO AUGUSTO TOLEDO PADILHA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. MARIA TERESA EGLÉR MANTOAN

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CAMPINAS 2014

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Padilha, Caio Augusto Toledo, 1988-

P134e PadEducação e inclusão no Brasil (1985-2010) / Caio Augusto Toledo Padilha. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

PadOrientador: Maria Teresa Eglér Mantoan. PadDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Pad1. Educação especial. 2. História da educação. 3. Políticas Educacionais. 4. Brasil - História - 1985-2010. I. Mantoan, Maria Teresa Eglér,1943-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Education and Inclusion in Brazil (1985-2010) Palavras-chave em inglês: Special Education History of education Educational policies Brazil - History - 1985-2010 Área de concentração: Ensino e Práticas Culturais Titulação: Mestre em Educação Banca examinadora: Maria Teresa Égler Mantoan [Orientador] Newton Antonio Paciulli Bryan Vitor Barletta Machado Data de defesa: 10-10-2014 Programa de Pós-Graduação: Educação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO E INCLUSÃO NO BRASIL (1985 – 2010)

Autor: Caio Augusto Toledo Padilha Orientadora: Profª. Drª. Maria Teresa Eglér Mantoan

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação

defendida por Caio Augusto Toledo Padilha e aprovada

pela Comissão Julgadora

Data: __/__/__

Assinatura:.....................................................................

Orientadora

COMISSÃO JULGADORA:

2014

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Aos milhões de indivíduos, que, ignorados pelo sistema, permaneceram à margem da sociedade, excluídos do sistema educacional comum. Este trabalho foi feito

em respeito à histórica luta de vocês.

Aos meus avós, Miguel, Virgínia e Sidney (in memoriam) e Anna Therezinha.

Ao meu padrinho, Natal (in memoriam), um dos

meus maiores incentivadores.

Aos meus pais, Silvana e Miguel.

Ao amigo desta e de outras vidas, Vung.

Aos meus sobrinhos pequenos, Giovana, Bruno (meu querido afilhado), Marcos e Luhara (minha

sobrinha-neta), na expectativa que vivam e façam um mundo melhor.

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo a composição de um estudo histórico da evolução da

Educação e, mais especificamente, da Educação Especial no Brasil pós-Ditadura Militar

(1985-2010), a partir da análise crítica das políticas educacionais formuladas e

implementadas pelo governo federal no período. Para tanto, foi realizada uma pesquisa

qualitativa, voltada à análise de conteúdo de fontes primárias (documentos nacionais e

internacionais) e fontes secundárias (produções científicas de diferentes naturezas), que

permitiu a confirmação da hipótese de que, apesar dos esforços estatais no sentido de

universalizar o acesso dos indivíduos à educação comum, inexiste, no país, um sistema

educacional verdadeiramente inclusivo.

Palavras-chave: Educação Especial; História da Educação; História das Políticas

Educacionais; Brazil — História — 1985-2010

ABSTRACT

This paper aims to depict a historic study of the Education evolution, more specifically

the Especial Education in the post-Military Dictatorship Brazil (1985-2010), based on

the critical analysis of educational public policies formulated and implemented by the

Federal Government in that period. For this purpose it was made a qualitative research

dedicated to the analysis of the primary sources’ (national and international documents)

and secondary sources (scientific productions of different natures), which allowed the

confirmation of the hypothesis that, despite the State’s efforts towards an

universalization of the people access’ to common education, the country lacks of a

wholly inclusive educational system.

Keywords: Especial Education; History of Education; Educational Policies’ History;

Brasil — History — 1985-2010

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto do coletivo. Uma dissertação de mestrado não nasce

somente da inspiração e dos esforços do seu autor. Ao contrário. Cabe ao autor o dever

de trazer para o papel a história, a própria história, os conhecimentos produzidos nas

inúmeras relações que constrói ao longo de sua trajetória. Sendo assim, é mister

agradecer a todas e todos envolvidos neste processo pela generosidade em me apoiarem

e compartilharem suas experiências comigo.

À professora Maria Teresa Eglér Mantoan, o meu mais profundo agradecimento

pela generosidade em me acolher como orientando, respeitar minhas características,

estimular minhas potencialidades e apoiar continuamente minhas iniciativas tanto no

âmbito pessoal como no âmbito acadêmico.

Ao professor Newton Antônio Paciulli Bryan pela incrível oportunidade de

aprendizado, pelas preciosas contribuições tanto no exame de qualificação quanto na

defesa, pela paciência em me responder os e-mails e, sobretudo, pelo grande estímulo

que me concedeu para prosseguir na trajetória acadêmica.

Ao professor Vitor Barletta Machado, um grande mestre, que me mostrou, desde

a educação básica, os encantos da História, o meu agradecimento pela presença e pelas

contribuições teóricas de grande relevância na ocasião da defesa.

À professora Norma Trindade de Lima, por ter aceitado o convite para o exame

de qualificação e ter me proporcionado novos olhares sobre a pesquisa.

Ao professor José Claudinei Lombardi, que me abriu as portas da vida

acadêmica no início da graduação em Pedagogia, incentivou-me e foi meu orientador

por dois anos, nas iniciações científicas e no trabalho de conclusão de curso.

Aos colegas do LEPED (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e

Diferença) pelos debates realizados, os conhecimentos produzidos, e a oportunidade de

aprender mais sobre a inclusão.

À minha avó, Anna Therezinha, pelo amor incondicional que deposita em todas

as suas relações e por ter me apresentado àqueles que serão meus maiores amigos por

toda a vida: os livros.

Aos meus pais, Miguel e Silvana, meus verdadeiros heróis. Mais do que a vida,

me mostraram o que é o amor. Ensinaram-me a sonhar e realizar meus sonhos, a

compartilhar, a lutar com todas as forças por aquilo que acredito, a desapegar, a

entender o exercício da liberdade, as aventuras da vida. Este trabalho jamais existiria se

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não fosse pela entrega de vocês. As noites sem dormir, as palavras de apoio, o carinho, a

torcida. Tudo, tudo o que eu fizer nesta vida, será dedicado a vocês — e mesmo assim

eu nunca conseguirei retribuir minimamente o universo que me foi ofertado.

Aos meus antepassados, das famílias Augusto, Barboza, Toledo e Padilha, todo

o agradecimento pela vida que tiveram e pelos ensinamentos que me deixaram. Mesmo

não conhecendo boa parte dessas pessoas, pude ouvir suas histórias e muito aprender.

De modo a representar todos os meus familiares, agradeço meus tios Nelson (in

memoriam) e Carlos Eduardo por terem acreditado em mim, investindo em meus

estudos num momento muito difícil da minha vida, a meu tio Amauri por ter alimentado

meu gosto pela História e pelos livros, e à tia Cristina por ter me incentivado tanto, a

começar do meu apelido — “Campeão”.

Aos amigos:

Fábio Bonillo Fernandes Carvalho, futuro editor, amigo dos tempos de bebê, que

muito me apoiou em todos os momentos, leu diversos trechos, elogiou, criticou, propôs

e fez uma preciosa revisão final do texto;

Renan Salomon Müller, outro companheiro de todas as horas, que se dispôs até

mesmo a virar noites em claro para editar o texto para a defesa;

Guilherme Plácido Campos pelas conversas noite afora na Romana sobre

inúmeros temas desta vida, pela leitura atenta de diversos trechos e pela propositura de

novas fontes;

Henrique Corrêa Lima, um verdadeiro professor, criterioso, crítico, ácido, soube

detectar erros, propor soluções e valorizar quando preciso, além de ser um grande

companheiro em todos os momentos;

Diogo Valmor Pereira, um amigo que se identificou desde o primeiro momento

com os propósitos da pesquisa, colocando sua experiência pessoal como um estímulo

para a conclusão desse trabalho;

David Rodrigues Menezes pelo incentivo, pelas leituras e pelo companheirismo;

Nacim Elias Romanelli, pelo bom humor, pelas boas conversas, que me fizeram

esquecer dos maus momentos;

Gabriel Rosa, um artista nato, que me presenteia com compreensão,

companheirismo e muito bom humor em todos os momentos;

Francisco Lima Baca, o mexicano mais brasileiro de todos, que me propiciou

debates esplendorosos;

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Igor Figueiredo, o camarada de todas as horas, com quem muito aprendo sobre a

vida em todos os momentos;

Giulia Ozi, pelo apoio irrestrito, as palavras de companheirismo e a presença

amiga;

Luísa Maria Rutka Dezopi, pelo apoio, pelas leituras e pelos apontamentos;

Lívia da Costa Quezado Ribeiro, pelo incentivo inicial, pelo companheirismo de

muitos momentos;

Colegas do curso de Pedagogia, que muito me ensinaram sobre a vida e sobre a

Educação.

Colegas do curso de Ciências Sociais, pela oportunidade de viver grandes

momentos, ampliar meus horizontes acadêmicos e construir grandes amizades.

E a todos os demais, que me enobrecem pela participação ativa nos diferentes

momentos da vida.

Muito obrigado!

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Sumário

Introdução ....................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – A necessária compreensão da Educação Inclusiva para entender a Educação Especial nessa perspectiva ............................................................................ 9

CAPÍTULO 2 – Educação para quase todos: o longo percurso de exclusão da pessoa com deficiência no sistema educacional comum ............................................ 24

2.1. Uma breve história da formação de um sistema educacional excludente: da Colonização ao fim da Ditadura Militar ................................................................. 24

2.2. O longo processo de exclusão da pessoa com deficiência ............................... 42

2.2.1. A exclusão da pessoa com deficiência no Brasil e a questão da Educação Especial: um percurso histórico dos primórdios da Colonização até o fim da Ditadura Militar .................................................................................................... 53

CAPÍTULO 3 – As atuações dos governos José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995): avanços e retrocessos na Educação Especial ........................................................................................................ 67

3.1. O governo José Sarney (1985-1990) ................................................................. 67

3.2. A Educação Especial no governo José Sarney ................................................ 82

3.3. O fim do governo José Sarney e a eleição de Fernando Collor ..................... 86

3.4. O governo Fernando Collor (1990-1992) ......................................................... 88

3.5. A Educação Especial no governo Fernando Collor ........................................ 94

3.7. O governo Itamar Franco (1992-1995) .......................................................... 100

3.8. A Educação Especial no governo Itamar Franco ......................................... 109

CAPÍTULO 4 – A era Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e a atuação na Educação Especial ...................................................................................................... 120

4.1. O primeiro governo FHC (1995-1999) ........................................................... 120

4.2. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998 .................................. 158

4.3. O segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2003) ................... 161

4.4. A Educação Especial na era Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) ..... 177

4.5. O fim do governo e a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder ........ 199

CAPÍTULO 5 – A era Luiz Inácio Lula da Silva e a atuação na Educação Especial ...................................................................................................................................... 206

5.1. O primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007) ........................ 206

5.2. A reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 ........................................ 262

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5.3. O segundo governo Lula (2007-2011) ............................................................. 267

5.4. A Educação Especial na Era Lula (2003-2011): a opção pela inclusão ....... 302

Conclusão .................................................................................................................... 331

Referências bibliográficas .......................................................................................... 342

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Introdução

Em 2008, dois anos após o início de seu segundo mandato, o governo Lula lançou

um novo marco institucional: a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva. O sistema educacional comum viu-se, então, desafiado a incluir um

expressivo contingente de alunos que, no decorrer da história brasileira, tiveram ignorado o

direito à educação. Desde esse momento, suscitaram-se transformações nos currículos

escolares; nos cursos de formação docente; nas práticas pedagógicas; nos mecanismos de

avaliação; na gestão do ensino; nos espaços físicos; na participação da sociedade no

cotidiano escolar; e nos processos de formulação e implementação das políticas

educacionais. Ao invés de diferenciar para excluir, como se fez até então no país, a escola

deveria diferenciar para incluir. Alunos, famílias, professores e gestores viram-se

provocados a assumir novos papéis no processo educativo. E os resultados não poderiam

ser mais expressivos: milhares de novos alunos têm se matriculado, no decorrer dos últimos

anos, em escolas comuns públicas e privadas, desafiando Estado e sociedade a procederem

a uma ampla revisão de suas concepções pedagógicas, de modo a reconstruírem o sistema

educacional.

Esse processo transformador imediatamente nos provoca alguns questionamentos.

Por que essa mudança paradigmática somente agora, em meados do século XXI? Por que a

Educação Especial se afirmou, no decorrer da história, como principal alternativa para o

aluno com deficiência? Quais os fatores que nos levaram a constituir um sistema

educacional excludente? O que tem feito o Estado, em matéria de política educacional, para

modificar essa lógica e efetivar o direito de todos à educação?

Incitado por esses questionamentos e ciente da existência de múltiplas respostas

para cada um deles, pus-me a pesquisar a evolução da Educação e, mais especificamente,

da Educação Especial, desde o Brasil do fim da Ditadura Militar, em 1985, até 2008, ano do

lançamento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva, através da análise das políticas educacionais formuladas e implementadas pelo

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governo federal num período marcado por uma série de iniciativas que interferiram

diretamente na educação da pessoa com deficiência.ϭ

Trata-se de um tema que ainda não foi abordado na perspectiva da Educação

Inclusiva, como se pode observar nas obras de pesquisadores como Jannuzzi (2012), Kassar

(1999), Mazzotta (2001) e Carvalho (2006), entre outros. Mesmo os pesquisadores que se

dedicaram ao estudo de questões gerais sobre a história da educação brasileira, como

Hilsdorf (2005), Saviani (2010), Romanelli (1978) e Ribeiro (2001), não abordaram

diretamente em suas obras a questão da inclusão total das pessoas com deficiência no

sistema educacional comum. A questão permaneceu, portanto, distante da centralidade

imposta a outras temáticas nessas produções acadêmicas.

Nesse sentido, ainda que a presente pesquisa se limite a um período recente (1985-

2008) da história brasileira, trata-se de uma iniciativa que vem preencher uma lacuna, pois

oferece uma análise histórica, abrangente e crítica — fundamentada na perspectiva

inclusiva — das políticas educacionais brasileiras desde a redemocratização até os dias

atuais, o que contribui para a ampliação do debate acadêmico sobre uma temática polêmica

e de fundamental importância para a transformação do sistema educacional.

A opção pela composição de um estudo histórico a partir da análise crítica das

políticas educacionais se deu em função do entendimento que possuo das políticas públicas.

Entendo-as, aqui, em meio a inúmeras definições propostas por um campo notadamente

marcado pela multidisciplinaridade, como o “Estado em ação” (Cf. JOBERT & MULLER,

1987), a partir da implantação, por parte dos governos, de programas e ações destinados ao

atendimento das demandas provenientes dos diferentes setores da sociedade. Por

conseguinte, faz-se necessário explicitar aqui o que se entende por Estado e Governo. Para

tanto, recorro à definição proposta por Höfling (2001, p. 31):

Para se adotar uma compreensão sintética compatível com os objetivos deste texto, é possível se considerar Estado como o conjunto de

ϭDentre as principais iniciativas, destacam-se, além de uma série de programas e documentos, a Constituição de 1988, a Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a Política Nacional de Educação Especial (1994), a Lei de Diretrizes e Bases (1996), o Plano Nacional de Educação (2001) e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (2001).

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instituições permanentes — como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente — que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período.

Portanto, qualquer ação no sentido de promover a construção da inclusão no sistema

educacional comum está relacionada à efetivação de um direito social e depende,

necessariamente, da intervenção estatal. Dá-se aí a implementação de uma política

educacional, de corte social, pois esta é voltada, “em princípio, para a redistribuição dos

benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo

desenvolvimento socioeconômico” (HÖFLING, 2001, p. 31). Contudo, cabe ressaltar que a

política pública, mesmo de responsabilidade do aparelho estatal, não é concebida

exclusivamente por este. Outros atores e organizações tendem a participar ativamente do

processo, tornando-o ainda mais complexo, conforme afirma Villanueva (2003, pp. 25-26):

En efecto, una política es en un doble sentido un curso de acción: es el curso de acción deliberadamente diseñado y el curso de acción efectivamente seguido. No sólo lo que el gobierno dice y quiere hacer. También lo que realmente hace y logra, por sí mismo o en interacción con actores políticos e sociales, más allá de sus intenciones. […] Es entonces una estrategia de acción colectiva, deliberadamente diseñada y calculada, en función de determinados objetivos. Implica y desata toda una serie de decisiones a adoptar y de acciones a efectuar por un número extenso de actores.

Como se pode apreender, o processo de elaboração de uma política pública sofre a

interferência de inúmeros fatores — culturais, políticos, econômicos, sociais, etc. — e é

dividido em quatro grandes etapas interdependentes, que ocorrem com duração e qualidade

heterogêneas e são permeadas por conflitos de poder, instabilidade e contradições: 1 —

agenda; 2 — formulação; 3 — implementação; e 4 — avaliação.

Na primeira etapa ocorre a percepção dos problemas que afetam a sociedade em

diferentes campos. Os grupos sociais tendem a apropriar-se de diferentes tipos de estratégia

para conferir visibilidade às suas demandas, mas nem sempre essas são incorporadas à

agenda governamental. Daí decorre a diferenciação, proposta por Kingdon (1984), da

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agenda em três tipos: sistêmica ou não governamental, governamental e de decisão.

Segundo Viana (1996), a primeira contém a lista de assuntos que preocupam a sociedade,

mas não foram incorporados à rotina governamental; a segunda estabelece os problemas

que merecem a atenção do governo; e a terceira elenca os problemas a serem decididos na

esfera governamental. Cabe ressaltar que é neste momento da elaboração da política

educacional, segundo Mainardes (2006, p. 50), apoiado pela teoria de Ball (1998),

[…] que grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É também nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política. O discurso em formação algumas vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado por princípios e argumentos mais amplos que estão exercendo influência nas arenas públicas de ação, particularmente pelos meios de comunicação social. Além disso, há um conjunto de arenas públicas mais formais, tais como comissões e grupos representativos, que podem ser lugares de articulação de influência.

Devido, entre outras coisas, ao grau de influência dos atores governamentais e não

governamentais; à influência internacional exercida por organismos multilaterais como o

Banco Mundial, a Unesco e a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico), por exemplo (Cf. BALL, 1998 apud MAINARDES, 2006); à gravidade do

problema num determinado momento histórico; e à avaliação dos impactos da ação ou da

omissão, somente alguns itens provocarão a intervenção estatal.

A formulação da política é o momento em que “são definidas quais ações ou

alternativas estão disponíveis e quais são as mais pertinentes e viáveis” (PASSONE, 2012,

p. 27). Nesta etapa também ocorrem novos diálogos e tensões entre atores governamentais

e não governamentais; são definidas diretrizes, objetivos e metas; avaliam-se riscos;

asseguram-se os recursos; e são estabelecidas alternativas para colocá-la em prática. Ainda

sobre o processo de formulação, e pautado na teoria de Hoppe, Van de Graaf & Van Dijk

(1985), afirma Viana (1996, p. 13):

A fase da formulação pode ser ainda desmembrada em três subfases: primeira, quando uma massa de dados transforma-se em informações relevantes; segunda, quando valores, ideais, princípios e ideologias se combinam com informações factuais para produzir conhecimento sobre

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ação orientada; e última, quando o conhecimento empírico e normativo é transformado em ações públicas, aqui e agora.

A implementação é a terceira etapa do ciclo da política pública. Este é o momento

em que ela tende a “sair do papel”. O complexo processo requer a utilização dos recursos

humanos e econômicos presentes no aparelho estatal, envolve novas tomadas de decisão,

monitoramento contínuo e uma coordenação eficiente, pois diferentes tipos de problemas

acabam surgindo, fazendo com que nem sempre a política venha a alcançar os resultados

esperados pelos seus formuladores — uma vez que os implementadores, que atuam no

contexto da prática, fazem suas próprias reinterpretações da política. Sobre isso, afirmam

Bowe, Ball & Gold (1992, p. 22 apud MAINARDES, 2006, p. 53):

os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos (…). Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal-entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser importantes.

Finalmente, há a etapa de avaliação da política pública, momento responsável por

determinar em que medida os objetivos estabelecidos por ela foram cumpridos. Todavia,

este não se trata um instrumento analítico necessariamente posterior à implementação. Ao

contrário: deve ser utilizado em outras etapas, de modo a corrigir eventuais problemas e

assegurar eficiência, eficácia e efetividade ao processo. Desse modo, produz-se

conhecimento acerca da “realidade social, bem como sobre os resultados de uma dada

política, programa ou projeto, fornecendo insumos ao processo de elaboração,

implementação e execução de políticas e programas” (PASSONE, 2012, pp. 27-28).

Cabe ressaltar que o presente trabalho não tem a pretensão de realizar uma avaliação

das políticas educacionais implementadas pelos governos que se sucederam entre os anos

1985 e 2010, mas sim de ofertar uma análise crítica destas, a partir da compreensão da

educação como um fenômeno concreto, influenciado por fatores econômicos, políticos,

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sociais e culturais; da compreensão das políticas públicas como intervenções estatais no

sentido de satisfazer demandas da sociedade através da realização de determinadas ações; e

da compreensão da inclusão como um fenômeno necessário ao sistema educacional

brasileiro. Essa opção procurou, de alguma forma, atender ao que Mainardes (2009, p. 08)

entende ser necessário para a construção deste tipo de análise:

— articular o tema de pesquisa com o contexto político e socioeconômico mais amplo (determinações mais amplas), bem como com o conjunto de políticas implementadas; — evitar análises voltadas à mera legitimação de políticas ou à sua justificação; — buscar explicitar possíveis processos de reprodução de desigualdades, de exclusão ou de inclusão “precária, instável, marginal” (MARTINS, 1997); — assumir uma atitude contrária a qualquer seletividade no processo de distribuição do conhecimento e o compromisso com a elevação do nível cultural das massas (DUARTE, 2006).

Tem-se por hipótese central desta pesquisa a inexistência, no país, de um sistema

educacional comum inclusivo, apesar dos constantes esforços estatais no sentido de

universalizar o acesso dos indivíduos à educação. Consoantes a essa hipótese principal,

consideraram-se como hipóteses secundárias, que contribuíram para nortear o trabalho,

certos fatores culturais (a disseminação, no decorrer da história, de práticas de exclusão

subsidiadas por perspectivas culturais preconceituosas, homogeneizantes, segregacionistas

e opressoras, que ignoram a diferença); econômicos (a fidelidade do Estado e de grande

parte da sociedade às bases do sistema capitalista de produção e a dificuldade de prover

investimentos nas áreas sociais); e políticos (os entraves burocráticos, a formação de

controversas alianças político-partidárias, a presença de elementos conservadores em

posições ascendentes no interior do aparelho estatal e a constituição de agendas de governo

com interesses).

Para atender aos desafios aqui impostos, procedi a uma pesquisa qualitativa, voltada

à análise de conteúdo de fontes primárias e fontes secundárias. Em função disso, foram

escolhidos, portanto, documentos nacionais (leis, decretos, portarias ministeriais e

interministeriais, resoluções, notas técnicas, políticas, planos educacionais, programas de

governo e mensagens presidenciais), internacionais (declarações, programas e textos

produzidos por convenções de organismos multilaterais) e produções científicas (artigos,

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dissertações, teses e livros). Assim, foi realizada uma pesquisa histórica que não é,

portanto, desinteressada, pois:

[…] o que provoca o impulso investigativo é a necessidade de responder a alguma questão que nos interpela na realidade presente. […] Trata-se, antes, da própria consciência da historicidade humana, isto é, a percepção de que o presente se enraíza no passado e se projeta no futuro. (SAVIANI, 2010, p. 4.)

Isto posto, dividi esse trabalho em cinco capítulos, afora a introdução e a conclusão.

No primeiro capítulo, faço uma discussão das questões relativas à identidade e à

diferença, fundamentais à compreensão da perspectiva da Educação Inclusiva, e identifico

algumas das principais mudanças que o sistema educacional comum deve sofrer para

alcançar a condição de inclusivo. Para tanto, apoio-me sobretudo nas contribuições teóricas

de Mantoan (2003, 2007, 2012), Freire (1987, 1996), Deleuze (2006), Bauman (1999,

2005), Silva (2000), Carone (2009), Santos (1999), Gallo (2008) e Derrida (1991).

No segundo capítulo, apresento uma breve história do percurso de exclusão, no

sistema educacional, da pessoa com deficiência, atentando para o fato de que esse processo

atendeu a imposições culturais, políticas e econômicas, responsáveis por disseminar o

preconceito, a discriminação e a segregação desses indivíduos da totalidade da vida em

sociedade. Em razão disso, apoio-me, fundamentalmente, nos estudos de Prado Júnior

(2008), Saviani (2010), Hilsdorf (2005), Mazzotta (2001) e Jannuzzi (2012), e na pesquisa

junto a fontes documentais nacionais e internacionais.

No terceiro capítulo, contextualizo o cenário brasileiro entre o fim dos anos 1980 e

o início dos anos 1990, rediscuto questões políticas, econômicas e sociais, apresento as

políticas educacionais dos governos José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco e

analiso, a partir da perspectiva da Educação Inclusiva, em que medida essas gestões

contribuíram para a construção de um sistema educacional comum que garanta o acesso e a

permanência de todos os indivíduos em seu interior. Nessa etapa, valho-me da pesquisa de

leis, decretos, mensagens presidenciais, programas e políticas elaboradas no período, textos

de convenções realizadas por organismos internacionais e as produções acadêmicas

produzidas em diferentes campos do conhecimento.

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Por fim, no quarto e no quinto capítulo, valendo-me de uma diversificada gama de

fontes primárias e secundárias, recontextualizo o cenário brasileiro nos anos Fernando

Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva e apresento as políticas educacionais

formuladas no decorrer dos dois mandatos presidenciais de cada líder político — o que

permite identificar a contribuição de FHC à manutenção da perspectiva integracionista em

detrimento da construção da inclusão no sistema educacional e também a mudança de

perspectiva promovida por Lula em nome da Educação Inclusiva.

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CAPÍTULO 1 – A necessária compreensão da Educação Inclusiva para

entender a Educação Especial nessa perspectiva

“Temos o direito de sermos iguais quando a diferença nos

inferioriza e diferentes quando a igualdade nos

descaracteriza” (SANTOS, 1999, p. 44)

Ao observarmos mais atentamente a educação brasileira em seu percurso histórico,

logo identificamos um cenário complexo, problemático, imerso em contradições.

Questionamos a possível ausência de investimentos ou as formas como os recursos são

aplicados. Discutimos a formação do professorado, pondo em xeque a sua qualidade;

constatamos a presença de condições inadequadas de trabalho na maior parte das

instituições de ensino do país e as precárias remunerações dos profissionais da educação.

Percebemos que alunos, professores e gestores estão insatisfeitos com conteúdos, métodos

de ensino e mecanismos de avaliação, visto que esses alcançam suas finalidades poucas

vezes. Lamentamos os parcos espaços de diálogo entre escolas, universidades e a

sociedade. Criticamos cotidianamente as opções governamentais, pois estas nos mostram

que a educação parcas vezes é a prioridade na agenda. Reclamamos do fato de a escola

privada ser, na maioria das vezes, de melhor qualidade que a pública; entre outras tantas

coisas.

Afora a insatisfação, não nos sentimos aceitos e respeitados nos espaços

educacionais, fato que nos provoca a contínua sensação de não pertencimento.

Reconhecemos a importância da educação, mas não nos adaptamos às suas instituições. E

essas também não se adaptam às nossas individualidades e potencialidades. Permanece o

desencontro.

Diante disso, o cenário impõe-nos o desafio de repensar a educação a partir de um

questionamento que possui poder de síntese: qual é a educação que queremos?

A história brasileira nos mostra, em diferentes períodos, projetos educacionais

sendo apresentados pelos mais diversos setores da sociedade. Em meio a uma intensa

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circulação de ideias pedagógicas, o Estado foi se apropriando, ora parcialmente, ora

integralmente, de concepções que não colocassem em risco a manutenção do status quo.

Assim, as elites se mantiveram, desde o princípio, na condução das políticas educacionais

do país, determinando não somente os participantes do sistema educacional, mas também

os momentos em que estes seriam inseridos e seus respectivos trajetos em seu interior, fato

que provocou a criação de modelos específicos de formação para os diferentes setores da

população, e colaborou para que, durante muito tempo, se ignorasse a efetivação do direito

de todos à educação.

No decorrer desse percurso histórico, as pessoas com deficiência estiveram entre as

que menos receberam atenção do Estado e da sociedade. O fantasma do estranhamento

sempre os acompanhou. Os indivíduos considerados “normais” continuamente enxergaram

com grandes ressalvas a possibilidade de esse público participar ativamente da vida em

sociedade. Desta forma, a oferta educacional praticamente inexistiu durante os três

primeiros séculos da história brasileira pós-invasão portuguesa. E quando passou a existir,

se deu de forma controversa, com o advento da Educação Especial — modalidade

responsável pela oferta educacional às pessoas com deficiência — e a contínua

transferência de responsabilidades estatais para a iniciativa privada. Os resultados desse

modelo de atuação consistiram na criação de “classes especiais” e instituições

especializadas (públicas e privadas) no atendimento às pessoas com deficiência, elementos

que contribuíram com a manutenção da exclusão, uma vez que esses indivíduos eram — e

ainda são — incitados a permanecer fora do sistema educacional comum.

A construção de uma educação excludente não ocorreu sem resistências. À medida

que o país foi se desenvolvendo, construindo sua independência e, posteriormente,

modernizando suas estruturas políticas, sociais e econômicas, os setores marginalizados

procuravam — e ainda procuram — subverter a ordem imposta pelas elites, se mobilizando

em torno do direito de participar da vida em sociedade, mediante a concessão e a efetivação

de direitos civis, políticos e sociais. A educação logo foi inserida no contexto das lutas, pois

havia — como ainda há — o desejo de participar do sistema e modificá-lo radicalmente.

Por conseguinte, novas ideias pedagógicas emergiram acompanhadas de propostas de

modelos educacionais mais democráticos. O discurso esteve sempre vinculado a um grande

mote: a igualdade de direitos e oportunidades.

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Não tardou para que houvesse reação aos avanços dos movimentos marginais.

Gradualmente, a oferta de serviços educacionais foi estendida àqueles que reivindicavam a

inclusão no sistema. Direitos foram incorporados aos textos legais, sem que o Estado se

comprometesse a efetivá-los mediante a formulação de políticas públicas. E oportunidades

foram criadas em nome da modernização econômica, gerando mobilidade apenas na base

da pirâmide social, pois as riquezas e os meios de produção continuariam a ser dominados

pelas elites. Propagandeava-se a ilusória promessa de ascensão econômica e social através

do trabalho, acompanhada de “liberdade” e das possibilidades de usufruir das benesses do

capitalismo — os bens de consumo, a tecnologia, etc. Neste sentido, a educação exerceria

um papel fundamental: manter percursos educacionais diferentes para as elites e para as

massas; inculcar valores capitalistas em todos os setores da sociedade; nivelar — por baixo

— a qualidade da oferta de serviços destinados aos marginalizados (índios, negros,

mulheres, pobres e pessoas com deficiência) e, finalmente, aquilo que seria mais perverso:

homogeneizar, ignorando completamente o direito dos indivíduos à diferença.

Como ignorar as diferenças entre os homens? As elites se apropriaram do discurso

em torno da igualdade, conferindo-lhe uma nova roupagem: ao invés de igualar direitos e

oportunidades, objetivava-se igualar identidades. Como apontou Carone (2009, p. 172):

“Do máximo de igualdade, pensada por Babeuf como ‘égalité de fait’, fomos para os

mínimos garantidos pelo sistema liberal: a igualdade perante a lei e a igualdade de

oportunidades”. Desta forma, o sistema produziu um tipo desejável de indivíduo,

obrigando-o a construir uma identidade em conformidade com os padrões hegemônicos, de

modo a tornar-se ainda mais produtivo para o capitalismo e pouco ameaçador à ordem

social e à unicidade (Cf. BAUMAN, 1999 apud MANTOAN, 2007). Assim, as diferenças

ficariam marcadas apenas pela distribuição dos indivíduos em classes sociais.

Consequentemente, aquele que melhor se adaptasse a essa lógica seria considerado

“normal”. Sobre o processo de “normalização”, afirma Silva (2000, p. 83):

A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença. Normalizar significa eleger — arbitrariamente — uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. A identidade normal é “natural”, desejável,

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única. A força da identidade normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente como a identidade.

As constantes tentativas de normalização dos indivíduos colocaram em discussão a

identidade e a diferença. A identidade — relacional, vinculada a condições materiais e

sociais, fluida, singular, dependente de representações — está diretamente relacionada à

diferença, ao contrário de como é concebida por determinados grupos — fixa, imutável,

essencialista, pré-determinada. Não há identidade sem que exista diferença. Todavia, a

fixação de identidades em nome de determinados padrões e da manutenção da ordem social

nos levou a compreender a diferença como algo destrutivo, constituído de oposições

binárias. Estabelecemos o “eu” em oposição ao “outro” da mesma forma que o “nós” em

relação a “eles”. Agimos, portanto, em função de relações de poder ao hierarquizar as

identidades e estranhar, contestar e oprimir tudo aquilo que não está próximo ao que

julgamos aceitável, compreensível, desejável. Geramos, por consequência, estereótipos,

estigmas, rótulos, que apenas reafirmam uma desigualdade baseada em diferenças. Sobre os

desmembramentos dessa questão na atualidade, aponta Bauman (2005, p. 45):

As guerras pelo reconhecimento, quer travadas individual ou coletivamente, em geral se desenrolam em duas frentes […] dependendo da posição conquistada ou atribuída segundo a hierarquia de poder. Numa das frentes, a identidade escolhida e preferida é contraposta, principalmente, às obstinadas sobras das identidades antigas, abandonadas e abominadas, escolhidas ou impostas no passado. Na outra frente, as pressões de outras identidades, maquinadas e impostas (estereótipos, estigmas, rótulos), promovidas por “forças inimigas”, são enfrentadas e — caso se vença a batalha — repelidas.

Prossegue ele:

Mas mesmo as pessoas a quem se negou o direito de adotar a identidade de sua escolha (situação universalmente abominada e temida) ainda não pousaram nas regiões inferiores da hierarquia de poder. Há um espaço ainda mais abjeto — um espaço abaixo do fundo. Nele caem (ou melhor, são empurradas) as pessoas que têm negado o direito de reivindicar uma identidade distinta da classificação atribuída e imposta. Pessoas cuja súplica não será aceita e cujos protestos não serão ouvidos, ainda que pleiteiem a anulação do veredicto. São as pessoas recentemente denominadas de “subclasse”: exiladas nas profundezas além dos limites

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da sociedade — fora daquele conjunto no interior do qual as identidades (e assim também o direito a um lugar legítimo na totalidade) podem ser reivindicadas e, uma vez reivindicadas, supostamente respeitadas. Se você foi destinado à subclasse (porque abandonou a escola, é mãe solteira vivendo da previdência social, viciado ou ex-viciado em drogas, sem-teto, mendigo ou membro de outras categorias arbitrariamente excluídas da lista oficial dos que são considerados adequados e admissíveis), qualquer outra identidade que você possa ambicionar ou lutar para obter lhe é negada a priori. O significado da “identidade da subclasse” é a ausência de identidade, a abolição ou negação da individualidade […].

Como se pode constatar, construímos nossas identidades com base em uma

concepção negativa da diferença. Somos estimulados a acreditar em sua limitação a partir

de oposições binárias tais como nós/eles, bons/maus, racionais/irracionais,

normais/anormais (Cf. SILVA, 2000) e forçados a adotar como nossos os padrões e valores

que nos são impostos, contribuindo, sobremaneira, para a manutenção da ordem social.

Somos aceitos ou rejeitados pela sociedade em função disso. Assistimos, portanto, à

propagação de um ideário de diferença marcado por uma suposta estabilidade e voltado

somente à exclusão. Mas seria a diferença concebida apenas dessa forma?

Intelectuais como Jacques Derrida e Gilles Deleuze propuseram diferentes

interpretações para o conceito de diferença. O primeiro, focalizando a questão da

linguagem, empenhou-se em desconstruir as oposições binárias, indicando a possível

existência de uma relação móvel entre significado e significante e defendendo a

impossibilidade de conceituação absoluta de qualquer tipo de conceito. Para Derrida (1991)

a diferença não é, portanto, um conceito, mas a possibilidade de conceituar um processo.

Ao criar o termo différance, o filósofo afirmou a fluidez, a instabilidade, o dinamismo e o

deslocamento das oposições, nos provocando a refletir sobre a pertinência do modelo de

diferença que nos é historicamente imposto. Sobre o conceito, afirma Heuser (2008, p. 78):

Différance é, pois, produzida e produtora de efeitos de diferenças na língua: movimento pelo qual a língua, ou qualquer código, qualquer esquema de reenvios (num código, um signo reenvia necessariamente para outros de que é diferente) em geral, se constitui “historicamente” como tecido de diferenças; é origem não plena, não simples, a origem estruturada e diferente das diferenças; mas não é, como produtora de efeitos de diferenças, anterior a elas porque não há uma substância como causa, uma coisa em geral, um ente presente que escape ao jogo da

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différance — nada escapa ao jogo da différance, nem ela mesma. […] Pelo movimento da différance, rompe-se com a conceitualidade clássica.

Deleuze, por sua vez, esforçou-se em defender a tese de que é preciso tirar a

diferença do seu estado de maldição, ou seja, de sua condição de submissão total à

identidade. Desta forma, em sua obra Diferença e repetição, o autor afirmou a

multiplicidade da diferença, pensando-a como algo interior à Ideia, e conjunto à repetição

— fenômeno compreendido como uma oposição à generalidade, pois é singular,

insubstituível e atua como potência e criação. Assim, a diferença seria estabelecida pelo

pensamento e seria “[…] ao mesmo tempo, a origem e o destino da repetição” (DELEUZE,

2006, p. 52).

Esse caráter múltiplo da diferença passou a ser mais bem compreendido pelos

grupos sociais excluídos somente nos últimos tempos. A anterior satisfação que seria

provocada pelo pertencimento a uma classe social teria se tornado insuficiente diante do

desejo de afirmar a singularidade a partir da construção de novos modelos de identidade; as

condições materiais não seriam mais as únicas determinantes das relações sociais. Com

isso, novos grupos foram criados com base nos papéis sociais ocupados pelos indivíduos,

nos hábitos que desenvolvem, nos lugares em que se situam ou mesmo nos interesses que

possuem em relação a determinadas questões. Isso mudou definitivamente a compreensão

dos indivíduos acerca da igualdade e dos processos de diferenciação. Ao discurso acerca da

igualdade de direitos e oportunidades, foi incorporado o da igualdade no direito à diferença.

E ao invés de diferenciar para excluir, a sociedade deveria diferenciar para incluir. Sobre a

questão, disserta Carone (2009, p. 171):

Os vários universos e as várias coletividades dentro da mesma sociedade têm alcançado o espaço público, formalizado as suas demandas específicas, alterado as mentalidades por meio de discursos ilustrativos, impondo um patamar novo para a discussão dos direitos à diferença. Depois de séculos de lutas contra a discriminação por sexo, raça, cor, religião, convicção filosófica ou política, diferenças culturais etc., as sociedades democráticas estão sendo perpassadas por questões novas de grupos minoritários que reclamam para si mesmos uma nova forma de discriminação, dita positiva. O paradoxo gerado por esses novos atores sociais, que foram, de modo geral, excluídos da hierarquia ocupacional e da cultura hegemônica, é, de fato, meramente aparencial. Buscam não apenas o reconhecimento social de suas demandas específicas e de

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algumas linhas a mais dos textos constitucionais com referência aos seus direitos políticos e sociais, mas retraçar o mapa da geografia identitária do nosso século. Não lutam, é óbvio, pela desigualdade, mas sim pelos contornos das diferenças. O que traz de volta o velho tema da igualdade, com uma nova música.

As novas mobilizações dos grupos historicamente excluídos passaram a reivindicar

a necessidade de os países formularem políticas de ação afirmativa que, respeitando a

multiplicidade das diferenças, “[…] reconheçam as demandas diferenciadas e a

pluralidade de coletividades que formalizaram suas necessidades no espaço público”

(CARONE, 2009, p. 178). Era preciso que as conquistas consagradas pelas legislações

deixassem definitivamente de viver somente no papel. Daí resulta uma série de medidas,

como a criação de sistemas de cotas nos sistemas político e educacional e na própria mídia,

programas de acessibilidade, políticas de distribuição de terras e de habitação popular, entre

outras, que serviriam de base para mudanças mais profundas na sociedade.

Todavia, essas medidas acabaram funcionando apenas como medidas paliativas

contra a tensão social derivada dessas mobilizações. O sistema capitalista não mudou sua

filosofia para reconhecer a inclusão como um direito. Ao contrário: aproveitou-se de seu

caráter camaleônico e do advento da globalização para fortificar antigos mecanismos de

exclusão, conferindo-lhes novas roupagens. Entraram em cena o toyotismo e o

neoliberalismo. Como consequência, a teoria do Capital Humano foi ressignificada, o que

fez com que a educação incorporasse aos seus programas o neotecnicismo, o

neoprodutivismo, mecanismos de avaliação e práticas pedagógicas, fato que corroborou o

recrudescimento da exclusão no interior do sistema.

Desse modo, a educação viu-se, mais uma vez, entre dois destinos: servir ao

capitalismo e às elites, reproduzindo seus valores e perpetuando a desigualdade, ou auxiliar

na transformação radical da sociedade, ao promover a inclusão e garantir a equidade. A

primeira opção é deveras conhecida de todos e nos apresenta um modelo educacional que

compreende a diferença como um modelo de oposições binárias, atribui à identidade um

caráter inflexível, essencialista, permanente, e força os indivíduos a se adaptarem à sua

filosofia para acessarem e permanecerem integrados às suas estruturas. A segunda opção

consiste em um modelo cujas premissas são o respeito à diferença, a promoção de

oportunidades a todos e a adaptação da educação ao indivíduo e não o contrário. Assim, é

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preservado o caráter múltiplo da diferença, e a identidade passa a ser compreendida como

algo dinâmico, instável, definitivamente atrelado à diferença, aqui encarada não como

oposição, mas como criação, potencialidade.

Nesse sentido, a educação inclusiva está articulada com o combate a problemas

estruturais da sociedade mediante transformações radicais nas bases do sistema capitalista

de produção. Trata-se de uma concepção educacional que propõe “[…] a desigualdade de

tratamento como forma de restituir uma igualdade que foi rompida por formas

segregadoras do ensino especial e regular” (MANTOAN, 2007, p. 2). Logo, os processos

de igualização dos indivíduos no interior das instituições educacionais, com vistas a

garantir uma formação padrão em conformidade com os pressupostos capitalistas, deveriam

ser substituídos pela profusão das diferentes identidades, pelo aproveitamento das

potencialidades de cada um e, sobretudo, pelo estímulo à criatividade, à gênese de uma

consciência cidadã e à plena participação da vida em sociedade.

O fato de a educação inclusiva atribuir maior importância à diferença não significa

que esta caia em suas ciladas. Como bem sinaliza Mantoan (2007, p. 03): “[…] tratar as

pessoas diferentemente pode enfatizar suas diferenças, assim como tratar igualmente os

diferentes pode esconder suas especificidades e excluí-las do mesmo modo”. Isto

impossibilita que a educação seja acrítica e se mantenha omissa diante dos conflitos

envolvendo a diferença. Pelo contrário: cabe a ela o dever de combater os modelos de

diferenciação entre os sujeitos (Cf. BURBULES, 2008), responsáveis por impor sistemas

classificatórios e comparações que continuamente levam ao desrespeito, à discriminação e,

finalmente, à exclusão. Nenhuma das políticas educacionais até hoje conseguiu combatê-la

eficazmente, promovendo a sua “gestão controlada” somente. Sobre a questão, aponta

Santos (1999, p. 19):

Tratou-se de diferenciar entre as diferenças, entre as diferentes formas de exclusão, permitindo que algumas delas passassem por formas de integração subordinada, enquanto outras foram confirmadas no seu interdito. No caso das exclusões que foram objeto de reinserção/assimilação, significou que os grupos sociais por elas atingidos foram socialmente transferidos do sistema de exclusão para o sistema de desigualdade.

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Essa concepção educacional torna-se, portanto, um instrumento indispensável no

combate à diferenciação para excluir, que historicamente tem privado grupos sociais de

participar ativamente de todas as nuances da vida em sociedade. Em função disso, é a

educação inclusiva que está na vanguarda da inclusão total das pessoas com deficiência no

sistema educacional comum, com vistas a efetivar o direito de todos à educação, o qual tem

sido negligenciado a determinados indivíduos por causa do advento da Educação Especial,

modalidade responsável pela criação de instituições especializadas e classes separadas

destinadas a contemplar as necessidades educacionais das pessoas com deficiência.

Tornar inclusivo o sistema educacional comum exige, portanto, uma nova postura

do Estado e dos participantes do sistema. É imprescindível que o tema se torne, de fato,

prioridade na agenda governamental, pois exige conscientização, ampla participação,

planejamento, financiamento e tempo; ou seja, a educação inclusiva deve ser a base de uma

política de Estado, e não de governo. Isto fará com que as sucessivas gestões priorizem

quatro elementos em suas atuações no campo educacional: 1 — o efetivo cumprimento dos

dispositivos educacionais, que definem a educação como um “direito de todos e um dever

do Estado” (Cf. BRASIL, 1988, grifo nosso); 2 — a definitiva compreensão da área como

propulsora do desenvolvimento e uma força motriz no combate à desigualdade social; 3 —

o compromisso com a democratização de todo o sistema, de modo a garantir a participação

de todos nas diferentes instâncias; 4 — a intervenção direta em favor de uma escola

pública, gratuita, laica e comum a todos, efetivamente universal.

Construir um sistema educacional inclusivo não significa, portanto, somente

expandir a oferta de vagas ou adaptar as instituições escolares a alguns padrões de

acessibilidade, de modo a facilitar o acesso do alunado às suas dependências. Significa

tornar a instituição escolar pública, integral, acolhedora, dinâmica, interessante, criativa,

contestadora, reflexiva, e social, cultural e politicamente ativa. Implica modificar

radicalmente os programas de formação de professores, as estruturas físicas escolares, os

mecanismos de avaliação da aprendizagem, os currículos, os projetos político-pedagógicos,

as práticas pedagógicas e, finalmente, o cotidiano escolar.

O sistema educacional deve promover educação pública, laica, gratuita e comum a

todos, pois só isso permitirá que as diferenças se disseminem em seu interior, provocando,

necessariamente, o embate, a reflexão, o conflito. Esse modelo garantirá uma igualdade

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democrática, que combine a igualdade de oportunidades com o princípio da diferença (Cf.

RAWLS, 2002 apud MANTOAN, 2007), pondo assim fim à segregação imposta pela

diferenciação entre modelos escolares ofertados a ricos, pobres, pessoas com deficiência ou

sem deficiência, etc.

Dentro do sistema inclusivo, o professorado deverá ter outro tipo de postura e, para

tanto, acesso a outro modelo de formação. Não cabe mais a figura do professor reprodutor

de conteúdos, repressor, que insiste cotidianamente em reafirmar sua centralidade no

processo educativo, fazendo valer a cada prática pedagógica a sua autoridade. Nem mesmo

aquele educador politizado, que anuncia a necessidade de transformações no mundo e

vislumbra as possibilidades de viabilizá-las, figura que se assemelha — em expressão

cunhada por Gallo (2003) — à de um profeta, é considerada a que melhor se adapta ao

sistema educacional inclusivo. As instituições escolares carecem do “professor militante”

(Cf. GALLO, 2003), um indivíduo crítico, criativo, humilde, solidário, engajado,

preocupado em agir coletivamente, consciente do dinamismo, da multiplicidade e do

caráter ideológico do fenômeno educacional, capaz de compreender a diferença e se deixar

desafiar por ela. É, finalmente, um educador “[…] que seria não necessariamente aquele

que anuncia a possibilidade do novo, mas sim aquele que procura viver as situações e

dentro dessas situações vividas produzir a possibilidade do novo” (GALLO, 2003, p. 73).

Tendo em vista esse perfil de educador, os cursos de formação de professores

devem ser amplamente reformulados. É preciso garantir ao profissional uma base teórica

ampla e o contato desde cedo com a prática, ofertando-lhe oportunidades de potencializar

sua criatividade; construir sua criticidade; compreender a realidade de seu tempo, a

diferença e seu papel na sociedade; além de estimular o contato permanente com as

instituições escolares. Neste sentido, é imprescindível readequar os currículos, concedendo

maior espaço à arte, ao audiovisual, às novas tecnologias e, sobretudo, aos temas

considerados transversais — sexualidade, meio ambiente, diversidade cultural, trabalho,

consumo, saúde, ética, cidadania, entre outros — que em muito têm afetado a vida em

sociedade e exigido intervenções do campo educacional. Trata-se, portanto, de romper com

o caráter fragmentário imposto à formação do educador nos tempos atuais, de modo a

assegurar a articulação entre teoria e prática e a efetivação do trinômio “ensino-pesquisa-

extensão”.

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ϭϵ

Não basta, contudo, que o profissional da educação tenha acesso a esse tipo de

formação para que todo um sistema educacional se torne, de fato, inclusivo. É preciso

garantir condições satisfatórias de trabalho e isto implica remunerar satisfatoriamente,

possibilitar que os planos de carreira sejam construídos coletivamente — e não de cima

para baixo, como ocorre com frequência —, valorizar a formação continuada, respeitar a

autonomia do educador, estimular a ação coletiva, a construção de projetos

transdisciplinares e disponibilizar uma gama de recursos materiais (leia-se, aqui, material

audiovisual, livros, jogos, equipamentos pedagógicos de diferentes tipos) para viabilizar a

produção de novas práticas no processo educativo. Caso contrário, todo o caráter inovador

da formação sucumbe às dificuldades cotidianas da prática e o sistema volta a reproduzir as

práticas excludentes de outrora.

Quebrar quaisquer tipos de barreiras — físicas, comunicacionais, sociais,

atitudinais, metodológicas, instrumentais, entre outras — é outro aspecto imprescindível à

construção de um sistema educacional inclusivo. Atualmente, muitas das instituições de

ensino não permitem sequer o acesso, em suas dependências, das pessoas com deficiência

ou com mobilidade reduzida, tampouco garantem o acesso à comunicação, à informação,

aos mobiliários e equipamentos pedagógicos. Não se faz uma escola democrática,

efetivamente para todos, nesses moldes. A ruptura com esse modelo excludente se faz

também por meio da adequação das instituições escolares às normas de acessibilidade,2

assegurando a todos não só o acesso a novas estruturas arquitetônicas, como também a

novas práticas pedagógicas.

Nessa perspectiva de transformação, as escolas não podem manter os currículos

atualmente instaurados. É preciso oferecer uma formação emancipatória e, por isso, a

escola não pode continuar a se afastar da realidade, ignorando os anseios de todos aqueles

que participam do processo educativo. Tampouco deve priorizar a formação de

competências e habilidades, a reprodução de conteúdos isolados e a dissociação entre teoria

e prática. Cabe, portanto, não só o melhor aproveitamento dos conhecimentos produzidos

por áreas como a História, a Filosofia, a Sociologia, a Arte, a Antropologia e a Ecologia,

ϮDe acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), entende-se por acessibilidade: “[...] a possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos”.

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como também o incentivo à transdisciplinaridade, à pesquisa, à problematização da

diferença, à crítica, à criatividade, à solidariedade, ao diálogo e à construção da cidadania.

É preciso que se construa um currículo dentro da perspectiva rizomática, ou seja,

que se abandone quaisquer processos de hierarquização em nome da transversalidade, de

modo a possibilitar que as áreas do saber se integrem de forma mais abrangente. Sobre a

aplicação do conceito de rizoma3 à organização curricular da escola, afirma Gallo (2003, p.

97):

Para a educação, as implicações são profundas. A aplicação do conceito de rizoma na organização curricular da escola significaria uma revolução no processo educacional, pois substituiria um acesso arquivístico estanque ao conhecimento que poderia, no máximo, ser intensificado pelos trânsitos verticais e horizontais de uma ação interdisciplinar que fosse capaz de vencer todas as resistências, mas sem conseguir vencer, de fato, a compartimentalização, por um acesso transversal que elevaria ao infinito as possibilidades de trânsito por entre os saberes. O acesso transversal significaria o fim da compartimentalização, pois as “gavetas” seriam abertas; reconhecendo a multiplicidade das áreas do conhecimento, trata-se de possibilitar todo e qualquer trânsito por entre elas.

Essas mudanças possibilitarão que a educação seja um efetivo instrumento de

transformação da realidade social, pois deverão contribuir, sobremaneira, para a superação

da contradição “opressor-oprimido”, fortemente criticada por Paulo Freire (2013).

Colocando o aluno no centro do processo educacional, concedendo-lhe voz ativa e as

devidas oportunidades de compartilhar suas experiências de vida, suas criatividades e

construir suas criticidades, essas mudanças o ajudariam a tornar-se autônomo e praticar a

liberdade. Significaria o fim da “educação bancária”, dado que a escola teria um currículo

que possibilitaria ao professor o papel de formar o alunado, se formando, ao passo que o

ϯ O conceito de rizoma foi desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guattari na obra Capitalismo e esquizofrenia: mil platôs. Trata-se de um conceito que se refere à multiplicidade, se opõe à hierarquização, subvertendo a ideia de que a “árvore é a imagem do mundo ou melhor, a raiz é a imagem da árvore-mundo” (DELEUZE e GUATTARI, 1980, p. 11 apud GALLO, 2003, p. 92). A compreensão de uma imagem rizomática do saber levou Gallo (2003) a discutir questões educacionais sob essa perspectiva, integrando-a, entre outras coisas, à ideia de transversalidade — outra construção teórica de Guattari, que, segundo o intelectual brasileiro, seria “[...] a matriz da mobilidade por entre os liames do rizoma, abandonando os verticalismos e horizontalismos que seriam insuficientes para uma abrangência de visão de todo o ‘horizonte de eventos’ possibilitado por um rizoma” (GALLO, 2003, p. 96).

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alunado, ao formar-se, também contribuiria para a formação do professor (Cf. FREIRE,

2010). Sobre esse processo, afirma Freire (2013, pp.77-78):

Educador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de re-criar este conhecimento.

A escola inclusiva não é uma instituição ingênua que aprova os alunos sem nenhum

tipo de critério ou mecanismo de avaliação. Ao contrário: compreendendo a necessidade de

se respeitar o direito à diferença, caberá à instituição de ensino produzir uma avaliação

dinâmica, qualitativa, processual que identifique as possibilidades de aprendizagem de cada

aluno; e garantir espaço para que suas experiências de vida se manifestem tanto quanto os

trabalhos desenvolvidos individual e coletivamente no interior da escola. Deste modo, sem

incorrer em práticas classificatórias e segregacionistas, as provas e testes de outrora

deverão ser substituídos pelos portifólios e pelos projetos transdisciplinares, instrumentos

verdadeiramente formativos e emancipatórios.

A escola inclusiva provoca a participação dos diferentes setores da sociedade em

seu cotidiano, pois os indivíduos tendem a resgatar sua identificação com ela. Nesse

sentido, o Projeto Político Pedagógico deve, na lógica inclusiva, ser mais bem aproveitado.

É esse o espaço que efetivamente criará uma cultura inclusiva, pois possibilitará que a

escola construa coletivamente sua própria identidade, conceda espaço ao diálogo, à reflexão

e à crítica; incorpore e problematize a diferença; promova a liberdade e a autonomia;

garanta a implantação do Atendimento Educacional Especializado; efetive os princípios da

gestão democrática; e reorganize o trabalho pedagógico em sala de aula. Trata-se, portanto,

da construção da base que garantirá, no campo político, a formação do indivíduo para uma

sociedade inclusiva e, no campo pedagógico, a “possibilidade da efetivação da

intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável,

compromissado, crítico e criativo” (VEIGA, 1995, p. 13).

Como se pode apreender, a perspectiva inclusiva produz uma escola para todos,

diferentemente do que foi historicamente construído em termos de Educação Especial. Ao

invés de classes e instituições segregadas, o sistema educacional comum é o ponto de

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ϮϮ

encontro de todos os indivíduos, que ali terão a oportunidade de construir seus próprios

percursos de aprendizagem, tendo respeitados, de fato, seus direitos, suas capacidades e

seus talentos em “ambientes humanos de convivência e de aprendizado” que “são plurais

pela própria natureza” e devem produzir um “ensino participativo, solidário, acolhedor”

(MANTOAN, 2003, s/p).

Esses preceitos não são novos. Há muito tempo os diferentes setores da sociedade

os colocam em pauta em distintas propostas de intervenção no campo educacional, e elites

e classes populares confrontam continuamente seus projetos educacionais. Todavia, devido

aos poderes usurpados pelos primeiros desde os primórdios da colonização brasileira,

prevaleceu a implantação de um projeto educacional excludente, promovedor da

manutenção do status quo. Consequentemente, o aparelho estatal — utilizado de forma

eficaz pelas elites — adotou uma postura desertora no campo educacional, enquanto as

massas gritavam por inclusão.

Como, então, viabilizar essas transformações no sistema educacional? O processo é

complexo, demanda tempo, recursos, reflexão e ação cotidiana. Não se constrói um sistema

educacional inclusivo apenas com a ação estatal, de cima para baixo, através de um

conjunto de leis ou da disponibilização de recursos financeiros e execução de ações

pontuais. É preciso que a sociedade ressignifique a sua compreensão acerca das teses

capitalistas, de modo a modificar radicalmente sua postura frente à questão educacional.

Isso implica, entre outras coisas, substituir o fetiche do consumo pela participação

crítica na vida em sociedade, o individualismo pela solidariedade, construir a cidadania

para efetivar direitos e deveres, compreender a diferença para aceitar e respeitar a si mesmo

e ao outro, agir coletivamente.

Ao não admitir mais a desigualdade social e a desumanização impostas

cotidianamente pelo sistema, os indivíduos terão a possibilidade de entender o

funcionamento da educação como meio de reprodução da exclusão, do preconceito, da

injustiça e da exploração a serviço do capitalismo. Assim, poderão os indivíduos

compreender, definitivamente, seu papel inclusivo, emancipador, libertário, dialógico,

criativo e crítico ao transformá-lo no dia a dia, no interior das instituições de ensino e do

aparelho estatal, de forma que o processo ocorra democraticamente, de baixo para cima,

com a assegurada participação de todos.

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Desse modo, com a sociedade construindo a inclusão em seu interior e com o

Estado incorporando suas demandas à agenda e modificando sua forma de atuação, o

sistema educacional se tornará verdadeiramente inclusivo.

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CAPÍTULO 2 – Educação para quase todos: o longo percurso de exclusão

da pessoa com deficiência no sistema educacional comum

A promulgação da Constituição de 1988 contribuiu, sobremaneira, para a

consolidação do processo de redemocratização e o estabelecimento de direitos sociais,

indispensáveis para o avanço da construção da cidadania no país. Dentre os direitos

afirmados, está o direito de todos à educação, conforme dispõe o artigo 205, cabendo ao

Estado o dever de ofertar, através de um complexo sistema, modalidades de ensino

(educação infantil, Ensino Fundamental, médio e superior) aos diferentes públicos-alvo. Há

mais de duas décadas, seria adequado se imaginar que, atualmente, todos os brasileiros

estariam incluídos no sistema educacional comum, tendo acesso a serviços de qualidade.

Contudo, o que ainda se vê hoje é a persistência de um sistema excludente (ainda há um

considerável público fora das instituições educacionais comuns) cuja prestação de serviços

é, majoritariamente, de qualidade duvidosa.

Nos últimos vinte e cinco anos, diferentes governos esforçaram-se na tarefa de

cumprir os preceitos constitucionais e fazer com que o Estado garantisse, na prática, o

direito de todos à educação. Políticas e programas foram formulados e implementados,

vultosas quantias de dinheiro foram investidas e o sistema caminha rumo à universalização

da educação básica. O quadro pareceria animador — não fosse o fato de a lógica do sistema

não ter sido substancialmente alterada, permanecendo o caráter excludente, discriminatório,

preconceituoso e homogeneizador em detrimento do respeito à diferença e à necessária

inclusão de todos os indivíduos.

Desta forma, é necessário compreender a formação do sistema educacional

brasileiro, identificando os fatores culturais, políticos, econômicos e sociais que

possibilitaram a criação de um sem-número de mecanismos de exclusão envolvendo as

pessoas com deficiência.

2.1. Uma breve história da formação de um sistema educacional excludente: da

Colonização ao fim da Ditadura Militar

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O sistema educacional brasileiro teve sua construção alicerçada na segregação. Nos

primórdios da invasão portuguesa, o objetivo da Coroa de garantir a exploração do rico

território e colonizá-lo desafiou os dominadores a conviverem com o outro, o diferente.

Consequentemente, era necessário intervir no campo educacional e exigir que a população

indígena, aqui instalada, se aculturasse em nome da cultura dos exploradores. Coube, então,

às ordens religiosas o dever de educar o índio através de uma rígida pedagogia — que

incluía, entre outras coisas, o uso de violência e a catequese, com vistas a “humanizá-lo”,

torná-lo “menos diferente”, mais dócil e servil. Submetida a tamanha violência, a

população indígena tentou resistir.4 Sem força suficiente para derrotar um império, foi

escravizada e, por pouco, não foi dizimada. As diferenças, ao menos no Brasil, começavam

a ser desprezadas pelas instituições a partir daquele momento. Sobre isso, afirma Hilsdorf

(2005, p. 4):

Ora, apagar as diferenças é o mesmo que negar a alteridade, a existência do Outro. Os jesuítas querem tornar o outro, o não cristão — seja indígena, seja infiel ou herege —, em cristão, para tornar os homens o mais possível iguais.

O propósito de educar o indígena logo foi substituído pela necessidade de educar as

elites. O processo de colonização demandava a vinda de portugueses para o Brasil com

vistas a comandar o processo de exploração. Se em Portugal não poderiam ser considerados

representantes das elites econômicas e políticas, aqui o eram e, portanto, careciam de

serviços educacionais de qualidade. A ordem jesuítica incumbiu-se do dever, amparada

pela Coroa portuguesa, e impôs às elites o Ratio Studiorum, plano de ensino conhecido pela

severidade de suas regras, a ser aplicado em seus colégios, composto por cursos de

humanidades (formação básica) e cursos de filosofia e teologia (destinados, no país, à

formação de padres catequistas) (Cf. SAVIANI, 2010). As mulheres também não foram

incluídas nesse sistema, ficando estas relegadas à participação nas catequeses ou à

ϰ Os índios tentaram resistir inúmeras vezes. Distintas estratégias eram utilizadas, tais como o assalto a estabelecimentos de brancos e a destruição de núcleos coloniais. No entanto, após os conflitos entre brancos e indígenas ficarem cada vez mais frequentes, a Coroa portuguesa interviu e legislou sobre a questão, permitindo a escravidão daqueles que fossem aprisionados pelos brancos (Cf. PRADO JÚNIOR, 2008). Como se pode notar, a exploração do indígena durou séculos, só sendo abolida definitivamente no século XVIII.

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formação religiosa (Cf. STAMATTO, 2002). Conclui-se, a partir disso, que os índios e as

mulheres foram os primeiros excluídos do sistema educacional na história do país.

A estruturação do sistema fortaleceu o poder da Igreja em detrimento do poder do

Estado. A resposta da Coroa portuguesa foi dada por Marquês de Pombal, espécie de

primeiro-ministro durante o reinado de D. José I e representante do despotismo esclarecido,

a partir da expulsão dos jesuítas do território português, da vinculação da Igreja ao Estado e

da utilização da Inquisição como instrumento estatal. As consequências no campo

educacional foram inevitáveis em Portugal: ampliação dos estudos sobre humanidades;

instruções estatais aos professores de diferentes disciplinas; reformulação das escolas de

primeiras letras e, por fim, reforma do Ensino Superior. No Brasil, as mudanças só foram

sentidas pelas mulheres, agora incorporadas — ainda de maneira restrita — ao sistema (Cf.

STAMATTO, 2002) e, novamente, pelas elites, que usufruíram da expansão das aulas

régias e da criação de uma embrionária instituição de Ensino Superior no Brasil: o

Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, organizado pelos franciscanos, com o

objetivo de oferecer cursos de teologia e filosofia a leigos e sacerdotes em formação (Cf.

SAVIANI, 2010).

Enquanto as elites eram prestigiadas pelo sistema educacional, os indígenas eram

excluídos, escravizados e mortos, e as mulheres só tinham acesso a determinados conteúdos

nas escolas (que lhes propiciava formação para tarefas domésticas, numa clara

manifestação preconceituosa). Não tardou e o ciclo de exploração do pau-brasil teve seu

fim decretado, as plantações de cana-de-açúcar o substituíram e exigiram novas forças de

trabalho para as atividades especializadas dos engenhos (Cf. MARQUESE, 2006). A Coroa

portuguesa acabou se valendo do tráfico negro e, novamente, entre violências de todos os

tipos, preconceito, hiperexploração do trabalho e mortes, a cultura branca foi imposta, e o

eurocentrismo, reafirmado. Desta vez, ao coisificar o negro, o Estado ignorou quaisquer

possibilidades de educá-lo, promovendo sua exclusão e continuando a beneficiar somente

as elites com um sistema educacional segregacionista.

A cana-de-açúcar não só rendeu no primeiro momento, através do plantation, 5 bons

frutos à Coroa portuguesa, como permitiu ainda o início da ocupação efetiva do Brasil (Cf.

ϱ O sistema de plantation se dava a partir de grandes propriedades, doados pelos donatários das capitanias hereditárias, que se concentravam na produção de um único produto, no caso, a cana-de-açúcar. De acordo com Caio Prado Júnior, a plantation nasceu nos Estados Unidos, antes da independência. Segundo ele: “Ao

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PRADO JÚNIOR, 2008). No entanto, após o aparecimento de concorrentes entre as

colônias da América Central e a invasão holandesa, o produto começou a ser desvalorizado,

pois Portugal não avançara no desenvolvimento de técnicas para o seu beneficiamento. Foi

preciso, portanto, que a metrópole instaurasse um novo ciclo de exploração na colônia, com

vistas a manter seu poderio econômico. A saída encontrada foi o desenvolvimento da

mineração do ouro e de atividades agropecuárias com manutenção da mão de obra escrava.

A opção adotada garantiu a prosperidade da metrópole portuguesa durante algum

tempo. No entanto, com a ocorrência da Revolução Francesa e da Revolução Industrial no

final do século XVIII, o continente europeu passaria por grandes transformações sociais,

culturais, políticas e econômicas. Ao passo que o primeiro evento histórico determinou a

queda do absolutismo, a ascensão da burguesia e a laicização do Estado na França, o

segundo formulou as bases de um “capitalismo industrial propriamente dito, autônomo e

independente do comercial, e dedicado exclusivamente à produção manufatureira”

(PRADO JÚNIOR, 2008, p. 124), pondo fim aos monopólios e ao capitalismo comercial.

Diretamente afetada por esse contexto, a Coroa Portuguesa não reunia condições políticas e

financeiras favoráveis para aderir à industrialização e rever seu modelo político. Não

tardou, portanto, para que se iniciasse uma crise, agravada pelo ultimato de Napoleão

Bonaparte — no auge de seu projeto imperialista — para Portugal aderir ao bloqueio

continental imposto pela França à Inglaterra, velha aliada do império português. Desse

modo, após hesitar entre aderir “ao sistema napoleônico e à fidelidade à sua aliança

tradicional, a Inglaterra” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 126), D. João VI resolve

desembarcar em terras brasileiras, transformando a colônia em sede do império português.

A família real portuguesa esforçou-se em acelerar o desenvolvimento da colônia

quando aqui esteve pelo fato de o território tornar-se a sede administrativa do império. Era

necessário, portanto, que o desenvolvimento do sistema educacional colonial fosse levado a

sério pela Coroa. Contudo, os investimentos foram centrados na manutenção das parcas

escolas e aulas régias e na criação de instituições educacionais para as elites, voltadas à

expansão do Ensino Superior, estruturado à época por instituições esparsas como as

sul da baía de Delaware, nessa planície litorânea úmida e quente, onde já nos encontramos em meio físico de natureza subtropical, estabeleceu-se pelo contrário a grande propriedade trabalhada por escravos, a plantation” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 33).

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Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, por exemplo. Desta forma,

indígenas, negros e brancos pobres permaneciam excluídos do sistema educacional.

O Brasil chegaria à Independência, portanto, sem expandir a oferta de serviços

educacionais a todos os brasileiros. Caberia, finalmente, ao Império independente modificar

o cenário caótico. Neste sentido, houve um importante avanço, ao menos no campo legal: o

artigo 179 da primeira Constituição do Império do Brasil, em seu inciso 32, afirmava a

instrução primária gratuita a todos os cidadãos (Cf. BRASIL, 1824 apud SAVIANI, 2010).

Todavia, a cidadania era, à época, restritiva, não incorporando a maior parte da sociedade

brasileira. Portanto, a exclusão não era combatida e, sim, reafirmada. É o que afirma

Hilsdorf (2005, pp. 43-44):

Dissolvida a Assembleia, foi promulgada a Constituição do Império (25/3/1824). De orientação liberal, mas não democrática, esse documento assegurava direitos civis (de cidadania) aos brasileiros brancos que tinham, no mínimo, renda de 100 mil réis anuais: quem é “coisa” não tem direitos, quem é “povo” ou plebe” tem direitos civis e políticos diferenciados, proporcionais à renda. Considerando a questão do ângulo do princípio liberal proclamado de igualdade, essa repartição mostrava-se enormemente restritiva, pois, na época, três quartos da população compunha-se de escravos e grande parte do restante era de brancos livres e pobres.

Durante o período imperial, muito se discutiu sobre a implantação de um modelo

educacional brasileiro. Surgiram propostas de diferentes origens, algumas reconhecendo os

princípios liberais da Revolução Francesa, outras, de cunho conservador. Somente um

pensamento era consensual: a educação pública brasileira era um grande problema a ser

combatido.

Surgiram, então, as Escolas de Primeiras Letras, destinadas a disseminar em todo o

país conteúdos basilares, de modo a garantir que boa parte da população, exceto as já

excluídas, aprendesse a ler, escrever, fazer algumas operações matemáticas e compreender

“princípios da moral cristã e de doutrina da religião católica e apostólica romana”

(TAMBARA &ARRIADA, 2005, p. 24 apud SAVIANI, 2010, p. 126). O método de ensino

adotado seria o “mútuo”, difusor da meritocracia e responsável por inserir mecanismos

rígidos de disciplina, opressão e homogeneização, excluindo os alunos dentro do próprio

ambiente escolar, uma vez que as diferenças culturais e de aprendizagem eram ignoradas

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em favor da extensão da instrução a um grande público. Além disso, as mulheres eram

separadas dos homens no processo de aprendizagem, em mais uma clara demonstração de

discriminação ao público do sexo feminino.6 Entretanto, as Escolas de Primeiras Letras

sucumbiram devido à falta de investimentos do poder público e à consequente ausência de

condições estruturais para a realização do processo educacional.

Outros métodos foram propostos por reformas que se sucederam sem solucionar o

problema da educação pública. A questão se tornou ainda mais grave a partir da reforma

Leôncio de Carvalho, responsável por introduzir no país o método intuitivo, cujo propósito

era o de estimular a aprendizagem a partir da utilização de materiais didáticos, e disseminar

o “ensino livre”, fato que abriu caminho para a iniciativa privada passar a ofertar serviços

educacionais, substituindo — ao menos durante grande parte do período imperial — as

funções estatais. Era o início de um processo de deserção do Estado na educação, cujos

resultados se configurariam não somente nos futuros conflitos entre público e privado, mas,

sobretudo, na estruturação de escolas diferentes para pobres e ricos, reafirmando princípios

excludentes.

Além de permitir a expansão do privado 7 em detrimento do público, o Império se

viu diante de um grande problema: a educação dos negros após a abolição da escravatura. A

substituição do trabalho escravo, agora localizado nas lavouras de café, pelo trabalho livre,

com recrutamento de imigrantes, foi pensada em longo prazo, com a elaboração de variada

legislação — Lei Eusébio de Queiroz (1850), que proibiu o tráfico negreiro; Lei do Ventre

Livre (1871), responsável por libertar os filhos de escravas a partir daquela data; Lei dos

Sexagenários (1885), cujo propósito era o de alforriar os escravos após completarem 65

anos de idade; e, por fim, a Lei Áurea (1888), que pôs fim à escravidão negra —, e atendeu

as necessidades de organização de um novo sistema produtivo, adequado à ordem mundial.

Logo, os novos trabalhadores livres deveriam se qualificar para o exercício do trabalho no

campo, haja vista que a complexa estrutura do sistema de produção cafeeiro e o convívio

com imigrantes exigiam um novo tipo de postura da população negra.

ϲAs mulheres só viriam a estudar conjuntamente com os homens a partir da fundação de escolas protestantes, ligadas aos metodistas e presbiterianos, em meados da década de 1870 (Cf. BERGER, 1984 apud STAMATTO, 2002). ϳ Cabe esclarecer que as escolas privadas da época eram fundadas por “entidades particulares de benemerência que se propunham a oferecer ensino gratuito” (SAVIANI, 2010, p. 140).

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ϯϬ

Escolas agrícolas foram então propostas como uma possível solução para o

problema, mas não se efetivaram devido à rápida ocupação dos postos de trabalho no

campo pelos imigrantes, vindos, sobretudo, da Europa — à época em grave crise de

superprodução (Cf. SAVIANI, 2010). Assim, os negros libertos não tiveram acesso à

educação, tampouco permaneceram trabalhando de forma remunerada nas lavouras

cafeeiras. Marginalizados, excluídos, não tiveram durante longo tempo quaisquer

oportunidades de inserção social e, a partir dessas propostas não concretizadas, o sistema

educacional brasileiro conheceria uma iniciativa segregacionista presente até os dias atuais:

o estabelecimento de uma educação profissional, voltada à população pobre, que se tornaria

força de trabalho no campo e, futuramente, na indústria, e de um nível superior, destinado à

formação das elites.

O período imperial findaria sem cumprir o propósito de criar um sistema

educacional que incluísse, senão todos, grande parte da sociedade brasileira. Indígenas,

negros, pobres de maneira de geral e mulheres ainda eram substancialmente excluídos do

sistema público de ensino. As inúmeras reformas não incorporavam um ideal inclusivo de

educação, tampouco eram implementadas em função da escassez de recursos materiais.

Sobre isso, afirma Saviani (2010, p. 168):

Conclui-se, pois, que as dificuldades para a realização da ideia de sistema nacional de ensino se manifestaram tanto no plano das condições materiais como no âmbito da mentalidade pedagógica. Assim, o caminho da implantação dos respectivos sistemas nacionais de ensino, por meio do qual os principais países do Ocidente lograram universalizar o Ensino Fundamental e erradicar o analfabetismo, não foi trilhado no Brasil. E as consequências desse fato projetam-se ainda hoje, deixando-nos um legado de agudas deficiências no que se refere ao atendimento das necessidades educacionais do conjunto da população.

A instauração do regime republicano não modificou o cenário excludente dos

tempos imperiais. Ao contrário: embora o ideário republicano pressupusesse a ampliação de

direitos, o que se viu, na prática, foi a manutenção do status quo e a crescente

marginalização de determinados setores da sociedade. Em meio a esse cenário, as elites

políticas e econômicas encontraram condições favoráveis para avançar no processo de

modernização do país. Desejosas de uma nova estrutura socioeconômica, essas elites

incentivaram a imigração como meio de garantir a ocupação dos postos de trabalho

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decorrentes do fim da escravização e passaram a alimentar, com os lucros da atividade

agropecuária, os processos de industrialização e urbanização do país. Com isso, imaginava-

se construir uma “nova” sociedade, composta de uma população majoritariamente branca e

fiel à cultura europeia. Para tanto, era preciso continuar a excluir os discriminados de

outrora — negros e indígenas — e produzir um novo modelo educacional, com vistas a

inibir o surgimento de novos “Jecas-Tatus”.8

Em resposta aos anseios elitistas, nas primeiras décadas do novo regime foram

apresentados diversos projetos de reforma educacional, manifestando ora o apoio à

centralização do sistema, ora o incentivo à transferência de responsabilidades para a

sociedade civil. No entanto, nenhuma das iniciativas logrou o êxito que teve a reforma

paulista,9 comandada pelos educadores Caetano de Campos e Rangel Pestana, responsável

por instituir os grupos escolares, instituições de ensino destinadas à escolarização das

crianças em nível primário.

Os grupos escolares primeiro foram instalados no estado de São Paulo e,

posteriormente, acabaram sendo adotados como modelo em outras unidades da federação.

A rápida expansão nacionalizou uma instituição educacional caracterizada pela divisão em

classes, sob a autoridade do professor, cujas composições eram determinadas pelos níveis

de aprendizagem dos alunos (Cf. VIDAL, 2006). Estes, ao ingressarem nessas instituições,

eram submetidos ao método intuitivo — em franca expansão pelo continente europeu,

sobretudo em países como Alemanha, Áustria, Bélgica e Suíça (Cf. SCHELBAUER, 2006)

— e a mecanismos de avaliação responsáveis por determinar ou não a passagem para as

próximas séries.

Os grupos constituíram um avanço na construção do sistema nacional de educação,

permeado, todavia, por contradições. Ao passo que diferentes regiões do país passavam a

ter acesso à escola pública — fato relevante, tendo em vista a inoperância estatal durante os

primeiros séculos de ocupação oficializada do país —, a permanência não era garantida

justamente em razão do regime de seriação, dado que só ascendiam aos próximos níveis os

alunos considerados bem-sucedidos no aproveitamento das tarefas escolares. Tratava-sede

ϴ A figura do Jeca-Tatu simboliza bem a ânsia higienista das elites nos primórdios da República. O personagem do campo, criado por Monteiro Lobato, era doente, fraco e indigente e evidenciava não só a ineficiência da saúde pública no país, mas o preconceito elitista contra o pobre e o campesinato. ϵ A reforma paulista foi oficializada pela Lei n. 88 de 8 de setembro de 1892, apesar de seu início ter se dado dois anos antes, na Escola Normal de São Paulo.

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ϯϮ

algo absolutamente incompatível com uma perspectiva inclusiva, universalista, de

educação, pois o modelo afirmava a meritocracia e ignorava problemas estruturais

históricos, continuando a privilegiar a formação das elites, os únicos setores da sociedade

em condições de aproveitá-lo. Reiterava-se, portanto, a exclusão, agora também no interior

do sistema educacional.

Nos anos 1920, uma nova onda de reformas acometeu o país. Desta vez, os

educadores e especialistas afinados à concepção de educação como instrumento

indispensável ao desenvolvimento nacional propuseram modelos pedagógicos com o

intento de construir uma nova escola, com mentalidade progressista, em substituição à

tradicional. Nascia, assim, o “otimismo pedagógico” em defesa do que se convencionou

chamar de escolanovismo, substituindo o “entusiasmo pela educação” manifestado nos

primeiros anos de República a partir da expansão da rede pública (Cf. NAGLE, 2001).

O escolanovismo, adaptado das teorias de John Dewey, filósofo estadunidense

notabilizado pelo pensamento pragmático, teve ampla repercussão no país, 10 influenciando

a formação de um movimento envolvendo parcelas significativas da comunidade

educacional. Dentre as principais bandeiras do movimento estava a defesa de uma educação

pública, laica, obrigatória e gratuita; a defesa do modelo universitário para o Ensino

Superior; a descentralização e a inserção de técnicas de planejamento no sistema, de modo

a promover a autonomia da unidade escolar; além da propositura de currículos escolares

mais funcionais, destinados a modificar completamente o processo de aprendizagem ao

transformar o professor em pesquisador e compreender o aluno como indivíduo ativo no

processo de aprendizagem (Cf. MANIFESTO, 1984).

Sobre o surgimento do movimento escolanovista, lembra Paschoal Lemme:

As ideias e diretrizes que procuravam concretizar-se nas realizações dessas reformas, evidentemente, não surgiram por geração espontânea na cabeça dos educadores. Elas eram impulsionadas, de um lado, pelas condições objetivas caracterizadas pelas transformações econômicas, políticas e sociais que delineamos anteriormente. De outro lado, começaram a chegar até nós, da Europa do pós-guerra, um conjunto de ideias que pregavam a renovação de métodos e processos de ensino, ainda dominados pelo regime de coerção da velha pedagogia jesuítica. Esse movimento de renovação escolar, que passou a ser conhecido como o da

ϭϬ Em 1932, um conjunto de educadores publicou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, expondo as teses escolanovistas.

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“Escola Nova” ou “Escola Ativa”, baseava-se nos progressos mais recentes da psicologia infantil, que reivindicava uma maior liberdade para a criança, o respeito às características da personalidade de cada uma, nas várias fases de seu desenvolvimento, colocando o “interesse” como o principal motor de aprendizagem. (LEMME, 2005, p. 171)

O escolanovismo consistia, portanto, num importante avanço pedagógico rumo à

democratização do ensino. No entanto, era preciso que o Estado se apropriasse das teses do

movimento para que as mudanças propostas tivessem efeito prático. Isso ocorreu ao menos

parcialmente, embora o contexto fosse favorável à realização de radicais transformações no

cenário educacional, visto que o Brasil acabara de assistir à Revolução de 1930,

responsável por derrubar Washington Luiz, o último bastião da República Velha, e

promover a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

O país comandado por Vargas avançava rumo à industrialização e à urbanização,

embora ainda vivesse, fundamentalmente, da agricultura. Daí a necessidade de o Estado

atuar em favor dos interesses dos vitoriosos da Revolução, ou seja, estimulando a

modernização econômica e reorganizando o sistema educacional, com vistas a promover a

devida formação de mão de obra para os novos postos de trabalho resultantes desse

processo. O ideário escolanovista parecia se encaixar perfeitamente ao momento, porém, os

conservadores — representados pela Igreja Católica e por setores das classes dirigentes —

desejavam recuperar o espaço perdido com a laicização do ensino, proposta pelos

republicanos desde a Proclamação. Iniciava-se, então, uma “batalha pedagógica” (Cf.

SAVIANI, 2010) que duraria até o início dos anos 1960.

Em meio ao conflito, o governo Getúlio Vargas promoveu uma série de mudanças

no cenário educacional, procurando atender tanto os interesses escolanovistas quanto os

interesses católicos. Foi em seu mandato como presidente que se criou o Ministério da

Educação e Saúde Pública, modernizou-se a estrutura burocrático-administrativa do setor11e

realizaram-se duas reformas educacionais de relevo. A primeira, realizada por Francisco

Campos em 1931, estruturou o ensino secundário, instituindo a frequência obrigatória e o

currículo seriado (Cf. BRASIL, 1931), além de objetivar a homogeneização desta

ϭϭAlém do Ministério, uma importante conquista institucional, também foram criados o Conselho Nacional de Educação, a Comissão Nacional do Ensino Primário, o Fundo Nacional do Ensino Primário, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o Instituto Nacional de Estatística, o Instituto Nacional do Livro, o Serviço de Radiodifusão Educativa, o Instituto de Cinema Educativo e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Cf. HILSDORF, 2005).

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modalidade de ensino ao ignorar diferenças locais e tentar impor — a todas as unidades da

federação — a adoção dos dispositivos desta reforma (Cf. DALLABRIDA, 2009). Por sua

vez, a segunda reforma, instituída por Gustavo Capanema, deu-se através das Leis

Orgânicas do Ensino promulgadas entre 1942 e 1946,12 responsáveis por estabelecer as

diretrizes para a organização do ensino industrial; reformulação do ensino comercial;

reorganização do ensino secundário; criação do SENAI (Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial) e do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial);

organização do ensino primário, do ensino normal e do ensino agrícola; além de estabelecer

o ensino primário supletivo destinado a adolescentes e adultos.

Tratava-se de um conjunto de medidas com a prerrogativa de reorganizar o sistema

com vistas a possibilitar intervenções mais eficazes no combate aos problemas

educacionais. No entanto, as concepções por detrás dessas ações ainda mostravam-se

excludentes, visto que os públicos comumente ignorados pela oferta de serviços

educacionais teriam destinos diferentes dentro do sistema: as mulheres percorreriam o

trajeto que levaria ao ensino normal; a população pobre seria encaminhada, sobremaneira,

ao ensino primário supletivo e à aprendizagem industrial; a aprendizagem comercial seria o

destino majoritário da classe média; os camponeses seguiriam para o ensino agrícola;

enquanto as elites teriam como caminho “natural”, privilegiado, a formação em Ensino

Superior para perpetuarem-se no comando dos destinos do país. Isto posto, a educação,

apesar da ampliação da oferta e da nova organização, continuaria promovendo a

manutenção do status quo ao excluir, incluindo.

Essas contradições dominaram toda a primeira era Vargas (1930-1945), já que o

presidente adotou uma proposta de “modernização conservadora”, conforme o termo

cunhado por Moore Júnior (1975), 13 ao fortalecer a aliança entre a burguesia e os

ϭϮ Parte das reformas formuladas durante a gestão Capanema só veio a ser implementada na gestão de Leitão da Cunha à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública durante o governo interino de José Linhares. ϭϯ O termo cunhado por Barrington Moore Júnior (1975) se refere, inicialmente, às revoluções burguesas ocorridas na Alemanha e no Japão, que culminaram na industrialização desses países. Segundo o autor, a “modernização conservadora” seria decorrente da aliança formada entre as elites dominantes — proprietários de terra e burgueses — para promover o desenvolvimento capitalista. De acordo com Pires &Ramos (2009, p. 412), esse termo foi amplamente utilizado pela intelectualidade e cabe bem ao caso brasileiro, pois “este pacto político entre a burguesia nascente e os terratenentes condicionou a formação de uma burguesia dependente, que não conseguiu apresentar um projeto autônomo e hegemônico para a nação, conduzindo-a, portanto, para os trilhos de uma economia dependente da dinâmica dos países centrais: subdesenvolvida em termos estruturais e autocrática”.

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proprietários de terra para alavancar o desenvolvimento capitalista no Brasil. Em razão

disso, seu governo teve como marcas a promulgação de duas Constituições (1934 e 1937),14

a industrialização de base e a concessão de benefícios sociais (criação do salário mínimo,

instituição da carteira de trabalho, fixação da jornada de trabalho em oito horas,

regulamentação do trabalho da mulher, entre outras) de suma importância para o operariado

em tempos de profundas transformações no sistema produtivo nacional. Desta forma,

Vargas se notabilizaria por satisfazer tanto os interesses das classes trabalhadoras quanto os

das elites econômicas, transformando-se, assim, numa das mais destacadas lideranças

políticas da história do país.

Os anos posteriores significaram a continuidade do modelo nacional-

desenvolvimentista implantado por Getúlio Vargas. A indústria, em franca expansão,

provocava, cada vez mais, a emergência de mão de obra especializada, enquanto o sistema

educacional não supria sequer demandas mínimas como a erradicação do analfabetismo e a

universalização da escola primária. Era preciso, portanto, uma nova postura estatal frente à

questão.

Com a redemocratização do país, em 1946, a eleição de Eurico Gaspar Dutra para a

Presidência da República e a consequente elaboração de um novo texto constitucional,15

deu-se, portanto, o início à discussão acerca da primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB).

A iniciativa visava romper com o ideário educacional construído pela ditadura

getulista e contava com o apoio de educadores de renome nacional — vinculados,

sobretudo, ao movimento escolanovista —, convocados para as comissões que se

incumbiriam da formulação do primeiro anteprojeto da LDB. O primeiro texto afirmou a

ϭϰApós quatro anos de governo, Getúlio Vargas promulgou, em 1934, uma nova Constituição em substituição à de 1891. O texto inseria pela primeira vez a questão educacional, impondo ao Estado a obrigação de “traçar as diretrizes da educação nacional”, fixar um “plano nacional de educação” extensivo a todos os níveis de ensino e “coordenar e fiscalizar sua execução” em todo o território nacional (Cf. BRASIL, 1934). Já a Constituição de 1937 atendia aos projetos ditatoriais do presidente, pois teria influência fascista, e avançaria na organização do sistema educacional ao garantir a educação como direito de todos e dever do Estado (Cf. Artigo 129); instituía a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário (Cf. Artigo 130) e promovia, entre outras coisas, o ensino vocacional e profissional às classes pobres (Cf. Artigo 129) (Cf. BRASIL, 1937). ϭϱDe acordo com Padilha (2010, p. 21): “A nova legislação fez ressurgir a ideia da educação como direito de todos, garantindo a gratuidade do ensino primário; a vinculação de impostos para o financiamento do setor; a distinção entre a rede pública e a privada; a laicidade no ensino público. Além dessas medidas, dispôs-se que os estados e o Distrito Federal deveriam organizar seus sistemas de ensino, numa clara demonstração do caráter federativo e descentralizador que a nova Constituição implicaria à educação”.

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necessidade de descentralização o sistema para democratizar o ensino no país — uma das

bandeiras do escolanovismo. Contudo, a proposta da comissão encontrou resistência no

Congresso Nacional, sobretudo entre os parlamentares conservadores e getulistas

capitaneados por Gustavo Capanema, então deputado federal, os quais defendiam a

centralização do sistema. Assim, a Lei de Diretrizes e Bases ficaria mais tempo sem sair do

papel e o país chegaria aos anos 1950 apresentando um cenário educacional caótico,

deveras excludente. Sanfelice elenca as “mazelas educacionais”:

[…] má organização do ensino; organização arcaica, antiquada e deficiente; ensino primário ministrado em dois, três e quatro turnos, reduzido a pouco mais do que nada; escolas técnicas em pequeno número e nível secundário desqualificado; problemas graves na rede física das escolas; professorado de nível primário e médio, geralmente mal preparado cultural e pedagogicamente, na grande maioria leiga e com salários não condizentes; proliferação desordenada e eleitoreira de escolas superiores e particulares (faculdades de filosofia); mais de 50% da população geral analfabeta e menos da metade da população escolar (7 a 14 anos) matriculada (5.700 milhões para um total de 12 milhões). (SANFELICE, 2007, s/p)

A volta de Getúlio Vargas ao poder, em 1950, significou entre os diversos setores

da sociedade a expectativa de que o país retomasse a arrancada desenvolvimentista,

interrompida pelo frágil governo Dutra, e promovesse um novo ciclo de políticas sociais,

atuando novamente com força no campo educacional. Na prática, o que se viu foi um

tímido retorno à agenda de outrora, com a criação de empresas e órgãos estatais como a

Petrobras, o antigo BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), a CAPES

(então Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) (Cf. SOUZA, 2010), sem a

implementação de políticas sociais de impacto. Além disso, o presidente assistiu à imersão

do governo em uma grave crise institucional, cujo desfecho culminaria em seu suicídio.

Assim, o “pai dos pobres”, como se esforçou em ser reconhecido nos tempos de Estado

Novo, quase nada fez para alterar a dinâmica excludente do sistema educacional nacional.

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Juscelino Kubitschek sucedeu Vargas e instituiu nova agenda nacional-

desenvolvimentista,16 com o apoio da intelectualidade — presente no aparelho estatal em

postos de relevo no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e no INEP (à época,

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos). Apesar de priorizar a área econômica, foi o

primeiro governante a instituir em um plano de governo o Plano de Metas para a educação

— ainda que de forma secundária —, evidenciando a preocupação da administração em

promovê-la como uma das alavancas do desenvolvimento. Em função disso, o governo

empenhou-se em promover a expansão dos ensinos técnico-profissionalizante (voltado às

massas) e superior (destinado às elites).

Durante o período surgiram novas discussões acerca da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, devido à iniciativa do então deputado federal Carlos Lacerda de

apresentar substitutivos ao projeto de lei, defendendo o ensino privado, sob a alegação de

que as famílias tinham o direito de educar seus filhos, cabendo ao Estado o dever de

financiar as instituições privadas que, por sua vez, promoveriam gratuitamente os serviços

educacionais (Cf. HILSDORF, 2005). Essa propositura ia ao encontro dos interesses dos

empresários da educação e da Igreja Católica, desejosa de reconquistar o poderio perdido

no setor em razão do processo de laicização estatal. Significava, portanto, um retrocesso na

constituição do sistema nacional de educação e na democratização do ensino. Em vista

disso, a reação dos defensores da escola pública não tardou a vir, tendo como ápice a

publicação de um manifesto, intitulado “Mais Uma Vez Convocados”, cujos signatários

foram educadores e intelectuais de renome nacional, adeptos de boa parte do ideário

escolanovista.

O governo Kubitschek fortaleceu a presença desses educadores e intelectuais

criando, ainda, o CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais) e suas unidades

regionais, financiados pelo governo federal e pela Unesco (Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura) com o objetivo de pesquisar as condições culturais

e escolares de cada região do país, oferecer cursos para os profissionais da área educacional

e contribuir para a formulação de políticas educacionais mais eficazes. No entanto, a

ϭϲ O governo Kubitschek ficou marcado pelo slogan “50 anos em 5”, em que se prometia 50 anos de desenvolvimento em apenas 5 anos de mandato. Durante o mandato, a industrialização conheceu nova expansão com o auxílio do financiamento do capital externo, e uma nova capital foi construída no centro do país de modo a auxiliar a promoção da integração nacional.

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despeito dos incentivos governamentais, a educação não acompanhou o progresso de outras

áreas, recebendo investimentos pontuais em iniciativas como as campanhas nacionais em

favor da Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA); da Educação Rural (CNER); da

Erradicação do Analfabetismo (CNEA), entre outras, sem que se alterassem profundamente

os mecanismos promotores de exclusão.

As eleições de 1960 levaram ao poder Jânio Quadros em substituição a Juscelino

Kubitschek. O controverso político populista acabou renunciando após pouco mais de sete

meses no exercício da Presidência da República, alegando a presença de “forças terríveis”

contra o seu projeto presidencial (Cf. QUADROS, 1961). Seu ato acabou criando uma

grave crise institucional, que só seria solucionada com a adoção do parlamentarismo,

regime proposto com o intuito de limitar os poderes do novo presidente, João Goulart, um

político severamente contestado pelas elites conservadoras do país.

O período Goulart, mesmo limitado em grande parte pelo regime parlamentarista,

foi marcado por alterações nos rumos das políticas educacionais. Seu primeiro grande ato

foi a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961,

responsável, entre outras coisas, por reafirmar a educação como um direito de todos;

reorganizar o sistema a partir de uma perspectiva descentralizadora, determinando as

atribuições dos entes federativos e dos níveis de ensino; incentivar a pesquisa; tornar

facultativo o ensino religioso; assegurar a liberdade da iniciativa privada em criar

estabelecimentos de ensino; e criar o Conselho Federal de Educação e ampliar os

mecanismos de financiamento (Cf. BRASIL, 1961). A nova legislação dava

prosseguimento ao processo de “modernização conservadora”, provocando a incorporação

pelo Estado de grande parte das teses escolanovistas até que a Ditadura Militar fosse

instaurada.

O governo também centrou esforços, ao celebrar convênios com os estados, na

ampliação das matrículas nos ensinos primário e médio, como forma de aumentar

substancialmente os níveis de escolarização da população. Afora isso, foi criado o primeiro

Plano Nacional de Educação, documento responsável por estabelecer metas quantitativas e

qualitativas — a erradicação do analfabetismo de todas as crianças e adolescentes até 1970

era uma das que mais se destacava — que consubstanciariam a atuação estatal no setor

durante oito anos, fortalecendo a lógica do planejamento na administração pública.

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A grande realização governamental estava ligada à educação popular. A criação da

Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA), resultante da fusão de outras

campanhas federais, mudaria, pela primeira vez, o foco das intervenções estatais no campo

educacional. Em vez de, como de hábito anteriormente, promover a alfabetização e a

expansão do ensino vislumbrando apenas a formação de mão de obra para o mercado de

trabalho, num claro propósito de manutenção do status quo e, consequentemente, da

dinâmica excludente, o governo Goulart centrou esforços na conscientização política das

massas, mobilizando setores da sociedade reunidos em organizações como a UNE (União

Nacional dos Estudantes), os Movimentos Eclesiais de Base, os MCPs (Movimentos de

Cultura Popular), os CPCs (Centro Populares de Cultura) e a intelectualidade presente no

ISEB e no CBPE para construir um novo modelo educacional, compreendido por Saviani

como:

[…] educação do povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente. (SAVIANI, 2010, p. 317)

A mudança provocou não só a intensificação do processo de alfabetização e

expansão do ensino primário, como mobilizou politicamente as massas em torno de

sindicatos, organizações estudantis, partidos políticos de esquerda e movimentos de

diferentes naturezas. O governo aglutinava grande parte dessas organizações em torno de

seu projeto político ao incorporar à agenda um conjunto de mudanças estruturais, que

ficaram conhecidas como Reformas de Base, 17 capazes de promover transformações

radicais no quadro socioeconômico brasileiro ao combater injustiças históricas.

Todavia, as elites logo reagiram àquilo que julgavam ser um avanço comunista em

meio à Guerra Fria, perturbador, portanto, da ordem social. Desta forma, o processo de

deposição do presidente João Goulart não tardaria a ser iniciado — com forte apoio dos

Estados Unidos —, congregando setores conservadores ligados à Igreja Católica, ao

ϭϳ Tratava-se de um conjunto de iniciativas que o governo desejava implementarpara promover as reformas agrária, urbana, educacional, bancária, administrativa e tributária, como forma de combater a desigualdade social e equacionar os graves problemas econômicos que acometiam o país à época.

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empresariado, às instituições militares, à classe média e aos grandes partidos políticos da

época.

A queda de Goulart deu início a um período tenebroso da história brasileira,

marcado pela instauração de uma ditadura militar. Com a ascensão conservadora ao poder,

houve o recrudescimento do desrespeito à diferença e a intensificação dos mecanismos de

exclusão. Havia o interesse, desde o primeiro momento, em promover políticas públicas

homogeneizantes, que calassem as oposições, escondessem problemas estruturais e

fortalecessem a ascendência das elites sobre as massas. Logo, as políticas educacionais

seriam radicalmente transformadas, adaptadas à teoria do capital humano, 18 fato que abriu

espaço para a presença de novas concepções pedagógicas associadas ao tecnicismo 19e ao

produtivismo. É o que afirma Saviani:

Esse sentido geral é traduzido pela ênfase nos elementos dispostos pela teoria do capital humano; na educação como formação de recursos humanos para o desenvolvimento econômico dentro dos parâmetros da ordem capitalista; na função de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho atribuída ao primeiro grau de ensino; no papel do Ensino Médio de formar, mediante habilitações profissionais, a mão de obra técnica requerida pelo mercado de trabalho; na diversificação do Ensino Superior, introduzindo-se cursos de curta duração voltados para o atendimento da demanda de profissionais qualificados; no destaque conferido à utilização dos meios de comunicação de massa e novas tecnologias como recursos pedagógicos; na valorização do planejamento como caminho para racionalização dos investimentos e aumento de sua produtividade; na proposta de criação de um amplo programa de alfabetização centrado nas ações das comunidades locais. (SAVIANI, 2010, p. 345)

Os Estados Unidos, aliados de primeira hora da ditadura, aproveitavam-se da sua

condição de grande potência capitalista para fazer avançar a consolidação desse sistema de

produção. Em razão disso, lançavam mão de vários recursos para ampliar sua influência

político-econômica nos países em desenvolvimento. O Brasil acabou sendo diretamente

afetado, visto que teve o golpe civil-militar financiado pelo aliado e obteve financiamentos

para seus projetos durante todo o período ditatorial. ϭϴ A teoria do capital humano está associada à necessidade de explicação dos “ganhos de produtividade gerados pelo ‘fator humano’ na produção” (Cf. MINTO, 2006). O autor da teoria, Theodore Schultz, concluiu que o trabalho humano, qualificado através da educação, amplia a produtividade econômica. ϭϵ O tecnicismo foi incorporado à educação como forma de tornar o processo educacional objetivo, operacional e eficiente ao priorizar os meios — apostilas, recursos tecnológicos — em detrimento do protagonismo de professores e alunos (Cf. SAVIANI, 2010).

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Na educação, a maior interferência se deu entre 1964 e 1968, com a celebração dos

acordos entre o Ministério da Educação e a USAID (Agência dos Estados Unidos para o

Desenvolvimento Internacional), cuja finalidade era a de criar as bases, com o auxílio de

técnicos estadunidenses, para a formulação de uma nova política educacional no país,

introduzindo uma mentalidade empresarial (Cf. ROMANELLI, 1978), combinada com os

elementos da teoria do capital humano e práticas repressivas.

As consequências dos acordos MEC-USAID logo foram percebidas no campo

educacional, através da elaboração das leis n. 5.540 de 1968 (BRASIL, 1968) e n. 5.692 de

1971 (BRASIL, 1971a). A primeira reformulou o Ensino Superior pondo fim ao regime de

cátedra, unificando o vestibular (que passou a ser classificatório), reunindo, sob o modelo

universitário, instituições de Ensino Superior que antes eram isoladas, e permitindo a

nomeação de reitores e diretores de institutos sem quaisquer vínculos com a academia (Cf.

BRASIL, 1968). A reforma acabou alavancando a expansão do ensino privado, estruturado

a partir de estabelecimentos isolados de educação superior, destinados a qualificar o

alunado para o mercado de trabalho sem promover a articulação entre ensino e pesquisa

(Cf. FERNANDES, 1975 apud MARTINS, 2009), voltados, sobretudo às populações mais

pobres, vítimas da exclusão provocada pelo vestibular.

Por sua vez, a legislação de 1971 supracitada definiu novas diretrizes e bases para a

educação nacional, concorrendo para o agravamento de problemas estruturais. Dentre suas

disposições estavam a diminuição, em dois anos, do tempo de permanência do alunado na

educação básica; a reafirmação da seriação; a possibilidade do emprego de dinheiro público

na educação privada; a desobrigação da União e dos estados de reservarem em seus

respectivos orçamentos quantias mínimas para o setor; a reestruturação de disciplinas do

quadro obrigatório, de modo a inculcar os valores pregados pelo regime militar e promover

a despolitização do processo educacional; a definição do segundo grau como nível de

ensino profissionalizante; a compreensão da educação à distância como um meio de

promover o ensino supletivo; entre outras (Cf. BRASIL, 1971a). O sistema, agora

organizado em graus (1º, 2º e 3º), assistiria à extinção dos grupos escolares e ao fim

gradativo do ensino normal, posto que a legislação instituía a graduação em nível superior

como formação preferencial para o exercício da docência no primeiro e no segundo grau.

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A ditadura militar esforçou-se em destruir quaisquer possibilidades de construção de

um sistema educacional que incluísse, verdadeiramente, a todos. As políticas

implementadas atendiam ao ideal de “mínimo investimento, máxima produtividade”,

contemplando a necessidade de permanência no poder sem que se afetassem os interesses

daqueles que hipotecaram apoio ao golpe. Daí a expansão desregrada dos serviços de

educação básica e de educação superior sem quaisquer compromissos com a transformação

da realidade brasileira.

A imagem do “Brasil que dá certo”, corroborada pelos satisfatórios índices

econômicos, escondia a verdadeira realidade: o fato de que os milhares de indivíduos

inseridos no sistema educacional passariam a ser excluídos dentro dele. Sem recursos

financeiros garantidos para sua manutenção e tomada pelo tecnicismo, a educação pública

assistiu à elevação das taxas de repetência e evasão, à precarização da formação e do

trabalho docente, ao contínuo enfraquecimento do processo pedagógico, ao

recrudescimento das desigualdades regionais e, finalmente, à criação de um abismo entre a

escola pública e a escola privada.

Caberia, portanto, aos governos pós-redemocratização o desafio de reverter o

quadro e modificar a histórica lógica excludente do sistema educacional brasileiro.

2.2. O longo processo de exclusão da pessoa com deficiência

“Inaptas”, “incapazes”, “defeituosas”, “doentes”, “fracas”, “anormais”, “estranhas”,

“coitadas”, “infelizes”, “aleijadas”, “bobas”, “débeis mentais”, “bizarras”, “loucas”. Quem

nunca ouviu de outras pessoas expressões discriminatórias como essas fazendo referência a

pessoas com deficiência? Infelizmente, esse tipo de vocabulário, ainda presente em

discursos nos tempos atuais, é consequência de um longo processo de exclusão, iniciado

bem antes da invasão do Brasil promovida pelos portugueses e responsável por privar a

pessoa com deficiência, dentre tantas outras coisas, do acesso e permanência no sistema

educacional comum.

O advento do cristianismo impôs contradição à compreensão da sociedade acerca

das pessoas com deficiência, incutindo o dilema “caridade-castigo”, segundo Pessotti

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(1984). Inaugurar-se-ia aí, portanto, um modelo assistencialista, que viria a ser uma das

bases da oferta de serviços educacionais às pessoas com deficiência no decorrer da história

e fortaleceria a compreensão daqueles que trabalham com esses indivíduos como “seres

abnegados, santificados em vida, servidores do bem” (MANTOAN, 2004, p. 98).

Durante a Idade Média, essa situação foi agravada. A Igreja Católica recrudesceu

suas ações discriminatórias, instaurando a Inquisição, cujo objetivo era, entre outras coisas,

o de punir os hereges. Frequentemente, entre os punidos encontravam-se aqueles

considerados pecadores, “endemoniados”, que possuíam algum tipo de deficiência,

sobretudo a mental. Assim, eram torturados, açoitados e levados às fogueiras sem quaisquer

possibilidades de defesa. Nem mesmo a Reforma, proposta por Martinho Lutero, modificou

o cenário. Ao contrário: esses indivíduos eram “seres diabólicos”, “condenados por Deus”

e, portanto, deveriam ser castigados ou mesmo presos para serem exorcizados (Cf.

PESSOTTI, 1984; ARANHA, 2001).

O fim do feudalismo e a ascensão da burguesia dariam início a uma sucessão de

mudanças sociais, econômicas e políticas, determinantes para a eclosão de dois dos maiores

eventos da história: as Revoluções Industrial e Francesa. A primeira reorganizou o sistema

de produção mundial ao criar as máquinas a vapor e as bases da estrutura industrial, num

importante passo rumo à expansão do capitalismo. A segunda, propagadora dos ideais de

“liberdade, igualdade e fraternidade”, colocou abaixo os privilégios da nobreza e do clero.

A Igreja, enfraquecida por sua separação do Estado, assistiu à Assembleia Nacional

Constituinte proclamar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789,

afirmando o respeito pela dignidade das pessoas — algo que grande parte do clero

negligenciara durante muito tempo em relação à pessoa com deficiência —; a liberdade e

igualdade dos cidadãos perante a lei — um avanço no sentido de incluir socialmente os

indivíduos com deficiência —; entre outros importantes direitos (Cf. DECLARAÇÃO DOS

DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, 1789).

Embora se falasse em liberdade, igualdade e fraternidade, o preconceito e a

discriminação resistiram, desta vez amparados nos propósitos de descoberta das “origens”

da deficiência. Iniciava-se um período de medicalização da deficiência, devido à associação

desta a causas naturais, vinculadas à formação orgânica dos indivíduos. Desta forma, os

diferentes tipos de deficiência deixavam de ser problemas morais e religiosos para

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transformarem-se em questões médicas, fazendo emergirem, cada vez mais, os hospitais

psiquiátricos como destinos frequentes de pessoas com deficiência. É o que aponta Aranha

(2003, s/p):

O avanço no caminhar da Medicina favorece a leitura organicista da deficiência […] a partir das quais a demência e a amência deixam de ser vistas como problemas teológico e moral e passam a ser vistas como problema médico. Começam a surgir os primeiros hospitais psiquiátricos, como locais para confinar, mais do que para tratar, os pacientes que fossem considerados doentes, que estivessem incomodando a sociedade, ou ambos. Na eventualidade de tratamento, este se constituía do uso da alquimia e da magia.

O avanço capitalista contribuiu, sobremaneira, para a disseminação da

medicalização. Procurava-se, mediante tratamentos clínicos e escassas concepções

pedagógicas, adequar as pessoas com deficiência às atividades exigidas pelo sistema de

produção. Em função disso, obtiveram grande reconhecimento social por suas atuações

junto às pessoas com deficiência (Cf. PESSOTTI, 1984) estudiosos como Jean Marc Itard,

médico responsável por criar um método educacional para Vitor, o “Selvagem de

Aveyron”; Pinel, um dos precursores da Psiquiatria; Esquirol, reconhecido por definir os

conceitos de demência e amência; Morel, estudioso da esquizofrenia; Séguin, antigo

colaborador de Itard, também médico e educador, fundador de instituições destinadas ao

tratamento da deficiência mental; John Down, médico dedicado ao estudo de pessoas cujas

características viriam a compor uma síndrome genética, posteriormente descoberta por

Lejeune e batizada de “Síndrome de Down”; Froebel, o pai dos jardins de infância; e Maria

Montessori, criadora de um método pedagógico incitador da autonomia do educando, entre

outros.

A expansão, entre os séculos XVIII e XIX, da criação de hospitais psiquiátricos e

asilos destinados à permanência das pessoas com deficiência evidenciou o processo de

deserção do Estado em relação à prestação de serviços educacionais. Todavia, o alto custo

de manutenção dessas instituições fez com que a educação fosse considerada uma

alternativa financeiramente viável, sem que se perdesse o viés segregador, dado que as

pessoas com deficiência eram consideradas, em muitos casos, perigosas, incapazes de

conviver com os indivíduos ditos “normais”. Neste sentido, as escolas especiais se

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adequaram plenamente aos interesses estatais, pois promoviam uma educação voltada à

reabilitação dos indivíduos considerados “anormais” de modo a adaptá-los à vida em

sociedade. Assim, o sistema educacional comum permanecia desobrigado de incluir todos

os indivíduos em seu interior. Constituía-se, portanto, um novo paradigma na relação entre

sociedade e deficiência, como bem coloca Aranha (2001, p. 167):

[…] constituindo o primeiro paradigma formal adotado na caracterização da relação sociedade-deficiência: o Paradigma da Institucionalização. Este caracterizou-se, desde o início, pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e pela manutenção delas em instituições residenciais segregadas ou escolas especiais, frequentemente situadas em localidades distantes de suas famílias. Assim, pessoas com retardo mental ou outras deficiências frequentemente ficavam mantidas em isolamento do resto da sociedade, fosse a título de proteção, de tratamento, ou de processo educacional.

Ainda que tenha partido do Estado esse tipo de iniciativa, vislumbrando a possível

economia, foi a iniciativa privada que se encarregou de ofertar, majoritariamente, os

serviços de Educação Especial. Desta forma, financiados pelo poder público, surgiram

institutos, associações e fundações sem fins lucrativos voltados ao atendimento

especializado a diferentes tipos de deficiência. Este modelo de atuação acabaria fortalecido,

dificultando, em muito, a adequação do sistema educacional comum à perspectiva

inclusiva, pois as instituições privadas conquistaram reconhecimento pela prestação de

serviços educacionais, médicos e assistencialistas — enquanto os aparelhos estatais

permaneciam omissos quanto ao cumprimento de suas obrigações.

As consequências negativas da institucionalização seriam logo observadas, apesar

do reconhecimento de boa parte da sociedade à utilidade dos serviços prestados. Muitas das

instituições voltadas ao atendimento da pessoa com deficiência mantinham antigas práticas

como a recorrência ao isolamento, a utilização de instrumentos repressores e o desprezo à

diferença. Além disso, faltavam profissionais especializados no atendimento, sobravam

regras autoritárias e nem sequer existiam condições materiais para que o trabalho fosse

realizado. Esses lugares permaneciam como “depósitos”, quando não estimuladores da

adaptação dos indivíduos com deficiência às regras impostas pelo capitalismo, de modo a

torná-los “produtivos” e “autônomos”.

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A Segunda Revolução Industrial agravou ainda mais esse processo de exclusão. A

descoberta de novas tecnologias (eletricidade, o telégrafo, a utilização do carvão como

combustível, o reaproveitamento do aço e do alumínio) pelos cientistas provocou novo

crescimento industrial, com consequências sociais impactantes: êxodo rural, criação de

enormes concentrações urbanas e exploração desmesurada do trabalho. Ao passo que as

pessoas com deficiência eram obrigadas a se tornar “produtivas” pelo sistema capitalista,

outras tantas pessoas se mutilavam no exercício das máquinas, aumentando, também, a

incidência de deficiência física.

Em razão desse processo de modernização econômica, as elites — em todo o mundo

— se apropriaram das teses de Francis Galton, o criador do termo eugenia. Para o cientista

inglês, a inteligência seria transmitida hereditariamente e, por isso, os indivíduos poderiam

exercer “controle social” em substituição à seleção natural, de tal modo que as pessoas

consideradas “incapazes” fossem eliminadas e o “progresso da raça” fosse assegurado com

a sobrevivência dos mais intelectualmente capazes e fortes fisicamente. A eugenia,

fortemente contestada pela Biologia, teve no líder nazista Adolf Hitler um de seus

principais defensores e provocou a morte de milhões de indivíduos — entre esses, pessoas

com deficiência — em nome da “raça pura”.

Somente após as duas guerras mundiais é que se pensou, em nível mundial, com

mais ênfase a questão da inclusão das pessoas com deficiência. Os milhares de soldados

feridos nos conflitos precisavam ser reinseridos na sociedade e, para tanto, era necessário

qualificá-los para o exercício de novas funções no mundo do trabalho.

Afora isso, cresciam as mobilizações por direitos sociais, estimuladas também pelas

pessoas com deficiência. Assim sendo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

promulgada em 1948, afirmava os direitos à liberdade e igualdade em dignidade e direitos

(Cf. Artigo I); o gozo de direitos e liberdades estabelecidas na Declaração sem distinção de

qualquer espécie (Cf. Artigo II); a não submissão de qualquer indivíduo à tortura ou a

tratamento/castigo cruel (Cf. Artigo V); a igualdade de direito de acesso aos serviços

públicos por parte de qualquer pessoa (Cf. Artigo XXI); o direito de todos ao trabalho em

condições justas e favoráveis (Cf. Artigo XXIII); a um padrão de vida capaz de assegurar

“[…] saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e

os serviços sociais indispensáveis […]” (Cf. Artigo XXV); e à instrução, sendo esta “[…]

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orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do

fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais” (Cf.

Artigo XXVI).

Apesar de a Declaração reconhecer direitos fundamentais à promoção da inclusão,

os países mantiveram agendas excludentes. Somente em meados dos anos 1960 é que os

movimentos sociais incorporariam em suas lutas a defesa dos direitos das pessoas com

deficiência, inspirados em iniciativas semelhantes ocorridas nos Estados Unidos em

decorrência do envolvimento do país em outra guerra, desta vez com o Vietnã, fato que

provocou novo aumento substancial do número de pessoas acometidas por deficiência

física (Cf. ARANHA, 2003).

Os Estados, pressionados pelos movimentos sociais, constituíram novo modelo de

atuação, baseado nos ideários de normalização e integração. Este fora definido como o

processo de adequação da pessoa com deficiência à “vida normal”, de modo a tornar

possível sua convivência dentro dos padrões e normas estabelecidos pela sociedade. Por

conseguinte, surgiriam novas políticas educacionais e iniciativas voltadas à inclusão parcial

desses indivíduos, visto que só seriam aceitos e respeitados pela sociedade aqueles que

mais se aproximassem da “normalidade”. Não se respeitava o direito à diferença. Ou seja,

incluía-se, excluindo, pois a discriminação continuaria a ocorrer, agora no interior do

sistema. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, promulgada em 1975, apenas

oficializaria esses pressupostos, tal qual sinaliza seu conteúdo:

§3 - As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. § 5 - As pessoas deficientes têm direito a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão autoconfiantes quanto possível. §6 - As pessoas deficientes têm direito a tratamento médico, psicológico e funcional, incluindo-se aí aparelhos protéticos e ortópteros, à reabilitação médica e social, educação, treinamento vocacional e reabilitação, assistência, aconselhamento, serviços de colocação e outros serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integração social.(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1975, grifos meus)

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Somente no decorrer das décadas de 1980 e 1990 é que o modelo excludente de

integração seria contestado. Milhares de pessoas continuavam fora não só do sistema

educacional, mas da vida em sociedade na sua totalidade. Era preciso que se criasse uma

nova alternativa para solucionar esse problema estrutural.

Nascia, assim, o ideal de inclusão total, adaptado à questão educacional como

Educação Inclusiva. Neste sentido, o ano de 1981 foi importante para a propagação dessa

luta, pois a ONU o proclamou como “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” e foram

lançados dois importantes documentos: a Declaração de Cuenca e a Declaração de

Sundberg-Torremolinos. Ambas as declarações mantinham propósitos integracionistas, mas

avançavam rumo à inclusão total ao afirmarem o direito de pleno acesso das pessoas com

deficiência à educação, fato que exigiu um novo modelo de intervenção dos Estados, agora

obrigados a assegurar a plena participação desses indivíduos no sistema educacional. Além

disso, falava-se pela primeira vez, em nível internacional, de acessibilidade, conforme

aponta o artigo 12º da Declaração de Sundberg-Torremolinos (1981):

Art. 12º - Todos os projetos de urbanismo, meio ambiente e assentamentos humanos, deverão ser concebidos com vistas a facilitar a integração e a participação das pessoas deficientes em todas as atividades da comunidade, em especial as de educação e cultura (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 1981).

Em 1982, a ONU lançou um Programa Mundial de Ação referente às Pessoas com

Deficiência, cujo objetivo era o de promover “medidas eficazes para a prevenção da

deficiência e para a reabilitação e a realização dos objetivos de ‘igualdade’ e

‘participação plena’ das pessoas deficientes na vida social e no desenvolvimento”

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1982). No entanto, mesmo com a definitiva

inserção dos interesses das pessoas com deficiência na agenda mundial, a resposta dos

Estados permanecia lenta. Por vezes as políticas públicas formuladas nem sequer saíam do

papel, devido à ausência de recursos e de vontade política. Consequentemente, os sistemas

educacionais, sobretudo nos países pobres e em desenvolvimento, não eram estimulados a

abandonar suas práticas excludentes.

Havia, também, um fator determinante para que as políticas inclusivas não fossem

devidamente implementadas: a reestruturação do sistema capitalista. Os Estados, orientados

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pelas grandes potências capitalistas (Estados Unidos e Inglaterra), viram-se obrigados a

adotar novos modelos de políticas social e econômica, aderindo ao neoliberalismo. Em

decorrência disso, setores como educação, previdência e assistência social e saúde pública

foram alvos de grandes cortes de investimentos — era o fim do Welfare State [Estado de

bem-estar social] —, sendo substituídos como prioridades pela estabilização econômica,

através de medidas como o controle da inflação, das reservas cambiais, das contas públicas,

entre outras medidas.

Não tardou e novas iniciativas reivindicatórias surgiram, através da própria ONU e

também de organizações internacionais e movimentos sociais compostos por pessoas com

deficiência. Em 1990, surgiria a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, aprovada

na Conferência Mundial realizada em Jomtien, Tailândia, por 1500 participantes de 155

países. O novo documento internacional reconhecia os esforços promovidos pelas nações

desde o momento em que surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos em

promover educação para todos, mas atentava para o fato de que a realidade educacional

mundial era problemática. Para tanto, era preciso que os países signatários fortalecessem a

solidariedade internacional, buscando um combate conjunto, mais efetivo, às disparidades

econômicas; direcionassem recursos financeiros e humanos para o setor educacional;

desenvolvessem políticas sociais e econômicas para respaldar as ações educacionais;

ampliassem a oferta de educação básica visando à universalização do acesso e à promoção

da equidade; readequassem os processos de aprendizagem, entre outras coisas (Cf.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1990).

Entre 1992 e 1993 ocorreram novas mobilizações, desta vez envolvendo

organizações de pessoas com deficiência em Vancouver, Canadá, e Maastricht, Holanda.

Os cerca de 2000 participantes envolvidos no encontro canadense, oriundos de mais de 100

países, elaboraram uma declaração defendendo a paz mundial e o respeito aos direitos

humanos, além de exigirem mudanças radicais na sociedade para que as pessoas com

deficiência finalmente pudessem viver de forma plena. Os participantes do encontro

holandês, por sua vez, também redigiram um documento, reivindicando o direito de

participarem, em seus respectivos países, em todos os programas e políticas que os

afetassem (Cf. SASSAKI, 2007).

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Na esteira dessas mobilizações, a ONU interviria novamente na questão entre 1993

e 1994, lançando dois novos documentos: as Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade

de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência e a Declaração de Salamanca. O

primeiro reconhecia o elevado número de pessoas com deficiência e a necessidade de

eliminar os obstáculos que impedem a participação plena desses indivíduos na vida em

sociedade. Para tanto, definia conceitos fundamentais à elaboração de políticas públicas;

destacava a importância da sensibilização da sociedade para os “[…] problemas das

pessoas com deficiência, […] seus direitos, […] necessidades e potencialidades e do seu

contributo” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS 1993); impunha aos Estados o

dever de assegurar cuidados de saúde às pessoas com deficiência e promover serviços de

apoio, acessibilidade, educação, cultura, esporte e emprego; estimulava as nações a

elaborarem legislações específicas e planejarem a elaboração de políticas públicas; além de

criar mecanismos de acompanhamento da aplicação dessas normas. O segundo documento

expressou uma intervenção específica dos organismos internacionais na questão

educacional envolvendo pessoas com deficiência. Seu conteúdo estava permeado de

propostas e recomendações direcionadas ao estabelecimento de uma perspectiva inclusiva

nos sistemas educacionais. Por esse motivo, incitava os países a priorizarem a questão,

adotando como política ou em forma de lei a educação inclusiva, de modo a fazer com que

as escolas passassem a acomodar:

[…] todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. […] O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva.

Os anos 1990 e 2000 consistiram num período extremamente conturbado tanto para

as grandes potências quanto para os países em desenvolvimento. O processo de adequação

ao ideário neoliberal fora problemático no campo social: crescimento do desemprego,

empobrecimento da população e aumento da exclusão em função da precarização das

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políticas sociais. Todavia, o capitalismo seguia em pleno avanço, devido, sobretudo, aos

efeitos da Terceira Revolução Industrial — expansão da informática e da automação,

constante modernização dos sistemas de transportes e telecomunicações, entre outros — e

ao fim da Guerra Fria. Além disso, a globalização impunha às nações o dever de se

adaptarem às trocas culturais, à intensificação das relações comerciais e à formação de

grandes blocos políticos e econômicos.

Era fundamental, portanto, que os sistemas educacionais fossem reestruturados, de

modo a se adequarem às novas exigências do sistema capitalista. Resultam disso a

reafirmação da lógica meritocrática; a utilização, cada vez maior, das novas tecnologias

como recursos pedagógicos; a preocupação com a formação de mão de obra qualificada

através do ensino de determinadas competências e habilidades; a valorização do

planejamento e da racionalização; a eliminação da reprovação escolar com vistas a

aumentar a produtividade do sistema; o recrudescimento dos mecanismos de avaliação; a

disseminação de uma mentalidade empresarial na condução dos trabalhos pedagógicos e a

ênfase dada à importância da educação continuada, como forma de garantir às forças de

trabalho atualização permanente. Constata-se, portanto, que o neotecnicismo e o

neoprodutivismo, frutos da era neoliberal, não avançaram em nada o processo de inclusão

da pessoa com deficiência no sistema educacional.

Em oposição a essas diretrizes, surge, por iniciativa da Organização dos Estados

Americanos, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, realizada na Guatemala no ano

de 1999. O texto, adotado oficialmente pelo Brasil somente dois anos depois, redefiniu o

conceito de “deficiência” entendendo-a como “restrição física, mental ou sensorial, de

natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais

atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e

social” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1999), estabeleceu o que

considerava discriminação às pessoas com deficiência, fez com que os Estados Partes se

comprometessem com medidas de acessibilidade e colocou a eliminação de ações

discriminatórias como prioridade.

Um novo conjunto de mobilizações, desta vez por parte de associações e

organizações envolvendo pessoas com deficiência, passa a reclamar a participação das

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pessoas com deficiência na elaboração de políticas públicas a elas destinadas. O lema

“Nada Sobre Nós, Sem Nós”, inspirado no título de um artigo escrito por William

Rowland, cujo conteúdo discorria sobre a luta das pessoas com deficiência em pleno regime

de apartheid na África do Sul, sintetizou os conteúdos das Declarações de Madri (2002),

Sapporo (2002), Caracas (2002) e Tenerife (2003) (Cf. SASSAKI, 2007). Assim sendo, o

movimento favorável à inclusão tomava proporções cada vez maiores, tornando

insustentável a manutenção do modelo excludente em vigência.

A última grande manifestação dos organismos internacionais acerca da problemática

da inclusão se deu em 2007, com a promulgação da Convenção Internacional sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, organizada pela ONU. O texto acolhido pelos

Estados Partes foi, sem dúvida, o maior compromisso de um organismo internacional com a

inclusão total das pessoas com deficiência, pois definiu como princípios o respeito pela

diferença, a não discriminação, a acessibilidade, a igualdade de oportunidades, a plena e

efetiva participação e inclusão na sociedade, entre outras coisas.

Afora isso, a Convenção exigia o comprometimento dos Estados com a promoção

de programas, políticas e legislações favoráveis à inclusão e à acessibilidade; a prevenção

contra a tortura, os tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes (Cf. Artigo 15); a

prevenção contra a exploração, a violência e o abuso (Cf. Artigo 16); a implementação de

um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, visando o pleno desenvolvimento das

pessoas com deficiência e a participação efetiva desses indivíduos na sociedade; a

promoção de “ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito” e de “ensino secundário,

em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem”; a

garantia de acesso ao Ensino Superior, à educação de adultos e à formação continuada; a

criação de medidas de apoio individualizadas, objetivando a maximização do

desenvolvimento acadêmico e social; a facilitação da comunicação via aprendizagem do

Braille e da língua de sinais, além da empregabilidade de pessoas com deficiência no

sistema educacional (Cf. Artigo 24); além da promoção de cultura, esporte, lazer, saúde,

trabalho e emprego, habilitação e reabilitação; entre outras (ORGANIZAÇÃO DAS

NAÇÕES UNIDAS, 2006). Para assegurar o cumprimento de suas disposições, a

Convenção estipulou, ainda, a entrega de relatórios por parte dos países signatários, de

modo a avaliar o progresso alcançado por esses na construção de sociedades inclusivas.

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Apesar das mobilizações e dos inúmeros documentos publicados, ainda não temos

uma sociedade efetivamente inclusiva. O preconceito, a discriminação e a exclusão se

mantiveram presentes, pois não houve — em nenhum momento — uma profunda

modificação da consciência da sociedade em relação às pessoas com deficiência.

Permaneceu o desrespeito à diferença. Tampouco, os Estados deixaram de priorizar o

desenvolvimento econômico e adotar a doutrina neoliberal para atuarem com mais

eficiência no campo social, fator indispensável à consolidação da inclusão. Contudo, os

recentes movimentos em favor da inclusão nos legam, além da esperança, a convocação

para lutarmos em prol da construção dessa nova, e necessária, sociedade.

2.2.1. A exclusão da pessoa com deficiência no Brasil e a questão da Educação

Especial: um percurso histórico dos primórdios da Colonização até o fim da Ditadura

Militar

A invasão portuguesa no território brasileiro causou surpresa entre os invasores:

diferentemente do que ocorria no continente europeu, havia irrisório número de pessoas

com deficiência entre os indígenas.O processo de povoamento incentivou a miscigenação e

a escravização e acabou mudando esse cenário. Deu-se, então, um processo de

disseminação de enfermidades como a gripe, a varíola, a pneumonia, a catapora, o sarampo,

a tuberculose e um sem-número de doenças venéreas, que somadas à prática de castigos

físicos e maus-tratos — decorrentes da hiperexploração do trabalho indígena —

provocaram milhares de mortes e o crescente surgimento de casos de deficiência entre os

habitantes da colônia portuguesa.

A prestação de serviços às pessoas com deficiência só é reclamada muito tempo

depois da invasão portuguesa, já no final dos anos 1700 e início dos anos 1800, por

revoluções emancipatórias — Inconfidência Mineira, Conjuração Baiana e Revolução

Pernambucana —, cujos envolvidos eram liberais de elite, defensores da propriedade

privada, da liberdade de expressão e do fim de algumas das instituições coloniais (Cf.

VIOTTI DA COSTA, 1979 apud JANNUZZI, 2012). Todavia, apesar da importância

política desses movimentos, a Coroa portuguesa ignorou os apelos e manteve seu propósito

excludente.

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A independência brasileira da Coroa portuguesa não modificou o cenário

excludente. A primeira Constituição do país, promulgada em 1824, consagrou legalmente a

exclusão ao impedir que pessoas com deficiência tivessem direitos políticos. É o que afirma

o título II, artigo 8, item I: “Suspende-se o exercicio dos Direitos Politicos: I. Por

incapacidade physica, ou moral” (BRASIL, 1824). Se o direito à participação política logo

foi suprimido, direitos civis e sociais também seriam ignorados. Institucionalizava-se,

portanto, a exclusão.

Em pouco mais de trezentos anos de história oficial, tinha-se conhecimento apenas

da atuação das Câmaras Municipais e dos hospitais na prestação de serviços às pessoas com

deficiência. Essas instituições acolhiam crianças abandonadas e, entre elas, encontravam-se

aquelas consideradas “anormais”. Formavam-se, assim, as “rodas de expostos”, promovidas

em todo o território nacional. Sobre a acolhida de pessoas com deficiência nesse período,

afirma Jannuzzi (2012, p. 08): “[…] poderiam ter facilitado a entrada de crianças com

alguma anomalia, ou cujos responsáveis não os desejavam ou estavam impossibilitados de

criá-los, por vários motivos”.

Somente em 1835 é que surgiria a primeira iniciativa no campo político, voltada ao

atendimento educacional da pessoa com deficiência. Esta se deu a partir da apresentação de

um projeto de lei, por parte do deputado Cornélio França, propondo a criação do cargo de

professor de primeiras letras para o ensino de surdos-mudos (Cf. MOACYR, 1939 apud

JANNUZZI, 2012). No entanto, a proposta acabou sendo ignorada pelo poder público, que

nem sequer lograva êxito na tentativa de ofertar ensino primário à maioria da população.

A resposta do poder central ao anseio das pessoas com deficiência pela prestação de

serviços educacionais foi dada, após insistência de indivíduos próximos ao imperador D.

Pedro II,20 com a criação do Imperial Instituto de Meninos Cegos em 1854, posteriormente

denominado Instituto Benjamin Constant (IBC). Essa instituição funcionava em regime de

internato e se notabilizou pela oferta de ensino primário e de alguns ramos do secundário,

educação moral e religiosa, música, além de trabalhos manuais e ofícios fabris (Cf.

JANNUZZI, 2012) a meninos cegos que, em alguns casos, se tornavam professores do

próprio instituto quando terminavam o ciclo de estudos.

ϮϬEsses indivíduos incorporaram a luta pela educação das pessoas com deficiência, pois acreditavam que o momento era propício para a oferta de tais serviços, visto que o poder central estava empenhado na expansão das escolas de primeiras letras, destinadas ao oferecimento de ensino primário à maioria da população.

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Após a fundação do IBC, foi criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos,

posteriormente denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), através da

Lei n. 839 de 26 de setembro de 1857. Pela instituição, responsabilizaram-se Edouard Hüet,

um educador francês surdo, e o marquês de Abrantes, gerindo a parte pedagógica e a

aplicação de recursos provenientes do Estado. Sua atuação se daria em conformidade com o

propósito de profissionalizar pessoas surdas-mudas. É o que afirma Mazzotta (2001, p. 29):

Importante salientar que desde seu início a referida escola caracterizou-se como um estabelecimento educacional voltado para a “educação literária e o ensino profissionalizante” de meninos “surdos-mudos”, com idade entre 7 e 14 anos.

Apesar das iniciativas do poder imperial, a oferta de serviços educacionais a pessoas

com deficiência permanecia restrita a um número ínfimo de indivíduos:em 1872, eram

atendidas pelos institutos apenas 35 crianças com deficiência visual e 17 crianças com

deficiência auditiva (Cf. MAZZOTTA, 2001). Nota-se, ainda, que os serviços

disponibilizados tinham cunho segregador, pois mantinham o alunado com deficiência fora

do sistema educacional comum, fortalecendo o processo de exclusão.

As exceções às iniciativas imperiais não tardaram a aparecer. Em diferentes regiões

do país surgiram, ainda nos anos 1800, instituições educacionais comuns que incluíram

pessoas com deficiência. A Escola México e o Ginásio Estadual Orsina da Fonseca, do Rio

de Janeiro, garantiram a presença desses indivíduos no ensino regular. Em Montenegro e

Encruzilhada do Sul, cidades do estado do Rio Grande do Sul, instituições de ensino

comuns também tiveram a presença de alunos com deficiências mental e auditiva, assim

como em Manaus, na Unidade Educacional Euclides da Cunha, constam registros de

atividades inclusivas no ano de 1892 (Cf. JANNUZZI, 2012).

Todavia, o processo de medicalização da deficiência que ocorria na Europa

encontrava grande repercussão em território brasileiro.Os hospitais continuavam a receber

expressivo número de pessoas com deficiência, sobretudo a mental, pois eram vistos como

doentes e não como potenciais educandos. Os médicos, por sua vez, empenhavam-se em

pesquisar os diferentes tipos de deficiência e atuar diretamente no campo educacional como

professores, diretores de instituições educacionais e teóricos pedagógicos. Sobre a

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influência da medicina na educação da pessoa com deficiência, afirma Jannuzzi (2012, p.

29):

A medicina vai influenciando a educação do deficiente, não só pela atuação direta dos médicos como também pela dos diretores, por exemplo, o doutor Tobias Leite, diretor do INSM (1878 a 1895); ou então com professores como o doutor Menezes Vieira, professor de linguagem escrita no mesmo instituto […]; e também pela repercussão de ensinamentos fundados na área, como os exercícios preparatórios dos órgãos articulatórios usados na educação dos deficientes auditivos […]. Produziram também tratados teóricos e pedagógicos, como “Da surdez produzida — materiais: acústica, aparelho de audição, sinais tirados da voz e da palavra” (Menezes Vieira, 1873) e “Compêndio para ensino de surdos-mudos” (Tobias Leite apud SOARES, 1999), etc.

Resultam desse processo mobilizações favoráveis à higienização e à eugenia, cujas

demandas seriam incorporadas à agenda estatal. Nasciam, assim, as inúmeras inspeções de

caráter higienista nos estabelecimentos educacionais e organizações sociais como a

Comissão Central Brasileira de Eugenia (Cf. JANNUZZI, 2012). Consequentemente,

surgiram medidas como a criação de classes especiais, destinadas às “crianças hígidas e

retardadas” (Cf. CÉSAR, 1978, p. 17 apud JANNUZI, 2012, p. 30), programas de

formação de professores responsáveis por esse tipo de alunado, instituições escolares

ligadas a hospitais — cujo caso mais emblemático é o do Pavilhão Bourneville21 — e o

estabelecimento de mecanismos de avaliação da “anormalidade” através da elaboração de

inúmeros testes, diagnósticos e classificações. Essas ações atendiam às demandas do

avanço capitalista e do cientificismo propagado como essencial à modernização do país.

Sobre isso afirma Kassar (1999, p. 18) que:

Os preceitos da ciência moderna (observação, descrição e classificação) são apropriados por vários campos para a produção do conhecimento, em meio a uma atmosfera de valorização das ciências naturais e de popularização das teorias da evolução na biologia. Em suma, a partir da valorização do progresso das ciências naturais, há grande espaço para a difusão das ideias sobre o movimento “natural” da sociedade.

ϮϭO Pavilhão Bourneville funcionava anexo ao Hospício da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, e oferecia serviços educacionais especiais a crianças com deficiência mental. Naquele espaço, “os procedimentos educativos seguiam aí o sensorialismo e as atividades desenvolvidas por Séguin, aperfeiçoadas pelo doutor Bourneville, que também desenvolveu todo um conjunto de aparelhos. Os jogos eram valorizados, as crianças mantidas em atividades e vigilância constantes”. (JANNUZZI, 2012, p. 32).

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Especificamente no Brasil, esse modo de conceber a evolução social tem grande aceitabilidade e, a partir do início do século XX, deixa de modo mais evidente suas contribuições nos rumos da educação brasileira, trazendo implicações na forma como entender/promover a Educação Especial. A valorização do pensamento científico, presente na organização da sociedade brasileira mais incisivamente a partir do século XIX, penetra no discurso educacional de forma marcante, a partir do início do século XX.

Basílio de Magalhães, intelectual e político mineiro, foi um dos principais

entusiastas da perspectiva cientificista, defendendo a instalação de classes especiais para o

alunado com deficiência. Em uma de suas principais obras, “Tratamento e educação das

crianças anormais de inteligência: contribuição para o estudo desse complexo problema

científico e social, cuja solução urgentemente reclamam — a bem da infância de agora e

das gerações porvindouras — os mais elevados interesses materiais, intelectuais e morais,

da Pátria Brasileira”, Basílio, inspirado em autores estrangeiros, se dispõe a analisar a

“anormalidade” de inteligência, compreendendo-a como uma enfermidade, que poderia ser

hereditária ou fruto de ações ligadas ao vício, à perversão sexual, ao “instinto destruidor” e

à vagabundagem. Desta forma, esses indivíduos poderiam ser classificados como “anormais

completos” ou “anormais incompletos”, sendo os primeiros encaminhados aos hospitais, e

os últimos, encaminhados às classes separadas, onde deveriam “aprender a aprender” (Cf.

MAGALHÃES 1913 apud JANNUZZI, 2012).

A separação do alunado em classes seria difundida não só pelos adeptos da

medicalização, mas também por psicólogos e pedagogos, dentre os quais se destacaram

Helena Antipoff e Norberto Souza Pinto. Apesar da manutenção da exclusão, agora no

interior do sistema, é possível afirmar que as classes separadas representaram, à época, não

só uma opção econômica, mas um avanço, pois forçaram a inserção das instituições

educacionais no centro do processo de inclusão social, substituindo hospitais, asilos e até

mesmo penitenciárias no trato de pessoas com deficiência. Isto posto, a educação seria a

encarregada de preparar a sociedade para a vida moderna, devendo ganhar mais espaço na

agenda governamental. Sobre a questão, afirma Jannuzzi (2012, p. 45):

A defesa da educação dos anormais foi feita em virtude da economia dos cofres públicos e dos bolsos dos particulares, pois assim se evitariam manicômios, asilos e penitenciárias, tendo em vista que essas pessoas seriam incorporadas ao trabalho. Também isso redundaria em benefício

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dos normais, já que o desenvolvimento de métodos e processos com os menos favorecidos agilizaria a educação daqueles cuja natureza não se tratava de corrigir, mas de encaminhar.

A implantação do regime republicano em substituição ao Império provocou a

emergência de uma série de reformas educacionais. No entanto, a oferta de educação

pública comum a todas as pessoas não foi compreendida como uma prioridade. Tampouco

se investiu em instituições voltadas à promoção de Educação Especial. O Estado mantinha,

assim, a postura desertora de outrora no tocante à questão educacional, abrindo perigosa

prerrogativa à iniciativa privada de promover esses serviços em sua substituição, fato que

provocou uma expansão desregrada de instituições especializadas no atendimento a pessoas

com deficiência, como se observaria no decorrer das décadas com a fundação do Instituto

de Cegos Padre Chico; da Fundação para o Livro do Cego no Brasil (posteriormente

denominada Fundação Dorina Nowill para Cegos); do Instituto Santa Terezinha; do

Instituto Educacional São Paulo; do Lar-Escola São Francisco; da Associação de

Assistência à Criança Deficiente (AACD); da Sociedade Pestalozzi; das Associações de

Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), entre tantas outras (Cf. MAZZOTTA, 2001).

Sobre a expansão do privado em detrimento do público, afirma Kassar (1999, p. 22):

Na Educação Especial, a concomitância dos dois setores está presente desde o início do século XX, propiciando o estabelecimento de uma tênue linha entre os limites e os papéis dos serviços de atendimento “público” e “privado”, resultante, entre outros fatores, da dinâmica na luta de interesses dos segmentos sociais. Desse modo, as instituições “privadas”, principalmente no setor do atendimento especializado a pessoas com deficiência, apresentam-se na história do atendimento à Educação Especial como extremamente fortes, com lugar garantido no discurso oficial, chegando a confundir-se com o próprio atendimento “público”, aos olhos da população, pela “gratuidade” de alguns serviços.

Somente após a Revolução de 1930 e a consequente ascensão de Getúlio Vargas ao

poder é que o Estado passa a intervir de modo mais efetivo no campo educacional. O

Ministério da Educação e Saúde Pública foi fundado e uma nova Constituição foi

promulgada em 1934. O texto constitucional, embora não fizesse menção às pessoas com

deficiência, colocava a educação como um direito de todos, devendo ser esta obrigatória e

oferecida de forma gratuita (Cf. BRASIL, 1934).No entanto, as pessoas com deficiência

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permaneciam marginalizadas, fora das escolas comuns, presentes apenas — e em número

restrito — nas instituições de Educação Especial,majoritariamente controladas pela

iniciativa privada.

Durante o primeiro período de Vargas como presidente, o Estado pouco atuou em

favor da pessoa com deficiência. As ações foram direcionadas ao campo legal, através da

criação do Decreto-Lei n. 5.395 de 20 de outubro de 1943, que só seria regulamentado

efetivamente em 1954 e dispunha sobre o aproveitamento desses indivíduos no mercado de

trabalho, sobre a assistência técnica às instituições privadas e sobre a manutenção dos

grandes institutos públicos, o IBC e o ISM. Outro fato relevante foi a abertura da imprensa

Braille, que possibilitou, em 1943, a impressão da Revista Brasileira para Cegos, cuja

distribuição se estenderia a vários estados nas décadas posteriores (Cf. JANNUZZI, 2012).

Somente nos anos 1950 é que o atendimento educacional destinado a pessoas com

deficiência foi devidamente incorporado à agenda estatal. E isto se deu com a criação de

uma série de campanhas, realizadas em conformidade com as diretrizes do INEP, órgão

responsável pela formulação e implementação de grande parte das políticas educacionais

durante os governos Eurico Dutra (1945-1950), Getúlio Vargas (1950-1954), Café Filho

(1954), Carlos Luz (1955), Nereu Ramos (1955), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio

Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964).

A primeira campanha realizada foi a Campanha para a Educação do Surdo

Brasileiro (CESB), criada pelo Decreto n. 42.728 de 3 de dezembro de 1957. Esta seria

comandada pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e tinha como objetivo

“[…] promover, por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à educação e

assistência, no mais amplo sentido, em todo o Território Nacional” às pessoas com

deficiência auditiva (Cf. BRASIL, 1957 apud MAZZOTTA, 2001). Logo em seguida foi

criada a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, por meio

do Decreto n. 44.236 de 1 de agosto de 1958, que a vinculava ao Instituto Benjamin

Constant. Porém, pouco depois, a iniciativa foi significativamente alterada pelo Decreto n.

48.252 de 31 de maio de 1960, transformando sua denominação em Campanha Nacional de

Educação de Cegos (CNEC), diretamente subordinada ao Ministério da Educação e Cultura

(Cf. BRASIL, 1960a).

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Em 1960, entidades privadas — Sociedade Pestalozzi e APAE — influenciaram a

formulação, por parte do Ministério da Educação e Cultura, da Campanha Nacional de

Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME), responsável por “[…]

promover em todo o território nacional a educação, treinamento, reabilitação e assistência

educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade […]”,

através de cooperação técnica e financeira a entidades públicas e privadas, elaboração de

programas de formação de pessoal técnico e docente especializado na educação de pessoas

com deficiência mental, criação de consultórios especializados e classes especiais, estímulo

à constituição de associações e fundações educacionais — num claro propósito de

transferência de obrigações por parte do Estado para a iniciativa privada —, realização de

cursos e divulgação científica, entre outras coisas (Cf. BRASIL, 1960b).

Segundo Mazzotta (2001, p. 53), foi instituído também um Fundo, no Banco do

Brasil, que “deveria ser constituído por dotações e contribuições previstas nos orçamentos

da União, Estados Municípios e de entidades paraestatais de economia mista […]”,

destinado a viabilizar as ações da Campanha. Afora isso, o autor também destaca o fato de

que os diretores executivos da CADEME quase sempre eram ligados à APAE e à

Sociedade Pestalozzi, evidenciando a força política dessas instituições.

Em 1961, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional trouxe

à tona, pela primeira vez, disposições legais acerca da educação de pessoas com

deficiência. No entanto, foram estabelecidos apenas dois artigos (88 e 89), inseridos no

título X, intitulado “Da Educação de Excepcionais”, cujo conteúdo sinalizava o apoio do

Estado à iniciativa privada e a aproximação com a concepção de integração. É o que se

pode observar na legislação:

Art.88. A educação de excepcionais deve, no que fôr possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. Art.89. Tôda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bôlsas de estudo, empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1961)

Quatro anos depois, em 1965, a “educação para excepcionais” ganharia um

importante reforço orçamentário. Através de uma revisão no Plano Nacional de Educação,

elaborado inicialmente em 1962, decidiu-se que 5% dos recursos do Fundo Nacional de

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Ensino Primário seriam destinados a essa modalidade de educação e à concessão de bolsas

de estudos em instituições privadas, de modo a viabilizar a oferta de serviços educacionais

a pessoas com deficiência (Cf. MAZZOTTA, 2001). Embora a medida significasse uma

clara intervenção estatal na questão, era deveras questionável, pois reiterava a transferência

de obrigações do Estado para a iniciativa privada no tocante à educação das pessoas com

deficiência, o que significava a preservação de uma lógica excludente, porque, se já não

garantia sequer o acesso de todos esses indivíduos às instituições de Educação Especial,

que dirá ao sistema educacional comum.

Em 1967, o país assistia à promulgação de mais uma Constituição, desta vez

elaborada pelos militares, presentes no poder desde a deposição de João Goulart. O texto

original não continha nenhuma disposição sobre a educação das pessoas com deficiência;

apenas assegurava o direito de todos e a igualdade de oportunidades (Cf. BRASIL, 1967).

Somente a redação da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, é que

alteraria, minimamente, o quadro legal, ao estabelecer — no Título IV — a necessidade de

uma lei especial para definir as bases da educação para excepcionais. Permanecia, portanto,

a despreocupação dos governantes em alicerçar, legalmente, a construção de um sistema

educacional inclusivo no país.

Nos anos 1970, os governos militares se empenharam em atuar mais efetivamente

na questão educacional envolvendo as pessoas com deficiência. Ainda que o pensamento

permanecesse excludente, o Estado moldava sua atuação à perspectiva integracionista. Era

preciso, em tempos de nova onda de modernização econômica, investir na adequação da

pessoa com deficiência à “vida normal”, tornando-a mais produtiva ao capitalismo

brasileiro. Desta forma, foram criadas novas legislações (a Lei 5.692/71 e a Emenda

Constitucional n. 12 de 1978), programas (como o Plano Setorial de Educação e Cultura,

vinculado ao Plano Nacional de Desenvolvimento para o triênio 1972/1974, o Plano

Nacional de Educação Especial 1977/1979 e o Plano de Ação da Comissão do Ano

Internacional das Pessoas Deficientes) e um órgão destinado exclusivamente ao

atendimento educacional das pessoas com deficiência, o Centro Nacional de Educação

Especial (CENESP).

A Lei de Diretrizes e Bases criada pelos militares (Lei 5.692/71) fixou novos níveis

de ensino, recém-denominados 1º e 2º grau, visando, conforme o artigo 1º, “[…]

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proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas

potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo

para o exercício consciente da cidadania”. (Pressupõe-se que, devido ao fato de não haver

distinção entre ensino comum e especial, essas diretrizes valham também para a educação

das pessoas com deficiência.)

Entretanto, o artigo 9º dessa legislação dispunha mais especificamente sobre a

educação desses indivíduos, conforme destaca seu conteúdo:

Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acôrdo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (BRASIL, 1971a).

A ausência de maiores disposições dificulta o pleno entendimento das intenções

estatais na elaboração dessa lei. Apesar do desejo expresso de proporcionar ao alunado uma

formação para o mercado de trabalho e a cidadania, não se sabe, de fato, se o mesmo vale

para a educação das pessoas com deficiência.

O que aqui se nota, mais uma vez, é a manutenção de uma postura omissa do Estado

na prestação de serviços, impondo uma descentralização ao incumbir os Conselhos de

Educação a definição da clientela da Educação Especial. Sendo assim, sem uma diretriz da

União para todas as unidades da federação, alguns estados poderiam adotar um modelo de

atuação mais próximo de uma perspectiva inclusiva, enquanto outros contribuiriam para a

expansão das instituições de Educação Especial e a disseminação da integração.

No ano seguinte à promulgação da segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, a Ditadura elaborou seu Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), no qual

incluiu o Plano Setorial de Educação e Cultura. Este documento previa a formulação de

programas destinados à construção de escolas de ensino primário e médio, formação

docente, assistência global aos educandos, expansão da educação de jovens e adultos,

implementação da reforma universitária, integração dos educandos ao mercado de trabalho,

melhoria da remuneração do professorado, entre outras coisas. A Educação Especial

também foi contemplada, após o governo criar mediante portaria ministerial o Grupo-

Tarefa de Educação Especial, órgão vinculado ao INEP, que reuniu integrantes de

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diferentes setores para a elaboração do Projeto Prioritário n. 35, incluído posteriormente no

Plano Setorial. A iniciativa logrou êxito ao incorporar diretrizes como o aumento dos

investimentos na expansão da oferta de serviços educacionais às pessoas com deficiência e

o estímulo ao apoio técnico à Educação Especial (Cf. BRASIL, 1971b).

Afora esses fatores, o Plano Setorial, segundo Mazzotta (2001), se incumbiu de

definir o que se considerava “excepcional” e estabelecer como diretrizes da Educação

Especial a integração e a racionalização. Desta forma, o país assumia oficialmente a opção

pelo oferecimento de um sistema educacional em que os indivíduos deveriam se adaptar a

ele e não o contrário, fortalecendo a Educação Especial — termo que viria a substituir a

expressão “ensino emendativo”22 até então utilizada.

Coube também ao Grupo-Tarefa de Educação Especial estimular a criação do

Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), fato que ocorreu após o presidente

Emílio Garrastazu Médici promulgar o Decreto n. 72.425 de 1973 e extinguir a Campanha

Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais e a Campanha Nacional de

Educação de Cegos. Caberia ao Centro o dever de “[…] promover, em todo o território

nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais” (BRASIL, 1973) e,

para isso, o órgão contaria com autonomia financeira e administrativa, estando submetido

apenas à supervisão da Secretaria Geral do Ministério da Educação e Cultura.23 Sua atuação

seria relevante até 1986, quando foi transformado em Secretaria de Educação Especial,

através da assistência técnica e cooperação financeira a entidades públicas e privadas; do

treinamento de docentes e técnicos; da preparação de materiais pedagógicos e elaboração

de propostas curriculares; de projetos de construções escolares; entre outras realizações (Cf.

JANNUZZI, 2012).

Em 1977, já durante o governo Ernesto Geisel, surge uma medida que tem como

principal objetivo articular as prestações de serviços relativas à assistência educacional e à

assistência social. A Portaria Interministerial n. 477 estabeleceu diretrizes para ações

conjuntas entre o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério da Previdência e

ϮϮSegundo Jannuzi (2012) a expressão “ensino emendativo” provém de emendare(latim), cujo significado é corrigir falta, tirar defeito. Para Soares (1999 apud Jannuzzi, 2012), essa modalidade de ensino tinha como objetivo corrigir as falhas decorrentes da “anormalidade”, de modo a adaptar o aluno com deficiência ao nível dos ditos “normais”. Ϯϯ Durante o governo João Figueiredo, o CENESP passou a ser supervisionado pela recém-criada Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus do Ministério da Educação e Cultura (Cf. MAZZOTTA, 2001).

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Assistência Social, de modo a garantir atendimento especializado tanto educacional quanto

médico-psicossocial para os ditos “excepcionais”. Além disso, a Portaria define a clientela

dos serviços educacionais, prestados pelo CENESP, e dos serviços de reabilitação,

oferecidos pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), pelos setores de saúde vinculados à

Previdência Social e, finalmente, pelos órgãos responsáveis pela reabilitação profissional,

ligados ao antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), hoje denominado

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

No ano seguinte, foi elaborada outra Portaria, a de n. 186, responsável por

regulamentar a de n. 477, cujo conteúdo dispõe sobre o atendimento educacional a pessoas

com deficiência. Segundo o documento, esse tipo de serviço se destinaria a indivíduos

diagnosticados como “excepcionais” pelos setores especializados da LBA e do Ministério

da Previdência e Assistência Social (MPAS). Isto posto, caberia ao CENESP o dever de

garantir a oferta educacional seguindo uma linha “preventiva e corretiva”, nos dizeres de

Mazzotta (2001, p. 72). Assim, a educação da pessoa com deficiência se daria em

instituições comuns pertencentes ao sistema de ensino e em instituições especializadas,

mediante cursos e exames supletivos, mantendo a filosofia segregadora da integração e

retrocedendo à medicalização. Sobre a questão, aponta Mazzotta (2001, p. 73):

Em tais diretrizes fica patenteado um posicionamento que atribui um sentido clínico e/ou terapêutico à Educação Especial, na medida em que o atendimento educacional assume o caráter preventivo/corretivo. Não há aí uma característica de educação escolar propriamente dita. Mesmo o encaminhamento dos excepcionais ao “sistema educacional” fica condicionado a um diagnóstico a ser realizado, sempre que possível, em serviços especializados da LBA/MPAS.

Ainda durante o governo Geisel foi formulado o I Plano Nacional de Educação

Especial para o triênio 1977/1979, iniciativa pioneira que colocou como diretrizes a

expansão e a melhoria qualitativa da oferta de serviços de Educação Especial, mediante a

promoção de assistência técnica e financeira às instituições privadas. Desta forma, caberia

ao CENESP implementar programas de “construção, ampliação, adaptação e/ou

recuperação de instalações físicas” (BRASIL, 1976 apud MAZZOTTA, 2001),

acompanhamento do alunado, elaboração de materiais didáticos e equipamentos escolares,

além de estimular a capacitação de recursos humanos — via cursos, treinamentos e

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concessão de bolsas de estudo para pós-graduação — e a realização de reformas

curriculares. Tratava-se, portanto, de mais uma significativa iniciativa governamental no

sentido de fortalecer a iniciativa privada em detrimento da construção da inclusão no

sistema educacional comum. Sobre a lógica privatista de financiamento, afirma Mazzotta

(2001, p. 93):

No item em que são dimensionados os recursos financeiros para o financiamento desse Plano Nacional de Educação Especial 1977/1979 […], de um montante de cento e quarenta e oito milhões e quatrocentos e noventa mil cruzeiros, foram previstos 58,70% para as instituições privadas e 14,48% para os sistemas estaduais de ensino. Tais recursos, 96% provenientes do Tesouro (ordinário não vinculado e da cota-parte do salário-educação) e 4% de convênio com órgãos federais, aplicavam-se também a outras quatro ações cujos resultados poderiam retornar tanto para os sistemas estaduais como para as instituições privadas.

Durante o último período da Ditadura Militar, já no mandato presidencial do general

João Figueiredo, ocorreu o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, em 1981. Para tanto,

o governo brasileiro convocou uma comissão para formular um plano de ação,

posteriormente denominado Plano de Ação da Comissão do Ano Internacional das Pessoas

Deficientes, cujas disposições reafirmavam o compromisso do Estado com as tendências de

integração e normalização, a partir de ações que visavam, segundo Mazzotta (2001),

objetivos como a conscientização; a prevenção; a reabilitação; a Educação Especial; a

capacitação profissional e o acesso ao mercado de trabalho; a remoção de barreiras

arquitetônicas e a elaboração de novas legislações. Não se tratava, porém, de uma

novidade, pois apenas reiterava os propósitos da Declaração dos Direitos das Pessoas

Deficientes, elaborada por organismos internacionais em 1975, e o modelo de política

educacional implementado pelos governos anteriores. Por consequência, não interferiria

diretamente na solução do problema da exclusão de milhares de indivíduos com deficiência

do sistema educacional comum.

Esse percurso histórico, dos primórdios da invasão portuguesa até o fim da Ditadura

Militar, evidencia uma despreocupação estatal com a inclusão de pessoas com deficiência

no sistema educacional comum. Inicialmente, aspectos econômicos e culturais serviram de

base para a construção de uma cultura de abandono e segregação, difundida ainda hoje, que

provocou total omissão do Estado no tocante à educação desses indivíduos. Somente

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séculos depois da invasão portuguesa é que esses serviços começaram a ser criados,

mantendo, no entanto, uma lógica excludente. Assim, constituíram-se um sem-número de

hospitais, asilos, penitenciárias e, por fim, classes separadas e instituições de Educação

Especial, fazendo com que raramente encontrássemos parcelas desse público tendo acesso

aos mesmos modelos de educação ofertados aos ditos “normais”.

O avanço capitalista e a criação de direitos sociais fizeram com que o Estado fosse

obrigado a pensar a educação da pessoa com deficiência. Todavia, as ações promovidas

provocaram efeitos perniciosos à construção de um sistema educacional inclusivo, pois

difundiram a integração através da normalização, impondo a esses indivíduos a obrigação

de se adaptarem à vida “normal” para obter acesso e permanecer nas instituições

educacionais comuns — o que caracteriza o total desrespeito à diferença e provoca a

disseminação da exclusão no interior do sistema — e incentivaram a transferência de

responsabilidades, sobretudo às instituições privadas, auxiliando-as financeira e

politicamente, fato que prejudicou a expansão dos serviços públicos.

Deste modo, o desafio da inclusão não foi realizado até o fim da Ditadura Militar,

cabendo a responsabilidade de solucionar esse problema estrutural — com mais de

quinhentos anos de duração — aos governos pós-redemocratização.

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CAPÍTULO 3 – As atuações dos governos José Sarney (1985-1990),

Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995): avanços e

retrocessos na Educação Especial

3.1. O governo José Sarney (1985-1990)

O fim da Ditadura Militar significou a retomada, após mais de duas décadas de

opressão, da esperança de milhões de brasileiros em viver novamente sob regime

democrático. A transição “lenta, gradual e segura”, sobretudo para os aliados da

democracia, foi iniciada no governo Ernesto Geisel (1974-1979) e obteria em 1984, ano das

últimas eleições presidenciais indiretas, mais um importante avanço: a eleição de uma

chapa oposicionista, liderada pelos civis Tancredo Neves e José Sarney.

Tancredo Neves era, à época, um político de renome devido ao fato de ter tido uma

grande experiência parlamentar na oposição à Ditadura Militar — fora deputado federal de

1964 a 1978 e senador de 1978 a 1982 — e ser governador de Minas Gerais, um dos

maiores estados da federação. Com um perfil moderado e próximo do conservadorismo, o

político mineiro mantinha diálogo aberto com os militares e a oposição. Somente durante a

realização da campanha conhecida nacionalmente por “Diretas Já”, em favor da realização

de eleições diretas para a Presidência da República, é que Tancredo assumiu uma postura

mais radical, discursando em tom contundente contra a Ditadura, ganhando mais

notoriedade entre os insatisfeitos com o regime militar. Por isso, com o veto à emenda

Dante de Oliveira,24 superou Ulysses Guimarães, considerado um oposicionista radical, e

foi o escolhido para liderar a chapa oposicionista envolvendo o PMDB e a Frente Liberal.

A Frente Liberal fora criada pelos dissidentes da Ditadura Militar, insatisfeitos com

os rumos do processo de escolha do candidato da situação à Presidência da República.

Políticos como Marco Maciel, Hélio Beltrão, Aureliano Chaves e Paulo Maluf pleiteavam a

ϮϰO então deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) propôs, em 1983, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com o objetivo de promover a volta das eleições diretas para a Presidência da República, algo que fora extinto pelos militares através dos artigos 74 e 148 da Constituição de 1967. Apesar da pressão popular, manifestada em inúmeros comícios realizados em diferentes estados, a emenda foi derrubada no plenário devido à ausência de grande parte dos deputados federais governistas, que se retiraram da votação para que esta não atingisse o quórum mínimo e fosse encaminhada ao Senado Federal. Desta forma, as eleições de 1984 foram realizadas de forma indireta, através de Colégio Eleitoral.

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indicação oficial do PDS (Partido Democrático Social) em oposição ao coronel Mário

Andreazza, ministro do Interior, nome da preferência do então presidente, general João

Figueiredo. No entanto, após o presidente e seus auxiliares diretos assumirem o comando

do processo à revelia de parte das lideranças partidárias, os insatisfeitos — capitaneados

pelo então presidente do PDS, senador José Sarney —, deixaram o partido governista e

fundaram a Frente Liberal, organização política que se coligou ao PMDB e viabilizou a

vitória da chapa Tancredo-Sarney no Colégio Eleitoral.

Apesar do intenso desgaste que a Ditadura enfrentava em seu próprio seio e junto à

sociedade, o governo ainda dispunha de base parlamentar forte o suficiente para eleger

novamente o presidente da República de forma indireta. Por isso, a dissidência aberta pela

Frente Liberal e a insatisfação de um razoável número de pedessistas com a candidatura do

ex-governador paulista Paulo Maluf — um dos responsáveis por desagregar o partido ao

enfrentar Mário Andreazza e vencê-lo na disputa pela candidatura representando o bloco

governista — se tornaram elementos decisivos para a construção da vitória de Tancredo

Neves nas eleições indiretas.

Como se vê, a chapa oposicionista não significou uma ruptura definitiva com a

Ditadura Militar. Ao contrário: possibilitou a sobrevida dos políticos ligados ao Regime

com a manutenção de suas presenças em postos estratégicos como a vice-presidência —

oferecida ao então senador pelo estado do Maranhão, José Sarney — e ministérios como o

das Comunicações, em que seria nomeado o governador da Bahia, Antônio Carlos

Magalhães, e das Minas e Energia, cujo escolhido para comandar a pasta seria Aureliano

Chaves, vice-presidente durante o governo Figueiredo.

A vitória da chapa Tancredo-Sarney no Colégio Eleitoral se deu por ampla margem

de votos — 480 votos dados aos oposicionistas contra 180 dados aos governistas —, e o

processo de transição parecia avançar sem maiores dificuldades. Contudo, os problemas de

saúde do presidente eleito e sua posterior morte, antes mesmo de tomar posse no cargo, por

pouco não prejudicaram a redemocratização do país. Apesar do impasse institucional em

torno de quem deveria assumir a Presidência — se o presidente da Câmara dos Deputados,

Ulysses Guimarães, ou o vice-presidente eleito, José Sarney —, coube a este último o dever

de dar prosseguimento à transição democrática, comandando um país em grave crise

política, econômica e social.

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De fato, a posse de um civil na Presidência da República significava um profundo

avanço na redemocratização do país. Era o que esperavam os setores da sociedade

ignorados durante toda a Ditadura Militar, desejosos não só de liberdade política, mas de

um comportamento diferenciado do novo governo no tratamento dos graves problemas

socioeconômicos brasileiros. À exceção aparentavam estar os setores beneficiados pelos

governos militares, cuja atuação nos campos político e econômico favorecia, apenas, alguns

estratos sociais. No entanto, devido ao modelo de transição negociada e à presença de um

político bastante próximo do regime militar no comando do país, o que se viu foi a

transformação da democracia em uma “unanimidade nacional”, beneficiando,

sobremaneira, os que haviam deixado o poder. Sobre isso, afirma Bresser-Pereira (1989, p.

92):

A redemocratização foi assim o resultado de um grande pacto político que uniu praticamente todos os setores modernos da sociedade civil brasileira. Empresários industriais, classes médias intelectualizadas e trabalhadores organizados foram seus principais atores. Excluídos do pacto foram apenas a burguesia mercantil e os setores da tecnoburocracia civil e militar mais comprometidos com o regime autoritário. Essa exclusão, entretanto, foi relativa, porque o novo regime revelou-se aberto, se não indefeso, à adesão dos derrotados. Ora, dado o alto grau de oportunismo prevalecente nesses setores da sociedade, que têm na dependência do Estado sua principal característica, a adesão foi maciça. De repente a democracia se transformou em uma unanimidade nacional.

Foi durante a Ditadura Militar que o novo presidente, José Sarney, um político

conservador, desconhecido da grande maioria dos brasileiros, conquistou poder e

influência. Sua carreira fora construída a partir de passagens como deputado federal,

governador e senador pelo estado do Maranhão, postos em que se manteve, na maioria das

vezes, alinhado aos governos que se sucediam. Desta forma, aliado de primeira hora dos

militares, tornou-se um importante articulador político da Ditadura no Congresso Nacional,

fato que o levou a ocupar a presidência da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e,

posteriormente, também a do PDS. Sua opção de migrar para a oposição não implicava,

portanto, divergências ideológicas e programáticas com a situação, mas em insatisfação

com a perda de poder no processo de escolha do candidato governista à Presidência da

República. Por isso, sua ascensão ao poder, em razão da impossibilidade de Tancredo tomar

posse, significava a permanência no centro das decisões de boa parte dos aliados do

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Regime e uma incógnita sobre a adoção de uma agenda governamental de cunho

transformador.

Para tanto, o novo presidente deveria seguir as diretrizes preconizadas pelo

Compromisso com a Nação — do qual foi um dos signatários ao lado dos outros próceres

da Aliança Democrática —, cujo intuito era o de afirmar bandeiras de uma futura ação

governamental. O documento, elaborado antes das eleições indiretas, pregava em seu

conteúdo um tom de conciliação a ser adotado na relação entre Estado e sociedade, e

estabelecia as prioridades da Nova República: a reorganização institucional do país e o

combate à miséria. Em função disso, a nova administração deveria instituir uma agenda que

permitisse o restabelecimento de eleições diretas; a convocação de uma Constituinte; a

reformulação da legislação eleitoral; o combate à inflação; a renegociação da dívida

externa; a revisão da política salarial; a reestruturação da previdência social; o combate ao

desemprego; a reforma tributária; o fortalecimento do sistema federativo; a reforma agrária;

o estabelecimento de medidas desburocratizantes e descentralizadoras; a defesa do meio

ambiente; além de investimentos na área educacional de modo a garantir oportunidades

para todos (CHAVES et al, 1984).

Cumprir essas diretrizes significava um grande desafio ao governo, pois os militares

entregaram o poder com um país em colapso. Politicamente, o modelo autoritário tornara-se

insustentável, tornando necessária a reformulação das instituições de modo a atender aos

pressupostos democráticos, o que exigia a congregação de forças heterogêneas,

desacostumadas à liberdade e sedentas de participação no exercício do poder. Na área

social, a Ditadura não interveio de modo a solucionar problemas estruturais, preservando

um cenário de grande injustiça e desigualdade, agravado pelo aumento da fome e da

miséria. Direitos sociais foram ignorados, os serviços públicos permaneceram de péssima

qualidade e as políticas formuladas tinham nítido caráter assistencialista e clientelista, o que

evidenciava a preocupação dos governos militares em garantir apoio político e fortalecer o

poder das classes dirigentes com a manutenção do status quo. No campo econômico, o

“milagre brasileiro” surtira efeitos no mínimo controversos. O país cresceu, de fato,

chegando a ocupar lugar entre as dez maiores economias do mundo. Contudo, ao não

vincular as políticas econômica e social e alterar significativamente o seu modelo de

produção, o Brasil apelou continuamente ao financiamento externo e, após as crises

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mundiais ocorridas no final dos anos 1970 e no início da década de 1980, viu problemas

como desemprego, inflação, alto endividamento e desorganização das finanças públicas

imporem fim ao “milagre”. Era, portanto, necessária uma rápida e efetiva intervenção do

Estado no combate a essas mazelas.

A preocupação inicial do presidente Sarney foi de manter os compromissos

firmados pela Aliança Democrática. Para tanto, ele manteve o ministério escolhido por

Tancredo Neves e deu continuidade ao processo de abertura política, aprovando a emenda

constitucional que previa o restabelecimento de eleições diretas para presidente, governador

e prefeito,a extensão do direito ao voto aos analfabetos, e a legalização dos partidos

comunistas. Afora essas medidas, lançou iniciativas governamentais de relevo como o

Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República e o Plano Cruzado— o

primeiro ato de uma sucessão de fracassos na área econômica — e comprometeu-se, ao

convocar a Assembleia Nacional Constituinte, com a elaboração de uma nova Constituição,

o que se configuraria como a principal realização ocorrida em seu mandato.

O Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República foi criado

através da Lei n.7486 de 1986 com o intuito de reafirmar as diretrizes do Compromisso com

a Nação e delimitar a atuação do governo no combate aos problemas estruturais do país

durante o período 1986-1989. Consequentemente, estabelecia objetivos e metas específicas

para ações em diferentes setores, de modo a afirmar um modelo de desenvolvimento

pautado no crescimento econômico com orientação social, que tornava necessária uma

profunda revisão do papel de intervenção estatal.

Dentre as intervenções previstas pelo Plano, destacavam-se a reforma

administrativa, cujo propósito era o de dinamizar e desburocratizar as ações estatais, além

de equilibrar os gastos públicos; a reestruturação financeira e orçamentária; a redução dos

juros para a retomada do investimento da iniciativa privada; a revisão do sistema tributário;

a renegociação da dívida externa, de modo a reduzir o envio de recursos brasileiros para o

exterior e aumentar a capacidade de investimento estatal; a garantia de direitos sociais,

através da implementação de programas adequados às lógicas de descentralização,

desburocratização e democratização; a conferência de maior autonomia à atuação dos

municípios no provimento de serviços públicos; a geração de empregos a partir de ações

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governamentais de incentivo aos setores produtivos; entre outras medidas (Cf. BRASIL,

1986).

Contudo, a fragilidade política do governo Sarney — consequência do imobilismo

presidencial,de seu apelo ao fisiologismo e das constantes divergências com o PMDB,

maior partido do país à época, e com os setores progressistas —, combinada à grave crise

econômica, fez com que muitas dessas ações nem sequer saíssem do papel.

O Plano Cruzado, por sua vez, significou a primeira grande intervenção

governamental no combate à crise econômica vigente, visto que durante todo o primeiro

ano de mandato não foram apresentadas à sociedade as bases de uma política de médio e

longo prazo. Por conseguinte, elementos como a alta inflação, a eclosão de um sem-número

de greves e a insatisfação popular agravaram ainda mais a crise e obrigaram o governo a

agir. Nomeou-se Dilson Funaro, economista e empresário paulista, no lugar de Francisco

Dornelles, ministro da Fazenda nomeado por Tancredo Neves. A alteração no comando da

equipe econômica levou ao poder um conjunto de intelectuais progressistas, responsável

por elaborar um plano composto de medidas como a correção de salários pelo poder de

compra; a instituição de abonos salariais; o congelamento e o tabelamento de preços; a

fixação do câmbio durante meses; a livre definição das taxas de juros; o incentivo às

importações e o desestímulo às exportações; a instituição do seguro-desemprego; a

diminuição da retenção do imposto de renda na fonte e o início de um programa de

privatizações com vistas a auxiliar no equilíbrio das contas governamentais (Cf.

AVERBUG, 2005; BRESSER-PEREIRA, 1989).

Os resultados positivos do Plano Cruzado logo foram observados na etapa inicial de

sua implementação, o que possibilitou o amplo sucesso eleitoral da coalizão PMDB-PFL

nas eleições, ocorridas em 1986, para os governos estaduais, assembleias legislativas e o

Congresso Nacional.

Todavia, o plano começou a sucumbir devido ao caráter populista de suas ações,

agravado pela ausência de políticas de longo prazo. O governo, sem mecanismos eficientes

de controle das medidas impostas pelo seu plano econômico e com capacidade insuficiente

de investimento em razão do alto endividamento e dos altos gastos, assistiu o

superaquecimento da economia, o estrangulamento de determinados setores industriais e a

volta da inflação. Era, portanto, necessário que ocorresse uma reformulação do Cruzado,

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opção adotada pelo aparelho governamental, através da implementação de ações que

afirmavam a necessidade de controlar o déficit público com base no aumento de tarifas e

impostos.

Para tanto, os preços de produtos e serviços foram liberados, reindexou-se a

economia, alterou-se o cálculo da inflação e declarou-se a moratória da dívida externa. No

entanto, mais uma vez o governo fracassou no combate à crise econômica e o ministro

Funaro acabou demitido, dando lugar a Luís Carlos Bresser-Pereira.

O novo ministro encontrou o país novamente em colapso e inaugurou sua gestão

com o lançamento de um novo plano econômico, que ficaria conhecido como Plano

Bresser. Novamente, salários e preços foram congelados — desta vez pelo período de três

meses —; desafixou-se e descongelou-se o câmbio, e a taxa de juros foi mantida. Também

foram propostas novas diretrizes para o tratamento da questão da dívida externa e uma

reforma tributária, que acabou sendo rejeitada pelo presidente Sarney (Cf. BRESSER-

PEREIRA, 1989). As novas medidas acabaram não obtendo resultados expressivos, visto

que a inflação continuava alta e a sociedade permanecia insatisfeita com o baixo poder de

consumo, as perdas salariais, a queda da produção industrial e a permanente incapacidade

do governo de investir na solução de problemas estruturais tanto na área econômica como

no campo social. Consequentemente, após pouco mais de sete meses à frente da pasta da

Fazenda, Bresser-Pereira foi substituído por Maílson da Nobrega, quarto — e último —

comandante da área econômica da administração Sarney.

A gestão Maílson da Nobrega à frente do Ministério da Fazenda teve como objetivo

primordial intervir na economia sem a aplicação de medidas radicais tais como

congelamento de preços, salários e contratos. Em razão disso, o novo ministro concentrou

esforços na redução dos gastos públicos e no restabelecimento do diálogo com a

comunidade financeira internacional. No entanto, o modelo de gestão ainda se mostrava

inapropriado ao combate à inflação, tornando necessário o estabelecimento de uma ação

mais incisiva no campo econômico, fato que acabou ocorrendo com a criação de um novo

plano, o Verão.

O Plano Verão previa ações como a extinção de órgãos públicos; a privatização de

empresas estatais; a demissão de funcionários; a redução de subsídios; a fixação de uma

alta taxa de juros; um novo congelamento de preços, salários e câmbio, e a criação de uma

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nova moeda — o Cruzado Novo—, a partir da supressão de três zeros do Cruzado (Cf.

MORAES, 1989; CORAZZA, 1989).

Porém, o Congresso Nacional, antevendo as eleições presidenciais de 1989 e

temendo novos desgastes — visto que o governo àquela altura se encontrava desacreditado,

com altos índices de desaprovação popular —, rejeitou boa parte das medidas propostas

pelo Plano, tornando-o mais um fracasso governamental na área econômica.

Em meio à sucessão de planos econômicos fracassados, a administração Sarney

esforçou-se em atuar no campo social ao tentar formular políticas de grande relevo,

destinadas, sobretudo a combater as desigualdades regionais.25Conceberam-se iniciativas

ambiciosas, destinadas a diferentes áreas (saúde, alimentação e nutrição, previdência e

assistência social, habitação, saneamento, transporte urbano e reforma agrária), que

sucumbiram diante da ausência de mecanismos de financiamento, planejamentos bem

definidos e vontade política suficiente para romper com as práticas clientelistas e

assistencialistas. Mesmo assim, surgiram ações valorosas, mas insuficientes para alterar o

quadro de profunda desigualdade social e péssima prestação de serviços. Dentre elas

destacam-se as criações do seguro-desemprego; do vale-transporte; do SUDS (Sistema

Unificado e Descentralizado de Saúde),embrião do futuro SUS (Sistema Único de Saúde);

do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; do Programa Nacional do Leite,

reconhecido como referência pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e a reformulação

da Lei Orgânica da Previdência Social.

Entretanto, a grande realização do governo na área social acabou sendo a

promulgação da Constituição Federal em 1988, após o presidente José Sarney ter se

comprometido, logo no primeiro ano de mandato, com uma das principais bandeiras da

Aliança Democrática: a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC).

Desta forma, em 1986, o compromisso de Tancredo Neves com os militares e os setores

conservadores foi reafirmado com a eleição de deputados e senadores, que se incumbiriam

de atuar cumulativamente como congressistas e constituintes, fato que incomodava

profundamente os movimentos sociais, desejosos da eleição de representantes destinados a

Ϯϱ O combate às desigualdades regionais se deu a partir da opção governamental de multiplicar o volume de

recursos destinado às regiões Norte e Nordeste e fortalecer órgãos como a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste).

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trabalhar exclusivamente em torno da nova Constituição. Sobre isso, afirma Souza (2001, p.

517):

Na fase inicial, vários foram os fatores de conflito. A convocação de uma ANC não exclusiva gerou a primeira ruptura entre progressistas e conservadores. Ao assumir o compromisso de que a ANC não seria exclusiva, que foi cumprido por Sarney, Tancredo acalmou os receios dos militares e dos líderes do PFL contra um possível radicalismo de uma Constituinte exclusiva e soberana. O fato de não ser exclusiva também permitiu a participação de 23 senadores “biônicos”, nomeados durante o regime militar.

Esse caráter conservador da Assembleia Nacional Constituinte foi fortalecido pelos

resultados eleitorais expressivos da coalizão governamental. As duas maiores bancadas

pertenciam ao PMDB e ao PFL, partidos que compunham a Aliança Democrática e

receberam grande número de parlamentares recém-saídos do PDS, a antiga força política

responsável pela sustentação da Ditadura Militar, cujo poderio eleitoral havia sido

enfraquecido pela transição para a democracia mas era forte o suficiente para eleger a

terceira maior bancada constituinte. Havia ainda a presença atuante dos setores

progressistas do PMDB e de partidos de esquerda como o PT (Partido dos Trabalhadores),

o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o PCB

(Partido Comunista Brasileiro) e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que garantiram,

além do pluralismo e do enriquecimento dos debates, a aprovação de propostas de cunho

transformador (Cf. SOUZA, 2001).

Os trabalhos constituintes duraram pouco mais de um ano e envolveram temas

polêmicos e conflituosos como a definição do sistema de governo; a reforma agrária; a

reforma tributária; o período de mandato presidencial e o estabelecimento de direitos civis,

políticos e sociais. Apesar da presença conservadora, notadamente observada na atuação do

Centrão — coalizão parlamentar formada majoritariamente por políticos de direita, cujo

intento era, além de atender às demandas do governo Sarney, conciliar interesses

conservadores e progressistas na redação final do texto constitucional (Cf. FREITAS,

MOURA e MEDEIROS, 2009) —, a assembleia elaborou uma Constituição mais próxima

às teses progressistas, ao afirmar princípios democráticos como o respeito ao

pluripartidarismo, a restituição de sindicatos e a liberdade de imprensa, e ao consagrar

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direitos referentes ao trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade

e à infância, assistência aos desamparados, moradia, alimentação e educação (Cf. BRASIL,

1988), contrariando o receituário neoliberal e obrigando o Estado a desenvolver um novo

tipo de atuação, mais próximo da lógica do Welfare State.

No entanto, ainda não se poderia afirmar que os graves problemas sociais brasileiros

seriam solucionados a partir do novo texto constitucional. Sobre isso, afirma Almeida

(1989, p. 25):

Seu impacto no sentido de transformar o quadro social anteriormente descrito é questão bem mais complexa. Antes de tudo porque, como é óbvio, o combate às desigualdades abissais, que caracterizam a sociedade brasileira, depende tanto ou mais da recuperação do dinamismo da economia do que das instituições e políticas ditas sociais. Até mesmo uma parte dos direitos constitucionalmente assegurados tem sua viabilidade subordinada à recuperação da capacidade de dispêndio — e administrativa — de um Estado intervencionista, que a crise econômica tornou ineficaz e impotente.

No tocante à questão educacional, o texto constitucional, em seu artigo 205, a

compreende como um importante instrumento para o desenvolvimento do país (Cf. PINTO

FERREIRA, 1995 apud VIEIRA, 2001), fato que provocou a definição de um novo

conjunto de atribuições para o Estado, de modo a torná-lo garantidor da efetivação do

direito de todos à educação, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Sobre

a importância do artigo 205 para a consagração desse novo direito, afirma Duarte (2007, p.

698):

A Constituição Federal, em seu artigo 205, reconhece, explicitamente, a educação como um direito de todos, consagrando, assim, a sua universalidade. Trata-se de direitos que devem ser prestados sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (cf. art. 3º, IV da CF/88). Contudo, não obstante o reconhecimento expresso da universalidade dessa categoria de direitos, a sua implementação demanda a escolha de alvos prioritários, ou seja, grupos de pessoas que se encontram em uma mesma posição de carência ou vulnerabilidade. Isso porque o objetivo dos direitos sociais é corrigir desigualdades próprias das sociedades de classe, aproximando grupos ou categorias marginalizadas.

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Dentre as novas atribuições estatais estavam previstas a garantia de oferta de Ensino

Fundamental, gratuito e obrigatório aos indivíduos em idade própria e extensivo, sob as

mesmas condições, àqueles que não o cursaram; o atendimento mediante a elaboração de

programas de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde ao escolar,

neste nível de ensino; a obrigatoriedade do Ensino Médio e a gratuidade de seu

oferecimento nos estabelecimentos públicos de ensino; a instituição do atendimento

educacional especializado (AEE) às pessoas com deficiência, a ser oferecido

preferencialmente26 no sistema educacional comum — o que fortalecia, mais uma vez, a

integração em detrimento da inclusão; a delimitação da atuação da educação infantil a partir

do estabelecimento da faixa etária, de 0 a 6 anos de idade, do público frequentador de

creches e pré-escolas; a oferta de ensino noturno; e o acesso aos mais elevados níveis de

ensino de acordo com a capacidade de cada indivíduo (Cf. BRASIL, 1988).

A nova Constituição também dispôs sobre os princípios que deveriam reger o

sistema educacional, afirmando a qualidade; a gestão democrática de ensino; a pluralidade

de ideias e concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação; a

gratuidade da prestação de serviços dos estabelecimentos públicos de ensino; a “liberdade

de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e a “igualdade

de condições de acesso e permanência na escola”, fator determinante para a futura difusão

da perspectiva inclusiva (BRASIL, 1988).

Afora as novas atribuições estatais e os princípios incorporados pelo texto

constitucional, havia a preocupação com a implementação de tais medidas através da

formulação de políticas públicas. Para tanto, os constituintes estabeleceram a organização

da educação brasileira, que seria dividida em diferentes níveis de ensino e modalidades; 27

as bases do regime de colaboração 28 — para com o sistema; os mecanismos de

Ϯϲ O atendimento educacional especializado não deveria ocorrerpreferencialmente no sistema educacional comum, e simnecessariamente. O trabalho de Meiriene Cavalcante Barbosa (2012) aprofunda a discussão sobre essa questão, analisando-a sob a perspectiva da educação inclusiva. Ϯϳ Os constituintes também afirmaram a possibilidade de a iniciativa privada ofertar o ensino, em diferentes níveis, e receber recursos públicos. Neste caso, os recursos seriam destinados às escolas comunitárias, filantrópicas ou confessionais — desde que não tivessem finalidade lucrativa —; às bolsas de estudo quando não houvesse vagas no sistema público de ensino e às atividades de pesquisa e extensão realizadas por instituições de ensino superior (Cf. BRASIL, 1988). Ϯϴ Em conformidade com o texto original da Constituição Federal, no artigo 211, é definido o regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O regime funcionaria da seguinte forma: à União caberia o papel de organizar e financiar o sistema federal de ensino, prestando assistência técnica e

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financiamento das ações educacionais e, finalmente, a necessidade de elaboração de um

plano nacional de educação, fundamental para o efetivo combate a problemas estruturais do

setor como o analfabetismo, a péssima qualidade dos serviços e a exclusão de grandes

parcelas da sociedade.

A educação também constava em todos os outros documentos norteadores das ações

governamentais — Compromisso com a Nação, Primeiro Plano Nacional de

Desenvolvimento da Nova República,Programa de Ação Governamental 1987-199129 e

Plano Educação para Todos —, elencada como uma prioridade na agenda estatal, pois se

tratava de uma área considerada estratégica para a promoção do crescimento econômico e o

combate à desigualdade social.

Em função disso, o governo Sarney comprometeu-se com a universalização da

educação básica e a promoção de condições de acesso e permanência no sistema escolar

público. Tratava-se de um compromisso ousado, mas necessário, visto que, à época, o país

apresentava altas taxas de analfabetismo — aproximadamente 21% da população não sabia

ler e escrever (Cf. SARNEY, 1989) —, evasão escolar e nem sequer se garantia a todos o

acesso à escolarização básica.

Esses não eram os únicos problemas que compunham um cenário educacional

catastrófico. A Ditadura esvaziara ainda mais uma área historicamente compreendida —

apenas na teoria — como prioridade governamental, visto que na prática o que ocorria era a

contínua priorização do desenvolvimento econômico em detrimento da construção de um

sistema educacional comum de qualidade. Desta forma, em nome do “milagre econômico”

e da manutenção do poder à base do autoritarismo, os governos militares intervieram

diretamente no enfraquecimento dos programas de formação docente; tornaram os

currículos escolares cada vez mais acríticos; pouco investiram na expansão do sistema

escolar; perseguiram a intelectualidade e os estudantes; insistiram na despolitização dos

cursos de graduação e pós-graduação e pautaram seus programas em ações assistencialistas,

clientelistas e excludentes. Os resultados não poderiam ser piores, cabendo à Nova

financeira aos demais entes da Federação. Aos municípios caberia a função deatuar prioritariamente no oferecimento do Ensino Fundamental e da educação infantil (Cf. BRASIL, 1988). Ϯϵ O Programa de Ação Governamental 1987-1991 foi o plano de governo elaborado pós-plano Cruzado. Nele, o governo Sarney reafirmava parte dos compromissos estabelecidos pelo Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, como a geração de empregos, o investimento em infraestrutura, e a opção pela formulação de políticas sociais voltadas à diminuição das desigualdades regionais.

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República o dever de transformar radicalmente o cenário e, finalmente, garantir o direito de

todos à educação.

A primeira grande intervenção do governo Sarney no setor se deu a partir da

formulação do Plano Educação para Todos, documento responsável pelo diagnóstico do

setor e pelo estabelecimento de diretrizes para a ação do ministério durante o período de

mandato do referido presidente. O Plano reconhecia as mazelas do cenário educacional

(sem no entanto determinar ações em favor da inclusão de pessoas com deficiência no

sistema educacional comum) e propunha, dentre outras medidas, uma articulação mais

profícua entre Estado e sociedade, envolvendo a estimulação da consciência nacional

acerca da importância da educação, e a melhoria da produtividade na educação básica a

partir da revisão dos mecanismos de financiamento; da valorização da profissão docente; da

construção e reforma de prédios escolares; do apoio à EAD (Educação à Distância); do

aumento da participação da comunidade escolar no processo educacional; da readequação

das propostas político-pedagógicas; do acompanhamento contínuo do alunado e do

aumento da jornada escolar (Cf. BRASIL, 1985).

Para viabilizar o Plano, o governo Sarney pautou sua atuação na lógica da

descentralização, já difundida nos outros setores da administração. Era necessário, portanto,

alterar os mecanismos de gestão do Ministério da Educação de modo a conferir dinamismo

e racionalização aos programas implementados. Para tanto, a gestão empreendeu uma

ampla reforma administrativa da pasta — extinguindo uma série de órgãos, com o objetivo

de reduzir custos, ampliar a capacidade de investimento e desburocratizar as ações —,

revisou o modelo de financiamento e fortaleceu a parceria com estados e municípios,

conferindo-lhes maior autonomia e participação nas decisões sobre os rumos do sistema.

Sobre isso, afirma a Mensagem Presidencial de 1990, último ano do governo Sarney:

A questão educacional ganha, hoje, novos contornos à luz dos princípios da Constituição de 1988, que apontam para a desconcentração do poder, para a descentralização das decisões, para o fortalecimento da federação devendo, assim, as esferas do Poder Público atuar de forma concorrente, articulada e cooperativa em matéria de educação e de ensino, compondo um corpo orgânico e funcional que possa garantir o acesso de todos aos serviços educacionais (SARNEY, 1990, p. 121).

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Em razão desta alteração no modelo de gestão das políticas educacionais, foram

reestruturados os programas responsáveis pela distribuição de livros didáticos, alimentação

e material escolar, que aos poucos deveriam se adaptar à lógica da descentralização, mas

permaneceram implementados em consonância com os preceitos assistencialistas e

clientelistas. Outras iniciativas surgiriam —por exemplo, os programas criados em caráter

especial para promover rápidas intervenções em questões complexas como a construção de

salas de aula e a promoção de saúde do escolar. No entanto, mesmo sob princípios

descentralizadores, as ações acabaram tendo pequeno alcance devido à escassez de recursos

para implementação. Somente o Programa Educação e Trabalho obteve relativo sucesso,

pois o governo esforçou-se em construir e reformar dezenas de escolas técnicas, reforçando

sua posição de investir na capacitação da população para a ocupação de empregos estáveis

(Cf. SARNEY, 1989), fato que reavivaria o combate à desigualdade social.

Houve também a preocupação da administração com a estruturação de políticas

voltadas aos diferentes níveis de ensino, ao se lançar a Proposta de Política para a

Educação de Segundo Grau e fomentar discussões sobre a reformulação do Ensino

Superior,30 que resultariam na elaboração dos programas Nova Universidade, Integrado de

Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Ensino Superior (PIDES) e de Apoio à

Melhoria do Ensino Superior (PAMES). O primeiro reforçava a necessidade de

democratização do Ensino Médio e denunciava os obstáculos à sua expansão impostos por

uma política privatizadora estabelecida desde o início da Ditadura Militar (Cf. AGUILAR,

2010). Os demais explicitavam a preocupação do governo em estabelecer um novo modelo

de atuação na educação superior, ao institucionalizar mecanismos de avaliação do

desenvolvimento do sistema e aumentar o volume de recursos destinado às instituições de

Ensino Superior, visando à recuperação física destas e melhores salários para seus

funcionários. Entretanto, mais uma vez as iniciativas fracassaram em decorrência da falta

de recursos e da descontinuidade das ações da administração Sarney.

ϯϬA reformulação do ensino superior foi proposta pelo governo a partir da criação da Comissão Nacional de

Reformulação da Educação Superior, que, posteriormente, daria origem ao GERES (Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior), órgão responsável por elaborar um anteprojeto de lei referente às instituições federais de ensino, deixando de lado as estaduais, municipais e particulares (Cf. AGUILAR, 2010).

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A Educação à Distância também foi estimulada devido ao seu baixo custo e à

possibilidade de rápida difusão. Neste sentido, o Ministério da Educação fomentou a

Televisão Educativa com o objetivo de ofertar conteúdo para a formação dos diversos

públicos-alvo da área. Contudo, a iniciativa não se equiparava, em qualidade, ao processo

de ensino-aprendizagem presencial, e havia a dificuldade em promover sua expansão em

razão da limitação dos recursos governamentais e do desconhecimento, por parte dos

indivíduos, do melhor uso dessas novas ferramentas pedagógicas.

No âmbito da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e

Adultos, o governo Sarney atuou mediante a formulação de parcerias com estados e

municípios que previam a cooperação técnica e financeira da administração federal para a

construção de unidades escolares, treinamento de docentes, distribuição de materiais

pedagógicos e ampliação da oferta de vagas. Esta opção refletia não somente a presença da

descentralização, mas também a posição do governo de privilegiar ações regionais, de

forma a alcançar as localidades mais pobres e necessitadas da intervenção de políticas

públicas.

Todavia, o que se viu, na prática, foi apenas a transferência de responsabilidades da

União, sobre a questão educacional, para a iniciativa privada — via concessão de bolsas de

estudo nos diferentes níveis de ensino e repasse de recursos às instituições particulares de

ensino — e os entes federativos, sem que o governo federal sequer garantisse, em muitos

casos, o repasse de recursos para a implementação dos diferentes programas ou mesmo a

supervisão técnica destes.

Além desses problemas, os aliados continuavam beneficiados na elaboração de

convênios e parcerias com a União em nome de proveitos político-eleitorais — fato que

caracterizava o desprezo ao planejamento e à racionalização das ações governamentais no

âmbito educacional31—; os conceitos presentes na política educacional e nos respectivos

programas permaneciam os mesmos de outrora, ainda inadaptados à realidade democrática;

os meandros da burocracia e da corrupção provocavam a constante perda de recursos

financeiros; e os defensores da privatização encontravam amplos espaços para atuar em

ϯϭ Um exemplo da atuação de Sarney em benefício dos aliados se deu no campo da educação profissional. O Maranhão, estado onde o presidente nasceu e construiu carreira política, recebeu quatro escolas agrotécnicas, enquanto São Paulo, o estado mais industrializado do país, recebeu apenas uma dessas escolas, numa clara demonstração da falta de planejamento e racionalização das ações governamentais (Cf. AGUILAR, 2010).

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favor desta perspectiva. Não havia, portanto, condições para que o cenário fosse

efetivamente transformado.

Na esteira desses problemas estava a constante troca de ministros promovida pelo

governo para atender os interesses dos aliados. A pasta da Educação era considerada

estratégica — como é até hoje — para ambições eleitorais, devido ao orçamento volumoso

e o alcance de suas ações. Em função disso, a presença de políticos de carreira como

titulares do ministério (em vez de quadros técnicos) é mais frequente historicamente. O

presidente José Sarney não aproveitou o momento de mudança e manteve essa prática ao

nomear, durante o seu mandato, quatro ministros titulares — Marco Maciel, Jorge

Bornhausen, Hugo Napoleão e Carlos Sant’Anna — conhecidos por ocuparem diferentes

cargos públicos e por estarem vinculados à Ditadura Militar.32

Desse modo, apesar de reconhecer os problemas estruturais do cenário educacional

brasileiro, o governo José Sarney acabou por não combatê-los diretamente.

Descontinuidade, ineficiência, escassez de recursos, apelo constante ao clientelismo e ao

assistencialismo e, sobretudo, a ausência de um grande projeto educacional foram alguns

dos fatores que contribuíram para o fracasso governamental no setor. Por consequência,

mais uma oportunidade histórica foi perdida, visto que o país se encontrava em processo de

redemocratização e elaboração de uma nova Constituição, fatos responsáveis por ampliar

não só o interesse, mas a participação da sociedade na discussão de um novo projeto de

nação, que necessariamente envolvia a radical transformação da educação brasileira.

3.2. A Educação Especial no governo José Sarney

O cenário político-econômico,permeado por dificuldades de diferentes naturezas, acabou

prejudicando a atuação da administração Sarney em favor da inclusão das pessoas com

deficiência no sistema educacional comum. Ao optar pela aliança com os setores

conservadores e não conseguir viabilizar os investimentos na área social, o governo focou

sua atuação no campo da Educação Especial, em favor da integração, incentivando as

ϯϮ A passagem de Aloísio Guimarães Sotero, então secretário-geral do ministério, não foi considerada, pois se deu em caráter interino, por apenas trinta dias — de 6 a 30 de outubro de 1987.

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instituições que ofereciam esse tipo de serviço — muitas das quais eram privadas e

apoiadas pela classe política — e garantindo a manutenção do modelo de atuação estatal

vigente até então. Desta forma, ignoravam-se os apelos dos movimentos sociais pró-

inclusão, que vinham se articulando desde o início da década de 1980(por ocasião do Ano

Internacional da Pessoa Deficiente) e as recém-instituídas disposições constitucionais —

cujo conteúdo determinava não só a educação como um direito de todos, dever do Estado e

da família, mas a necessidade de se assegurar a igualdade de condições para o acesso e a

permanência de todo o alunado na rede escolar.

Mais uma vez, só fariam parte do sistema educacional comum os indivíduos

considerados “capazes” de se integrar ao mainstream. Sobre a integração, afirma Mantoan

(2004, p. 40):

Nas situações de integração escolar, nem todos os alunos com deficiência cabem nas turmas de ensino regular, pois há uma seleção prévia dos que estão aptos à inserção. Para esses casos, são indicados: individualização dos programas escolares, currículos adaptados, avaliações especiais, redução dos objetivos educacionais para compensar as dificuldades de aprender. Em uma palavra, a escola não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências.

Logo no início do mandato, devido à reforma administrativa realizada no MEC, foi

criada a Secretaria Nacional de Educação Especial em substituição ao Centro Nacional de

Educação Especial (CENESP). O novo órgão, vinculado à administração direta, seria o

novo responsável pela formulação e implementação de políticas educacionais cujo público-

alvo era o conjunto de pessoas de pessoas com deficiência. Sua atuação deveria atender ao

objetivo do governo federal de expandir a prestação de serviços educacionais a esses

indivíduos em diferentes regiões do país, alcançando as populações do meio rural e da

periferia urbana (Cf. SARNEY, 1989).

As ações estatais ainda eram fundamentadas no conceito de integração ou de

“inclusão parcial”, devido sobretudo às marcas da atuação da Organização das Nações

Unidas — que seriam vistas frequentemente nos anos 1990 — na condução das políticas

educacionais dos países em desenvolvimento. À época, o governo Sarney acabou por

consentir com o ideário integracionista, difundido pela ONU na Declaração dos Direitos

das Pessoas Deficientes, de 1975, e nos lançamentos do Ano Internacional das Pessoas

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Deficientes, em 1981, e do Programa Mundial de Ação referente às Pessoas com

Deficiência, no ano seguinte. Resulta daí a elaboração do Plano Nacional de Ação Conjunta

para Integração da Pessoa Deficiente, em 1986, que, além de realizar um diagnóstico da

situação da pessoa com deficiência, objetivava a “ampliação das atividades de prevenção e

de atendimento e a efetiva integração social das pessoas portadoras de deficiências” (Cf.

BRASIL, 1987 apud MAZZOTTA, 2001, p. 107) mediante a implantação de quatro

programas de ação voltados à conscientização, à prevenção da deficiência, o atendimento e

a inserção do público-alvo no mercado de trabalho.

A iniciativa do Plano acabou não indo adiante e o governo, fiel a uma antiga

portaria do CENESP, de número 69, que “definia normas para a prestação de apoio

técnico e/ou financeiro à Educação Especial nos sistemas de ensino público e particular”

(MAZZOTTA, 2001, p. 75), optou por dar continuidade à criação de programas de

cooperação técnica e financeira às instituições de Educação Especial. Por conseguinte, o

MEC auxiliou a construção e a equipagem de salas de aula; ofertou material escolar;

elaborou recursos tecnológicos; e, com o apoio da UNICEF, desenvolveu ações

combinadas entre os setores de educação e saúde para a profissionalização das pessoas com

deficiência.

Afirmava-se, com esse conjunto de ações, um conceito de inclusão deveras

deturpado, já que essas instituições se caracterizavam pela prestação de serviços segregados

do sistema educacional comum. A administração Sarney trabalhou, portanto, fundamentada

em uma compreensão de escola inclusiva totalmente equivocada. Sobre isso, afirma

Mantoan (2002, p. 17):

Essa compreensão equivocada da escola inclusiva acaba instalando cada criança em um lócus escolar, arbitrariamente escolhido. Aumenta ainda mais as diferenças, acentua as desigualdades, justificando o distanciamento e o fracasso escolar como problema do aluno,exclusivamente. Tal organização escolar também pode impedir o funcionamento ativo dos alunos frente a situações-problema, pois os grupos de alunos de nível mais elevado têm oportunidade de ir mais longe e os de nível mais baixo de funcionar com menos eficiência.

No entanto, os recursos técnicos e financeiros do Ministério não eram transferidos

somente a estados e municípios, mas também a instituições privadas de Educação Especial,

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cujas atuações consideravam, muitas vezes, a adoção de medidas médico-assistencialistas

em detrimento da necessária oferta de serviços educativos. Permanecia, portanto, a perigosa

linha privatizante de atuação das gestões militares,33 o que caracterizava não somente a

renúncia do Estado a uma importante função, mas também o fortalecimento de uma política

assistencialista e clientelista, defendida pelos setores conservadores, beneficiários diretos

desta relação promíscua entre o público e o privado e da consequente manutenção da ordem

social via exclusão.

A gestão Sarney, próxima do seu término, também atuou no campo legal,

instituindo a Lei n.7.853 de 24 de outubro de 1989, cujas disposições estabeleciam, além do

reconhecimento ao pleno exercício de direitos individuais e sociais das pessoas com

deficiência, a criação da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência (CORDE) — um órgão autônomo na estrutura da Presidência da República,

com a tarefa de “coordenar as ações governamentais e medidas que se refiram às pessoas

portadoras de deficiência” (Cf. BRASIL, 1989) —, a definição de crimes, a determinação

das formas de atuação do Ministério Público e as novas atribuições da administração direta

e indireta nas áreas de educação, saúde e recursos humanos.

A nova legislação impunha ao poder público o dever de assegurar os direitos à

educação, ao trabalho, à previdência social, à saúde e ao amparo à infância e à maternidade,

reafirmando conquistas constitucionais. Na área da saúde, o Estado se incumbiria de

promover ações referentes ao planejamento familiar; ao acompanhamento de gravidez em

todas as suas etapas; ao desenvolvimento de programas de prevenção de acidentes de

trabalho; à criação de serviços de habilitação e reabilitação; à garantia de acesso aos

serviços de saúde públicos e privados, de tratamento adequado e de oferta de programas de

saúde voltados especificamente às pessoas com deficiência. No tocante ao trabalho, por sua

vez, a lei estabelecia como diretriz o dever do aparelho estatal de ofertar formação e gerar

empregos, além de estimular a criação de uma legislação específica com vistas a disciplinar

a reserva de vagas no mercado de trabalho a esses indivíduos.

ϯϯ Para exemplificar a manutenção dessa opção privatizante, é necessário recorrer aos números. Somente no ano de 1989 foram enviados recursos federais a 1.038 instituições voltadas à Educação Especial, das quais 109 eram públicas, e 929, privadas (Cf. SARNEY, 1989).

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Além dessas atribuições, a Lei n. 7853estabelecia a intervenção estatal na área

educacional através da inclusão da Educação Especial em todos os níveis de ensino com

exceção do superior, com “currículos, etapas e exigências de diplomação próprios”

(BRASIL, 1989); a obrigatoriedade desta modalidade, mediante a oferta obrigatória e

gratuita no sistema educacional público e nas unidades hospitalares nas quais estejam

internadas pessoas com deficiência; a distribuição de material escolar, merenda escolar e

bolsas de estudo e, finalmente, a “matrícula compulsória em cursos regulares […] de

pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem ao sistema regular de ensino”

(BRASIL, 1989).

Essa última disposição demarcava a centralidade, em toda a legislação, do conceito

de integração em detrimento do conceito de inclusão, algo que serviria de base para a futura

formulação da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e

da Política Nacional de Educação Especial. Afirmava-se, novamente, a necessidade de os

indivíduos se adaptarem ao sistema educacional e não o contrário —o que evidenciava a

incapacidade de o governo atuar em prol da construção de um sistema educacional

reconhecedor da diferença e, portanto, capaz de incluir a todos em sua estrutura e romper as

barreiras do preconceito, da discriminação e da segregação.

Isto posto, saíam fortalecidas, mais uma vez, as instituições de Educação Especial,

prestigiadas por uma caótica atuação governamental, voltada à manutenção do ideário

integracionista e incompetente, portanto, quanto ao propósito de universalizar o

atendimento às pessoas com deficiência.

3.3. O fim do governo José Sarney e a eleição de Fernando Collor

Como se vê, não só no campo educacional a atuação do governo Sarney fracassou,

visto que não se efetivou o combate à desigualdade nem tampouco se solucionaram os

graves problemas econômicos. Imobilizado pelas disputas de poder envolvendo os maiores

partidos à época (PMDB e PFL), José Sarney apelou aos setores conservadores em

detrimento às forças progressistas, mantendo as práticas políticas de outrora e contrariando

grande parte da opinião pública. Consequentemente, suas intervenções nas diferentes áreas

governamentais não tiveram caráter transformador, servindo apenas como medidas

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paliativas, de forte cunho eleitoreiro, fato que frustrou a sociedade e fez com que o

presidente tivesse um melancólico final de mandato, com altíssimas taxas de reprovação

popular.

A sucessão de José Sarney se deu por meio de eleição direta e envolveu candidatos

dos mais distintos espectros político-ideológicos — Ulysses Guimarães (PMDB), Mário

Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Aureliano Chaves (PFL), Leonel Brizola (PDT),

Guilherme Afif Domingos (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apenas para citar os

principais. Marcado pelo ineditismo, visto que milhões de brasileiros votariam pela

primeira vez para presidente, o pleito teve como vencedor Fernando Affonso Collor de

Mello, um jovem político nordestino, de carreira meteórica — fora prefeito nomeado de

Maceió, deputado federal e governador de Alagoas —, apresentado por uma intensa

campanha de marketing como o único nome capaz de combater de forma efetiva a

corrupção e inserir o país em uma rota de modernização econômica através de medidas

neoliberais.

Amparado por uma aliança partidária inexpressiva envolvendo os minúsculos PRN

(Partido da Reconstrução Nacional), PSC (Partido Social Cristão), PST (Partido Social

Trabalhista) e PTR (Partido Trabalhista Renovador), Collor apareceu no cenário eleitoral

como uma alternativa “nova”, representando uma necessária renovação dos quadros

políticos do país. No entanto, o então presidenciável representou os mesmos setores

conservadores que há muito se beneficiavam da proximidade e do exercício do poder e

estavam contrariados com a possibilidade real de um político de esquerda se eleger

presidente da República. Por isso, beneficiou-se do amplo apoio do empresariado, de parte

dos meios de comunicação — entre os quais a Rede Globo de Televisão — e de setores dos

partidos que abrigavam políticos ligados à Ditadura Militar.

A construção dessa base política tornou possível o crescimento da candidatura

Collor e sua chegada ao segundo turno. Naquele momento, o Brasil assistia a uma

polarização entre direita e esquerda em pleno final da Guerra Fria. De um lado estava o

candidato rico, jovem e conservador, representando notadamente a direita brasileira. Do

outro, estava Luiz Inácio Lula da Silva, então deputado federal pelo Partido dos

Trabalhadores, nordestino como o oponente, mas de origem pobre, ex-operário

metalúrgico, que ganhou reconhecimento político por estar à frente das históricas greves do

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ABC paulista e fundar um partido socialista de expressão nacional. Entretanto, numa

disputa política muito equilibrada até o final, acabaram prevalecendo os poderes da

propaganda — marcada pelos ataques pessoais deferidos pelo candidato do PRN ao

candidato do PT — e da Rede Globo de Televisão — responsável pela divulgação, às

vésperas da eleição, de uma edição imparcial do último debate entre os presidenciáveis.

Desta forma, o representante das elites brasileiras, Fernando Collor de Melo, se tornaria o

primeiro presidente da República eleito pelo voto direto após o fim da Ditadura Militar.

3.4. O governo Fernando Collor (1990-1992)

Após a posse, um dos primeiros passos do novo presidente foi a construção de uma

base política que lhe proporcionasse sustentação no Congresso Nacional. Para isso,

Fernando Collor deu espaço a políticos conservadores e negociou o apoio de partidos como

o PDS (Partido Democrático Social), o PFL (Partido da Frente Liberal) e o PTB (Partido

Trabalhista Brasileiro) (Cf. AGUILAR, 2010), além de procurar fortalecer as pequenas

agremiações que compunham sua aliança desde as eleições presidenciais.

No entanto, a estratégia de aproximação não surtiu os resultados esperados, uma vez

que o presidente se mostrou, desde o primeiro momento, pouco afeito à construção de

alianças ao ignorar as indicações partidárias para a composição do ministério e,

continuamente, desprestigiar o Poder Legislativo, com a imposição de ações

governamentais por meio de Medidas Provisórias. 34 Consequentemente, a imagem de

político jovem, transformador, aberto ao diálogo, que simbolizava uma necessária

renovação constituiu-se apenas como uma roupagem oferecida pelos setores conservadores

e reacionários, desejosos da manutenção do status quo, a um político centralizador,

personalista e elitista.

Paralelamente à construção de sua base aliada, Collor priorizou a adoção de

medidas pouco ortodoxas,a fim de causar um choque nos mecanismos de gestão estatal e no

mercado financeiro. Era o marco inicial de um programa de governo de caráter neoliberal,

que deveria priorizar a atuação no campo econômico em detrimento da formulação de

ϯϰSomente em pouco mais de um ano de governo, Collor lançou mão de 88 Medidas Provisórias, enquanto o antecessor, José Sarney, havia lançado 125 em cinco anos de mandato. O número só não foi maior devido à ação do então deputado Nelson Jobim (PMDB-RS) de aprovar um projeto de lei que limitava o uso de MPs (Cf. AMORIM NETO, 2004).

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políticas transformadoras na área social. Evidenciava-se, portanto, mais uma contradição do

presidente, visto que, enquanto candidato, Collor de Melo pautara seus discursos na defesa

da instauração de uma agenda governamental voltada às reformas sociais. Sobre a

priorização do campo econômico na atuação do governo, o presidente afirmara em

mensagem presidencial: “A repartição mais justa da riqueza tem como pré-requisito a

derrota da inflação. Esta não ê uma bandeira só do Governo, mas uma aspiração de toda a

sociedade brasileira, representada no Congresso em sua plenitude e legitimidade” (MELO,

1991, p. XVI).

No entanto, o que se viu foi a contínua preocupação com a adoção de medidas como

o aumento de impostos e tarifas, a prefixação de salários, o tabelamento de preços, a

extinção de vários ministérios e órgãos federais, a demissão de servidores públicos, a

abertura de um programa de privatização de empresas estatais e aquela que foi a medida de

maior impacto, devido ao seu caráter radical no propósito de combater a hiperinflação

herdada de Sarney: o bloqueio das contas bancárias e cadernetas de poupança com saldo

acima de 50.000 cruzeiros por, pelo menos, dezoito meses.

Mesmo tendo como símbolo uma medida deveras impopular, o “Plano Collor” foi

considerado parcialmente exitoso, pois causou, ainda que por curto tempo, uma acentuada

queda da inflação. Contudo, para que a situação econômica do país se normalizasse, era

preciso que o governo investisse em um conjunto de medidas no campo social, de modo a

construir o alicerce para as necessárias transformações na realidade brasileira. Para isso,

lançou mão do “Plano de Reconstrução Nacional”, documento que deveria nortear as ações

governamentais em diferentes setores, com o objetivo de combater os problemas de

natureza socioeconômica.

Apesar de o “Plano de Reconstrução Nacional” estabelecer aspectos importantes da

gestão Collor, como a sua concepção acerca do papel do Estado e o propósito de reformulá-

lo a partir de medidas de desregulamentação e desestatização, do contínuo apelo à iniciativa

privada e da crença na necessidade de modernizar a economia para que o país se inserisse

com melhores possibilidades no contexto internacional (Cf. MELO, 2008), o plano acabou

atendendo aos interesses das grandes potências capitalistas, que defendiam o avanço

neoliberal, enquanto na prática serviu apenas como um meio de propaganda governamental,

pois suas diretrizes para a intervenção em setores como agricultura, indústria, ciência e

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tecnologia, infraestrutura, habitação, transportes, comunicação, educação e saúde foram

pouco além do discurso.

O governo Collor acabou indo na contramão dos interesses da maioria da população

ao não intervir de forma eficaz no campo social. E as razões foram de diferentes naturezas:

não delimitação (de maneira precisa) do escopo das políticas sociais; promoção de diálogos

ínfimos com os diferentes setores da sociedade — que ansiavam por maior participação nos

rumos governamentais, sobretudo após a redemocratização do país e a promulgação da

Constituição de 1988, responsável por afirmar a conquista de inúmeros direitos sociais —;

estabelecimento de objetivos e metas irrealistas para os programas formulados; mau

gerenciamento; desvio de recursos e, em alguns casos, a ausência de definição de fontes de

financiamento para suas ações. Era, portanto, justamente o contrário do que preconizava o

“Plano de Reconstrução Nacional”.

Entretanto, mesmo com uma coleção de fracassos na implementação de políticas

sociais, a propaganda acabou sendo o mote do governo para salvar sua imagem. Para cada

ação, havia a necessidade de uma exaustiva exposição. O objetivo era sensibilizar a opinião

pública de que a gestão estava empenhada na solução dos problemas estruturais do país e

em sua melhor integração ao cenário internacional. Por isso, investia na concepção de

programas grandiosos com objetivos abrangentes e metas ambiciosas. De fato, a fórmula

causava inicialmente um bom impacto, mas sucumbia à insatisfação da população, que

assistia às ações ruírem quase sempre pela falta de recursos ou pelo prestígio a uma

determinada localidade em razão dos acordos políticos. Não havia, portanto, nada de novo.

Era apenas a repetição da lógica clientelista e assistencialista, comumente observada na

história brasileira, disfarçada pela divulgação de algumas medidas que alardeavam a

modernização da máquina pública e o estabelecimento de um novo modelo de gestão — o

gerencial—, e atendiam à pressão externa para a rápida adequação à filosofia neoliberal.

Na área educacional, o presidente prometeu realizar grandes transformações, pois

exigia que o setor oferecesse “a necessária qualificação dos recursos humanos para fazer

frente aos desafios da modernidade” (MELO, 2008, p. 74). Por isso, o governo se

comprometeu, no “Plano de Reconstrução Nacional”, a reorganizar o Ensino Fundamental

e contribuir para sua universalização; recuperar prédios e instalações escolares; instituir um

novo modelo de formação docente; reduzir drasticamente o analfabetismo; rever as

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fórmulas de financiamento educacional; ampliar o atendimento da Educação de Jovens e

Adultos, fomentar a educação à distância; apoiar a autonomia universitária; aperfeiçoar o

sistema de bolsas e créditos educativos; redesenhar os modelos de gestão, entre outras

ações (Cf. MELO, 2008). Nada se previa para a Educação Especial ou para a inclusão de

pessoas com deficiência. Era mais um sinal de que a atuação do governo Collor seguiria a

linha dos antecessores, caracterizada por amplas promessas acompanhadas de fracas

intervenções no setor, o que provocava a manutenção de um quadro caótico e a

impossibilidade de tornar o sistema, de fato, inclusivo.

Sobravam promessas e metas ambiciosas, mas faltavam recursos e projetos bem

definidos para a educação. Desta forma, a saída encontrada foi a de atender às diretrizes de

organismos internacionais como o PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento), a UNESCO (Programa das Nações Unidas para Educação, Ciência e

Cultura), o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) e a

UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que auxiliavam no financiamento de

políticas públicas para o setor em países subdesenvolvidos, desde que esses se incumbissem

de adotar um modelo gerencial e desburocratizante de gestão, preconizado pela cartilha

neoliberal (Cf. SOUZA & FARIA, 2004; FRIGOTTO & CIAVATTA, 2003). Assim, o

governo Collor se preocupou inicialmente em reestruturar o Ministério da Educação para

atender à pressão externa, mas não conseguiu romper com as históricas práticas clientelistas

e assistencialistas, o que fez com que sua política educacional transitasse entre a adoção da

lógica neoliberal e o atendimento às exigências das elites conservadoras e das forças

políticas reacionárias que davam sustentação à gestão.

O modelo de política educacional atendeu ao padrão governamental de formulação

de grandes programas, que deveriam ser amplamente divulgados e se tornariam

responsáveis por disseminar na área uma série de conceitos inerentes ao discurso

neoliberal, tais como eficiência, qualidade e competitividade. Todavia, esses programas —

sem a necessária estruturação — não alterariam substancialmente o caótico quadro

educacional brasileiro, evidenciado nos altos índices de analfabetismo e evasão escolar, no

baixo acesso do alunado ao Ensino Superior, na contínua desvalorização do magistério e na

manutenção de uma lógica excludente, responsável por deixar milhares de indivíduos de

fora do sistema educacional comum.

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Uma das maiores iniciativas do governo Collor foi o Programa Nacional de

Alfabetização e Cidadania, que tinha a ousada intenção de reduzir em mais de 70% —

durante o período de mandato do presidente — o analfabetismo entre crianças, jovens e

adultos através da elaboração de parcerias entre o governo e a sociedade (Cf.

YANAGUITA, 2011).O programa, apesar de ter sido bastante divulgado, acabou não

recebendo recursos suficientes e, consequentemente, pouco foi além do papel,

permanecendo em vigor durante apenas um ano (Cf. DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO,

2001).

Programas anteriormente formulados, como o “Nacional de Material Escolar”,

“Nacional de Salas de Leitura” e o “Nacional do Livro Didático”, também fracassaram

devido à indisponibilidade de recursos e o mau gerenciamento. Além deles, o “Programa

Nacional de Alimentação Escolar” acabou sendo foco de denúncias de corrupção em razão

de seu caráter clientelista e patrimonialista (Cf. CASTRO & MENEZES, 2003). Como se

pode notar, o governo ignorava partes fundamentais do ciclo das políticas públicas, não

assegurando condições mínimas para que os programas fossem efetivamente

implementados.

Outra iniciativa relevante do governo Collor no campo educacional estava ligada ao

atendimento à infância. Para tanto, foram criados os Centros Integrados de Atendimento à

Criança (CIACs), inspirados em um projeto formulado por Darcy Ribeiro no estado do Rio

de Janeiro,35 que tinham como objetivo prover assistência à criança, ofertando serviços de

educação, saúde e lazer. Contudo, os projetos eram altamente custosos e o país enfrentava

forte crise econômica, o que impedia o pleno atendimento às necessidades das diversas

regiões do país.

A educação à distância também foi uma área estimulada devido ao baixo custo e à

capacidade extensiva. Através da elaboração de programas educativos de rádio e televisão,

objetivou-se apoiar os ensinos fundamental e médio, combater o analfabetismo e auxiliar a

qualificação de professores. Como consequência, o ensino técnico-profissionalizante,

ϯϱ Darcy Ribeiro, enquanto vice-governador do Rio de Janeiro, secretário estadual de Cultura, Ciência e Tecnologia e, posteriormente, secretário extraordinário de Programas Especiais, idealizou e implementou uma escola de tempo integral, que incorporava, além do currículo regular, atividades culturais, físicas, estudos dirigidos e assistência médica e odontológica. Tratava-se de um projeto ousado e de alto custo, voltado às camadas mais pobres da população, numa clara opção do governo estadual, à época, de priorizar a educação em sua atuação (Cf. BOMENY, 2007).

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diferentemente dos outros níveis de ensino, recebeu maior atenção durante o governo

Collor, graças à necessidade premente de formação de quadros para a indústria. O mesmo

não se pode dizer dos ensinos fundamental, médio e superior e da Educação Especial, pois

apesar de o governo investir na ampliação de vagas nas escolas públicas, na formação

docente e em equipamentos escolares, os resultados não foram exitosos e o sistema

educacional não teve sua problemática realidade substancialmente alterada.

Com recursos cada vez mais escassos para investir na área e assistindo ao fracasso

de seu segundo plano econômico — o “Plano Collor II” —, incapaz de combater o retorno

da inflação com medidas contundentes como o aumento das taxas de juros, a redução das

taxas de importação e o congelamento de preços e salários (Cf. SALLUM JR., 1999), o

governo manteve a lógica da redução de custos e deu andamento ao programa de reforma

do Estado, também sugerido pelos organismos internacionais, o qual receitava a

privatização como um dos meios de gerar recursos e enxugar a máquina estatal. Esta

perspectiva acabou se inserindo com bastante força na educação, visto que o governo

passou a apelar à iniciativa privada para que esta compartilhasse com o Estado a oferta de

serviços educacionais, através da formulação de parcerias (Cf. SAVIANI, 2010).

Este modelo privatizante foi logo implantado no Ensino Superior, já que o governo

passou a ofertar incentivos fiscais aos empresários da educação em troca da concessão de

bolsas de estudo em instituições privadas. Sem recursos e investindo menos do que o

determinado pela Constituição Federal (Cf. VELLOSO, 1992 apud CORBUCCI, 2002), a

opção do governo Collor acabou por contrariar seu plano de governo e enfraquecer as

instituições federais de Ensino Superior. Além disso, estabeleceu-se uma avaliação da

educação superior pautada nos ideais de eficiência e produtividade, exercida com

autoritarismo pelo Estado, e que atingiu com força os meios intelectuais (Cf. ZAINKO,

2008). Este tipo de atuação tinha como propósito, na visão dos partidos de esquerda e das

organizações sindicais e estudantis, “responsabilizar as universidades pelo profundo atraso

do país, em especial, da sua estrutura industrial” (CORBUCCI, 2002, p. 9).

A educação pública, durante o governo Collor, acabou sendo prejudicada por uma

frustrada tentativa de articular teses neoliberais e promover medidas clientelistas e

assistencialistas. Dessa opção resultou o fortalecimento da omissão estatal em nome da

expansão da iniciativa privada — fato que beneficiou o crescimento dos negócios dos

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empresários da educação — combinado à ausência de planejamento e o consequente

desrespeito à agenda para o atendimento dos interesses políticos de aliados, preocupados

apenas em satisfazer suas bases eleitorais. Assim, pouco ou nada foi feito em favor da

erradicação do analfabetismo; da universalização da educação básica; da reestruturação

qualitativa dos programas de formação de professores; ou do fortalecimento do Ensino

Superior público. Com isso, em pouco mais de dois anos de mandato, a desigualdade social

seria acentuada, as funções estatais esvaziadas e o sistema educacional público violentado,

cabendo aos futuros governantes o desafio de reverter essa situação.

3.5. A Educação Especial no governo Fernando Collor

O governo Collor, ao adotar uma agenda neoliberal e, portanto, desestatizante,

optou pela manutenção da transferência de responsabilidades estatais para a iniciativa

privada no campo da Educação Especial. Por conseguinte, os parcos institutos públicos e as

associações e fundações privadas mantiveram-se como os protagonistas da prestação de

serviços educacionais às pessoas com deficiência, substituindo ou complementando a

função escolar. Assim sendo, houve nova frustração entre os defensores da inclusão, pois o

governo se empenhava em assegurar apenas a integração, descumprindo o recém-

promulgado texto constitucional.

O país, sem uma cultura inclusiva, teve na Constituição de 1988 seu primeiro

grande marco. No entanto, se legalmente os caminhos estavam abertos para a construção de

um sistema educacional inclusivo, era preciso que o governo Collor possibilitasse que os

avanços se consolidassem na esfera política. Era, portanto, necessária a formulação de um

programa que efetivasse os direitos recentemente conquistados. O desafio seria o de

incorporar à política educacional o conceito de inclusão, consoante com os preceitos legais,

e torná-lo compreendido, aceito e praticado pelos agentes governamentais — algo até então

inédito, dado o fato de o Estado ter, durante muito tempo, negligenciado sua atuação em

favor disso.

Outrossim, era preciso estabelecer objetivos e metas que levassem em consideração

a complexidade do problema, as consequentes adversidades do processo e a falta de

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recursos para uma rápida implementação, já que cabia ao Estado assumira plena

responsabilidade pela educação das pessoas com deficiência, mesmo sem ter recursos

técnicos, financeiros e políticos para tal.

Para isso, seria imprescindível minorar a participação das fundações e associações

especializadas neste tipo de atendimento — o que se configurava em um problema político

de absoluta relevância, visto que muitos dos apoiadores de Collor, desde os tempos da

ditadura militar, faziam parte de setores conservadores e encontravam nessas instituições

apoio político para suas pretensões eleitorais, dificultando, em nome de interesses

particulares, qualquer iniciativa governamental que visasse modificar a estrutura vigente.

Uma das primeiras medidas governamentais voltadas à Educação Especial foi a

extinção, como parte da reforma administrativa iniciada em 1990, da Secretaria Nacional de

Educação Especial (SESPE) e a incorporação de suas funções pela Secretaria Nacional de

Educação Básica (SENEB). Nessa nova estrutura organizacional, a SENEB, agora

responsável por “coordenar e promover a operacionalização das diretrizes básicas que

norteiam o atendimento educacional dos educandos que apresentam necessidade educativa

especial” (BRASIL, 1990a apud MAZZOTTA, 2001, p. 108), lançou um documento,

decorrente da “Proposta do Grupo de Trabalho Instituído pela Portaria n. 6 de 22/8/1990”,

que determinava como linhas de atuação governamentais na área a instrumentalização e o

redimensionamento dos processos de integração nos sistemas de ensino; e a

institucionalização tanto dos mecanismos para a definição da clientela da Educação

Especial como do atendimento educacional dos educandos com algum tipo de “necessidade

educativa especial”. Afora isso, deve-se destacar em seu conteúdo o “reconhecimento de

que o MEC começa a encarar, pela primeira vez, a Educação Especial inserida no

contexto global da proposta de educação para todos, de maneira que os problemas a ela

relacionados sejam alvo da atuação articuladas de todas as suas secretarias afins”

(MAZZOTA, 2001, p. 108), fato que, ao menos teoricamente, significava um avanço, pois

o governo reconhecia a histórica omissão estatal na construção de um sistema educacional

para todos.

Outra relevante medida tomada pelo governo Collor foi a assinatura da Declaração

Mundial sobre Educação para Todos, também em 1990, fruto de nova intervenção da

Organização das Nações Unidas, com o apoio do Banco Mundial. Essa ação sinalizou que o

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Estado brasileiro reconhecia seus problemas educacionais, muitos deles presentes em

outros países, e que deveria combatê-los de forma mais efetiva. Por conseguinte, era

preciso combater a crise econômica vigente, de modo a viabilizar políticas públicas que

respaldassem as ações educacionais no sentido de universalizar o acesso à educação básica,

garantindo “a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de

deficiência” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1990); promovendo a equidade;

e readequando os processos de aprendizagem, propósitos esses que, nas palavras de Silva

Júnior (2003, p. 12), eram “sedutoras preocupações políticas que sensibilizaram muitos

políticos e educadores bem intencionados mas também os oportunistas”.

Na sequência, veio a edição da resolução n. 1/91 do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE), um instrumento para o financiamento da Educação

Especial, a qual condicionava “o repasse do salário-educação à aplicação, pelos Estados e

Municípios, de pelo menos 8% dos recursos educacionais no ensino especial”

(MAZZOTTA, 2001, p. 84). No entanto, além de não determinar a aplicação dos recursos

exclusivamente às instituições públicas, fato que auxiliava o fortalecimento das instituições

privadas, a resolução logo perdeu seu valor, pois a própria União daria o mau exemplo: em

1992, o ministro Carlos Chiarelli determinou a retirada dos fundos da Educação Especial

para comprar ônibus escolares, alegando que “mesmo simpático às crianças deficientes,

não [tinha] como esquecer as crianças brasileiras que não têm acesso ao 1º grau”

(BALLERONI, 1992 apud MAZZOTTA, 2003, p. 86).

Não havia, portanto, real intenção do Ministério de investir em uma Educação

Especial fundamentada na perspectiva inclusiva. O discurso do ministro destacava seu

propósito de estabelecer modelos de diferenciação entre os sujeitos, a partir da imposição

de um sistema classificatório que compreendia o aluno considerado “normal”, do Ensino

Fundamental da escola comum, como público-alvo das prioridades governamentais.

Tratou-se de, nas palavras de Santos (1999, p. 19), “diferenciar entre as diferenças, entre

as diferentes formas de exclusão, permitindo que algumas delas passassem por formas de

integração subordinada”, de forma a discriminar, ainda mais, a pessoa com deficiência.

Sem conseguir solucionar a crise econômica que acometia o país desde o final dos

anos 1970, com grandes dificuldades de se relacionar com o Congresso Nacional, e, assim

como José Sarney, sem um projeto educacional bem definido, o governo pôs-se a atuar na

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Educação Especial mantendo a linha de atuação das gestões anteriores. Para tanto,

formalizou acordos de cooperação técnica e financeira com as instituições públicas e

privadas, fortaleceu núcleos profissionalizantes e oficinas pedagógicas, e ofereceu

treinamentos a docentes e funcionários (Cf. MELO, 1991, 1992).

Contudo, ao promulgar, em 1990,o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

importante instrumento jurídico na luta pela inclusão, é que a administração Collor daria

sua maior contribuição.

Ao Estatuto caberia reafirmar as disposições do texto da Constituição no sentido de

assegurar o oferecimento de serviços educacionais às pessoas com deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino. Além disso, definiu-se a Educação Especial

como modalidade de educação escolar que deveria, novamente de forma preferencial, ser

oferecida na rede regular de ensino; dispôs-se sobre o início da oferta da Educação

Especial, que deveria se dar a partir da educação infantil; estabeleceram-se as condições

para a oferta do atendimento educacional especializado (AEE); garantiu-se a capacitação de

professores para a promoção da inclusão do alunado no sistema comum, o acesso

igualitário a benefícios ofertados por programas sociais promovidos pelo Estado e

currículos, métodos e recursos educativos para atender às possíveis necessidades dos

educandos; vislumbrou-se uma Educação Especial voltada ao trabalho e ainda se

dispuseram os critérios para apoio técnico e financeiro a instituições privadas,

especializadas, sem fins lucrativos (Cf. BRASIL, 1990b).

O ECA, contudo, foi muito além da atuação no campo da Educação Especial e

atendeu aos pressupostos da Convenção das Nações Unidas a respeito do Direito da

Criança e do Adolescente, consagrando o direito de crianças e adolescentes à liberdade, à

saúde, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, ao esporte e ao lazer,

à profissionalização e à proteção no trabalho e, por fim, à educação (Cf. BRASIL, 1990b).

O texto inovador, que se tornou posteriormente referência mundial, incumbiu o Estado de

garantir esses direitos por meio da atuação dos Conselhos Tutelares, implantados a partir da

promulgação da lei e da promoção de políticas públicas em diferentes setores(como na

educação, por exemplo).

Não há como ignorar o ECA como uma importante contribuição do governo para a

construção da inclusão, ainda que — em razão da insuficiência de tempo e recursos, da

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falta de apoio político e da adoção das teses neoliberais — o processo de implementação de

suas diretrizes tenha produzidos resultados mínimos. Sendo assim, também nesse campo a

atuação de Fernando Collor e sua equipe foi marcada pela contradição. Na medida em que

se produziu uma legislação mais próxima da perspectiva inclusiva, responsável por

modificar a forma de atuação do poder público no campo educacional, a política

educacional continuou a se valer da integração como um princípio e a fortalecer as

instituições públicas e privadas de Educação Especial em detrimento da inserção do

alunado com deficiência nas escolas comuns. Isto posto, caberia aos futuros governos o

dever de colocar em prática as diretrizes do ECA e construir, de fato, uma política de

Educação Inclusiva.

3.6. O melancólico fim de governo

Assim como a política educacional, os planos econômicos elaborados pelo governo

Collor não foram suficientes para trazer estabilidade ao país, que afundava em meio a

problemas cada vez menos controláveis, como a inflação, o desemprego e o crescimento

das dívidas interna e externa. No campo social, o governo assistia ao agravamento da

desigualdade, formulando políticas ineficazes que não rompiam com as lógicas

assistencialista e clientelista. Politicamente, as dificuldades eram ainda maiores, uma vez

que a oposição se fortalecia com o desgaste do governo junto à opinião pública e a base

aliada se insatisfazia com as constantes manifestações de desprezo do presidente em relação

ao Poder Legislativo e aos partidos políticos. Consequentemente, a aprovação à

administração Collor encontrava-se em franco declínio.

Grande parte dos setores se encontrava insatisfeita: parte dos militares, em razão da

saída do poder; o empresariado se queixava da crise econômica e da concorrência desleal

com o mercado externo; os sindicatos reivindicavam estabilidade, melhores salários e

condições de trabalho, além do cumprimento, por parte do patronato e do Estado, das

normas impostas recentemente pelo texto constitucional. Além disso, a classe média

reclamava do desemprego e da inflação; a população pobre, por sua vez, permanecia sem

acesso a serviços públicos de qualidade e oportunidades de ascensão social. O cenário

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crítico veio a ganhar contornos calamitosos quando sucessivas denúncias de corrupção,

envolvendo auxiliares diretos e pessoas próximas a Fernando Collor, começaram a ser

veiculadas nos meios de comunicação e despertaram a ira da população, que passou a se

mobilizar em favor do impeachment do presidente.

A crise política consequente a essas denúncias impôs-se como um importante teste

ao processo de transição democrática do país. Ainda que uma nova Constituição já tivesse

sido promulgada e um presidente civil houvesse sido eleito pelo voto direto, a

redemocratização era recente e as instituições gradualmente se acostumavam à realidade

democrática, tornando a possível queda de um presidente, após pouco tempo de mandato,

uma ameaça real à continuidade da transição. Contudo, as forças políticas surpreenderiam e

conduziriam o processo com absoluta tranquilidade.

O presidente tentou reverter sua frágil situação política, afastando inicialmente os

auxiliares que haviam sido denunciados por supostos atos de corrupção — os ministros

Antônio Rogério Magri, do Trabalho, e Alceni Guerra, da Saúde. No entanto, as denúncias

se agravavam e chegavam cada vez mais perto do presidente, envolvendo, desta vez, a

primeira-dama Rosane Collor, afastada da presidência da Legião Brasileira de Assistência

(LBA) por cometer irregularidades em sua gestão. Aos poucos, a imagem de gestor austero,

“caçador de marajás” atribuída a Fernando Collor se transformava na figura de um político

corrupto, favorável às negociatas e aos abusos de poder.

Num gesto desesperado, o presidente tentou reconstituir a base política no

Congresso Nacional, promovendo trocas em praticamente todas as pastas do ministério,

convidando,sem êxito, nomes expressivos de diferentes partidos para ocupá-las. Entretanto,

cientes de que o governo não possuía mais espaço para reabilitar-se perante a opinião

pública, os indivíduos convidados acabaram recusando o convite e isolando ainda mais o

presidente Collor.

A gota d’água para a permanência de Fernando Collor no poder foi a denúncia feita

pelo seu irmão, Pedro Collor, de que havia um esquema de corrupção comandado pelo ex-

tesoureiro de campanha Paulo César Farias, o suposto responsável pela montagem de uma

rede de tráfico de influência que teria desviado milhões de dólares do governo brasileiro

para as contas bancárias do presidente e de alguns de seus auxiliares mais próximos. A

partir da série de denúncias, o Congresso Nacional abriu uma Comissão Parlamentar de

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Inquérito (CPI) para apurar o envolvimento de Farias em negócios ilícitos dentro do

governo e acabou descobrindo evidências sobre a participação do presidente no

recebimento de propinas.

A crise só fez aumentar com a demissão de mais alguns ministros e o isolamento

político de Collor. A imprensa, a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), o

movimento estudantil e os partidos oposicionistas, dentre os quais se destacava o PT,

lançaram uma campanha nacional pelo impeachment. Em situação política irreversível,

Collor ainda tentou promover sua manutenção no poder por meio de suas conhecidas ações

de marketing, as quais foram cada vez mais rechaçadas pela sociedade.

Como consequência, o Congresso Nacional acata e, posteriormente, aprova o pedido

de impeachment de Fernando Collor que, sem saída, renuncia à Presidência da República

para tentar manter os direitos políticos e a elegibilidade, o que não ocorre, uma vez que o

Senado Federal o torna inelegível por oito anos e decreta o fim de seu governo.

Acabava de forma melancólica a era Collor, período deveras frustrante para

milhares de brasileiros depositantes de suas esperanças no presidente que prometera deixar

a “direita furiosa e a esquerda perplexa”, e assumia o cargo o vice-presidente Itamar

Franco.

3.7. O governo Itamar Franco (1992-1995)

O impeachment de Fernando Collor alçou Itamar Franco à Presidência da República

para cumprir o restante do mandato presidencial. De temperamento forte, mas com um

perfil discreto, o vice-presidente viu-se isolado na rotina governamental após

desentendimentos com o presidente Collor, que ocorriam desde o período de campanha

eleitoral, quando em alguns momentos Itamar ameaçou abandonar a candidatura. Dessa

forma, o experiente político mineiro ficara longe dos escândalos de corrupção que abalaram

o governo e acabaram causando a queda do então presidente, reunindo, assim, as condições

necessárias para assumir a Presidência da República em mais um período de grave crise

político-institucional da história brasileira.

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ϭϬϭ

A mudança no comando do país provocou substanciais alterações na rotina

governamental. Saía o presidente jovem, rico e ligado a uma dinastia política de seu estado,

representante da direita, ligado à Ditadura Militar — iniciara sua carreira como prefeito

nomeado de Maceió, em 1979 —, forte adepto do marketing político e das ações

megalômanas, e entrava o político discreto, de centro-esquerda, nacionalista, com grande

experiência parlamentar — fora um combativo senador, por Minas Gerais, atuando em

oposição à Ditadura Militar — e uma trajetória reconhecida pelo seu caráter ilibado. Com

essas características, Itamar abriu diálogo com todas as forças políticas do país, dando

início à formação de um governo de coalizão, que deveria promover a manutenção das

ainda frágeis instituições democráticas e fortalecer o combate aos grandes problemas

socioeconômicos do país.

A postura adotada pelo novo presidente teve como objetivo lutar contra um dos

grandes problemas enfrentados pelo antecessor: a falta de apoio político, sobretudo no

Congresso Nacional. Por isso, ao tomar posse em caráter definitivo, Itamar Franco optou

por compartilhar as responsabilidades do governo com as forças partidárias que se

incumbiriam de dar respaldo político no Legislativo. Assim, ascendiam ao poder central

partidos como o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), de grande

representatividade tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, agremiação

que o presidente escolhera para se filiar novamente após ter se desligado do partido de

Collor, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional); o PSDB (Partido da Social Democracia

Brasileira), emergente no quadro político nacional e muito solicitado pelo governo anterior

para a composição do ministério; o PPS (Partido Popular Socialista), antigo PCB (Partido

Comunista Brasileiro), responsável por indicar o líder do governo na Câmara, o então

deputado federal por Pernambuco, Roberto Freire; o PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o

PDT (Partido Democrático Trabalhista). Além desses, permaneciam na base aliada o PFL

(Partido da Frente Liberal) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o que possibilitou ao

novo presidente suficiente apoio partidário para voltar-se aos desafios que iam muito além

das questões político-institucionais.

Como mencionado, o país enfrentava, em meados dos anos 1990, uma situação

caótica em termos socioeconômicos. Desemprego, baixo poder de compra, descontrole das

contas públicas, alto endividamento interno e externo, inflação, imagem desacreditada no

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cenário internacional e alta insatisfação popular compunham um cenário socioeconômico

praticamente incontrolável pelo Estado, que tentara, por sua vez, combater essas mazelas

com uma sucessão de políticas sociais e planos econômicos fracassados. Esse cenário,

todavia, não era exclusividade brasileira. Os países latino-americanos também enfrentavam

as mesmas adversidades, enquanto as grandes potências se viam diante de uma ampla

reestruturação político-econômica resultante do processo de globalização e da disseminação

do ideário neoliberal. Por isso, a pressão externa advinda de organismos internacionais

como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial para que os países em

crise se adequassem rapidamente às diretrizes neoliberais era cada vez mais incisiva.

O Brasil já vinha se adequando, paulatinamente, às novas normas do sistema

capitalista de produção desde o governo José Sarney, reorganizando sua estrutura para

atender às necessidades impostas pela ordem mundial pós-Guerra Fria. Durante o período

Collor é que esse processo foi intensificado, devido ao início de uma reformulação do

Estado, em que se previa o abandono de funções reguladoras e assistencialistas,a extinção

de órgãos federais, a privatização de empresas estatais, a revisão de gastos sociais e a

restrição à intervenção na economia e no mercado de trabalho.

Com isso, priorizava-se cada vez mais a área econômica em detrimento da social,

algo prejudicial à realidade nacional, visto que o país nem sequer havia instaurado

integralmente o Estado de Bem-Estar-Social.

O governo Itamar Franco, devido ao perfil político do presidente, procurou se

alinhar parcialmente às diretrizes neoliberais, determinadas pelos organismos internacionais

e pelas grandes potências, em função da necessidade de prospectar recursos para

implementar políticas sociais e viabilizar o programa de estabilização econômica. Neste

sentido, medidas descentralizadoras, desburocratizantes e desregulamentadoras

continuaram a ser adotadas pelo aparelho estatal sob a justificativa da necessidade de

modernização da administração federal. Como resultado dessas ações, observaram-se as

privatizações da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) e da CSN (Companhia

Siderúrgica Nacional) como meios de redução do déficit público, e o fortalecimento da

transferência de atribuições — através da formulação de convênios e parcerias — aos

estados e municípios (Cf. FRANCO, 1994). Portanto, Itamar não conseguira evitar o

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ϭϬϯ

avanço, ainda que em ritmo mais lento quando comparado ao antecessor, da incorporação

do ideário neoliberal à máquina estatal brasileira.

A área econômica ainda representava o maior problema para o governo, visto que o

país ainda não se recuperara das sucessivas crises ocorridas durante o final dos anos 1970 e

toda a década de 1980. O quadro era grave e a ausência de soluções fazia com que

ministros da Fazenda se desgastassem perante a opinião pública e se revezassem no cargo

em curtos espaços de tempo — durante os mandatos presidenciais de Sarney, de Collor e de

Itamar, doze titulares passaram pela pasta. No entanto, em uma dessas trocas, o presidente

Itamar Franco optou pela exoneração de Eliseu Resende e a nomeação do então ministro

das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, como substituto. Era mais uma

tentativa de o governo acertar o passo em sua política econômica.

A escolha surpreendeu, pois o novo titular da Fazenda não era cogitado para o cargo

e tinha uma ligação menos estreita com a área. Tratava-se de um sociólogo que havia

construído uma sólida carreira acadêmica e uma trajetória política de relativo sucesso no

Congresso Nacional como senador pelo estado de São Paulo, tornando-se conhecido por

sua capacidade de dialogar e se articular politicamente com diferentes setores. O nome

escolhido atendia, portanto, ao intento do governo de acalmar a opinião pública e modificar

as estruturas de sua política econômica, como acabou ocorrendo e foi afirmado pelo

conteúdo da Mensagem Presidencial de 1994: “(…) a política econômica deixou de ser

considerada uma dimensão em busca de objetivos e metas autônomas dentro do sistema

econômico, para ser um fator importante de promoção social” (FRANCO, 1994, p. 09).

A solução encontrada pelo novo ministro, em meio às altas expectativas do próprio

governo e dos diferentes setores da sociedade, foi a elaboração de um novo plano

econômico, o Plano Real, que previa o combate à inflação por meio de medidas como o

ajuste das contas públicas (facilitado pela criação do Fundo Social de Emergência (FSE),

responsável por permitir a desvinculação de parte da receita oriunda de impostos e

contribuições federais para facilitar a ação do governo em determinar a alocação de

recursos para diferentes áreas conforme as necessidades identificadas); a elevação da taxa

de juros; e, por fim, a medida mais radical: a criação de uma nova moeda. Saía de

circulação o Cruzeiro e entrava a Unidade Real de Valor, unidade monetária transitória, que

logo seria substituída pelo Real.

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O Plano Real acabou sendo bem-sucedido desde os primeiros momentos. A inflação

foi reduzida rapidamente e o governo passou a colher os dividendos junto à sociedade, fato

que permitiu o lançamento da vitoriosa candidatura presidencial de Fernando Henrique

Cardoso. O sucesso foi tamanho que nem mesmo o “Escândalo das Parabólicas”

envolvendo o substituto do futuro presidente na pasta, Rubens Ricupero, foi capaz de abalar

o plano econômico e a popularidade ascendente do governo Itamar. Parecia, finalmente,

que o país encontrara o caminho da estabilização econômica e poderia, então, investir de

forma mais efetiva no combate aos problemas sociais.

O presidente Itamar Franco parecia mais sensível à área social do que seu

antecessor, Fernando Collor. Tanto é que a substituição decorrente do impeachment no

comando da Presidência fez com que emergissem certas transformações no modelo de

atuação governamental.

Por isso, o presidente procurou deixar explícita sua posição, na Mensagem

Presidencial de 1993, acerca da necessidade de tornar complementares as políticas

econômica e social. É o que afirma o conteúdo do documento:

[…] o crescimento econômico por si só não é suficiente para a promoção e proteção social. Na verdade, o crescimento que desconsidera a necessidade do vínculo com um conjunto vigoroso de programas sociais pode agravar o desequilíbrio macrossocial ora observado. Assim, as políticas econômica e social devem ser complementares e agir de modo sinérgico, a fim de que os objetivos de crescimento econômico e de justiça social sejam alcançados pari-passu. (FRANCO, 1993, p. 27)

Apesar de uma diferente visão conjuntural, o governo Itamar não teve tempo e

recursos suficientes — foram pouco mais de dois anos de mandato, sob uma grave crise

econômica — para empreender políticas sociais formuladas por técnicos mais próximos ao

presidente e à sua base política. Daí a opção pela promoção de alterações pontuais,

pautadas na austeridade, nos programas governamentais elaborados pelo antecessor,

modificando apenas certos conceitos e práticas pouco exitosas. O diferencial estava na

postura do presidente de, ao contrário de Fernando Collor, compartilhar o poder e a

responsabilidade sobre esses programas com a coalizão que o apoiava, fato que se traduziu

na constituição de gestões mais participativas e democráticas (Cf. CASTRO e MENEZES,

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2003) e no fortalecimento do arranjo político determinante para promover a

governabilidade.

O foco da atuação governamental na área social, definido logo no início do

mandato, era o combate à miséria. Para tanto, o governo determinou a união de esforços por

parte de todos os órgãos públicos federais para atender a população mais pobre, através de

uma agenda que considerava a família, a criança e o adolescente como “grupos sociais

prioritários” para as ações estatais e incluía diretrizes específicas para as áreas de saúde;

previdência; assistência social; habitação; saneamento; alimentação e nutrição; e a

educação (Cf. FRANCO, 1993).

A atuação no combate à fome foi, possivelmente, umas das principais ações do

mandato presidencial de Itamar Franco. Desde o primeiro momento, tão logo foi deposto

Fernando Collor, o novo presidente e sua equipe de governo se mostraram sensíveis à

questão, que chocava a sociedade e repercutia na mídia, e abriram diálogo com movimentos

sociais, sindicatos, associações de classe, partidos políticos e setores da Igreja Católica

para, conjuntamente, formularem uma agenda de ações emergenciais aos desnutridos (Cf.

PAIVA, 2009).

Enquanto os diálogos ocorriam, surgiram organizações como o movimento Ação da

Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderado pelo sociólogo Herbert de Souza,

cujo propósito era conscientizar a sociedade da necessidade urgente de transformações

políticas, econômicas e sociais no país com vistas a combater problemas estruturais como a

fome e a miséria. Em parceria com diferentes setores, a Ação da Cidadania instalou comitês

em diferentes localidades com o intuito de realizar ações emergenciais no combate à fome e

sensibilizar a opinião pública sobre a gravidade do problema. Sua atuação foi profícua a

ponto de o governo aderir às suas teses — já defendidas e encampadas pelo PT em sua

Política Nacional de Segurança Alimentar, criada pelo “governo paralelo” liderado por

Lula em função da crise política que então assolava o país (Cf. PAIVA, 2009).

Desses diálogos resultou a criação do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança

Alimentar), órgão instituído com a finalidade de responder pela realização de ações de

combate à miséria e à fome (Cf. BRASIL, 1993c) e cobrar do governo soluções para

problemas estruturais. Seus membros eram ministros de Estado e representantes da

sociedade civil, e durante dois anos o Conselho definiu seis programas direcionados ao

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ϭϬϲ

combate à fome — alimentação e nutrição infantil; alimentação do trabalhador; reforma

agrária; geração de emprego e renda; distribuição emergencial de alimentos e merenda

escolar —, sugerindo, consoantemente às principais diretrizes do governo Itamar, medidas

descentralizadoras. Sobre a atuação do CONSEA, afirma Paiva (2009, p. 21):

O CONSEA inaugurou uma estratégia absolutamente inédita na articulação entre governo e sociedade civil — o que o caracterizou também como marco da participação cidadã. Sua origem revela a sinergia que sociedade e Estado viviam naquele momento, mas também ocorreu — não se pode negar — devido ao empenho e crença nas mudanças por parte das pessoas que integravam as esferas governamentais naquele momento. Com o CONSEA existiu uma aposta do governo numa ação de caráter autônomo e eminentemente civil, sem minimizar o papel do Estado e as responsabilidades legais dos órgãos governamentais.

No campo educacional, porém, o governo Itamar Franco não conseguiu

implementar em curto prazo ações que modificassem substancialmente o quadro caótico

que se apresentava naquele momento.

No entanto, algumas mudanças sugeridas pela administração tiveram rápidos efeitos

práticos. A primeira delas se deu no momento de escolha do ministro da Educação, com a

nomeação de Murílio Hingel, então diretor da Faculdade de Educação da Universidade

Federal de Juiz de Fora, homem da confiança do presidente, distante do cenário político-

partidário, cuja trajetória profissional fora construída na área — como professor em

diferentes níveis e secretário municipal de Educação em Juiz de Fora quando Itamar fora

prefeito. Tratava-se, portanto, de algo incomum na história brasileira: a nomeação de um

quadro técnico em substituição a um quadro político, visto que Carlos Chiarelli, o

antecessor nomeado por Collor, não tinha ligações estreitas com a área, tendo construído

carreira política no Rio Grande do Sul.

A gestão Hingel à frente do Ministério da Educação foi pautada não só por uma

tímida resistência à ofensiva neoliberal, mas pelo conservadorismo, evidenciado, sobretudo,

nas elaborações da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência e da Política Nacional de Educação Especial, e na opção pela manutenção da

lógica da descentralização das ações governamentais através da transferência de recursos

federais para estados e municípios. Desta forma, os programas implantados pelo antecessor

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se mantiveram e se expandiram, agora sob uma filosofia de gestão envolvendo mais

fiscalização e gastos enxutos.

Sob a nova gestão do MEC, o Conselho Federal de Educação, órgão forte no

período da Ditadura Militar, foi extinto; iniciativas como o Programa Nacional de Saúde

do Escolar, o Programa Nacional do Livro Didático, o Programa Nacional de Salas de

Leitura e o Programa Nacional de Alimentação Escolar sofreram pequenas reformulações

e, em alguns casos, foram reforçadas; os Centros Integrados de Apoio à Criança (CAICs),

um dos principais motes de propaganda da administração Collor, também foram mantidos,

mas ganharam outra roupagem com a elaboração de novos projetos arquitetônicos e

modelos de operacionalização; o ensino técnico-profissionalizante continuou em expansão,

assim como a educação à distância, ainda embrionária e estimulada a partir da tele-

educação; e o crédito educativo — destinado a financiar a graduação de estudantes em

instituições de Ensino Superior privadas — se mantinha como política pública, num claro

indício de que, mesmo sendo o presidente contra a privatização, se mantinha o processo de

desestatização no campo educacional.

Outras iniciativas surgiram como, por exemplo, o Programa Nacional de

Transporte do Escolar, idealizado pelo governo federal para garantir o acesso do alunado

às instituições escolares (Cf. CASTRO & MENEZES, 2003). Do mesmo modo, o governo

Itamar Franco também investiu na formação na ampliação da oferta de vagas no Ensino

Fundamental; na construção e reforma de salas de aula; na formação docente e na

distribuição de equipamentos escolares.

Atenção especial também foi dada ao problema da universalização da educação

básica, sobretudo no Nordeste, com a criação do Projeto Nordeste de Educação Básica,

realizado em parceria com o Banco Mundial — numa evidente demonstração de

interferência dos organismos internacionais na formulação de políticas educacionais em

países subdesenvolvidos —, cujo propósito era aumentar o número de vagas escolares,

expandir a oferta de serviços educacionais e melhorar a qualidade do ensino naquela região

(Cf. FRANCO, 1994).

O Plano Decenal de Educação para Todos 1993-2003 significou não só a

preocupação do presidente com o estabelecimento da educação como prioridade da atuação

estatal no seu e nos futuros governos, mas também o atendimento à pressão estrangeira para

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que o país assumisse compromissos na área educacional de modo a se ajustar ao que

preconizava a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos. Esse processo teve, ainda,

grande significado em nível nacional, já que a sociedade — representada por uma série de

conselhos, confederações, entidades de classe e associações de diferentes naturezas — era

convidada pela primeira vez, após anos de regime autoritário, a participar da “Semana

Nacional de Educação para Todos”, evento em que se formalizou o “Compromisso

Nacional de Educação para Todos”, responsável por orientar a elaboração do Plano (Cf.

PINTO, 2002).

Contudo, mesmo o documento tendo marcado o compromisso estatal com a

continuidade da política educacional no período de dez anos — algo incomum na história

brasileira e fator indispensável ao combate dos problemas estruturais denunciados na

declaração formalizada em Jomtien —, ele acabaria corroborando para a abertura de um

perigoso caminho de recrudescimento da interferência de organismos multilaterais,

alinhados às teses neoliberais, no cenário educacional brasileiro. Sobre isso, afirma Silva

Júnior (2002, p. 78):

O Plano decenal de educação para todos é a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado pela UNESCO/Bird/Banco Mundial e assumido pelo Brasil como orientador das políticas públicas para a educação que resultaram na reforma educacional brasileira dos anos 1990, realizada em todos os níveis e modalidades, com diretrizes curriculares, referenciais curriculares, parâmetros curriculares nacionais para níveis e modalidades de ensino, produzidos estes de forma competente por especialistas — em geral pesquisadores e professores universitários — de nossas melhores universidades e instituições de pesquisa, afinados com o compromisso assumido pelas autoridades políticas brasileiras em todas as áreas de ação do Estado, particularmente para a educação.

Outro ponto importante do Plano era a sua aproximação com uma lógica

descentralizadora, tendência incorporada pelo governo em praticamente todos os seus

órgãos devido ao fato de continuar a promover a reorganização da administração pública,

redesenhando a atuação estatal em busca de dinamismo, racionalização e otimização de

suas ações. Assim, o Plano Decenal de Educação Para Todos 1993-2003 reafirmou a

importância da construção de alianças e parcerias não somente para o financiamento da

educação, mas para o próprio desenvolvimento do sistema. Logo, subjacente ao discurso da

democratização estava o objetivo implícito de incorporar princípios neoliberais ao

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fenômeno educacional, mediante a disseminação de conceitos como produtividade,

competitividade e modernização. Sobre a questão da descentralização no Plano, Yanaguita

(2011, p. 05) afirma:

[…] este Plano direcionou novos padrões de intervenção estatal (gestão própria do setor privado), recolocando as políticas educacionais como embates travados no âmbito das diretrizes governamentais — a descentralização. Essa visão de descentralização foi incorporada pelos planos posteriores como um redimensionamento a novas formas de gestão educacional através de um gerenciamento eficaz, com vista ao aumento da produtividade e competitividade pelas instituições escolares. Incorpora-se à linha modernizadora de implantar novos esquemas de gestão nas escolas públicas, concedendo-lhe autonomia financeira, administrativa e pedagógica.

Ao não conseguir alcançar o seu propósito de “viabilizar o esforço integrado das

três esferas de governo no enfrentamento dos problemas da educação” (SAVIANI, 1999,

p. 129), sendo, inclusive, parcialmente adotado pela gestão posterior, o documento parece

ter sido “formulado mais em função do objetivo pragmático de atender a condições

internacionais de financiamento para a educação” (IDEM, IBIDEM) do que o de garantir a

universalização da educação básica. Isso fez com que o Plano acabasse entrando para o rol

de ações estatais fracassadas no campo educacional, apesar de o governo Itamar tê-lo

priorizado. Desse modo, sem ter tido tempo suficiente para implementar um projeto

educacional próprio, o presidente apostou na “organização de um movimento em prol da

valorização da educação no contexto das reuniões organizadas pela Unesco, em geral com

financiamento e assessoria do Banco Mundial” (SILVA JR., 2005, p. 42), e viu

malsucedida a sua intenção de romper com a política elaborada por Collor, pois acabou

cedendo às pressões externas e contribuindo — assim como o antecessor — para o avanço

da ofensiva neoliberal sobre a educação pública brasileira.

3.8. A Educação Especial no governo Itamar Franco

No que diz respeito à Educação Especial, o governo Itamar Franco iniciou sua

atuação ao reestruturar o setor em nível governamental e reinserir na estrutura

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organizacional do MEC a Secretaria de Educação Especial, cujas ações se caracterizariam

pela “[…] centralização do poder de decisão e execução, por uma atuação marcadamente

terapêutica e assistencial ao invés de educacional, dando ênfase ao atendimento segregado

realizado por instituições especializadas particulares” (MAZZOTTA, 1990, p. 107 apud

MENDES, 2010, p. 102). Assim, pautado nos princípios da integração, reabilitação e

normalização, o ministério se voltou à manutenção das ações promovidas pelas gestões

anteriores ao centrar esforços na promoção de programas de formação de profissionais para

a área; incentivar, por meio da transferência de recursos financeiros, o trabalho das

instituições privadas; e implantar novas instituições especializadas, sobretudo em

localidades onde não as havia. Porém, mesmo anunciando a intenção de melhorar a

implementação desses programas, o governo acabou dando maior ênfase à elaboração de

dois novos marcos: a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência, de 1993, e a Política Nacional de Educação Especial, de 1994.

Embora a Lei n.7853/89, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do

Adolescente também dispusessem sobre a prestação de serviços às pessoas com deficiência,

o governo Itamar Franco optou pela formulação de uma nova política — a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (de 1993) —, consoante ao

princípio da integração e, portanto, promotora da inclusão parcial, fato que não eliminava a

histórica lógica excludente, que desrespeita o direito à diferença e reafirma a necessidade

dos indivíduos se adaptarem ao sistema ao invés de promover o contrário.

Essa política se notabilizou, inicialmente, pelo caráter generalista em relação ao seu

poder de intervenção no campo educacional, pois se afirmava que a pessoa com deficiência

— então denominada “portadora de deficiência”, um conceito no mínimo retrógado, para

não mencionar sua desumanidade — deveria ter acesso a todos os serviços prestados pelo

Estado, entre eles a educação. Para isso, o aparelho estatal se incumbiria de garantir a

qualificação dos profissionais que viessem a atendê-las, além de auxiliar, conjuntamente

com a sociedade civil, a promoção de sua integração no “contexto socioeconômico e

cultural” (BRASIL, 1993b);36 estimular a criação de empregos; atrair a participação dos

movimentos sociais de pessoas com deficiência na implantação da política; e, finalmente,

ϯϲ Na linha da integração à vida em sociedade, o governo também promulgou a Lei n. 8.859 de 23 de março de 1994, que estenderia aos alunos de “ensino especial” o direito à participação em atividades de estágio (Cf. BRASIL, 1994e).

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ϭϭϭ

mas não menos importante, prover a “articulação entre instituições governamentais e não

governamentais […] visando garantir a efetividade dos programas de prevenção, de

atendimento especializado e de integração social […] evitando ações paralelas e dispersão

de esforços e recursos” (IDEM).

Incentivavam-se mais uma vez, portanto, duas perigosas prerrogativas: a de

transferir serviços e responsabilidades estatais para a iniciativa privada e, finalmente, a de

fortalecer o assistencialismo, característica marcante na história das políticas públicas

voltadas à pessoa com deficiência.

Por sua vez, a Política Nacional de Educação Especial (de 1994) tinha como

principal meta garantir o atendimento educacional ao aluno com deficiência. Estipulava

como meta expandir em 25 por cento, até o final do século XX, o número de indivíduos

atendidos pelos serviços educacionais, “o que ainda [podia] ser considerado muito pouco,

tendo em vista a […] demanda, estimada em torno de 10 por cento da população, os quais

apenas cerca de 1 por cento recebe […] atendimento educacional” (BRASIL, 1994b).

Como objetivos específicos essa política elencava, entre outras coisas, o “desenvolvimento

global das potencialidades dos alunos”; a aquisição, por parte dos alunos, de “hábitos

intelectuais, de trabalho individual e em grupos” e do “saber” e “saber fazer”; a

preparação dos alunos para participarem ativamente da vida social; o ingresso dos alunos

na escola comum; a defesa da estimulação essencial; a preparação para o mercado de

trabalho; e a promoção de ações articuladas entre saúde, educação, ação social e trabalho

(IDEM, IBIDEM).

Para satisfazer as metas, essa política de 1994 determinava ao Estado uma série de

diretrizes, dentre as quais apareciam como as mais importantes o incentivo à formação de

recursos humanos e à promoção de estudos e pesquisas em Educação Especial através de

parcerias com as instituições de Ensino Superior; o apoio aos programas de prevenção da

deficiência e geração de empregos; a melhoria da rede física; e, por último, mas não menos

importante, a realização de parcerias com ONGs especializadas.

Como se pode apreender de seu conteúdo, a Política Nacional de Educação Especial

apenas referendou o que havia sido feito pelos governos nas décadas anteriores. Seus

objetivos e diretrizes não iam além de um protocolo de intenções que seria completamente

ignorado pelas gestões posteriores, dado o fato de não serem associados, por exemplo, a

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metas e mecanismos de financiamento. Seus fundamentos axiológicos também não eram

nada transformadores: falava-se em respeito às diferenças individuais, legitimação da

participação, atribuição de entendimento das pessoas com deficiência como “seres

integrais”, mas se mantinha a integração, em suas diferentes formas — temporal,

instrucional e social — como princípio. Nada existia de inclusivo em seus propósitos, pois

permanecia a diferenciação entre os sujeitos ditos “normais” e os deficientes, ao negar a

escola comum como um espaço necessário para a formação destes indivíduos.

Sendo assim,não se reconhecia o caráter múltiplo da diferença, tal qual

preconizaram Derrida (1991) e Deleuze (2006), mas se reafirmava uma concepção de

diferença negativa, pautada em oposições binárias, e geradora de sistemas classificatórios

perversos, multiplicadores da discriminação, do preconceito e da exclusão.

Concomitante ao lançamento dessa política, o governo relançou uma série de

documentos, elaborados pelo antigo CENESP em 1984, intitulados “Subsídios para

Organização e Funcionamento de Serviços de Educação Especial”, cuja finalidade era a de

“fornecer subsídios aos sistemas de ensino para a organização e o funcionamento de

serviços educacionais prestados aos portadores de necessidades educativas especiais”

(BRASIL, 1995b).Em seu conteúdo havia não só a atualização de conceitos e a reafirmação

de princípios, mas também diretrizes para o atendimento das pessoas com deficiência nos

diferentes tipos de estabelecimentos educacionais. Lamentavelmente, o texto (BRASIL,

1995b), ao

identificar as pessoas que precisam receber educação diferenciada em virtude de sua condição de portador de deficiência auditiva, visual, mental, múltipla, física […]; portador de altas habilidades (superdotado) e portador de condutas típicas (portador de problemas de conduta),

denunciava uma histórica prática estatal: fragmentar as ações educacionais, de modo a

atender parcialmente as demandas reprimidas de grupos sociais marginalizados, para não

ter que transformar a totalidade do sistema e romper o status quo.

Isto posto, em meio a inúmeros problemas conceituais,37 abria-se caminho para a

multiplicação de instituições de Educação Especiais voltadas ao atendimento específico de

ϯϳ Um dos maiores problemas dessa política foi a determinação daquilo que se denominou “condutas típicas”. Ao apresentar uma definição genérica (“Manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes

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ϭϭϯ

cada deficiência, fato que enfraqueceria o movimento social pró-inclusão construído no

início dos anos 1980, pois recrudesceria a disputa entre os grupos de pessoas com

diferentes tipos de deficiência pela legitimação de variados projetos educacionais e ia na

contramão da construção de uma escola inclusiva no país,cujas primeiras bases a

Declaração de Salamanca38 — elaborada pela ONU em 1994, e logo reconhecida pelo

Brasil — já trazia em seu conteúdo:

Princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994, s/p)

Na esteira dessas ações, o Plano Decenal de Educação Para Todos também veio a

incorporar a Educação Especial em suas disposições. Seu conteúdo apenas reafirmou a

importância de o governo oferecer atenção especial às “necessidades básicas de

aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências”, de modo a garantir a “[…]

igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência,

como parte integrante do sistema educativo” (BRASIL, 1993c, p. 75), sem estipular,

porém, metas, objetivos ou fontes de financiamento para tal. Mesmo assim, acabou por

influenciar na elaboração do documento “Expansão e Melhoria da Educação Especial nos e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado”, BRASIL, 1994b, pp. 13-14), qualquer indivíduo que não se adequasse aos padrões de “normalidade” impostos pela instituição escolar poderia ser encaminhado, sem a necessidade de diagnósticos precisos, a classes especiais ou mesmo instituições de Educação Especial. ϯϴNão se pode afirmar que a Declaração de Salamanca fosse fundamentada somente na perspectiva da inclusão. Ao contrário, em algumas disposições reafirmava-se a integração como princípio, como se pode apreender do seguinte excerto: “Nas escolas integradoras, crianças com necessidades educativas especiais devem receber todo apoio adicional necessário para garantir uma educação eficaz. A escolarização integradora é um meio mais eficaz para fomentar a solidariedade entre as crianças com necessidades especiais e seus colegas. A escolarização de crianças em escolas especiais — ou classes especiais na escola de caráter permanente — deveria ser uma exceção, só recomendável naqueles casos, pouco frequentes, nos quais se demonstre que a educação nas classes comuns não pode satisfazer às necessidades educativas ou sociais da criança, ou quando necessário para o bem-estar da criança ou das outras crianças” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994, s/p).

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ϭϭϰ

Municípios Brasileiros”, responsável pela definição — consoante à lógica da

descentralização defendida pelo Banco Mundial — de estratégias para a municipalização da

Educação Especial.

O documento reconhecia que na grande parte das cidades brasileiras, o atendimento

educacional às pessoas com deficiência era “bastante precário em termos de quantidade e

qualidade” (BRASIL, 1994c, p. 8), devido à “falta de compromisso político com o alunado,

resultante do desconhecimento quanto ao papel da Educação Especial e de seus objetivos”

(BRASIL, 1994c, p. 11). O governo portanto aproveitou o movimento favorável à

municipalização e à universalização do acesso ao Ensino Fundamental para sugerir aos

administradores municipais a realização de parcerias junto ao MEC com o objetivo de

expandir a Educação Especial. No entanto, ao invés de garantir as condições necessárias

para que isso ocorresse, estabelecendo metas,mecanismos de financiamento, programas de

formação de recursos humanos, diretrizes para a adequação física das redes escolares, etc.,

apenas se falava genericamente em celebrar alianças e parcerias entre os órgãos

governamentais e cumprir sistematicamente tanto as disposições legais quanto os

dispositivos orçamentários em vigor. Desta maneira, a municipalização da Educação

Especial resultaria inviável, permanecendo apenas no plano do discurso governamental.

O governo Itamar Franco chegaria ao fim sem conseguir implementar programas de

relevo na área da Educação Especial. Contudo, mesmo diante da recente promulgação de

dois importantes marcos legais para a inclusão — a Constituição Federal de 1988 e o

Estatuto da Criança e do Adolescente —, ficaria marcado por retroceder ao lançar duas

políticas com forte cunho integracionista e dar continuidade à agenda neoliberal, proposta

pelo antecessor, no campo educacional.

Por consequência, o Estado permaneceu adotando ações excludentes, ao “isolar os

indivíduos em ambientes educacionais segregados, rotulando-os de deficientes e tratando-

os como crianças pré-escolares” e fortalecer “o rótulo e estigma da deficiência com a

consequente exclusão social, além da minimização de suas potencialidades […]”

(MENDES, 2010, p. 104), frustrando as expectativas dos movimentos sociais pró-inclusão,

ansiosos pelo pleno cumprimento de suas demandas e a construção de uma sociedade mais

justa.

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ϭϭϱ

3.9. O fim de governo e a eleição de Fernando Henrique Cardoso

O governo Itamar Franco chegaria ao seu final reconhecido não somente pela

superação da crise do impeachment, mas principalmente pela formulação de um plano

econômico — o Plano Real — responsável pelo exitoso combate inicial à inflação e pela

introdução do Brasil na rota da estabilização econômica, e de ações no campo social que

serviriam de base para futuras atuações governamentais, como a criação do CONSEA, por

exemplo. Com isso, o presidente reunia os componentes necessários para lançar um

candidato situacionista à sucessão em condições de obter um bom desempenho eleitoral, e a

escolha acabou recaindo sobre o nome de Fernando Henrique Cardoso.

O Plano Real havia posto o então ministro da Fazenda em evidência no cenário

político. Muitas das medidas do plano fizeram com que o sociólogo se notabilizasse pela

sua obstinação para que o plano econômico lograsse êxito e permanecesse cotidianamente

sob os holofotes midiáticos — como, por exemplo, a criação da nova moeda, os ajustes

fiscais e monetários, a aceleração das privatizações, os incentivos à abertura econômica e as

relações tanto com os organismos internacionais (FMI, Banco Mundial, etc.) como com os

diferentes setores da sociedade (partidos políticos, sindicatos, empresariado, entre outros).

Sobre isso, afirma Ianoni (2009, pp. 166-167):

A obstinação de FHC, seu empenho na persuasão da opinião pública e demais atores foram fundamentais. Ele constituiu, enfrentando resistências e receios, uma equipe de elite de assessores econômicos e políticos e administrou divergências em seu interior. Enfrentou obstáculos no Congresso, em outras esferas do sistema político e na sociedade civil, como os que ocorreram durante a votação da política salarial, em meados de 1993, e noutros momentos da implementação do Plano Real. O apoio da mídia ao plano de estabilização foi fundamental, como o foi também a estratégia de comunicação adotada pelos formuladores do plano de estabilização. (IANONI, 2009, pp. 166-167)

Desta forma, o plano econômico acabou por provocar a interação dos diferentes

poderes, “partidos políticos, entes federativos subnacionais, diversos agentes econômicos,

grande mídia e outros atores da sociedade civil” (IANONI, 2009, p. 163) e,

consequentemente, colher resultados iniciais satisfatórios como, por exemplo, a acentuada

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queda da inflação no decorrer do segundo semestre de 1994. Assim, o Estado brasileiro

avançava não só rumo à estabilização econômica, mas à adoção de teses neoliberais que

subsidiariam o futuro rompimento do governo Fernando Henrique com o nacional-

desenvolvimentismo da Era Vargas (Cf. SALLUM JR., 1999).

À medida que essa construção avançava, o governo granjeava melhores índices de

aprovação junto à opinião pública. Esse fator seria decisivo para alavancar a candidatura de

FHC, tornando-a capaz de fazer frente ao favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva, o

candidato do Partido dos Trabalhadores. Dono dos melhores índices nas primeiras

sondagens eleitorais devido ao fato de ter obtido grande desempenho no pleito anterior (ele

fora o segundo colocado contra Collor) e, em função disso, ter alcançado a condição de

principal líder oposicionista do país, Lula se encontrava em pré-campanha, divulgando suas

propostas por todo o território nacional com a realização da “Caravana da Cidadania”,

recebendo razoável cobertura da imprensa e aglutinando em torno de sua candidatura os

insatisfeitos com a crise socioeconômica que afligia grande parte dos brasileiros.

Além de Lula, Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, também se

colocava como candidato pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), mas já não

apresentava mais o mesmo apelo popular de outrora (havia sido terceiro colocado nas

eleições de 1989), pois sua gestão no governo carioca fora alvo de inúmeras críticas e

avaliações negativas. No PMDB— uma das principais forças governistas —cogitaram-se

vários nomes, inclusive os do então ministro da Previdência Social, Antônio Britto, e do ex-

presidente José Sarney, mas prevaleceu o interesse de Orestes Quércia, ex-governador de

São Paulo, que há pouco tempo havia sido alvo de graves denúncias de corrupção relativas

à privatização da VASP (Viação Aérea São Paulo) e, em decorrência disso, enfrentava alta

rejeição popular. Mais à direita no espectro político, existia a possibilidade de Paulo Maluf,

então prefeito de São Paulo, abandonar a prefeitura e se candidatar à Presidência pelo seu

partido, o PPR (Partido Progressista Reformador). No entanto, Maluf acabou desistindo da

ambição e cedendo a vez ao então governador de Santa Catarina, Esperidião Amin.

O PSDB havia sido um dos últimos partidos a definir seu presidenciável. Uma

aliança com o PT foi cogitada pelas lideranças dos dois partidos no início dos anos 1990

(Cf. DIMENSTEIN e SOUZA, 1994), após terem se aliado no segundo turno das eleições

presidenciais de 1989 e feito oposição a Collor. Houve, ainda pouco tempo antes do

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ϭϭϳ

lançamento do Plano Real, em 1993, uma nova tentativa de aproximação, desta vez

capitaneada pelo empresário Oded Grajew, ligado ao PT, e pelo economista e ex-ministro

da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, filiado ao PSDB (Cf. SUASSUNA e NOVAES,

1994). No entanto, a permanência do PT na oposição ao governo Itamar Franco e a rejeição

do partido ao Plano Real frustraram os planos de aliança. A partir de então, o PSDB passou

a trabalhar em função da candidatura do empresário e político cearense Tasso Jereissatti,

favorito dos dirigentes partidários, mas uma opção fraca eleitoralmente (Cf. LEONI, 1997).

Sem conseguir viabilizar a solução Tasso, o partido acabou investindo em Fernando

Henrique Cardoso, nome fortalecido pelo apoio presidencial. Era, portanto, o momento em

que virtú e fortuna, conceitos formulados por Nicolau Maquiavel, se encontrariam no

governo Itamar, tal qual afirma Sallum Jr. (2000, p. 11):

Essas condições e alavancas deram especificidade à fortuna encontrada por algumas lideranças políticas que, bem situadas no seio do Estado, tiveram virtú suficiente para negociar a associação entre partidos de centro e de direita em torno da continuidade das reformas liberais, da estabilização da economia e da tomada do poder político central, corporificando tudo isso no lançamento bem-sucedido do Plano Real e na candidatura, afinal vitoriosa, à Presidência da República do seu articulador, o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

A candidatura Fernando Henrique foi lançada oficialmente após a construção de

uma aliança de centro-direita, envolvendo, oficialmente, PSDB, PTB e PFL. O acordo com

este último, especialmente, causou polêmica e gerou críticas ao presidenciável por parte dos

setores progressistas da sociedade, pois grande parte dos pefelistas construiu carreira

apoiando a Ditadura Militar — a começar pelo candidato a vice-presidente, Marco Maciel

— e defendendo pautas conservadoras. No entanto, era o partido capaz de assegurar a FHC

razoável quantidade de tempo no horário eleitoral gratuito e visibilidade na região

Nordeste, onde o candidato ainda não era suficientemente conhecido e apoiado. Era o início

de uma forte aproximação com a direita, que seria potencializada no decorrer da campanha

eleitoral — devido ao crescimento da candidatura nas pesquisas de intenção de voto — e

atrairia outros apoiadores fortemente vinculados a esse espectro político. Sobre esta

“reengenharia político-eleitoral” feita por Cardoso, afirma Amaral (1995, p. 51):

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ϭϭϴ

Para realizar a proeza antes confiada a Tancredo, o senador e ex-ministro Fernando Henrique Cardoso reuniu em torno de si — além dos militares e do que generalizadamente os textos acadêmicos, inclusive os seus, identificam como “sistema” — um arco de apoios que incluiu desde o multiforme PSDB, ao que poderíamos chamar de extrema-direita, o ruralismo atrasado, meliante, de Caiado e quejandos, passando pelo PTB (da “tropa de choque”de Collor), o PMDB de Sarney, o PFL de sempre, Antônio Carlos Magalhães, o PMDB não quercista, Roberto Campos, os liberais, os neoliberais, os não liberais, os falsos liberais, e os conservadores com matizes e sem matizes. E, nas vésperas do pleito, o PL e, indiretamente, o PRN. Ao lado dessas forças claramente partidárias, o grande empresariado, a FIESP [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e a CNI [Confederação Nacional da Indústria] à frente, a unanimidade dos grandes meios de comunicação de massas, a simpatia dos credores internacionais, o sorriso do capital estrangeiro e o aplauso colaborador do FMI e do Clube de Paris. Reuniu todo o Brasil do status quo […]

A campanha peessedebista apostou na apresentação do seu candidato como o “pai

do Real”, um político “realizador”, cujo “desempenho passado dava credibilidade para o

candidato propor futuras realizações” (Cf. BALBACHEVSKY & HOLZHACKER, 2004).

Para tanto, construiu um plano de governo intitulado “Mãos à Obra, Brasil”, no qual

denunciava a “desorganização do Estado” e o esgotamento do “modelo de desenvolvimento

baseado na industrialização produtiva” (CARDOSO, 1994, p. 14) e afirmava a necessidade

da elaboração de um novo modelo de atuação estatal, que melhor se adequasse às

exigências da globalização e combinasse crescimento econômico com o combate às

desigualdades sociais.

Seu plano elencava, ainda, cinco metas prioritárias — emprego, saúde, agricultura,

segurança e educação —, afora três setores complementares — habitação, saneamento e

turismo. Defendia a privatização e a reforma do Estado; estimulava a realização de

parcerias entre o Estado e a sociedade, sobretudo no tocante às ações de combate à fome e à

miséria e de defesa dos direitos de mulheres, negros, idosos, crianças, adolescentes, índios e

pessoas com deficiência. Previa também a captação de recursos junto aos organismos

multilaterais e à iniciativa privada para auxiliar o financiamento das futuras ações estatais,

investimentos em infraestrutura para melhorar a produtividade do país, e destacava a

necessidade de uma “participação ativa na vida internacional” (Cf. CARDOSO, 1994).

Tratava-se, portanto, de um plano de governo ambicioso que, associado ao sucesso inicial

do Plano Real, acabou por fortalecer a candidatura de FHC.

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A campanha ocorreu tranquilamente, salvo os incidentes envolvendo denúncias de

corrupção a dois candidatos à Vice-Presidência (Guilherme Palmeira, do PFL, e José Paulo

Bisol, do PSB), e a estratégia governista, de forçar a polarização com o PT, acabou dando

certo. A propaganda televisiva, o forte apoio estatal e acentuada queda da inflação,

motivada pelo Plano Real, fizeram com que a candidatura FHC crescesse rapidamente nas

intenções de voto, superando a candidatura Lula e se distanciando ainda mais dos demais

adversários. Sendo assim, o voto conservador, fruto da aposta “no visto, no conhecido, no

provado, no gostado” (AMARAL, 1995, p. 57), prevaleceu e acabou levando o intelectual e

político Fernando Henrique Cardoso à Presidência sem que houvesse segundo turno. Com

54,3 % dos votos, após ter recebido amplas votações nas regiões Sudeste e Nordeste (Cf.

JACOB, 2000), o novo presidente governaria auxiliado por uma ampla coalizão e faria do

seu mandato o período de maior afirmação do ideário neoliberal em toda a história do país.

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ϭϮϬ

CAPÍTULO 4 – A era Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e a

atuação na Educação Especial

4.1. O primeiro governo FHC (1995-1999)

Fernando Henrique Cardoso, ao assumir o poder, em 1995, estabeleceu como

prioridade a manutenção do processo de estabilização econômica iniciado pelo Plano Real.

Identificava a necessidade de aprofundar um conjunto de reformas, sob a justificativa de

que eram fundamentais para alavancar o desenvolvimento econômico brasileiro e combater

a desigualdade social. Nesse sentido, incumbiu-se, logo no primeiro momento, de criar um

órgão — o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) — destinado a

promover uma ampla reformulação do aparelho estatal e melhor adequá-lo às exigências da

nova ordem capitalista. A pasta, comandada por Luiz Carlos Bresser-Pereira, tinha como

principal atribuição a elaboração daquilo que ficaria conhecido como “Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado”, um “instrumento indispensável para consolidar a

estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia” (BRASIL, 1995a, p. 09).

A polêmica iniciativa contou, inicialmente, apenas com o respaldo presidencial,

visto que, embora se julgasse pertinente a realização de uma “reforma gerencial”, o tema

não constara na agenda da campanha presidencial, tampouco era objeto de maiores

discussões à época por parte da opinião pública (Cf. BRESSER-PEREIRA, 2010).

Assim, inspirado nos exemplos de Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Austrália e

Estados Unidos, o MARE pôs-se a trabalhar no convencimento da sociedade e na

formulação de uma reforma que acabaria por contribuir para o fim do “Estado

intervencionista” da Era Vargas, responsável por estimular um “modelo de

desenvolvimento autárquico […] que à sua época assegurou progresso e permitiu nossa

industrialização, [mas] começou a perder fôlego nos anos 70” (CARDOSO, 1994, s/p).

Embora o principal responsável pela reforma do aparelho do Estado, o ministro Luiz

Carlos Bresser-Pereira, se esforçasse em negar a influência do receituário neoliberal em

suas ações — “Na verdade, a reforma gerencial não tinha nada de neoliberal. Não

enfraquecia, mas fortalecia o Estado tornando-o mais capaz e eficiente” (BRESSER-

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ϭϮϭ

PEREIRA, 2010, p. 184) —, afirmando, inclusive, que seu projeto não contava com o apoio

do Banco Mundial, o que se viu na prática foi o contrário. O Estado brasileiro encontraria

na “reforma gerencial” diretrizes favoráveis à privatização, à desregulamentação,à

flexibilização e à descentralização, elementos tipicamente neoliberais defendidos pelas

grandes potências capitalistas e pelos organismos multilaterais como alternativas para os

países em desenvolvimento superarem a crise econômica dos anos 1980.

Seguindo à risca esses preceitos, coube ao “Plano Diretor da Reforma do Aparelho

do Estado” estabelecer os objetivos e as diretrizes para que o Estado brasileiro alcançasse

um modelo que primasse pela “eficiência” e pela “produtividade”, de modo a combater a

“deterioração dos serviços públicos, […] o agravamento da crise fiscal e, por

consequência, da inflação” (BRASIL, 1995a, p. 09) e, finalmente, lograr êxito na

“superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração

pública burocrática” (BRASIL, 1995a, p. 15).

Assim, em substituição ao Estado burocrático da Era Vargas, surgiria como

alternativa o modelo “gerencial”, nascido no cotidiano das empresas, cuja lógica era “[…]

baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos

resultados e descentralizada” (BRASIL, 1995a, p. 10).

Transformar o “Estado burocrático” em “Estado gerencial” implicava fortalecer a

ação reguladora do aparelho estatal, de modo a fazê-lo abandonar seu papel de “executor ou

prestador direto de serviços” (BRASIL, 1995a, p. 18). Por conseguinte, as estruturas

administrativas deveriam ser reorganizadas com base em valores mais apropriados ao

capitalismo e às teses neoliberais, como qualidade, produtividade e meritocracia. O

cidadão, nesse novo contexto, teria outro papel, tornando-se “‘cliente privilegiado’ dos

serviços prestados pelo Estado” (BRASIL, 1995a, p. 10). Afora isso, o Plano determinava

cinco medidas a serem realizadas pelo governo, para tornar viável o “Estado gerencial”:

(1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; (3) a reforma da previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua

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ϭϮϮ

“governança”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (BRASIL, 1995, p. 11)

Dentro dessa proposta de reorganização do Estado brasileiro, o Plano distingue

quatro setores no interior do aparelho estatal: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas,

os serviços não exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado. O primeiro

consistiria no conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; o segundo, em

serviços que são exclusivos à função estatal, ou seja, as capacidades de fiscalizar,

regulamentar e fomentar determinadas ações; o terceiro setor é o responsável por abrigar os

serviços em que o Estado pode atuar junto de outras organizações, como é o caso de

hospitais, museus, centros de pesquisa e até mesmo universidades e instituições

especializadas no atendimento às pessoas com deficiência (cabe o destaque de Fernandes

(2011, p. 32): “aqui, uma referência importante está na indicação do lugar da educação

como parte do setor de serviços não exclusivos, embora o Estado esteja presente”); e por

fim, o quarto e último setor, espaço destinado à atuação das empresas, que mesmo voltadas

ao lucro, permanecem no controle do Estado (Cf. BRASIL, 1995a).

A partir dessa estrutura de funcionamento da administração pública, o MARE

empreendeu esforços no sentido de auxiliar a implementação da reforma, atuando

concomitantemente em três dimensões: a institucional-legal, a cultural e a gerencial.

No tocante à dimensão institucional-legal, foi enviada ao Congresso Nacional a

Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, cujos propósitos eram o de modificar

o regime da Administração Pública, ao dispor novos princípios e normas,estabelecer

controles de despesas e finanças públicas e legislar sobre questões específicas a servidores

e agentes políticos. Fernandes (2011, p. 24), afirma que “a partir dela o governo federal

editou a Lei n. 9784, de 29 de janeiro de 1999, publicada no Diário Oficial da União em

10 de fevereiro de 1999, que regulou o processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal”. Além disso, o órgão elencava como prioridades, para o

sucesso do Plano, a realização das reformas previdenciária e tributária, que reafirmariam o

caráter neoliberal das ações do governo Fernando Henrique.

Já em relação à dimensão cultural, além das estratégias de convencimento da

opinião pública, da classe política e do funcionalismo público acerca da importância da

reforma do aparelho estatal — que tiveram o ministro Bresser-Pereira como o principal

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ϭϮϯ

porta-voz —, houve uma tentativa, por parte do ministério, de combater uma “cultura

burocrática” (Cf. BRASIL, 1995a), que procurava conter o clientelismo e o

patrimonialismo, mas empacava a rotina administrativa mediante a “rigidez da estabilidade

e dos concursos, o formalismo do sistema de licitações e o detalhismo do orçamento”

(BRASIL, 1995a).

No que se refere à dimensão gerencial, o MARE priorizou a formulação de uma

política de recursos humanos fundamentada na lógica do mérito. Para tanto, estimulou a

criação de um novo “sistema de motivação” do funcionalismo público brasileiro, prevendo,

entre outras coisas, revisões de cargos e salários; extinção de postos de trabalho; eliminação

de privilégios; realização de concursos públicos com maior periodicidade; incentivo à

produtividade e à autonomia na gestão; estabelecimento do princípio da eficiência;

flexibilização dos estatutos de trabalho do funcionalismo e crescente profissionalização dos

servidores. Estavam definidas as bases daquilo que viria a ser a transformação de uma

administração baseada em processos para uma administração voltada aos resultados, tal

qual desejavam as grandes potências capitalistas e os organismos multilaterais.39

Não se pode afirmar que a curta existência, de 1995 a 1999, desse Ministério da

Administração e Reforma do Estado tenha sido infrutífera. Por sua iniciativa, o Estado

brasileiro iniciara uma reestruturação que inspiraria estados e municípios a fazerem o

mesmo em suas respectivas máquinas administrativas. No entanto, esses frutos estariam

mais ao gosto do grande capital, visto que, com a reforma, o Estado se voltaria — ainda

mais — aos interesses capitalistas.

Isto justificava medidas como as privatizações das empresas estatais, dado que

“reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser

controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995a, p. 17); o abandono estatal do seu papel de

“executor ou prestador direto de serviços” para tornar-se “regulador e provedor ou

promotor destes” (BRASIL, 1995a, p. 18); a ampliação dos processos de

desregulamentação; a promoção de medidas descentralizadoras sem que fosse conferida, ϯϵ Se o Banco Mundial não mostrava interesse, segundo Bresser-Pereira, no projeto brasileiro de reforma do aparelho estatal, não se pode dizer o mesmo do BID. O Banco não só apoiou desde o início a proposta brasileira, como também auxiliou no financiamento. É o que aponta Bresser-Pereira (2010, p. 185): “No final do terceiro ano de meu ministério, o BID aprovou um financiamento significativo para a reforma, que meu secretário Carlos Pimenta conduziu com competência, usando os recursos principalmente para desenvolver o setor eletrônico do governo, para financiar reestruturações organizacionais e modernização na gestão de recursos humanos, e para difundir as experiências da reforma no nível dos estados e grandes municípios”.

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ϭϮϰ

por exemplo, maior autonomia a estados e municípios na condução das políticas públicas; a

transferência de responsabilidades, sobretudo no campo social, para a iniciativa privada

através do apoio constante ao Terceiro Setor; as crescentes reduções de custos em nome da

racionalidade administrativa e da estabilidade econômica; os aumentos de impostos; o

incentivo à flexibilização das relações trabalhistas; entre outras ações de cunho neoliberal,

elaboradas tanto no primeiro quanto no segundo governo Fernando Henrique Cardoso.

Desta forma, estaríamos inseridos “nas tendências do capitalismo contemporâneo

de maneira ainda mais perversa, dada a nossa forma de inserção completamente

subalterna […]” (ANTUNES, 2005, p. 101) e assistiríamos à destruição de direitos sociais,

ao aumento da desigualdade e à crescente dependência do país em relação às grandes

potências capitalistas.

Com base nesses fundamentos, o governo se viu em condições de priorizar sua

atuação no campo econômico, objetivando a bem-sucedida manutenção do Plano Real.Era,

inclusive, o que anunciava o presidente na mensagem presidencial de 1995: “Meu Governo

nasce, portanto, firmemente comprometido com a consolidação do Plano Real e o

aprofundamento das reformas que darão sustentação ao crescimento econômico

inaugurado nos últimos dois anos” (CARDOSO, 1995, p. XV).

De fato, o país parecia estar no caminho da estabilidade, visto que, ao final do

governo Itamar Franco, o mal da inflação “imensa, que destruía a memória dos preços do

consumidor, tornava todos os mercados monopólicos e impunha aos brasileiros total

insegurança quanto ao valor de seus rendimentos, despesas, créditos e débitos” (SINGER,

1999, p. 31) estava controlado; o real estava sobrevalorizado, mantendo-se em pé de

igualdade com o dólar, “uma proeza de que nenhum ‘patriota’ poderia deixar de se

orgulhar” (SINGER, 1999, p. 32); o consumo era intensificado e os recursos estrangeiros

chegavam em grandes volumes ao país.

Todavia,entre 1994 e 1995, o mundo conheceu a “Crise do México” 40 e o mercado

passou a cogitar a possibilidade de o Brasil seguir os mesmos passos dos mexicanos, dado

que ainda existiam problemas estruturais em terras tupiniquins, que poderiam comprometer

ϰϬProcesso de desestabilização econômica do país latino-americano resultante de uma crise da balança de pagamentos, agravada pela especulação financeira e pela retirada do capital estrangeiro, que gerou alto desemprego e desmonte do parque industrial mexicano. A partir de então, o mercado passou a desconfiar que Argentina e Brasil seguiriam o mesmo caminho, o que resultou no chamado “efeito Tequilla”, ou seja, um agravamento na situação econômica desses países em razão da fuga de capitais para outras localidades.

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não só o processo de estabilização da economia, mas a imagem do país junto ao mercado

internacional. Em razão disso, era preciso que se combatessem, efetivamente, problemas

como a ineficácia dos serviços públicos,a péssima distribuição de renda,a baixa

qualificação das forças de trabalho,a péssima qualidade do emprego e os altos índices de

desemprego,o elevado “custo-Brasil”,os sucessivos déficits da balança comercial,as

dificuldades do setor produtivo diante da abertura à concorrência internacional,o alto

endividamento interno e externo e a crescente fuga de capitais.

Consideravam-se, portanto, a inflação e a possível reindexação da economia como

ameaças concretas à estabilização da economia em meados de 1995. A saída encontrada

pelo governo Fernando Henrique foi a adoção de uma política econômica mais alinhada às

diretrizes do “Consenso de Washington”, 41 repleta de medidas impopulares como a

diminuição do crédito, para desaquecer o consumo; a desvalorização gradual do câmbio

(que afetava diretamente a autoestima da população, orgulhosa da paridade do Real com o

dólar americano) e as alterações no sistema tributário, que acabaram gerando, entre outras

coisas, a criação de novos tributos, como a CPMF (Contribuição Provisória sobre a

Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira).

Além disso, estimulou-se a mercantilização da economia brasileira com a promoção

de altas taxas de juros, de modo a conter a fuga dos capitais aqui aplicados; ampliou-se o

programa de privatizações — cujos produtos permitiriam, supostamente, a diminuição da

dívida pública —; manteve-se alto rigor fiscal, que resultou em superávits, tal qual

desejavam o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial; bancos quebrados foram

salvos pelo famigerado PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao

ϰϭFiori assim disserta sobre o “Consenso de Washington”: “A ilustrativa figura de linguagem [“Consenso de Washington”, matriz do Plano Real e de tantos outros em nível planetário a orientar não só a economia, mas, sobretudo, as mudanças sociais e as reformas institucionais brasileiras], hoje de domínio público internacional, refere-se a um plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado pelo FMI e pelo Bird em mais de 60 países de todo o mundo, configurando uma estratégia de homogeneização das políticas econômicas nacionais, operadas, em alguns casos, como em boa parte da África — começando pela Somália, no início [da década] de 80 — diretamente pelos próprios técnicos daquelas agências; em outros, como para exemplificar, na Bolívia, na Polônia e mesmo na Rússia até há bem pouco tempo, com a ajuda de economistas universitários norte-americanos; e, finalmente, em países com corpos burocráticos mais estruturados, pelo que Williamson apelidou de technopols, ou seja, economistas capazes de somar ao perfeito manejo do seu mainstream (evidentemente neoclássico e ortodoxo) a capacidade política de implementar nos seus países a mesma agenda do consensus, como é ou foi o caso, para exemplificar, de Aspe, Salinas e Zedillo, no México; de Cavallo, na Argentina; de Yegor Gaidar, na Rússia; de Lee Teng-hui, em Taiwan; Manmohan Singh, na Índia; ou mesmo Turgut Ozal, na Turquia; e, a despeito de tudo, Zélia e Kandir, seguidos de Malan, Arida, Bacha e Franco no Brasil” (FIORI, 1995, p. 234 apud SILVA JR., 2005, p. 79).

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Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) 42e estabeleceu-se um programa de metas

inflacionárias, para conter a volta da inflação — a grande vilã dos anos 1980.

Esse conjunto de diretrizes da política econômica colocaria todo o peso dos

problemas da área no Estado, tal qual afirma Singer (1999, p. 37): “Convém notar que a

discussão econômica, durante estes quatro anos, foi dominada pelos dogmas neoliberais,

dos quais o primeiro é que, se há desequilíbrio, a responsabilidade é sempre do Estado”.

Nesse sentido, o governo procurou viabilizar sua política, implementando medidas que

transformariam o Estado em “regulador”, de modo a diminuir seu caráter intervencionista e

o custo de suas ações.

Resulta disso a aprovação da “Lei de Concessões”, Lei n. 8.987 de 13 de fevereiro

de 1995, que dispõe “sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços

públicos […]” (BRASIL, 1995b) e permitiu, portanto, a desestatização da rede ferroviária

federal,de segmentos da malha rodoviária, de portos e de redes de energia; a ampliação do

programa de privatizações mediante a venda da Companhia Vale do Rio Doce, do sistema

Telebrás e de outras empresas; a aprovação da Emenda Constitucional n. 9 de 1995,

responsável pela quebra do monopólio estatal do petróleo; e finalmente a criação de

agências reguladoras como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a ANP

(Agência Nacional do Petróleo) e Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica),

responsáveis por fiscalizar as ações de setores que passaram a sofrer parcial ou total

interferência da iniciativa privada.

Ao dispor de parte considerável do patrimônio nacional, o governo Fernando

Henrique imaginava reunir recursos suficientes para investir, senão na solução, ao menos

no combate aos problemas estruturais do país. Todavia, o montante arrecadado com as

privatizações e concessões foi quase todo destinado ao pagamento dos juros da dívida

pública, numa clara demonstração de fidelidade ao cumprimento das diretrizes do

ϰϮA criação do controverso PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) resultou numa operação “salva-bancos” à medida que livrou da bancarrota algumas instituições bancárias como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus, entre outras, através do incentivo à incorporação destas por bancos financeiramente saudáveis. Para tanto, o governo criou um programa que “prevê incentivos tributários, linhas especiais de crédito e flexibilização temporária de exigências expressas no Acordo da Basileia para as instituições que venham a incorporar, no todo ou em parte, o patrimônio de outras instituições financeiras” (CARDOSO, 1996, p. 07), gastando, assim, alguns bilhões de dólares para recuperar bancos em processo de falência.

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“Consenso de Washington”. Desta forma, o Estado brasileiro permanecia incapaz de

fomentar o próprio desenvolvimento econômico e promover justiça social.

A saída encontrada pelo governo acabou sendo, mais uma vez, a recorrência a

empréstimos junto órgãos multilaterais/regionais de financiamento — Banco Mundial,

Banco Interamericano de Desenvolvimento, Corporação Andina de Fomento e Fundo de

Desenvolvimento da Bacia do Prata — e às agências bilaterais de financiamento externo —

EXIMBANK (Export-Import Bank of the United States), OEFC (Overseas Economic

Cooperation Fund) e o banco alemão KFW (Cf. BRASIL, 1996a) —, além da realização de

parcerias com a iniciativa privada brasileira para a realização de programas de

infraestrutura e políticas sociais.

Essa opção governamental provocou o aumento da dívida pública e contribuiu,

sobremaneira, para o esvaziamento das funções estatais, mas não impediu que se

articulassem ações para combater — em nome do desenvolvimento — os problemas sociais

do país. Decorrem disso iniciativas como a formulação do documento “Uma estratégia de

desenvolvimento social”, que estabeleceu as bases da atuação do governo FHC no campo

social e a criação de dois de seus maiores programas: o Comunidade Solidária e o Brasil em

Ação, ambos concebidos em consonância com a “lógica gerencial”.

No supracitado “Uma estratégia de desenvolvimento social”, lançado em 1996, o

governo se empenhou em reafirmar sua prioridade — a manutenção da estabilidade

macroeconômica — e estabelecer os objetivos de sua política social: a universalização do

acesso aos serviços públicos, o aumento da eficiência e da eficácia destes, a melhoria da

qualidade, a promoção da descentralização, da participação e das parcerias, e o enfoque no

seu papel redistributivo.

De fato, este documento avançou em relação ao plano de governo apresentado

durante a campanha eleitoral de 1994, pois refletiu o choque de realidade decorrente da

inserção de grande parte dos seus formuladores em postos-chave da máquina administrativa

federal. Em razão disso, realizou-se um diagnóstico mais realista da problemática situação

social brasileira, propôs-se o fortalecimento do Comunidade Solidária e um conjunto

enxuto de programas voltados às áreas da educação;43 trabalho, emprego e renda; saúde,

ϰϯA educação constava no documento, pois era compreendida pelo governo como “um dos pontos mais graves a serem enfrentados por uma política responsável, para que o país possa desenvolver-se de forma mais rápida e reduzir os desequilíbrios sociais” (BRASIL, 1996c, p. 65). Em razão disso, se previa a criação do

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alimentação e nutrição; saneamento básico e habitação; justiça, previdência e assistência

social.

Tratava-se, portanto, de um processo de adequação da área social aos propósitos

governamentais. Adotou-se, então, em face das constantes alegações de que a União sofria

com as severas limitações orçamentárias, uma política de redistribuição dos recursos, com

vistas a melhorar a “qualidade” do gasto social — quando, na realidade, era preciso que o

governo fosse além, aumentando substancialmente o volume dos investimentos em ações

fundamentais ao combate à desigualdade. Essa opção denunciava a relegação dos

programas sociais ao segundo plano na agenda governamental, contrariando o propósito de

formular “políticas, programas e ações que promovam, consolidem ou garantam direitos

sociais básicos e a igualdade de oportunidades, ofereçam defesa contra situações

recorrentes de risco e deem proteção social a grupos vulneráveis” (CARDOSO, 1996, p.

13).

Afora isso, outra preocupante diretriz também seria reafirmada pelo documento

“Uma estratégia de desenvolvimento social”: a recorrência a empréstimos junto aos órgãos

multilaterais e à iniciativa privada para financiar partes de sua política social, como se

observaria na atuação do Comunidade Solidária, o que tornavam evidentes a forte

dependência externa do Estado brasileiro e a manutenção de sua postura desertora no

campo social.

O programa Comunidade Solidária, lançado em 1995, resultava da intenção do

governo de reformular a área social, após ter extinguido a LBA (Legião Brasileira de

Assistência), o Ministério do Bem-Estar-Social, o CBIA (Centro Brasileiro para a Infância

e a Adolescência) e, finalmente, o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar)

(Cf. PERES, 2006). Em substituição a esses órgãos, foi criado, por meio do Decreto n.

1.366 de 12 de janeiro de 1995, esse novo programa, responsável por “coordenar as ações

governamentais voltadas para o atendimento da parcela da população que não dispõe de

meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à forme e à

FUNDEF; do Plano de Valorização do Ensino Fundamental e do Magistério; o estímulo à Educação à Distância através do investimento na TV Escola; a ampliação do Programa Nacional do Livro Didático; o estabelecimento dos conteúdos curriculares nacionais de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental; a criação de mecanismos de avaliação educacional; a expansão da educação profissional; a transferência direta de recursos para as escolas do Ensino Fundamental; o desenvolvimento do programa Alfabetização para Todos; o estímulo ao programa Esporte Solidário e o incentivo à formulação de parcerias com a sociedade civil.

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pobreza” (BRASIL, 1995c). Não se tratava de uma novidade no âmbito governamental,

pois o CONSEA já introduzira a questão do combate à fome e à miséria na agenda

governamental através do “Programa de Combate à Miséria e à Fome e pela Vida”, em

1993. No entanto, o Comunidade Solidária de 1995 teria novas atribuições — além do

combate à fome, ficaria o programa responsável por ações nas áreas da saúde, defesa de

direitos, serviços urbanos, desenvolvimento rural, emprego e renda —, de modo a abarcar

um total de “20 programas, executados por nove ministérios (Agricultura, Educação,

Esportes, Fazenda, Justiça, Planejamento e Orçamento, Previdência e Assistência Social,

Saúde e Trabalho)” (PELIANO, RESENDE & BERGHIN, 1995, p. 24). Sobre o modus

operandi do programa, afirmam Peliano, Resende & Berghin (1995, p. 21):

O Comunidade Solidária é, assim, uma proposta do governo federal de parceria entre os três níveis de governo — federal,estadual e municipal — e a sociedade em suas diversas formas de organização e expressão. Pretende ser uma estratégia de articulação e coordenação de ações de governo no combate à fome e à pobreza, não se tratando de mais um programa. A parceria e a descentralização que caracterizam a proposta do Comunidade Solidária não permitem a elaboração de um modelo único de atuação. Trata-se de um processo extremamente dinâmico, construído coletivamente. O Comunidade Solidária propõe-se também a introduzir na esfera pública novas formas de gerenciamento de programas sociais,evitando o clientelismo, a centralização, a superposição e fragmentação das ações e a pulverização dos recursos,eliminando a ineficiência, a descontinuidade e o desperdício.

A realização das ações inseridas no “Comunidade Solidária” dependeria do

financiamento governamental, já previsto no plano de governo divulgado na campanha

presidencial — “o Governo Fernando Henrique destinará R$ 4 bilhões por ano para

financiar as atividades do Programa Comunidade Solidária” (CARDOSO, 1994b, p.

225)44 —, dos recursos internacionais prospectados e, sobretudo, da realização de parcerias

entre o Estado e a iniciativa privada.45 Isso significava que um dos principais projetos

ϰϰSegundo Del Porto (2006), o montante de recursos aplicado pelo governo FHC no programa foi bem abaixo do que o anunciado no plano de governo. Em vez de 4 bilhões de reais anuais, foram aplicados no triênio 1995-1998 4,8 bilhões de reais. ϰϱA ênfase dada pelo governo à importância da participação da iniciativa privada na implementação de sua política social reafirma seu propósito de isentar o Estado de maiores responsabilidades no que diz respeito à assistência social. Sobre isso, afirma Netto (1999, p. 87): “A privatização refere-se especialmente à política de assistência, transferida para a alçada da ‘sociedade civil’ — que se incumbiria da construção de ‘redes de

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governamentais acabaria por sofrer do “[…] mal crônico das políticas e programas sociais

no Brasil: insuficiência e instabilidade de recursos disponíveis, uma vez que continuam a

prevalecer os ditames econômicos sobre os sociais” (COHN, 1995, p. 17), embora se

afirmasse a necessidade de combater problemas históricos como a centralização, o

clientelismo, a descontinuidade e a fragmentação das ações na área social (Cf. DEL

PORTO, 2006).

Contudo, por meio da descentralização e da flexibilização, o programa coordenado

por Ruth Cardoso conseguiu alcançar uma razoável quantidade de municípios pobres,

sobretudo nas regiões norte e nordeste, alcançando os seguintes resultados, divulgados no

documento “Comunidade Solidária: três anos de trabalho”:

· Índices de desnutrição dos menores de cinco anos: redução do nível de 32,9% em 74 para 10,4% em 1996; · Mortalidade infantil: redução de 43% em 1997, em comparação com 1994, nas áreas acompanhadas pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde; · Internações hospitalares e óbitos em crianças menores de cinco anos nos municípios de risco do PRMI: quedas de 25% e 35%, respectivamente, no triênio 1995/1997; · Proporção de crianças fora da escola: redução de 13,4% em 1992 para 8,8% em 1996; e, taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais: redução do nível de 16,5% em 1992 para 13,8% em 1996. (BRASIL, 1998, p. 28 apud DEL PORTO, 2006, p. 34)

Não se pode afirmar que o programa tenha sido o único responsável por esses

resultados, dado que havia, nos períodos destacados pelo documento “Comunidade

Solidária: três anos de trabalho”, uma gama de ações governamentais articuladas em

diferentes áreas para combater problemas como a mortalidade infantil, o analfabetismo, a

desnutrição, etc. Tampouco se poderia esperar que o projeto efetivamente solucionasse

esses problemas, visto que não havia, por parte do governo, o real comprometimento com a

radical transformação do cenário social. Ao contrário: havia o claro propósito de promover

consensos (vide a realização, malsucedida, das “Rodadas de Interlocução Política”,46 apesar

proteção social’ ou de ‘instituições de solidariedade social’, com as quais o Estado poderia concertar ‘parcerias’ (inclusive em modalidades similares à de uma ‘terceirização’). A resultante deste processo de privatização acaba por dar à política de assistência um caráter de não política (conforme a feliz expressão de Aldaíza Sposatti), retirando-lhe o estatuto de direito social [...]”. ϰϲ O governo FHC, mesmo ciente da gravidade do quadro socioeconômico brasileiro e das históricas desigualdades entre os brasileiros, tentou atrair a participação da sociedade civil na discussão dos problemas

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ϭϯϭ

de ser uma interessante tentativa de ampliação da participação da sociedade civil no

processo de elaboração das políticas públicas) e assegurar a manutenção do status quo,

mesmo que, para o sucesso da tarefa, fosse necessário investir em um conjunto de políticas

sociais com vistas a apenas atenuar as desigualdades entre os brasileiros. Sobre essa opção

do governo Fernando Henrique, afirma Netto (1999, p. 75):

Ora, a direção social do primeiro governo FHC foi rigorosa, coerente e sistemática: em aberta contradição com o seu passado democrático e com suas promessas de campanha, FHC, desde os seus primeiros dias no Planalto, presidiu um governo direcionado contra os interesses e as aspirações da massa dos trabalhadores brasileiros. Prova-o, entre outros indicadores mais que suficientes, a condução da política social (ou, se se quiser, das políticas sociais) ao longo do seu primeiro mandato. (grifos do autor)

Já o programa Brasil em Ação, lançado em 1996, reunia um conjunto de 42

projetos, sendo 16 voltados à área social e 26 à infraestrutura, que tinham “a característica

de guardar entre si estreita relação de complementaridade do ponto de vista da ocupação

dos espaços brasileiros” e combinavam investimentos públicos (provenientes da União,

dos estados e municípios) e privados (oriundos dos capitais nacional e internacional).

Tratava-se de uma iniciativa ousada — dentre as ações previstas estavam a

reorganização do Sistema Único de Saúde,a redução da mortalidade infantil, o investimento

no magistério, a ampliação da política de reforma agrária e a ampliação e recuperação dos

sistemas de telecomunicação e transportes47 —, que foi posteriormente ampliada, já no

segundo mandato de Fernando Henrique, e trouxe contribuições inéditas no tocante ao

sociais do país, a fim de produzir consensos acerca de alguns dos principais pontos da agenda brasileira, o que se traduziu numa missão malsucedida. A essas reuniões foi dado o nome de “Rodadas de Interlocução Política”,e teriam por objetivo geral “[...] contribuir para a construção de um acordo ou entendimento estratégico em torno de uma agenda mínima de prioridades, medidas, instrumentos e procedimentos de ação social do Estado e da sociedade para o enfrentamento da pobreza e da exclusão social e para a promoção do desenvolvimento humano e social sustentável” e por objetivos específicos: “[...] estimular soluções, acompanhar e tornar mais ágil a implementação de providências, contribuir para remover obstáculos e superar impasses que comprometem, delongam ou tiram a eficácia das ações a ser empreendidas” (BRASIL, 2002, p. 11-12 apud DEL PORTO, 2006, p. 59). ϰϳ O programa também previa investimentos voltados ao combate ao déficit habitacional; à melhoria da qualidade da água e do saneamento básico; à qualificação do trabalhador; à geração de emprego; ao desenvolvimento do turismo na região nordeste; ao fortalecimento da agricultura familiar; à energia; à educação à distância e ao redirecionamento de recursos direto para as escolas.

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ϭϯϮ

acompanhamento das ações, pois seus responsáveis (os gerentes) atualizavam,

cotidianamente, o andamento dos projetos e dos repasses orçamentários.

Além das implantações do “Comunidade Solidária” e do “Brasil em Ação”, há de se

destacar a criação, já no final do mandato de FHC, da Rede de Proteção Social. Em total

consonância ao acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional por ocasião da crise

econômica de 1998, o Estado brasileiro se comprometeu a manter uma agenda mínima na

área social, garantindo a execução de programas considerados de suma importância para a

proteção dos setores mais pobres da sociedade (Cf. TIEZZI, 2004). Assim, acabaram

escapando da guilhotina imposta pela política econômica iniciativas como o Seguro-

Desemprego, o Bolsa-Alimentação, a Renda Mensal Vitalícia para idosos, entre outros.

Nesse sentido, é oportuno salientar, tomando emprestada uma definição de

Dermeval Saviani (2008), que os objetivos — e até mesmo algumas estratégias —

proclamados pelos maiores programas sociais do governo Fernando Henrique eram

positivos e pareciam transformadores. Não fossem os objetivos reais, determinados pela

adoção de uma agenda governamental neoliberal, que deslocou a área social do conjunto

das maiores prioridades e lhe assegurou ínfimos recursos para investimento, o governo teria

sido mais efetivo no combate à desigualdade social.

Todavia, a ocorrência sucessiva de crises econômicas acabou contribuindo para que

o governo recuasse ainda mais na implementação de suas políticas sociais. A primeira

ocorreu no decorrer de 1997 e ficou conhecida como “Crise Asiática”, pois foi iniciada na

Tailândia e se espalhou pelo sudeste asiático, atingindo Hong Kong, Malásia, Indonésia,

Filipinas, Coreia do Sul — até então, países em franco crescimento econômico — e

chegando ao Japão, uma das maiores potências capitalistas, que acabou assistindo à falência

de algumas de suas casas bancárias. Semelhante ao que ocorrera no México em 1995, o

mercado encontrava-se desconfiado e insatisfeito com as medidas econômicas adotadas por

parte dos governos de nações asiáticas. Em razão disso, promoveu-se novamente uma

debandada de capitais, que contribuiu diretamente para a alta desvalorização das moedas, o

crescimento exorbitante das dívidas e a recessão econômica desses países.

Não tardou, portanto, para que ocorresse o “efeito-dominó” e o mercado, cada vez

mais globalizado, sinalizasse com igual desconfiança para outros países em

desenvolvimento. No Brasil, as bolsas de valores sofreram grandes quedas, indicando o

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início de um processo de desestabilização, e a resposta do governo foi imediata e

semelhante à que ofertara no episódio da “Crise do México”: aumento da taxa de juros —

que já era muito elevada — para favorecer a manutenção do capital estrangeiro aqui

aplicado; rigoroso controle fiscal — que incluía a diminuição dos investimentos na área

social —; e intensificação do programa de privatizações.

E as consequências foram amargas: aumento do desemprego, dos impostos e da

dívida pública; reduções salariais; desaceleração do crescimento econômico; desmonte do

patrimônio público e intensificação da desigualdade. Era o preço que se pagava em nome

da estabilidade dos preços, da manutenção dos baixos índices inflacionários e da

dependência em relação ao grande capital.

Pouco tempo depois, em 1998, ocorreu a “Crise da Rússia”, motivada pelas

dificuldades do país se adaptar às regras da economia de mercado após o fim da União

Soviética. Convivendo com problemas como o desemprego, o baixo crescimento

econômico e o crescente endividamento público, o governo russo tentou agilizar o processo

de adaptação ao capitalismo, implementando um choque de gestão, que culminou, entre

outras coisas, em falência de empresas, aumento da inflação e recessão. Desta forma, com a

ocorrência da “Crise Asiática”, o país teve sua crise econômica agravada pela queda do

preço dos seus principais produtos, a desvalorização da moeda e a impossibilidade de

contrair novos empréstimos junto aos órgãos multilaterais. Sem saída, o governo acabou

decretando a moratória unilateral sobre a dívida interna e as dívidas das empresas privadas,

contribuindo para que o mercado entrasse novamente em ebulição e os países em

desenvolvimento sofressem com os cortes das linhas de crédito internacionais (Cf.

ALMEIDA, 2001).

O Brasil acabou sendo afetado diretamente e, desta vez, o governo não conseguiu

controlar os efeitos danosos da crise na economia brasileira. Os investidores estrangeiros

começaram a retirar, em massa, os capitais aqui aplicados; o volume de recursos arrecadado

pelo programa de privatizações — “o maior do gênero em andamento no mundo, posição

que se deve consolidar, de modo ainda mais nítido, nos próximos anos” (CARDOSO,

1998, pp. 6-7) — e a realização de constantes ajustes fiscais eram medidas insuficientes

para conter os sucessivos déficits e o consequente aumento da dívida pública; a indústria

brasileira via-se cada vez mais ameaçada pela competitividade, e a maior parte dos

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problemas sociais permanecia sem solução. A saída encontrada acabou sendo ainda mais

danosa para o país e evidenciou o seu grau de dependência: a aceitação de um pacote de

exigências proposto pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que previa a manutenção

da maioria das bases da política econômica e a adesão a um regime de câmbio flutuante em

troca da garantia de um conjunto de empréstimos junto a diferentes órgãos multilaterais.

Sobre isso, afirma Almeida (2001, pp. 98-99):

Um pacote monitorado pela instituição (em lugar do simulacro de ajuste fiscal de um ano antes) foi a condição para se lograr uma ajuda financeira do FMI e de países membros do G-7 e do BIS. Essa ajuda inaugurou uma nova modalidade de intervenção das instituições financeiras, já que se tratava de disponibilizar recursos para reforçar as reservas do Brasil em caráter preventivo, ou seja, antes que se manifestasse uma inadimplência de fato, seguida de eventual decretação de moratória, como no caso da Rússia.

Prossegue Almeida (2001, p. 99):

Pelo pacote de ajuda […], o Brasil se habilitou a receber cerca de US$ 20 bilhões no espaço de três meses e até 32 bilhões no prazo de um ano, do FMI e de membros do BIS, ademais de US$ 9 bilhões das instituições multilaterais de crédito (BIRD e BID). Ele se comprometeu a manter a disciplina monetária e preservou intacta sua política cambial, baseada num regime flexível de desvalorizações dentro de uma banda de flutuação administrada pelo Banco Central.

Os constantes ajustes macroeconômicos promovidos pelo governo estavam em

consonância comum projeto desenvolvimentista tutelado pelo grande capital. Assim, ao

reestruturar suas práticas administrativas, cortar gastos, contrair empréstimos, formular uma

tímida política externa — que tinha como objetivo o alinhamento às diretrizes das grandes

potências em detrimento de uma postura autônoma, independente, voltada ao real

fortalecimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e à construção de relações com

outros países como a Rússia, a China, a Índia, a África do Sul, algo que aconteceria mais

tarde, no decorrer do governo Lula —, o país sacrificava a construção de uma sociedade

socialmente mais justa em nome da estabilidade econômica e de uma boa imagem perante o

mercado.

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ϭϯϱ

Preso nesta “armadilha” desenvolvimentista, o país teria de conviver com os altos

prejuízos provocados pela adoção de uma agenda neoliberal: alto desemprego e péssima

qualidade do emprego, apesar dos investimentos em geração de novos postos de trabalho,

em educação profissional e na erradicação do trabalho infantil; alto déficit habitacional,

pouco combatido com a realização dos programas Pró-Moradia e Carta de Crédito; péssima

distribuição de terras, agravada por uma política agrária que não impediu a permanência de

grandes latifúndios improdutivos e se limitou a criar milhares de assentamentos em áreas

das regiões mais pobres do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste); insuficiência dos

serviços de saúde, apesar de iniciativas louváveis como a expansão do Programa de Saúde

da Família (PSF), o Projeto para a Redução da Mortalidade na Infância e a implementação

do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS); agravamento da crise

previdenciária com a aprovação de um projeto de reforma que, além de não solucionar os

desequilíbrios do setor, corroborava a destruição de direitos sociais conquistados na

Constituição de 1988; entre outros.

Todavia, como o governo contava com forte apoio das elites econômicas e da mídia,

preservavam-se razoáveis índices de popularidade devido à ostensiva divulgação de uma

imagem positiva da sua atuação, associada ao controle da inflação, à estabilização

econômica, aos “avanços” na área social e ao resgate da credibilidade do país em nível

mundial.

Mesmo não tendo priorizado o combate aos problemas sociais, a administração

despendeu maior atenção à educação, compreendida pelos seus integrantes como um

“requisito tanto para o pleno exercício da cidadania como para o desempenho de

atividades cotidianas, para a inserção no mercado de trabalho e para o desenvolvimento

econômico” (CARDOSO, 1994b, p. 108), tal como determinara o plano de governo

apresentado no período eleitoral. Embora não se possa negar sua indispensável contribuição

para a construção e o exercício da cidadania, a educação não é encarada, no governo

Fernando Henrique, como um instrumento de criticidade, emancipação e, por conseguinte,

transformação social, mas sim como um propulsor do desenvolvimento econômico, que

deveria reproduzir os valores capitalistas e manter o status quo mediante a promoção de

percursos de formação distintos para as elites e as classes trabalhadoras.

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ϭϯϲ

O presidente e seus aliados entenderam, desde o primeiro momento, que era preciso

intervir em um sistema educacional caracterizado “por um padrão caótico e ineficiente”

(CARDOSO, 1994b, p. 108). De fato, a realidade encontrada inspirava grande preocupação

tanto dos críticos quanto dos apoiadores da lógica do sistema, pois afinal, o quadro se

compunha de elementos perversos: a pobreza dificultava, sobremaneira, o acesso de

crianças e jovens à rede escolar, que era mal distribuída. O professorado carecia de melhor

formação e de melhores salários. Altos índices de analfabetismo e evasão fortaleciam o

fracasso escolar. O Ensino Superior estava em franca expansão na esfera privada, sem que

houvesse planejamento mínimo.As instituições de educação infantil ainda eram vinculadas

à assistência social, em total desprezo ao caráter educativo de suas ações.Havia grande

desarticulação entre o que era ensinado nas instituições de ensino e o que era vivido fora

dela.Não havia um conjunto de políticas efetivas para o Ensino Médio.

E pouco se falava em inclusão, enquanto a Educação Especial permanecia sob a

lógica da integração e da reabilitação, sendo ofertada majoritariamente pela iniciativa

privada, entre outros elementos que contribuíam diretamente para a péssima qualidade da

oferta dos serviços educacionais e o agravamento da desigualdade social no país.

Nesse sentido, as medidas estipuladas no “Mãos à Obra Brasil” — reformulação da

estrutura administrativa do Ministério da Educação; priorização da universalização do

acesso ao Ensino Fundamental; estabelecimento de conteúdos curriculares básicos para os

diferentes níveis de ensino; incitação à descentralização e à participação da sociedade;

formulação de mecanismos de avaliação do sistema; incorporação de novas tecnologias à

educação; estimulo à produtividade no Ensino Superior e defesa da autonomia

universitária; reformulação do Ensino Médio e investimento na expansão da educação

profissional (Cf. CARDOSO, 1994b) — deveriam ser implementadas para alinhar o

sistema às teses neoliberais e, assim, contribuir para a viabilização do projeto de nação

proposto durante o período eleitoral.

Em função disso, em vez de trazer um nome ligado organicamente à educação para

o comando do MEC, o presidente Fernando Henrique Cardoso optou pela nomeação do

economista, ex-reitor da Unicamp e ex-funcionário do Banco Interamericano de

Desenvolvimento, Paulo Renato Costa Souza, cujo

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[…] prestígio junto ao presidente da República, entre as agências internacionais e com generoso, além de pouco crítico, espaço na mídia, possibilitou ao governo influenciar decisivamente na aprovação de vários instrumentos legais que regem hoje a estrutura e organização do sistema educacional brasileiro. (PINTO, 2002, p. 109)

O ministro e sua equipe inauguraram a atuação no MEC com a formulação do

documento “Planejamento Político-Estratégico do MEC (1995-1998)” e o início do

processo de reestruturação administrativa do ministério. A primeira ação teve por objetivo

estabelecer as diretrizes e estratégias de implementação da política educacional concebida

pelo governo para os quatro anos de mandato do presidente Fernando Henrique. Tratava-se,

na verdade, da elaboração de um diagnóstico mais apurado da situação educacional do país

e uma reafirmação das propostas incluídas no “Mãos à obra, Brasil”, agora

institucionalizadas como compromissos governamentais. Tanto é que, no novo documento,

o ministério, além de elencar os problemas relativos aos diferentes níveis e modalidades de

ensino, definiu como prioridades em sua atuação, entre outras coisas, a simplificação das

legislações educacionais; a universalização do Ensino Fundamental, a valorização da escola

e a defesa de sua autonomia; a implantação das novas tecnologias; a determinação dos

mecanismos de financiamento para as ações previstas; o incentivo à participação da

sociedade no cenário educacional; a promoção da modernização gerencial em todos os

níveis, modalidades de ensino e órgãos de gestão e, finalmente, a transformação do MEC

em formulador, coordenador e acompanhador das políticas públicas na área educacional

(Cf. BRASIL, 1995a).

Resultou das diretrizes do “Planejamento Político-Estratégico do MEC (1995-

1998)” a segunda grande ação do governo em 1995: o início do processo de reestruturação

administrativa do Ministério da Educação, de modo a adequá-lo aos preceitos da Reforma

do Estado e assegurar à administração federal o desejoso papel de “liderança e orientação

geral, por meio de reformas institucionais e diretrizes nacionais, financiamento e

redistribuição de recursos, acompanhamento e avaliação” no campo educacional

(CARDOSO, 1999, p. 44). A partir de então, foram criadas a Secretaria de Educação à

Distância (SEED)48 e a Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Avaliação Educacional

ϰϴA criação da Secretaria de Educação à Distância (SEED) se deu através do Decreto n. 1.917 de 27 de maio de 1996, objetivando promover “estratégicas para o desenvolvimento educacional, introduzindo o uso de novas tecnologias” (CARDOSO, 1999, p. 64).

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ϭϯϴ

(SEDIAE); promoveu-se a fusão da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) com o

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); transformou-se o então

denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais em autarquia federal,49

com objetivo de conferir-lhe maior autonomia em suas atividades, e criou-se o Conselho

Nacional de Educação —composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação

Superior —, cujas atribuições seriam “normativas, deliberativas e de assessoramento ao

Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da

sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” (BRASIL, 1995d).

Essa última novidade institucional abriria espaço, na teoria, para a efetiva

participação da sociedade em questões educacionais estratégicas como, por exemplo, a

elaboração do Plano Nacional de Educação e o exame dos problemas concernentes aos

diferentes níveis de ensino, contribuindo diretamente na atuação do MEC. Todavia, na

prática, o órgão não garantiu espaço à pluralidade de ideias e propostas, uma vez que era

composto majoritariamente por membros alinhados ao governo, cujas atuações não

ofereciam maiores resistências à aprovação dos projetos formulados pelo ministério.

Reforçar-se-ia, assim, o caráter centralizador presente em grande parte das decisões

tomadas no campo educacional durante os dois mandatos presidenciais de Fernando

Henrique Cardoso.

Esse modelo de condução das questões educacionais acabou por reduzir a

participação da sociedade na formulação das políticas públicas para o setor e,

consequentemente, ignorar e abafar as inúmeras manifestações de resistência dos

segmentos críticos à expansão neoliberal na educação. Defendendo consensos inatingíveis,

o governo parecia se apropriar das históricas demandas apresentadas pelos educadores em

suas lutas — leia-se, aqui, “a autonomia universitária, a autonomia da escola, a

descentralização das ações, o ensino de qualidade, a valorização do magistério e a

universalização da escolaridade básica” (NEVES, 2003, p. 133) — para conquistar o apoio

da sociedade à sua proposta de reforma educacional, fortemente influenciada pelas

ϰϵ Através da Lei n. 9.448 de 14 de março de 1997, o INEP foi transformado em autarquia federal, tornando-se responsável, entre outras coisas, por coordenar os sistemas de avaliação, informações e estatísticas educacionais, subsidiar o processo de formulação de políticas públicas para a área educacional e articular-se junto a outras instituições mediante ações de “cooperação institucional, técnica e financeira bilateral e multilateral” (BRASIL, 1997a). Deve-se ressaltar que este órgão abrigou grande parte da intelectualidade ligada ao PSDB e estabeleceu profundas relações com os organismos multilaterais, tornando-se de fundamental importância para a formulação e implementação dos projetos educacionais do governo FHC.

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proposituras do “Ministério Mundial da Educação” — denominação criada por Leher (1999

apud Hermida, 2012) para se referir ao Banco Mundial. Sobre essa estratégia de condução

governamental, afirma Neves (2003, pp. 135-136):

São mostras convincentes da recorrência ao uso de instrumentos de busca de consenso pelo bloco no poder no campo educacional a parceria com aliados clássicos (empresariado, proprietários de estabelecimentos escolares, e parcialmente a Igreja no início do mandato) na sociedade civil para a socialização do ideário neoliberal da educação para a qualidade total; a prioridade atribuída ao Ensino Fundamental, diretriz defendida por larga maioria na sociedade civil brasileira nos anos de transição democrática; a melhoria parcial da remuneração docente nesse mesmo patamar de escolarização; a ampla utilização dos meios de comunicação de massa para divulgação das políticas educacionais implementadas; os programas de capacitação de professores do Ensino Fundamental em grande parte dos estados, a requalificação de dirigentes educacionais das escolas de educação básica e das administrações estadual e municipal de ensino dentro dessa nova ótica educacional implementada. (NEVES, 2003, pp. 135-136)

A proposta do Banco Mundial para a educação dos países em desenvolvimento era

clara: os governos deveriam priorizar a educação básica, descentralizar suas ações, conferir

maior autonomia às unidades escolares (inclusive responsabilizando-as pelos resultados de

suas atuações), incentivar a participação da sociedade no cotidiano escolar, formular

parcerias com a iniciativa privada e as organizações não governamentais, mobilizar

recursos adicionais para a área educacional (valendo-se, para isso, das diferentes

modalidades de financiamento), enfocar ações setoriais e definir suas políticas e estratégias

alicerçadas em critérios econômicos (Cf. ALTMANN, 2002; TORRES, 1996). Desta

forma, tanto o rigor como os valores mercadológicos seriam impressos à condução dos

desafios educacionais em um país marcado pela injustiça social, cujos problemas estruturais

se agravaram com o avanço capitalista. Assim, termos como “custo-benefício” e “taxa de

retorno” se tornariam vocabulários frequentes na área educacional. É o que afirma Altmann

(2002, p. 86):

As propostas do BIRD [Banco Mundial] para a educação são feitas […] basicamente por economistas, dentro da lógica e da análise econômica. A relação custo-benefício e a taxa de retorno constituem as categorias centrais, com base nas quais se define a tarefa educativa, as prioridades de

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investimento, os rendimentos e a própria qualidade. (ALTMANN, 2002, p. 86)

O governo Fernando Henrique Cardoso não modificou o modelo de atuação estatal

implantado pelos seus antecessores ao permanecer fiel às diretrizes dos órgãos multilaterais

para a formulação das políticas educacionais. Mantendo-se impassível aos “imperativos da

associação submissa do país ao processo de globalização neoliberal em curso no mundo

capitalista” (NEVES, 2003, p. 134), o governo se aproveitou desse alinhamento para

financiar considerável parte de suas ações no campo educacional, através dos conhecidos

acordos de “cooperação e assistência técnica”, que nada mais são do que mecanismos de

financiamento no modelo convencional, responsáveis por agravar o endividamento

público,50e só são liberados se o país se adequar ao rígido conjunto de regras estipulado

pelo financiador.

Não havia, portanto, espaço para que o governo desenvolvesse autonomamente suas

políticas para uma área estratégica como a educação. Sobre a política do Banco Mundial,

um dos principais credores do Brasil, para o financiamento educacional, afirma Altmann

(2002, p. 79):

Embora a política de crédito do BIRD à educação se autodenomine cooperação ou assistência técnica ela nada mais é do que um cofinanciamento cujo modelo de empréstimo é do tipo convencional, tendo em vista os pesados encargos que acarreta e também a rigidez das regras e precondições financeiras e políticas inerentes ao processo de financiamento comercial. Assim, os créditos concedidos à educação são parte de projetos econômicos que integram a dívida externa do país para com as instituições bilaterais, multilaterais e bancos privados (Fonseca, 1998). (ALTMANN, 2002, p. 79)

Diante das fortes interferências dos organismos multilaterais, o governo pôs-se a

implementar sua reforma educacional, divulgada aos quatro cantos como uma “revolução”,

mediante “uma profusão de medidas jurídico-administrativas, com destaque para a

ϱϬApesar de propagandear o caráter positivo dos empréstimos tomados junto aos organismos multilaterais, o governo, na verdade, pouco se beneficiou desses recursos, conforme afirma Pinto (2002, p. 129): “Assim, o que se constata é que o país pouco se beneficia desses recursos que, proporcionalmente, pouco representam no total de recursos aplicados em educação (menos de 1%), mas que acabam tendo uma influência decisiva em alinhar as políticas educacionais do país com aquelas priorizadas pelas agências multilaterais (leia-se nações mais ricas do mundo), políticas estas que, diga-se de passagem, não são seguidas pelos países que controlam essas agências”.

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ϭϰϭ

natureza qualitativa de tais mudanças” (SILVA JR., 2005, p. 14) que culminaram, no

decorrer do primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, na promulgação

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); nas criações do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

(FUNDEF), do Exame Nacional de Cursos (Provão), do Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM); na reestruturação da educação profissional — através do Decreto n. 2.208 de 17

de abril de 1997 e da Portaria MEC n. 646 de 14 de maio de 1997 —; na implantação do

Sistema de Avaliação do Ensino Superior — criado pela Lei n. 9.131 de 24 de novembro de

1995 — cuja atuação se pautaria em critérios de qualidade, potencialidade e produtividade;

na reformulação dos processos de escolha dos dirigentes das instituições federais de Ensino

Superior e, ainda, no estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o

Ensino Fundamental. Tratava-se de um conjunto significativo de medidas que

contribuiriam, sobremaneira, para o avanço neoliberal na educação brasileira.

Dentre todas essas medidas, a que provocou maior impacto no cenário educacional

foi, sem dúvida, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sua

construção, iniciada ainda nos anos 1980, simbolizou no campo educacional a consolidação

do processo de redemocratização do país, pois além de substituir a famigerada Lei n. 5.692

de 11 de agosto de 1971, instituída no auge da Ditadura Militar, envolveu a participação

direta de diferentes setores da sociedade, interessados em tornar hegemônicos seus

respectivos projetos educacionais. De um lado, os defensores da iniciativa privada —

empresários da educação; partidos e políticos de direita;setores da Igreja Católica; e

educadores —, de outro, os defensores da educação pública, vinculados ao Fórum Nacional

em Defesa da Escola Pública (FNDEP), que era formado por entidades científicas,

sindicais, estudantis, de especialistas da educação e dirigentes educacionais (Cf. SAVIANI,

2008).

Assim, a sociedade assistiria ao recrudescimento dos históricos conflitos entre o

público e o privado no campo educacional, fato que provocaria o adiamento — por quase

uma década — da aprovação de uma versão definitiva para a nova LDB.

Ao governo Fernando Henrique coube acelerar os trâmites e deturpar ainda mais o

conteúdo do projeto inicial, que já fora reestruturado inúmeras vezes no processo

legislativo por causa de pareceres, emendas e substitutivos. Valendo-se da ampla coalizão

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ϭϰϮ

que o apoiava e da decisiva atuação de Darcy Ribeiro, o governo federal ignorou os

trâmites anteriores e a participação da comunidade educacional na discussão da nova

legislação para impor um novo substitutivo à apreciação do Congresso Nacional. Desse

modo, o texto final acabou sendo aprovado no Senado e encaminhado posteriormente à

Câmara dos Deputados, que o aprovou sem maiores resistências, devido às fortes

interferências governamentais. Pouco tempo depois, no dia 20 de dezembro de 1996, seria

promulgada — sem vetos — a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do

período posterior à Ditadura Militar.

Apesar de garantir o dever do Estado na oferta de educação escolar pública, trazer à

tona uma concepção de educação “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana” (BRASIL, 1996b), garantir a oferta do ensino com base nos

princípios da “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL,

1996b),da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a

arte e o saber” (BRASIL, 1996b) e do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”

(BRASIL, 1996b) e dispor sobre a organização do sistema e dos níveis e modalidades de

educação e ensino (estando devidamente incorporada à versão final uma seção dedicada à

Educação Especial), a versão final da LDB agradou muito mais aos defensores da iniciativa

privada do que aos defensores da escola pública.

Estruturada em torno da flexibilidade e repleta de disposições genéricas, a nova

legislação não prestaria efetiva contribuição, no plano jurídico, para a superação da

dicotomia “opressor-oprimido” (Cf. FREIRE, 1996), historicamente difundida, e tampouco

assegurou maior participação da comunidade educacional nas decisões concernentes à

educação brasileira. Desta forma, criava as necessárias bases para ao avanço das teses

neoliberais no sistema educacional. Sobre isso, afirma Saviani (2008, p. 200):

Daí a opção por uma “LDB minimalista”, compatível com o “Estado mínimo”, ideia reconhecidamente central na orientação política dominante. Seria possível considerar esse tipo de orientação e, portanto, essa concepção de LDB, como uma concepção neoliberal? Levando-se em conta o significado correntemente atribuído ao conceito de neoliberal, a saber: valorização dos mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não governamentais em detrimento do lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor público, com a consequente redução das ações e dos investimentos públicos, a resposta será positiva.

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Prossegue Saviani (2008, p. 201):

Diante do exposto, a impressão que fica é que a solução das questões educacionais, em lugar de dever do Estado como está inscrito em nossa Constituição (e o mote para barrar o projeto da Câmara foi a alegação de inconstitucionalidade!), está afeita à boa vontade da população, sugerindo um regresso à época em que a educação, ao invés de responsabilidade pública, era considerada assunto da alçada da filantropia.

Determinadas as novas bases da educação nacional, caberia ao aparelho estatal

formular as políticas necessárias para tornar realidade aquilo que determinava a legislação.

Assim, combinando um discurso oficial que colocava a educação como uma prioridade

governamental com reduções frequentes nos investimentos reservados à área social, o

governo Fernando Henrique pôs-se a fazer avançar seu projeto educacional neoliberal,

amparado por setores conservadores, pela iniciativa privada, pelo Banco Mundial e pelo

Fundo Monetário Internacional.

Um dos principais recursos utilizados pelo governo em sua atuação no campo

educacional foi a criação e o fortalecimento de serviços estatísticos e mecanismos nacionais

de avaliação, além da utilização dos dados oferecidos pelo Laboratório Latino-Americano

de Avaliação da Qualidade de Educação e pelo Programa Internacional de Avaliação dos

Estudantes (PISA).

Daí a implantação do Sistema de Informações Educações (Sied), responsável por

dinamizar a realização dos Censos Educacionais, tão prestigiados pela gestão Paulo Renato

no MEC; o fortalecimento, através de financiamento concedido pelo Banco Mundial, do

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), e as criações do Exame

Nacional de Cursos (Provão) — cujo propósito era o de avaliar o desempenho dos alunos

do Ensino Superior — e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) — voltado à

avaliação do desempenho dos alunos do Ensino Médio (Cf. ALTMANN, 2002).

Esses instrumentos possibilitaram que o Ministério da Educação estabelecesse um

sistema centralizado de avaliação, pautado num conceito de qualidade muito próximo ao da

lógica do mercado, que estimula a competição e a produtividade, limitando as

potencialidades do fenômeno educacional, desconsiderando as especificidades dos

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diferentes sistemas de ensino (estaduais e municipais), das instituições de ensino e as

condições de vida de alunos e professores.

Nesse cenário, as escolas e universidades passam a ser responsabilizadas por suas

práticas pedagógicas e seus desempenhos nas diferentes avaliações, recebendo cobranças

por “excelência” cada vez maiores da sociedade e das empresas, enquanto o Estado, em

conformidade com o ideário neoliberal, se exime de suas responsabilidades no combate à

desigualdade social, um dos fatores determinantes da baixa qualidade dos serviços

educacionais públicos.

Outro recurso amplamente utilizado pelo governo para efetivar seu projeto

educacional foi a descentralização. Embora esta não fosse uma novidade na agenda

governamental, foi no período Fernando Henrique que a União potencializou sua utilização,

compartilhando suas responsabilidades sobre a educação com os entes federativos e a

iniciativa privada. Dentro dessa lógica, fortemente apoiada pelos organismos multilaterais

de financiamento, 51 foram ampliados os Programas Nacionais do Livro Didático;

Transporte Escolar; e Alimentação Escolar (sendo esses dois últimos transferidos para o

controle do Programa Comunidade Solidária); criados os programas “Biblioteca da

Escola”; Dinheiro Direto na Escola (DDE) — “concebido para eliminar a intermediação e

os entraves burocráticos” (CARDOSO, 1997, p. 58); também os programas de Expansão

da Educação Profissional (PROEP); Educação Básica para o Nordeste; Nacional de

Informática na Educação (PROINFO); Plano Nacional de Educação Profissional

(PLANFOR) e os fundos de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA) e de Manutenção

e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF),

sendo este último divulgado pelo governo como uma de suas maiores realizações.

No entanto, a União permanecia sem aumentar os investimentos, o que era

imprescindível para a realização de efetivas transformações na área educacional. Preferia-se

“aperfeiçoar” os gastos, conferindo-lhes, em conformidade com a cartilha neoliberal, maior

“qualidade”. Sobre o financiamento da educação à época, afirma Pinto (2002, p. 124):

ϱϭO Banco Mundial priorizava, em sua proposta de reforma educacional, aspectos econômicos. Nesse sentido, a lógica da descentralização assumiria caráter preponderante na condução das políticas públicas por parte dos países em desenvolvimento. Afinal, era preciso que os governos mantivessem centralizadas quatro funções: “(1) fixar padrões; (2) facilitar os insumos que influenciam o rendimento escolar; (3) adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insumos; e (4) monitorar o desempenho escolar” (ALTMANN, 2002, p. 80).

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No que se refere ao financiamento da educação, podemos dizer que a política para o setor nos anos FHC teve como pressuposto básico o postulado de que os recursos existentes para a educação no Brasil são suficientes, cabendo apenas otimizar a sua utilização por meio de uma maior focagem nos investimentos e uma maior “participação” da sociedade. Dentro desta lógica, aliás, em fina coerência com o pensamento neoliberal, prioriza-se, por exemplo, o Ensino Fundamental em detrimento do Ensino Superior, ou ainda, no caso do primeiro, o ensino para as crianças na faixa etária ideal, em detrimento da educação de jovens e adultos. Quanto a possíveis recursos adicionais, estes deverão advir do setor privado, por intermédio das parcerias com empresas ou do trabalho voluntário de pais e dos “amigos da escola” […]

O FUNDEF correspondeu tanto aos anseios do governo — desejoso de promover a

universalização do acesso da população ao nível fundamental — quanto aos do Banco

Mundial, que determinava como prioridade aos países em desenvolvimento o investimento

em educação básica. Esse fundo,52 criado através da Lei n. 9.424 de 24 de dezembro de

1996, tinha como objetivo garantir que “60% dos recursos constitucionalmente vinculados

à educação […] [fossem] efetivamente alocados no Ensino Fundamental por parte de

estados e municípios” (CARDOSO, 1997, p. 58) e distribuídos em conformidade com o

número de matrículas das redes públicas estaduais e municipais de Ensino Fundamental, de

modo a garantir que se atingisse um gasto mínimo de 300 reais por aluno à época. Além

disso, desse montante de recursos, 60% deveria ser destinado à “melhoria das condições

salariais dos professores, como forma de resgatar a dignidade desse profissional e

melhorar a qualidade do Ensino Fundamental público no país” (CARDOSO, 1997, p. 59).

Como se pode constatar, o FUNDEF não provocou o aumento dos investimentos

públicos na área educacional, mas sim sua redistribuição, a fim de atender os propósitos

governamentais. Houve, com a medida, significativo aumento das matrículas no Ensino

Fundamental, mas a criação do Fundo, por si só, não resolveria os problemas estruturais

deste nível de ensino, pois era preciso atuar também em prol da permanência do alunado

ϱϮA composição do FUNDEF assim se daria: “no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, por quinze por cento do ICMS, do IPI proporcional às exportações e dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios — FPE e FPM” (BRASIL, 1998, p. 53). Em entrevista a Mônica Teixeira (2003, p. 85), Barjas Negri, um dos responsáveis pela criação do Fundo, afirmaria: “Mas, de fato, o que foi o FUNDEF? Pouca gente sabe. O FUNDEF, na realidade, foi uma minirreforma tributária que passou despercebida por quase todos: mexemos na partilha dos recursos constitucionais transferidos aos Estados e municípios. Com os mesmos impostos, mudamos a regra de distribuição”.

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ϭϰϲ

nas escolas — a evasão era, à época, um dos principais problemas apontados pelos

diagnósticos elaborados pelo MEC —; não só assegurar aumentos salariais — algo que o

FUNDEF conseguiu —, mas torná-los dignos e condizentes com a importância do exercício

docente; investir em sólidos programas de formação de professores; reestruturar currículos

e instrumentos de avaliação; construir escolas e melhorar as estruturas das já existentes,

entre outras medidas indispensáveis para o aumento da qualidade da prestação dos serviços

educacionais.

Era preciso, portanto, ir muito além da criação de um Fundo, o qual, embora se

divulgasse o contrário, reduzia ainda mais a participação financeira da União nas ações

direcionadas ao Ensino Fundamental. É o que afirmava Saviani, à época do final do período

Fernando Henrique:

[…] cabe observar que, se essas medidas tinham o objetivo meritório de distribuir melhor os recursos tendo em vista o financiamento do Ensino Fundamental, elas limitaram-se, no entanto, a regular a aplicação de recursos já vinculados, não prevendo novas fontes de recursos e, além disso, reduzindo a participação financeira da União […] Como resultado, o custo mínimo por aluno foi fixado em R$ 300,00 (trezentos reais), cifra irrisória comparada com os valores praticados pelos países que lograram generalizar o acesso e a permanência no Ensino Fundamental. Trata-se, assim, de um patamar que consagra o estado de miséria da educação nacional, evidenciando a precária vontade política do atual governo no enfrentamento dessa questão (SAVIANI, 2002, pp. 39-40).

O governo respondeu a essas demandas sem, contudo, atrair a participação da

comunidade educacional para a formulação de suas medidas. Em razão disso,

autoritariamente o MEC investiu em um conjunto de ações polêmicas que suscitariam

grandes críticas dos setores progressistas da sociedade.

A primeira dessas críticas atendeu tanto às disposições constitucionais53como às

diretrizes preconizadas pelo Banco Mundial e pela Unesco, através do “Relatório Jacques

Delors”.54 Tratava-se do estabelecimento dos parâmetros curriculares para as primeiras

ϱϯA redação do artigo 210 da Constituição Federal de 1988 é clara quanto ao estabelecimento de conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental: “Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). ϱϰEste relatório é fruto dos trabalhos de uma comissão implantada pela Unesco para definir as diretrizes da educação mundial nos anos 2000. Para melhor compreensão de sua importância, afirma Saviani (2010, p. 433): “No relatório denominado ‘Educação: um tesouro a descobrir’, afirma-se que a exigência de educação

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ϭϰϳ

quatro séries do Ensino Fundamental e a produção dos materiais de apoio que deveriam

nortear o trabalho dos professores nesse processo de readequação curricular. A ação, que

não contou com a participação direta da comunidade educacional — maior afetada pelas

mudanças —, resultou inorgânica, pois veio “de cima para baixo”, sem que se

considerassem os diferentes posicionamentos ou mesmo as grandes diferenças regionais em

um país continental. Afora isso, os documentos são, no mínimo, contraditórios, pois

anunciam a importância da formação do alunado para o “exercício da cidadania” ao mesmo

tempo em que reafirmam concepções pedagógicas não emancipatórias, acríticas, ao

estimularem a aprendizagem de competências e habilidades necessárias para formar novos

trabalhadores dentro da lógica do “aprender a aprender”.

Em razão disso, se incentivava a priorização de conteúdos de matemática, português

e ciências em detrimento dos de história, geografia, artes,55 etc., pois esses seriam mais

úteis à formação de futuros trabalhadores produtivos e competitivos, algo que se adequava

plenamente ao ideário neoliberal. Sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais, afirma

Saviani (2010, p. 433):

As justificativas em que se apoia a defesa do “aprender a aprender”, nos PCNs, são as mesmas que constam do “Relatório Jacques Delors”: o alargamento do horizonte da educação que coloca para a escola exigências mais amplas. Trata-se, agora, de capacitar para adquirir novas competências e novos saberes, pois as “novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidades de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender” num contínuo “processo de educação permanente” (BRASIL, MEC, 1997, p. 34)

ao longo de toda a vida para responder ‘ao desafio de um mundo em rápida transformação’ (DELORS, 2006, p. 19) já se vinha impondo faz algum tempo, mas ‘só ficará satisfeita quando todos aprendermos a aprender’ (IDEM, IBIDEM). Esse entendimento vai explicitando-se ao longo do texto, deixando claro qual seria o desiderato da escola: transmitir cada vez mais o ‘o gosto e prazer de aprender, a capacidade de ainda mais aprender a aprender, a curiosidade intelectual’ (idem, p. 19)”. Cabe ressaltar que o governo brasileiro seguiu à risca as disposições do relatório, tendo, inclusive, publicado-o em 1998 com uma apresentação escrita pelo ministro Paulo Renato Costa Souza, em que se realçava “a importância desse documento para o cumprimento da tarefa, à qual o MEC estava voltado, de repensar a educação brasileira” (SAVIANI, 2010, p. 433). Desta forma, o Brasil não escaparia à necessidade de adequar seu sistema educacional ao lema “aprender a aprender”, incorporando as noções de produtividade, competência, habilidade, adaptabilidade e, finalmente, empregabilidade, exigidas pelo neoliberalismo como componentes essenciais da formação dos novos trabalhadores. ϱϱSegundo Altmann (2002, p. 83), o Banco Mundial defende que os sistemas educacionais devam enfatizar as “habilidades cognitivas: linguagem, ciências, matemática e, adicionalmente, habilidades na área de comunicação”.

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ϭϰϴ

A segunda ação de impacto referente ao Ensino Fundamental perpetrada pelo

governo Fernando Henrique foi a criação do programa Aceleração da Aprendizagem,

posteriormente renomeado para Toda Criança na Escola, cujo objetivo era o de “[…]

assegurar a equidade nas condições de acesso, permanência e êxito escolar do aluno no

Ensino Fundamental” (CARDOSO, 2001, p. 48), através da liberação de recursos do

governo federal a estados e municípios para a implantação de classes especiais em estados e

municípios, “destinadas a alunos com idade acima do esperado para a série que

frequentam” (CARDOSO, 2002, p. 69). Imaginava-se, com o programa, combater o

fracasso escolar motivado pelo fenômeno da repetência, garantindo a permanência do

alunado na rede escolar e, por conseguinte, sua formação mínima. Todavia, o ato não

questionava o fracasso e a exclusão escolar, tampouco previa a adoção de medidas efetivas

para solucioná-los. Apenas reforçava, por meio das classes especiais, a aprendizagem de

conteúdos básicos não apreendidos como matemática e português, por exemplo — duas das

disciplinas que mais provocavam repetência —, enquanto o aluno permanecia com os

colegas da mesma série durante o restante do seu percurso de sua própria formação. Com

isso, o governo permanecia sem combater efetivamente problemas sociais graves como a

fome e a miséria — alguns dos principais determinantes do fracasso escolar —, mas se

valia das estatísticas oficiais, que acusavam a elevação dos índices de aprovação e a queda

dos índices de evasão escolar, para propagandear os “efeitos positivos” da “revolução

educacional” em andamento.

Na esteira dessas ações, a formação de professores foi, também, objeto de

intervenção governamental. Ainda que este fosse um problema histórico, amplamente

discutido por diferentes gerações intelectuais, não havia consenso mínimo sobre o que se

imaginava ser o melhor modelo de formação para o professorado brasileiro. Os governos

anteriores ao de Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, intervieram na questão, mas de

forma tímida, fazendo com que o problema se agravasse ainda mais. Somente com a

promulgação da LDB é que o tema voltou novamente ao cerne das discussões educacionais,

pois o texto determinava que o Estado deveria se mobilizar para assegurar, no prazo de dez

anos, somente a admissão de docentes com formação em nível superior. Além disso, o

texto, “reconhecendo as enormes deficiências das licenciaturas, estabeleceu que elas não

mais poderiam ser oferecidas como simples habilitação de um curso com outros objetivos

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ϭϰϵ

(como os bacharelados e os cursos de pedagogia)” (DURHAM, 2010, p. 157) e acabou por

indicar a necessidade de criação dos Cursos Normais Superiores, voltados, especificamente,

à formação de professores para o exercício da docência na Educação Infantil e nas

primeiras séries do Ensino Fundamental. No entanto, o governo FHC preferiu não intervir

diretamente na questão, deixando de investir tanto no fortalecimento das licenciaturas

quanto na implantação dos Cursos Normais Superiores ao optar por soluções precárias, mas

de rápida aplicação: a expansão da Educação à Distância e a criação de programas

emergenciais de formação.

Essas soluções adotadas funcionaram, mais uma vez, como medidas paliativas. O

MEC deixava de investir em programas de formação docente de qualidade que

promovessem a articulação entre ensino, pesquisa e extensão e incentivassem a criticidade,

a criatividade e a autonomia, para acelerar tanto a capacitação como a certificação do

professorado através do “desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino à

distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”

(BRASIL, 1996); da criação dos programas especiais de formação pedagógica — que

garantiam aos portadores de diplomas de quaisquer cursos superiores o direito de tornarem-

se docentes — e, ainda, dos cursos de licenciatura plena parcelada em Pedagogia. Sobre

esse modelo de formação adotado pelo Estado durante os anos FHC, afirma Brzezinski

(2008, p. 1152):

Coerente com os princípios do projeto excludente, o Estado regulador aplica à formação de professores da educação básica o modelo de competências e excelência (qualidade total), cujo objetivo primordial é o atendimento às necessidades de modernização da economia e do desenvolvimento medidos pela produtividade. Esta, de acordo com Chauí (1999), é orientada por três critérios: Quanto se produz? Em quanto tempo produz? Qual o custo do que produz? Tal modelo pauta-se no aligeiramento e flexibilidade da formação fora da universidade, reduz a quantidade de horas e a qualidade acadêmica, científica e cultural, porque o aligeiramento é induzido pela volatilidade das qualificações requeridas pelo mercado. Descarta a relevante busca do conhecimento pelo profissional que se forma e destina-se a estimular uma frenética aquisição de certificados de qualidade incerta, com o objetivo primordial de “turbinar” os curricula vitae dos que aspiram a ingressar no mercado.

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ϭϱϬ

Daí resultaram ações pensadas de acordo com a lógica do baixo custo e do longo

alcance, como, por exemplo, o incentivo à educação à distância, primeiro através da criação

do Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), responsável por levar à

rede escolar pública “toda a contribuição que os métodos, técnicas e tecnologia de

educação à distância podem prestar à construção de um novo paradigma para a educação

brasileira” (SILVA JR., 2002, pp. 112-113), através da distribuição de microcomputadores,

e depois pelos crescentes investimentos na TV Escola. Outros exemplos dessas ações são a

disseminação de conteúdos educativos através do Telecurso 2000, do Vídeo Escola e da

Tele-Escola (Cf. NEVES, 1999) e a formulação do Projeto de Formação de Professores em

Exercício (Proformação),“um curso de nível médio à distância, destinado a formar

professores que não possuem a habilitação em magistério e atuam em classes de

alfabetização e nas quatro séries iniciais do Ensino Fundamental” (CARDOSO, 2001, p.

52) nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, localidades com grandes contingentes de

professores leigos, com apoio do FUNDESCOLA (Fundo de Desenvolvimento da Escola).

A criação do FUNDESCOLA foi outra ação destacada pelo governo como uma

grande realização para o Ensino Fundamental. Não se tratava de uma iniciativa totalmente

nova, pois significava a ampliação do Projeto Educação Básica para o Nordeste — que

compreendia cinco ações básicas: “capacitação de recursos humanos, instalações

escolares, gestão educacional, materiais de ensino e aprendizagem, e inovações

pedagógicas” (CARDOSO, 1999, p. 51) — para as regiões Norte e Centro-Oeste com o

financiamento do Banco Mundial. Desta forma, dividido em três grandes etapas de

financiamento, o FUNDESCOLA incorporou uma série de projetos (dentre os quais o mais

importante foi o Plano de Desenvolvimento da Escola) voltados à adequação de prédios,à

aquisição de móveis e equipamentos pedagógicos e à modernização da gestão escolar, de

modo a “elevar o grau de conhecimento e o compromisso de diretores, professores e outros

funcionários com os resultados educacionais; melhorar as condições de ensino e estimular

o acompanhamento dos pais na aprendizagem de seus filhos” (FONSECA, 2003, p. 303)

nas localidades que apresentavam as menores taxas de aproveitamento e conclusão no

Ensino Fundamental.

Ainda que o FUNDESCOLA tivesse o caráter meritório de combater as

desigualdades regionais, sua implementação, mediante a transferência de recursos e o

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“treinamento” de gestores e docentes pelo governo, passava a responsabilizar diretamente

as instituições escolares das regiões mais pobres do país pelos resultados educacionais,

quando, na verdade, estes eram frutos da desigualdade imposta por graves problemas

socioeconômicos.

Deste modo, o sistema, em nome do ideário neoliberal, mais uma vez penalizaria a

escola — leia-se, aqui, os profissionais da educação, os alunos e as famílias —pelos

problemas educacionais do país, não reconhecendo seu histórico descompromisso com a

promoção de uma educação transformadora, emancipatória, de reconhecida qualidade para

todos.

Ainda que os programas elaborados tenham conquistado resultados iniciais

satisfatórios — o país acabaria por ampliar o acesso ao Ensino Fundamental sem, no

entanto, realmente universalizá-lo56 —, era preciso assegurar a permanência do alunado na

escola e, para isso, o governo lançou dois importantes programas de transferência de renda:

o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Renda Mínima.

O primeiro programa de transferência, conduzido não pelo MEC, mas pela

Secretaria de Assistência Social, objetivava a transferência de recursos da União aos

municípios e destes às famílias de baixa renda, que tivessem filhos com idade entre 7 e 14

anos manejando algum tipo de trabalho. Em contrapartida, essas famílias se

responsabilizariam pela matrícula e frequência escolar regular de seus filhos para poder

receber os benefícios. Afora isso, os municípios que aceitassem participar do PETI

recebiam, à época, um valor de 25 reais por criança, para “financiar uma jornada

ϱϲO governo promoveu uma grande propaganda oficial sob o lema “Toda Criança na Escola”. Dentre os resultados apresentados constava a suposta universalização do Ensino Fundamental. Todavia, Davies (2002, pp. 23-24) alerta para o caráter inverídico desta informação: “É o que podemos perceber quando analisamos a evolução das matrículas estaduais e municipais no Ensino Fundamental regular (EFR) de 1997 a 2002 no Brasil como um todo. Segundo o balanço sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), divulgado pelo MEC em outubro de 2000 (www.mec.gov.br), elas teriam crescido 2,3 milhões nas redes públicas de 1997 a 1999, graças ao FUNDEF. Entretanto, a propaganda oficial não revela que este aumento deve-se em grande parte à inclusão, no EFR, de 785 mil matrículas de classes de alfabetização (CA), de 100 mil de educação de jovens e adultos (EJA), e cerca de 400 mil, perdidas pelo setor privado e provavelmente incorporadas às redes municipais, sem falar na falsificação de matrículas, problema reconhecido pelo próprio ministro da Educação e que gerou portaria cancelando matrículas de redes de alguns governos ansiosos por aumentar a sua fatia do FUNDEF. Se descontarmos essas matrículas, o número de matrículas novas no EFR cai para 947 mil, fragilizando, assim, a campanha “Toda Criança na Escola”, alardeada com bastante estardalhaço pelo governo federal em 1997/1998 e supostamente viabilizada pelo FUNDEF”.

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ϭϱϮ

suplementar, na qual são realizadas atividades recreativas, culturais e de reforço escolar”

(AMARAL e RAMOS, 1999, s/p).

O segundo programa, por sua vez, inspirado nas experiências dos Programas de

Garantia de Renda Mínima realizados pelo governo Distrito Federal e pela Prefeitura de

Campinas,foi lançado oficialmente em 1998, mas implementado, de fato, somente no início

do segundo mandato de Fernando Henrique, em 1999. No Renda Mínima, o governo

federal se responsabilizava pela concessão de recursos financeiros a municípios pobres,com

renda per capita e receita corrente abaixo da respectiva média estadual (Cf. AMARAL &

RAMOS, 1999), que se responsabilizariam por transferi-los a famílias cuja renda não

superasse meio salário mínimo e os filhos ou dependentes com idade entre 7 e 14 anos

estivessem matriculados e frequentassem regularmente a rede escolar, num modelo muito

próximo ao do PETI.

A Educação Infantil também foi objeto de ação da administração federal durante o

quadriênio 1995-1999. Apesar de a LDB dispor o contrário, a área manteve-se atrelada à

assistência social em total desrespeito ao seu caráter educativo e às históricas demandas da

comunidade educacional. Desta forma, a União manteve a sua posição de não intervir

diretamente na questão, restringindo-se a transferir recursos para os municípios e entidades

não governamentais — tal qual ocorria na Educação Especial —responsáveis pela oferta da

Educação Infantil. Afora isso, caberia também ao “Comunidade Solidária” a função de

atuar no setor, reforçando as ações assistencialistas, mediante a distribuição de cestas-saúde

do escolar e a construção de pré-escolas. Com esse modelo de atuação, a iniciativa privada

permanecia fortalecida com o compartilhamento de responsabilidades com a esfera pública,

filosofia presente em quase todos os setores da administração pública durante os anos

Fernando Henrique, e se evidenciava o descompromisso governamental através da ausência

de um projeto para uma para uma área de suma importância no contexto educacional.

O “Comunidade Solidária” teve papel relevante na condução das questões

educacionais. Além de atuar na Educação Infantil, gerenciar os programas de Transporte,

Alimentação e Saúde do escolar, implementar o Plano Nacional de Educação Profissional e

o Programa Nacional de Renda Mínima, coube também a ele um papel estratégico: o de

gerar novos mecanismos de participação da sociedade na área educacional através da

criação dos programas “Alfabetização Solidária” e “Universidade Solidária”.

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ϭϱϯ

O primeiro objetivava a redução dos índices de analfabetismo entre jovens de 12 a

18 anos de idade através da realização de parcerias com empresas, que “custeavam metade

dos gastos por aluno (a outra metade era coberta com fundos públicos, advindos do

MEC)”; com universidades, que “executavam as ações de alfabetização por meio de

coordenadores e alfabetizadores que elas selecionavam e capacitavam”; e com os

municípios, que “eram responsáveis por questões operacionais (salas de aula, merenda,

convocatórias)” (BARREYRO, 2010, pp. 176-177), numa clara sinalização de que o

combate ao analfabetismo entre os adultos não seria uma prioridade governamental.

Já o segundo, uma versão adaptada do projeto Rondon, visava mobilizar estudantes

e professores universitários para a participação em ações de combate à fome e à pobreza em

diferentes regiões do país, de modo a fortalecer a articulação entre teoria e prática e gerar

novos intercâmbios de conhecimento. Ao transferir esse conjunto de responsabilidades ao

“Comunidade Solidária”, o MEC abandonou funções importantes para fortalecer sua nova

condição de formulador, coordenador e acompanhador de políticas públicas em questões

consideradas mais prioritárias pelo governo FHC.

O Ensino Médio também conheceu profundas transformações, apesar de não ter sido

priorizado como o fora o Ensino Fundamental pela agenda governamental. Embora a LDB

lhe conferisse uma ampla gama de objetivos, de modo a romper a histórica dicotomização

entre o ensino profissionalizante e o preparatório para o Ensino Superior e garanti-lo a toda

população como formação básica, o Ministério da Educação fez questão de retroceder ao

lançar o Decreto n. 2.208/97, que organizava a educação profissional de nível técnico de

modo independente do Ensino Médio regular (Cf. MOEHLECKE, 2012), e a Resolução

CEB n. 3, de 26 de junho de 1998, responsável por instituir as diretrizes curriculares

nacionais para este nível de ensino e, por conseguinte, melhor articular a educação ao

mundo do trabalho em tempos neoliberais.

Isto posto, mantinha-se uma divisão de modelos, cujos resultados eram

segregacionistas: aos filhos das elites, o caminho garantido (sobretudo pela escola

privada).Ao Ensino Superior e aos filhos das classes trabalhadoras, o caminho da

profissionalização (sem garantias de acesso ao Ensino Superior) em escolas da rede

pública. Sobre isso, afirma Neves (1999, p. 142):

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Já o Decreto 2.208 de 17/4/97 e, mais tarde, o parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, de 1/6/1998, realizam juntos uma verdadeira revolução na educação do nível intermediário de ensino […]. O primeiro retira o caráter de escolarização do ensino técnico, quando não mais considera esta modalidade de ensino como modalidade de Ensino Médio; o segundo repõe explicitamente a dualidade de ensino, quando admite a existência de um Ensino Médio profissionalizante e um Ensino Médio propedêutico ao Ensino Superior. O currículo do Ensino Médio teria uma base comum nacional seguida de aprofundamento de um ou mais conteúdos das áreas da base comum nacional (médio propedêutico) ou conteúdos específicos de preparação para o trabalho (médio profissionalizante). Essa divisão de trabalho no âmbito educacional reforça uma prática já experimentada nos chamados Anos de Chumbo, na qual a profissionalização obrigatória do 2º grau de ensino de fato só se aplicava à escola pública, uma vez que as escolas privadas desse nível de ensino encontravam formas “inteligentes” de continuar seu ensino de caráter propedêutico ao Ensino Superior.

Ao afirmar, na mensagem presidencial de 1996, que o atraso econômico do país era

também social, pois existiam grandes disparidades entre os setores da população em

relação à qualificação para o trabalho (Cf. CARDOSO, 1997), o governo deixava claro seu

incômodo com uma questão central em seu projeto desenvolvimentista: a educação

profissional. Era necessário investir na formação de mão de obra qualificada para poder

atender às novas demandas do capitalismo em tempos de globalização. Caso contrário,

resultaria inviável a aceleração do desenvolvimento econômico.

Mesmo sendo uma área prioritária para o seu projeto, o governo não veio a ampliar

os investimentos no setor, voltando-se apenas à “racionalização” dos gastos. Tampouco se

investiu em qualidade, o que evidenciava a opção governamental pela expansão

quantitativa. Por isso, manteve-se o repasse de recursos para a iniciativa privada, que se

encarregava de instalar e manter escolas profissionais, e criaram-se dois grandes programas

para subsidiar as ações do governo para a educação profissional: o Plano Nacional de

Educação Profissional (PLANFOR), que oferecia “cursos de qualificação e requalificação

profissional, em diferentes áreas e especialidades, com prioridades àqueles de baixa

escolaridade, do mercado formal e informal, desempregados, subempregados, empresários

e empregados de micro e pequenos empreendimentos” (CARDOSO, 1997, p. 39),57 e o

ϱϳ O PLANFOR foi concebido com metas, no mínimo, ousadas: “qualificar, por meio da oferta de Educação Profissional, pelo menos, 20% da População Economicamente Ativa (PEA), o que significou aproximadamente 15 milhões de pessoas com idade superior aos 16 anos, tendo em vista a inclusão no

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Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), responsável pela expansão das

escolas técnico-profissionalizantes ao financiar, em parceria com o Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID), os “planos estaduais de reforma e expansão do Ensino Médio e

da educação profissional” e destinar recursos à “construção, reforma e ampliação de

instituições de ensino, aquisição de equipamentos técnico-pedagógicos e de gestão,

material de ensino-aprendizagem, capacitação de docentes e pessoal técnico-

administrativo” (CARDOSO, 1998, p. 57).

Assim, até mesmo a Educação Profissional, subjugada pelas elites do país, que a

consideravam o destino preferencial para a formação da população pobre, dicotomizaria sua

oferta de serviços: aos mais pobres, cursos de curta duração e baixo custo, voltados à

qualificação e requalificação profissional daqueles que eram “justamente as camadas mais

vulneráveis aos processos de reestruturação e modernização produtiva” (CARDOSO,

1997, p. 39); aos mais abastados financeiramente, a possibilidade de estudar em institutos

federais, que articulavam educação, ciência e tecnologia, e garantiam acesso posterior aos

poucos postos de trabalho especializados.

Sobre essa política de Educação Profissional dicotômica, afirma Kuenzer (2000, p.

35):

Com a acumulação flexível, o capital prescinde de formação profissional para os postos crescentemente simplificados, passando a demandar do Estado apenas educação geral, mais ampliada, é verdade, porém não mais universalizada, em face da redução dos postos de trabalho. Para a educação de seus profissionais qualificados, o capital sempre prescindiu do Estado, provendo suas próprias demandas, em face do caráter estratégico. Nesse novo contexto, tomando por princípio a racionalidade econômica, de fato não há por que estender a educação média tecnológica aos sobrantes. A educação fundamental será suficiente, uma vez que, para a maioria, o horizonte é o exercício de tarefas precarizadas de caráter eventual, com reduzidas oportunidades de participação na cultura, na política e na sociedade. Nessa perspectiva, a universalização do Ensino Fundamental, limite autoimposto pelo governo, vincula-se antes à finalidade de exercer algum controle social, para evitar a completa barbarização, do que ao atendimento dos direitos de cidadania.

mundo do trabalho” (KUENZER, 2006, p. 888). Sua implementação envolveu crescentes recursos, num claro compromisso do governo com a expansão quantitativa dessa modalidade educacional, ao passo que a duração dos cursos — em total descompromisso com a formação omnilateral — diminuiu, corroborando com o aligeiramento da formação dos trabalhadores.

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ϭϱϲ

Na linha de modernização econômica do país, o Ensino Superior também sofreu

severas intervenções governamentais com vistas a adequá-lo às exigências da economia

mundial. Neste sentido, o governo pôs-se a colocar em ação o que havia sido proposto no

“Mãos à Obra, Brasil” durante a campanha eleitoral: incentivo à diversificação e expansão

do sistema de educação superior, revisão dos mecanismos de gestão e financiamento, e

controle de qualidade das instituições públicas e privadas. A viabilização dessas propostas

se deu, assim como a maior parte das intervenções nos outros níveis e modalidades de

ensino, através de um novo conjunto de medidas jurídico-administrativas, investimentos

derivados de empréstimos junto aos organismos internacionais e apoio à iniciativa

privada.58

A primeira dessas novas medidas foi a criação, em 1995, do Conselho Nacional de

Educação, que, através da Câmara de Educação Superior, se tornaria responsável por

deliberar sobre as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, credenciar(ou não)as

instituições de Ensino Superior e regulamentar o Exame Nacional de Cursos (Provão),

mecanismo de avaliação imposto pelo governo à educação superior.

A posteriori, no mesmo ano, deu-se a promulgação da Lei n. 9.192, cujas

disposições regulamentariam o processo de escolha dos dirigentes universitários, que

interferiria diretamente na questão da autonomia universitária.

No ano seguinte, o Decreto n. 2.026 estabeleceria os “procedimentos para a

avaliação dos cursos e instituições de Ensino Superior” (BRASIL, 1996d) em total

conformidade com as lógicas meritocrática e produtivista.

Já em 1997, seria a vez da promulgação do Decreto n. 2.306, que dispôs sobre a

reorganização do sistema federal de ensino e apresentou como novidade a criação dos

centros universitários (instituições sem maiores vínculos com a pesquisa), de modo a apoiar

a iniciativa privada, desejosa de ampliar seus negócios em pleno período de expansão do

Ensino Superior sem que, para isso, tivesse que gastar mais para adequar suas instituições

ao trinômio “ensino-pesquisa-extensão”.

ϱϴAlém da criação dos centros universitários e da forte presença dos defensores do ensino privado no Conselho Nacional de Educação, o governo Fernando Henrique investiu na distribuição de bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior para o alunado de graduação. Era, portanto, uma forma de expandir a oferta para este nível de ensino, favorecendo os interesses do empresariado.

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ϭϱϳ

Na esteira dessas medidas, o governo também interveio, mais diretamente, no

cotidiano das instituições federais de Ensino Superior. Para tanto, apoiou um “amplo e

consistente processo de renovação das práticas e metodologias de ensino de graduação,

compatíveis com os desafios impostos pelo desenvolvimento científico e tecnológico”

(CARDOSO, 1998, pp. 59-60), investindo em projetos de “reequipamento e modernização

da infraestrutura de ensino e extensão” (IDEM, IBIDEM) com o auxílio do financiamento

do BNDES e de bancos estrangeiros.

No entanto, esses investimentos não impediriam o governo de comprimir o repasse

de recursos às universidades públicas federais, forçando-as à adequação ao que se chamou

de “transparência e eficiência no uso de recursos públicos” (CARDOSO, 1999, p. 54).

Consequentemente, essas instituições teriam apenas a garantia do repasse mínimo de

recursos para a manutenção de suas atividades, o que forçava a captação de recursos junto à

iniciativa privada, mediante a elaboração de convênios e parcerias, para o fomento de suas

pesquisas, por exemplo. Expandir vagas tampouco se faria, pois a diretriz governamental

era a de melhor aproveitar aquelas que se encontravam “ociosas”.Os professores também

foram diretamente afetados por essa nova política, já que seriam obrigados a se adequar às

regras da produtividade, acumulando funções de ensino e pesquisa e se submetendo

periodicamente a mecanismos de avaliação, que determinariam — pela lógica do mérito —

suas remunerações. Dessas ações não se poderia esperar outro resultado que não fosse a

submissão gradual da universidade pública brasileira a um danoso processo de privatização,

tal qual desejavam os neoliberais, cujas consequências seriam perversas à manutenção da

qualidade de seus programas de formação.

Esse extenso conjunto de programas e legislações, que interferiu em todos os níveis

de ensino e modalidades educacionais, não visou — em nenhum momento — atender aos

anseios de considerável parte da sociedade por uma educação social e politicamente

transformadora. Tampouco respeitou os dispositivos constitucionais que asseguravam o

direito de todos à oferta de serviços educacionais. Apenas se atendeu ao intuito central do

governo de criar as bases para a implantação de seu projeto neoliberal, tal qual ocorreu em

outras áreas — vide a reforma do Estado; as privatizações; o apoio à iniciativa privada em

detrimento do público; o descumprimento de direitos sociais; o fortalecimento da

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ϭϱϴ

dependência em relação às grandes potências capitalistas e os organismos multilaterais; o

incentivo à desnacionalização da economia; a periódica redução dos gastos sociais; etc.

Não existiu, portanto, uma “revolução educacional” em curso, como propagava o

alto escalão do Ministério da Educação, ou mesmo o efetivo combate à desigualdade social.

Tudo ocorria em nome da modernização e da manutenção da estabilidade econômica. E foi

valendo-se desse mote e do forte apoio dos setores conservadores que Fernando Henrique

Cardoso se tornou o primeiro presidente reeleito da história do Brasil, e deu andamento, por

mais quatro anos, ao avanço do neoliberalismo no país.

4.2. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998

As eleições de 1998 ficaram marcadas pela ocorrência de uma grande novidade

político-institucional: a possibilidade de os governadores e o presidente da República se

candidatarem à reeleição. Isso só se viabilizou após uma grande manobra política do

governo Fernando Henrique Cardoso, marcada pelas denúncias de corrupção e as

contundentes críticas da oposição, para que o Congresso Nacional aprovasse a Emenda

Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997, e tornasse legítima a vontade do presidente de

disputar as eleições e defender a continuidade do seu programa neoliberal.

De fato, Fernando Henrique valeu-se — e muito — do uso da máquina

administrativa para tornar possível sua intenção de reeleger-se. Para tanto, distribuiu

ministérios entre os partidos aliados (prática recorrente na história republicana brasileira), a

fim de ampliar o apoio que recebia no Congresso Nacional; fortaleceu sua aliança com o

empresariado e os segmentos conservadores da sociedade; manteve o apoio da grande

mídia e empenhou-se em manter uma imagem positiva tanto do governo como de sua

atuação pessoal à frente da Presidência da República entre as grandes potências capitalistas

e os organismos multilaterais. Desta forma, encontrava respaldo e espaço suficientes para

apresentar-se à sociedade como a alternativa política capaz de assegurar a estabilidade

econômica e fazer avançar um projeto desenvolvimentista.

Nem mesmo as denúncias de corrupção envolvendo a possível compra de votos para

assegurar a aprovação da Emenda Constitucional n. 16 conseguiram enfraquecer a

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ϭϱϵ

candidatura. Apesar de o caso envolver governadores (do Amazonas e do Acre), deputados

federais e o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, e ter certa repercussão na

imprensa, o governo conseguiu abafar — valendo-se da distribuição de cargos e verbas —

as articulações da oposição em torno da abertura de uma Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI), que inevitavelmente prejudicaria o projeto reeleitoral de Fernando

Henrique. Dos envolvidos, apenas os deputados Ronivon Santiago e João Maia (ambos, à

época, do PFL do Acre) se prejudicaram mais, tendo que renunciar aos respectivos

mandatos para fugirem da cassação. Deste modo, o caminho parecia mais tranquilo para a

condução da campanha governamental governista.

Ao constituir uma aliança entre PSDB, PFL, PTB, o então PPB (ex-PDS, PPR e

agora PP) e parcelas consideráveis do PMDB, que, mais uma vez, não lhe concederia apoio

oficial, Fernando Henrique Cardoso tornaria evidente sua total guinada à direita, vindo a se

beneficiar eleitoralmente do apoio concedido por figuras como Paulo Maluf, Antônio

Carlos Magalhães, José Sarney, Jader Barbalho, Jorge Bornhausen, Marco Maciel, Roberto

Jefferson e outros. Além disso, garantira bons apoios nos estados, a possibilidade de eleger

uma ampla bancada parlamentar — fundamental para a governabilidade — e um expressivo

tempo de propaganda obrigatória tanto no rádio como na televisão, fator indispensável para

um candidato que teria de convencer o eleitorado da importância de suas realizações,

mesmo quando quase tudo andava mal devido às sucessivas crises econômicas mundiais e o

fracasso de grande parte das medidas tomadas pelo governo com vistas a combater seus

perniciosos efeitos no país.

No campo oposicionista, apresentaram-se como principais opções Luiz Inácio Lula

da Silva, representando o PT e os aliados PDT, PSB, PCdoB e PCB, e Ciro Gomes, apoiado

pela aliança composta por PPS, PL e PAN, pois os outros candidatos representavam

“partidos nanicos”, sem maiores expressões eleitorais. O primeiro disputava a sua terceira

eleição, sendo bastante conhecido pelo eleitorado, e defendia uma mudança radical nos

rumos do país ao criticar o Plano Real, a expansão do neoliberalismo e a relegação da área

social ao segundo plano na agenda governamental. Em função disso, recebeu imediato

apoio dos movimentos sociais, das organizações sindicais, dos partidos de esquerda e dos

setores progressistas da sociedade. Entretanto, no decorrer da campanha eleitoral, teve

grandes dificuldades em suas tentativas de convencer a população de que era preciso alterar

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ϭϲϬ

substancialmente a política econômica para promover justiça social, fato que o levou a ser

considerado “radical” pelas fatias do eleitorado que se identificavam com o discurso da

estabilidade econômica — leia-se, aqui, as elites, os segmentos políticos conservadores de

maneira geral e estratos significativos da classe média e das classes trabalhadoras, que

temiam o fantasma da inflação. O segundo, ao apresentar-se como um candidato moderado,

conhecido pela experiência administrativa apesar da juventude, defendia a readequação do

Plano Real e um combate mais efetivo, por parte do governo, aos problemas sociais do país.

Amparado por esse discurso, tentava ser uma terceira via à possível polarização entre Lula

e Fernando Henrique. Todavia, com pouco tempo de televisão, desconhecido da maioria do

eleitorado e sem grades apoios políticos, acabou sendo visto como um “novo Collor”, algo

que prejudicou severamente suas pretensões eleitorais.

Nesse cenário, a candidatura Fernando Henrique não encontrou maiores

dificuldades para lograr êxito no pleito eleitoral. Manteve-se a divulgação da imagem do

candidato como um político “preparado”, “realizador”, com “grande credibilidade”

internacional. De novidade, um discurso mais voltado ao combate dos problemas sociais —

agravados pela adoção das medidas neoliberais —, de modo a atender aos anseios dos

insatisfeitos com os rumos tomados pela administração federal e evitar o fortalecimento da

oposição (que insistentemente divulgava as mazelas do país), e a apresentação de um novo

plano de governo (denominado “Avança, Brasil: proposta de governo”).

No novo programa, o governo FHC defendia aquilo que ele compreendia ser seu

maior legado: a promoção de um novo modelo de atuação estatal para uma “nova

sociedade”. Mas reconhecia que era preciso avançar em outras áreas, sobretudo na geração

de empregos e na implementação de políticas sociais. Isto posto, determinava como

objetivos para o segundo mandato “avançar para consolidar o Real”, pautando-se no

equilíbrio das contas públicas e no aumento da capacidade de poupança e de investimentos

do país; “avançar para fazer o país crescer de forma sustentada e gerar oportunidades de

trabalho” a partir do aumento das exportações e da promoção do crescimento de setores

como a agricultura, a indústria, o turismo, a construção civil e os serviços em geral;

“avançar para desenvolver e consolidar a democracia na vida cotidiana de todos os

brasileiros” mediante a promoção dos direitos civis, o combate às discriminações e à

violência; e “avançar, sobretudo na luta permanente contra a exclusão social, a fome, a

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ϭϲϭ

pobreza e a desigualdade” através de uma “revolução” nas políticas sociais e de

transferência de renda (CARDOSO, 1998b, p. 03).

A despeito de parecer ter um propósito “mais social”, o plano não apresentara

maiores novidades no tocante às políticas sociais. Suas bases já haviam sido lançadas no

decorrer do primeiro mandato; bastava, na concepção dos governistas, centrar maiores

esforços na implementação. Portanto, os partidários de Fernando Henrique não sinalizavam

nenhum compromisso com maiores mudanças nos modos de o governo compreender e

combater os problemas do país, afinal, não se alterou a escala de prioridades: estabilidade

econômica em primeiro lugar e combate à desigualdade social em segundo plano.

O período de campanha não reservou maiores alterações no quadro de intenção de

voto. O presidente, candidato à reeleição, manteve-se à dianteira nas pesquisas desde o

primeiro momento, embora sofresse com a queda de aprovação ao seu governo, decorrente

dos efeitos, no Brasil, da crise econômica russa. Essa condição animou, nos primeiros

meses, os oposicionistas Lula e Ciro Gomes, que vislumbraram a oportunidade de levar o

pleito ao segundo turno. Porém, o discurso oposicionista, que denunciava, entre outras

coisas, as privatizações, o desemprego, a seca no Nordeste e a péssima distribuição de

renda, não conquistou o eleitorado, fazendo com que tanto o candidato do PT quanto o

candidato do PPS perdessem fôlego já no início da disputa. Os candidatos dos partidos

“nanicos” também sucumbiram, cabendo a Enéas Carneiro o melhor desempenho dentre

eles ao terminar as eleições em quarto lugar com pouco mais de 2% dos votos válidos.

Desta forma, com uma campanha rica, pautada na ampla utilização da máquina

administrativa e amparada pela cobertura favorável da grande imprensa, Fernando

Henrique Cardoso se tornaria, no dia 3 de outubro de 1998, o primeiro presidente reeleito

da história do país.

4.3. O segundo governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2003)

A reeleição trouxe novas expectativas à sociedade brasileira quanto à atuação de

Fernando Henrique Cardoso em seu novo mandato presidencial. Imaginava-se que o

presidente seria capaz de conter os efeitos das sucessivas crises econômicas mundiais no

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país e fortalecer a atuação na área social, tal qual previa o seu novo plano de governo, o

“Avança Brasil”, pois o modelo de desenvolvimento proposto durante o primeiro mandato

dava claros sinais de esgotamento: o volume de recursos resultante das privatizações não

foi capaz de reduzir substancialmente a dívida pública; a capacidade de investimento

permanecia reduzida, com o governo ora apelando aos empréstimos junto aos organismos

multilaterais e bancos privados internacionais, ora recorrendo às parcerias com a iniciativa

privada em nível nacional; a indústria nacional se sacrificava para resistir à concorrência

internacional aberta pelo governo; as altíssimas taxas de juros beneficiavam somente os

especuladores internacionais; o crescimento econômico era ínfimo para atender aos anseios

de todos os setores da sociedade; e o desemprego aumentava tanto quanto o subemprego.

Ainda mais dependente das grandes potências, o Brasil não conseguia combater,

tampouco solucionar, seus graves problemas sociais, de modo que era preciso mudar o

modelo de atuação governamental para evitar que o país fosse guindado a uma grande crise

tal qual ocorrera nos anos 1980 e, mais recentemente, com países como o México, a Rússia

e a Argentina. Mudanças ocorreram, mas não alteraram radicalmente o modelo de atuação

governamental. Para avançar na estabilização da economia, o governo investiu em uma

nova política fiscal, através do “Programa de Estabilização Fiscal”, 59 que previa o aumento

de receitas e o corte de despesas de modo a garantir a obtenção de superávits primários com

vistas a “produzir a estabilização da razão entre a dívida pública e o Produto Interno

Bruto (PIB)” (OLIVEIRA e TUROLLA, 2003, p. 198); em um novo regime monetário,

pautado no sistema de metas inflacionárias; e, por fim, no abandono do regime cambial fixo

em nome da flutuação. Destaca-se, ainda, neste conjunto de medidas, a desaceleração do

ritmo das privatizações, tendo o governo Fernando Henrique centrado esforços na

desestatização dos bancos estaduais, objetivando a redução do endividamento dos estados

junto à União e a melhoria das contas públicas federais.

Essas bases de atuação levaram o país a manter a estabilização dos preços e os

compromissos com os organismos multilaterais e as grandes potências capitalistas, mas

ϱϵDentre as ações formuladas no sentido de assegurar a estabilização econômica, constava a manutenção da Desvinculação das Receitas da União (DRU), criada em 1994, que funcionou como um mecanismo de flexibilização orçamentária ao dar poder ao governo federal de desvincular 20% de recursos oriundos de impostos e contribuições para utilizá-los em áreas que julgava serem mais prioritárias. No segundo mandato, o governo FHC valeu-se desse mecanismo para alcançar os superávits primários e controlar a inflação, prejudicando setores como saúde e educação, por exemplo.

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ϭϲϯ

provocaram a elevação de tributos e a redução dos investimentos, já que era preciso ampliar

receitas e gastar menos. Deste modo, o governo mudou aspectos de sua atuação, mas

continuou a priorizar a área econômica em detrimento da área social, dando

prosseguimento à implantação da reforma do aparelho do Estado, que colocava

“descentralização, compromisso com resultados, parcerias com a sociedade civil,

flexibilização de normas e procedimentos, modernização dos métodos de gestão […]”

(CARDOSO, 2002, p. XIII) como diretrizes fundamentais para as intervenções

governamentais.

A “nova” política econômica conservou os princípios neoliberais e mostrou que o

governo, apesar das promessas eleitorais, não avançaria na propositura de reformas

estruturais, dado o “processo de fadiga [dessas reformas], especialmente a reforma

tributária e o aperfeiçoamento do marco regulatório. Assim, o novo papel regulador do

Estado foi implementado apenas parcialmente” (OLIVEIRA & TUROLLA, 2003, p. 214).

Desta forma, em vez de priorizar as reformas política, agrária, educacional e

tributária, os esforços foram concentrados em ações pontuais, como a promulgação da Lei

de Responsabilidade Fiscal,60 responsável por incorporar a “prudência, a prestação de

contas e a transparência na administração de recursos públicos, nas três esferas de

Governo e nos três Poderes” (CARDOSO, 2001, p. 28) e fixar “limites para despesas com

pessoal, […] a aprovação de limites para dívida pública pelo Senado Federal e

[determinar] que sejam estabelecidas metas fiscais” (CARDOSO, 2001, p. 29);a criação do

fator previdenciário, como parte da reforma da Previdência, com vistas a impedir o

aumento do déficit do setor e inibir a concessão de aposentadorias precoces; a criação do

Ministério do Desenvolvimento, que teria o papel de formular uma nova política industrial,

ϲϬApesar de o governo compreendê-la como um instrumento imprescindível à obtenção dos superávits primários, que deveriam contribuir para a redução do endividamento do país, não se pode ignorar a sua importância para o combate à corrupção e à irresponsabilidade dos governantes mediante o efetivo controle das contas públicas. Segundo Loureiro & Abrucio (2004, p. 60), contribuíram para a “formação desse consenso em torno da responsabilidade fiscal” o “sucesso inicial do Plano Real” e as “pressões do mercado, exigindo maior ‘confiabilidade’ para os investidores externos”. Além desses elementos, “também atuaram nessa direção a emergência de maior intolerância em relação à corrupção e de consciência mais clara dos danos que a insolvência dos governos geram à sociedade, tais quais as consequências do não pagamento de salários a funcionários (médios, professores, policiais), greves, insegurança nas cidades, deterioração dos serviços públicos, etc. Nessa linha contribuíram decisivamente os episódios dos precatórios, com grande repercussão em Pernambuco, Santa Catarina, Alagoas e São Paulo, e o da Máfia dos Fiscais, envolvendo a Prefeitura paulistana, os quais revelaram os resultados de irresponsabilidade fiscal em larga escala” (IDEM, IBIDEM).

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baseada no princípio da competitividade e no combate ao protecionismo; e, finalmente, a

execução da reforma administrativa, através do cumprimento das disposições expressas

pela Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998.

Esse conjunto de medidas não impediu, contudo, que uma nova crise econômica,

desta vez em um país vizinho, afetasse a confiança do mercado no Brasil. “Transformada

em uma espécie de laboratório para as doutrinas e políticas econômicas preconizadas pelo

chamado Consenso de Washington” (BATISTA JR., 2002, p. 83), a Argentina chegaria aos

anos 2000 sofrendo as consequências da adoção de uma política marcada pela

“liberalização, integração internacional e cessão unilateral de aspectos essenciais da

autonomia da política econômica nacional”. Assim, altamente dependente das grandes

potências capitalistas e dos organismos multilaterais para financiar seu próprio

desenvolvimento, o país vizinho ampliou seu endividamento interno e externo; abriu-se à

concorrência internacional sem estruturar-se, de fato, para isso; e impôs-se uma grande

dependência do dólar, que, a certa altura, acabou tornando inexpressiva a força do peso

argentino, moeda corrente nacional. Como resultado, viu-se em crescente

desindustrialização, com elevadas taxas de desemprego e aumento exponencial da pobreza,

fatores que configuraram uma crise socioeconômica sem precedentes, agravada pelos

impasses institucionais causados pela troca de presidentes (cinco) em curto espaço de

tempo (doze dias). Sem saída, acabou decretando moratória em 2001 e perdendo

credibilidade junto ao mercado internacional, algo que prejudicaria até hoje a retomada do

seu desenvolvimento.

Embora o Brasil, assim como a Argentina, também fosse considerado um exemplar

modelo neoliberal e tivesse enfrentado a crise da Rússia sem abalar substancialmente a sua

estabilidade econômica, não tardou para que os investidores imaginassem que a crise em

um país vizinho afetasse diretamente a economia brasileira, que àquela altura enfrentava

problemas relativos à baixa competitividade, ao crescimento do desemprego e à

desvalorização do Real. Essa descrença do mercado foi agravada pelo fato de os Estados

Unidos, ameaçados pelo terrorismo, estarem em recessão, o que impossibilitou a grande

potência capitalista de fazer maiores aportes de investimentos nos países sul-americanos e

deflagrou uma nova crise financeira mundial. Sem saída, o governo brasileiro acabou

recorrendo mais uma vez aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional e

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introduzindo novos ajustes à economia ao restringir ainda mais os investimentos e aumentar

a taxa de juros para impedir a fuga de capitais. Portanto, aplicava-se, novamente, um

“remédio amargo” para conter os problemas econômicos, ignorando-se, também mais uma

vez, os anseios dos setores desejosos por radicais transformações no quadro social. Em

vista disso, o objetivo governamental acabou satisfeito — a inflação, de fato, não voltou —,

mas a dependência externa cresceu e a desigualdade social permaneceu como o maior

problema brasileiro, atravancando o desenvolvimento nacional.

No início do segundo mandato, o governo Fernando Henrique percebeu a

necessidade de reestruturar suas ações através da concepção de um grande programa, o

“Avança Brasil”, baseado não só no plano de governo apresentado durante o período

eleitoral, mas também no documento “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”,

formulado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que

“permitiu a realização de uma radiografia dos grandes problemas nacionais e o

levantamento detalhado das potencialidades e dos entraves ao desenvolvimento das regiões

do país como um todo” (CARDOSO, 2000, p. 04).

Numa clara expressão do intento governamental de revitalizar e expandir o “Brasil

em Ação”, foi lançado o “Avança Brasil”, pautado na lógica gerencial e na racionalização

de recursos, cujo objetivo inicial era o de implementar 365 programas considerados

prioritários nas áreas de infraestrutura, produção, desenvolvimento social, informação e

conhecimento. Não havia, portanto, maiores novidades, exceto a vinculação do programa

ao Ministério do Planejamento e Orçamento, sua consequente integração “aos orçamentos

anuais, aperfeiçoar continuamente os programas, identificar empreendimentos e ações

com maior impacto sobre o desenvolvimento e viabilizar os recursos necessários à sua

execução” (CARDOSO, 2000, p. 6) e o seu acompanhamento pelos programas “Alocação

Estratégica de Recursos”, “Recursos para o Desenvolvimento”, “Brasil em Ação” e

“Integração entre Plano e Orçamento”. Desta forma, prevendo gastar 1,1 trilhão de reais,

dos quais boa parte seria proveniente da iniciativa privada e dos empréstimos concedidos

pelos organismos multilaterais, o governo colocaria em prática seu maior programa sem,

contudo, alcançar boa parte dos resultados previstos.

Outra importante medida tomada no início do segundo mandato foi a reestruturação

do programa Comunidade Solidária. Embora o governo avaliasse como exitosa a iniciativa

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no decorrer do primeiro quatriênio, pois avançara no “tratamento da política de assistência

como direito, combatendo-se práticas clientelistas e fisiológicas e realizando experiências

bem-sucedidas de parcerias” (DEL PORTO, 2006, p. 73), optou-se pela criação do

Comunidade Ativa, um programa responsável por capacitar municípios pobres a

descobrirem suas vocações e potencialidades e definirem suas demandas, de modo a melhor

articulá-las às intervenções governamentais e não governamentais. Assim se imaginava

fomentar o que ficou conhecido por Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

(DLIS), uma estratégia de “promoção do desenvolvimento por meio de parcerias entre

Estado e sociedade, que [possibilitasse] o surgimento de comunidades capazes de suprir

suas necessidades imediatas, sem deteriorar os recursos naturais nem degradar o meio

ambiente” (CARDOSO, 2000, p. 09).

Entretanto, o que se viu no decorrer da implementação foi a insatisfação das

comunidades com o não atendimento de suas demandas e, por conseguinte, a incapacidade

de se desenvolverem localmente. Partindo do diagnóstico de que havia “uma grande

deficiência de ações educacionais voltadas para a melhoria do capital humano, social e

empreendedor” (DEL PORTO, 2006, p. 119), o governo se viu obrigado a iniciar uma

reestruturação do Comunidade Ativa pouco tempo depois do seu lançamento, fato que

culminou na criação — em parceria com o SEBRAE, a UNESCO, o PNUD e o BID — da

Agência de Educação para o Desenvolvimento (AED), que “passaria a conceber e

desenvolver produtos educacionais voltados para a estratégia de DLIS, abrangendo,

especialmente, os temas empreendedorismo, capital humano e social, gestão e

microfinanças” (IDEM, IBIDEM).

Com essa medida, a União mantinha, sob a égide da articulação entre

desenvolvimento econômico e combate à desigualdade social, a postura de se eximir de

maiores responsabilidades sobre os problemas estruturais do país, transferindo obrigações

para os entes federativos e a sociedade civil. Por conseguinte, as comunidades pobres —

maiores afetadas pela deserção estatal — seriam obrigadas a fomentar o próprio

desenvolvimento, incorporando valores como o empreendedorismo e a produtividade, em

um contexto absolutamente desfavorável de expansão capitalista e afirmação do

neoliberalismo.

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Ainda na linha desenvolvimentista, foi criado o Ministério da Integração Nacional,

ao qual foram incorporadas as recém-criadas agências de desenvolvimento regionais (frutos

da incorporação de superintendências, bancos e fundos fiscais), e formulada uma nova

política regional — voltada à concentração de “ações para viabilizar investimentos em

infraestrutura e na área social” (CARDOSO, 2000, p. 161) —, fruto da ambição

governamental de reduzir o “custo-Brasil”, aumentar a produtividade do país e a sua

competitividade no mercado externo. Nesse sentido, combater a seca, estimular a

agricultura ou dotar as regiões pobres de infraestrutura (saneamento, energia elétrica,

transportes e telecomunicações) atendia não ao intuito de transformar radicalmente a

estrutura social brasileira mas, prioritariamente, ao propósito de destravar a economia e

assegurar o crescimento necessário para a manutenção do status quo.

O governo também procurou reestruturar a área social durante o segundo mandato

sem, contudo, abandonar a linha de atuação criada no primeiro quatriênio. Foram então

criados o Projeto Alvorada e o Fundo de Combate à Pobreza. O primeiro, instituído pelo

Decreto n. 3.769, de 8 de março de 2001, seria, de fato, o substituto do Comunidade

Solidária, pois articularia sob seu comando dezessete programas sociais do governo federal

voltados a áreas como educação, agricultura familiar, geração de emprego e renda, saúde,

etc., que deveriam melhorar as condições de vida nas localidades mais pobres do país,

enquanto o segundo, criado pela Lei Complementar n. 111, de 6 de julho de 2001, e com

previsão para vigorar até 2010, tinha por objetivo “viabilizar a todos os brasileiros o

acesso a níveis dignos de subsistência e seus recursos serão aplicados em ações

suplementares de nutrição, habitação, saúde, educação, reforço de renda familiar e outros

programas de relevante interesse social” (BRASIL, 2001b), através do repasse direto de

recursos às famílias e indivíduos pobres.61

No entanto, mais uma vez, a escassez de recursos combinada à opção pelo governo

de avançar na agenda neoliberal determinou a pequena abrangência dessas iniciativas

ϲϭEntre as ações relevantes do governo FHC no campo social, destacam-se a criação dos programas Vale Gás, administrado pelo Ministério das Minas e Energia, que concedia, a cada dois meses, às famílias com rendimento de até meio salário mínimo, 15 reais para a compra de gás de cozinha, e do Bolsa Alimentação, voltado ao combate à desnutrição e à mortalidade infantil, cujas atribuições consistiam em repassar às famílias pobres no máximo 3 bolsas de 45 reais, durante um período de seis meses. Caso a situação de pobreza persistisse, o auxílio poderia ser renovado.

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governamentais, que beneficiaram um contingente amplo de famílias pobres, mas ainda

insuficiente para solucionar o problemático quadro social brasileiro.

No tocante à educação, o governo permaneceu fiel à agenda neoliberal constituída

durante o primeiro quatriênio. A marca do continuísmo foi expressa pela permanência do

ministro Paulo Renato Costa Souza e de grande parte de sua equipe à frente do MEC

durante todo o segundo mandato, fato que corroborou não só para a manutenção da

filosofia de gestão do ministério, mas também para o fortalecimento da política instaurada

nos quatro anos anteriores.

Assim sendo, o Ensino Fundamental permaneceu como prioridade na agenda

governamental; avançou-se na implementação das reformas do Ensino Médio e da

Educação Profissional; a educação à distância continuou a ser estimulada; a Educação de

Jovens e Adultos manteve-se relegada ao segundo plano; os contestados programas de

formação de professores foram expandidos; e no Ensino Superior perdurou a expansão do

privado em detrimento do público. De novidade, apenas a promulgação do controverso

Plano Nacional de Educação, em 2001.

A criação do Plano Nacional de Educação foi, sem dúvida, a “principal medida de

política educacional decorrente da LDB” (SAVIANI, 2002, p. 3), pois atendia à

necessidade de definir ações, relativas aos diferentes níveis e modalidades de ensino, que

deveriam ser encampadas pelo governo e colocadas em prática durante um período de dez

anos. Tratava-se, portanto, de um instrumento de suma importância para o desenvolvimento

da educação nacional, cuja formulação — iniciada ainda no primeiro mandato de FHC —

provocou novos embates entre a comunidade educacional, majoritariamente empenhada em

construir democraticamente o Plano e romper o avanço neoliberal na educação, e o MEC,

determinado a garantir a continuidade de sua política, valendo-se de um modelo autocrático

de atuação (Cf. FRIGOTTO & CIAVATTA, 2003).

Mais uma vez, a comunidade educacional se antecipou ao Estado e, reunida em

torno do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, propôs o Plano Nacional da

Educação da Sociedade Brasileira (PNE).

Segundo Valente & Romano (2002), essa iniciativa era fruto de ampla participação

democrática e popular, e reivindicava não só o fortalecimento da escola pública, mas a

universalização da educação básica e a democratização da gestão e a ampliação dos

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investimentos no setor educacional para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao final dos

dez anos de vigência do PNE. Não tardou para que o projeto encontrasse resistências, pois

divergia profundamente da política educacional em vigor.

Coube, então, ao governo valer-se de sua ampla base parlamentar para impedir o

avanço da proposta da sociedade. Dessa manobra surgiu o “relatório Marchezan”, que

praticamente deu nova configuração ao Plano ao incorporar as demandas governamentais,

sobretudo no que diz respeito à definição dos objetivos e metas do PNE. Assim, o plano

“[…] expressava a política do capital financeiro internacional e a ideologia das classes

dominantes” (VALENTE & ROMANO, 2002, p. 98) e ignorava, por exemplo, as

necessidades de elaborar ações mais efetivas de combate ao analfabetismo; universalizar a

educação básica ao estabelecer como objetivo “elevar de modo global o nível de

escolaridade da população” (VALENTE & ROMANO, 2002, p. 100); e aumentar o

dispêndio no setor para 10% do PIB.

Sobre a proposta do governo para a formulação do Plano Nacional de Educação,

afirma Saviani (2002, p. 82):

Uma análise do conjunto do documento nos permite concluir que a proposta de “Plano” limita-se a reiterar a política educacional que vem sendo conduzida pelo MEC e que implica a compressão dos gastos públicos, a transferência de responsabilidades, especialmente de investimento e manutenção do ensino para Estados, Municípios, iniciativa privada e associações filantrópicas, ficando a União com as atribuições de controle, avaliação, direção e, eventualmente, apoio técnico e financeiro de caráter subsidiário e complementar.

O PNE foi aprovado no Congresso Nacional, incorporando alguns dos principais

pontos defendidos pela sociedade. Todavia, o presidente Fernando Henrique, valendo-se de

seu perfil centralizador e autocrático,62 acabou por vetar considerável parte das medidas

propostas pelo projeto inicial.63 Ao ignorar, mais uma vez, a participação popular nos

ϲϮFHC, ao contrário do que costumava propagar, foi um dos governantes que mais desprestigiou o Congresso Nacional ao não respeitar seus trâmites e lançar uma enxurrada de Medidas Provisórias, as substitutas do “decreto-lei”, com o objetivo de agilizar a aprovação dos projetos governamentais. Durante os oito anos em que esteve à frente do Palácio do Planalto, FHC editou 418 MPs. ϲϯ FHC realizou nove vetos ao texto do PNE, mantendo a política de restrição de gastos na área social. Sobre os vetos, afirma Trópia (2011, p. 22): “Foram vetadas metas da educação infantil vinculadas ao programa de renda mínima; a meta de 40% da escolaridade para o ensino superior; de vinculação de 75% dos recursos da União voltados para manutenção e desenvolvimento do ensino da rede federal; aumento do crédito

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destinos da educação, o governo conseguiu adequar o Plano aos seus próprios interesses, de

modo a não entrar em rota de colisão com o Fundo Monetário Internacional, que

pressionava o país a comprimir seus gastos públicos e fazer avançar sua política

educacional neoliberal.

Desta forma, o PNE se reduziria a uma “peça de ficção”, nas palavras de Saviani

(2008), dado que “ninguém, nem mesmo o governo, o toma como referência, a tal ponto

que os próprios dispositivos da lei que o instituiu vêm sendo descumpridos por inteira

omissão e esquecimento” (SAVIANI, 2008, prefácio à 10ª edição).

Mesmo sem aumentar consideravelmente os mecanismos de financiamento ou

prever ações efetivas de combate aos problemas estruturais da educação — o que

dificultava qualquer tentativa de “revolucionar” o setor —, o governo continuou a

promover uma série de intervenções nos diferentes níveis de ensino e modalidades

educacionais, mantendo a dinâmica de descentralizar as ações estatais, racionalizar gastos

e, sobretudo, lançar instrumentos legais.

A universalização do Ensino Fundamental permaneceu como prioridade

governamental durante todo o segundo mandato de FHC. Em nome dos resultados

quantitativos favoráveis obtidos ao final do primeiro quatriênio, no qual se verificou tanto o

aumento de matrículas nas regiões mais pobres do país quanto a tímida redução das taxas

de evasão escolar, coube ao MEC investir na continuidade dos principais programas

voltados a esse nível de ensino.

Deste modo, permaneceram em franca expansão o FUNDEF — apesar, segundo

Pinto (2002, p. 116), de seus efeitos perversos como a “municipalização irresponsável do

Ensino Fundamental”, que levou municípios a fecharem “salas de aula de pré-escola,

superlotando-as com alunos do Ensino Fundamental” para conseguirem recursos junto ao

governo federal, da não contemplação da Educação de Jovens e Adultos pelo Fundo, e de

irregularidades cometidas pelo poder público —; o Programa de Aceleração da

Aprendizagem, finalmente renomeado “Toda Criança na Escola”, cujos resultados

quantitativos omitiam tanto a ineficiência estatal no efetivo combate ao fracasso escolar

educativo a 30% dos alunos da rede privada; plano de carreira para os funcionários das universidades federais; ampliação do financiamento para ciência e tecnologia; e finalmente os vetos mais importantes: o veto aos 7% do PIB, no mínimo, com educação e à exclusão do pagamento de aposentados e pensionistas do ensino superior público das despesas consideradas como manutenção e desenvolvimento do ensino”.

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quanto a reafirmação da exclusão através das famigeradas classes especiais; e o

FUNDESCOLA, que passou a ser implementado também no Nordeste, e oferecia — além

de um conjunto de produtos destinados a aprimorar a gestão educacional e melhorar os

resultados educacionais das regiões por ele atendidas — o programa Escola Ativa,

direcionado à escolas multisseriadas, com o objetivo de aplicar metodologia apropriada,

capacitar professores, fornecer materiais didáticos e kits de jogos pedagógicos e livros

escolares (Cf. CARDOSO, 2001).

Além dessas iniciativas, deve-se destacar, ainda, a criação do Bolsa Escola Federal,

em substituição ao Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima. De fato, o novo

programa não abandonou o propósito do antecessor de assegurar a transferência de renda

promovida pela União às famílias pobres comprometidas em assegurar a matrícula e a

frequência de seus filhos e dependentes na rede escolar. No entanto, trouxe como inovações

a ampliação da cobertura para mais de cinco mil municípios, a responsabilização do

governo federal pela totalidade dos recursos aplicados no programa e a alteração na faixa

etária do público-alvo do programa (em vez de 7 a 14, passou a ser de 6 a 15 anos).

Se no tocante ao Ensino Fundamental o governo se vangloriava de colher bons

resultados quantitativos — a universalização do acesso a esse nível de ensino estava cada

vez mais próxima — enquanto a qualidade da oferta permanecia, no mínimo, questionável,

o mesmo não se pode afirmar da formação de professores, que se mantinha na agenda

governamental como um problema insolúvel.

Ao final do primeiro mandato de FHC, em 1998, o MEC havia realizado, em

parceria com o BNDES, o Fórum Nacional “Um modelo para a educação no século XXI”,

evento que colocou em pauta o problema da formação docente, pois o país chegava às

portas do novo século com 53,49% dos professores da Educação Básica sem o Ensino

Superior completo (Cf. PRADO, 1999 apud EVANGELISTA & SHIROMA, 2003). Era,

portanto, um dos elementos que dificultava a promoção da ambicionada “educação para o

desenvolvimento”, e, em razão disso, o governo optou por intervir na questão lançando

novos instrumentos jurídico-administrativos, de modo a reconfigurar os programas de

formação de professores. Disso resultaram as elaborações da Resolução CNE/CP n. 1 de

1999, responsável por estabelecer os parâmetros para a criação dos Institutos Superiores de

Educação; do Decreto n. 3.276 de 1999, que reafirmava as disposições da resolução do

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Conselho Nacional de Educação ao determinar as bases da formação do professorado em

nível superior; do Decreto n. 3.554 de 2000, cujo conteúdo determinava que a formação de

professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental deveria se dar,

preferencialmente, em cursos normais superiores; além das resoluções CNE/CP números 1

e 2 de 2002, que instituíram, respectivamente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores da Educação Básica em nível superior e a duração e carga horária

dos cursos de formação de professores, também em nível superior.

Embora esses instrumentos trouxessem a formação docente para o âmbito dos

cursos superiores, o que se viu, na realidade, foi o aumento da sua precarização. Os cursos

de nível superior tiveram suas durações abreviadas; centrou-se a formação com base em

competências e habilidades — tal qual determinavam os Parâmetros Curriculares Nacionais

para os diferentes níveis da educação básica — em detrimento da criticidade, da

criatividade e da compreensão da própria realidade; impôs-se o trinômio “ação-reflexão-

ação” como princípio metodológico (Cf. BRASIL, 1999; BRASIL, 2002b), desvalorizando

as atividades de pesquisa — que se destinariam a compreender apenas o processo de ensino

e aprendizagem; e a Educação à Distância continuou a ser expandida.

Assim, em vez de implementar sólidos programas de formação de professores, o

governo investiu na expansão do Proformação; na criação do Programa de Formação de

Professores Alfabetizadores (PROFA) e na instituição do “Programa Parâmetros em Ação”,

cujo propósito era o de “desencadear um processo de melhoria da qualidade da atuação

docente no Ensino Fundamental, na educação infantil e na educação de jovens e adultos, a

partir da leitura e da reflexão teórica e metodológica dos PCN […]” (CARDOSO, 2000, p.

48). Desse modo, o professor se capacitaria, com base na “pedagogia das competências”,

para atuar em busca de resultados numa instituição escolar moldada por aspectos

empresariais, tal qual preconizava o projeto neoliberal de educação posto em vigor pelo

governo Fernando Henrique Cardoso.

A Educação Infantil também foi alvo de um conjunto considerável ações no

segundo governo Fernando Henrique. O primeiro ato, em cumprimento às disposições da

LDB, se deu com a transferência das instituições vinculadas a essa modalidade do âmbito

da assistência social para a área educacional. Com a medida, o Estado passava a reconhecer

a fundamental importância da Educação Infantil para a formação dos indivíduos, mas ainda

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não atendia as demandas de um setor negligenciado, cujo cenário era caótico: ausência de

infraestrutura, déficit de atendimento, péssima qualificação dos recursos humanos, entre

outros problemas.

Diante disso, o MEC manteve o modelo de atuação reservado às outras áreas,

criando referenciais curriculares, referenciais para a formação de professores e diretrizes

para o credenciamento e funcionamento das instituições prestadoras desse tipo de serviço

educacional. Além dessas medidas, vale ressaltar o fortalecimento da assistência financeira

e técnica concedida aos municípios — responsáveis pela oferta da Educação Infantil desde

a promulgação da Constituição de 1988 —, mediante a implantação do programa Atenção à

Criança, que previa a “aquisição e distribuição de material didático, formação continuada

de professores e a distribuição de merenda escolar para alunos da pré-escola”

(CARDOSO, 2000, p. 47).

Entretanto, apesar das mudanças institucionais, as organizações não governamentais

permaneceram em expansão, contando, inclusive, com a transferência de recursos estatais

para isso, e preservou-se a dicotomização entre o educar e o assistir — tal qual ocorria na

Educação Especial — a partir da “hierarquização do trabalho a ser realizado, seja pela

faixa etária (0 a 3 anos ou 3 a 6 anos), ou ainda pelo tempo de atendimento na instituição

(parcial ou integral), seja pelo nome dado à instituição (creches ou pré-escolas)”

(CERISARA, 2002, p. 328). Com isso, as crianças seriam forçadas, em nome da eficiência

do sistema, a anteciparem seus percursos de escolarização, fato que resultaria no sacrifício

da vivência plena da infância.

Para o Ensino Médio, a diretriz governamental se deu no sentido de continuar a

implementar a reforma iniciada no primeiro mandato e aumentar o número de matrículas,

sem, no entanto, alterar a alterar o modelo dicotômico resultante do decreto. Em razão

disso, o governo federal criou o “Programa de Desenvolvimento do Ensino Médio”, cujo

objetivo era o de lograr “a melhoria da qualidade do atendimento a 1,5 milhão de alunos

das escolas públicas, a criação de condições para o atendimento de um milhão de novos

alunos nas redes estaduais e a absorção progressiva, nessa rede, de 180 mil alunos hoje

atendidos nas redes municipais” (CARDOSO, 2001, p. 57). Do programa resultou o projeto

Escola Jovem, que viria a apoiar financeiramente as redes estaduais de ensino através da

aprovação de projetos de investimento para a compra de insumos e equipamentos (Cf.

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CARDOSO, 2002). Ainda nesse conjunto de medidas, deve-se destacar o fortalecimento do

ENEM, que passaria a servir também como alternativa aos exames vestibulares.

De todo modo, o Ensino Médio permaneceu como um grave problema na agenda

educacional. O governo, ao se empenhar, por meio das diretrizes curriculares, em promover

a interdisciplinaridade, a flexibilização e a aprendizagem centrada em competências e

habilidades (Cf. DOMINGUES, TOSCHI & OLIVEIRA, 2000), continuava a atender às

diretrizes expressas pelos organismos multilaterais de financiamento, desejosos da

promoção de uma educação pautada nos valores neoliberais.Também não houve

investimento suficiente para a recuperação das estruturas físicas ou mesmo para a

ampliação dos recursos didáticos; não ocorreram mudanças nos programas de formação

docente, tampouco houve melhora nas condições de trabalho; os professores permaneceram

desinformados sobre a reforma, ganhando pouco e trabalhando em várias jornadas; a

interdisciplinaridade não saiu do papel, cabendo às ONGs a condução de alguns projetos;

não houve, de fato, democratização da gestão, e a participação da comunidade nos destinos

das escolas se limitou, muitas vezes, a trabalhos operacionais (Cf. ZIBAS, 2005). Desta

forma, o governo FHC frustrou as expectativas daqueles que desejavam a transformação do

Ensino Médio em um nível de ensino voltado à formação emancipatória do alunado.

A Educação Profissional manteve-se como prioridade na agenda, pois era

instrumento indispensável para a consolidação do propósito governamental de adequar o

país às novas exigências do capitalismo. Portanto, fazia-se necessário incrementar a

formação das forças de trabalho, como já se vinha fazendo. No entanto, o governo ainda o

fazia de maneira excludente, pois a nova configuração capitalista impunha como realidade

a redução dos postos de trabalho e o crescimento do subemprego e da informalidade. Nesse

cenário, o governo continuou a implementar o PLANFOR e o PROEP, e lançou duas novas

medidas: a transformação das Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação

Tecnológica e a implantação dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação

Profissional. Consequentemente, fortalecia-se — em nome da modernização econômica —

a contradição determinada pela priorização de “uma educação para o trabalho em uma

sociedade sem emprego, regida pela lógica da competência e a ideologia da

empregabilidade” (FERRETTI & SILVA JR., 2000, p. 64) responsável pela produção de

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um novo homem, “destituído, diante do mercado, de sua condição de sujeito num contexto

da ditadura das aparências e do automatismo total” (IDEM, IBIDEM, p.65).

Jovens e adultos assistiriam às primeiras ações do governo voltadas,

especificamente, à EJA somente durante o segundo mandato, embora o MEC parecesse ter

se valido do argumento — discriminatório e excludente —de que os “adultos analfabetos

já estariam adaptados à sua condição e que o atraso educativo do país poderia ser saldado

com a focalização dos recursos no ensino primário de crianças” (DI PIERRO, JOIA &

RIBEIRO, 2001, p. 67). Desse modo, o governo federal apostou, mais uma vez, na

descentralização como forma de atuação, incentivando os estados e municípios a

assumirem a responsabilidade pela oferta da Educação de Jovens e Adultos sem que se

garantissem recursos suficientes para isso, pois o FUNDEF não incorporara essa

modalidade educacional à sua dinâmica de financiamento.

Mesmo assim foram lançadas propostas curriculares; o PRONERA (Programa

Nacional de Educação na Reforma Agrária), vinculado ao INCRA, que tem a missão de

ampliar a escolarização formal dos trabalhadores que vivem nos assentamentos da reforma

agrária, através da oferta de cursos de educação básica, profissionalizantes e de nível

superior; e o programa Recomeço, cujo propósito era o de destinar recursos para a

“manutenção e formação do corpo docente, aquisição e reprodução de material didático

que atenda às especificidades do segmento beneficiado, e programa suplementar de

alimentação para os alunos” (CARDOSO, 2002, p. 81) sem, contudo, cumprir com o

propósito de universalizar o Ensino Fundamental ou mesmo ampliar a oferta de Ensino

Médio para aqueles em idade superior a 15 anos. Sobre esse modelo de atuação, afirma

Haddad (2007, p. 199):

A verdade é que os três níveis de governo, sozinhos ou em regime de colaboração, não vêm conseguindo cumprir com a responsabilidade de universalizar o Ensino Fundamental para aqueles com mais de 15 anos de idade. A descentralização de responsabilidade, se aproxima os serviços públicos da demanda e do controle da sociedade, podendo favorecer sua democratização ao potencializar a participação social nas instâncias locais de poder, pode, ao mesmo tempo, reforçar as desigualdades no atendimento, ao abandonar aos gestores municipais a tarefa de garantir a universalidade do acesso ao Ensino Fundamental sem os recursos necessários para tanto.

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Se a Educação de Jovens e Adultos não constava na agenda como uma prioridade

governamental, o mesmo não se pode dizer do Ensino Superior, que se encontrava, à época,

em reformulação, de modo a ser adequado à doutrina neoliberal. Por consequência, o

governo, ao invés de garantir a expansão da rede pública, apoiou a expansão da rede

privada, agindo de forma complacente com a “qualidade insuficiente do ensino ministrado

nas instituições privadas e até mesmo com o benefício do credenciamento acadêmico e do

crédito financeiro” (CUNHA, 2003, p. 58). Através dessa política, as instituições privadas

beneficiaram-se com a concessão de isenções fiscais (caso das filantrópicas), do

recebimento de recursos do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) — que garantia o

pagamento das mensalidades daqueles alunos sem condições de arcar com os custos de seus

estudos em nível superior —; da expansão da Educação à Distância e da oferta de cursos de

baixo custo e curta duração. Como resultado, “o número de instituições privadas aumentou

consideravelmente, em especial na categoria universidades e na dos centros universitários,

o que resultou na ampliação do alunado abrangido pelo setor” (IDEM, IBIDEM).

À medida que se expandia a oferta do Ensino Superior privado, as instituições

públicas sofriam com a exigência governamental de assegurar a implantação das diretrizes

determinadas pela reforma do Estado. Assim, viram-se severamente afetadas por dois

programas lançados: o Programa de Desenvolvimento do Ensino de Graduação e o

Programa de Desenvolvimento do Ensino de Pós-Graduação. Ambas as iniciativas levariam

as instituições federais de Ensino Superior a reestruturarem seus cursos; submeterem-se aos

sistemas de avaliação comandados pelo MEC; acelerarem o processo de titulação de seus

docentes; e reformularem as jornadas de trabalho, de modo a combinar a racionalização de

gastos — que as obrigava, por exemplo, a prospectar recursos junto à iniciativa privada

para financiar parte de suas atividades — com produtividade. Nesse contexto, mesmo em

menor número e prejudicadas pelo modelo de atuação do governo federal, essas instituições

se tornariam alguns dos principais centros de produção científica e tecnológica do país, mas

permaneceriam como privilégio das elites econômicas e intelectuais — os “cidadãos de 1ª

classe”, tomando emprestada a expressão cunhada por Neves (1999) — já que diferentes

obstáculos, como por exemplo o vestibular, impediriam o acesso da maioria da população.

O segundo governo Fernando Henrique Cardoso chegou ao fim sem cumprir a

promessa de “avançar, sobretudo na luta permanente contra a exclusão social, a fome, a

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pobreza e a desigualdade” (CARDOSO, 1998b, p. 3). Na realidade, o segundo mandato

não apresentou nenhum tipo de novidade em sua agenda, pois as prioridades

governamentais continuaram a ser a consolidação do Plano Real e o avanço na implantação

do projeto neoliberal. Para tanto, e em meio aos efeitos das crises econômicas envolvendo

Rússia e Argentina, o presidente e sua equipe promoveram duras medidas: redução de

investimentos, sobretudo na área social; aumento de impostos; e realização de empréstimos

junto a bancos privados e aos organismos multilaterais. Os preços não voltaram a subir,

mas os brasileiros passaram a conviver com problemas ainda mais graves: baixo

crescimento econômico; alto desemprego; forte dependência externa; sucateamento das

instituições públicas; péssimas condições de infraestrutura — vide, por exemplo, a grave

crise do setor elétrico ocorrida entre 2001 e 2002 —; e o descumprimento dos direitos

sociais.

Na educação, o que se viu não foi nada diferente: afirmação de postulados

neoliberais; omissão estatal em problemas estruturais; escassez de recursos; incentivo à

privatização; ineficiência de programas; e acentuada queda da qualidade na prestação de

serviços. Portanto, mais uma oportunidade histórica de transformar radicalmente os

cenários político, social e econômico do país havia sido perdida, afinal, o Brasil chegara ao

século XXI vivendo uma grande contradição: modernizara-se economicamente, mas sofria

com os problemas herdados desde os séculos anteriores.

4.4. A Educação Especial na era Fernando Henrique Cardoso (1995-2003)

Nos dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso houve “a

separação entre política econômica e política social e a subordinação desta àquela”

(SAVIANI, 2002, p. 120), opção que teve forte impacto no campo educacional e, mais

precisamente, na Educação Especial. A intenção de levar adiante um projeto de

modernização econômica levou o presidente e sua equipe a investirem na construção de

uma educação voltada aos interesses do mercado, de modo a possibilitar, tomando

emprestada a expressão cunhada por Ferretti &Silva Jr. (2000), a construção de um novo

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conceito de “homem” — adaptável, eficiente, eficaz, disposto a “aprender a aprender”

continuamente para tornar-se mais produtivo “tanto em sua inserção no processo de

trabalho como em sua participação na vida em sociedade” (SAVIANI, 2010, p. 438).

Desse modo, a Educação Especial esteve muito longe de ser uma prioridade na

agenda governamental durante os anos FHC, pois não era uma modalidade que se adequava

aos preceitos desse projeto neoliberal. Tanto é que nem sequer constava no plano de

governo “Mãos à Obra, Brasil”, apresentado durante a campanha eleitoral de 1994,

aparecendo somente no “Avança, Brasil”, elaborado para a campanha de reeleição em

1998.

No documento “Mãos à Obra, Brasil” falava-se apenas genericamente em ações

voltadas para a pessoa com deficiência na seção intitulada “Políticas do Governo Fernando

Henrique em relação aos portadores de deficiência”. Ali estavam dispostos como objetivos

do futuro governo, entre outras coisas, o desenvolvimento de programas de prevenção; a

agilização da concessão do benefício de um salário mínimo às pessoas com deficiência; e o

investimento em acessibilidade. Nada se falava, portanto, em termos educacionais.

No posterior “Avança, Brasil”, por sua vez, havia duas seções voltadas às pessoas

com deficiência. A primeira, intitulada “Todo o apoio aos direitos da pessoa portadora de

deficiência”, afirmava, por exemplo, a necessidade de investir em geração de emprego e

renda; no desenvolvimento de programas esportivos e culturais; em projetos de

acessibilidade; e a disseminação do Braille. Na segunda dessas seções, voltada à Educação

Especial, se reconhecia que “um dos maiores desafios ao sistema educacional brasileiro é o

de garantir às pessoas com necessidades educacionais especiais o acesso à educação com

qualidade” (CARDOSO, 1998b, p. 77). Para tanto, o então candidato à reeleição se

comprometia em formular uma política que enfatizasse “tanto a expansão do sistema,

considerando as desigualdades regionais, como a integração nas escolas regulares das

crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais” (IDEM, IBIDEM) e

determinava como futuras ações o apoio às escolas regulares e às instituições públicas e

privadas de Educação Especial; a expansão da oferta de serviços educacionais a esse

público; a promoção de cursos de capacitação de professores para o atendimento a esses

alunos; o estímulo ao “acesso a programas de alfabetização, suplência e educação para o

trabalho aos alunos maiores de quinze anos” (IDEM, IBIDEM); o desenvolvimento de

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materiais que auxiliassem no processo de integração; e, finalmente, a aplicação de testes

para identificar, sobretudo na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, novos casos de

deficiência visual e auditiva.

Desta forma, enquanto estiveram à frente do poder, Fernando Henrique Cardoso e

sua equipe mantiveram, na Educação Especial, o modelo de atuação adotado pelos

antecessores, pautado nos princípios da integração, da normalização e da reabilitação. Ao

optar pelo continuísmo, o governo se eximiu da responsabilidade de construir a inclusão,

dado que esta é “incompatível com a integração, pois prevê a inserção escolar de forma

radical, completa e sistemática” (MANTOAN, 2004, p. 40) e exige, portanto, uma radical

mudança paradigmática da política educacional.

Assim, o MEC, tomado pelo ideário neoliberal, pôs-se a atuar prioritariamente em

prol de uma educação para o desenvolvimento econômico, preocupando-se, sobremaneira,

com a formação dos indivíduos não deficientes para o sistema produtivo.

Nesse contexto, a pessoa com deficiência permaneceu segregada, pois o Estado

continuou a ignorar seus anseios e direitos, limitando suas ações à promulgação da LDB,

em 1996, do PNE, em 2001, e à implementação das diretrizes da Política Nacional de

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e da Política Nacional de Educação

Especial, ambas criadas no decorrer do governo Itamar Franco. Com isso, o sistema

educacional permaneceria calcado por “uma visão determinista, mecanicista, formalista,

reducionista, própria do pensamento científico moderno, que ignora o subjetivo, o afetivo,

o criador” (MANTOAN, 2004, p. 38), que educa para a produtividade em vez de educar

para o exercício da cidadania e a liberdade.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional colocou a Educação Especial em

um novo patamar. Pela primeira vez, essa modalidade educacional constava em um capítulo

exclusivo numa LDB, o que, por si só, já significava uma importante conquista. Seu

conteúdo, no entanto, estava repleto de contradições — cujas consequências seriam

prejudiciais à construção de um sistema educacional inclusivo.

Mesmo estabelecendo no artigo 3º, inciso I, que o ensino deveria ser ministrado

com base na “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL,

1996), determinava-se a oferta tanto da Educação Especial quanto do atendimento

educacional especializado, “preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos

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portadores de necessidades especiais” (IDEM). Nesse sentido, a nova legislação cometia

um grande equívoco, corretamente destacado por Minto (2000): a utilização das

terminologias “preferencialmente” e “portador de necessidades especiais”.64 Sobre isso,

afirma o professor Minto (2000, p. 09):

Entretanto, causa preocupação o uso dos termos portadores e preferencialmente. Portador traz implícita a ideia de carregar algo que, por ser “especial”, não cabe no “lugar comum”. Pode reforçar a ideia de excluir o diferente ao pressupor uma “falta” que, talvez, exceda em muito a dimensão dela própria. Por exemplo, é como se quando houvesse pane ou restrição de uma função humana — visão, movimento, audição, diferença no ritmo de apreensão de conhecimentos etc. — faltasse também um “atributo essencial da normalidade”. Preferencialmente pode ser o termo-chave para o não cumprimento do artigo, pois quem “dá primazia a” já tem arbitrada legalmente a porta da exceção (cf. Minto, 1996). Observe-se agora uma parte substantiva do Art. 58: “(…) para educandos portadores de necessidades especiais”. Esta redação parece trazer implícita uma valoração do deficiente ou da deficiência e, portanto, pressupor a necessidade de cuidados especiais “de educação”, o que pode não corresponder à realidade. […] Ademais, trata-se da diferença entre “atendimento educacional especializado” (subjacente ao texto) e “necessidades especiais”. O preconceito aparece exatamente aí, na medida em que “atendimento educacional especializado” diz respeito a um direito do diferente e “necessidades especiais” sugere a exigência de cuidados para pessoas “não normais”. Vale dizer: o preconceito denuncia uma intolerância inadmissível, do ponto de vista humano e democrático.

Ainda no artigo 58 da legislação, é possível destacar novas contradições. No

parágrafo 1º afirma-se que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na

escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial”

(BRASIL, 1996) sem que se estabeleçam, objetivamente, quais seriam esses serviços de

apoio.

Já no parágrafo 2º abre-se a prerrogativa — totalmente voltada à integração em

detrimento à inclusão — da promoção do atendimento educacional em “classes, escolas ou

serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não

for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 1996), o

ϲϰEm 2013, os artigos 58 e 59 da LDB foram modificados com redação dada pela Lei n. 12.796 de 4 de abril de 2013. As alterações se deram a partir da redefinição do público-alvo da Educação Especial a partir da substituição da terminologia “portador de necessidades especiais” por “educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (Cf. BRASIL, 2013).

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que fortalece as instituições públicas e privadas de Educação Especial, pois se ignora o

direito de todos os alunos estarem no sistema educacional comum, independente de suas

condições específicas.

Todavia, o parágrafo 3º significa um avanço, pois sinaliza que a Educação Especial

é um dever constitucional e tem início “na faixa etária de zero a seis anos, durante a

Educação Infantil”. Mesmo assim, Minto (2000, p. 10) atenta para a imprecisão da

linguagem, pois “ela pode sugerir que o Estado só ofereça a Educação Especial em algum

momento entre zero e seis anos de idade, aos seis anos (por exemplo), e que estaria,

portanto, dentro da faixa etária estabelecia na Lei”.

O artigo 59, por sua vez, determina o que os sistemas de ensino assegurarão ao

público-alvo da Educação Especial. O inciso I mantém uma lógica que se opõe à

perspectiva inclusiva, pois prevê “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e

organização específicos, para atender às suas necessidades” (BRASIL, 1996). Ora, essa

disposição continua a segregar o aluno com deficiência, pois — segundo a legislação — só

ele teria direito a todos esses recursos específicos quando, na verdade, isso deveria ser regra

a todos os alunos no sistema educacional (Cf. MANTOAN, 2003). O inciso II assegura a

“terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a

conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para

concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados” (BRASIL, 1996),

mas não especifica os critérios pelos quais se determina quem cumpriu as exigências para a

formação nesse nível de ensino, gerando o risco dos alunos serem dados como concluintes

pela idade (Cf. MANTOAN, 2002). Já os incisos III, IV e V dispõem, respectivamente,

sobre a formação de professores tanto para o atendimento especializado quanto para o

ensino regular; a Educação Especial para o trabalho (em conformidade com o desejo

corrente de assegurar a futura inserção das pessoas com deficiência no sistema produtivo);

e o acesso aos benefícios dos programas sociais disponibilizados pelo Estado.

O artigo 60 é, possivelmente, o mais polêmico do capítulo reservado à Educação

Especial na LDB. Seu texto determina que os “órgãos normativos dos sistemas de ensino”

estabelecerão critérios para a concessão de “apoio técnico e financeiro pelo Poder Público”

às instituições privadas de Educação Especial. Tratava-se, portanto, de uma legitimação à

histórica transferência de responsabilidades do Estado para a iniciativa privada no tocante à

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ϭϴϮ

oferta desta modalidade educacional. Nesse sentido, em vez de assegurar a inclusão do

alunado com deficiência na escola comum pública, falava-se apenas, no seu parágrafo

único, em ampliar o atendimento “na própria rede pública regular de ensino,

independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo” (BRASIL, 1996),

sugerindo que “a depender do governo, a Educação Especial [continuaria] sendo delegada,

sobretudo, à iniciativa privada, quiçá com recursos públicos” (MINTO, 2000, p. 11).

Portanto, embora a LDB concedesse um novo espaço institucional à Educação

Especial, suas disposições genéricas e por vezes contraditórias apenas reafirmaram as

antigas concepções de integração, em desprezo às crescentes mobilizações dos movimentos

sociais de pessoas com deficiência e de setores da comunidade educacional a favor da

inclusão. Tampouco foram lançadas as bases para a elaboração de uma política educacional

que assegurasse as diretrizes recém-instituídas. Essa responsabilidade acabou sendo

conferida ao Plano Nacional de Educação (PNE), que veio a definir as ações

governamentais — pelo período de dez anos — nessa modalidade educacional.

O PNE reservou à Educação Especial uma seção exclusiva, composta por três

subseções: diagnóstico, diretrizes, e objetivos e metas. Na primeira delas, o Estado

finalmente reconheceu a gravidade dos problemas concernentes a essa modalidade

educacional ao afirmar que “inexistência, insuficiência, inadequação e precariedades

podem ser constatadas em muitos centros de atendimento a essa clientela” (BRASIL,

2001c, s/p). Segundo a Organização Mundial de Saúde, à época do período de elaboração

do plano (final dos anos 1990 e início dos anos 2000), 10% da população brasileira possuía

algum tipo de deficiência. Todavia, mesmo diante de um elevado contingente populacional,

a Educação Especial não era ofertada ainda, em 1998, por 60% dos municípios brasileiros

(IDEM, IBIDEM). Nesse cenário, caracterizado pela histórica omissão do Poder Público, a

inclusão estava muito longe de ser uma realidade, pois — também no ano de 1998 — 62%

do atendimento às pessoas com deficiências se dava em escolas especializadas, sobretudo

em instituições privadas (53,1% das matrículas ali se concentravam), o que, de acordo com

o texto do PNE, refletia a “necessidade de um compromisso maior da escola comum com o

atendimento do aluno especial” (IDEM, IBIDEM).

Na segunda subseção, o PNE estabeleceu como diretriz principal a elaboração de

uma política “explícita e vigorosa de acesso à educação”, que viesse a abranger os âmbitos

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ϭϴϯ

social, “do reconhecimento das crianças, jovens e adultos especiais como cidadãos e de

seu direito de estarem integrados na sociedade o mais plenamente possível”, e educacional,

“tanto nos aspectos administrativos (adequação do espaço escolar, de seus equipamentos e

materiais pedagógicos), quanto na qualificação dos professores e demais profissionais

envolvidos” (BRASIL, 2001c), de modo a viabilizar a existência de seu projeto de escola

“integradora, inclusiva, aberta à diversidade dos alunos”. Para tanto, se estabeleceram

como diretrizes secundárias o incentivo à estimulação precoce; a articulação entre saúde,

educação e assistência; a garantia de oferta de vagas em todos os níveis de ensino para as

pessoas com deficiência; a celebração de convênios com os municípios; e a manutenção do

apoio à iniciativa privada.

Nesse sentido, mesmo reconhecendo os problemas da Educação Especial e sua

própria ineficiência, o MEC não mudou sua proposta de atuação, visto que todas as

diretrizes anteriormente elencadas já vinham sendo adotadas pelos governos anteriores, ao

menos desde a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, impunha-se uma grande

contradição ao propor uma escola ao mesmo tempo integradora e inclusiva, “aberta à

diversidade dos alunos”. Ora, a escola inclusiva não admite outra possibilidade que não a

presença de todos os alunos em seu interior. Por conseguinte, não aceita a proposta escolar

da integração, pois esta difunde o acesso do aluno à educação “por meio de um leque de

possibilidades educacionais, que vai da inserção nas salas de aula do ensino regular ao

ensino em escolas especiais” (MANTOAN, 2004, p. 40). Tampouco se abre à diversidade,

preferindo a diferença, pois enquanto a primeira é “estática, é um estado, é estéril” e

“limita-se ao existente” e “reafirma o idêntico”, a segunda é múltipla, “é ativa, é um fluxo,

é produtiva” e desta forma se dissemina, se recusando “a se fundir com o idêntico”

(SILVA, 2000, p. 9). Desse modo, os objetivos e metas do PNE apenas viriam a consolidar

o avanço da escola integradora em detrimento da escola inclusiva.

Mesmo tendo incorporado a perspectiva da integração, a possível execução do plano

provocaria mudanças no cenário da Educação Especial, pois havia um compromisso estatal

melhor delineado em relação àquele da Política Nacional de Educação Especial de 1994.

Isso seria observado na apresentação da terceira subseção, intitulada “objetivos e metas”,

que continha, entre outras coisas, o propósito de generalizar, em cinco anos, a formação de

professores para o atendimento educacional às pessoas com deficiência; ampliar a oferta de

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estimulação precoce; redimensionar e incrementar as classes especiais e salas de recursos

(em vez de eliminar as primeiras); generalizar o atendimento na educação infantil e no

Ensino Fundamental (não se falava ainda em Ensino Médio, muito menos em Ensino

Superior); criar centros de atendimento especializado às pessoas com “severas dificuldades

de desenvolvimento”, meta que fortaleceria o papel da CORDE (Coordenadoria Nacional

para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência); implantar o ensino de LIBRAS;

assegurar infraestrutura às escolas, seja por meio da adequação física das já existentes ou da

construção de novos prédios; garantir formação de pessoal especializado em nível superior

e incentivar a pesquisa em Educação Especial; estimular a educação para o trabalho;

aumentar os recursos destinados à área “a fim de atingir, em dez anos, o mínimo

equivalente a 5% dos recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino”

(BRASIL, 2001c); definir e implantar indicadores de qualidade para o funcionamento de

instituições especializadas públicas e privadas; criar um sistema de informações para a

modalidade; e, finalmente, mas não menos importante, “assegurar a continuidade do apoio

técnico e financeiro às instituições privadas sem fim lucrativo com atuação exclusiva em

Educação Especial, que realizem atendimento de qualidade […]” (IDEM, IBIDEM).

Esses compromissos, no entanto, acabaram não sendo efetivamente cumpridos pelo

governo Fernando Henrique, pelo fato de o PNE ter sido aprovado pelo presidente apenas

em seu penúltimo ano de mandato. Consequentemente, a responsabilidade de implantá-lo

recaiu sobre as administrações posteriores, lideradas pelo presidente Luiz Inácio Lula da

Silva.

Paralelamente aos processos de elaboração da LDB e do PNE, o governo FHC

empenhou-se em implementar tanto a Política Nacional de Educação Especial como a

Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, direcionando sua

atuação em seis grandes eixos:

1. a descentralização, a partir do estímulo à municipalização da Educação Especial;

2. a criação dos programas “Desenvolvimento da Educação Especial”, “Atenção à

Pessoa Portadora de Deficiência” e “Cidade para Todos”;

3. o estímulo à acessibilidade, mediante a sanção da Lei n. 10.098 de 19 de dezembro

de 2000;

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ϭϴϱ

4. a articulação entre saúde, educação e trabalho;

5. a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais — Adaptações Curriculares, que

continham as “estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais”;

6. a criação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

Desse modo, se esperava contribuir para contornar alguns dos principais problemas

dessa modalidade educacional.

Municipalizar a Educação Especial atendia não somente às diretrizes do documento

“Expansão e Melhoria da Educação Especial nos Municípios Brasileiros”, divulgado em

1994 por ocorrência do lançamento da Política Nacional de Educação Especial, como

também se adequava ao processo de descentralização incentivado pelo Banco Mundial e

adotado pelo MEC durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Esperava-se, com isso,

diminuir os impactos da omissão estatal e, por consequência, combater as diferenças

regionais no tocante à oferta de atendimento educacional às pessoas com deficiência.

Até então, os estados eram os principais responsáveis pela garantia da modalidade,

mas às portas do século XXI, mais da metade dos municípios brasileiros não oferecia

Educação Especial aos seus habitantes. Os números regionais, em 1998, eram ainda mais

alarmantes: “No Nordeste, a ausência dessa modalidade [acontecia] em 78,3% dos

Municípios, destacando-se Rio Grande do Norte, com apenas 9,6% dos seus Municípios

apresentando dados de atendimento” (BRASIL, 2001c, s/p), e mesmo em regiões mais

desenvolvidas o desempenho permanecia pífio — no Sul, por exemplo, apenas 58,1% dos

Municípios ofertavam Educação Especial aos seus habitantes.Isto posto, o governo

aproveitou a elaboração do FUNDEF para assegurar recursos à estratégia de

municipalização — 5 por cento dos recursos do Fundo seriam destinados à Educação

Especial —, mas não assegurou as condições necessárias, previstas no documento

“Expansão e Melhoria da Educação Especial nos Municípios Brasileiros”,65 nem tempo

suficiente para que os municípios se estruturassem adequadamente para atender a demanda.

ϲϱEram sugestões do MEC para os municípios: a conscientização da sociedade e, mais especificamente, da comunidade escolar; a criação de setores responsáveis pela Educação Especial dentro das Secretarias Municipais de Educação; a sistematização da capacitação de recursos humanos para atender as pessoas com deficiência; o levantamento da demanda de público para o atendimento educacional especializado; o mapeamento da rede física, mobiliário e equipamento das instituições escolares e o eventual provimento desses recursos caso não os houvesse; a normatização do atendimento educacional pelos Conselhos

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Com isso, houve o aumento do número de matrículas de alunos com deficiência —

entre 1998 e 2002, o número evoluiu de 337.326 para 448.601 (Cf. CARDOSO, 2008) —,

mas prevaleceu a oferta majoritária de serviços educacionais por parte das instituições

especializadas — nestas estavam matriculados 337.897 alunos em 2002, enquanto nas

escolas regulares estavam inseridos, no mesmo ano, 110.704 (IDEM, IBIDEM) — sem que

se alterasse substancialmente a qualidade do atendimento.

Como se pode apreender das estatísticas, as instituições especializadas, tanto no

âmbito público como no privado, foram fortalecidas pela atuação governamental. Nesse

contexto, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e o Instituto Benjamin

Constant (IBC) foram transformados em “centros de referência nacional, direcionados

para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia” (CARDOSO, 2000, p. 53),66 enquanto as

organizações não governamentais permaneceram celebrando acordos de cooperação técnica

e financeira com o governo federal, já que continuavam a substituir o Poder Público no

cumprimento de suas funções. Apesar de o governo declarar a intenção de ampliar a oferta

de vagas nas escolas comuns públicas, a iniciativa privada continuou prestigiada. Para se

obter real dimensão da sua força no setor, é preciso recorrer novamente aos números: nos

últimos quatro anos de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1998 e

2002, a matrícula de alunos em instituições especializadas não estatais oscilou

negativamente apenas 0,1% — de 46,8% para 46,7% (Cf. BRASIL, 2008) —, fato que

fortalecia seu poder político e lhe assegurava condições suficientes para inibir ações pró-

inclusão, já que estas fatalmente prejudicariam sua ascendência na Educação Especial.

O governo Fernando Henrique Cardoso também lançou durante o período os

programas “Desenvolvimento da Educação Especial”, “Atenção à Pessoa Portadora de

Deficiência” e “Cidade para Todos”.

O primeiro, que nada teria em comum com o que seria implementado

posteriormente pelo governo Lula sob o mesmo nome, destinava-se a “ampliar e melhorar

a oferta de oportunidades de atendimento aos portadores de necessidades educativas

Municipais de Educação; e, finalmente, a solicitação de apoio técnico-financeiro para os estados e a União (BRASIL, 1994b). ϲϲ Essa transformação levou o IBC a desenvolver o software “Braille Fácil”, voltado para a impressão de textos em braile, e a adaptar livros didáticos a esse sistema de leitura. O INES, por sua vez, veio a atuar na formação de recursos humanos, capacitando profissionais — presencialmente e à distância — para o atendimento à pessoa com deficiência auditiva (Cf. CARDOSO, 2002).

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especiais” mediante a mobilização de “outros órgãos do Governo para constituir parcerias

que envolvam o relacionamento e intercâmbio com instituições internacionais e com

representantes dos segmentos sociais interessados” (CARDOSO, 2000, p. 53).

Tratava-se da iniciativa governamental destinada a operacionalizar as diretrizes da

Política Nacional de Educação Especial vigente. Em função disso, investiu-se, entre outras

coisas, na capacitação, em exercício, de professores67 das redes estaduais, municipais e

organizações não governamentais (Cf. CARDOSO, 2002); distribuíram-se kits

pedagógicos, que continham reglete, punção, bengala, assinalador, soroban (ábaco japonês)

e papel Braille, para escolas do Ensino Fundamental, e kits tecnológicos, compostos de

TVs, videocassetes e antenas parabólicas, para as instituições de Educação Especial; a TV

Escola produziu e veiculou séries sobre Educação Especial, deficiência mental e auditiva

(Cf. CARDOSO, 1999); e criaram-se o PROINESP (Projeto de Informática na Educação

Especial), destinado a implantar, nas escolas especiais, laboratórios de informática, e o

“Curso de Capacitação de Multiplicadores em Informática na Educação”, “orientado para a

Educação Especial, [visava] proporcionar formação complementar aos multiplicadores

dos núcleos de tecnologia educacional”.

No entanto, a medida mais importante decorrente do programa Desenvolvimento da

Educação Especial foi a incorporação da Educação Especial a todos os grandes programas

do MEC, a saber: “Livro Didático”, “Saúde do Escolar”, “Transporte Escolar” e “Dinheiro

Direto na Escola”, fato que, além de assegurar mais recursos, resultou também na

ampliação do atendimento às diferentes demandas do público-alvo dessa modalidade.

Já o programa Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência não estava na alçada do

MEC, mas da Secretaria de Estado da Assistência Social, e tinha por objetivo principal

assegurar direitos e combater a discriminação das “pessoas portadoras de deficiência”. Para

tanto, contemplava os “serviços assistenciais nas modalidades de estimulação precoce,

ϲϳ O governo Fernando Henrique Cardoso não contribuiu diretamente para a formação docente na Educação Especial, centrando esforços na capacitação em serviço, como ocorria no Proformação. Esses cursos de rápida duração eram ofertados preferencialmente à distância e se enquadravam na filosofia da hiperespecialização dos saberes, já que preparavam o professor para o atendimento educacional a uma deficiência específica. Com isso, se dificultava não só a “articulação de uns [saberes] com os outros e, igualmente, uma visão do essencial e do global” (MANTOAN, 2004, p. 38), como também se mantinha o propósito de formar professores especialistas — responsáveis pelo atendimento educacional especializado — e capacitados — para a integração dos educandos com “necessidades especiais” nas classes comuns —, tal qual determinava a Lei de Diretrizes e Bases. Desse modo, se explicitava o descompromisso do governo com uma formação docente de qualidade e, por conseguinte, com a construção da Educação Inclusiva.

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prevenção de deficiências, habilitação e reabilitação, trabalho e vida independente, bem

como [desenvolvia] projetos de revitalização da rede prestadora de serviços” (CARDOSO,

2000, p. 97).

Nesse sentido, as duas maiores realizações desse segundo programa foram a criação

do CONADE (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Com Deficiência), voltado ao

“planejamento, acompanhamento e avaliação das políticas públicas voltadas para os

portadores de deficiência” (CARDOSO, 2000, p. 112), cuja composição teria membros

tanto do governo quanto de representantes de entidades da sociedade civil organizada, e a

concessão do benefício de “um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência com

renda familiar per capita de até meio salário mínimo” (IDEM, IBIDEM) que fossem

considerados incapazes para o labor. Significava, portanto, mais uma iniciativa

governamental de transferência de renda, num cenário de recrudescimento da desigualdade

social, que beneficiava, desta vez, os indivíduos pobres que tivessem algum tipo de

deficiência. No entanto, o programa pecava por não atrelar o benefício à iniciativa

educacional, como foram os casos do Renda Mínima e do Bolsa-Escola, fato que poderia,

sem dúvida, alavancar a matrícula desses indivíduos no sistema educacional comum, tal

qual ocorrera no Ensino Fundamental.

Por sua vez, o programa Cidade para Todos foi apoiado pelos organismos

multilaterais e implantado em regime de parceria da União com os municípios e

organizações não governamentais com o objetivo de promover a reabilitação profissional

de pessoas com deficiência e possibilitar o acesso destas às instalações urbanas, de modo a

garantir que tenham acesso aos bens e serviços públicos. Afora isso, o programa também

capacitou profissionais para viabilizarem a eliminação de barreiras arquitetônicas em várias

localidades. Entretanto,seus resultados foram tímidos, apesar da propaganda governamental

afirmar o contrário, pois grande parte dos espaços públicos — incluindo-se as instituições

escolares — não sofreu maiores alterações, permanecendo, até os dias atuais, inacessível

para as pessoas com deficiência.

Na esteira das ações voltadas à promoção da acessibilidade, foi elaborada, no ano

2000, a Lei n. 10.098, que estabeleceu “normas gerais e critérios básicos para a promoção

da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”

através da “supressão de barreiras e de obstáculos” (BRASIL, 2000b) nos diferentes

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ϭϴϵ

espaços públicos e privados. A legislação também trouxe à tona uma série de conceitos

como, por exemplo, os de acessibilidade — “possibilidade e condição de alcance para

utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,

das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa

portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (BRASIL, 2000b) — e barreiras —

“qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e

a circulação com segurança das pessoas” (BRASIL, 2000b) —, além de impor uma série

de determinações para os processos de urbanização, planejamento e localização do

mobiliário urbano, adequação dos veículos de transporte coletivo, sistemas de comunicação

e sinalização e edifícios públicos, privados ou de uso coletivo.

Todavia, a nova lei não teve o desejado impacto imediato (só seria regulamentada

em 2004, já no governo Lula), embora fosse de suma importância para o avanço da

inclusão, o que acabou por restringir as ações governamentais no tocante à acessibilidade,

no período FHC, ao programa Cidade Para Todos.

Outro intento governamental foi o de elaborar políticas públicas que articulassem

ações nas áreas da saúde, educação e trabalho. Nesse sentido, o governo FHC reformulou a

Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, através do Decreto n.

3.298 de 20 de dezembro de 2000. Dentre as alterações propostas em relação ao decreto

anterior, de número 914, de 6 de setembro de 1993, constava a inserção de cinco novos

capítulos (“Dos Aspectos Institucionais”; “Da Equiparação de Oportunidades”; “Da

Política de Capacitação de Profissionais Especializados”; “Da Acessibilidade na

Administração Pública Federal”; “Do Sistema Integrado de Informações”) e cinco novas

seções (“Da saúde”; “Do Acesso à Educação”; “Da Habilitação e Reabilitação

Profissional”; “Do Acesso ao Trabalho” e “Da Cultura, do Desporto, do Turismo e do

Lazer”), devidamente incorporadas ao capítulo VII, “Da Equiparação de Oportunidades”.

A reformulação dessa Política Nacional concedeu-lhe novo significado ao ampliar

significativamente suas atribuições. No capítulo “Dos Aspectos Institucionais” foram

definidas as competências tanto do CONADE, ainda instalado no âmbito do Ministério da

Justiça, quanto da CORDE. Já em “Da Política de Capacitação de Profissionais

Especializados” afirmou-se o compromisso de assegurar formação adequada para os

profissionais que viessem a trabalhar com pessoas com deficiência — no caso do

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professorado, a formação deveria se dar em nível médio e superior — e investir em

pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Em “Acessibilidade na Administração Pública” se

previa a supressão das barreiras de acesso aos prédios e espaços públicos e os requisitos

para a adequação desses às normas de acessibilidade. E em “Do Sistema Integrado de

Informações” definiu-se que a CORDE se tornaria responsável pelo Sistema Nacional de

Informações sobre Deficiência, cujas atribuições seriam as de “criar e manter bases de

dados, reunir e difundir informação sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência

e fomentar a pesquisa e o estudo de todos os aspectos que afetem a vida dessas pessoas”

(BRASIL, 2000c).

No entanto, foi no capítulo “Da Equiparação de Oportunidades” que a Política

Nacional reservou sua maior contribuição ao estabelecer as bases da prestação de serviços

da Administração Pública Federal às pessoas com deficiência. Eram elas: reabilitação

integral, “entendida como o desenvolvimento das potencialidades da pessoa portadora de

deficiência” (BRASIL, 2000c); formação e qualificação para o trabalho; escolarização no

sistema educacional comum ou nas instituições especializadas; e “orientação e promoção

individual, familiar e social” (BRASIL, 2000c).

Foi também nesta etapa do texto que se definiram as ações que o governo deveria

implementarem áreas específicas como a saúde (foco no diagnóstico, na prevenção e na

reabilitação); a habilitação e reabilitação profissional (“o processo orientado a possibilitar

que a pessoa portadora de deficiência, a partir de suas potencialidades laborativas,

adquira nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso e reingresso no

mercado de trabalho” (BRASIL, 2000c); o acesso ao trabalho (geração de emprego e

renda, criação de cotas para a contratação de pessoas com deficiência no setor público e no

privado e implementação de programas de formação e qualificação profissional); e em

cultura, turismo, desporto e lazer (incentivo à promoção de atividades criativas e

desportivas, ao lazer como “promoção social” e ao turismo, mediante a adequação da rede

hoteleira e dos serviços de transporte às normas de acessibilidade).

Também foi reservada uma seção exclusiva à educação, em que foram estabelecidos

seis artigos (do 24 ao 29). O primeiro determinava, em seus incisos, as bases da oferta

educacional às pessoas com deficiência, a saber: matrícula compulsória daqueles indivíduos

“capazes de se integrar” na rede regular de ensino; inclusão da Educação Especial como

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ϭϵϭ

modalidade da educação escolar, que “permeia transversalmente todos os níveis e

modalidades de ensino” (BRASIL, 2000c) e sua oferta obrigatória e gratuita na rede

pública; inserção das instituições especializadas públicas e privadas no sistema

educacional; oferta obrigatória dos serviços educacionais especializados nas unidades

hospitalares e congêneres; e garantia de acesso ao alunado com deficiência aos benefícios

conferidos pelos demais programas educacionais governamentais. Já em seus parágrafos, o

artigo redefinia o papel da Educação Especial como modalidade oferecida

“preferencialmente” na escola regular para o “educando com necessidades educacionais

especiais, entre eles o portador de deficiência” (§ 1o) a partir da Educação Infantil,

devendo se constituir como um processo “flexível, dinâmico e individualizado” (§ 2o)

conduzido por uma equipe multidisciplinar. Afora isso, determinava-se também que a

construção e reforma de estabelecimentos de ensino deveria se dar em conformidade com

as normas de acessibilidade dadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Como se pode constatar, esse artigo apenas referendou as disposições da Política

Nacional de Educação Especial e da própria LDB. Não havia nenhum avanço no que se

refere à adoção de uma perspectiva inclusiva no campo educacional, mas apenas a

reafirmação da integração como princípio.

No entanto, cabe observar melhor alguns de seus pontos, como a utilização da

terminologia “necessidades educacionais especiais”;a questão da matrícula, na rede regular

de ensino, dos indivíduos “capazes de se integrar”; e a adequação dos prédios escolares às

normas de acessibilidade.

A terminologia “necessidades educacionais especiais”, utilizada nessa Política para

definir o público-alvo da Educação Especial, tratava-se de uma nova conceituação,

específica ao campo educacional, ainda que generalista. Ora, mantinha-se uma concepção

preconceituosa, tal qual afirmou o professor Minto (2000, p. 9), pois continuava a sugerir

“um direito do diferente”, compreendido como “anormal”, incapaz, portanto, de se adequar

à “média” e atender aos objetivos de um projeto educacional homogeneizante. Todos

temos, em nossos percursos escolares, “necessidades educacionais especiais”, derivadas,

por exemplo, de dificuldades ou facilidades no decorrer do processo de ensino-

aprendizagem, justamente pelo fato de não sermos iguais uns aos outros. Nesse sentido,

enquanto a diferença deveria ser valorizada por seu caráter múltiplo, enriquecedor, na

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ϭϵϮ

Política permanecia subjugada, compreendida apenas em seu caráter negativo, de modo a

nos inferiorizar.

Esse tipo de discriminação é evidenciado, também, na disposição relativa à inserção

dos alunos “capazes de se integrar” nas escolas comuns. Além de não determinar o que se

compreendia por “capacidade”, o texto negava frontalmente o direito de todos os

indivíduos terem acesso à educação, tal qual afirma o artigo 206 da Constituição Federal.

Ou seja, afirmava-se, mais uma vez, a necessidade de os alunos com deficiência se

adequarem às escolas, e não o contrário (Cf. MANTOAN, 2004), mesmo que, para isso,

tivessem que ignorar as próprias diferenças e se “normalizarem”.

Outro ponto importante abordado pela Política era a necessidade de adequação dos

prédios escolares às normas de acessibilidade, pois não há escola para todos se boa parte

dos indivíduos não tiver acesso às suas instalações. Até então, as legislações pouco haviam

determinado sobre a questão, e quando o faziam, era genericamente. Com a elaboração da

Política, consubstanciada pela Lei de Acessibilidade e pelas disposições da ABNT, foram

clarificados os procedimentos de adequação a serem adotados pelas instituições escolares,

fato que se traduziu, sem dúvida, num importante avanço.

Nos artigos 25 e 26 da Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência afirmava-se, respectivamente, a oferta da Educação Especial nas instituições de

ensino público ou privado, “de forma transitória ou permanente mediante programas de

apoio para o aluno que está integrado no sistema regular de ensino” ou nas escolas

especiais quando a “educação das escolas comuns não [pudesse] satisfazer as necessidades

educativas ou sociais do aluno ou quando necessário ao bem-estar do educando”

(BRASIL, 2000c). Era uma clara abertura para a manutenção destas últimas em detrimento

da construção da inclusão nas escolas comuns — e para a necessidade das instituições

hospitalares e congêneres de assegurar atendimento educacional aos indivíduos internados

nessas unidades (BRASIL, 2000c).

Já nos artigos 27 e 28 estavam dispostos o dever, por parte das instituições de

Ensino Superior, de ofertar provas adaptadas, “apoios necessários”, e “conteúdos, itens ou

disciplinas” relacionados às pessoas com deficiência (BRASIL, 2000c) — disposição

inédita, pois até então o Ensino Superior não aparecia como possibilidade real no horizonte

de formação desse público — e o acesso à educação profissional, como parte do projeto de

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ϭϵϯ

inserção produtiva preconizado pelo MEC, “nos níveis básico, técnico e tecnológico, em

escola regular, em instituições especializadas e nos ambientes de trabalho” (BRASIL,

2000c) através de cursos profissionais que deveriam condicionar a matrícula à capacidade

de aproveitamento do aluno e não a seu nível de escolaridade (BRASIL, 2000c). (Mais uma

vez falava-se no controverso conceito de “capacidade” sem que ao menos se concedesse

uma definição a este.) E, finalmente, no artigo 29, a Política dispunha sobre a oferta, por

parte das instituições de educação profissional, de “serviços de apoio especializado para

atender as peculiaridades da pessoa portadora de deficiência” (BRASIL, 2000c) através

da adaptação de recursos pedagógicos e físicos, e da capacitação de recursos humanos, fato

que corroborava o entendimento das diferenças das pessoas com deficiência como algo

negativo, que atrapalhava o processo de formação para o labor e deveria, portanto, ser

contornado.

Antes mesmo dessas alterações, a Política já vinha sendo implementada “com a

cooperação de organismos internacionais” e “por meio de parcerias com entidades

governamentais e não governamentais representativas dos movimentos de pessoas

portadoras de deficiência” (CARDOSO, 2002, p. 494). Desse processo decorreram a

criação de serviços municipais de Educação Especial em diversos municípios, dos postos

regionais do Sistema de Informações da CORDE e dos Centros de Apoio Pedagógico ao

Deficiente Visual em dez estados da federação — frutos da “ação conjunta entre o poder

público e a iniciativa privada do País” (CARDOSO, 2001, p. 56).

Ademais, o governo também forneceu aparelhos auditivos, próteses e óculos,

formulou o projeto “Tecnologia para Pessoas com Necessidades Especiais” (TECNEP),

responsável por incrementar os programas de qualificação profissional que já vinham sido

implantados (Cf. CARDOSO, 2002), criou núcleos de atendimento desportivo e concebeu

competições e programas esportivos como o “Desporto para Pessoas Portadoras de

Deficiência”, objetivando “dar-lhes acesso e permanência na prática de atividades físicas,

esportivas e de lazer, contribuindo para o seu processo de educação, reabilitação,

manutenção da saúde e equiparação de oportunidades, atuando como elemento facilitador

de sua inclusão social e integração na comunidade” (CARDOSO, 2000, p. 129).

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Todavia, esse conjunto de medidas apenas fortalecia a lógica da integração, pois

continuava,ao prover serviços segregados, a centrar as ações na deficiência. Desse modo,

permanecia severamente prejudicada a construção da sonhada sociedade inclusiva.

Outro ponto controverso na atuação governamental do segundo mandato de

Fernando Henrique Cardoso foi o lançamento do documento “Parâmetros Curriculares

Nacionais: adaptações curriculares — estratégias para a educação de alunos com

necessidades educacionais especiais” em 1998. De acordo com seu conteúdo, “identificar

as necessidades educacionais de um aluno como sendo especiais implica considerar que

essas dificuldades são maiores que as do restante de seus colegas” e, subjugando a

potencialidade da diferença ao ignorá-la como um fenômeno transformador das práticas

educativas, reforçaria “a concepção de especial está vinculada ao critério de diferença

significativa do que se oferece normalmente para a maioria dos alunos da turma no

cotidiano da escola” (BRASIL, 1998b, p. 27). Nesse sentido, os alunos que não fossem

considerados capazes de “aprender a aprender” e desenvolver as competências e

habilidades voltadas à sua futura empregabilidade (Cf. SAVIANI, 2010) se tornariam

grandes problemas para a escola e, por conseguinte, para a consecução do projeto

educacional neoliberal em vigor.

Assim, era preciso assegurar que todo o alunado viesse a atingir os mesmos graus de

abstração e conhecimento num determinado tempo, sem que se respeitasse a

individualidade e, por conseguinte, a potencialidade de cada um. Encontrávamo-nos,

portanto, diante de um processo de consolidação da educação “bancária”,em que os

indivíduos eram compreendidos como seres passivos, coisificados, cabendo à educação

“apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo” (FREIRE, 2013, p. 88), de forma

opressora, “necrófila”, segundo Paulo Freire (2013, pp. 90-91):

A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida. A concepção “bancária”, que a ela serve, também o é. No momento mesmo em que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da consciência e em que transforma, por isto mesmo, os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua marca necrófila. Não se deixa mover pelo ânimo de libertar o pensamento pela ação dos homens uns com outros na tarefa comum de refazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano.

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Seu ânimo é justamente o contrário — o de controlar o pensar e a ação, levando os homens ao ajustamento ao mundo. É inibir o poder de criar, atuar […]

As adaptações curriculares propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

possuíam diferentes intensidades, podendo ser “relativas”, “porque constituem

modificações menores no currículo regular e são facilmente realizadas pelo professor no

planejamento normal das atividades docentes e constituem pequenos ajustes dentro do

contexto normal de sala de aula” (BRASIL, 1998b, p. 34), ou “significativas”, de modo a

“atender às necessidades especiais dos alunos, quando estas forem mais acentuadas e não

se solucionarem com medidas curriculares menos significativas” (IDEM, p. 37). Ambas as

intensidades tinham por objetivo, portanto, interferir diretamente no processo educativo,

impondo alterações nos conteúdos, objetivos, métodos, atividades, instrumentos de

avaliação, e até mesmo na organização do tempo pedagógico. Essa aparente flexibilidade

acabava por omitir a exclusão no interior da escola. Desse modo, aqueles indivíduos que

tivessem “necessidades educacionais especiais” jamais participariam do mesmo processo

de ensino-aprendizagem do qual os outros colegas faziam parte. Afinal, todos os

componentes já mencionados desse processo seriam constituídos não em função das

potencialidades desses alunos, mas centradas em suas “incapacidades”.

Essa proposta curricular previa, ainda, sua aplicação “somente quando

absolutamente necessário, […] ao aluno individualmente”, reforçando a possibilidade de

segregação entre o alunado. Nada havia de diferente do que fora praticado até então em

termos educacionais,exceto pelos pequenos ajustamentos às exigências da globalização e

do neoliberalismo. Afirmava-se a interdisciplinaridade, que “em todos os seus matizes,

aponta para uma tentativa de globalização, este cânone do neoliberalismo, remetendo ao

Uno, ao Mesmo, tentando costurar o incosturável de uma fragmentação histórica dos

saberes” (GALLO, 1995, p. 11), o determinismo, o mecanismo e a hierarquização de

saberes. Com isso, perdeu-se mais uma oportunidade de construção de um currículo que

incluísse e emancipasse, alinhado ao princípio da transversalidade rizomática, que “aponta

para o reconhecimento da pulverização, da multiplicização, para o respeito às diferenças,

construindo possíveis trânsitos pela multiplicidade dos saberes, sem procurar integrá-los

artificialmente, mas estabelecendo policompressões infinitas” (IDEM, IBIDEM), e a

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escola, prejudicada, permaneceu refém de um modelo de atuação determinado por

princípios mercadológicos, cujas consequências se mostrariam nefastas com o passar do

tempo.

A realização da Convenção da Guatemala, ocorrida em 1999e adotada pelo governo

brasileiro somente dois anos depois, através do Decreto n. 3.956 de 8 de outubro de 2001,

provocou o início de uma guinada da atuação estatal em favor da inclusão, ao anunciar que

os Estados-partes deveriam tomar “medidas de caráter legislativo, social, educacional,

trabalhista, ou de qualquer outra natureza” para eliminar a discriminação das pessoas com

deficiência e “proporcionar sua plena integração à sociedade” (ORGANIZAÇÃO DOS

ESTADOS AMERICANOS, 1999), promover acessibilidade e sensibilizar a população

“por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e

outras atitudes” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1999). Devido a

esses preceitos, a Convenção, segundo Mantoan (2009, pp. 13-14),

veio reafirmar a necessidade de se rever o caráter discriminatório de algumas de nossas práticas escolares mais comuns e mais perversas — a exclusão internalizada e dissimulada pelos programas ditos compensatórios e a parte das turmas escolares regularmente constituídas, tais como as turmas de aceleração e outras, que acabam por responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso na escola.

Decorrente dessas novas mobilizações em favor da inclusão, o MEC, por meio da

Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001, lançou — já próximo do fim do

segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso — as Diretrizes Nacionais para a

Educação Especial. No livro elaborado para divulgá-las, o então ministro Paulo Renato

Costa Souza reconheceu que “em todo o mundo, durante muito tempo, o diferente foi

colocado à margem da educação” (BRASIL, 2001d, p. 05) e, por isso, “o aluno com

deficiência, particularmente, era atendido apenas em separado ou simplesmente excluído

do processo educativo, com base em padrões de normalidade” (IDEM, IBIDEM). Afirmou,

ainda, que “no horizonte da educação inclusiva” era preciso mudar a maneira de enxergar o

aluno, ou seja, em vez de pensá-lo como “a origem de um problema, exigindo-se dele um

ajustamento a padrões de normalidade para aprender com os demais, coloca-se para os

sistemas de ensino e as escolas o desafio de construir coletivamente as condições para

atender bem à diversidade de seus alunos” (BRASIL, 2001d, p. 6).

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Embora ainda se falasse mais em diversidade do que em diferença, não se pode

negar que as palavras do ministro representavam, àquela altura, um avanço em relação a

tudo o que vinha sendo feito em termos de Educação Especial. Pela primeira vez, o

discurso oficial adotava o termo “Educação Inclusiva” para pautar as futuras ações

governamentais, ainda que, na prática, as políticas públicas continuassem a ser elaboradas e

implementadas sob o princípio da integração.

As Diretrizes Nacionais foram consubstanciadas por um longo parecer dos relatores,

os membros do CNE Kuno Paulo Rhoden e Sylvia Figueiredo Gouvêa. Ali se reconhecia o

fato de que “cada aluno vai requerer diferentes estratégias pedagógicas, que lhes

possibilitem o acesso à herança cultural, ao conhecimento socialmente construído e à vida

produtiva, condições essenciais para a inclusão social e o pleno exercício da cidadania”

(BRASIL, 2001d, p. 20), mas ressalvava que essas estratégias não deveriam ser concebidas

como “medidas compensatórias e pontuais, e sim como parte de um projeto educativo e

social de caráter emancipatório e global” (IDEM, IBIDEM). Nesse contexto, a inclusão

seria entendida como:

a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida (BRASIL, 2001d, p. 20).

Se o discurso dos relatores, ainda que entremeado de contradições, parecia iniciar

uma aproximação com a perspectiva inclusiva,o texto final das Diretrizes Nacionais não a

consolidaria. O documento reiterava a integração, sobretudo no inciso III do artigo 8º e nos

artigos 9º e 10º, embora antes dispusesse que os “sistemas de ensino [deveriam] matricular

todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com

necessidades especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de

qualidade para todos” (BRASIL, 2001d) e também garantisse o atendimento educacional a

esses indivíduos em escolas comuns (BRASIL, 2001d), a acessibilidade, “mediante a

eliminação de barreiras arquitetônicas urbanísticas” e a “utilização de linguagens e

códigos aplicáveis, como o sistema Braille e a língua de sinais” (BRASIL, 2001d); e a

implantação de salas de recursos, “nas quais o professor especializado em Educação

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Especial realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando

procedimentos, equipamentos e materiais específicos” (BRASIL, 2001d) —um embrião

daquilo que viriam a ser as Salas de Recursos Multifuncionais implantadas no decorrer do

governo Lula.

Nessas etapas, garantiram-se a manutenção das flexibilizações e adaptações

curriculares (BRASIL, 2011d), tal qual determinavam os Parâmetros Curriculares

Nacionais; a prerrogativa de as escolas criarem classes especiais “para atendimento, em

caráter transitório, a alunos que apresentem dificuldades acentuadas de aprendizagem ou

condições de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e demandem

ajudas e apoios intensos e contínuos” (BRASIL, 2001d); e o direito daqueles alunos que

viessem a requerer “atenção individualizada nas atividades da vida autônoma e social” ao

atendimento, articulado aos serviços de saúde, trabalho e assistência social, em escolas

especiais públicas e privadas, desde que essas instituições cumprissem as exigências legais

de credenciamento impostas pelo MEC (BRASIL, 2001d). Nesses casos, o retorno às

escolas comuns só se daria após as famílias decidirem, em conjunto com as equipes

pedagógicas (BRASIL, 2001d), algo incomum, pois, segundo Mantoan (2004, p. 40), “os

alunos que migram das escolas comuns para serviços de Educação Especial muito

raramente se deslocam para os menos segregados e dificilmente retornam às salas de aula

do ensino regular”.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica acabaram se

tornando o último grande ato do governo FHC no que diz respeito à Educação Especial.

Embora o documento mostrasse, pela primeira vez, uma inclinação em favor da inclusão, o

que se viu, no decorrer dos oito anos de seu mandato, foi a fortificação do conceito de

integração como diretriz para a formulação de políticas públicas. Viram-se LDB e PNE

generalistas e contraditórios; apoio à atuação das instituições especializadas públicas e

privadas; municipalização da Educação Especial sem assegurar as devidas condições para

tal; defesa intransigente das adaptações curriculares para pessoas com deficiência; opção

por programas de formação docente dicotomizados e de qualidade deveras questionável;

ampliação da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência; e a

implementação da Política Nacional de Educação Especial foram as realizações decorrentes

desse modelo de atuação.

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De inovador, viram-se as medidas pró-acessibilidade (programa Cidade para Todos

e Lei de Acessibilidade); a criação do CONADE, que assegurou um espaço institucional

para as pessoas com deficiência participarem mais ativamente da elaboração das políticas

públicas a ela destinadas; e a inserção da modalidade em todos os grandes programas

desenvolvidos pelo MEC — o que, até então, não ocorria —, aumentando os recursos

destinados à área e, por conseguinte, o atendimento às demais demandas de seu público-

alvo.

Desse modo, o Estado brasileiro continuou a promover a exclusão das pessoas com

deficiência do sistema educacional comum, atendendo apenas àqueles que fossem

considerados “capazes de se integrar”. A diferença permaneceu subjugada. Direitos foram

negligenciados, assim como se frustraram os anseios daqueles que lutavam desde os

primórdios da redemocratização do país por uma educação que alcançasse, efetivamente, a

todos. Portanto, o projeto neoliberal em vigor deixaria suas marcas ao acelerar, em nome de

valores mercadológicos, o processo de desumanização do homem e tornar ainda mais

distante o horizonte de uma sociedade socialmente mais justa e verdadeiramente inclusiva.

4.5. O fim do governo e a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder

Fernando Henrique Cardoso chegou ao final de seu segundo mandato como

presidente da República com seu governo recebendo altos índices de reprovação popular.

Nem mesmo os meios de comunicação, que lhe foram favoráveis desde a primeira eleição

presidencial disputada, em 1994, mantiveram seu apoio na reta final do governo. Esse

desencantamento com o projeto neoliberal era visto em praticamente todos os setores da

sociedade, devido às suas consequências desastrosas: alto grau de dependência externa,

desequilíbrio das contas públicas, aumento tanto do desemprego como da precarização do

emprego, péssima distribuição de renda, baixo crescimento econômico, desindustrialização,

encarecimento dos serviços públicos em razão das privatizações, insuficiência das políticas

sociais, empobrecimento da população e escalada da violência. Desta forma, poucos foram

os beneficiários da política de estabilização econômica que, é bem verdade, impediu o

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retorno da inflação, mas colocou o país em uma armadilha que combinou estagnação

econômica com recrudescimento da desigualdade social. Afirma Carreirão (2004, p. 181):

Havia uma insatisfação da maioria do eleitorado com os rumos tomados pelo país sob FHC, especialmente em seu 2º mandato. Isso se devia, em parte, ao desgaste do governo após oito anos de mandato e à fragilidade frente às instabilidades externas (devida ao alto grau de endividamento, entre outras coisas); mas, fundamentalmente, era devido às altas taxas de desemprego e à manutenção de desigualdades sociais enormes: houve uma percepção majoritária de que o governo FHC não fez o suficiente para melhorar a vida das pessoas mais pobres.

Embora a avaliação positiva do governo tivesse caído consideravelmente, a imagem

pessoal do presidente manteve-se preservada. Parcelas significativas da sociedade o

enxergavam como um político inteligente, hábil e respeitado em nível internacional (Cf.

FIGUEIREDO e COUTINHO, 2003). Isso contribuiu para que as forças governistas

vislumbrassem a possibilidade de prolongarem a permanência à frente do poder,

construindo uma candidatura que se abrisse ao discurso mudancista, afinal, “conforme as

pesquisas indicavam, a maior parte do eleitorado estava disposta a votar em um candidato

que representasse uma mudança nos rumos políticos do país” (FIGUEIREDO e

COUTINHO, 2003, p. 113), mas garantisse a manutenção do legado positivo de Fernando

Henrique Cardoso — no caso, o Plano Real.

No entanto, divergências no interior do campo governista abriram espaços para

dissidências. O PFL, aliado de primeira hora do PSDB, tentou emplacar candidatura

própria, divulgando amplamente a imagem da então governadora do Maranhão, Roseana

Sarney, como gestora bem avaliada, mulher moderna e sensível aos problemas sociais (Cf.

FIGUEIREDO e COUTINHO, 2003). Mesmo filiada a um partido governista e sendo filha

do ex-presidente José Sarney — cujo governo terminara com péssimos índices de avaliação

positiva —, ao “usar o fato de ser mulher como garantia de renovação política” (ALDÉ,

2003, p. 94) Roseana conseguiu crescer rapidamente nas primeiras sondagens eleitorais.

Porém, pouco tempo depois, um escândalo inviabilizaria sua candidatura presidencial — a

Polícia Federal havia encontrado mais de um milhão de reais no escritório de uma das

empresas da governadora —, gerando cobertura negativa da mídia. Em razão disso, seu

partido acabaria “rompendo com o governo, gerando o que será o principal vetor político

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da eleição presidencial: a dissolução da base governista que elegeu e apoiou FHC durante

seus dois mandatos” (ALDÉ, 2003, p. 100).

O PSDB também entrou em conflito no processo de escolha da candidatura

presidencial. Tanto José Serra, então ministro da Saúde, quanto Tasso Jereissati, então

governador do Ceará, ambicionaram o posto. A escolha acabou recaindo sobre o primeiro,

que “era bem avaliado por parcela substancial dos eleitores, em atributos que parecem

relevantes para um bom governante: era considerado honesto e conseguiu formar a

imagem de um bom administrador, sério e competente” (CARREIRÃO, 2004, p. 181). No

entanto, o péssimo legado governamental e a dissolução da base situacionista — lideranças

de renome no cenário político como Antônio Carlos Magalhães, Itamar Franco e até mesmo

Tasso Jereissati romperam com o governo (Cf. JACOB et al., 2003) — fizeram com que a

candidatura Serra encontrasse grandes dificuldades de viabilização, tanto pela dificuldade

de costurar alianças partidárias — PFL e PPB saíram da ala governista e não lançaram

candidatos nem apoiaram oficialmente outros nomes, e o PTB, por sua vez, se aliou a Ciro

Gomes — quanto pela dificuldade de apresentar-se como um candidato do governo, que

“aos olhos da grande maioria do eleitorado deixara a situação social deteriorar-se muito”

(CARREIRÃO, 2004, p. 181).

Ciro Gomes e Anthony Garotinho também lançaram suas candidaturas

presidenciais, pelo PPS e pelo PSB, respectivamente, imaginando terem condições de

aproveitar tanto a fragmentação do campo situacionista quanto o fértil solo oposicionista.

Todavia, no decorrer da campanha eleitoral, ambos viram frustradas suas expectativas. Ciro

foi o que teve a maior chance de se viabilizar, chegando, inclusive, a polarizar com Lula.

Entretanto, o destempero do candidato em suas declarações, as péssimas relações com a

imprensa e os constantes ataques recebidos de José Serra fizeram com que sua candidatura

tivesse uma queda irreversível nas pesquisas. Garotinho, por sua vez, tinha uma frágil

máquina partidária, não contava com fortes alianças, mas obtinha o amplo apoio do

eleitorado evangélico. Isso fez com que alcançasse índices respeitáveis de intenção de voto

sem, contudo, encaminhar sua candidatura para o segundo turno.

Nesse cenário, as esquerdas, que organizaram desde o primeiro momento a oposição

ao governo FHC, vislumbraram a possibilidade de tornar vitoriosa uma candidatura que

representasse o seu campo. No entanto, também encontraram dificuldades para se reunir em

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ϮϬϮ

torno de um único candidato. O PT mantinha sua opção por Lula, que iria disputar pela

quarta vez a eleição presidencial; o PSB, liderado pelo governador de Pernambuco, Miguel

Arraes, acabara embarcando — para desgosto de algumas de suas lideranças históricas —

na candidatura Garotinho; e o PDT, partido de Leonel Brizola, decidira hipotecar seu apoio

ao PPS (antigo PCB), que optara por relançar Ciro Gomes como candidato. Por sua vez,

partidos mais radicais como o PSTU e o PCO também decidiram lançar candidatos

próprios. Além dessas questões, as posições políticas de outrora não ecoavam no eleitorado.

Era preciso, portanto, construir um novo discurso, mais moderado, adequado ao contexto

político-econômico do país naquele momento.

O PT fora o maior símbolo desse processo. Criado por representantes do Novo

Sindicalismo, 68 “líderes comunitários ligados às Comunidades Eclesiais de Base e

vinculados à Teologia da Libertação, parlamentares de esquerda […], intelectuais,

membros de organizações de esquerda e militantes de movimentos populares urbanos”

(AMARAL, 2010, pp. 50-51), o partido se propôs a expressar “os interesses dos pobres e

dos trabalhadores na esfera política” (KECK, 1991, p. 271 apud AMARAL, 2010, pp. 51-

52). Desse modo, se estabeleceu no espectro da esquerda e organizou um programa

socialista que previa, entre outras coisas, a defesa da reforma agrária radical e da ampliação

dos serviços públicos sociais, o combate à internacionalização da economia e o apoio aos

movimentos de defesa dos direitos das mulheres, dos negros e indígenas (Cf. PARTIDO

DOS TRABALHADORES, 1980). No decorrer do tempo, o partido constituiu bancadas

parlamentares em todos os níveis, elegeu prefeitos e governadores e pôs-se a praticar aquilo

que ficaria conhecido como “modo PT de governar”. Em razão disso, modificou sua

postura política ao ampliar o diálogo com os diferentes setores da sociedade,

profissionalizar sua estrutura, isolar correntes radicais e dedicar-se com mais afinco aos

pleitos eleitorais (Cf. AMARAL, 2010). Assim, chegara em 2002 com uma máquina

eleitoral fortalecida e um discurso mais moderado, visando atingir os que temiam seu

“radicalismo”.

ϲϴO “novo sindicalismo” surgiu em meados dos anos 1980, na região do ABCD paulista, e caracterizou-se por “uma nova prática sindical de organização da base, da construção da intervenção operária nos locais de trabalho” (ALVES, 2000, p. 117). Tratava-se, portanto, de um movimento que passou a enfrentar “o conflito entre capital e trabalho de forma distinta do sindicalismo antes verificado no Brasil, atrelado ao Estado” (AMARAL, 2010, p. 50).

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ϮϬϯ

Essas transformações possibilitaram ao PT rever sua política de alianças, permitindo

a aproximação com um partido de direita, o PL (agora PR), que possuía considerável

presença evangélica em suas fileiras e se tornou o responsável por indicar um grande

empresário, o industrial mineiro José Alencar, como candidato à Vice-Presidência.

Todavia, deve-se ressaltar que a “opção por uma aliança com segmentos de direita foi

tomada, de início, como recurso tático”, mostrando que a “intransigência ideológica tinha

sido enviada para as calendas gregas” (SINGER, 2010, p. 106). Afora isso, o partido

adotou um marketing eleitoral que converteria a imagem de líder operário radical do seu

candidato em um estadista de perfil hábil e conciliador. Sobre isso, afirmam Figueiredo e

Coutinho (2003, p. 114):

A estratégia de marketing político do candidato encontrou como solução mostrar um Lula conciliador, trajado de modo elegante e amparado por uma equipe de estudiosos e técnicos de grande qualidade. O candidato Lula mostrava-se disposto a continuar com as linhas principais da política econômica e cumprir contratos assumidos com investidores estrangeiros; mostrava ainda que saberia ser flexível e negociar tudo que fosse necessário para o bem do país. Tudo isso com o auxílio de especialistas do partido que, de certa forma, compensariam a falta de preparo acadêmico e prático do próprio candidato.

A campanha petista manteve sua condição de favorita do início ao fim. Somente nos

momentos de ascensão de Roseana Sarney e Ciro Gomes é que sua liderança foi ameaçada.

Enquanto os adversários se engalfinhavam por um lugar no segundo turno, Lula se

empenhava em diagnosticar a situação do país e divulgar um plano de governo que tinha

por objetivo implantar um novo modelo de desenvolvimento “com crescimento econômico,

inclusão social e justiça ambiental” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 14),

que só poderia ter êxito se fosse acompanhado “da democratização do Estado e das

relações sociais, da diminuição da dependência externa, assim como de um novo equilíbrio

entre União, estados e municípios” (IDEM, p. 2). Para tanto, o futuro governo se

empenharia em produzir a desprivatização do Estado, de modo a colocá-lo “a serviço do

conjunto dos cidadãos, em especial dos setores socialmente marginalizados” (IDEM, p. 2)

e elaborar uma série de reformas — tributária, previdenciária, agrária, trabalhista e política

— de modo a viabilizar a construção de um “contrato social”.

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ϮϬϰ

O plano do PT também previa a elaboração de um novo modelo de política

econômica, que gradualmente deveria ser adotado, sem, no entanto, provocar a quebra do

compromisso governamental com a estabilidade das contas públicas e a responsabilidade

fiscal. Vislumbrava-se a retomada do crescimento e, por isso, foram estabelecidos os

objetivos de promover a diminuição das taxas de juros; aumentar a poupança interna;

conceber novas políticas industriais e tributárias; investir em infraestrutura; incrementar as

exportações e substituir as importações. Afora isso, pretendia-se formular uma nova

política externa, mais autônoma, capaz de fortalecer o MERCOSUL, fazer frente à ALCA e

estreitar parcerias com a União Europeia, o Japão e países como Rússia, China e África do

Sul (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002). Desse modo, acreditava-se que o país

poderia não só se tornar menos dependente dos organismos multilaterais e dos Estados

Unidos, como também retomar sua vocação desenvolvimentista e centrar esforços no

combate à desigualdade social.

A política social não deveria mais estar dissociada da política econômica. Nessa

nova filosofia, os compromissos com a ampliação do nível de emprego; a melhoria da

distribuição de renda; o aumento do salário mínimo; “a crescente universalização da

moradia própria, dos serviços urbanos essenciais (saneamento e transporte coletivo) e de

direitos sociais básicos (saúde, educação, previdência e proteção do emprego)”

(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 25); e o combate à fome, se cumpridos,

alavancariam o crescimento econômico do país, reinserindo-o no caminho do

desenvolvimento.

Desta forma, o candidato personificou a “esperança da mudança — uma das

demandas populares detectadas nas sondagens e um dos emblemas mais potentes da

eleição 2002” (RUBIM, 2003, p. 9) e, em função disso, recebeu ataques dos adversários,

sobretudo do candidato governista José Serra, que insinuava um possível “radicalismo” do

projeto petista e enfatizava os possíveis riscos de um projeto mudancista, de modo a

despertar o medo da população. Contudo, a campanha petista lidou bem com a ofensiva

adversária. Ao lançar o documento “Carta ao Povo Brasileiro”, cujo conteúdo reafirmava o

propósito de implementar uma nova política econômica, mas de modo gradual, sem deixar

de respeitar “os contratos e obrigações do país”, promover o combate à inflação e

“preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna

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ϮϬϱ

aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos”

(LULA DA SILVA, 2002, s/p), a campanha petista acalmou o mercado e os estratos

conservadores da sociedade, eliminando as maiores restrições a uma possível vitória de

Lula.

O caminho estava aberto para a vitória, que quase ocorreu no primeiro turno. Os

apoios recebidos de parcelas do PMDB, oficialmente aliado a José Serra, e de estratos do

PFL — Antônio Carlos Magalhães tornou-se um apoiador — renderam a Lula votos em

estados estratégicos como Minas Gerais, Bahia e São Paulo. Com a ocorrência do segundo

turno, o candidato do PT receberia ainda os apoios oficiais dos candidatos derrotados na

primeira etapa, Anthony Garotinho (terceiro colocado) e Ciro Gomes (quarto colocado), e

de Miguel Arraes e Leonel Brizola, históricos líderes da esquerda brasileira. Nem mesmo o

recrudescimento dos ataques deferidos por Serra na reta final provocou transformações no

cenário eleitoral. Havia chegado a vez do PT, após três derrotas consecutivas, de chegar à

Presidência.

Assim, em 27 de outubro de 2002, o Brasil elegeu como presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva, nordestino, sem formação universitária, ex-líder operário, que se

tornara uma importante liderança de esquerda em nível mundial. Sua vitória representou a

consolidação do processo de redemocratização do país e seu mandato se tornaria um

período de concertação social, em que se promoveria tanto o combate à desigualdade

quanto a retomada do crescimento econômico, mas não seriam abandonadas, por completo,

as teses neoliberais.

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CAPÍTULO 5 – A era Luiz Inácio Lula da Silva e a atuação na Educação

Especial

5.1. O primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007)

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República no dia 1º de janeiro

de 2003, desafiado por uma “herança maldita”: o governo anterior levara adiante um

projeto de nação pautado na tese do desenvolvimento “dependente-associado”, cujas

afinidades com o neoliberalismo eram evidentes, segundo Teixeira e Pinto (2012, p. 915),

pois havia a crença “na ideia de que o desenvolvimento capitalista da periferia só se[ria]

trazido por meio da abertura do mercado interno ao capital estrangeiro”. Em decorrência

disso, Fernando Henrique Cardoso e sua equipe avançaram na agenda neoliberal — em

vigor desde os anos Collor — ao implementarem uma política econômica que, sob a

promessa da contenção da inflação (um dos principais males da economia brasileira nos

anos 1980 e 1990), levaria o Brasil a agravar seus problemas socioeconômicos e consolidar

o modelo liberal periférico, assim definido por Filgueiras & Gonçalves (2007, p. 22):

Esse modelo tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro. O modelo é liberal porque é estruturado a partir da liberalização das relações econômicas internacionais na esfera comercial, produtiva, tecnológica e monetário-financeira; da implementação de reformas no âmbito do Estado (em especial na área da Previdência Social e da privatização de empresas estatais, que implica reconfigurar a intervenção estatal na economia e na sociedade; e de um processo de desregulação do mercado de trabalho, que reforça a exploração da força de trabalho. O modelo é periférico porque é uma forma específica de realização da doutrina neoliberal e da sua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no sistema econômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena internacional e se caracteriza por significativa vulnerabilidade externa estrutural nas suas relações econômicas internacionais. Por fim, a dinâmica macroeconômica do modelo subordina-se à predominância do capital financeiro e da lógica financeira.

O que se viu durante os oito anos de mandato de FHC não foi a retomada do

desenvolvimento, mas a elevação da dívida pública — em 1994, correspondia a 30,02% do

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PIB, e já em 2002, alcançaria 55,9% (Cf. SILVA, 2003) —; do desemprego — em

dezembro de 2002, mais de 10% da população economicamente ativa se encontrava

desempregada nas principais regionais metropolitanas do país (IDEM, IBIDEM) e da

informalidade; o recrudescimento do processo de desindustrialização devido à abertura

comercial incentivada pelo governo; e o agravamento dos problemas sociais em razão da

péssima distribuição de renda, do aumento da pobreza,69 da não realização das reformas

agrária e urbana, e da ineficiência das políticas sociais.

As privatizações não conseguiram gerar os recursos suficientes para a redução da

dívida, tampouco contribuíram para a melhoria da infraestrutura, corroborando com o

desmantelamento do patrimônio público. O aparelho estatal, por sua vez, afetado pela

agenda reformista neoliberal, manteve-se — ao contrário das previsões e dos discursos de

seus entusiastas — foco de práticas clientelistas e patrimonialistas, prestando serviços de

péssima qualidade. Por conseguinte, o país obteve sucessivamente taxas pífias de

crescimento — “a média anual para o período de 1995-1998 foi de 2,6% e para 1999-2002

de 2,1% na série antiga” (NOVELLI, 2010, p. 228) — e viu-se obrigado a recorrer aos

empréstimos do FMI para saldar seus compromissos, assistindo a elevação do “risco-país”

e a fuga de capitais. Desta forma, o Brasil permanecia vulnerável às crises econômicas

decorrentes do rearranjo do sistema capitalista e ainda mais dependente das grandes

potências. Sobre a questão, afirmam Teixeira & Pinto (2012, p. 917):

Em tal contexto, as reformas liberalizantes de FHC, baseadas em uma transposição de sua noção de desenvolvimento dependente-associado, formulado nos anos 1960 e 1970, para os anos 1990, conduziram não a um novo ciclo de investimentos e crescimento econômico, mas sim a uma dependência financeira externa ou, em termos pós-keynesianos, a uma fragilidade financeira externa e à instabilidade macroeconômica permanentes, diante de fluxos internacionais de capitais cada vez mais expressivos e voláteis (TEIXEIRA & PINTO, 2012, p. 917).

Essas condições levaram o Brasil a uma grande crise de confiança. O projeto

neoliberal não se efetivara como uma solução para os problemas estruturais do país, e as

incertezas acerca do futuro do país imperavam. Até mesmo a inflação, que o governo FHC

ϲϵ Entre 1995 e 2001, segundo dados oficiais, o número de famílias pobres “saltou de 8,3 para quase 10 milhões de famílias, principalmente nas regiões metropolitanas do Brasil, fruto em boa parte do desemprego e da queda dos rendimentos de muitas categorias de trabalhadores” (SILVA, 2003, p. 31).

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ϮϬϴ

se gabava de ter reduzido, voltara a subir, atemorizando grandes parcelas da sociedade. No

plano externo, ainda havia a preocupação dos investidores com os rumos da política

econômica, pois um governo de esquerda estava prestes a se formar, apesar de o novo

presidente ter se comprometido a manter suas bases ainda durante o pleito eleitoral. Nesse

sentido, tanto a escolha da equipe econômica — “recrutada no mesmo ‘campo’ da equipe

de Cardoso: economistas com formação ortodoxa e/ou com passagem pelo sistema

financeiro nacional e internacional e/ou nas instituições financeiras multilaterais, onde a

ortodoxia é a regra” (NOVELLI, 2010, p. 236) — quanto a autonomização do Banco

Central e a manutenção das bases da política macroeconômica implantada pelo antecessor,

ancorada no tripé “introduzido na crise cambial de 1999, por meio do sistema de metas de

inflação, do regime de câmbio flutuante e da manutenção de superávits primários nas

contas públicas” (POCHMANN, 2011, p. 16) fizeram com que o governo conquistasse

credibilidade no plano externo, mas sofresse as críticas daqueles que desejavam a retomada

do desenvolvimento e assistisse ao agravamento dos problemas sociais.

Até 2005, o governo Lula levou adiante a aplicação de um “remédio amargo” para a

crise econômica, cujos “efeitos colaterais” eram imediatamente sentidos pelas classes

trabalhadoras. Além da crescente insatisfação de históricos aliados, identificados com o

pensamento de esquerda e as teses desenvolvimentistas, Lula e sua equipe passaram a

conviver com a descrença de alguns setores da sociedade em relação à efetivação do plano

de governo “Lula Presidente — Um Brasil Para Todos”, apresentado no pleito eleitoral.

O documento afirmava a necessidade de implantação de um “modelo de

desenvolvimento alternativo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 2), que

fortalecesse a soberania brasileira no plano externo e promovesse “crescimento econômico,

inclusão social e justiça ambiental” (IDEM, p. 14) através da priorização de três aspectos

na agenda governamental, a saber: “(a) o crescimento do emprego; (b) a geração e

distribuição de renda; (c) a ampliação da infraestrutura social” (IDEM, p. 30). Ou seja,

uma política econômica vigente parecia inviabilizar o cumprimento das promessas

eleitorais. De acordo com seus críticos, era preciso que o governo a modificasse

substancialmente, dando uma guinada desenvolvimentista.

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ϮϬϵ

Disciplina fiscal e monetária, manutenção do câmbio flutuante, alta taxa de juros e

alcance de elevados superávits primários70foram os principais ingredientes do “remédio

amargo” responsável por promover o reequilíbrio do ambiente econômico do país. A

inflação voltou a cair; o endividamento externo diminuiu sensivelmente — de 45,9% do

PIB, em 2002, para 21,3%, em 2005, e 19,2% em 2006 (Cf. SILVA, 2007) —, apesar do

mesmo não ocorrer internamente, já que, ao saldar boa parte de seus compromissos fora do

país, o governo aumentou a dívida interna ao exercer uma “política de troca de dívida

externa, de maior prazo e menores juros, por dívida interna, de prazo menor e taxas de

juros também maiores” (MAGALHÃES, 2010, p. 61). O “risco Brasil” também foi

reduzido e o país se tornou mais atrativo aos investimentos externos.

Além desse conjunto de medidas, o governo Lula também deu encaminhamento a

duas das reformas estruturais que havia se comprometido a realizar: a tributária e a

previdenciária. As outras reformas (agrária, política e trabalhista) acabaram esbarrando nas

dificuldades políticas que o presidente e sua equipe enfrentaram durante o primeiro

mandato e não foram implementadas.

A reforma proposta pelo governo não corrigiu as distorções do sistema tributário

brasileiro — historicamente caracterizado tanto pela sua alta carga quanto pelo fato de os

ricos pagarem proporcionalmente menos que os pobres —, tampouco pôs fim à famigerada

Desvinculação de Recursos da União (DRU), criada pelo governo antecessor, a qual foi

mantida para contribuir com a formação dos superávits primários acordados com os

organismos multilaterais e diminuiu severamente a capacidade de investimento do Estado

na área social. Todavia, mesmo reduzida, a iniciativa governamental acabou tendo certo

impacto no ambiente econômico do país, pois provocou a reestruturação do Imposto de

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a desoneração tanto das exportações quanto

das pequenas e médias empresas, e a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados

(IPI), contribuindo para a retomada da produção industrial pouco tempo depois.

ϳϬA presença do pensamento neoliberal no Ministério da Fazenda provocou, entre outras coisas, a redefinição das relações com o FMI. Nesse sentido, o governo Lula se comprometeu a elevar a meta de superávit primário, que já era alta, de 3,75% para 4,25% do PIB, expressando, segundo Marques e Mendes (2006, p. 62), “a preocupação em garantir, antes de tudo, o pagamento do serviço da dívida externa, não importando quão deteriorados e/ou insuficientes estive[ssem] as rodovias, a rede de saneamento e de energia elétrica e os equipamentos sociais do sistema de saúde, entre outros”.

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ϮϭϬ

A reforma previdenciária, por sua vez, era compreendida como uma prioridade pela

administração federal, sob o argumento de que o desequilíbrio entre as receitas do setor e o

volume dos benefícios concedidos à população culminava cotidianamente na ocorrência de

déficits crescentes, embora essa seja uma visão distorcida, visto que seria necessário

considerar o “conjunto da seguridade [social], compreendida pela previdência, saúde e

assistência” (MARQUES & MENDES, 2004, p. 10), cujas receitas e despesas somadas

registram superávits ano após ano. 71 Afora isso, o setor apresentava um baixo número de

contribuintes, devido, sobretudo, ao processo de precarização do trabalho, que provocava a

inserção de significativas parcelas da sociedade na informalidade, era suscetível a

constantes fraudes e observava a multiplicação das aposentadorias concedidas a indivíduos

em idade precoce.

Falava-se em solucionar o problema ampliando a fiscalização, estimulando as

contribuições e, sobretudo, intervindo na previdência do funcionalismo público, de modo a

corrigir as “distorções” entre os valores de aposentadoria dos trabalhadores do setor público

e os da iniciativa privada, segurados pelo INSS. No entanto, em vez de promover justiça

social, a reforma atendeu não somente ao cumprimento das elevadas metas de superávit

primário, já que, “segundo as estimativas do então ministro da Previdência, Ricardo

Berzoini, em 20 anos as mudanças aprovadas [iriam] resultar em uma economia de R$ 52

bilhões” (MARQUES & MENDES, 2004, p. 12), mas ao fortalecimento da iniciativa

privada, pois permitiu que se “trans[ferisse] para o setor privado, via fundos de pensão,

uma fatia significativa das aposentadorias do funcionalismo” (FREITAS, 2007, p. 69).

Mesmo com a resistência de parcelas significativas do PT,a reforma previdenciária

foi aprovada nos seguintes moldes:

ϳϭ Marques & Mendes (2004, p. 10) apontavam, à época da reforma previdenciária, para a necessidade de se rever a discussão sobre a existência ou não de déficit na seguridade social. Em 2002, por exemplo, registrou-se um superávit de R$ 32,96 bilhões, determinado por um cálculo em que “[...] são consideradas todas as receitas e despesas da previdência, da saúde e da assistência, não sendo incluído o PIS/Pasep e o FAT, pois o seguro-desemprego tem receita vinculada”. Prosseguem os autores: “Se a esse superávit forem acrescidas as despesas com os servidores da União (civis e militares), ainda que o artigo 194 da Constituição não considere seus regimes integrantes da seguridade, e se for incluída a contribuição do Estado como empregador, o superávit diminui para R$ 15,08 bilhões, mas ainda assim continua expressivo”. Todavia, esses recursos viriam a compor a meta de superávit primário, estabelecida em 4,25% do PIB, conforme o governo Lula havia acordado com o FMI.

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Ϯϭϭ

[…] adotou-se o princípio do cálculo do benefício com base nos salários de contribuição efetivamente registrados ao longo da trajetória contributiva do servidor; o não incentivo para aposentadorias precoces; o estímulo à permanência dos servidores em atividade; a diminuição dos superssalários; a contribuição sobre os proventos de inativos e pensionistas; o aumento do teto previdenciário para os trabalhadores da iniciativa privada; e a possibilidade de criação de sistemas complementares para servidores, a exemplo da previdência complementar dos trabalhadores do setor privado (SILVA, 2004, p. 26).

O governo também se empenhou em redirecionar sua atuação, a fim de recuperar

seu papel como indutor do desenvolvimento. As empresas e os bancos estatais não só foram

preservados como foram fortalecidos, tornando-se “muito importantes para a

reorganização do Estado e para o funcionamento da economia” (ARAÚJO, 2006, p. 23).

Desse modo, esperava-se ampliar as fontes de investimento em infraestrutura econômica e

social, rompendo com a lógica privatizante em vigor desde os anos Collor, que se mostrara

prejudicial para a reinserção do país na rota desenvolvimentista. Sobre isso, afirma Oliva

(2010, pp. 237-238):

O experimento do Estado Mínimo, de modo geral, foi um rotundo fracasso. A redução do investimento público, em parte associada à privatização do núcleo empresarial estatal, sem uma contrapartida de expansão do investimento privado, provocou a acumulação de enormes atrasos na manutenção e expansão da infraestrutura energética e logística. Apesar do expressivo aumento da carga tributária, acentuou-se o processo de endividamento do Estado e debilitou-se sua capacidade técnico-operacional para a formulação e gestão das políticas públicas. A criação de instâncias descentralizadas de regulação dos serviços privatizados não preservou a capacidade de formulação de políticas por parte dos órgãos setoriais, favoreceu o aumento desmedido dos preços administrados — telefonia, luz, gás, entre outros — e não atingiu os objetivos que, em teoria,justificariam a autonomia das agências reguladoras — transparência, competência técnica e imunidade diante das influências políticas ou do mercado.

Contudo, apesar da mudança de filosofia do aparelho estatal, mantinha-se reduzida

a capacidade de investimento estatal. Nesse sentido, em consonância com as diretrizes do

plano de governo, que previa a “articulação com os setores público e privado” (PARTIDO

DOS TRABALHADORES, 2002, p. 54), foi criada a Lei n. 11.079 de 30 de dezembro de

2004, que instituiu normas para a formulação de Parcerias Público-Privadas (PPP).

Objetivava-se, com a legislação, atrair investimentos privados para a realização de “obras

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de infraestrutura e de operação de serviços públicos” (BRASIL, 2004, p. 89), de modo a

superar as restrições fiscais impostas pela política econômica e romper gargalos em setores

estratégicos para o desenvolvimento, como os de transportes, saneamento, energia elétrica e

comunicações. Nessas parcerias, o Estado definiria “o que fazer, mantendo assim o papel

de dirigente, faz parte dos investimentos e garante rentabilidade mínima para os

investimentos das empresas privadas” (SALLUM JR., 2008, p. 217), reservando,

posteriormente, às empresas o direito de explorarem os serviços “com rentabilidade mínima

garantida por um fundo público” (IDEM, IBIDEM).

A lei suscitou novas críticas entre os opositores de Lula, posicionados mais à

esquerda no espectro político, que consideravam a iniciativa como mais um símbolo de

manutenção do ideário neoliberal na agenda governamental. Por sua vez, os antigos aliados

do governo FHC difundiam aos quatro cantos que a experiência petista na administração

federal não havia rompido com o modelo privatizante implantado pelo PSDB em sua

gestão, numa tentativa de preservar seu legado e reabilitar politicamente seus principais

líderes. Todavia, não se pode afirmar que, ao menos no decorrer do primeiro mandato, as

PPP tenham sido efetivadas (Cf. OLIVA, 2010). Desse modo, o governo não conseguiu

investir o suficiente para solucionar os problemas de infraestrutura do país, limitando-se a

executar parte dos investimentos previstos pelo Plano Plurianual 2004-2007, batizado de

“Plano Brasil de Todos”, e elaborar um novo marco regulatório para a energia elétrica (com

vistas a reestruturar o setor depois do “apagão” de 2001); incentivar a produção de

biodiesel; criar a política nacional para o setor de transportes; criar a Agência Nacional de

Aviação Civil; estimular a universalização da telefonia; e implantar o programa

Saneamento para Todos.

Outro indicativo da mudança de filosofia governamental foi a formulação da

Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) num cenário de crescente

desindustrialização. Os governos neoliberais haviam instaurado uma abertura comercial

sem critérios, mediante a “redução de tarifas de importação, sobrevalorização da moeda,

constrangimento do crédito e ausência de mecanismos de proteção contra práticas desleais

de comércio internacional” que “levaram à substituição da produção local por

importações inclusive em setores nos quais o Brasil dispunha de condições de

competitividade” (CANO e SILVA, 2010, p. 184) e geraram desemprego e aumento da

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Ϯϭϯ

dependência externa. Era preciso, portanto, reverter esse quadro, embora a política

macroeconômica permanecesse deveras restritiva, visto que o país, por exemplo, praticava

uma das mais elevadas taxas de juros do planeta à época. Mesmo nesse ambiente, a PICTE

se encarregou de estabelecer as bases para um novo tipo de atuação estatal no tocante ao

desenvolvimento industrial, que deveria estimular, entre outras coisas, a inovação; o

desenvolvimento tecnológico; a ampliação da inserção externa; e o aumento da capacidade

produtiva. Da iniciativa resultaram, entre outras coisas, a aprovação de extenso arcabouço

legal;72 a concessão de financiamentos para micro e pequenas empresas; a realização de

“programas de apoio ao desenvolvimento organizacional e gerencial” (SILVA e CANO,

2010, p. 189); o estímulo às exportações; o incentivo tanto à produção de marcas e patentes

como a de semicondutores, softwares, fármacos, medicamentos e bens de capital; e o

crescimento dos investimentos em biotecnologia, nanotecnologia e biomassa (Cf. BRASIL,

2005). Tratava-se, sem dúvida, de um elemento importante para a retomada do

desenvolvimento nacional, mas que devido às restrições da política econômica, ao menos

num primeiro momento, “não produziu os resultados que poderia do ponto de vista do

desempenho da indústria no seu conjunto e de sua contribuição para o crescimento e o

fortalecimento da inserção da economia brasileira no cenário internacional” (CANO e

SILVA, 2010, p. 190).

Embora a política industrial não tenha revertido a crescente desindustrialização

provocada pelo avanço neoliberal e tenha, por conseguinte, alavancado a transformação da

estrutura produtiva brasileira (ainda refém da comercialização de produtos primários e da

ascendência das instituições financeiras, favorecidas pela política econômica vigente 73), o

ϳϮ Destacam-se aprovações das Leis da Inovação (Lei n. 10.973 de 2 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto n. 5.563 de 11 de outubro de 2005); Biossegurança (Lei n. 11.105 de 23 de novembro de 2005); e do Bem (Lei n. 11.196 de 21 de novembro de 2005, regulamentada pelo Decreto n. 5.798 de 7 de julho de 2006); a alteração da Lei de Informática (através da Lei n. 11.077 de 30 de dezembro de 2004 e do Decreto n. 5.906 de 26 de setembro de 2006, responsável por oficializar a prorrogação dos incentivos fiscais para o setor até o ano de 2019). ϳϯ Os bancos, assim como ocorreu no governo FHC, mantiveram-se hegemônicos no sistema econômico brasileiro durante o período em que Lula esteve na Presidência da República. A ortodoxia da política econômica impossibilitou que os setores industriais reequilibrassem a disputa no interior do bloco no poder, o que corroborou com a hegemonia das instituições financeiras. Esse cenário reflete a situação de dependência do país, como afirmam Teixeira &Pinto (2012, p. 917): “A caracterização, no entanto, da situação de dependência, como visto, envolve, a caracterização da articulação entre o sistema econômico e o político e entre as classes e grupos sociais domésticos e externos. Nesse sentido, a fração bancário-financeira do capital (bancos, seguradoras, fundos de pensão, corretoras, agências de rating etc.) passa a deter a hegemonia no interior do bloco no poder e sua influência, a expressar-se especialmente a partir de um dos

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Ϯϭϰ

país voltou a colher resultados satisfatórios em sua inserção internacional — leiam-se, aqui,

os sucessivos superávits na balança comercial —, ao combinar “processos complexos”, tal

qual afirmam Filgueiras & Gonçalves (2007, p. 90):

De um lado, há a reprimarização relativa das exportações — papel protagônico do agronegócio e das indústrias de baixo valor agregado —, mas em novas bases tecnológicas. De outro, há o fortalecimento de alguns segmentos industriais típicos da Segunda Revolução Industrial, modernizados pelas tecnologias difundidas pela Terceira Revolução (automóveis e aviões). Muitos desses últimos segmentos estão integrados em redes transnacionais.

Desse modo, as exportações de commodities cresceram tanto quanto foram

valorizadas, dado que “os preços dos produtos básicos (matérias-primas agrícolas e

minerais) cresceram acima dos preços dos produtos manufaturados, em virtude do

expressivo aumento da demanda internacional […]” (FILGUEIRAS & GONÇALVES,

2007, p. 91), o que contribuiu para a retomada do crescimento da economia brasileira,

embora não fosse reduzida sua vulnerabilidade, sobretudo no plano externo, pois não havia

“avanços da estrutura produtiva e o desempenho da economia brasileira [permaneceria]

atrelado aos ciclos do comércio internacional” (IDEM, p. 90).

Contribuiu para a melhora da inserção internacional do Brasil a reformulação da

política externa, historicamente caracterizada pelo alinhamento automático aos grandes

blocos capitalistas. Para tanto, o governo centrou esforços em reconstruir o MERCOSUL

(proporcionando, entre outras coisas, a inclusão da Venezuela no bloco); fortalecer a

liderança brasileira no continente sul-americano; ampliar as relações com países africanos e

asiáticos; e intensificar as parcerias com países emergentes como a China, a Rússia, a Índia

e a África do Sul, sem, no entanto, deixar de preservar as históricas ligações com os

Estados Unidos e as principais potências da União Europeia (Inglaterra, Alemanha e

França).

A reversão desse modelo de atuação, embora não fosse radical, ofertou condições ao

país de incrementar substancialmente suas parcerias comerciais; participar ativamente da

principais centros de poder no Estado: o banco central. Sua influência é exercida tanto indireta, com a propagação da ideologia da ortodoxia econômica por meio da grande imprensa e daquela especializada nos temas econômicos, como diretamente, pela troca de posições entre diretores e presidentes do Banco Central e ocupantes dos postos-chave no mercado financeiro” (TEIXEIRA & PINTO, 2012, p. 917).

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Ϯϭϱ

construção de novos blocos — como o G-20, por exemplo—; compor as “forças de paz”

enviadas ao Haiti; pleitear, mesmo que sem sucesso, uma vaga como Membro Permanente

no Conselho de Segurança da ONU; reafirmar sua condição de nação “emergente”,

corroborada pela sua transformação de devedor em credor do FMI (Cf. SILVA, 2006); e

constituir-se como liderança no combate à fome e à miséria no mundo. Não houve,

portanto, uma ruptura completa com a condição de dependência, mas a nova política

externa acabou assegurando maior autonomia ao país em suas decisões, diferentemente do

que ocorrera nas décadas anteriores.

Esse conjunto de ações governamentais, apesar do agravamento dos problemas

sociais num primeiro momento, acabou por conter a crise econômica brasileira,

possibilitando a ocorrência de mudanças graduais nas bases da política macroeconômica.

Além de ampliar as exportações, apoiando as grandes corporações capitalistas com linhas

de crédito e aberturas de mercados em diferentes países, alterando “a relação do Estado

brasileiro com a burguesia ao melhorar a posição da grande burguesia interna industrial e

agrária no interior do bloco no poder” (BOITO JR., 2006, p. 238), o governo promoveu

medidas de forte impacto socioeconômico, como a implantação de políticas de valorização

real do salário mínimo, a ampliação do abono salarial e a utilização dos bancos

estatais74para a expansão do microcrédito e das microfinanças — mediante o incentivo à

abertura de contas correntes simplificadas, contas-investimento, concessões de crédito e

microcréditos produtivos consignados e a redução do custo faz operações bancárias —

,provocando a inclusão de milhões de brasileiros pobres no ciclo econômico, visto que

passaram a produzir e a consumir mais, contribuindo diretamente para o reaquecimento da

economia. Desse modo, foi retomada uma agenda nacional-desenvolvimentista, cujo

objetivo principal era o de viabilizar um “círculo virtuoso”, assim definido pelo governo

petista:

ϳϰ Os bancos públicos foram de fundamental importância para a condução do projeto desenvolvimentista do governo Lula. Ao passo que o BNDES teve sua atuação ampliada, garantida pelos grandes aportes de recursos do Tesouro Nacional, que viriam a transformá-lo no “maior banco de desenvolvimento do mundo, com capital e operações de magnitude superior às do Banco Mundial” (OLIVA, 2010, p. 208), as demais instituições financeiras públicas tiveram “papel decisivo na mudança da trajetória e da estrutura do sistema de crédito”, redefinindo “seu papel na dinamização da economia e na implementação das políticas de inclusão social [...]” (IDEM, p. 205).

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Ϯϭϲ

Se os mecanismos de transmissão do aumento de produtividade ao poder aquisitivo das famílias trabalhadoras funcionarem a contento, pode-se estabelecer o seguinte círculo virtuoso: aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras/ampliação da base de consumo de massa/investimentos/ aumento da produtividade e da competitividade/aumento de rendimentos das famílias trabalhadoras - ou, em resumo, um círculo virtuoso entre rendimentos das famílias trabalhadoras e investimentos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que dispõe de condições para crescer por essa estratégia, devido ao tamanho de seu mercado consumidor potencial (SILVA, 2003, p. 06).

A retomada do crescimento econômico foi fundamental para o sucesso do círculo

virtuoso, pois além do aumento do consumo e, por conseguinte, da produtividade, o país

recuperou gradualmente a sua capacidade de gerar empregos formais. Nesse aspecto, o

governo também teve papel estratégico, ao manter o PROGER (Programas de Geração de

Emprego e Renda do Fundo de Auxílio ao Trabalhador), “constituído por linhas de crédito

voltadas para o financiamento de ações empreendedoras, indutoras de emprego e renda,

com respeito às especificidades socioeconômicas do território beneficiado” (SILVA, 2006,

p. 49), que apoiou micro e pequenas empresas, responsáveis pela utilização de grandes

contingentes de força de trabalho; ao direcionar os recursos do FAT (Fundo de Auxílio ao

Trabalhador) para a geração de empregos a um público preferencial — o de jovens e

pessoas acima de 40 anos —, prejudicado pelos grandes índices de desemprego à época; ao

ampliar a cobertura do Seguro-Desemprego; ao incentivar a economia solidária e o

cooperativismo; e ao criar o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, cujas

atribuições envolviam ações de qualificação e intermediação de mão de obra, com vistas a

“aumentar o interesse das empresas em receber os jovens” (SILVA, 2005, p. 57).

Todavia, criar empregos não significava necessariamente romper com o processo de

crescente precarização do trabalho em vigor no Brasil desde os anos 1990. Tratava-se,

portanto, de um dos principais desafios a ser enfrentado pelo governo Lula, visto que o país

possuía uma legião de trabalhadores terceirizados e informais, pouco ou nada protegidos

pela legislação trabalhista. Em função desse quadro, foi criado, em 2003, o Fórum Nacional

do Trabalho (FNT), cujo objetivo era “criar consensos entre trabalhadores e empresas e

propor uma ampla Reforma Trabalhista e Sindical” (FAGNANI, 2011, p. 49), mas que, na

prática, não conseguiu produzir a concertação desejada. Ao permitir somente a participação

de confederações de empregadores e centrais sindicais, o fórum deixou de lado as

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Ϯϭϳ

confederações de trabalhadores, responsáveis por liderar uma resistência com a criação do

Fórum Social do Trabalho.

Do FNT resultou o encaminhamento de uma controversa Proposta de Emenda à

Constituição (PEC n. 369 de 2005), que previa, entre outras coisas, o fortalecimento das

centrais sindicais; a definição de critérios de representatividade de trabalhadores e

empresas; disciplinarização do direito de greve; a obrigatoriedade da negociação coletiva; e

o fim do imposto sindical. Deveras criticada tanto pelos trabalhadores quanto pelos

empregadores, a PEC acabou tendo dificuldades de tramitação e não foi aprovada durante o

mandato de Lula. A estratégia de concertação, ao menos naquele momento, não funcionara,

pois o governo federal percebeu “que ela mais dividia do que agregava, os empresários

estavam mais interessados na reforma trabalhista que permitiria a flexibilização nas

formas de contrato e de jornada de trabalho” (DAL MOLIN, 2011, p. 226), enquanto os

trabalhadores “temiam que a Reforma Sindical fosse o primeiro passo para a reforma

trabalhista que traria a reboque o aprofundamento da flexibilização dos direitos

trabalhistas” (IDEM, IBIDEM). Por conseguinte, inviabilizadas as condições para a

realização de uma reforma trabalhista que rompesse com o processo de desregulamentação

fomentado pelas políticas neoliberais, mantinha-se o ambiente favorável 75 para uma

exploração predatória do trabalho apesar dos esforços governamentais em contê-la, ao

estimular, por exemplo, a formalização de empregos.

Além das citadas intervenções no mercado de trabalho, a formulação de uma

política de desenvolvimento regional mais profícua mereceu maior atenção dos membros

do governo federal no primeiro mandato do presidente Lula. As regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste ainda apresentavam graves problemas socioeconômicos que travavam seus

respectivos desenvolvimentos, de tal modo que as desigualdades em relação às regiões

Sudeste e Sul permaneciam abissais. O diagnóstico não poderia ser pior: o Norte possuía

baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), urbanização e industrialização

incipientes. O Nordeste, a fome, a seca e a miséria como problemas crônicos. O Centro-

ϳϱ Apesar de o governo Lula sinalizar uma maior aproximação com os trabalhadores, algumas de suas medidas acabaram, em alguns momentos, prejudicando-os severamente. Além da Reforma da Previdência, que em muito prejudicou os servidores públicos, a Lei de Falência (Lei n. 11.101 de 9 de fevereiro de 2005) é outro exemplo importante, pois “a partir de um certo montante, obriga a empresa, em processo falimentar, a priorizar o pagamento de dívidas bancárias em detrimento do pagamento dos débitos com os trabalhadores” (BOITO JR., 2006, p. 241).

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Ϯϭϴ

Oeste, além da desigualdade social em seu interior, carecia da expansão de novas

tecnologias para aumentar sua produtividade. Desse modo, era preciso estabelecer um

modelo de atuação que fosse além dos incentivos fiscais concedidos aos estados

pertencentes às regiões supracitadas.

Em função disso, propôs-se o ressurgimento das superintendências regionais

(SUDAM, SUDENE e SUDECO) 76 em substituição às agências criadas no governo FHC;

mantiveram-se os fundos constitucionais destinados ao financiamento das ações regionais;

criaram-se os Ministérios da Cidade (responsável por ações no tocante às áreas de

transporte urbano, da habitação e do saneamento) e do Turismo (cuja atuação alavancaria

um setor que contribuía sobremaneira para a geração de empregos e a composição da

balança comercial),e tiveram papel relevante na redução das disparidades; formulou-se uma

Política Nacional de Desenvolvimento Regional, pautada na “retomada do planejamento

estratégico, com base em um modelo fundamentado nos conceitos do planejamento

territorial, objetivando a redução das desigualdades regionais e a promoção do

desenvolvimento sustentável” (SILVA, 2006, p. 69); desenvolveram-se planos estratégicos

de desenvolvimento para as macro e mesorregiões; e grandes obras como a ferrovia

Transnordestina e a integração do Rio São Francisco foram iniciadas para combater

gargalos infraestruturais.

O desenvolvimentismo do governo Lula ia, portanto, muito além do campo do

discurso, embora a capacidade de investimentos do país permanecesse reduzida em razão

do mau gerenciamento e das sucessivas crises econômicas enfrentadas desde o final dos

anos 1970. Sobre a concepção desenvolvimentista, afirmam Fonseca, Cunha &Bichara

(2013, p. 412):

Trata-se, portanto, não de fenômeno somente adstrito ao campo das ideias, mas com contornos de um programa de ação para reverter determinado status quo considerado não desejável; no caso, o atraso ou subdesenvolvimento, com todas as decorrências que podem ser a eles

ϳϲ Apesar de a recriação das superintendências regionais ser uma proposta contida no plano de governo “Lula Presidente — Um Brasil Para Todos”, os esforços do presidente, de seus ministros e da base aliada no Congresso Nacional não foram suficientes para implementá-las no início do primeiro mandato. A SUDENE e a SUDAM foram recriadas, respectivamente, pelas Leis Complementares ns. 124 e 125 de 3 de janeiro de 2007, enquanto a SUDECO só seria refundada no final do segundo mandato, pela Lei Complementar n. 129 de 8 de janeiro de 2009.

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Ϯϭϵ

associadas: baixa produtividade, desperdício de recursos, miséria, disparidades regionais e dependência externa.

A retomada do desenvolvimento mediante a implantação do “círculo virtuoso”

impunha, necessariamente, a ampliação das intervenções estatais na área social. Embora

Fernando Henrique Cardoso e sua equipe tenham implantado uma série de programas, em

tempos de neoliberalismo, proporcionar o crescimento econômico suplantava a necessidade

de promover justiça social. Isso fez com que o governo centrasse esforços na racionalização

e na focalização dos investimentos na área social sob o argumento do aumento da eficiência

e da “qualidade dos gastos”. Todavia, o que se viu na prática foi o contrário. Permaneceram

a “pulverização dos recursos, superposição de público-alvo, competição entre as

instituições, ausência de coordenação, elevado custo administrativo e uma visão setorial

do enfrentamento da pobreza” (SILVA, 2004, p. 116) em programas setoriais que

“operavam com restritas cotas de atendimento, reduzido valor da transferência monetária

e ignoravam a existência de programas similares, conduzidos pelos estados e/ou

municípios” (IDEM, IBIDEM). Mantinham-se, assim, sob a égide do neoliberalismo, as

históricas práticas clientelistas e assistencialistas, que apenas agravavam os problemas

sociais brasileiros e travavam seu desenvolvimento.

Com a chegada do PT à Presidência da República, esperava-se uma mudança radical

na condução das políticas sociais, corroborada, entre outras coisas, pela conhecida

sensibilidade de seus quadros com o combate à desigualdade; pela histórica ligação com os

movimentos sociais; e pelo conjunto de experiências bem-sucedidas à frente de prefeituras

municipais e governos estaduais desde os anos 1980.

Em consequência disso, o governo Lula procurou, inicialmente, modificar o papel

estatal ao fortalecer o diálogo ao criar, com status de ministério, o Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social, cuja composição garantiu a representação de amplos

segmentos da sociedade na formulação e na apreciação de políticas públicas; ao transformar

a Secretaria Geral da Presidência no órgão responsável por aprofundar as relações com a

sociedade civil e suas organizações (movimentos sociais, sindicatos, associações, ONGs,

OSCIPs, fundações, etc.); e ao estimular a criação de novos mecanismos de participação

social — fóruns, conferências e conselhos temáticos — nos rumos dos diferentes setores do

aparelho estatal.

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ϮϮϬ

Houve também a preocupação em assegurar espaço na estrutura administrativa para

a promoção dos direitos humanos, da igualdade de gênero e, finalmente, a igualdade racial

mediante a criação das Secretarias Especiais dos Direitos Humanos, de Políticas para as

Mulheres e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, respectivamente.

Num ambiente institucional mais favorável, o governo pôs-se, então, a implementar

o que havia sido prometido no período eleitoral — “a implantação de um modelo de

desenvolvimento alternativo, que tem o social por eixo” e só poderia “ter êxito se

acompanhada da democratização do Estado e das relações sociais” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES, 2002, p. 2) — ao promover um amplo conjunto de políticas sociais,

responsável por incorporar demandas historicamente reprimidas e contribuir para a

consolidação do “círculo virtuoso”. É o que se pode apreender do Plano Plurianual 2004-

2007:

As políticas sociais viabilizam o consumo popular ao aumentar o poder aquisitivo das famílias e reduzir a pressão da oferta de mão de obra sobre o mercado de trabalho, favorecendo a transmissão dos aumentos de produtividade aos salários. Por exemplo: a) a reforma agrária e o fomento à agricultura familiar retêm mão de obra no campo e criam renda; b) a exigência de frequência escolar para acesso à política de transferência mantém a criança na escola, reduz o trabalho infantil e melhora a renda familiar; c) a universalização da assistência aos idosos viabiliza seu descanso e libera vagas no mercado de trabalho, além de elevar a renda da família; d) o microcrédito dá suporte ao autoemprego e a postos de trabalho em microempresas, criando emprego e renda; e) os programas de acesso à moradia, infraestrutura e serviços sociais, como saneamento, transporte coletivo, educação e saúde são clássicos geradores de postos de trabalho, além de ampliar a renda, ao reduzir gastos como aluguel, remédio e escola; f) os programas de transferência de renda, a elevação do salário mínimo e o seguro-desemprego operam em favor do modelo de consumo de massa, ao ampliar os rendimentos da família pobre e ao disponibilizar recursos para o aumento dos gastos (BRASIL, 2003, p. 07).

As primeiras ações na área social evidenciaram a preocupação do governo com a

reinserção do combate à fome e à miséria no cerne da agenda. Em função disso, o

CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), de atuação

destacada no governo Itamar Franco, foi recriado, e o Ministério Extraordinário de

Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA) foi criado com a atribuição de formular

uma política nacional de segurança alimentar e gerir o programa Fome Zero, apresentado

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ϮϮϭ

no início do mandato como o “carro-chefe” da estratégia social governamental (Cf.

FAGNANI, 2011). Além de promover transferência direta de renda por meio do Cartão

Alimentação, o programa articulava inúmeras ações — distribuição de alimentos, merenda

escolar, criação de bancos de alimentos e restaurantes populares, programas de alimentação

do trabalhador, combate à desnutrição materno-infantil, estímulo à geração de emprego e

renda, promoção da reforma agrária, incentivo ao cooperativismo e à economia solidária,

fortalecimento da agricultura familiar, combate ao analfabetismo, etc. (Cf. SILVA, 2003;

2004).

Não resta dúvida que a opção pelo combate à fome foi uma decisão acertada do

governo federal, dado que “após uma década de políticas liberais, [havia] um saldo de 53

milhões de pobres, dos quais 23 milhões de indigentes” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES, 2002, p. 39). Nesse cenário, a implantação de um programa como o

Fome Zero, de amplas atribuições, se fazia necessária para combater os problemas

determinantes da fome, de modo a romper com a lógica assistencialista, historicamente

presente no bojo das políticas sociais brasileiras, cujos resultados se mostravam

insatisfatórios há muito tempo. No entanto, devido a conflitos políticos no interior do

governo — fomentados, sobretudo, pela área econômica — e a problemas de gestão —

erros de planejamento, dificuldades de implementação, escassez de recursos, entre outros

—, o programa não conseguiu ir além daquilo que já se realizava anteriormente, ou seja, a

distribuição de alimentos. Em decorrência disso, enfraquecido, o MESA acabou extinto em

2004, sendo incorporado ao recém-criado Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome,77 e o Fome Zero perdeu sua centralidade para o Bolsa Família, numa

clara demonstração de que o governo manteria a focalização nos mais pobres, desta vez

fortalecendo a política de transferência de renda.

O Programa Bolsa Família (PBF), criado pela Lei n. 10.836 de 9 de janeiro de 2004,

foi concebido como um programa de transferência de renda destinado às famílias em ϳϳ A criação deste ministério teve como objetivo integrar as políticas sociais para combater as ações fragmentadas de outrora. É o que afirma a Mensagem Presidencial de 2005: “A criação, em 2004, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com a integração de dois Ministérios e de uma Secretaria Executiva ligada à Presidência da República, não significou apenas um esforço de racionalização das políticas sociais, mas também implicou significativo investimento na integração das políticas de proteção social do País e de promoção da inclusão social, envolvendo três grandes áreas: transferência de renda, segurança alimentar e nutricional e assistência social. Esse esforço foi empreendido com base no objetivo central de preservar e valorizar as famílias como centro irradiador da cidadania, tecendo ao seu redor uma rede de proteção social e de segurança alimentar” (SILVA, 2005, p. 133).

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ϮϮϮ

situação de pobreza e de extrema pobreza. Sua atuação seria pautada, segundo o governo

federal, em três premissas: 1 — “a de que a transferência de renda não é um fim em si

mesmo”; 2 — “a de que é fundamental combinar a transferência de renda com outras

políticas e programas (microcrédito, capacitação profissional, qualificação,

cooperativismo, agricultura familiar, etc.)”; e 3 — o entendimento do Cadastro Único

(criado ainda no período Fernando Henrique) como uma “ferramenta destinada ao

planejamento de políticas públicas no âmbito dos territórios”, de modo a realizar, de forma

articulada com estados e municípios, a integração dos programas de transferência de renda,

“pondo fim às superposições e incorporando as famílias aos demais programas e políticas”

(SILVA, 2004, p. 116).

A partir disso, seriam realizados depósitos mensais de quantias variáveis —

conforme o tamanho da família, a idade dos seus membros e a renda — para as famílias que

se enquadrassem nas diretrizes do programa e respeitassem as seguintes condicionalidades:

“matricular e manter crianças e adolescentes em idade escolar nas redes de ensino e

buscar os postos de saúde pública para acompanhamento das gestantes, das nutrizes e das

crianças (pré-natal, vacinação e desenvolvimento das crianças, etc.)” (SILVA, 2005, p.

141).78

A criação do programa atendeu não só ao cumprimento de uma antiga promessa

eleitoral79 como à filosofia governamental vigente, ainda corroborada pela ortodoxia da

ϳϴ O PBF possui o seguinte esquema de funcionamento: “As famílias cuja renda per capita forem superiores à linha de pobreza extrema, mas inferiores à linha de pobreza (não extrema), fazem jus a um benefício variável — que depende do número de crianças com idade de zero a 14 anos, até um máximo de três crianças por família. As famílias cuja renda per capita forem inferiores à linha de pobreza extrema têm direito a um benefício fixo, independente do número de pessoas na família, além de terem também direito ao mesmo benefício variável que as famílias cuja renda caia entre as linhas de pobreza e pobreza extrema. Desde julho de 2008, há também um segundo benefício variável, associado ao número de membros adolescentes na faixa de 15 a 16 anos que residam na família, até um máximo de dois adolescentes. O benefício é pago à mãe de família e, na ausência desta, a outro membro, como o pai. Há um número muito pequeno de casais no qual o pai é receptor” (SOARES & SÁTYRO, 2009, p. 13). ϳϵ O Partido dos Trabalhadores foi um dos precursores na defesa da implementação de programas de transferência de renda para famílias pobres. Já nas eleições presidenciais de 1989, Luiz Inácio Lula da Silva apresentara em sua plataforma de campanha a proposta de criação de um programa nesses moldes. É o que afirma Rocha (2011, p. 116): “Na verdade, os “novos” programas federais — “novos” por oposição àqueles no âmbito da LOAS [Lei Orgânica de Assistência Social] — tiveram como ponto de partida a proposta de criação do programa de transferência de renda para famílias pobres com crianças na idade de escolaridade obrigatória, que fazia parte da plataforma de candidatura presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT) às eleições de 1989. A proposta era especialmente atrativa por atenuar a insuficiência de renda presente para as famílias assistidas, melhorando de imediato seu nível de consumo privado e de bem-estar, ao mesmo tempo em que atacava as raízes da pobreza e da desigualdade ao incentivar a escolarização das crianças

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política econômica combinada às teses dos organismos multilaterais: o gasto social deveria

ser pautado na focalização80 nos “mais pobres, sendo esses definidos pelo critério do Banco

Mundial (quem recebe até US$ 2 por dia)” (FAGNANI, 2011, p. 48).

Além disso, ocorreu a unificação dos diversos programas de transferência de renda

criados no governo Fernando Henrique Cardoso — Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Bolsa

Escola e o Cartão Alimentação —, provocando não só a redução de gastos como a

construção de uma gestão descentralizada, intersetorial, que fortaleceu a articulação das

ações da União com as dos estados e municípios, uma vez que flexibiliza o

“estabelecimento de parcerias, o processo de adesão e o repasse de recursos financeiros

por meio do desempenho da qualidade de gestão” (MESQUITA, 2006, p. 481).

Esse rearranjo institucional possibilitou que a implantação do PBF se desse de

forma surpreendente: ao final do primeiro mandato do presidente Lula, aproximadamente

11 milhões de famílias recebiam mensalmente o benefício (Cf. SENNA et al., 2007) sem

que o governo tivesse elevado consideravelmente o valor dos investimentos em assistência

social, afinal, os custos com o programa giravam em torno de 0,35% do PIB em 2006

(SOARES & SÁTYRO, 2009).

O programa também apresentou importantes novidades no plano institucional: o seu

direcionamento à família e não mais aos indivíduos, como se fazia nos programas

anteriores, e a responsabilização da mulher como depositária do benefício. A primeira

novidade respeita as transformações na estrutura das famílias brasileiras, ao “incorporar um

oriundas de famílias de baixa renda. Deste modo, o objetivo era também atuar sobre as causas estruturais da pobreza de forma a reduzi-la no futuro. Operacionalmente, a proposta tinha a vantagem de focalizar o benefício num subconjunto de famílias pobres, reduzindo significativamente a população beneficiária, o que amenizava os problemas de financiamento e de gestão do programa”. Na sequência, vieram as iniciativas do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) de apresentar o projeto de lei (PLS n. 80 de 1991) que dispunha sobre a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima e as experiências petistas na Prefeitura de Ribeirão Preto e no Governo do Distrito Federal (com Antônio Palocci e Cristovam Buarque no comando, respectivamente) na implantação desse tipo de programa. ϴϬA ampla cobertura do “Bolsa Família” devido ao elevado número de famílias pobres e em extrema pobreza nos leva a crer que a denominação “estratégia de focalização” não parece ser a mais apropriada. Nesse sentido, é importante observar a argumentação de Marques e Mendes (2008, p. 106): “No caso brasileiro, os pesquisadores da área de políticas sociais deveriam buscar uma denominação mais adequada para esse tipo de programa do que chamá-las simplesmente de “focalizadas” em oposição a “universal”. Isso porque, tratando-se de mais de 25% da população, dificilmente se pode enquadrá-la como focalizada no sentido que sempre se usou esse termo. A dificuldade encontrada está no fato de exigir teste de meios, o que a caracterizaria como focalizada, mas que, ao mesmo tempo abrange parcela significativa dos brasileiros. O problema que se coloca deriva, portanto, do grau de desigualdade da sociedade brasileira, o que não estava presente quando foram forjados na literatura internacional os termos “focalizada” e “universal”” (MARQUES e MENDES, 2008, p. 106).

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conceito mais amplo de família, no qual se verifica uma tendência de rompimento com a

ideia tradicional de família nuclear” (SENNA et al., 2007, p. 89). Nesse sentido, a família

passa a ser compreendida como um grupo de indivíduos que possui laços de parentesco ou

afinidade, reside na mesma casa e se mantém através das contribuições materiais de seus

membros (Cf. SILVA, 2006). Em razão disso, o alcance do programa foi

consideravelmente ampliado, visto que um grande contingente populacional, anteriormente

ignorado, pôde ser contemplado pelo PBF.

A segunda novidade do programa, por sua vez, teve “impacto positivo nas noções

de cidadania das mulheres titulares do benefício, nas relações de gênero em decorrência

da elevação do poder de barganha das mulheres perante seus maridos ou companheiros, e

na redução do isolamento social destas […]” (SOARES & SÁTYRO, 2009, p. 30),

contribuindo de forma efetiva para a construção da igualdade nas relações de gênero, uma

pauta presente na agenda governamental desde o início do mandato do presidente Lula.

Contudo, mesmo o PBF tendo sido bem-sucedido no combate à desigualdade social,

não deixou de apresentar problemas tanto em sua concepção como em sua implementação.

O primeiro deles diz respeito ao fato de que mesmo havendo transferência de renda, não há

garantia de renda mínima no sentido estrito, pois além de não oferecer cobertura universal,

distribui valores muito aquém do salário mínimo, não assegurando, portanto a satisfação

das necessidades mínimas de sobrevivência dos grupos familiares por ele contemplados

(Cf. DRUCK & FILGUEIRAS, 2007). Um segundo problema está associado à não

constituição do programa como um direito, diferentemente do que ocorre, por exemplo,

com os benefícios de prestação continuada concedidos pelo Estado. Isso possibilita ao

governo, dentre outras coisas, excluir do quadro de beneficiários os indivíduos que não

cumpram as exigências postas pelo programa no tocante à saúde e à educação, “mesmo que

sejam miseráveis e tenham a necessidade urgente de serem beneficiadas”

(ZIMMERMANN, 2006, p. 152). Além disso, assegura à iniciativa um caráter transitório,

posto que, a qualquer momento — a depender do cenário econômico ou de mudanças na

condução do governo —, o Bolsa Família pode ser extinto, ainda que suas contribuições

para o combate à desigualdade sejam indiscutíveis.Um terceiro problema ainda geraria

transtornos: a dificuldade em estabelecer mecanismos de controle social. Conselhos

municipais — que deveriam ser compostos por representantes do poder público e da

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sociedade civil, incluindo os beneficiários da Bolsa — só começaram a ser criados no ano

posterior ao início da implementação do programa, “quando o PBF já atingia quase todos

os municípios do país e cerca de 8 milhões de famílias” (SENNA et al., 2007, p. 92). Por

causa dessa demora, inúmeros casos de fraudes foram denunciados e parcelas da sociedade

passaram a enxergar com desconfiança o sucesso da iniciativa.

Todavia, o PBF, articulado aos outros programas sociais do governo, logo gerou

bons resultados: milhões de brasileiros saíram da miséria absoluta, passaram a se alimentar

regularmente e acessar os sistemas de educação e saúde.

A atuação do governo Lula no campo social foi muito além da implementação do

PBF, apesar da reduzida capacidade de investimento, consequência da manutenção de uma

política econômica conservadora. Além de manter programas criados pelo antecessor (de

Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; de Atenção à Pessoa

Idosa; às Crianças de 0 a 6 anos; e à Pessoa com Deficiência; o Agente Jovem; e o de

Erradicação do Trabalho Infantil) e ampliar a concessão dos Benefícios de Prestação

Continuada (destinados às pessoas com deficiência e aos idosos), o governo inovou ao

fortificar o papel da cultura e do esporte como ferramentas de inclusão social, sobretudo

através de programas como o “Cultura Viva” e o “Segundo Tempo”.

Dentro do campo social, o governo ainda instituiu o “Brasil Quilombola”, voltado

às comunidades remanescentes de quilombos, “que reúne ações de diversas áreas

governamentais, tais como regularização fundiária, desenvolvimento social e segurança

alimentar; saúde, infraestrutura, geração de trabalho e renda, educação e cultura,

esportes, participação e controle social e produção do conhecimento” (SILVA, 2005, p.

187) e formulou políticas públicas especificas para a população indígena, idosos,jovens e a

promoção tanto da transversalidade de gênero como da igualdade racial.

O governo Lula também atuou de forma profícua nas áreas da saúde, assistência

social, habitação, infraestrutura urbana e agricultura, recuperando a capacidade de

intervenção estatal em setores estratégicos para o desenvolvimento social após mais de uma

década de neoliberalismo.

Na área da saúde, a atuação estatal foi reforçada com a elaboração do Plano de

Nacional de Saúde; a ampliação do Programa de Saúde da Família e do valor per capita do

Piso de Atenção Básica; a implantação de unidades do SAMU (Serviço de Atendimento

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Móvel de Urgência); o lançamento do programa de saúde bucal “Brasil Sorridente”; a

criação de farmácias populares; e os investimentos na melhoria da qualidade do sistema

através do programa QualiSUS, que previa a contratação de profissionais, a reforma de

instalações e a compra de novos equipamentos.

Na assistência social, houve avanço na construção da Lei Orgânica de Assistência

Social (LOAS); foi formulada uma nova Política Nacional de Assistência Social, que

culminou na instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e foram criados o

Sistema Nacional de Segurança Alimentar e o Serviço de Proteção e Atendimento Integral

à Família (Paif), cujas atribuições reforçariam “o compromisso dos três entes federados na

articulação de ações assistenciais e intersetoriais de atendimento às múltiplas

necessidades dos diversos membros das famílias” (SILVA, 2004, p. 148).

No setor de habitação, foram criados o Sistema Nacional de Habitação, “dividido

nos subsistemas voltados para o mercado e a habitação popular” (FAGNANI, 2011, p.

59), e instituídos tanto o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) como

o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que subsidiariam “as ações

voltadas para as famílias com renda mensal de até três salários mínimos” (IDEM,

IBIDEM), contribuindo diretamente para a redução do grande déficit habitacional do país.

Além disso, foram formuladas políticas nacionais de saneamento, trânsito,

mobilidade e transporte urbano, e o programa Luz para Todos, cujo intento era o de

universalizar o acesso à energia elétrica, numa demonstração do evidente

comprometimento do governo com a recuperação de sua centralidade no fomento ao

desenvolvimento urbano, já que, “desde o final dos anos 1980, houve um esvaziamento das

políticas nacionais de habitação, saneamento e transporte público”. (FAGNANI, 2011, p.

59).

Na agricultura, embora houvesse uma clara opção pelo fortalecimento do

agronegócio, o governo mostrou-se mais sensível às demandas dos pequenos produtores e

dos movimentos sociais em defesa da reforma agrária. Nessa direção, o Programa Nacional

da Agricultura Familiar (PRONAF) foi ampliado; mantiveram-se os programas de

assistência técnica e extensão rural e o “Garantia-Safra”; e uma política nacional para o

segmento foi criada, possibilitando o surgimento de programas como o de “Aquisição de

Alimentos” e o “Seguro da Agricultura Familiar”. Ademais, foram formulados, em curto

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espaço de tempo, dois planos nacionais de reforma agrária, que mesmo não tendo sido

satisfatoriamente implementados, consubstanciaram um novo modelo de atuação

governamental, pautado na “garantia do acesso à terra, […] na criação de infraestrutura

social, estradas, energia elétrica, acesso a direitos e apoio à produção e à

comercialização” (SILVA, 2006, p. 62).

A implantação do “modelo de desenvolvimento alternativo, que tem o social por

eixo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 2) exigiu uma nova postura

governamental à frente da educação brasileira. O governo anterior, seguindo à risca a

determinação dos organismos multilaterais, implementou uma ampla reforma educacional

consubstanciada pelas teses neoliberais. Em razão disso, os esforços foram centrados na

universalização do Ensino Fundamental, enquanto os outros níveis de ensino e modalidades

educacionais tiveram seus problemas agravados. Desse modo, o cenário encontrado pelo

governo Lula era, no mínimo, desafiador. Afinal, não eram poucas as adversidades:

escassez de recursos; a restrita participação social tanto na formulação quanto na

implementação das políticas públicas para o setor; um processo de descentralização em

pleno vigor, que não garantiu a democratização da educação;a persistência dos altos índices

de analfabetismo, sobretudo entre as famílias pobres; a embrionária estruturação da

Educação Infantil; a expansão quantitativa, sem garantia de qualidade do Ensino

Fundamental; a desestruturação do Ensino Médio e sua desarticulação com a Educação

Profissional; a privatização do Ensino Superior; a marginalização tanto da Educação

Especial quanto da Educação de Jovens e Adultos na agenda governamental; e o

funcionamento de mecanismos de avaliação do sistema, pautados em valores de mercado.

Era preciso, portanto, combater esses problemas e promover uma nova concepção

de educação, que — segundo o plano de governo apresentado no período eleitoral —

deveria ser: “gratuita, unitária, laica e efetivar-se na esfera pública como dever do Estado

democrático. Além de ser determinante para uma formação integral humanística e

científica de sujeitos autônomos, críticos e criativos” de modo a tornar-se decisiva para

“romper com a condição de subalternidade da maioria do povo” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES — UMA ESCOLA PARA TODOS, 2002b, p. 3).

O PT possuía uma ligação orgânica com o setor educacional, pois incorporara,

desde a sua fundação, a defesa da educação pública como um princípio. Em decorrência

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dessa posição, atraíra educadores, trabalhadores da educação e intelectuais como Paulo

Freire, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda e Marilena

Chauí, em meio a tantos outros, para os seus quadros, além de fortalecer os vínculos com os

movimentos sociais e entidades representativas do setor, presentes nos sindicatos das

diferentes categorias, no Fórum Nacional de Defesa da Educação Pública e nos Congressos

Nacionais de Educação (Cf. LEHER, 2010). Isso fez com que o partido chegasse às

eleições de 2002 com uma ampla plataforma para a educação, sintetizada no programa Uma

Escola Para Todos.

Nesse documento havia o comprometimento do então candidato Lula e sua equipe

não só com a revisão da reforma educacional em curso, mas também com a implantação de

uma série de medidas para os diferentes níveis de ensino e modalidades. Dentre as

propostas, destacavam-se, entre outras: a universalização da educação básica,

compreendida da Educação Infantil até o Ensino Médio; a criação do Fundo de Manutenção

e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

(FUNDEB) em substituição ao FUNDEF; a erradicação do analfabetismo; a reformulação

dos mecanismos de avaliação; a ideia de “Escola Ideal”, baseada nos princípios da

equidade, da gestão democrática e participativa, na valorização dos profissionais da

educação, na avaliação contínua e formativa do alunado e na correção das diferentes

distorções que se faziam presentes no interior das escolas de Ensino Fundamental e Médio;

a expansão da Educação Profissional, articulada com os diferentes níveis de ensino; e o

fortalecimento do Ensino Superior público.

Esse conjunto de proposições ia na contramão do que Fernando Henrique Cardoso

havia realizado, provocando, por consequência, “de maneira bastante nítida — e até

entusiasmada — uma expectativa sobre a ação do novo Governo, por parte de setores

majoritários da população brasileira”, visto que tais segmentos “esperavam, com certa

ansiedade o enfrentamento dessas condições de impedimento para a efetivação de um novo

Projeto Nacional (limitações essas, tanto de ordem jurídicas, como financeiras, e também,

legais” (ARELARO, 2007, p. 117).

Em meio a grandes expectativas, assumiu o comando do MEC Cristovam Buarque,

engenheiro, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-governador do Distrito Federal e um

dos pioneiros na implantação de programas de garantia de renda mínima no Brasil.

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Todavia, sua gestão à frente do MEC, além de durar pouco tempo, foi repleta de atitudes

controversas. O então ministro propôs, entre outras coisas, a cobrança de mensalidades na

universidade pública e a criação do Bolsa Creche, um valor mensal destinado às mães “que

concordassem em não trabalhar fora e ficar em casa, cuidando dos filhos pequenos (de

zero a três anos de idade)”,acompanhado de um kit pedagógico, para que pudessem

aprender “a brincar de forma ‘educativa’ com seus filhos” (ARELARO, 2007, p. 119) —

iniciativas que, felizmente, não foram acatadas pelo governo. Além disso, centrou esforços

na criação de programas de impacto, cujos resultados não foram alcançados devido à

escassez de recursos e à falta de articulação política com os outros membros do governo.

Sobre o processo de escolha e a posterior demissão de Cristovam Buarque, afirma Pinto

(2009, p. 325):

Desde a escolha de seu primeiro ministro da Educação ficou evidente que essa pasta não se constituiria em setor estratégico para o governo. Cristovam Buarque não foi escolhido, mas quase se impôs ao presidente, que o indicou a contragosto, demitindo-o na primeira oportunidade e de forma deselegante, por telefone, quando o ministro encontrava-se em viagem ao exterior. De um partido como o PT, que trazia uma longa e profícua história de experiências bem-sucedidas em educação, que possuía uma discussão acumulada sobre o tema na sua CAED (Comissão de Educação), com ativa participação nos embates envolvendo a elaboração e a aprovação do Plano Nacional de Educação, a escolha de Cristovam Buarque, que nunca possuíra uma vinculação orgânica com esse processo, ou mesmo com o partido, como se revelou posteriormente com sua saída do mesmo, indicava claramente um retrocesso.

Cristovam foi substituído por Tarso Genro, importante quadro político do PT, mas

também sem vinculação com a educação. No entanto, a presença de Tarso à frente do

ministério deu outra dinâmica ao enfrentamento dos problemas educacionais. Politicamente

hábil, o novo ministro “teve menos problemas de execução orçamentária e pôde desenhar e

implementar políticas de médio e longo prazo” (PINTO, 2009, p. 326), direcionando sua

atuação para o Ensino Superior, ao criar as bases do Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), substituir o “Provão”

pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), apresentar a

proposta de implantação do sistema de cotas para o ingresso nas universidades públicas,

numa evidente demonstração de apoio às ações afirmativas, e lançar o Programa

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Universidade para Todos (ProUni) (Cf. ARELARO, 2007). Mesmo contando com o apoio

dos demais setores do governo, Tarso Genro também ficou pouco tempo à frente do MEC,

saindo em 2005 para ocupar a presidência do PT. Em seu lugar, assumiu Fernando Haddad,

ex-secretário executivo do ministério, cuja gestão se estenderia durante todo o restante do

período Lula.

Além das trocas de comando no MEC, outros dois grandes problemas afetaram a

atuação do governo no campo educacional: a escassez de recursos e a estratégia de

focalização dos gastos. Acreditava-se que o governo Lula reverteria o quadro ao cumprir,

de imediato, duas de suas maiores promessas: a suspensão dos vetos de Fernando Henrique

Cardoso ao projeto do Plano Nacional de Educação aprovado pelo Poder Legislativo,

sobretudo o que se referia à aplicação dos 7% do PIB em educação, e a criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) em substituição ao

FUNDEF.

Entretanto, a exigência de produção de superávits primários como parte dos

compromissos firmados pelo Brasil com os organismos multilaterais de financiamento fez

com que o governo mantivesse a Desvinculação de Recursos da União (DRU),

permanecendo, portanto, uma política de restrição dos gastos sociais. Em razão disso, os

vetos foram mantidos pelo presidente até o final do segundo mandato, comprometendo a

execução do PNE. O FUNDEB, por sua vez, só veio a ser criado, após longas discussões,

no final do primeiro mandato de Lula, através da Emenda Constitucional n. 53 de 2006, e

regulamentado no ano seguinte, em 2007, pelo Decreto n. 6.253. Isso fez com que o MEC

mantivesse, durante o primeiro mandato, a política de focalização do Ensino Fundamental

devido não só à manutenção do FUNDEF como também à alteração da legislação do

salário-educação (Lei n. 10.832 de 2003), cujas disposições determinaram que “dois terços

dos recursos do salário-educação (quota estadual e municipal) passaram a ser destinados,

exclusivamente, para o ensino público fundamental, ficando em aberto o destino da quota

federal, no que diz respeito aos setores público e privado” (CUNHA, 2007, p. 815).

O FUNDEB preservou boa parte da estrutura do FUNDEF — a lógica

redistributiva; a provisoriedade; a natureza contábil; a formação a partir dos recursos

provenientes de impostos e das transferências realizadas pelos estados, pelo Distrito Federal

e pelos municípios; a complementação da União caso o valor por aluno não alcance o

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mínimo estabelecido nacionalmente; o controle social; “a aplicação de diferentes

ponderações para etapas e modalidades de ensino e tipos de estabelecimento” (SENA,

2008, p. 322), entre outras coisas —, o que fez com que trouxesse poucos recursos novos

para a educação,81 apostando na aplicação de um “percentual fixo e inflexível dos impostos,

que é tido pelas autoridades como limite máximo, e não mínimo dos impostos” (DAVIES,

2006, p. 755), podendo ser direcionado, inclusive, para a iniciativa privada (casos

específicos da Educação Infantil e da Educação Especial).

Todavia, não se pode negar que o FUNDEB significou uma evolução na dinâmica

de financiamento da educação brasileira, pois alterou a estratégia de focalização

implementada pelo fundo anterior, ao incorporar toda a educação básica. Isso fez com que

os níveis de ensino e modalidades educacionais ignorados pela atuação do governo

Fernando Henrique Cardoso viessem a ter maior espaço na agenda durante o período Lula,

apesar das restrições orçamentárias. Sobre os impactos do FUNDEB, afirma Saviani (2007,

p. 1.249):

Ou seja: uma boa gestão do fundo permitirá atender a um número maior de alunos, porém em condições não muito menos precárias do que as atuais, isto é, com professores em regime de hora-aula; com classes numerosas; e sendo obrigados a ministrar grande número de aulas semanais para compensar os baixos salários que ainda vigoram nos estados e municípios.

As dificuldades econômicas, contudo, não impediram que o MEC atuasse em todos

os níveis de ensino e modalidades educacionais, ora mantendo algumas das políticas

desenvolvidas pelo antecessor, ora imprimindo seu próprio modelo de gestão. Dessa

maneira, o cenário educacional brasileiro seria gradualmente transformado, devido à

implementação de programas e ações que visavam

ϴϭSegundo Pinto (2009, p. 329), o FUNDEB, apesar de ampliar significativamente o montante repassado pela União, não traria recursos novos: “Em termos de recursos novos da União para a educação básica, e lembrando que até 30% da sua complementação ao FUNDEB pode sair dos 18% da vinculação constitucional, esse adicional representará, a partir de 2009, cerca de 0,12% do PIB, o que é muito pouco. Basta observar que é menos do que a União deveria destinar ao FUNDEF em 2006, nos termos do artigo 6o da lei n. 9.424/1996. Como ressalta o relatório do TCU referente a 2006 (TCU, 2007, p. 139), ‘caso fossem cumpridas as determinações do mencionado Acórdão TCU no 1252/2005-Plenário, o valor da complementação da União ao FUNDEF em 2006 superaria os R$ 5 bilhões’”.

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à democratização do acesso à educação, à construção de uma escola que aceite e acolha as diferenças e à ampliação do ensino que prepara o jovem para o mundo do trabalho, garantindo uma educação de qualidade em todos os níveis. (SILVA, 2006, p. 97)

De início, o governo empreendeu uma pequena reforma na estrutura organizacional

do MEC ao editar o Decreto n. 4.891 de 22 de julho de 2003. Foi alterada a denominação

da então Secretaria de Educação Fundamental (SEF) para Secretaria de Educação Infantil e

Fundamental (SEIF), o que, segundo Silva (2011, p. 127), fornecia “um importante indício

de que a Educação Infantil, como etapa da Educação Básica, nos termos da Lei de

Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, começava a assumir maior centralidade nas políticas

nacionais de educação”. Criou-se no interior da Secretaria de Educação Superior (SESU) o

Departamento de Supervisão do Ensino Superior, numa evidência de que, ao contrário do

antecessor, o novo governo se disporia a intervir mais diretamente no processo de expansão

do Ensino Superior, até então caracterizado pela expansão da iniciativa privada, sem

maiores mecanismos de fiscalização e regulação. Por fim, foram criadas a Secretaria de

Inclusão Educacional (SECRIE) — “à qual foi atribuída a responsabilidade pelo

Programa Bolsa-Escola” e “que, entre outras ações, procurou cadastrar o conjunto de

crianças que em 2003 estavam fora da escola no país” (MOEHLECKE, 2009, p. 467) — e

a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo (SEEA), cujas atribuições

faziam crer que o analfabetismo “viria a receber um tratamento específico, com políticas e

programas diretamente voltados para a sua erradicação, como aliás fora anunciado

durante o período eleitoral” (IDEM, IBIDEM).

Essa estrutura perdurou pouco tempo, pois aproximadamente um ano depois, em 28

de julho de 2004, foi editado um novo Decreto (n. 5.159), que daria continuidade à reforma

administrativa do MEC. A partir dele, a Secretaria de Educação Básica (SEB) foi criada em

substituição à SEIF, responsabilizando-se pela condução das políticas para a Educação

Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio; a Secretaria de Educação Média e

Profissional (SEMTEC) foi transformada em Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC); um novo departamento — de Residência e Projetos Especiais na

Saúde — foi instaurado no interior da SESU com o objetivo de assegurar que os hospitais

universitários e hospitais-escola “tivessem tratamento específico no âmbito das políticas de

educação superior e sua articulação com as políticas de saúde pública coordenadas pelo

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Governo Federal” (SILVA, 2011, p. 128); e, finalmente, “resultante da fusão da SEEA à

Secrie e da incorporação de programas antes localizados em outras secretarias do

Ministério” (MOEHLECKE, 2009, p. 467), foi criada a Secretaria de Alfabetização,

Educação Continuada e Diversidade (SECAD) com a atribuição de formular políticas para

a Educação de Jovens Adultos, a Educação Indígena, a Educação no Campo, a Educação

Ambiental, a Educação em Direitos Humanos, e articular ações de combate à discriminação

sexual e racial.

Revelava-se, assim, o comprometimento da administração petista com a construção

de um sistema educacional aberto à diferença.

Estabelecida a reorganização do ministério, o governo passou a atuar mais

diretamente nos diferentes níveis de ensino e modalidades educacionais. A Educação

Infantil, após algumas iniciativas de reestruturação propostas pelo governo Fernando

Henrique Cardoso, foi um dos setores que mais sofreu interferência das ações

governamentais durante o primeiro mandato do presidente Lula.

Inicialmente, o MEC incorporou a modalidade da Educação Infantil ao Programa

Nacional de Alimentação Escolar e ampliou a assistência financeira aos municípios,

visando atender às necessidades decorrentes do processo de expansão da oferta de vagas em

creches e pré-escolas. Posteriormente, o governo se empenhou na formulação da Política

Nacional de Educação Infantil, com o propósito de “integrar efetivamente, até o final de

2007, todas as instituições de Educação Infantil (públicas e privadas) aos respectivos

sistemas de ensino” (SILVA, 2006, p. 21), oficializando, portanto, a sua exclusão do

âmbito da assistência social. Além disso, essa política estabeleceu novas fontes de

financiamento (inicialmente, os 10% dos recursos não vinculados ao FUNDEF para a

manutenção e o desenvolvimento do ensino, mecanismo que seria alterado com a futura

incorporação da Educação Infantil ao FUNDEB); padrões de qualidade e de infraestrutura

física, que seriam aprofundados no documento “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a

Educação Infantil” (BRASIL, 2006b); a formação mínima (curso Normal) e a necessidade

de criação de planos de carreira e valorização para os profissionais do setor; a

indissociabilidade entre o cuidado e a educação; e o apoio ao desenvolvimento de políticas

municipais, entre outras diretrizes (Cf. BRASIL, 2006b).

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Outra iniciativa relevante para a Educação Infantil foi a criação do Proinfantil

(Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil),

também no ano de 2005, cujo objetivo era a oferta de um curso em nível médio, à distância,

na modalidade Normal, tal qual preconizava a Política Nacional de Educação Infantil,

destinado aos professores em exercício, tanto de instituições públicas como de instituições

privadas sem fins lucrativos (Cf. BRASIL, 2006c). Embora urgisse a necessidade de uma

pronta solução para o problema da formação dos profissionais da área, “pois havia no

Brasil naquele ano 4.918 funções docentes contando apenas com Ensino Fundamental em

creches, e 6.343 com essa formação, em pré-escola” (CORRÊA, 2011, p. 26), a alternativa

encontrada não fugiu ao que fora proposto pelo governo antecessor: cursos à distância, de

baixo custo e alta ostensividade, cuja qualidade era questionável, principalmente se levado

em consideração “o uso dos recursos em educação à distância para docentes que têm

apenas o Ensino Fundamental e, em alguns rincões deste país, provavelmente nunca

tiveram contato com recursos tecnológicos como os que são utilizados nesse tipo de

formação” (IDEM, IBIDEM).

A Educação Infantil avançou institucionalmente durante o primeiro governo Lula, o

que foi imprescindível para a ruptura com o modelo assistencialista que perdurara até então.

Completada a sua transferência para o âmbito educacional, esperava-se que as conquistas

expressas na legislação e nos documentos governamentais se consolidassem com

investimentos substanciais. No entanto, mesmo a modalidade tendo sido incorporada ao

FUNDEB posteriormente, não foram corrigidas as distorções de financiamento, pois os

recursos a ela destinados ainda não expressam “as necessidades específicas do trabalho

com crianças na faixa de 0 a 6 anos” (CORRÊA, 2011, p. 27) e os municípios quase

sempre se encontram sem condições de prover novos investimentos. Ademais, Corrêa

(2011, p. 27) alerta para ineficiência dos mecanismos de fiscalização, que “praticamente

não funciona[m]”, pois os sistemas municipais de educação, “a quem caberia a fiscalização

de todas as instituições de educação infantil, públicas e privadas, mal conseguem

acompanhar as escolas de sua própria rede, faltando-lhes recursos para estrutura física e

contratação de pessoal para supervisão”, enquanto os sistemas estaduais, “que deveriam

atuar onde não há sistemas próprios (municipais), também não têm demonstrado

capacidade de ação”. Assim, devido à insuficiência dos serviços públicos, permaneceu

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aberto o espaço para a iniciativa privada ampliar a oferta de seus serviços, destinando-os às

crianças de famílias financeiramente abastadas ou celebrando convênios com o Poder

Público — prática recorrente nas décadas anteriores — para contemplar as crianças de

famílias pobres.

A despeito das sinalizações do governo em fortalecer (ao menos institucionalmente)

a Educação Infantil, a modalidade sofreu um duro golpe: a ampliação do tempo de duração

do Ensino Fundamental para 9 anos, fato que precipitou a inserção da criança nesse nível de

ensino. Esse novo modelo objetivava “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no

período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema

de ensino, as crianças [prosseguissem] nos estudos, alcançando maior nível de

escolaridade” (BRASIL, 2001c), fato que despertou a simpatia de alguns pesquisadores e

militantes do campo educacional, pois implicaria a ampliação da escolaridade obrigatória e,

automaticamente, configuraria novas oportunidades educacionais às camadas mais pobres

da população (Cf. CORRÊA, 2011b).

Todavia, havia uma grande mobilização dos movimentos de mulheres e dos fóruns

de Educação Infantil na “direção da ampliação da escola de Educação Infantil para

todos”, não fazendo “parte da pauta e nem da agenda de reivindicação daqueles que lutam

pela criança pequena” (ABRAMOWICZ, 2006, p. 318) a ampliação do Ensino

Fundamental. Essa mudança se tratava, portanto, de uma iniciativa no mínimo polêmica,

cujos impactos seriam evidentes tanto no tocante ao desenvolvimento das crianças quanto

aos sistemas educacionais.

Não restam dúvidas que o tempo da infância, deveras prejudicado com o avanço do

sistema capitalista, seria abreviado ainda mais, justamente numa etapa que exige o

exercício da liberdade, pois envolve o reconhecimento da individualidade e da diferença; a

construção da autonomia e do relacionamento com o coletivo; a experimentação; o

desenvolvimento da criatividade; o brincar; a produção de cultura e de história, entre outras

tantas coisas. Nesse sentido, a rigidez da estrutura escolar de Ensino Fundamental seria

prejudicial, ainda mais alicerçada pela produção de um conhecimento “acadêmico”, de

mecanismos de avaliação cada vez mais exigentes e de uma noção de tempo cada vez mais

próxima do mundo do trabalho. Sobre isso, afirma Abramowicz (2006, p. 321):

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A infância como experiência é aquela que propicia devires, um vir-a-ser que nada tem a ver com um futuro, com um amanhã, ou com uma cronologia temporalmente marcada, mas sim, com aquilo que somos capazes de inventar, agora, como experimentação de outras coisas e outros mundos. A infância em suas experimentações tem a ver com criação, trabalha com o tempo de outra maneira, com um tempo mais estendido, generoso, um tempo do acontecer e da criação; não se submete ao tempo que o poder e o capital impõem ao funcionamento da vida, pois é disto que se trata: o capital gerencia a vida e utiliza estratégias de poder para submeter a todos no interior de uma lógica na qual estamos inseridos e que aboliu as fronteiras, por exemplo, entre lazer e trabalho (trabalhamos todo o tempo).

Nesse cenário, tendo o governo reconhecido que “as instituições de educação

infantil não ofertam vagas suficientes para atender a estas crianças”, a melhor opção seria

a de oferecer “estímulo técnico-financeiro para que os municípios assumissem sua

responsabilidade constitucional” (ARELARO et al., 2011, p. 39). No entanto, a decisão

governamental fora diferente, devido ao menos a quatro fatores: 1 — a expansão da

Educação Infantil custaria ainda mais caro aos cofres estatais do que a manutenção da

política de investimentos focalizados no Ensino Fundamental, tal qual preconizavam os

órgãos multilaterais de financiamento; 2 — a necessidade de adequação ao “movimento

mundial” pró-Ensino Fundamental de 9 anos, pois “mesmo na América do Sul, são vários

os países que o adotam” (SILVA, 2004, p. 14); 3 — as disposições de legislações

anteriores (a LDB e o PNE afirmavam a necessidade de ampliar não só o tempo de duração

do Ensino Fundamental mas também o da escolarização obrigatória); e 4 — o fato de que,

em decorrência da municipalização desse nível de ensino e do advento do FUNDEF, muitos

municípios incorporaram, antes mesmo da oficialização da medida de ampliação, crianças

de 6 anos de idade à rede escolar de nível fundamental, beneficiando-se das diretrizes do

fundo, pois recebiam maiores repasses de recursos à medida que aumentavam o número de

crianças atendidas (Cf. ABRAMOWICZ, 2006).

A mudança acabou ocorrendo sem que os diferentes segmentos da comunidade

educacional participassem dos debates sobre a implementação (Cf. ARELARO et al, 2011;

ABRAMOWICZ, 2006; GORNI, 2007; CORRÊA, 2011b). Embora o prazo para a

adequação dos municípios ao novo modelo de organização escolar fosse razoável — até o

ano de 2010 —, o que se viu no processo de implementação foi uma sucessão de

problemas: total desarticulação entre Ensino Fundamental e Educação Infantil; estruturas

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físicas das escolas não foram adaptadas para receber o novo público; currículos, modelos de

avaliação e práticas pedagógicas custaram a ser modificados; desrespeito às necessidades e

às diferenças das crianças; ocorrência, cada vez mais cedo, do fracasso escolar.

Em função desses fatores, o Ensino Fundamental de 9 anos não representou uma

renovação pedagógica ou mesmo o aumento da qualidade da educação. Ao contrário,

significou o esvaziamento da Educação Infantil e uma “uma desconsideração às

necessidades, especificidades e singularidades com as quais cada criança se relaciona com

o mundo e se apropria da cultura socialmente produzida” (ARELARO et al., 2011, p. 48),

pois abreviou a infância e ignorou suas múltiplas potencialidades.

A atuação do MEC, durante o primeiro mandato de Lula, no tocante ao Ensino

Fundamental não se restringiu à sua ampliação para 9 anos, apesar de ter sido essa, sem

dúvida, uma das principais iniciativas. Mesmo não promovendo a revisão dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, alvos de críticas entre boa parte da comunidade educacional, nem

sequer tê-los cumprido “o artigo da lei do FUNDEF (n. 9.424), que estabelece o critério de

cálculo do valor mínimo nacional, que serviria de base para o cálculo da complementação

federal” (DAVIES, 2006, p. 757) — o que fez com que a complementação devida pelo

governo federal alcançasse, só no primeiro mandato de Lula, a quantia de 20 bilhões de

reais — e ter mantido programas de aceleração da aprendizagem, o governo direcionou

seus esforços para proporcionar a inclusão daqueles alunos que ainda se encontravam fora

da escola e combater o analfabetismo.

Nesse sentido, o Bolsa Família teve importante papel ao assegurar recursos às

famílias que se comprometessem a enviar suas crianças às escolas, tal qual ocorria, em

proporções menores, com o Bolsa Escola Federal. Além dele, programas como o “Dinheiro

Direto na Escola”, “Alimentação Escolar” e “Biblioteca da Escola” não só foram mantidos

como ampliados, e outros surgiriam, ainda durante a gestão Cristovam Buarque à frente do

MEC, voltados ao combate de problemas estruturais desse nível de ensino.

Um desses outros programas, intitulado “Toda Criança Aprendendo”, era um dos

mais abrangentes, pois visava, entre outras coisas, lançar uma rede de formação continuada

do professorado articulado a um sistema de avaliação da competência — os profissionais

receberiam bolsas, mediante o desempenho nos exames, para participarem dos programas

de formação. Afora isso, propunha-se a criação de um piso salarial nacional para os

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professores, apoio aos programas de aceleração da aprendizagem, de letramento e à

implantação de sistemas estaduais de avaliação da educação, e uma iniciativa no mínimo

interessante: a criação da Rede Nacional de Pesquisa, que fortaleceria a articulação da

Universidade com a rede pública de educação básica.

Outro, “Escola Ideal”, previa, por sua vez, o repasse direto de recursos aos

municípios de pequeno porte, objetivando a reforma de colégios, compra de equipamentos,

capacitação de profissionais, melhoria da merenda escolar, etc., desde que esses se

dispusessem a participar de projetos de erradicação do analfabetismo, ampliação do número

de matrículas das crianças e implementassem políticas de reajuste salarial aos docentes.

Já o “Escola de Todos” encaixou-se na diretriz de ampliação da oferta de Ensino

Fundamental, pois tinha como foco o público que ainda estava fora da escola.

Recomendava, assim, às prefeituras municipais a realização de diagnósticos, cadastramento

de alunos e ações de inclusão social como, por exemplo, o cadastramento das famílias no

Bolsa Família e o combate ao trabalho infantil.

Finalmente, o programa Escola Aberta tinha como intento promover a abertura das

escolas aos finais de semana para a comunidade para a realização de diferentes tipos de

evento.

No entanto, todos esses programas acabaram sucumbindo devido à falta de recursos,

a problemas de formulação e, em alguns casos, à própria resistência da comunidade

educacional. Sobre isso, afirma Pinto (2009, p. 325):

Cristovam não conseguiu sequer executar integralmente o orçamento de sua pasta, quanto mais obter os recursos adicionais que incitava os estudantes a cobrar, em passeata, do presidente de cujo governo ele era ministro. Sua curta gestão foi marcada pela criação de programas de nomes pomposos, mas que careciam de clareza de formulação (Escola Básica Ideal, Brasil Escolarizado, Escola Moderna, Universidade do Século XXI, etc.). etc.). Até a criação de um programa de confecção e distribuição de uniformes escolares para todo o país se cogitou, solicitando ao INEP estudos que aferissem o tamanho de crianças e jovens das diferentes regiões do Brasil.

Após a demissão de Cristovam Buarque, um novo programa foi concebido: o de

Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE). Com o objetivo de garantir o acesso e a

permanência do alunado de Ensino Fundamental da área rural, o MEC se disponibilizou a

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oferecer assistência financeira suplementar aos estados e municípios para o custeio de

despesas com o transporte desses alunos às escolas. Os entes federados logo aderiram à

iniciativa, devido, sobretudo, à pouca burocracia — não havia, por exemplo, a necessidade

de celebração de convênios —, o que fez com que a implementação do PNATE fosse bem-

sucedida e o programa, diferentemente dos anteriores, tivesse vida longa na estrutura

governamental.

O MEC também se empenhou em dar continuidade à política de avaliação da

educação proposta pelo governo anterior, embora houvesse “oposição de acadêmicos da

área de educação ligados ao PT às propostas de avaliação em larga escala” (FRANCO et

AL., 2007, p. 1.001). Em razão disso, no ano de 2005 surgiram dois novos mecanismos

como parte do processo de reformulação do Sistema de Avaliação da Educação Básica

(SAEB): a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como “Prova Brasil”. O primeiro, de

caráter amostral, destina-se aos alunos das redes públicas e privadas, tanto em áreas

urbanas como rurais, matriculados no 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e no 3º ano do

Ensino Médio, com o objetivo de aferir a qualidade da educação brasileira. Já o segundo

possui caráter censitário e intenta avaliar o desempenho de alunos do 5º ao 9º ano do

Ensino Fundamental das redes públicas municipais, estaduais e federal em língua

portuguesa e matemática. Em ambas as avaliações não houve mudanças naquilo que havia

de mais grave: a indução de um conceito de qualidade consoante à lógica mercadológica,

que não só manteve as práticas de responsabilização das instituições de ensino, como

também recrudesceu a competição entre elas. Tratava-se, portanto, da continuidade de um

dos pilares da política neoliberal. Sobre isso, afirma Freitas (2007, pp. 968-969):

A Prova Brasil e os usos previstos para ela (acesso à avaliação de cada escola via internet, por exemplo), como forma de responsabilização, poderiam fazer parte de qualquer programa liberal (do Partido Democrata brasileiro até o Partido Republicano de Bush, para não falar da dobradinha Thatcher/Blair). Trabalham dentro da perspectiva de que “responsabilizar a escola”, expondo à sociedade seus resultados, irá melhorar a qualidade do ensino. A ideia completa dos republicanos de Bush (iniciada com Reagan) ou dos conservadores de Thatcher implica, no momento seguinte à divulgação dos resultados por escola, transformar o serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase mercado), deslocando o dinheiro diretamente para os pais, os quais escolhem as melhores escolas

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a partir da divulgação desses resultados, de preferência estando as escolas sobre administração privada.

O governo Lula, embora tenha mantido a política de focalização no Ensino

Fundamental durante o primeiro mandato, diferentemente dos antecessores, concedeu

maior espaço na agenda governamental ao combate ao analfabetismo, ao fortalecimento da

Educação de Jovens e Adultos e à expansão da Educação Profissional, como meio de

efetivar os direitos estabelecidos pela Constituição de 1988 e alterar um cenário de

exclusão evidente: “[…] 65 milhões de jovens e adultos, com mais 15 anos de idade, sem o

Ensino Fundamental completo. Desses 65 milhões, 33 milhões [eram] analfabetos

funcionais que sequer completaram a 4ª série, e 14,6 milhões [eram] analfabetos absolutos

(PNAD, 2003)” (HENRIQUES e IRELAND, 2006, pp. 349-350), sendo que, somente entre

os jovens, na faixa etária de 15 a 24 anos, “19 milhões não [haviam completado] o Ensino

Fundamental e quase três milhões [eram] analfabetos absolutos” (IDEM, IBIDEM).

Nesse contexto, foi criado, ainda em 2003, o Brasil Alfabetizado, com o objetivo de

erradicar o analfabetismo no Brasil. Para tanto, o MEC se propunha a transferir recursos

tanto para os entes federados quanto para a iniciativa privada, cabendo a esses a

incumbência de realizar as ações de capacitação de alfabetizadores e de alfabetização de

indivíduos com idade superior a de 15 anos. Os cursos realizados seriam, no entanto,

marcados pela precariedade: condução por profissionais sem formação mínima, recebendo

parcas remunerações; duração estimada entre 240 e 320 horas; e ausência de destinação de

recursos para a elaboração de materiais didáticos, alimentação ou oferta de apoio

pedagógico (Cf. RUMMERT &VENTURA, 2007). Desse modo, a iniciativa pouco se

diferenciou daquilo que anteriormente já fora implementado pelos outros governos, pois

prevaleceu não só a oferta de cursos aligeirados, como também a desarticulação da

alfabetização com o aumento da escolaridade, indo na contramão das diretrizes

governamentais, assim expressas por Henriques & Ireland (2006, p. 350):

Nesse contexto, a alfabetização expressa a prioridade política definida pelo presidente Lula, desde o início do governo. Alfabetização como portal de entrada à condição cidadã, que promove o acesso à educação como um direito de todos em qualquer momento da vida. Para a população jovem e adulta que não teve acesso à escola, não se pretende reservar apenas uma etapa abreviada de alfabetização. A alfabetização

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passa a ser diretamente articulada com o aumento da escolarização de jovens e adultos.

Além desses investimentos no combate ao analfabetismo, o governo Lula também

rearticulou a educação básica à educação profissional, pondo fim à dicotomização

promovida nos anos FHC, ao elaborar o Decreto n. 5.154 de 23 de julho de 2004 (Cf.

BRASIL, 2004b). Em função da rearticulação, deu-se prosseguimento a uma agenda

inclusiva, com a manutenção do PRONERA, do “Escola Ativa” — que chegou a ser

ampliado — e do ENCCEJA, a implantação do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e a

criação de programas como o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para

Atendimento à Educação de Jovens e Adultos — “Fazendo Escola”; o Programa Nacional

de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade da

Educação de Jovens e Adultos (PROEJA); o Programa Nacional de Inclusão de Jovens

(ProJovem); o “Saberes da Terra”; o “Educando para a Liberdade”; e o “Escola de

Fábrica”, todos eles destinados a jovens e adultos.

O Plano Nacional de Qualificação (PNQ) evidenciava a preocupação do governo

com o estabelecimento de novas bases para a atuação no campo da qualificação dos

trabalhadores, sobretudo aqueles “mais vulneráveis econômica e socialmente,

particularmente os/as trabalhadores/as com baixa renda e baixa escolaridade e

populações mais sujeitas às diversas formas de discriminação social” (BRASIL, 2003b, p.

34), que, excluídos, inviabilizavam o projeto desenvolvimentista recém-iniciado. Desse

modo, chegou-se à conclusão que era preciso substituir o fracassado PLANFOR,

responsável por consumir alto volume de recursos públicos em cursos de qualidade

questionável, por um novo plano, o PNQ, implementado durante todo o primeiro mandato.

Essa iniciativa atendia ao propósito de integrar as políticas educacionais e

desenvolvimentistas com as políticas de integração profissional, com vistas a atingir quatro

dos maiores objetivos governamentais: 1) promoção da inclusão social; 2) elevação da

escolaridade; 3) aumento da empregabilidade e da permanência dos indivíduos no mercado

de trabalho; e 4) crescimento da produtividade.

Isto posto, surgiu uma nova concepção de qualificação, voltada tanto à dimensão

social quanto à dimensão profissional, entendida “como aquela que permite a inserção e

atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das

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pessoas” (BRASIL, 2003b, p. 24), que consubstanciaria a formulação de programas da EJA

e da Educação Profissional.

No âmbito da EJA surgiu, em substituição ao antigo programa Recomeço, o

Programa Fazendo Escola, de caráter transitório, também voltado ao combate ao

analfabetismo e à baixa escolaridade nas regiões mais pobres do país. Suas atribuições

sinalizavam para uma ampla reestruturação da EJA, visto que, através da transferência de

recursos para os entes federados, objetivava-se, entre outras coisas, a contratação de

docentes, o aumento das remunerações, o investimento em formação continuada e o

aperfeiçoamento das condições de permanência dos alunos no sistema. Contudo, o

programa logo sofreu modificações: primeiro, passou a incorporar os municípios que

faziam parte do Brasil Alfabetizado, e depois, todos os municípios que possuíssem alunos

da EJA receberiam repasses (Cf. RUMMERT & VENTURA, 2007). Mesmo alterando suas

estratégias, não alcançou os resultados esperados, devido, sobretudo, à escassez

orçamentária e à descontinuidade das ações do governo federal.

Possivelmente, a maior ação do primeiro governo Lula no tocante à EJA foi a

criação do PROEJA, programa que possibilitou maior integração dessa modalidade

educacional à Educação Profissional, mediante a oferta de cursos de nível fundamental e

médio, integrados a um currículo profissionalizante, a jovens e adultos. Inicialmente, sua

implementação se daria no âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica e nas

Escolas Técnicas e Agrotécnicas Federais (algumas dessas vinculadas às universidades),

mas, posteriormente, com a elaboração do Decreto n. 5.840 de 13 de julho de 2006, estados

e municípios poderiam implementá-lo, assim como o Sistema “S”, “evidenciando a forte

capacidade de intervenção do Capital nas propostas de educação da classe trabalhadora

apresentadas pelo Governo Federal” (RUMMERT, 2007, p. 44).

O PROEJA, diferentemente de outros programas, tinha como princípio a formação

integral de seu público-alvo, o que concedia certo pioneirismo à iniciativa. Porém, o

mesmos problemas que historicamente afetaram a EJA também se fizeram presentes: falta

de recursos, dificuldades na celebração de convênios, resistência de algumas instituições,

reconhecidas pela qualidade na prestação de serviços educacionais, em atrair esse público

(Cf. CARVALHO, 2011), e, principalmente, incoerências na estrutura curricular e na

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distribuição das cargas horárias. Sobre esse último aspecto, afirmam Frigotto, Ciavatta &

Ramos (2005, pp. 1.098-1.099):

Discutimos que um currículo integrado tem o trabalho como princípio educativo no sentido de que este permite, concretamente, a compreensão do significado econômico, social, histórico, político e cultural das Ciências e das Artes e da Tecnologia (Ramos, 2005, p. 108). Um currículo assim concebido baseia-se numa epistemologia que considere a unidade de conhecimentos gerais e conhecimentos específicos e numa metodologia que permita a identificação das especificidades desses conhecimentos quanto à sua historicidade, finalidades e potencialidades. Baseia-se, ainda, numa pedagogia que visa à construção conjunta de conhecimentos gerais e específicos, no sentido de que os primeiros fundamentam os segundos e estes evidenciam o caráter produtivo concreto dos primeiros (idem, ibid., 109). Nessa perspectiva, não procede delimitar o quanto se destina à formação geral e à específica, posto que, na formação em que o trabalho é princípio educativo, estas são indissociáveis e, portanto, não podem ser predeterminadas e recortadas quantitativamente.

O ProJovem, por sua vez, era voltado ao atendimento às demandas das capitais e

grandes cidades pela inclusão de jovens, entre 18 e 24 anos, que não tivessem concluído a

segunda etapa do Ensino Fundamental. Para tanto, ofertava não só a conclusão desse nível

de ensino como qualificação profissional, como também inclusão digital e o

desenvolvimento de ações comunitárias em um período de 12 meses, imaginando-se, com

isso, promover a reintegração do indivíduo ao sistema educacional, visto que, terminado o

curso, ele poderia cursar o Ensino Médio.

No entanto, o programa possuía graves problemas em sua concepção: a destinação a

jovens considerados “vulneráveis”, devido não só à pobreza como a proximidade com o

crime organizado, de capitais e regiões metropolitanas, o que marca a concepção, originada

nas camadas mais ricas da sociedade, de que “os jovens oriundos da classe trabalhadora

são potenciais delinquentes, constituindo, portanto, grave ameaça à ordem social”

(RUMMERT, 2007, p. 42). O programa também pecou em sua implementação:escasso

período para a conclusão do Ensino Fundamental; estrutura precária das escolas, que não

possuíam sequer bibliotecas ou laboratórios de informática; desenvolvimento de ações

comunitárias pontuais como atividades de pintura e recreação, por exemplo; oferta de

bolsas de pequeno valor para assegurar a permanência dos alunos, entre outros

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(CARVALHO, 2011), que impediram o maior alcance da população ao programa. Sobre o

ProJovem, afirma Carvalho (2011, p. 142):

Em suma, o ProJovem se reveste de um forte caráter assistencialista, além de ostentar a mesma lógica de curso focado, precário, aligeirado e com ênfase na certificação, características comuns em políticas educacionais desenvolvidas para o público jovem ou adulto na história do Brasil. Envolvido em uma aparente inovação, sobretudo quando destaca a inserção desses jovens no mundo do conhecimento científico e tecnológico, o ProJovem não possibilita aos seus educandos o acesso e a permanência em cursos consistentes, que contribuam para uma transformação nos seus percursos educacionais e/ou profissionais. A ação comunitária restringe-se a intervenções pontuais, que não corroboram para uma mudança significativa nas localidades em que tais cursos são organizados.

Na mesma linha do programa anterior, surgiu o “Saberes da Terra”, destinado à

inclusão de jovens das comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas e aos assentados da

reforma agrária no sistema educacional. O programa previa a oferta de cursos, com duração

de dois anos, ministrados por professores formados pelos governos estaduais e municipais

que articulassem a estrutura curricular do Ensino Fundamental com os conhecimentos e

práticas da agricultura familiar e da sustentabilidade. No decorrer do curso, os jovens

também recebiam bolsas e desenvolviam atividades tanto em sala de aula quanto na

comunidade. Nesse contexto, a proposta não era inovadora, pois o PRONERA, implantado

no período FHC e também em vigência durante o governo Lula, possuía as mesmas

características, com exceção ao fato de estar vinculado ao INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária). Mesmo assim, ainda que limitado a uma meta inicial de

atendimento de 5.000 jovens, o “Saberes da Terra” foi um importante mecanismo de

inclusão de pessoas historicamente excluídas pelo sistema educacional.

Outro projeto de caráter inclusivo foi criado: o “Educando para a Liberdade”. Fruto

de uma parceria entre o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça com a UNESCO,

o projeto visava a extensão dos serviços educacionais à população prisional, de modo a

promover uma educação que contribuísse “para a restauração da autoestima e para a

reintegração posterior do indivíduo à sociedade, bem como para a finalidade básica da

educação nacional: realização pessoal, exercício da cidadania e preparação para o

trabalho” (UNESCO et AL., 2006, p. 14). Consoante a essa concepção, deveriam ser

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Ϯϰϱ

realizadas “oficinas técnicas, seminários regionais, proposições para a alteração da lei de

execução penal, financiamento de projetos junto aos sistemas estaduais e o próprio

financiamento entre os órgãos de governo responsáveis pela questão no âmbito federal”

(UNESCO et al., 2006, p. 33). Num contexto marcado pela histórica omissão estatal com a

população carcerária, o “Educando para a Liberdade” se tornou um importante avanço na

consolidação do direito de todos à educação. Tanto é que, após uma implantação parcial

durante o quatriênio, foi fortalecido na agenda governamental no segundo mandato com o

lançamento do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI) (Cf.

BOIAGO & NOMA, 2012).

Ainda no âmbito da Educação Profissional, deu-se andamento à expansão da

modalidade com a construção de 42 escolas técnicas e agrotécnicas em todo país. Escolas

técnicas comunitárias foram incorporadas à rede pública e um novo projeto foi criado: o

“Escola de Fábrica”. Financiado com recursos do PROEP e do BID e estruturado nos

moldes de parceria público-privada — era gerido conjuntamente pelo MEC, por ONGs ou

OSCIPs e organizações empresariais —, o projeto propunha-se a ofertar cursos de curta

duração e baixo custo, voltados à formação profissional inicial a jovens entre 16 e 24 anos,

matriculados na educação básica (Ensino Fundamental, médio, educação de jovens e

adultos, Brasil Alfabetizado), cujas famílias tivessem renda per capita de até um salário

mínimo” (Cf. FRIGOTTO et al., 2005), no interior das empresas. Essas, por sua vez,

pautavam a estruturação dos currículos, reafirmando seus interesses, impedindo que se

concedesse maior espaço à articulação entre a qualificação profissional e a formação

cidadã, tal qual o governo federal afirma ser necessário ocorrer. Desse modo, objetivava-se

que 10 mil jovens fizessem anualmente os cursos e fossem certificados, fato que os levaria

a obter melhores condições de empregabilidade, acelerando o processo de inclusão social.

No entanto, o público-alvo permanecia muito aquém da demanda, e o projeto era, como

afirma Rummert (2005, p. 313), um processo de “múltiplas desqualificações”:

A desqualificação do trabalho docente, visto que, na concepção do Projeto,basta um treinamento de dois meses para que qualquer profissional possa “aprender a ensinar”. A desqualificação do próprio conhecimento, a ser transmitido de forma parcelar, fragmentada, utilitária, em relações de aprendizagem estabelecidas com outros trabalhadores também portadores de conhecimentos fragmentados. A desqualificação do próprio jovem que está sendo formado segundo os interesses empresariais,

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objeto de um processo de distribuição diferencial do conhecimento determinado pela origem de classe.

Não se pode negar que as contradições na formulação e as dificuldades na

implementação corroboraram para o insucesso de parte dos programas concebidos durante

o primeiro mandato para os jovens e adultos. Isso foi suficiente para que diferentes setores

da comunidade educacional — que vislumbravam a implantação de um projeto educacional

emancipatório, inclusivo, promotor de uma formação integral nos diferentes níveis de

ensino — viessem a se frustrar com os rumos do governo, pois as ações pareciam

insuficientes para provocar a ruptura com a “difusão dos valores relativos à

competitividade, à empregabilidade e ao empreendedorismo, aos quais está subjacente a

crença na individualização da problemática do desemprego” (RUMMERT & VENTURA,

2007, p. 41) presentes até aquele momento. Entretanto, mesmo repletas de problemas, as

ações governamentais acabaram por guindar tanto a EJA quanto a Educação Profissional a

um novo patamar na agenda, algo incomum na história da educação brasileira e

indispensável ao avanço do processo de inclusão social no país.

O Ensino Médio, pressionado pelo considerável aumento de matrículas, decorrente

do crescimento do número de concluintes do Ensino Fundamental, entre o final dos anos

1990 e o início dos anos 2000, 82 também recebeu atenção do governo Lula no contexto da

rearticulação da educação básica com a educação profissional. Historicamente dual —

“escola secundária para os dirigentes e profissional para preparar os quadros do

trabalho” (NOSELLA, 2011, p. 4) — e desprestigiado pelos diferentes governos, o Ensino

Médio foi objeto de uma reforma, nos anos FHC, que não só oficializou essa dicotomia

como também agravou os problemas enfrentados por esse nível de ensino — vide os

investimentos escassos na recuperação da rede física e na ampliação dos recursos didáticos;

a oferta de cursos fragmentados e aligeirados de capacitação docente em serviço; a

manutenção das péssimas condições de trabalho dos professores, que recebiam baixas

remunerações e viam-se obrigados a trabalhar em jornadas duplas ou triplas para

complementar a renda; a restrita participação da comunidade no cotidiano escolar; e as

estruturas curriculares, que deveriam ser mais flexíveis e incorporar as demandas dos

ϴϮEntre 1996 e 2001, as matrículas no Ensino Médio cresceram 32,1%, “passando de aproximadamente 5,7 milhões para 8,4 milhões” (KUENZER, 2010, p, 859).

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diferentes setores da sociedade, mas se mantiveram inalteradas ou tiveram suas reformas

conduzidas com o auxílio da iniciativa privada, por meio de ONGs (Cf. ZIBAS, 2005).

Para alterar esse quadro, o governo empenhou-se em “garantir um Ensino Médio

unitário, democrático e de qualidade, para um efetivo domínio das bases científicas, por

meio de uma articulação entre governo federal e governos estaduais” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES — UMA ESCOLA DO TAMANHO DO BRASIL, 2002, p. 17), tal

como dispunha o plano apresentado durante a campanha eleitoral, imaginando ser esse o

melhor caminho para ampliar tanto a oferta como a qualidade dos serviços educacionais

voltados ao Ensino Médio.

Nesse sentido, além do já citado Decreto n. 5.154/2004, o MEC iniciou a

rediscussão sobre o currículo do Ensino Médio ao,diferentemente do governo anterior, abrir

diálogo com a comunidade educacional, concedendo espaço para os grupos contrários às

políticas até então implementadas. Em razão disso, ainda no primeiro ano de governo, a

Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC) lançou o Seminário Nacional

“Ensino Médio: Construção Política”, cujas discussões seriam sintetizadas em livro no ano

seguinte, e, logo na sequência, deu-se início à revisão dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) com a participação de diversos especialistas na temática, o que resultou

nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, lançadas em 2006 (Cf.

MOEHLECKE, 2012).

No bojo dessas ações vieram, ainda, iniciativas como a expansão do Programa

Nacional Biblioteca da Escola para esse nível de ensino; a manutenção tanto do PROINFO

quanto do ENEM — “prevalecendo [no decorrer do primeiro mandato] a mesma estrutura

da prova e de apresentação dos resultados” (ZIBAS, 2005, p. 1080) dos tempos de FHC —

; o lançamento do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, responsável

por universalizar, ainda no primeiro quatriênio de governo, a distribuição dos livros

didáticos de matemática e português para o alunado; o apoio emergencial, mediante a

liberação de recursos suplementares para “custeio e investimentos como pagamento de

professores e servidores, compra de móveis e equipamentos para as escolas” (BRASIL,

2005, p. 160) em escolas do Nordeste e do Pará; e, finalmente, o PRODEB (Programa de

Equalização das Oportunidades de Acesso à Educação Básica), que previa o repasse às

escolas estaduais de Ensino Médio de recursos para compra de material pedagógico,

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reforma de prédios, formação docente e pagamento de taxas públicas, como água, luz e

telefone.

Apesar das ações supracitadas e da intenção de promover uma educação integrada, o

governo não conseguiu encaminhar soluções efetivas para os principais problemas do

Ensino Médio no primeiro mandato de Lula. A política permaneceu marcada pela

descontinuidade dos programas e das fontes de financiamento. Os educadores e a

sociedade, de um modo geral, também não incorporaram a “concepção de Ensino Médio

integrado na perspectiva da formação omnilateral e politécnica” (CIAVATTA &

RAMOS, 2012, p. 35), permanecendo diferentes projetos em disputa — “de um lado, a

visão sobre o Ensino Médio profissionalizante como compensatória e, de outro, a defesa de

um Ensino Médio propedêutico, sendo a profissionalização um processo específico e

independente” (IDEM, IBIDEM). Os currículos permaneceram fundamentados pela lógica

das competências, em total conformidade com os valores de mercado, ignorando as

demandas daqueles que ansiavam incorporar novos conteúdos, valorizar a diversidade de

conhecimentos e trazer para o interior da escola a problematização da diferença. E as redes

públicas, por sua vez, aproveitaram-se dos impactos dessa desarticulação e investiram tanto

no modelo pautado na educação geral quanto naquele voltado à promoção de uma educação

integrada, com preferência para o primeiro modelo, pois esse não exigia elevados

investimentos. Por conseguinte, a escola de nível médio permaneceu sem cumprir

efetivamente seu papel formativo, mantendo-se pouco atrativa para alunos e professores, e

distante daquilo que vislumbrava o projeto governamental. O resultado, portanto, não

poderia ser mais frustrante: “um arremedo de educação, que, antes de ser geral e sólida, é

apenas genérica e superficial, com prejuízos irreparáveis para a classe trabalhadora”

(KUENZER, 2010, p. 864).

O MEC, durante o primeiro mandato do presidente Lula, não restringiu sua atuação

à promoção de políticas de caráter redistributivo, que visavam à promoção da inclusão na

perspectiva da classe social, e implementou, também, políticas de reconhecimento,

ajustando-se às “demandas de uma justiça fundada no reconhecimento social”,

encaminhadas pelos movimentos “feministas, étnicos, dos portadores de deficiência, cujo

emblema tem sido a educação para todos com equidade social” (OLIVEIRA, 2011, p. 32).

Desta forma, tanto a elaboração, a partir de 2003, do Plano Nacional de Educação em

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Direitos Humanos, que previa a sistematização de programas e ações educacionais pautadas

no respeito à diversidade, quanto a atuação da SECAD, o órgão criado no interior do MEC

para articular as ações educacionais direcionadas à diversidade e à diferença, tiveram

fundamental importância na mobilização desses movimentos para a construção de um novo

modelo de atuação no campo educacional.

Desse processo culminaram importantes resoluções para a Educação Indígena e a

Educação Quilombola, tais como a Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003, que tornou

obrigatória a inclusão, no currículo escolar, do ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira;83 os programas de formação de professores em áreas remanescentes de quilombo

e os destinados à formação — em nível superior — de docentes indígenas para a educação

básica (Prolind); o Conexões de Saberes;84 o encaminhamento do projeto de Lei n. 3267 de

2004;85 o apoio à criação de cursos pré-vestibulares comunitários para negros e indígenas e

a reserva de bolsas do PROUNI para ambos os públicos; a implementação de programas de

tutoria e fortalecimento educacional de estudantes negros nos ensinos médio e superior; a

incorporação das duas modalidades educacionais aos diferentes programas geridos pelo

governo (Livro Didático, Alimentação Escolar, Dinheiro Direto na Escola, etc.); a oferta de

cursos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana aos profissionais da educação em

todos os níveis; e o apoio aos projetos dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros,

responsáveis pela produção de conhecimento sobre a temática étnico-racial.

Essas ações inéditas evidenciavam o compromisso do governo com a promoção da

inclusão em diferentes perspectivas mediante a “transversalização da diversidade”

(MOEHLECKE, 2009, p. 476). Todavia, muitos dos programas formulados não alcançaram

os resultados esperados em função, sobretudo, das limitações orçamentárias; da

“fragmentação e a não articulação entre os vários programas criados” (IDEM, IBIDEM);

das diferentes compreensões de diversidade entre os movimentos sociais e os integrantes do

ϴϯA inclusão da temática prevê, entre outras coisas, o estudo da História da África e dos povos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional (Cf. BRASIL, 2003d), num claro — e tardio — reconhecimento da imensa contribuição da população negra para a construção do país. ϴϰEsse programa foi responsável por articular ações entre as universidades e as comunidades populares, possibilitando que os universitários, aproveitando a experiência no ensino superior, interviessem em seus respectivos territórios de origem (Cf. HENRIQUES & CAVALLEIRO, 2007). ϴϱEsse projeto dispunha sobre a reserva de vagas nas instituições federais de ensino superior para negros, índios e alunos de escolas públicas.

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MEC; do baixo grau de institucionalidade — poucas foram as ações que se converteram em

leis —; da incapacidade dos entes federativos de levar adiante os convênios e até mesmo da

não inclusão no Plano Plurianual, “ou seja, não integra[ram] as ações e metas definidas

para o conjunto do ministério, nem possu[íram] recursos financeiros para sua execução”

(IDEM, p. 477).

Esses elementos acabaram dificultando não somente a viabilização de um projeto

educacional inclusivo como o reconhecimento do direito à diferença, subjugado ainda por

diferentes concepções de diversidade. Sobre isso, afirma Moehlecke (2009, pp. 484-485):

Considera-se ainda que, apesar das políticas de diversidades alcançarem maior visibilidade no governo Lula e, em particular, no Ministério da Educação, inclusive em termos de novos desenhos institucionais criados, as concepções de diversidade que norteiam suas ações são ainda muito díspares e apropriadas de forma fragmentada pelas secretarias e demais ministérios, e objeto de intensas disputas internas e externas. O MEC não tem uma posição única e coesa acerca da ideia de diversidade que possa orientar o conjunto de suas ações. No entanto, diante das diferentes demandas a que procura atender, cabe questionar se essa é uma meta desejável. A ideia de diversidade, até o momento, tem servido como um grande conceito “guarda-chuva” para o governo nos vários processos de negociação com os grupos de pressão.

A formação dos profissionais da educação também recebeu especial preocupação do

governo em razão das metas estipuladas pela LDB — que fixava, por exemplo, um prazo

de 10 anos para que os professores estivessem formados em nível superior — e pelo PNE.

Num contexto de desprofissionalização, flexibilização e precarização do trabalho docente

(Cf. FREITAS, 2007), consequente da instauração do projeto educacional neoliberal no

país, tanto a formação inicial quanto a formação continuada ganharam maiores dimensões

na agenda governamental, reafirmando a ideia da “atualização constante, em função das

mudanças nos conhecimentos e nas tecnologias e das mudanças no mundo do trabalho” e

exigindo o “desenvolvimento de políticas nacionais ou regionais em resposta a problemas

característicos de nosso sistema educacional” (GATTI, 2008, p. 58).

Nessa linha, foram implementados os seguintes programas e ações para o

professorado: o Sistema Nacional de Certificação e Formação Continuada de Professores,

posteriormente substituído pela Rede Nacional de Formação Continuada de Professores; o

Exame Nacional de Certificação de Professores; o Proformação — herdado da

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administração FHC —; os já mencionados Proinfantil e Prolind; o Pró-Letramento; o Pró-

Licenciatura; o Prodocência; o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB); e,

finalmente, os Programas de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais da Educação

Básica dos Sistemas de Ensino Público (Pró-Funcionário); de Apoio aos Dirigentes

Municipais de Educação (PRADIME); Escola de Gestores; Nacional de Fortalecimento dos

Conselhos Escolares; e Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação

(Pró-Conselho).

O Sistema Nacional de Certificação e Formação Continuada de Professores surgiu

logo no primeiro ano de governo Lula, em 2003, por iniciativa do então ministro da

Educação, Cristovam Buarque. Apesar de instituir programas de formação continuada em

regime de colaboração com estados e municípios e criar centros de pesquisa e

desenvolvimento da educação, o novo Sistema ficou marcado pela propositura de um

exame nacional de certificação e avaliação, que avaliaria a competência dos professores e

ofertaria, como prêmio para os mais bem-sucedidos, uma Bolsa Formação (Cf. ARELARO,

2007).

Desta forma, estaria estabelecido um regime de competição entre os professores

pela oportunidade de qualificação profissional e, por conseguinte, de progressão na carreira,

fato que despertou a indignação de boa parte da comunidade educacional. Pressionado, o

governo alterou a proposta, criando a Rede Nacional de Formação Continuada, que,

segundo Santos e Batista Neto (2011, p. 08),

[…] inaugurou uma nova fase da formação docente, na medida em que avançou em duas questões pouco valorizadas pelas políticas anteriores: a institucionalização da formação continuada, por meio dos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação, pertencentes às universidades públicas e a construção de uma perspectiva de formação continuada que propugna o desenvolvimento de uma atitude investigativa e reflexiva sobre a prática profissional e a valorização do próprio local de trabalho como espaço da formação.

Outra iniciativa importante nessa linha foi a criação do Programa de Consolidação

das Licenciaturas (Prodocência), em 2006, cujo objetivo era ampliar a qualidade dos cursos

de formação inicial de professores ofertados pelas instituições federais e estaduais de

educação superior. Para tanto, o MEC apoiaria, mediante financiamento, projetos voltados

à formação e ao exercício profissional dos futuros professores, além de auxiliar na

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implementação das diretrizes curriculares para a formação de professores da educação

básica.

Apesar dos avanços supracitados, foi mantida a oferta de programas de formação

massiva, de curta duração e baixo custo, na modalidade da EAD, cujos currículos davam

ênfase ao desenvolvimento de determinadas competências em detrimento da aprendizagem

das teorias inseridas no campo da Ciência da Educação, conformando os professores a

“uma concepção de caráter subordinado, meramente instrumental, em contraposição à

concepção de caráter sócio-histórico, dos professores como profissionais da educação,

intelectuais essenciais para a construção de um projeto social emancipador” (FREITAS,

2007, p. 1214). Tal fato, além de respaldar o processo de expansão da oferta de cursos

privados — as matrículas nos cursos de licenciatura aumentaram consideravelmente em

razão das dificuldades encontradas pelos alunos em serem aprovados nos processos

seletivos das universidades públicas; da oferta de cursos noturnos; e do apoio

governamental concedido através dos programas de financiamento e pagamento de

matrículas nas instituições privadas (Cf. BARRETTO, 2011) — deu subsídios para a

implementação dos programas Proformação, Proinfantil, Prolind, Formação Continuada em

Mídias na Educação, Pró-Letramentoe Pró-Licenciatura.

O Programa de Formação Continuada em Mídias na Educação e o Pró-Letramento

foram os únicos programas desenvolvidos no decorrer do primeiro mandato com o

propósito de ofertar formação continuada aos professores da educação básica. O primeiro

foi criado para proporcionar formação, em cursos à distância, para o uso das tecnologias da

informação e dos meios de comunicação no processo educativo, enquanto o segundo

programa — conduzido pelas universidades parceiras da Rede de Formação Continuada,

que se responsabilizaram pelo oferecimento de cursos semipresenciais com duração de 8

meses — deveria focalizar o aperfeiçoamento das práticas pedagógicas dos docentes

participantes, visando a melhoria da aprendizagem de leitura/escrita e de matemática do

alunado dos primeiros anos da educação básica.

O Pró-Licenciatura, por sua vez, se tratava de uma iniciativa governamental voltada

ao suprimento das demandas de formação docente, estimadas, à época, em 875 mil vagas

nas diferentes licenciaturas (Cf. BARRETTO, 2011). Em razão disso, as universidades

públicas, incentivadas pelo MEC, passaram a se organizar em consórcios visando a oferta

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desses cursos de formação inicial na modalidade à distância, fato que forçou o ministério a

“conferir à educação à distância um novo estatuto, estabelecendo sua equivalência aos

cursos presenciais e determinando que ambos os cursos sejam projetados com a mesma

duração” (BARRETTO, 2011, p. 48).

Nessa nova configuração, com a EAD fortalecida, o governo vislumbrou a

possibilidade de romper com os programas de formação à distância “de curta duração, de

caráter mercadológico, que perduraram até pouco tempo em nosso país” (FREITAS, 2007,

p. 1210) ao criar o sistema Universidade Aberta do Brasil, cujo objetivo era o de “expandir

e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior públicos, à distância”

(IDEM, IBIDEM),86 mediante oferecimento de cursos de formação inicial e continuada a

docentes e de capacitação dos demais profissionais da educação básica, conduzidos pelas

universidades públicas em regime de parceria com os municípios, sendo esses os

responsáveis pelas instalações dos polos de apoio presencial.

Todas essas medidas resultaram na ampliação das oportunidades de estudo,

principalmente nas regiões mais pobres do país, enquanto nas regiões mais ricas prevaleceu

a migração do alunado — com maior poder aquisitivo — para as instituições privadas de

Ensino Superior (Cf. BARRETTO, 2011). Manteve-se, no entanto, a oferta de cursos de

formação à distância, com questionáveis estruturações curriculares, pautados no trabalho

docente, “exclusivamente em sua dimensão prática, reduzindo as possibilidades da

mediação pedagógica necessária no processo de ensino” (FREITAS, 2007, p. 1209), sem a

devida incorporação dos conhecimentos produzidos pelas Ciências da Educação. Dessa

forma, frustraram-se as expectativas daqueles que defendiam uma ampla revisão da política

de formação de professores, com vistas não só a proporcionar a expansão de cursos

presenciais, com sólida articulação entre teoria e prática, sobretudo nas universidades

públicas, mas também a valorização do trabalho docente, prejudicado por uma duplicidade

“pela qual, ao mesmo tempo em que se proclamam aos quatro ventos as virtudes da

educação exaltando sua importância […], as políticas predominantes se pautam pela

busca da redução de custos, cortando investimentos” (SAVIANI, 2009, p. 153).

ϴϲRessalte-se que o sistema UAB não se restringiu à oferta exclusiva de cursos de formação de professores. As universidades abriram cursos à distância de bacharelado em Administração, Administração Pública, Sistemas de Informação, Ciências Contábeis, Engenharia Ambiental e Engenharia de Automação, e outra gama voltada à tecnologia.

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Na esteira das ações de formação e capacitação dos profissionais da educação

vieram, ainda, o “Formação pela Escola”, o Pró-Funcionário, o PRADIME, o Escola de

Gestores, o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares e o Pró-

Conselho.

O Formação pela Escola tinha por objetivo fortalecer a atuação dos agentes

envolvidos nas diferentes etapas dos programas e ações educacionais financiados pelo

FNDE. Desse modo, eram capacitados profissionais, técnicos, gestores públicos municipais

e estaduais, representantes da comunidade educacional e da sociedade para atuarem na

execução, no monitoramento, na avaliação e na prestação de contas dessas iniciativas.

O Pró-Funcionário foi inédito na história da educação brasileira, pois visava o

oferecimento de curso de nível médio, à distância, “dirigido aos trabalhadores de fora da

sala de aula (secretários, serviços gerais, merendeiras, porteiros, monitores)” (SILVA,

2007, p. 103), beneficiando, somente no primeiro ano de sua implantação, em 2006, 22 mil

pessoas.

O PRADIME, por sua vez, resultante de alterações no PRASEM, deveria

compreender a formação e a capacitação dos dirigentes municipais de educação e não mais

apenas o dever de informar os dirigentes das políticas formuladas pelo MEC. Em função

dessa mudança de objetivo, o programa apresentou uma nova formatação: encontros

presenciais de formação, estratégias de EAD e plataforma para o compartilhamento de

experiências de gestão em nível municipal. Desse modo, segundo Azevedo (2009, p. 223),

as noções de “gestão democrática”, “participação” e “descentralização” foram alteradas,

fazendo com que o programa passasse de um “caráter predominantemente informativo

sobre decisões centralizadas, para uma tentativa do estabelecimento de um caráter

formativo englobando pressupostos do referencial adotado”. Entretanto, apesar das boas

intenções, o programa acabou enfrentando as dificuldades provocadas pela provisoriedade e

pelas divergências político-partidárias, haja vista que os dirigentes municipais de educação

têm suas atuações restringidas pelo tempo dos mandatos e nem sempre fazem parte dos

partidos da base aliada do governo (Cf. AZEVEDO, 2009).

Ainda na linha de formação de gestores, criou-se o Programa Nacional Escola de

Gestores, em 2005, com o objetivo de contribuir com a melhoria da qualidade dos serviços

educacionais através da formação de diretores e vice-diretores das escolas públicas em

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cursos de pós-graduação (lato sensu) à distância, conduzidos pelas universidades públicas

parceiras do MEC. Com isso, os gestores passaram a ser capacitados para o exercício de

suas funções em conformidade com os princípios da gestão democrática e os novos

parâmetros da administração pública, que exigiam, entre outras coisas, a aprendizagem do

uso de novas tecnologias (Cf. AGUIAR, 2010). Contudo, o sucesso da iniciativa dependeu,

fundamentalmente, das secretarias de educação, algo que nem sempre aconteceu, pois nem

sempre se ofereciam aos gestores as condições para participarem dos cursos, fazendo com

que esses viessem a “arcar individualmente com o ônus da sobrecarga de trabalho, fator

inconteste do stress típico da profissão docente, conforme apontam os estudos da área”, ou

mesmo se considerava que “o respeito ao direito de aperfeiçoamento permanente do

docente e do gestor constitui um requisito fundamental para a construção de uma

educação e de uma escola de qualidade […]” (AGUIAR, 2010, p. 171).

Por fim, vieram o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares e

o Pró-Conselho, responsáveis, respectivamente, pelo fortalecimento da participação da

sociedade nos rumos da educação. O primeiro objetivava a implantação de conselhos

escolares, mediante a oferta de material didático e cursos de formação continuada —

presencial e à distância — para funcionários das Secretarias Estaduais e Municipais de

Educação e para os conselheiros escolares. Imaginava-se que, assim, os membros,

imbuídos, entre outras coisas, da elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos e do

acompanhamento das ações pedagógicas, administrativas e financeiras das escolas,

deveriam ser capacitados para contribuir para a “melhoria da qualidade do ensino ofertado

e para garantir a efetiva participação das comunidades escolar e local na gestão das

escolas” (AZEVEDO, 2009, p. 226). Já o Pró-Conselho foi criado com o objetivo de

estimular a criação de novos conselhos municipais de educação e “qualificar a participação

da sociedade na tarefa de avaliar, definir e fiscalizar as políticas educacionais do

município” (AZEVEDO, 2009, p. 227). Desta forma, pode-se afirmar que o governo Lula,

diferentemente dos antecessores, priorizou a ampliação da participação da sociedade nas

decisões educacionais, fortalecendo a gestão democrática. Sobre o impacto dos programas,

afirma Azevedo (2009, pp. 228-229):

[…] observa-se que nos governos de Lula os referenciais dos programas indicam a intenção de distribuição do poder segundo pressupostos de um

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projeto político-participativo. Para tanto, dentre as ações, predominam processos formativos que objetivam qualificar atores pertencentes à sociedade civil e à sociedade política em práticas de descentralização participativa. São, portanto, significativas as diferenças dos referenciais dos programas voltados à gestão da educação analisados.

No âmbito do Ensino Superior, o governo Lula encontrou um cenário caracterizado

pelas “restritas dimensões do campo, a diferenciação institucional, a expansão do setor

privado e a restrição gradativa do setor público, a desigual distribuição regional, a (má)

distribuição por área de conhecimento, a concentração da pós-graduação no setor público

[…]” (SGUISSARDI, 2006, p. 1024), resultante das políticas implementadas no período

FHC, cujas consequências foram, no mínimo, nocivas para o sistema educacional. Provam-

no a ampliação das “universidades de ensino”, pautadas nos princípios da competitividade e

da profissionalização em detrimento das “universidades de pesquisa” — resultantes das

adaptações dos “modelos clássicos de universidade (napoleônico ou humboldtiano)”

(IDEM, IBIDEM) —, conhecidas pela atuação em função do trinômio “ensino-pesquisa-

extensão”. As propostas apresentadas pelo então candidato Lula iam na contramão desse

cenário: ampliação das vagas e matrículas nas instituições públicas; aumento dos

investimentos e da qualidade do ensino; “respeito ao princípio da associação entre ensino,

pesquisa e extensão e da permanente avaliação das IES públicas e privadas para a

melhoria da gestão institucional e da qualidade acadêmica” (PARTIDO DOS

TRABALHADORES — UMA ESCOLA DO TAMANHO DO BRASIL, 2002, p. 27);

respeito à autonomia universitária; desconcentração da pós-graduação; revisão das políticas

de privatização decorrentes da reforma do Estado; substituição do FIES; e revisão dos

criticados mecanismos de credenciamento e autorização de funcionamento dos cursos e das

IES.

No entanto, ao assumir o governo, o presidente não conseguiu reverter o processo

de reformulação do Ensino Superior, calcado pelo ideário neoliberal disseminado pelos

organismos multilaterais. Estabeleceu assim uma política “híbrida”, articulando ações em

favor tanto da expansão do setor público quanto do setor privado, com vistas a cumprir “a

meta do Plano Nacional de Educação (PNE — Lei n. 10.172/2001) de aumentar a

proporção de jovens de 18 a 24 anos matriculados em curso superior para 30% até 2010”

(CATANI et al., 2006, p. 127).

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Não foram poucas a ações, ainda no primeiro mandato, de Lula e sua equipe de

governo voltadas ao Ensino Superior. Além da já citada UAB, que contribuiu diretamente

para a ampliação do número de matrículas, o governo instituiu um novo mecanismo de

avaliação — o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Elaborou

também o Decreto n. 5.205 de 2004; promulgou as Leis de Inovação Tecnológica (n.

10.973 de 2004) e de regulação das Parcerias Público-Privadas (11.079 de 2004); criou o

Programa Universidade para Todos (PROUNI), articulado à ampliação do FIES; integrou

os CEFETs ao Ensino Superior e fundou novas universidades; incrementou o orçamento e

contratou novos profissionais para as já existentes; e encaminhou o seu próprio projeto de

reforma (n. 7.200 de 2006).

O SINAES nasceu da necessidade de substituir o “Provão” por um conjunto de

instrumentos de avaliação mais efetivos. Em vez de “uma única prova escrita, com

predominância de questões de múltipla escolha sobre os conteúdos curriculares, para os

concluintes dos cursos” (SGUISSARDI, 2006, p. 1.031), insuficiente portanto para

mensurar o impacto da formação sobre o alunado, articulada ao “exame das condições de

oferta (infraestrutura, currículo acadêmico, qualificação docente, etc.)” (IDEM, IBIDEM),

o novo sistema deveria avaliar instituições, cursos e desempenho dos estudantes,

incorporando autoavaliação; avaliação externa; a realização de duas provas, no início e no

final da graduação, para os alunos; e instrumentos de informação como os censos e os

cadastros realizados pelo MEC.

Apesar do aumento da complexidade do sistema, o que já significava um avanço em

relação ao anterior, parte da comunidade educacional permaneceu crítica à sua existência,

pois se alegava a manutenção do caráter centralizador, em razão da “constituição da

Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), responsável pelas

diretrizes e normas relativas ao sistema” (SGUISSARDI, 2006, p. 1042), e se entendia que

[…] seu objetivo oculto é ajustar a educação superior brasileira às exigências de avaliação inseridas nos documentos emanados dos organismos internacionais, de forte cunho quantitativo e competitivo. Supostamente, um indutor do aumento da qualidade de cursos e fiscalizador das instituições particulares, o SINAES serviria, na realidade, para coagir as instituições de Ensino Superior a se adequarem ao modelo que está sendo implantado (TRÓPIA, 2009, p. 03).

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Ϯϱϴ

A elaboração do Decreto n. 5.205 de 2004 e a promulgação das Leis de Inovação

Tecnológica e de regulação das Parcerias Público-Privadas estimularam a perigosa abertura

para a privatização do Ensino Superior público. O decreto regulamentou a presença das

fundações de apoio privadas nas IFES, eximindo-as de participar de processos licitatórios e

abrindo-lhes a prerrogativa de contratar pessoal, conceder bolsas de ensino, de pesquisa e

de extensão, sem licitação (Cf. LEHER, 2004). Por sua vez, a Lei de Inovação Tecnológica

foi a responsável por fortificar a articulação entre universidade e empresa, ao tratar dos

incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo (Cf.

BRASIL, 2004b). Permitiu-se à iniciativa privada a possibilidade de transferir recursos para

as universidades em troca do conhecimento produzido por estas. Não raro, com os aportes

financeiros, as IFES passaram a investir em infraestrutura, e os docentes-pesquisadores, ao

trabalharem nos projetos de inovação, passaram a receber remunerações que, de alguma

forma, contribuíram para restituir as crescentes perdas salariais das décadas anteriores.

Desse modo, a lei acabou criando não só “sérios riscos de distorção da verdadeira função

pública da universidade no campo científico e da inovação” como “facilidades para a

subordinação da agenda universitária no campo empresarial, limitando a liberdade

acadêmica e aprofundando o fenômeno da heteronomia universitária, um dos traços da

universidade hoje em muitos países” (SGUISSARDI, 2006, pp. 1042-1043).

Por sua vez, a elaboração de um novo marco regulatório para a constituição de

parcerias público-privadas acabou por afetar a educação superior, pois previu a

possibilidade de as empresas ofertarem, entre outras coisas, serviços educacionais, desde

que se dispusessem a ofertar contrapartidas de, no máximo, 30% do valor dos

empreendimentos. Dava-se aí uma clara redução do espaço público em detrimento do

fortalecimento da iniciativa privada, numa sinalização de concordância com as teses dos

organismos multilaterais, cujos teores eram conhecidos desde os tempos de Fernando

Collor à frente da Presidência da República: “redução do papel do Estado na assistência

pública, [dando] excesso de garantias ao setor privado, incluindo a utilização de recursos

públicos por entidades privadas, opondo-se […] ao princípio constitucional de

universalização de alguns serviços como a educação” (MANCEBO, 2007, p. 108).

O PROUNI foi um programa criado, em 2004, com o objetivo de conceder bolsas

de estudo integrais e parciais em cursos de instituições privadas de Ensino Superior a

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indivíduos sem diploma de nível superior que satisfizessem ao menos uma das seguintes

condições: ter estudado em escola pública ou ter sido bolsista em escola privada durante o

Ensino Médio; ser deficiente, negro ou indígena; ou atuar como professor da educação

básica na rede pública. Tratava-se, portanto, de uma medida que combinava propósitos

democratizantes — previa a inclusão de setores historicamente alijados da educação

superior — com a necessidade de “criar condições para a sustentação financeira dos

estabelecimentos [privados] já existentes” num “quadro de esgotamento do crescimento

privado” (CARVALHO, 2006a, p. 7), já que caberia ao governo conceder isenção fiscal às

IES privadas com ou sem fins lucrativos.87

De fato, a iniciativa possibilitou que um grande contingente de pessoas viesse a

garantir o acesso ao Ensino Superior; todavia não foram asseguradas, logo de início,

condições para a permanência desse público. O número de bolsas integrais permaneceu

restrito em relação à demanda — o FIES acabou sendo revisado e expandido, mas, com

requisitos rigorosos, não era uma “alternativa viável para a população de baixa renda, face

à defasagem entre a taxa de juros do empréstimo e a taxa de crescimento da renda do

recém-formado, combinada ao aumento do desemprego na população com diploma de

nível superior” (CARVALHO, 2006b, p. 996). E os custos com a formação — transporte,

moradia, livros, alimentação, entre outros — permaneciam altos para indivíduos que

recebiam entre 1 e 3 salários mínimos.

Em função disso, o governo, já no apagar das luzes do primeiro mandato, criou uma

bolsa de permanência de 300 reais, que só alcançou, num primeiro momento, cerca de 2%

do total de bolsistas (Cf. CARVALHO, 2006b). Além disso, pesava contra o programa o

fato de a regulação ter sido aligeirada, o que corroborou com a queda da qualidade dos

serviços educacionais prestados pelas IES privadas, que, na ampla maioria dos casos, não

articulavam ensino, pesquisa e extensão, estando interessadas somente na isenção fiscal e

na atração de novos clientes para suas vagas ociosas. Sobre isso, afirmam Barreto & Leher

(2008, p. 434):

ϴϳ A criação do PROUNI beneficiou, sobremaneira, as instituições privadas. As IES com fins lucrativos receberam isenção de impostos que as permitiram ampliar a lucratividade. Por outro lado, as IES sem fins lucrativos, obrigadas a aderir ao programa, viram-se menos beneficiadas pela renúncia fiscal do governo. Dessa forma, segundo Cunha (2007, p. 820), passaram a migrar da condição de filantrópicas para a de fins lucrativos, levando consigo “o capital acumulado com base em financiamentos de agências governamentais a juros privilegiados. Em suma, trata-se de doação de capital público para o setor privado”.

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ϮϲϬ

No contexto educacional, a privatização, a mercantilização e a comodificação crescentes da educação superior foram demandas concretas de uma fração burguesa local, que já possuía sólidos negócios na área. Essa fração, por sua força parlamentar e junto ao bloco dominante, obteve concessões extremamente benéficas para seus negócios: isenções tributárias mesmo para as instituições particulares (com fins lucrativos) estabelecidas pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI) e incentivo permanente à diferenciação das instituições e modalidades de educação superior, naturalizando a sua conversão em educação terciária.

Também houve preocupação, do primeiro governo Lula, com a expansão do Ensino

Superior público, expressa na criação de dez novas universidades, na construção de novos

campi, na incorporação dos CEFETs à educação superior, nos incrementos orçamentários

nas IFES, na concessão de reajustes salariais e na contratação de novos funcionários. Afora

isso, no tocante à pós-graduação, foram abertos novos cursos nas regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste, de modo a promover a desconcentração regional da produção científica no

país, reajustaram-se os valores das bolsas de mestrado e doutorado e criou-se a Escola de

Altos Estudos, cujo objetivo deveria ser o de fomentar a cooperação acadêmica em nível

internacional através do recebimento de docentes e pesquisadores estrangeiros nos

programas de pós-graduação do país. Objetivava-se, assim, reverter, ao menos “em parte, o

processo de sucateamento do segmento federal e de desvalorização do serviço público em

geral” (CARVALHO, 2006a, p. 11).

Ainda como parte desse compromisso com o desenvolvimento científico, um novo

plano para a pós-graduação foi concebido para o período 2005-2010, cujas disposições

reafirmaram pressupostos como a flexibilização, a produtividade e a competitividade em

nome de uma vinculação mais forte com o processo de modernização econômica do país.

Nessa direção, no entanto, reproduziu-se nesse âmbito a aproximação do setor público com

a iniciativa privada, efetivada a partir da oferta dos cursos de especialização e mestrado

profissional e da transferência de recursos públicos para o pagamento das taxas acadêmicas

cobradas pelas instituições particulares, prejudicando, mais uma vez, o fortalecimento dos

serviços públicos (Cf. SIQUEIRA, 2006).

Apesar do extenso conjunto de ações do governo Lula para a educação superior, a

iniciativa mais importante acabou não logrando sucesso: a aprovação do Projeto de Lei n.

7.200 de 2006, que incorporaria as diretrizes para a realização de mais uma ampla reforma.

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Construído, inicialmente, com a participação da comunidade educacional e de

entidades representativas dos diferentes segmentos da sociedade, o projeto incorporara,

segundo Sguissardi (2006) e Lima, Azevedo & Catani (2008), avanços em relação à

autonomia, ao financiamento das IFES, à democratização do acesso e à ampliação da

participação. Todavia, a pressão da iniciativa privada, dos partidos conservadores e dos

ministérios da área econômica — comprometidos com a manutenção das bases da política

macroeconômica — no decorrer da tramitação no Congresso Nacional fez com que o

projeto passasse por sucessivas alterações, conformando a educação superior aos

pressupostos do Processo de Bolonha, 88 através do estímulo à competitividade, à

transnacionalização, à fragmentação e à privatização. Desse modo, enfrentando resistências

em todos os setores, o projeto não foi aprovado até o final do segundo mandato do

presidente Lula.

Mesmo não tendo proporcionado a almejada ruptura com as políticas

implementadas por FHC, o governo Lula avançou rumo à democratização dos serviços

educacionais ao incorporar à agenda as demandas de públicos historicamente excluídos,

combinando políticas de redistribuição e reconhecimento. Isto posto, a atuação não se

restringiu ao combate às injustiças de classe, mas também às injustiças culturais, como se

pode apreender das ações relativas ao combate ao analfabetismo; ao fortalecimento da EJA

e da Educação Profissional; ao compromisso com a extensão da oferta de Ensino Superior

às camadas pobres da população; e à criação de políticas afirmativas, direcionadas à

promoção da inclusão educacional de negros, indígenas e pessoas com deficiência, como

observaremos mais adiante.

Nesse sentido, mesmo marcado pela fragmentação e pela descontinuidade das ações

(Cf. OLIVEIRA, 2011), é possível afirmar que no primeiro quatriênio “foi construída a

base para a atuação do ministério em todos os níveis de ensino e também na modalidade

profissional” (ABREU, 2010, p. 134), cujos resultados seriam colhidos mais à frente, no

decorrer do segundo mandato.

ϴϴEm 1999 ocorreu na Europa um encontro entre ministros da Educação de diferentes países, com o objetivo de reconfigurar o sistema de educação superior europeu, de modo a melhor inserir o continente no contexto da globalização. Segundo Wielewicki & Oliveira (2010, p. 224), o processo resultou numa declaração que continha, entre as prioridades, “a adoção de um sistema de educação superior em dois ciclos, o estabelecimento e generalização de um sistema de créditos acumuláveis, a promoção de mobilidade acadêmica, a garantia de qualidade e o incremento da dimensão europeia de educação superior”.

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5.2. A reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006

Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao final de seu primeiro mandato em um momento

político, no mínimo, contraditório. Combinando a implementação de uma política

econômica pautada nas teses neoliberais com significativos avanços na área social, seu

governo foi capaz de não somente assegurar a manutenção da estabilidade econômica como

reinserir o país na rota do crescimento. Todavia, na arena política, foi impactado pela

denúncia de dois esquemas de corrupção — o “Mensalão” e o “Caseirogate” —,

amplamente divulgados pela imprensa, que culminaram na queda de dois dos principais

auxiliares do presidente, os ministros da Casa Civil e da Fazenda, José Dirceu e Antônio

Palocci, respectivamente.

O escândalo do “Mensalão” decorreu, inicialmente, da divulgação de um vídeo que

mostrava um alto funcionário da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos),

Maurício Marinho, recebendo propina para direcionar licitações, atendendo às ordens de

um deputado da base aliada do governo, Roberto Jefferson, então presidente nacional do

PTB. Segundo Marinho, o dinheiro arrecadado iria para o caixa partidário, com vistas a

financiar futuras campanhas eleitorais. Acuado pela denúncia, Jefferson concedeu uma

entrevista a um jornal de grande circulação, afirmando que o governo, através das

operações realizadas por José Dirceu e Delúbio Soares — tesoureiro do PT à época —,

recolhia recursos junto aos empresários que venciam as licitações federais e repassavam

mensalmente aos parlamentares aliados, visando garantir apoio aos projetos encaminhados

à votação no Congresso Nacional. Além disso, o dinheiro recolhido serviria também para o

pagamento de dívidas partidárias e os gastos das campanhas eleitorais.

As denúncias envolvendo tanto Marinho quanto Jefferson culminaram na abertura

de uma CPI, solicitada pela oposição. As informações colhidas pela comissão chegavam

cada vez mais próximo do núcleo do poder. Descobriu-se, por exemplo, o envolvimento de

Marcos Valério, publicitário mineiro que detinha contratos junto a órgãos do governo

federal, como principal operador financeiro do esquema. Cabia a ele o papel de arrecadar os

recursos junto às empresas públicas e privadas para redirecioná-los, posteriormente, aos

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parlamentares e partidos aliados. Mais de uma dezena de deputados teve envolvimento no

processo, fazendo com que a CPI solicitasse a cassação de seus mandatos. Por sua vez,

petistas históricos, muito próximos ao núcleo do poder como José Dirceu, José Genoíno —

presidente nacional do PT à época — e Luiz Gushiken — titular da Secretaria de

Comunicação da Presidência da República —, também foram arrolados, desgastando ainda

mais a imagem do governo Lula perante a opinião pública.

Desde o primeiro momento de divulgação das denúncias, o presidente não foi

acusado de envolvimento no processo de compra de votos parlamentares. Pelo contrário,

até mesmo Roberto Jefferson, o principal denunciante, afirmara que Lula nada sabia.

Todavia, grande parte da opinião pública perfilou-se favoravelmente à abertura de um

processo de impeachment, que não encontrou sustentação no Congresso Nacional devido à

ausência de elementos comprobatórios. Mesmo assim, a isenção do presidente da República

não impediu que um de seus principais auxiliares, José Dirceu, fosse exonerado da pasta da

Casa Civil e, como deputado federal, fosse cassado por seus pares, mesmo diante da

ausência de provas suficientes da sua participação como “chefe político” do esquema. Os

demais envolvidos acabaram sendo denunciados junto ao Supremo Tribunal Federal pelo

então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e foram em 2014

punidos em um polêmico julgamento, que tem suscitado controvérsias tanto no meio

jurídico quanto no meio político.

Quase que simultaneamente ao escândalo do “Mensalão” ocorreu o “Caseirogate”,

envolvendo o principal ministro da área econômica, Antônio Palocci. Atribuiu-se a ele a

realização de encontros, intermediados por antigos assessores do período em que o ministro

fora prefeito de Ribeirão Preto (SP), com empresários e lobistas para a realização de

negócios escusos numa mansão em Brasília. O fato foi prontamente negado por Palocci,

embora pouco tempo depois esses encontros fossem confirmados por duas testemunhas: o

motorista Francisco das Chagas Costa e o caseiro Francenildo dos Santos Costa. Para

desacreditar a denúncia, o ministro da Fazenda solicitou ao presidente da Caixa Econômica

Federal, Jorge Mattoso, que procedesse à quebra de sigilo bancário de Francenildo, que

acabou trazendo à tona um depósito de 25 mil reais, incompatível com o salário de caseiro.

Desta forma, atribuiu-se o montante a uma suposta compra do depoimento por parte da

oposição, interessada em desgastar o governo perante a opinião pública. No entanto, ficou

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comprovado que não se tratava disso, mas de um acerto do denunciante com seu pai

biológico, que se negara a assumi-lo como filho. Desta forma, Palocci foi denunciado pela

operação ilegal e, deveras desgastado junto à opinião pública, acabou se demitindo da pasta

da Fazenda.

Esse conjunto de denúncias teve consequências imediatas no interior do próprio PT.

A esquerda do partido, composta por algumas correntes internas, notabilizou-se pela defesa

de um programa reformista radical, que efetivamente contribuísse para a construção do

socialismo. Todavia, a manutenção de parte das políticas neoliberais implementadas no

período FHC, combinada à ocorrência de alianças conservadoras e à suposta prática de

corrupção no aparelho governamental, fez com que esse segmento se frustrasse ainda mais

com a guinada do partido à moderação e ao pragmatismo político. Esses setores se

organizaram em favor da “refundação” do partido, logo após a crise originada pelo

“Mensalão”, apresentando candidaturas à direção nacional, mas as correntes moderadas

foram vitoriosas (Cf. SINGER, 2012). Sem espaço, parte dos radicais migrou para outros

partidos, como o PSOL, por exemplo, abandonando a recandidatura de Lula.

A configuração do eleitorado favorável a Lula também foi alterada, não somente em

função dos escândalos, mas, sobretudo, por causa das realizações do primeiro mandato.

Historicamente, as camadas médias da população tendiam a se identificar mais com as

propostas e a votar no candidato do PT à Presidência da República (Cf. SINGER, 2012).

Todavia, em 2006, teria havido um significativo deslocamento, concedendo à estratificação

social um peso significativo na votação do presidente. Segundo Holzhacker &

Balbachevsky (2007, p. 297), “a associação positiva entre o voto [em Lula] e as camadas

mais pobres e, simultaneamente, sua rejeição entre os eleitores mais altos faz dessa

variável [a estratificação social] uma dimensão relevante para a explicação dos padrões da

distribuição dos votos no candidato petista”.

As camadas médias e as elites, embora fossem beneficiárias da estabilidade

econômica, compunham as parcelas da sociedade menos afetadas pelos programas sociais

do governo e mais impactadas pela ostensiva cobertura da imprensa dos casos de

corrupção. A exploração desse problema fez com que 30% da população, de acordo com os

dados apontados pelo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), indicasse “a corrupção e

escândalos decorrentes como o principal tema da campanha” (RENNÓ, 2007, p. 261), fato

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que levou esses setores a avaliarem negativamente a gestão Lula e a aderirem à oposição,

tanto à esquerda quanto à direita do PT no espectro político, na escolha eleitoral (Cf.

SINGER, 2012; MUNDIM, 2012).

Por outro lado, ações como a implementação do Bolsa Família, da política de

valorização do salário mínimo e do estímulo ao crédito, articuladas à expansão dos serviços

de educação, saúde e assistência social, atraíram para a recandidatura de Lula o eleitorado

de baixíssima renda, desejoso de mudanças nas condições de vida sem que houvesse

ruptura com a ordem estabelecida (Cf. SINGER, 2012). Desse modo, amparado por um

partido que havia se tornado nacionalmente uma grande força, devido à conquista de

apoiadores em “áreas onde a ideologia é relativamente menos importante na política”

(SAMUELS, 2008, p. 311), o então presidente, “em menos de um ano, passou da ‘carta

fora do baralho’ de 2005 para o candidato imbatível de meados de 2006, dai para o

desapontamento do primeiro turno e, finalmente, para a consagração no segundo turno”

(CARVALHO, 2006, p. 09).

Inaugurado o período eleitoral, o presidente apostou novamente na realização de

uma forte campanha publicitária, que explorou sua imagem como gestor competente, capaz

que fora de manter estabilizada a economia e avançar na agenda social (Cf. RENNÓ &

HOEPERS, 2010). Dessa forma, apresentou um novo plano de governo, que, além de tecer

críticas contundentes ao antecessor, 89 reafirmava o seu legado ao propor a manutenção do

modelo de atuação responsável por articular políticas sociais redistributivas e de

reconhecimento com a retomada do crescimento econômico. Para tanto, foram

estabelecidos sete grandes compromissos — combate à exclusão social, à pobreza e à

desigualdade; crescimento com distribuição de renda e sustentabilidade ambiental;

educação massiva e de qualidade; cultura, comunicação, ciência e tecnologia como

instrumentos de desenvolvimento e de democracia; ampliação da democracia; segurança; e

inserção soberana no plano mundial — que deveriam pautar a formulação de políticas e

programas nas diferentes esferas governamentais. Imaginava-se, assim:

ϴϵ Além de mencionar as privatizações, as CPIs engavetadas, a estagnação econômica e a servidão internacional, entre outras coisas, fala-se, no plano de governo, que a “oposição conservadora” é preconceituosa e não admite a existência de investimentos sociais fortes, qualificando-a como populista e assistencialista.

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[…] avançar mais aceleradamente no rumo desse novo ciclo de desenvolvimento. Um desenvolvimento de longa duração, com redução das desigualdades sociais e regionais, respeito ao meio ambiente e à nossa diversidade cultural, emprego e bem-estar social, controle da inflação, ênfase na educação, democracia e garantia dos Direitos Humanos, presença soberana no mundo e forte integração continental (PARTIDO DOS TRABALHADORES — LULA PRESIDENTE — 2007-2010, 2006, p. 05).

Por outro lado, os adversários — Geraldo Alckmin (PSDB-PFL), Heloísa Helena

(PSOL-PCB-PSTU), Cristovam Buarque (PDT), José Maria Eymael (PSDC), Luciano

Bivar (PSL) e Ana Maria Rangel (PRP) — aproveitaram a oportunidade para elevar o tom

crítico do discurso acerca do desempenho da economia (alguns setores defendiam a tese de

que o país crescia abaixo das expectativas à época) e dos escândalos de corrupção. Por

outro lado, Lula empenhou-se em evidenciar os bons resultados de sua gestão, levando

adiante uma campanha ancorada em seu forte apelo carismático, que ressaltava a sua

proximidade com o povo, sobretudo com os setores mais pobres. Desse modo, o candidato

da aliança PT-PRB-PCdoB conseguiu não somente se desvincular dos escândalos como

também recuperar rapidamente os altos índices de popularidade, fato que o alçou à

condição de favorito para ganhar as eleições logo no primeiro turno.

O surgimento de dois novos escândalos — “Sanguessugas” e “Aloprados” — trouxe

novos problemas à campanha de reeleição de Lula. O primeiro consistia num esquema de

corrupção envolvendo deputados federais e senadores, que apresentavam emendas ao

Orçamento da União, solicitando a compra de ambulâncias para prefeituras municipais de

seis estados. Com o auxílio de funcionários do Ministério da Saúde, os recursos eram

liberados e os veículos eram comprados a preços superfaturados, cobrados por uma

empresa que pagava propina aos parlamentares. Após a divulgação do caso, por parte de

um dos empresários corruptores, houve a abertura de uma CPI, que requereu a abertura de

processos contra os envolvidos. No entanto, ninguém foi punido pelo Congresso Nacional.

Já o segundo escândalo envolveu a prisão de dois homens portando 1,7 milhão de reais para

a compra de um dossiê que continha acusações contra José Serra, ex-ministro da Saúde e

então candidato a governador de São Paulo pelo PSDB. De acordo com Rennó & Hoepers

(2010, p. 142), o caso “teve ampla cobertura na mídia e foi usado exaustivamente pela

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Ϯϲϳ

oposição nas duas últimas semanas da campanha, afetando a imagem do presidente” e

contribuindo, diretamente, para que se impedisse a sua vitória no primeiro turno.

Passaram ao segundo turno os dois primeiros colocados, Geraldo Alckmin (PSDB)

e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O oposicionista manteve a postura do primeiro turno, ao

apresentar-se como um candidato ético, honesto e compromissado com um “trabalho

sério”, limitando-se a incorporar críticas mais contundentes à gestão da economia e da

saúde no mandato petista. Lula, por sua vez, distanciou-se da estratégia eleitoral adotada

inicialmente ao optar por recrudescer os ataques a Geraldo Alckmin, acusando-o de

privatista e estabelecendo comparações acerca do desempenho de seu governo em relação

ao de Fernando Henrique Cardoso. Afora isso, não se eximiu de responder sobre as

denúncias de corrupção apresentadas, afirmando não ter impedido as investigações, que

puniram os envolvidos, ter rearticulado sua base política e ampliado os diálogos com os

movimentos sociais e a imprensa, estando presente, diferentemente do que ocorrera no

primeiro turno, em debates, sabatinas e entrevistas (Cf. CARREIRÃO, 2007).

Essa mudança de estratégia fez com que o candidato petista incorporasse parte dos

votos daqueles que “decidiram puni-lo em 2006 votando em outro candidato próximo no

espectro ideológico, mesmo sem chances de este vir a ganhar uma posição no segundo

turno” (RENNÓ & HOEPERS, 2010, p. 148) — casos de Heloísa Helena e Cristovam

Buarque —, e também de seu adversário direto, Geraldo Alckmin. Desta forma, o

candidato peessedebista piorou, surpreendentemente, seu desempenho no segundo turno, ao

receber 39,173% dos votos válidos. Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, amparado pelo

seu carisma e pela avaliação positiva do governo que presidia, recebeu expressiva votação

“nos lugares com maior número de pobres e piores indicadores sociais, onde há

proporcionalmente maior número de beneficiários do Programa Bolsa Família” (LICIO,

RENNÓ & CASTRO, 2009, p. 48), reelegendo-se, no dia 29 de outubro de 2006,

presidente da República com 60,827% dos votos válidos.

5.3. O segundo governo Lula (2007-2011)

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Ϯϲϴ

Lula assumiu o segundo mandato como presidente da República em melhores

condições do que em 2003. A improvável combinação de uma política econômica

neoliberal com a implementação de um amplo conjunto de políticas sociais, a melhora das

contas públicas, a manutenção das baixas taxas de inflação, a expressiva vitória no pleito

eleitoral de 2006 e a construção de uma ampla base política no Congresso Nacional

tornaram possível a continuidade da agenda desenvolvimentista, iniciada ao final do

primeiro mandato com as substituições de Antônio Palocci por Guido Mantega na pasta da

Fazenda e José Dirceu por Dilma Rousseff na Casa Civil. Sobre o segundo governo, afirma

Anderson (2011, p. 30):

Estimulado pelo sucesso socioeconômico e por uma vitória política ainda mais contundente, o segundo mandato de Lula foi muito mais confiante do que o primeiro. Agora, ele não era apenas o dono indiscutível da afeição popular, na condição de primeiro presidente a conseguir um modesto bem̻estar para uma grande parcela de seu povo, mas controlava de modo completo a sua própria administração.

A guinada desenvolvimentista, embora não tenha promovido a ruptura total das

orientações da política macroeconômica — disciplina fiscal e monetária, câmbio flutuante e

alcance de superávits primários —, provocou a queda da taxa de juros, a desoneração de

tributos para o setor produtivo, a expansão do crédito e a redução do custo das operações

financeiras. Além disso, foram mantidos os compromissos no campo social (política de

valorização do salário mínimo, implementação do programa Bolsa Família, investimentos

em saúde e educação, entre outros), embora o encaminhamento de um novo projeto de

reforma tributária viesse a afetar diretamente a seguridade social,90 e o de “impulsionar

investimentos públicos e privados na área da infraestrutura econômica e social”

(FAGNANI, 2011, p. 62), de modo a articular o desenvolvimento econômico com a

promoção de justiça social.

ϵϬO governo Lula encaminhou a PEC 233/08 com o intuito de “simplificar a estrutura fiscal, extinguindo-se tributos e reduzindo-se cobranças cumulativas sobre um mesmo produto” (FAGNANI, 2011, pp. 70-71). No entanto, o projeto continha dois grandes problemas: mantinha-se a injustiça fiscal, na medida em que não havia nenhum encaminhamento sobre a construção de um sistema tributário “pautado pela tributação da renda e do patrimônio (POCHMANN, 2008; KHAIR, 2008)” (FAGNANI, 2011, p. 71), e previa o fim das fontes de financiamento da Seguridade Social, provocando a redução dos investimentos em saúde, educação, previdência e assistência social e geração de emprego.

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Ϯϲϵ

Na esteira dessas ações, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se tornou

o carro-chefe da política econômica no decorrer de todo o segundo mandato. Seu objetivo é

“expandir a infraestrutura física e social do País, desonerar o capital produtivo, gerar

empregos, distribuir renda e assegurar novos saltos de competitividade das nossas

exportações” (SILVA, 2007, p. 9). Para tanto, o programa previa, segundo Macedo (2011),

intervenções estatais no sentido de assegurar a melhoria do ambiente de investimentos; o

estímulo ao crédito e ao financiamento; investimentos em infraestrutura; desoneração e

aperfeiçoamento do sistema tributário; e medidas fiscais de longo prazo. Essas iniciativas

facilitariam a formação de Parcerias Público-Privadas, que garantiriam recursos da ordem

de 503 bilhões de reais, em quatro anos, destinados às obras nas áreas de logística, energia,

saneamento, habitação, transportes e comunicações, setores que historicamente se

constituíram como entraves ao desenvolvimento do país.

O PAC sinalizou o propósito do Estado de reaver sua função de indutor do

crescimento, diferentemente do que ocorrera durante toda a década de 1990. Todavia,

apesar do esforço, as metas do programa não foram cumpridas integralmente ao final do

governo: em vez dos 503 bilhões de reais iniciais foram aplicados 444 bilhões, sendo que

apenas 62% das ações foram concluídas (Cf. MACEDO, 2011), o que tornou evidente suas

fragilidades, sobretudo no decorrer da execução das obras. Nesse sentido, é oportuna a

análise feita por Barbosa &Souza (2010, p. 15):

De modo geral, o principal mérito do PAC foi liberar recursos para o aumento do investimento público e estimular o investimento privado. Sua adoção fez aumentar os investimentos por parte da União, que passaram de uma média de 0,4% do PIB, em 2003-2005, para 0,7% do PIB, em 2006-2008. Apesar desse crescimento, o investimento da União ainda era baixo no final de 2008, o que evidencia outro problema revelado pelo PAC, qual seja: a baixa da capacidade de formulação e execução de investimento por parte do Estado brasileiro. Mais especificamente, após um longo período de baixo investimento público e forte contenção fiscal, a burocracia federal perdeu agilidade na execução de investimentos, o que por sua vez retardou a efetivação dos projetos do PAC. Além disso, a estrutura de licenciamento, autorização e fiscalização dos investimentos públicos, por parte dos órgãos e agências competentes, também revelou-se ineficiente quando submetida ao aumento do investimento programado pelo PAC. Do lado positivo, desde sua implementação o PAC tem aprimorado a capacidade de investimento do Estado, resultando no aumento gradual dos investimentos públicos.

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ϮϳϬ

Não se pode afirmar, portanto, que o PAC tenha sido o grande responsável pela

retomada do crescimento do PIB, pois, como afirma Magalhães (2010, pp. 21-22), o

programa “concentra-se em investimentos de infraestrutura, quando os estudiosos do

desenvolvimento, como Hirschmann, mostram que a infraestrutura ‘permite’, mas não

‘determina’ o desenvolvimento”. Em função disso, as outras medidas tomadas pelo governo

na área econômica também tiveram fundamental importância, como foram os casos das

criações da nova Lei Geral das Microempresas e Empresas de Pequeno Poder, do Simples

Nacional, da Política Nacional de Comércio e Serviços e do Microempreendedor

Individual; da ampliação da participação dos bancos públicos no financiamento do

desenvolvimento; do aumento dos investimentos em ciência e tecnologia a partir do

lançamento do Plano de Ação de Ciência e Tecnologia e da regulamentação do Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; 91 do auxílio aos Arranjos

Produtivos Locais;92e da criação da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

A PDP foi lançada com o objetivo de sustentar o ciclo econômico vigente, através

de medidas de diferentes tipos — tributárias, financiamento, jurídicas, regulatórias, apoio

técnico, compra governamental — que alavancariam três grupos de programas: 1 —

“programas para consolidar e expandir a liderança”, desenvolvidos em setores que já

tinham força no mercado internacional; 2 — “programas para fortalecer a competitividade”,

voltados a setores emergentes; 3 — “programas mobilizadores em áreas estratégicas”,

envolvendo as áreas da defesa, saúde, tecnologia da informação e comunicação,

nanotecnologia, energia nuclear e biotecnologia (Cf. CANO e SILVA, 2010). Com isso,

imaginava-se atender aos seguintes desafios:

ϵϭAinda que o investimento estatal em ciência e tecnologia permanecesse baixo, sobretudo se comparado ao que é realizado pelas grandes potências capitalistas, houve uma considerável evolução durante o governo Lula: “Os investimentos totais do Governo, por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), cresceram de R$ 2,8 bilhões, em 2003, para R$ 7,2 bilhões em 2009, o que representa um crescimento nominal de 257%. Na mesma dinâmica, os recursos aplicados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em pesquisa científica, no desenvolvimento de tecnologias e em ações concretas para inovação industrial saltaram de R$ 0,6 bilhão, em 2003, para R$ 2,9 bilhões, em 2009. Para 2010, está prevista a destinação de R$ 3 bilhões para o FNDCT” (SILVA, 2010, p. 115). ϵϮ Tem-se por Arranjo Produtivo Local a “concentração de agentes (instituições e empreendimentos — empresas, cooperativas e associações urbanas, profissionais liberais e empreendedores informais) localizados em um mesmo território, operando em atividades produtivas correlacionadas e que apresentam vínculos expressivos de interação, cooperação e aprendizagem, tendo por objetivo o desenvolvimento econômico e social” (SILVA, 2010, p. 41).

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Ϯϳϭ

i) ampliar a capacidade produtiva doméstica, evitando a formação de gargalos de oferta; ii) preservar a robustez do Balanço de Pagamentos, de forma a impedir que restrições externas venham a inibir o crescimento; iii) elevar a capacidade de inovação do setor privado para ampliar a competitividade das empresas no mercado doméstico e fortalecer a inserção externa do País; e iv) fortalecer as Micro e Pequenas Empresas (MPEs) para induzir um maior crescimento do emprego e da inclusão social no País. (BRASIL, 2009, p. 25)

Contudo, mesmo tendo avançado “ao ampliar o conjunto de instrumentos e setores

contemplados e ao tentar aprofundar a capacidade de planejamento, coordenação e gestão

da política” (CANO & SILVA, 2010, p. 199), num claro esforço governamental de

reconstituir a capacidade produtiva do país, altamente prejudicada pelas políticas

neoliberais até então implementadas, a PDP acabou sofrendo os impactos da manutenção

das bases da política econômica — apesar da queda, a taxa de juros persistiu alta em

comparação com outros países — e da inserção altamente competitiva da China no

mercado e da crise internacional de 2008. Desta forma, mesmo tendo ampliado a

exportação de manufaturados, o país permaneceu refém da exportação de commodities

minerais e agrícolas, sendo estas últimas as responsáveis por aproximadamente 25% da

economia à época (Cf. SILVA, 2008).

A agricultura recebeu atenção especial durante o segundo mandato. Foi mantida a

estratégia dualista: a agricultura familiar permaneceria confiada ao Ministério do

Desenvolvimento Agrário, enquanto a agricultura patronal estaria sob a égide do Ministério

da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Cf. SABOURIN, 2007). Apesar disso, ambos os

setores receberam crescentes investimentos, com vistas a elevar a produtividade e fortalecer

a presença no mercado internacional. Desta forma, o governo implementou a Política

Nacional de Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, ampliou os

recursos destinados ao PRONAF, regulamentou a Lei da Agricultura Orgânica, apoiou as

iniciativas de regularização fundiária, deu andamento ao programa de garantia de preços e

securitização da agricultura familiar, enquanto o agronegócio recebeu apoio através do:

i) fortalecimento das políticas de crédito rural e de apoio à comercialização; ii) melhoria dos instrumentos para gerenciamento de riscos climáticos; iii) ampliação e aperfeiçoamento de ações de sanidade e qualidade agropecuária; iv) negociação de acordos internacionais e promoção comercial de produtos do agronegócio; v) fortalecimento da

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pesquisa e produção agropecuária; e vi) fomento à produção de biocombustíveis (agroenergia). (SILVA, 2009, p. 35)

O setor energético também foi estratégico para a viabilização da agenda

desenvolvimentista. A política de incentivos à produção de biocombustíveis fez com que o

Brasil se tornasse o segundo maior produtor e o maior exportador de etanol do mundo. No

tocante à energia elétrica, o governo construiu novas hidrelétricas, ampliou as linhas de

transmissão e fortaleceu o programa Luz para Todos. Todavia, foi na área de petróleo e gás

que o governo colheu os melhores resultados: o petróleo da camada do pré-sal foi

descoberto; um novo marco legal para a exploração de gás e petróleo foi elaborado; a

malha de gasodutos foi significativamente expandida; e a Petrobras expandiu suas

fronteiras, recebeu novos aportes de capital e chegou à condição de quarta maior empresa

mundial em 2010.

A diminuição das desigualdades regionais permaneceu como uma prioridade da

agenda governamental no segundo mandato de Lula. Em decorrência da implementação da

Política Nacional de Desenvolvimento Regional, foram recriadas a SUDENE e a SUDAM,

logo no início do segundo mandato, em janeiro de 2007, e, mais à frente, em 2009, a

SUDECO. Os investimentos em infraestrutura e na dinamização das cadeias produtivas

foram garantidos pelos recursos oriundos dos fundos constitucionais, que tiveram os

repasses ampliados. A Amazônia recebeu um plano de desenvolvimento sustentável,

voltado à valorização da diversidade sociocultural e ambiental da região, através do

fortalecimento da presença estatal via gestão compartilhada das políticas públicas; da

ampliação da infraestrutura; do respeito às comunidades tradicionais; do combate ao

desmatamento; da ampliação da participação social; do incentivo à pesquisa; entre outras

ações. Afora isso, o turismo foi fortalecido mediante a implantação dos Programas

Regionais de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur Nordeste II, Prodetur JK e Proecotur

II), a aprovação da Lei Geral do Turismo, em 2008, a criação do Prodetur Nacional, e a

implementação do Plano Nacional de Turismo. Desse modo, ainda que algumas iniciativas

não tenham obtido os resultados esperados, o governo continuou a perseguir o objetivo de

articular, com o combate às injustiças sociais e a promoção da sustentabilidade, políticas

indutoras do crescimento econômico.

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Ϯϳϯ

Esse conjunto de ações deu condições ao Brasil de, diferentemente do que ocorreu

em anos interiores, enfrentar com relativa tranquilidade uma aguda turbulência do sistema

capitalista. A crise, iniciada nos Estados Unidos, foi, sobretudo, uma consequência das

décadas de neoliberalismo. A ausência de regulação fez com que as instituições financeiras

americanas recorressem a práticas fraudulentas em nome do aumento da lucratividade.

Desse modo, milhões de dólares foram emprestados a indivíduos que não tinham recursos

para arcar com os custos das operações, para comprarem imóveis. Imaginava-se que as

propriedades se valorizariam, permitindo aos recém-compradores a possibilidade de

cumprir os compromissos financeiros através do refinanciamento. Deu-se aí um jogo de

transferência das responsabilidades em nome de uma hipotética lucratividade: o corretor,

que vendeu o imóvel, repassava o título a um banco, que repassava a um fundo de pensão,

fazendo com que os papéis se espalhassem pelo mercado e os imóveis fossem

artificialmente valorizados. Contudo, a ausência de garantias de pagamento do comprador

gera um “efeito dominó”, dando prejuízos a todos os demais envolvidos no processo, pois o

imóvel se desvalorizará, já que será posto à venda junto a tantos outros, de modo a garantir

às instituições financeiras um ressarcimento mínimo do valor inicialmente emprestado (Cf.

DOWBOR, 2009). Isto posto, deu-se início ao que se convencionou chamar de “circo”,

“cassino” ou “ciranda” financeira, termos apropriados para a definição daquilo que:

oportunistas dos mais variados tipos desenvolvem com dinheiro que não é deles — se trata de poupanças da população ou de emissão de dinheiro com autorização pública — e que acaba quebrando não os próprios intermediários, mas pessoas, empresas ou países que produzem, poupam e investem (DOWBOR, 2009, p. 7).

No caso americano, esse processo atingiu não somente os investidores, mas a

sociedade, de maneira geral, e o Estado. Todos assistiram, em razão da especulação, a um

processo de elevação tanto do consumo quanto do endividamento. De um lado, as famílias

valeram-se do crédito, do dinheiro artificial; do outro, o governo pôs-se a ampliar o

endividamento público para sustentar suas ações. Por conseguinte, não mais haveria

recursos suficientes para cobrir o rombo das contas e investir em produção, o que viria

acarretar em desemprego, falências e recrudescimento da desigualdade social. No mundo

globalizado, quando esse tipo de situação ocorre, sobretudo em uma grande potência

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capitalista, é inevitável que a crise de confiança se instaure e afete outros países, igualmente

reféns das pressões do mercado financeiro, fazendo com que grandes empresas e

instituições financeiras sofram os abalos da especulação e percam bilhares de dólares.

Sobre a crise, afirma Filgueiras (2010, p. 22):

A crise explicita também que o capital financeiro ultrapassou a sua função específica, que é, na divisão social do trabalho, de financiar o processo de produção e consumo (na condição de “capital portador de juros”), dando origem ao “capital fictício”, na forma de papéis e títulos dos mais variados tipos, cujos valores não têm correspondência com a riqueza real existente. O movimento desse capital tende a se descolar do processo de produção, criando um circuito autônomo de valorização, embora tenha, em última instância, que retirar suas rendas do processo produtivo de criação do valor, do qual não participa. Em síntese, o crédito, que de início é poderosa alavanca do processo de acumulação, se transforma, em sua expansão desmesurada, em um dos elementos fundamentais do surgimento e desenvolvimento da crise geral.

No Brasil, a política econômica conservadora do primeiro mandato havia garantido

a redução do endividamento público, o resgate da confiança dos investidores e a

manutenção de baixas taxas de inflação. A política externa, por sua vez, garantiu a

ampliação da participação brasileira no mercado internacional, através do fortalecimento do

MERCOSUL (foram celebrados acordos de cooperação em ciência e tecnologia entre os

países, realizadas obras de infraestrutura e procedeu-se à implementação do Programa de

Substituição Competitiva de Importações da América do Sul), da institucionalização da

UNASUL, e das relações com países emergentes, africanos e asiáticos, tornando o país

menos dependente das grandes potências para alcançar os superávits na balança comercial.

Desse modo, com um bom diagnóstico — havia a “percepção de que os impactos

da crise seriam sentidos em três eixos básicos: na oferta de crédito e nas taxas de juros; na

taxa de câmbio; e no desempenho macroeconômico” (SILVA, 2009, p. 16) — e suficientes

reservas financeiras, o governo pôs-se a implementar uma política anticíclica como meio de

assegurar o projeto desenvolvimentista, através de maior participação dos bancos públicos,

da expansão do crédito, da redução de tributos e do apoio ao setor produtivo:

No curto prazo, implementou medidas para assegurar o fluxo de recursos para os setores mais intensivos em crédito. No médio prazo, adotou a política anticíclica para enfrentar a redução no ritmo do crescimento.

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Entre as principais medidas adotadas, temos a redução do compulsório e a agilização das operações de redesconto, no mercado interbancário, juntamente com a atuação do Banco Central em leilões e swaps no mercado cambial e de exportação. Adicionalmente, foram adotadas medidas para financiamento da agricultura, como a antecipação de desembolsos do Banco do Brasil, o aumento do direcionamento dos recursos obrigatórios, como poupança e exigibilidades de depósitos bancários, a abertura de linhas especiais de comercialização, a garantia de preço mínimo, o diferimento do pagamento de impostos e a aceleração da devolução de créditos tributários. No tocante ao financiamento do investimento e da produção, o aumento do crédito em bancos públicos, e especialmente a manutenção dos patamares de desembolso do BNDES, aportes ao Fundo de Marinha Mercante e crédito para capital de giro, pré-embarque e empréstimos-ponte foram as principais medidas adotadas. O apoio à construção civil também foi objeto de várias medidas específicas. De modo a estimular o consumo, o Governo baixou alíquotas de impostos de bens duráveis e criou alíquotas intermediárias para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas, reduzindo igualmente o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF) para crédito direto a pessoas físicas (SILVA, 2009, p. 16).

Mesmo assim, houve, num primeiro momento, a queda do preço das commodities, a

fuga de capitais e a elevação do desemprego, provocando a desaceleração do crescimento

econômico do país entre o último trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009 (Cf.

FILGUEIRAS, 2010). Todavia, o governo se manteve empenhado na implementação da

política anticíclica ao centrar esforços na elevação do consumo interno e na manutenção

dos ganhos sociais do primeiro mandato através do investimento público — via aplicação

de recursos do FAT no PROGER — na criação e formalização de empregos; da expansão

do crédito ao consumidor; e da preservação da política de valorização real do salário

mínimo. Essas medidas garantiram a continuidade do crescimento do salário mínimo, que

saltou de R$ 200,00, no final de 2002, para R$ 510,00 reais ao final de 2010 (Cf. SILVA,

2010), elevando significativamente seu poder de compra; a geração de 6.460.925 empregos

formais no período 2008-2010 (Cf. MTE, 2008; 2009; 2010); e a inserção de

aproximadamente 20 milhões de brasileiros na classe C, fatores que contribuíram para o

aumento do mercado de massas e o reaquecimento da economia, que cresceria 7,5% em

2010, conforme dados do IBGE.93

ϵϯ A reação do Brasil à crise de 2008 foi, no mínimo, surpreendente. Sem alterar o cenário macroeconômico, o país ainda reuniu condições para emprestar dinheiro ao FMI, integrando o “rol de países que disponibilizaram recursos de suas quotas para suprir o Plano de Transações Financeiras (FTP), mecanismo pelo qual o FMI efetua empréstimos e dá liquidez às alocações de Diretos Especiais de Saques (DES)” (SILVA, 2010, p. 302).

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O projeto desenvolvimentista do governo Lula não abandonou o propósito de

combater as injustiças sociais. Ao contrário: “a presença do PT no governo federal

organizou-se ao redor de dar materialidade aos preceitos da Constituição de 1988”, de

modo a fazer o país avançar na direção de “um Estado de bem-estar-social, com aumento

do emprego, transferência de renda para os mais pobres, e progresso na construção de

sistemas públicos de saúde e educação” (SINGER, 2012, pp. 121-122). Desta forma, o

segundo mandato de Lula foi marcado pela expansão das políticas sociais iniciadas no

primeiro e a implementação de novas ações como a Agenda Social e o Compromisso

Nacional pelo Desenvolvimento Social.

A Agenda Social foi o instrumento criado pelo governo para melhor articular as

ações setoriais no campo social. Buscava-se “consolidar a política social como garantidora

de direitos, reduzir as desigualdades sociais e fortalecer a gestão integrada para

promoção de oportunidades e emancipação das famílias mais pobres” (SILVA, 2008, p.

18), mediante a implementação de programas, voltados aos públicos considerados mais

vulneráveis — crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, mulheres, quilombolas,

indígenas —, nas áreas da saúde, cultura, segurança, direitos de cidadania, assistência

social, segurança alimentar e nutricional, transferência de renda e educação.

As crianças e adolescentes foram priorizadas pela Agenda Social mediante um

amplo conjunto de ações: a implementação do Programa Nacional de Proteção de Crianças

e Adolescentes Ameaçados de Morte; a ampliação do Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI); a criação do Cadastro Nacional de Adoção; as implantações do

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes, do

Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo e do Disque-Denúncia de Abuso e

Exploração Sexual; e a expansão dos Centros de Referência Especializados de Assistência

Social (CREAS). Além dessas medidas, o governo se comprometeu com a oferta de saúde,

educação, esporte e cultura, com vistas a diminuir a distância abissal entre as disposições

do Estatuto da Criança e do Adolescente e as ações governamentais.

Já os jovens entre 15 e 29 anos de idade, especificamente, foram beneficiados pela

formulação da Política Nacional da Juventude, que previa, dentre outras coisas, a

disponibilização de programas de qualificação profissional e inclusão digital. A Emenda

Constitucional n. 65 de 13 de julho de 2010 teve papel fundamental na legitimação dessa

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política, pois modificou o Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e o artigo

227, estabelecendo novos direitos para a juventude. Afora isso, a extensão da concessão do

Bolsa Família aos indivíduos com idade entre 16 e 17 anos contribuiu diretamente para a

permanência do alunado na escola, justamente em uma etapa do percurso educacional — o

Ensino Médio — cujos índices de evasão eram alarmantes.

Aos quilombolas prevaleceu a oferta do “Brasil Quilombola”, implementado

durante todo o primeiro quatriênio. Às mulheres, o Plano Nacional de Políticas para

Mulheres foi criado com o propósito de assegurar a equidade de gênero, através do combate

à violência contra a mulher, da expansão de serviços de saúde, da educação inclusiva e de

ações contra a discriminação no trabalho. Outra importante conquista foi a ampliação da

licença-maternidade de 120 para 180 dias, numa notória demonstração de respeito à

recuperação física e mental pós-gravidez das mulheres, que também puderam usufruir de

maior contato com seus filhos nos primeiros meses de vida. À população indígena, o

governo incorporou como objetivos a Agenda Social, o respeito à diversidade cultural e a

autonomia desses povos, a proteção das terras demarcadas, e a promoção social.

As pessoas com deficiência também foram incluídas na Agenda Social, pois o

governo previa a implementação de ações voltadas à promoção de saúde, assistência social,

habitação, esporte e acessibilidade à pessoa com deficiência. Novos centros de reabilitação,

direcionados, sobretudo, às áreas de deficiência física, auditiva e intelectual, foram

implantados; deu-se andamento à abertura de oficinas de órteses e próteses; expandiu-se a

oferta de serviços socioassistenciais especializados e a concessão de Benefícios de

Prestação Continuada; as unidades habitacionais de interesse social deveriam se adequar

aos critérios de acessibilidade para liberação de financiamentos junto à Caixa Econômica

Federal; projetos esportivos foram criados — “Pessoa com Deficiência”, “Segundo Tempo

Universitário” e “Instituições de Ensino Superior Colaboradoras — Núcleos Padrão e

Núcleos Pessoa com Deficiência” (Cf. SILVA, 2010); e o Brasil conquistou o direito de

sediar os Jogos Paraolímpicos.

Na sequência da Agenda Social, foi instituído, através do Decreto n. 6.393 de 12 de

março de 2008, o Compromisso Nacional pelo Desenvolvimento Social, que visava “à

conjugação de esforços entre a União, os Estados e o Distrito Federal para pactuar metas

de desenvolvimento social e combate à fome, direcionados à inclusão social e à promoção

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da cidadania” (SILVA, 2009, p. 106). Para tanto, a União se dispunha a celebrar convênios

de apoio técnico e financeiro com os entes federados que implementassem sistemas de

segurança alimentar e nutricional; contribuíssem para a consolidação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS); implantassem sistemas de avaliação e monitoramento social;

combatessem o trabalho e a exploração sexual infantil; utilizassem o Cadastro Único de

programas sociais do governo federal; gerassem oportunidades de emprego e renda nos

meios urbano e rural; e desenvolvessem políticas e ações complementares ao Benefício de

Prestação Continuada e ao Programa Bolsa Família (Cf. SILVA, 2008).

O Bolsa Família permaneceu como o “carro-chefe” da atuação governamental na

área social, embora não fosse transformado ainda em um direito. Ao final de 2010, o

programa atendia 12,7 milhões de famílias em todo o território nacional, concedendo

benefícios, reajustáveis, que variavam entre 22 e 200 reais por família. Todavia, mesmo

apresentando impacto altamente positivo — redução da pobreza extrema, promoção da

igualdade de gênero, declínio da desnutrição infantil e aumento das frequências escolares

—, o PBF foi alvo de críticas, sobretudo entre a classe média e as elites, por seu caráter

“assistencialista” desde os primórdios de sua implementação. Não perceberam os críticos,

segundo Rego (2010, p. 153), que

Deve-se sempre insistir, no entanto, que no conjunto de direitos que conforma a cidadania democrática, o direito à vida configura sua situação limite, pois se consubstancia no direito da pessoa a ter direitos (ARENDT, 1989: 330-331). Penso ser esta a perspectiva em que se pode enquadrar o atual programa brasileiro que estou discutindo, pois sem que haja a concessão pelo Estado de condições materiais mínimas, expressas em dotação de recursos efetivos para garanti-lo, joga-se grande contingente de pobres brasileiros na condição dramaticamente referida por Hannah Arendt: na de sua expulsão da humanidade (ARENDT, 1989). Deste modo se pode concluir que a política de transferência estatal de renda no Brasil de hoje se não pode ser definida na sua plenitude como política de cidadania, sem nenhuma dúvida trata-se de política de urgência moral que garante o direito à vida […]

Durante o segundo quatriênio de mandato, o governo Lula investiu no

aperfeiçoamento do PBF, opção que provocou melhorias no acompanhamento das

condicionalidades, do controle social e da articulação com os demais programas, além de

criar uma nova ação — o Programa Próximo Passo — voltado à qualificação social e

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profissional dos beneficiários do Bolsa Família para posterior inserção no mercado formal

de trabalho. Sobre o formato do programa, dispõe a Mensagem Presidencial de 2010:

O Próximo Passo possui três eixos centrais para garantir sua efetividade: i) os cursos de qualificação estão direcionados para setores produtivos em que há expectativa de crescimento da mão de obra demandada, o que justifica iniciar por ações na área de construção civil, estimulada pelas obras do PAC e pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, e no turismo, atividade em expansão em todo o território nacional, incrementada pelos preparativos para a Copa 2014 e Olimpíada 2016; ii) prioridade para a qualidade do aprendizado, para aumentar as chances de inserção; e iii) compromisso com inserção profissional, pactuado entre Governo e empresariado (SILVA, 2010, p. 139).

Além do PBF, o governo também investiu na consolidação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS) ao fortalecer as ações intersetoriais e tomar a família e o

território como focos da atuação no campo assistencial. Isto posto, o Estado assegurou

assistência à população em condição de vulnerabilidade, organizando suas ações em dois

níveis: a proteção básica, direcionada às pessoas pobres, em situação de privação ou

fragilização de vínculos afetivos, e a proteção especial, destinada aos indivíduos e famílias

em situação de risco social, violação de direitos ou ameaça (Cf. SILVA, 2010). Por

conseguinte, os recursos repassados à assistência social foram ampliados — de 0,95% do

PIB, em 2004, para 1,29% em 2008 (Cf. SILVA, 2010). O Cadastro Único foi

aperfeiçoado, de modo a conferir maior eficiência e transparência às ações governamentais.

O Índice de Desenvolvimento das Famílias (IDF) foi implantado para aferir o grau de

vulnerabilidade dos indivíduos dentro de um núcleo familiar, a partir de variáveis como

disponibilidade de recursos, trabalho, desenvolvimento infantil, acesso ao conhecimento e

condições habitacionais. O Plano Decenal para a Assistência Social foi criado

coletivamente. Além de terem sido criadas novas unidades dos CRAS e CREAS e se

expandido significativamente o número de Benefícios de Prestação Continuada concedidos

aos idosos e às pessoas com deficiência.

O combate à fome permaneceu como prioridade, apesar do insucesso do “Fome

Zero”, fato observável na implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional. Em função disso, a agricultura familiar recebeu maior volume de crédito,

foram articuladas parcerias com a iniciativa privada para a implantação de restaurantes

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populares, programas de promoção de educação alimentar, distribuição de cestas básicas,

criação de cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. Afora isso, no apagar das luzes do

mandato, em 4 de fevereiro de 2010, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda

Constitucional n. 64, que tornou a alimentação um direito social, algo de suma importância

em um país marcado historicamente pela desigualdade e pela luta contra a fome.

Outro programa criado foi o “Territórios da Cidadania”, cujo objetivo seria o de

combater a pobreza em áreas rurais a partir da formulação de parcerias com os municípios e

organizações sociais, que garantiriam a implementação de ações voltadas à

sustentabilidade, à inclusão produtiva, à saúde, à infraestrutura básica, à cultura e à

educação, entre outras áreas. Rapidamente, o programa colheu bons resultados, como se

pode apreender das afirmações de Oliva (2010, p. 373):

4,4 milhões de famílias receberam o Bolsa Família; foram construídas 25 mil cisternas; realizadas 223 mil ligações elétricas, pelo programa Luz para Todos; ampliada a cobertura de agentes comunitários de saúde, com mais de 81 mil profissionais; abertas 161 Farmácias Populares; e contratadas 189 mil operações de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Além disso, foram abertas 10,5 mil vagas em escolas técnicas e 10,3 mil no Ensino Superior. Em 995 municípios, também se implantou o programa Caminho da Escola, que prevê o repasse de verbas federais para a compra de veículos de transporte escolar.

Num contexto em que as políticas públicas na área social “ganham papel relevante,

rompendo com a falsa dicotomia entre o social e o econômico” (SILVA, 2010, p. 131),

saúde, habitação, segurança e cultura receberam grandes investimentos. Na saúde, a

cobertura do PSF foi ampliada, assim como o programa Brasil Sorridente, que passou a

contar com a parceria dos governos estaduais para o financiamento das ações. Unidades de

pronto atendimento (UPA) e unidades básicas de saúde (UBS) foram implantadas,

consolidando institucionalmente o SUS. Entretanto, a questão do financiamento do setor

permaneceu problemática, devido, sobretudo, à extinção da CPMF em 2007 e à ausência de

regulamentação da Emenda Constitucional n. 29, até o último ano de governo, em 2010

(Cf. FAGNANI, 2011).

O setor habitacional foi beneficiado com medidas de desoneração tributária e com a

“decisão do Conselho Monetário Nacional, que obrigou os bancos a investirem 65% dos

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recursos captados por meio de depósitos de poupança em operações financeiras

imobiliárias” (FAGNANI, 2011, p. 69). Além disso, a inclusão no PAC, através do

programa Minha Casa, Minha Vida, permitiu que milhares de casas populares fossem

construídas, contribuindo para o reaquecimento da construção civil e a redução do déficit

habitacional.

No que concerne à segurança, o governo federal lançou, ainda no primeiro ano do

segundo mandato, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(PRONASCI), com o objetivo de prevenir, controlar e reprimir a criminalidade, articulando

ações de segurança pública e políticas sociais em cooperação com os demais entes

federativos. Para tanto, os projetos estruturantes desenvolvidos no âmbito do programa

deveriam “modernizar as instituições de segurança pública e do sistema prisional,

melhorar as condições de trabalho dos profissionais da segurança pública e do sistema

prisional e enfrentar a corrupção policial e o crime organizado”, enquanto os projetos

locais promoveriam a “reintegração dos territórios, devolvendo-lhes a paz, a integração

dos jovens e das famílias e a segurança e a convivência pacífica” (SILVA, 2008, p. 152).

Desde então, surgiram iniciativas como o “Protejo”, composto de programas de

formação e inclusão social, destinados a jovens em territórios vulneráveis; o “Mulheres da

Paz”, voltado à capacitação de lideranças femininas para o encaminhamento de jovens em

situação de risco infracional aos programas do PRONASCI; os programas de formação

“Pintando a Liberdade” e “Pintando a Cidadania”, que ofertavam trabalho aos apenados e

suas famílias; o “Farol”, determinado a promover a cidadania entre jovens negros em

situação de vulnerabilidade social, conflito com a lei ou após a saída do sistema prisional;

e, finalmente, o “Reservista Cidadão”, imbuído do propósito de qualificar jovens reservistas

que tenham se envolvido no mundo do crime após o período de alistamento, para se

tornarem multiplicadores em suas comunidades.

Na cultura, o setor foi beneficiado com medidas desburocratizantes e de

desoneração tributária, que permitiram o aumento dos investimentos culturais por parte da

iniciativa privada. Além disso, o Plano Nacional de Cultura (PNC) foi aprovado pelo

Congresso Nacional após ter sido construído coletivamente desde 2003, possibilitando ao

Estado o fortalecimento de sua atuação no setor, visando a “universalização do acesso à

produção e à fruição cultural; a ampliação da participação da cultura no processo de

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desenvolvimento socioeconômico sustentável; a proteção e valorização da diversidade

artística e cultural; e a consolidação dos espaços de participação social […]” (OLIVA,

2010, p. 379). Além disso, foram criados o Programa Mais Cultura, incorporado à Agenda

Social, que passou a reconhecer a cultura como uma necessidade básica da população e

empreendeu ações como a construção de bibliotecas, cinemas e a promoção do artesanato;

o Programa Identidade e Diversidade Cultural Brasil Plural, responsável por fomentar as

atividades culturais entre segmentos sociais excluídos — índios, ciganos, idosos, pessoas

com deficiência, juventude rural e urbana, movimento LGBT, entre outros —; o PAC

Cidades Históricas, destinado à realização de obras urbanísticas e de infraestrutura que

contribuíram para a preservação desses espaços; e o Vale Cultura,94 um mecanismo de

estímulo aos trabalhadores de baixa e média renda para a aquisição de produtos culturais

diversos, que também permite às empresas o abatimento do Imposto de Renda.

O projeto desenvolvimentista exigiu que o segundo governo Lula investisse ainda

mais no setor educacional durante o segundo mandato. Havia o entendimento de que “a

educação é uma das condições para o desenvolvimento sustentável, a distribuição de

riquezas e a soberania da nação”, constituindo-se “a um só tempo, em meio e objetivo do

desenvolvimento e diminuição das desigualdades” (PARTIDO DOS TRABALHADORES

— LULA PRESIDENTE 2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p.

6). Caberia ao Estado intervir no setor, de modo a assegurar serviços educacionais de

qualidade que garantissem o acesso e a permanência de todos os indivíduos no interior do

sistema. Em razão disso, o presidente e sua equipe se comprometeram com a construção de

uma educação inclusiva, capaz de construir uma escola em consonância com as seguintes

bases:

[…] a escola deve se tornar um espaço de produção, organização e difusão de cultura, onde se realize o domínio de habilidades no campo das linguagens, da matemática, das várias ciências; onde se tome contato com as manifestações artísticas e com as condições de sua produção, com a

ϵϰ“Inspirado no vale-refeição e no vale-transporte, o vale-cultura foi desenhado no formato de um cartão magnético, com saldo de até R$ 50 por mês, por trabalhador, a ser utilizado no consumo de bens e serviços culturais. As empresas com declaração de Imposto de Renda com base no lucro real podem aderir ao Vale-Cultura e deduzir até 1% do imposto devido. Os trabalhadores com renda de até cinco salários-mínimos respondem com, no máximo, 10% do valor (R$5). A abrangência do benefício foi estendida a servidores públicos federais, estagiários e aposentados, sendo que para estes o valor é de R$ 30” (SILVA, 2010, p. 191).

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técnica e com a tecnologia; onde se desenvolvam valores em um espaço propício ao aprendizado. A escola deve ser o espaço de acesso aos esportes e ao lazer; do exercício de direitos e superação da violência como forma de resolução de conflitos; de participação da comunidade na discussão de suas necessidades, aspirações; e no acompanhamento da política educacional. A escola, como a desejamos no governo Lula, deve avançar nas políticas de inclusão, que atendam tanto às questões étnicas e raciais quanto ao tema da acessibilidade para alunos e alunas deficientes e os que têm necessidades educacionais especiais. As escolas do campo e das comunidades remanescentes dos quilombos exigem políticas direcionadas para suprir as fragilidades educacionais identificadas. (PARTIDO DOS TRABALHADORES — LULA PRESIDENTE 2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 7).

Para viabilizar esse novo modelo educacional, propunha-se ampliar a oferta da

educação infantil, universalizar o Ensino Fundamental de duração de 9anos, combater o

analfabetismo, reestruturar e universalizar o Ensino Médio, dar continuidade à expansão da

educação profissional e da EJA, construir novas universidades federais e fortalecer

programas como o FIES e o PROUNI para elevar o número de alunos matriculados no

Ensino Superior. Afora isso, o governo federal deveria, ainda, atuar em favor da

reformulação dos cursos de formação de professores; assegurar a valorização do trabalho

docente, de modo a “ressignificar a docência de maneira a que a jornada do professor

compreenda, além das atividades de sala de aula, o tempo para investigação e trabalho

coletivo na escola” (PARTIDO DOS TRABALHADORES — LULA PRESIDENTE —

2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 13); aperfeiçoar os

mecanismos de avaliação dos diferentes níveis de ensino; ampliar a participação social;

proporcionar o aumento do repasse de recursos ao setor; e regulamentar o regime de

cooperação entre União, estados e municípios a fim de constituir o Sistema Nacional de

Educação. Portanto, não eram poucos os desafios incorporados à agenda, mas a

continuidade da gestão do MEC e a mudança de estratégia governamental fizeram com que

a administração Lula alcançasse bons resultados.

Logo no início do segundo mandato, o governo lançou, como parte da Agenda

Social, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), um “plano coletivo de médio e

longo prazos, sistêmico, que propõe um novo regime de colaboração e busca aprimorar a

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Ϯϴϰ

atuação dos entes federados sem ferir-lhes a autonomia” (SILVA, 2010, p. 162), 95

mediante a implementação de um conjunto de ações voltado aos diferentes níveis de ensino,

que, segundo Saviani (2007, p. 1239), “teoricamente se constituiriam em estratégias para a

realização dos objetivos e metas previstos no PNE”. Isto posto, o PDE, funcionando

paralelamente ao PNE em vigor, se sustentaria em seis pilares: visão sistêmica da educação;

territorialidade; 96 desenvolvimento; regime de colaboração; responsabilização; e

mobilização social.

Por estar ancorado em “uma concepção substantiva de educação que perpassa

todos os níveis e modalidades educacionais e, de outro, em fundamentos e princípios

historicamente saturados, voltados para consecução dos objetivos republicanos presentes

na Constituição” (HADDAD, 2008, p. 7), o PDE não se limitou ao que convencionalmente

se denominou por “educação básica”, compreendida da educação infantil ao Ensino Médio.

Ao contrário. O plano reforçou a articulação entre os diferentes níveis de ensino e

modalidades educacionais ao se organizar em quatro grandes eixos — educação básica;

alfabetização e educação continuada; ensino profissional e tecnológico; e Ensino Superior

— e estabelecer 41 ações que deveriam ser implementadas pelo governo federal. São elas:

• Educação Infantil: Proinfância e Programa Nacional da Biblioteca Escolar.

• Ensino Fundamental: Programa Dinheiro Direto na Escola; Prova Brasil; Gosto de

Ler.

• Ensino Médio: Programa Nacional da Biblioteca Escolar.

• Educação de Jovens e Adultos: Programa Nacional do Livro Didático para

Alfabetização de Jovens e Adultos; “Brasil Alfabetizado”; e “Literatura para

Todos”. ϵϱApesar de reivindicar a condição de coletivo, o PDE não foi formulado com a participação da comunidade educacional. É o que afirma Dourado (2007, p. 928): “Adicione-se a isso, mais recentemente, a apresentação pelo MEC de um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que não contou, na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio Ministério. O PDE apresenta indicações de grandes e importantes ações direcionadas à educação nacional. No entanto, não está balizado por fundamentação técnico-pedagógica suficiente e carece de articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em desenvolvimento pelo próprio MEC e as políticas propostas”. ϵϲ Assim como as demais políticas sociais elaboradas no segundo mandato de Lula, o princípio da territorialidade se fez presente na elaboração do PDE. Segundo Haddad (2007, p. 6): “O enlace entre educação e ordenação territorial é essencial na medida em que é no território que as clivagens culturais e sociais, dadas pela geografia e pela história, se estabelecem e se reproduzem. Toda discrepância de oportunidades educacionais pode ser territorialmente demarcada: centro e periferia, cidade e campo, capital e interior [...] Reduzir desigualdades sociais e regionais, na educação, exige pensá-la no plano do País”.

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• Educação Profissional: reorganização da rede federal e integração aos IFETS;

estímulo à EAD; articulação da modalidade com o Ensino Médio regular; e a ação

“Cidades-Polo”.

• Educação Especial: Salas de Recursos Multifuncionais; “Olhar Brasil”; e Programa

de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência das Pessoas com

Deficiência beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada.

• Ensino Superior: FIES-PROUNI; “Pós-Doutorado”; “Professor Equivalente”;

Educação Superior; Programa Incluir; Programa de Apoio à Extensão Universitária

(PROEXT); Prodocência; “Nova Capes”; Programa Institucional de Bolsa de

Iniciação à Docência (PIBID); “Incentivo à Ciência”; e “Formação da Saúde”.

• Para a educação de modo geral: FUNDEB; Piso do Magistério e Formação;

Transporte Escolar; “Luz para Todos”; “Saúde nas Escolas”; Guia das Tecnologias

Educacionais; Educacenso; “Mais Educação”; Coleção Educadores; Inclusão

Digital; PDE-Escola; Conteúdos Educacionais; “Livre do Analfabetismo”; Estágio;

e Plano de Metas.

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, regulamentado pelo Decreto

n. 6.094 de 24 de abril de 2007, compreendido como o “programa estratégico” do PDE (Cf.

HADDAD, 2008), contém a maior parte das diretrizes para a educação básica, expressa nas

28 metas a serem cumpridas por estados, municípios e pelo Distrito Federal em seus

respectivos sistemas de ensino, que contemplam, entre outras coisas: a focalização na

aprendizagem; a alfabetização das crianças até os oito anos de idade; o acompanhamento

individual dos alunos; o combate à repetência e à evasão escolar; o estímulo à

implementação de reforço escolar; o acesso e a permanência do alunado com deficiência

nas escolas regulares; a promoção da educação infantil, a oferta de programas de

alfabetização de jovens e adultos; a implantação de programas de formação inicial e

continuada e de planos de carreira para os profissionais da educação; a ampliação das

possibilidades de permanência dos alunos na escola em períodos que vão além da jornada

regular; a ampliação da participação da sociedade no processo educacional; 97 a promoção

da gestão democrática nos sistemas de ensino; a integração de programas das áreas de

ϵϳ De acordo com Saviani (2007, p. 1.234), a meta a ser obtida no ano de 2022 levava em consideração os países “que ficaram entre os 20 com maior desenvolvimento educacional do mundo”. E o ano escolhido teria o caráter simbólico da comemoração dos 200 anos de independência do país.

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saúde, cultura, assistência social, esportes, etc. à educação; a melhoria da infraestrutura das

escolas; a elaboração dos planos de educação e a instalação dos conselhos, quando

inexistentes; e o acompanhamento das metas de evolução do IDEB.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 com

o objetivo de aferir o nível de aprendizagem do alunado da educação básica a partir da

articulação dos dados referentes ao fluxo e à aprovação escolar com as médias de

desempenho no SAEB e na Prova Brasil. Segundo Pinto (2009, p. 328), esse índice foi

utilizado como referência para o MEC identificar os entes federativos que deveriam ser

apoiados “mais diretamente ou prioritariamente”. Desta forma, foram escolhidos 1.200

municípios pior avaliados no IDEB para receberem o auxílio do governo federal. No

entanto, a iniciativa acabaria se “generalizando para a quase totalidade dos municípios e

para redes estaduais, pois dinheiro novo, mesmo pouco, sempre ajuda”. Ainda que tenha

tomado como parâmetro as diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), como ficou evidente no estabelecimento da média 6,0 como meta a

ser atingida em 2022 98 e ignorasse tanto os demais conhecimentos produzidos no processo

educativo quanto as diferentes etapas da aprendizagem (Cf. CAMINI, 2010; FREITAS,

2007), o novo mecanismo de avaliação da qualidade do sistema não deixou de constituir

um avanço. É o que afirma Saviani (2007, p. 1246):

No que se refere ao aspecto técnico, deve-se reconhecer que o IDEB representa um avanço importante, ao combinar os dados relativos ao rendimento dos alunos com os dados da evasão e repetência e ao possibilitar aferir, por um padrão comum em âmbito nacional, os resultados da aprendizagem de cada aluno, em cada escola. É acertada, também, a iniciativa de construir um processo sistemático e continuado de assistência técnica aos municípios como apoio e condição para incentivos financeiros adicionais. Com efeito, as avaliações têm mostrado que o ensino municipal constitui um ponto de estrangulamento a atestar que foi equivocada a política dos governos anteriores de transferir para os municípios a responsabilidade principal pelo Ensino Fundamental.

Mesmo tendo os acordos de cooperação técnica e financeira celebrados pelo MEC

se expandido a quase todos os estados e municípios, os entes só seriam contemplados se

cumprissem as condicionalidades impostas pelo Ministério. Ou seja, para participar do

ϵϴO Decreto n. 6.095 de 24 de abril de 2007 deu início à reorganização da Rede Federal de Educação Tecnológica, e a Lei n. 11.892 de 29 de dezembro de 2008 finalizou o processo.

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PDE, seria preciso elaborar um diagnóstico da situação educacional com o auxílio da

comunidade educacional local e da equipe técnica enviada pelo MEC, aceitar participar da

Prova Brasil e elaborar o Plano de Ações Articuladas (PAR) com base nas diretrizes do

Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Os estados poderiam colaborar para a

execução das metas firmadas pelos municípios também por meio de convênios de

assistência técnica e financeira. Todavia, o acompanhamento geral dos planos ficaria a

cargo do MEC e, caso as disposições dos planos não fossem cumpridas, os apoios seriam

cancelados. Segundo Pinto (2009, p. 329) esse arranjo institucional é problemático, pois:

[…] pode-se afirmar que o PDE, na modalidade do PAR, representa uma pretensão sem igual do MEC em definir o planejamento educacional dos municípios brasileiros (pois é neles que está o foco das ações, e não nos estados) sem que o ministério tenha uma estrutura adequada para tal e, principalmente, sem um volume representativo de recursos (ADRIÃO & GARCIA, 2008). Além disso, com sua lógica centrada na focalização e na premiação, o PDE acaba por retirar a atenção da questão central que o país tem pela frente, que é a de ampliar os gastos com educação para democratizar o acesso, assegurar a permanência e criar padrões mínimos de qualidade. Outro problema é que, como se tratam de transferências voluntárias, elas são as primeiras a sofrer os cortes nos momentos de contingenciamento.

Com recursos do FUNDEB, que previa o “aporte adicional de R$ 2 bilhões em

2007, R$ 3 bilhões em 2008, R$ 4,5 bilhões em 2009 e 10% do montante da contribuição

dos Estados e Municípios a partir de 2010 aos sistemas públicos de ensino” (SILVA, 2007,

p. 75), do orçamento do MEC, fortalecido com a crescente redução da Desvinculação de

Receitas da União (DRU), que deveria cair de “20% para 12,5% no exercício de 2009, 5%

no exercício de 2010, e nulo no exercício de 2011” (SILVA, 2010, p. 172), e das

contribuições dos demais entes federados, o governo federal pôs-se a investir na melhora da

“qualidade da educação básica em geral”, de modo a “ampliar substancialmente o acesso

à educação infantil e promover a progressiva universalização do Ensino Médio” (SILVA,

2007, p. 75).

A Educação Infantil, afetada pelos impactos da adoção do Ensino Fundamental de

9anos, foi alvo de importantes iniciativas durante o segundo governo Lula. A modalidade

foi incorporada ao Programa Dinheiro Direto na Escola e ao Programa Nacional de

Biblioteca da Escola, que, “até então, eram destinados apenas ao Ensino Fundamental”

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(CORRÊA, 2011b, p. 26), e recebeu, como parte do PDE, o financiamento do governo

federal às ações do Proinfância, programa voltado à construção e reforma de creches e pré-

escolas em todo o território nacional, cujos resultados foram muito satisfatórios: “R$ 1,8

bilhão entre 2007 e 2010 [foi repassado aos municípios], atingindo 1.022 instituições entre

2007 e 2008; mais de 700 em 2009, e 500 instituições em 2010” (CORRÊA, 2011b, p. 26).

Ademais, em 2009 o MEC lançou dois importantes marcos institucionais, que

acabariam afetando diretamente a Educação Infantil: a Revisão das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil e os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabelecidas pelo

Conselho Nacional de Educação, trouxeram como contribuições, dentre outras coisas, a

articulação da modalidade com a educação básica, esforço governamental já visto na

formulação do PDE; o estabelecimento do currículo como um “conjunto de práticas que

buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que

fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico” (Artigo

3º); o entendimento da criança como sujeito histórico e de direitos; a reafirmação do dever

do Estado em ofertar creches e pré-escolas em tempo parcial e integral às crianças de 0 a 5

anos de idade; a igualdade de oportunidades como um princípio; e a necessidade das

propostas pedagógicas das instituições educacionais respeitarem determinados princípios

éticos, políticos e estéticos (Cf. BRASIL, 2009).

Já os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil, por sua vez, foram formulados

para que as instituições promovessem a avaliação de suas respectivas atuações com base

em sete “dimensões de qualidade”: 1 — Planejamento institucional; 2 — Multiplicidade de

experiências e linguagens; 3 — Interações; 4 — Promoção da saúde; 5 — Espaços,

materiais e mobiliários; 6 — Formação e condições de trabalho das professoras e demais

profissionais; 7 — Cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção

social. Apesar de o governo afirmar que este seria um instrumento flexível, voltado à

mobilização da comunidade para a autoavaliação, o que se pode apreender do documento

foi a tentativa de torná-lo fixo a partir da adoção de uma metodologia padrão proposta pelo

MEC. Desse modo, a avaliação da oferta dos serviços de Educação Infantil se pautaria no

conceito de qualidade estabelecido pelo governo federal em detrimento do entendimento

que as instituições e a comunidade possuíam acerca de tal questão.

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Ϯϴϵ

Coube, portanto, ao governo Lula finalizar o longo processo de transição da

Educação Infantil para o âmbito da Educação, que incluiu, além das iniciativas

supracitadas, a “formulação de regulações; a capacitação de técnicos dos Estados e

representantes dos colegiados dos gestores municipais, por meio da realização de um

seminário nacional […] (SILVA, 2010, p. 142), rompendo definitivamente com a

concepção assistencialista até então vigente.

No tocante ao Ensino Fundamental, o governo deu andamento à implementação do

processo de ampliação da duração para 9 anos, instituiu Olímpiadas em diferentes

disciplinas e fortaleceu os mecanismos de avaliação ao criar a “Provinha Brasil”, novo

instrumento de aferição do desempenho dos alunos. A avaliação, aplicada duas vezes ao

ano, tinha como objetivo inicial promover um diagnóstico acerca do desenvolvimento das

habilidades relativas à alfabetização e ao letramento em Língua Portuguesa das crianças

matriculadas no 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública, permitindo ao governo

intervir caso as expectativas não fossem alcançadas (Cf. PERONI, 2009). Todavia, esse

tipo de instrumento não seria o mais adequado, pois, segundo Morais (2012, p. 568):

[…] a aplicação e o levantamento do rendimento dos aprendizes, com base na Provinha, não têm o poder miraculoso de mudar a cultura escolar historicamente construída, que nunca se voltou ao tratamento da heterogeneidade na sala de aula. Noutras palavras, não podemos querer garantir o direito à alfabetização efetiva e de qualidade apenas nos aprimorando na aplicação de exames diagnósticos. Sem políticas de formação continuada, de melhoria das condições de trabalho dos alfabetizadores e sem definição clara de bases curriculares, o discurso do respeito à diversidade, que marca e diferencia a organização escolar em ciclos, permanece um belo discurso a produzir distorções ideológicas que mascaram a realidade.

O programa Mais Educação, vinculado ao PDE, foi, possivelmente, uma das

intervenções mais marcantes do governo Lula no Ensino Fundamental. Seu propósito

inicial era o de ampliar a duração da jornada escolar, sobretudo para os públicos em

condição de vulnerabilidade social, mediante a oferta de atividades de

acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes, esporte e lazer, cultura digital, educação econômica, comunicação e uso de mídias, meio ambiente, direitos humanos, práticas

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de prevenção aos agravos à saúde, promoção da saúde e da alimentação saudável […] (BRASIL, 2010a, artigo 1º, §2º)

As atividades possibilitariam, de acordo com o programa, a articulação das

disciplinas curriculares com os outros tipos de conhecimento produzidos pela comunidade

escolar. Afora isso, o Mais Educação incorporou a noção de “território educativo” como

um fundamento de sua implementação, com vistas a baixar os muros da escola e encontrar

a “cultura, a comunidade, a cidade em processos permanentes de expansão e criação de

territórios educativos” (MEC, 2011, p. 5), onde os diferentes atores sociais se encontram e

compartilham experiências.

Contudo, mesmo o programa tendo previsto a universalização da educação integral

até 2014, sua implantação é problemática — não foram todas as redes que se prepararam

para tal — e exige maior esforço dos entes federados. Estender o tempo escolar não

significa aumentar a qualidade do processo educativo ou garantir que algumas crianças e

adolescentes — as mais “vulneráveis” — criem maior vínculo com a escola. É preciso,

portanto, investir na adequação física das escolas, nos equipamentos públicos, na melhoria

das condições de trabalho, da formação e da remuneração dos professores, para que os

novos ambientes de aprendizagem criados possibilitem a todos a compreensão da educação

escolar como um elemento central para a vida (Cf. CAVALIERE, 2007).

Outra realização governamental para esse nível de ensino foi a formulação do PDE-

Escola, “concebido com o objetivo de aperfeiçoar a gestão da escola pública, tendo em

vista a melhoria da qualidade do Ensino Fundamental e a ampliação da permanência das

crianças na escola” (SILVA, 2009, p. 134). Para tanto, o MEC se encarregaria de formar

gestores e funcionários e apoiar técnica e financeiramente as escolas que incorporassem às

suas rotinas instrumentos de planejamento — diagnóstico, elaboração de objetivos,

estratégias, metas e planos de ação — para alcançar o propósito de melhorar a qualidade da

oferta dos serviços educacionais.

Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional e Educação do Campo

permaneceram prioritárias na agenda governamental durante o segundo mandato de Lula. O

programa Brasil Alfabetizado foi reestruturado, através do Decreto n. 6.093 de 24 de abril

de 2007, a fim de contemplar os estados e municípios com maiores índices de

analfabetismo. O programa passou a exigir que os entes federados elaborassem planos

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plurianuais de alfabetização que incorporassem metas, indicadores específicos,

metodologias, avaliação e acompanhamento da gestão; promovessem ações articuladas com

os setores de saúde e ação social; utilizassem como alfabetizadores os professores da rede

pública; e assegurassem a oferta da EJA como continuidade ao percurso educacionais dos

educandos jovens e adultos. Como contrapartida, o MEC, via FNDE, prestaria assistência

técnico-financeira, concedendo bolsa para os alfabetizadores, coordenadores de turmas e

tradutores intérpretes de LIBRAS, formando as equipes, adquirindo gêneros alimentícios,

material escolar e pedagógico, e disponibilizando transporte para suprir as necessidades dos

alfabetizandos.

Além disso, foram criados o prêmio Paulo Freire e o Selo de Município Livre de

Analfabetismo para reconhecer o mérito das iniciativas bem-sucedidas, como parte da ação

“Livre do Analfabetismo”, integrante do PDE. A reestruturação, no entanto, não impediu

que o PBA permanecesse criticável, segundo Carvalho (2011, p. 128):

[…] quanto aos aspectos: 1) conceito restrito de alfabetização; 2) primar pela reduzida duração; e 3) falta de garantia da escolaridade de seus egressos, ainda teve seu orçamento diminuído no período estudado. Não à toa, ficou distante no objetivo de eliminar o analfabetismo. Mais do que isso, se continuar assim, tal política provavelmente não conseguirá reverter em um curto prazo os elevados índices de analfabetismo vigentes no país.

Na esteira do Brasil Alfabetizado, o governo federal expandiu as ações do Plano

Nacional de Qualificação (PNQ), agora estruturado sob as formas dos Planos Territoriais

— que deveriam ser os instrumentos para alinhar a demanda à oferta de qualificação social

e profissional nas diferentes unidades da federação — e dos Planos Setoriais —

complementares aos territoriais, orientados ao atendimento das demandas setorizadas de

qualificação e articulados com as demais políticas de geração de emprego.

O governo também institucionalizou o PRONERA, através da Lei n. 11.947 de 16

de junho de 2009, manteve o Escola Ativa e reformulou o Projovem, unificando todos os

programas destinados à juventude (Escola da Fábrica, Saberes da Terra, Agente Jovem,

Consórcio da Juventude, Juventude Cidadã e o antigo Projovem) e ampliando o público

contemplado, visto que a expectativa governamental à época era de que o programa

permitisse a reintegração de jovens entre 15 e 29 anos de idade ao processo educacional, de

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modo a terem acesso à qualificação profissional e a ações de cidadania, esporte, cultura e

lazer (Cf. SILVA, 2008).

A modalidade também foi fortalecida com sua inclusão no FUNDEB e no Programa

Nacional de Alimentação Escolar, com a criação do Programa Nacional do Livro Didático

para Alfabetização de Jovens e Adultos, com a distribuição de livros de literatura e com a

instituição da ação “Literatura para Todos”, integrante do PDE, “que tem como objetivo

incentivar, mediante concurso literário com prêmio de R$ 10.000,00, a produção de textos

destinados à leitura por parte dos jovens e adultos em processo de alfabetização”

(SAVIANI, 2009, p. 11).

O PROEJA foi mantido, e o governo lançou um novo programa, intitulado Brasil

Profissionalizado, que previa o repasse de recursos para os Estados incrementarem suas

redes de educação profissional e tecnológica, de modo a alcançar a meta do PDE de

“modernizar e expandir as redes públicas de Ensino Médio integradas à educação

profissional” (SILVA, 2010, p. 169). Por conseguinte, novas escolas técnicas federais

foram criadas e, posteriormente, transformadas em institutos federais de educação, ciência e

tecnologia, conformando uma nova rede de serviços educacionais. Um novo acordo com o

Sistema “S” foi celebrado, culminando na ampliação da oferta de formação inicial e

continuada a jovens e adultos e formação técnica em nível médio em instituições como o

SESI, o SENAI e o SENAC. Desta forma, o governo avançou, ainda mais, durante o

segundo mandato, na expansão da educação profissional e tecnológica articulada à

educação básica.

O Ensino Médio foi considerado obrigatório a partir da Emenda Constitucional n.

59 de 2009, “que amplia a obrigatoriedade escolar para a faixa dos 6 aos 17 anos de

idade, acompanhando uma tendência regional e respondendo a pressões como as do

Fundo das Nações Unidas para a Infância — Unicef” (KRAWCZYK, 2011, p. 755),

provocando o governo a adotar nova postura em relação a esse nível de ensino.

Assim, o MEC ampliou o repasse de recursos para os governos estaduais

reformarem as escolas de nível médio; incorporou o Ensino Médio ao Programa Nacional

de Alimentação Escolar; generalizou a distribuição de livros didáticos; e, através da Lei n.

11.684 de 2 de junho de 2008, incluiu as disciplinas de Filosofia e Sociologia como

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disciplinas obrigatórias na grade curricular; e tornou o ENEM 99 um instrumento de

certificação para jovens e adultos e de seleção de alunos para as universidades federais.

Sobre o novo formato do ENEM, afirma Moehlecke (2012, p. 46):

O ENEM assume, desse modo, as funções de: a) avaliação sistêmica, ao subsidiar a formulação de políticas públicas; b) avaliação certificatória, ao aferir conhecimentos para aqueles que estavam fora da escola; c) avaliação classificatória, em relação ao acesso ao Ensino Superior, ao difundir-se como mecanismo de seleção entre as instituições de Ensino Superior, articulado agora também ao Sistema Unificado de Seleção (SISU).

Outra iniciativa relevante foi a criação do programa Ensino Médio Inovador, a partir

da Portaria n. 971 do MEC de 9 de outubro de 2009, para auxiliar as secretarias estaduais

de Educação, mediante apoio técnico e financeiro, na tarefa de realizarem inovações

curriculares, expandindo, assim, o atendimento e melhorando a qualidade da prestação de

serviços educacionais.

Nessa direção, propunha-se a incorporação de 8macro campos — Acompanhamento

Pedagógico; Iniciação Científica e Pesquisa; Cultura Corporal; Cultura e Artes;

Comunicação e uso de Mídias; Cultura Digital; Participação Estudantil; e Leitura e

Letramento — aos currículos para torná-los mais dinâmicos e atrativos ao seu público-alvo.

Aventava-se também a possibilidade de o alunado cursar disciplinas eletivas e realizar

atividades optativas, e estimulava-se a criação de projetos político-pedagógicos com a

participação da comunidade e a adoção de regimes de dedicação exclusiva aos docentes

(Cf. MOEHLECKE, 2012).

Entretanto, a iniciativa ainda tinha o caráter instável de um programa, já que não foi

formulada uma política, de fato, para o Ensino Médio. Com isso, os problemas persistiram,

como se pode apreender da análise de Oliveira (2010, p. 274):

ϵϵ A implantação do novo modelo do ENEM não ocorreu sem problemas — que foram ostensivamente divulgados pela mídia. Sobre isso afirmam Melo & Duarte (2011, p. 238): “[...] as consecutivas falhas ocorridas com o novo ENEM, referentes ao vazamento de provas em 2009, erros na impressão de provas em 2010 e problemas para inscrições no Sistema de Seleção Unificada (SISU) em janeiro de 2011, vêm implicando perda de credibilidade ao Exame e ao próprio MEC e foram inclusive a causa da demissão de dois presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)”.

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Ϯϵϰ

Os problemas enfrentados pelo Ensino Médio são bastante complexos: apesar de 84% dos jovens entre 15 e 17 anos estarem matriculados na escola, muitos ainda se encontram no Ensino Fundamental. Desse total, apenas 48% estão no Ensino Médio e, dos 10 milhões de jovens que existem no Brasil, cerca de 13% não estão nem na escola nem no mercado de trabalho. Outros fatores podem e devem ser considerados nessa análise, muitos deles exógenos às políticas educacionais, como: a baixa atratividade do mercado de trabalho para os jovens; os problemas econômicos que resultam em dificuldades de acesso e permanência nas escolas, agravado em regiões mais distantes dos grandes polos urbanos e industriais; e o crescimento da educação superior privada no Brasil nas duas últimas décadas.

Ainda no que concerne à educação básica, foram mantidos programas importantes

como o PDDE, que “engloba várias ações e objetiva a melhoria da infraestrutura física e

pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos financeiro,

administrativo e didático” (SILVA, 2010, p. 172); o Caminho da Escola e o Proescolar,

voltados à renovação das frotas escolares; o PROINFO, cujo propósito era o de financiar a

construção e a atualização dos laboratórios de informática das escolas públicas; e houve

melhora no acompanhamento do alunado beneficiado pelo Bolsa Família, com aumento do

número de municípios e de escolas que passaram a informar a frequência escolar.

Afora isso, foram criados quatro programas e três ações como parte do PDE: o

“Saúde nas Escolas”, que previa o atendimento básico a alunos e professores; o “Inclusão

Digital”, destinado à distribuição de computadores nas escolas de educação básica; o PDE-

Escola, “uma ação que se propõe a fortalecer a autonomia de gestão das escolas,

envolvendo apoio técnico e financeiro às instituições de ensino para que elaborem seus

próprios planos de gestão” (SAVIANI, 2009, p. 09); e o Educacenso, um sistema que

permite levantar dados educacionais, tanto da rede pública como da rede privada de ensino,

pela internet. As ações, por sua vez, consistiam na disponibilização da “Coleção

Educadores”100 pelas escolas e bibliotecas públicas; no auxílio financeiro por parte da

União para a “produção de conteúdos de ensino na forma digital em multimídia”

(SAVIANI, 2009, p. 8) para as diferentes disciplinas da grade curricular; e a elaboração dos

Guias de Tecnologias Educacionais, um mecanismo para auxiliar os sistemas de ensino na

aquisição de materiais e tecnologias para as escolas públicas.

ϭϬϬSegundo Saviani (2009, p. 8), a coleção reunia sessenta volumes, de “autores clássicos da educação, sendo trinta educadores brasileiros e trinta estrangeiros”.

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No encalço dessas realizações, o MEC tomou duas medidas que impactariam

diretamente na educação básica: a elaboração da Lei n. 11.738 de 16 de julho de 2008 e o

estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.

A referida lei evidenciou o movimento, “pelo menos parte do governo federal, de

buscar assegurar, no plano legal, maiores direitos e garantias aos professores da

educação básica que repercutam diretamente sobre a atratividade da carreira docente”

(OLIVEIRA, 2011, p. 35), pois instituiu o piso salarial nacional a ser respeitado pelos

estados e municípios e aplicado às aposentadorias e pensões; estabeleceu que os docentes

deveriam cumprir, no máximo, 2/3 da jornada de trabalho com o alunado; assegurou a

atualização anual dos vencimentos; e impôs aos entes federados a elaboração (ou

adequação) dos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 2009. No entanto,

nem todos os estados e municípios tinham condições de cumprir a nova lei, e a União

somente se dispunha, nesses casos, a oferecer apoio técnico ao invés de cooperação

financeira. Desse modo, a carreira permaneceu sendo “matéria dos estados e municípios

que a organizam segundo suas capacidades e as forças políticas presentes em cada

realidade local”, sem que se assegurasse, ainda, a estabilidade necessária para viabilizar

“condições de trabalho e as relações de emprego dignas para os docentes” (OLIVEIRA,

2011, pp. 35-36) e, por consequência, elevar a qualidade da educação.

As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (parecer

CNE/CEB n. 7/2010 e resolução CNE/CEB n. 4/2010) reafirmaram o compromisso estatal

com a garantia do “direito de toda pessoa ao seu pleno desenvolvimento, à preparação

para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivência

em ambiente educativo”, através da promoção de políticas que possibilitem “a

democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das

crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional” (Art. 1º). Nessa direção, o

Estado se compromissou com a construção de um sistema educacional nacional, ao

institucionalizar o regime de colaboração responsável por “vencer a fragmentação das

políticas públicas e superar a desarticulação institucional” de modo que cada ente

federativo, “com suas peculiares competências, é chamado a colaborar para transformar a

Educação Básica em um sistema orgânico, sequencial e articulado” (Art. 7º).

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O documento afirmou, ainda, uma concepção de educação pautada nos pressupostos

constitucionais, na “cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressupõe igualdade,

liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justiça social, solidariedade e

sustentabilidade” (Art. 3º) e a necessidade de se garantir sua qualidade social, através da

transformação do estudante e da aprendizagem em elementos centrais do processo

educativo, em uma escola que atenda aos seguintes requisitos:

I — revisão das referências conceituais quanto aos diferentes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços sociais na escola e fora dela; II — consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade; III — foco no projeto político-pedagógico, no gosto pela aprendizagem e na avaliação das aprendizagens como instrumento de contínua progressão dos estudantes; IV — inter-relação entre organização do currículo, do trabalho pedagógico e da jornada de trabalho do professor, tendo como objetivo a aprendizagem do estudante; V — preparação dos profissionais da educação, gestores, professores, especialistas, técnicos,monitores e outros; VI — compatibilidade entre a proposta curricular e a infraestrutura entendida como espaço formativo dotado de efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e acessibilidade; VII — integração dos profissionais da educação, dos estudantes, das famílias, dos agentes da comunidade interessados na educação; VIII — valorização dos profissionais da educação, com programa de formação continuada, critérios de acesso, permanência, remuneração compatível com a jornada de trabalho definida no projeto político-pedagógico; IX — realização de parceria com órgãos, tais como os de assistência social e desenvolvimento humano, cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, saúde, meio ambiente. (Art. 9º)

A base curricular comum da Educação Básica também foi redefinida, constituindo-

se de “conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente”, produzidos pelo

“conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das

linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas

diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais” (Art. 14). Com isso, os

currículos escolares deveriam se pautar na multidimensionalidade do fenômeno

educacional, tornando-se mais dinâmicos, críticos e reflexivos, abertos à diferença, à

transversalidade, com vistas a possibilitar a ocorrência de “trocas, acolhimento e

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aconchego, para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, no

relacionamento entre todas as pessoas” (Art. 11, parágrafo único).

Ademais, as Diretrizes também definiram as atribuições das diferentes etapas e

modalidades da Educação Básica; reforçaram a necessidade de promoção da

intersetorialidade, da ampliação da participação, da construção da gestão democrática no

ensino e da valorização dos profissionais da educação; estabeleceram os diferentes

mecanismos de avaliação — da aprendizagem, institucional interna e externa, e das redes

—; e consagraram como princípio a inseparabilidade entre o cuidar e o educar. Ou seja, o

Estado avançaria na construção da Educação Inclusiva, abandonando boa parte dos

princípios excludentes que haviam norteado as políticas educacionais até então.

Ações afirmativas no campo educacional foram mantidas e expandidas durante o

segundo mandato. Consubstanciadas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos, fortaleceram-se iniciativas como os programas de Educação Indígena e

Educação Quilombola.Aprovou-se, em 2008,a Lei n. 11.645, que obriga a inclusão da

disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na rede de ensino. No ano seguinte

foi lançado o Plano Nacional de Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana. O governo persistiu no combate à desigualdade de gênero e investiu

na capacitação dos professores para lidarem contra a homofobia, através de projetos como o

“Escola que protege”, “Educação em Direitos Humanos” e “Gênero e Diversidade na

Escola”.

Os programas de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, de Apoio aos Dirigentes

Municipais de Educação (PRADIME), do “Formação pela Escola” e do Profuncionário,

que passou a ser oferecido pelos CEFETs em parceria com as secretarias de Educação,

foram fortalecidos com maior aporte de recursos e ampliação da oferta. Também foram

preservados os programas voltados à formação de docentes como o Educação Quilombola,

o Prolind, o Proinfantil, o Prodocência e o Programa de Formação Continuada em Mídias

na Educação. Desse modo, o governo federal sinalizava que a formação inicial e continuada

dos profissionais da educação permaneceria prioritária na agenda governamental durante o

segundo quatriênio.

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Quatro grandes ações ainda seriam criadas no período: o Programa de Apoio à

Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), visando à

formação de professores para atuação nas escolas rurais de Ensino Fundamental e Médio,

mediante a implementação de cursos de licenciatura nas instituições públicas de Ensino

Superior; o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (GESTAR I), cujo propósito era o

de ofertar formação continuada, à distância, em língua portuguesa e matemática para o

professorado do Ensino Fundamental II das escolas públicas; o Programa de Formação

Continuada em Tecnologia Educacional (Proinfo integrado), que tem por objetivo

disponibilizar cursos de capacitação para o uso das Tecnologias de Informação e

Comunicação (TIC) de forma articulada à distribuição de equipamentos tecnológicos nas

instituições de ensino e à oferta dos conteúdos e recursos multimídias por parte do MEC; e

o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), que tem duplo

objetivo: “aproximar as instituições formadoras das escolas dos sistemas de ensino de

Estados e Municípios e criar as condições materiais para que licenciandos tornem a sala

de aula na escola parte integrante de sua formação para o magistério” (SILVA, 2009, p.

126).

Todavia, o sistema UAB permaneceu sendo o maior projeto governamental, agora

vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Em

função disso, os programas Proformação, Pró-Letramento, Pró-Licenciatura permaneceram

em vigor, o projeto “Casa de Professor” foi implantado para aproximar os polos de EAD

das residências dos professores, de modo a possibilitar que os espaços de formação fossem

ampliados, pois os estudantes teriam acesso a laboratórios e bibliotecas no local; e a Lei n.

12.056 de 13 de outubro de 2009 foi instituída, acrescentando ao artigo 62 da LDB três

parágrafos:

§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. § 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação à distância. § 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação à distância (BRASIL, 2009a).

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Em decorrência da nova legislação, o Plano Nacional de Formação de Professores

(PARFOR) foi criado, em articulação com os estados e municípios, almejando uma meta

ousada: “formar mais de 370 mil professores da educação básica pública, até 2014, em 25

Estados, dando cumprimento ao disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional” (SILVA, 2010, p. 165). Embora os resultados esperados não tenham sido

alcançados, o programa é promissor, como afirma Scheibe (2010, p. 996):

As ações articuladas, já iniciadas nos últimos anos pelo desempenho do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), são promissoras e é desejável que haja uma estratégia de continuidade particularmente na organização dos planos estratégicos de formação inicial e continuada que estão sendo acordados nos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente. A partir deste Plano, forma-se hoje um regime de colaboração entre as secretarias de Educação dos estados e municípios e as instituições públicas de educação superior, neles sediadas, para ministrar cursos gratuitos a professores que estão em exercício nas escolas públicas e que não possuam ainda a formação adequada à lei estabelecida. A fim de cumprir o Decreto n. 6.755, o MEC delegou à CAPES a responsabilidade pela indução, fomento e avaliação dos cursos no âmbito do PARFOR. Todas as licenciaturas das áreas de conhecimento da educação básica poderão ser ministradas nas modalidades presencial e à distância: cursos de primeira licenciatura para professores sem graduação, de segunda licenciatura para licenciados que atuam fora da sua área de formação, e de formação pedagógica para bacharéis atuantes no ensino.

A educação superior permaneceu sob a égide de um projeto de democratização, que

combinava apoio à iniciativa privada e expansão dos serviços públicos como meios de

ampliar as oportunidades de acesso e permanência nas instituições de ensino. Desse modo,

o PROUNI e o FIES, apesar das críticas de alguns setores da sociedade, foram expandidos,

mantendo-se como relevantes instrumentos para a ampliação das matrículas. Afora isso, o

governo centrou esforços na criação de novas universidades federais — foram 15 desde o

início do primeiro mandato — e na implementação do Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), iniciado através de uma

“campanha contra o atual formato do ensino ministrado na maioria das universidades,

com diagnósticos e análises variados, baseados em dados estatísticos, sobre vagas nas

universidades públicas e as altas taxas de evasão no Ensino Superior” (LÉDA &

MANCEBO, 2009, p. 52), que culminou, primeiramente, na criação do projeto

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ϯϬϬ

“Universidade Nova”, capitaneado pelo então reitor da Universidade Federal da Bahia, e,

posteriormente, no Decreto n. 6.096 de 24 de abril de 2007, cujos objetivos foram assim

sintetizados na Mensagem Presidencial de 2010:

O Reuni atua também na qualidade da oferta em cinco dimensões: i) reestruturação acadêmico-curricular; ii) inovação pedagógica; iii) mobilidade intra e interinstitucional; iv) compromisso social das IFES; e v) articulação entre graduação, pós-graduação e os demais níveis educacionais. Essas diretrizes desdobram-se em ações e estratégias descritas nos Planos de Reestruturação e se materializam não só por meio de investimentos diretos do programa, mas por um conjunto de programas associados, a exemplo do Programa de Apoio à Extensão Universitária (Proext), do Programa de Educação Tutorial (PET) e do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) (SILVA, 2010, p. 167).

O Programa de Apoio à Extensão Universitária (Proext) foi criado com o objetivo

de melhor articular o conhecimento produzido nas universidades à realidade social, de tal

forma que receberiam financiamento os projetos designados ao desenvolvimento de

políticas públicas de inclusão social. Já o Programa de Educação Tutorial (PET) ofereceria

“bolsas de tutoria a professores e bolsas de iniciação científica a estudantes de graduação

para o desenvolvimento de projetos que integrem ensino, pesquisa e extensão” (SILVA,

2010, p. 167). Por sua vez, o PNAES foi instituído com vistas a garantir a permanência do

alunado de baixa renda nos cursos presenciais das IFES, “mediante o oferecimento de

assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura,

esporte, creche e apoio pedagógico” (SILVA, 2010, p. 167), uma importante iniciativa se

considerados os diferentes obstáculos presentes na trajetória acadêmica dos estudantes.

Contudo, apesar dessas iniciativas, o REUNI não seria bem recebido pela comunidade

acadêmica, pois, dentre outras coisas, flexibilizaria os cursos, reduziria o custo por aluno,

desregulamentaria os processos de contratação de professores — vide o programa Professor

Equivalente — e condicionaria o financiamento das atividades das IFES à aceitação ao

programa, num evidente desrespeito à autonomia universitária (Cf. TRÓPIA, 2009). Sobre

os problemas do REUNI, afirma Lima (2011, p. 92):

A análise do Reuni evidencia de que forma e com que conteúdo está ocorrendo a expansão do acesso à educação superior. Trata-se do tripé: aligeiramento da formação profissional (cursos de curta duração, ciclos,

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ϯϬϭ

exame de proficiência, cursos à distância); aprofundamento da intensificação do trabalho docente (relação professor/aluno, ênfase das atividades acadêmicas no ensino de graduação) e pavimentação do caminho para transformação das universidades federais em “instituições de ensino terciário”, quebrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e decretando, efetivamente, o fim da autonomia universitária, na medida em que a alocação das verbas públicas está condicionada à adesão ao contrato de gestão/Reuni (LIMA, 2008).

Apesar de ter o REUNI como programa prioritário, a educação superior também foi

objeto de outras ações estabelecidas pelo PDE. Entre elas, destacam-se a manutenção do

“Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior”; a criação das ações “Pós-

Doutorado”, destinada a “reter no país pessoal qualificado em nível de doutorado, evitando

a chamada ‘fuga de cérebros’” (SAVIANI, 2009, p. 10); “Nova Capes”, que possibilitou a

esse órgão a missão de atuar na qualificação dos professores da educação básica; “Incentivo

à Ciência”, controversa, pois previa a aproximação das universidades públicas com a

iniciativa privada a partir da concessão de isenção fiscal às empresas que viessem a

financiar projetos de inovação científica e tecnológica; e “Formação pela Saúde”, uma

estratégia de articulação do Ministério da Educação com o Ministério da Saúde, “cujo

objetivo é integrar o ensino ministrado na universidade com o trabalho prático dos

profissionais da saúde, em especial no que se refere à ‘saúde da família’” (SAVIANI,

2009, p. 11).

Afora as iniciativas supracitadas, o governo federal também implantou, a partir de

2009, o programa Proinfa, operacionalizado pela FINEP, destinado a apoiar a execução de

projetos de “implantação, modernização e recuperação de infraestrutura de pesquisa nas

instituições públicas de Ensino Superior ou de pesquisa” (SILVA, 2010, p. 118), e abriu o

“Edital Novos Campi”, igualmente destinado à “implantação de pesquisa científica e

tecnológica” (IDEM, IBIDEM), contudo, nas novas universidades federais e nos campi fora

das sedes das IFES.

O segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim tendo como marca a

retomada da agenda desenvolvimentista. A experiência petista à frente da Presidência da

República foi marcada não só pela retomada do crescimento econômico, como também

pela elaboração de políticas sociais que modificaram substancialmente a realidade de

milhões de brasileiros pobres. Houve geração de empregos, redução da proporção da dívida

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ϯϬϮ

externa em relação ao PIB, estímulo ao crédito, reaquecimento do mercado interno,

valorização real do salário mínimo, investimentos crescentes em infraestrutura social e

econômica, e combate às desigualdades regionais. Em decorrência disso, o Brasil não só

fortificou sua estabilidade econômica e sua imagem no plano externo como combateu a

pobreza e possibilitou que amplos setores da sociedade, historicamente marginalizados,

começassem a ter suas demandas atendidas pelo aparelho estatal.

Nesse sentido, é possível concordar com a análise de Singer (2012) segundo a qual

Lula e sua equipe não compactuaram com o “reformismo forte”, que havia possibilitado,

por exemplo, “o reconhecimento de direitos fundamentais para a classe trabalhadora,

como a ‘educação, a saúde, o trabalho’, e de institutos de participação direta (plebiscito,

referendo e iniciativa popular) […]” na redação final da Constituição de 1988, mas

contribuíram diretamente para que o Brasil construísse seu modelo de Estado de Bem-Estar

Social após anos de neoliberalismo e sucessivos descumprimentos às disposições

constitucionais. Não houve ruptura sistêmica, mas houve significativa redução da pobreza,

num esforço de conciliação que permitiu “expansão do mercado interno com integração do

subproletariado ao proletariado via emprego (mesmo que precário), consumo e crédito,

sem reformas anticapitalistas, e com lenta queda da desigualdade como subproduto”

(SINGER, 2012, p. 200). Desta forma, os mais ricos não foram ameaçados, e os mais

pobres, diferentemente do que ocorrera até então, passaram a ter seus direitos efetivados e

foram definitivamente integrados à sociedade de consumo.

As contradições não foram superadas — são inerentes ao capitalismo —, mas, no

entanto o país chegou ao final da primeira década do século XXI em condições de reduzir

sua acintosa dívida social e construir um futuro diferente.

5.4. A Educação Especial na Era Lula (2003-2011): a opção pela inclusão

Nos oito anos de governo Lula, apesar da manutenção de uma política econômica

pautada nos princípios neoliberais, a política social, diferentemente do que ocorreu no

período FHC, foi fortalecida, fato que concedeu à Educação, e mais especificamente à

Educação Especial, um novo espaço na agenda governamental.

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ϯϬϯ

O objetivo de instituir um modelo de desenvolvimento que combinasse crescimento

econômico e inclusão social fez com que o governo associasse a execução de políticas

redistributivas — o Bolsa Família, a política de valorização do salário mínimo, a concessão

dos Benefícios de Prestação Continuada, entre outros — com um extenso conjunto de

políticas de reconhecimento, sobretudo no campo educacional, que conferiram maior

importância na agenda às demandas de públicos historicamente excluídos: os negros,

indígenas, as mulheres, o grupo LGBT e, finalmente, as pessoas com deficiência.

Desse modo, expressou-se, desde o primeiro momento, um claro compromisso com

a construção de um sistema educacional inclusivo, como se pode apreender dos planos de

governo “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, apresentado durante a campanha eleitoral de

2002, e “Lula Presidente — 2007-2010 — Plano Setorial de Educação”, elaborado para a

disputa da reeleição em 2006.

Em 2002, o plano de governo assumiu uma concepção diferenciada de

aprendizagem, mais próximo de uma perspectiva inclusiva, pois partia do ponto de que

“todos podem aprender”, devendo a escola propiciar as condições necessárias para que os

alunos “sintam-se motivados a ‘aprender a aprender’” (UMA ESCOLA DO TAMANHO

DO BRASIL, 2002, p. 15). Embora esse fosse um lema difundido pelos organismos

multilaterais e fortemente propagado durante toda a era Fernando Henrique Cardoso, o

então candidato do PT se comprometeu com a construção de um sistema educacional que

compreendesse o aluno como um elemento central do processo educativo. Em função disso,

propunha-se uma escola democrática, que permitisse o acesso e a permanência de todos.

O plano também continha propostas específicas para a Educação Especial,

articulando-a com a escola comum. Afirmava-se, entre outras coisas, a necessidade de

construir uma escola acessível; formar equipes profissionais multidisciplinares, de modo a

constituir uma “rede de apoio às escolas e aos professores” e promover uma “detecção

precoce de problemas que os alunos possam enfrentar em seu cotidiano escolar,

permitindo buscar alternativas de aprendizagem para a superação das dificuldades”

(UMA ESCOLA DO TAMANHO DO BRASIL, 2002, p. 21); atender o alunado em salas

regulares e em salas de recursos; ofertar transporte escolar e garantir capacitação

continuada ao professorado.

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ϯϬϰ

Não há dúvida de que esses compromissos significavam importantes avanços,

sobretudo pelo fato de que, nas campanhas eleitorais até então, pouco ou nada havia sido

falado em termos de inclusão. Todavia, o plano de governo apresentado por Lula em sua

primeira eleição ainda retrocedia em alguns aspectos: previa a oferta do atendimento em

salas e escolas especiais “para os alunos que não se beneficiem [da aprendizagem em

escola comum], com equipes de apoio e professores especializados” (UMA ESCOLA DO

TAMANHO DO BRASIL, 2002, pp. 21-22).

Ficava claro, portanto, que a educação não se livraria tão cedo do princípio da

integração.

No segundo plano de governo, o então candidato à reeleição, respaldado por uma

forte atuação em prol da inclusão no primeiro mandato, avançava no compromisso com a

construção de uma educação inclusiva. Apesar de ainda incorporar a tese do “aprender a

aprender” — “trata-se de criar as condições para que os alunos de todas as idades

aprendam a aprender, aprendam a ser, aprendam a fazer e aprendam a viver juntos”

(LULA PRESIDENTE 2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 06)

—, a escola deveria se reorganizar, de modo a se tornar um “espaço de produção,

organização e difusão da cultura” (LULA PRESIDENTE 2007-2010 — PLANO

SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 7), espaço esse onde se toma contato com os

diferentes tipos de conhecimento, a arte, os esportes, a tecnologia, e se exercem direitos.

Nessa direção, afirma-se a necessidade de valorizar a diferença, agora devidamente

incorporada à concepção educacional do plano de governo, como se pode apreender do

trecho abaixo:

A política levada a efeito no governo atual está comprometida com uma concepção de educação que lhe atribui o papel de estimular a reflexão crítica, a produção criativa e a participação ativa das comunidades na vida escolar, valorizando a identidade dos educandos, suas experiências sociais e culturais, bem como respeitando seus tempos e ritmos. Considerar as características específicas de cada aluno e de suas comunidades é fundamental para torná-los sujeitos de sua aprendizagem e para que a educação seja efetivamente inclusiva. (LULA PRESIDENTE — 2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006, p. 10)

Além disso, estabeleciam-se como metas a expansão do uso e do ensino da LIBRAS

(Língua Brasileira de Sinais), através da formação inicial e continuada de docentes e dos

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tradutores e intérpretes; a distribuição de material didático e pedagógico voltado às

diferentes deficiências e às altas habilidades/superdotação; o fortalecimento dos Núcleos de

Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S); a ampliação da formação

docente para o ensino do sistema Braille; a criação de programas de formação docente

pautados na valorização da diferença; e a manutenção dos programas “Educação Inclusiva:

Direito à Diversidade”, “Sala de Recursos Multifuncionais” e “Incluir” (Cf. LULA

PRESIDENTE — 2007-2010 — PLANO SETORIAL DE EDUCAÇÃO, 2006).

Também houve o comprometimento com a ampliação da participação da sociedade

nos desígnios da educação e a promoção de políticas intersetoriais, mediante a articulação

das ações educacionais com os setores de saúde e assistência social, fatores indispensáveis

para a promoção do acesso e a garantia de permanência do alunado com deficiência no

sistema educacional. Desta forma, o governo petista, em oito anos de mandato, pôs-se a

romper, não sem contradições, o modelo de atuação adotado pelos antecessores, assim

sintetizado nas palavras de Bites (2003, p. 12):

A implantação da política de inclusão escolar, conforme constatamos, vem acontecendo de cima para baixo. O professor em geral é despreparado, age de forma solitária, sem o devido acompanhamento, sem orientação e controle do processo ensino- aprendizagem e dos resultados de seu trabalho, a não ser os de registro escolar exigidos pelas secretarias de Educação. O envolvimento das famílias no processo educativo denota, de um lado, sua inserção no processo educativo escolar, o que é bastante positivo na educação de crianças e jovens e, de outro, a delegação de uma função que em princípio e em primeiro lugar caberia ao Estado que é o de oferecer condições, implantar, acompanhar, controlar, enfim, fiscalizar os serviços prestados à população. O número de alunos com necessidades especiais integrantes da rede regular de ensino oficial é pouco significativo e parece não corresponder à realidade. Na verdade, a estatística escolar atende aos objetivos dos gestores das administrações centralizadas e nem sempre é fidedigna. Assim sendo, as iniciativas adotadas nestas instâncias carecem de sentido aos professores e seus alunos e à comunidade escolar e não se efetivam.

Lula e sua equipe, ao assumirem o poder em 2003, encontraram o seguinte cenário

no âmbito da Educação Especial: “considerando as escolas especializadas e os alunos

integrados nas escolas comuns, o atendimento a alunos com necessidades especiais

aumentou 33%, entre 1998 e 2002” (SILVA, 2003, p. 57), sendo que o atendimento nas

classes comuns havia passado de 43,9 mil em 1998 para 110,5 mil em 2002 (Cf. SILVA,

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2003), o que denunciava a ausência, até então, de uma política educacional efetivamente

compromissada com a inclusão da pessoa com deficiência. Em razão disso, logo no

primeiro mandato, o governo estabeleceu como uma de suas diretrizes investimentos em

acessibilidade, saúde, assistência social e em transformações no campo educacional através

da elaboração de um extenso conjunto de programas e ações, num claro propósito

reformista. Contudo, a ansiada substituição dos marcos institucionais difusores da

integração que vigoraram até então — leia-se, aqui, a Política Nacional de Educação

Especial, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e as

Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, entre outros — só ocorreria no segundo

quatriênio.

Desde o primeiro momento, o governo federal investiu em serviços de proteção

socioassistencial destinados à pessoa com deficiência. Na realidade, essa ação se dava

através do “apoio técnico e financeiro aos serviços executados direta e indiretamente pelos

Estados, Municípios e Distrito Federal” que se incumbiam de desenvolver programas de

habilitação e reabilitação para “assegurar os direitos sociais das pessoas com deficiência,

criando condições para promover sua autonomia, inclusão social e participação efetiva na

sociedade” (SILVA, 2005, p. 151). Afora isso, novas realizações foram promovidas: a

capacitação de recursos humanos para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, a

promoção de eventos sobre os direitos de cidadania desse público e ações de “apoio a

organizações não governamentais que desenvolvem trabalho protegido para pessoa com

deficiência” (SILVA, 2004, p. 162).

Ainda no âmbito da assistência social, manteve-se a política de concessão de

Benefícios de Prestação Continuada, responsável por garantir a subsistência de milhares de

indivíduos e contribuir diretamente para a redistribuição de renda, e implantaram-se novas

modalidades de atendimento — “Centro-dia, Casa-Lar, reabilitação na comunidade,

atendimento domiciliar, residência com família acolhedora e abrigos para pequenos

grupos” (SILVA, 2004, p. 150) —, todas articuladas ao Sistema Único de Assistência

Social e à Política Nacional de Habilitação e Reabilitação.

Imaginava-se, com essas iniciativas, reduzir a condição de vulnerabilidade social

que parte expressiva da população com deficiência se encontrava, o que, de fato ocorreu,

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ϯϬϳ

com a expansão do atendimento para aproximadamente 163 mil pessoas em 1.752

municípios no ano de 2006 (Cf. SILVA, 2007).

Logo no primeiro ano de mandato, o governo Lula lançara sua primeira ação de

relevo no campo educacional voltada à pessoa com deficiência: o programa Educação

Inclusiva: Direito à Diversidade. Nele se afirmava a necessidade de construir uma educação

inclusiva. Em vez do reconhecimento à diferença, no entanto, valorizou-se a diversidade,

compreendida como “característica inerente à constituição de qualquer sociedade, na

necessidade de garantir acesso e participação de todo cidadão a todas as oportunidades,

independente das peculiaridades de cada indivíduo e/ou grupo social” (SILVA, 2005, p.

171). Ora, segundo Silva (2000), essa seria uma estratégia “liberal”, pois ao “estimular e

cultivar os bons sentimentos e a boa vontade com a chamada ‘diversidade cultural’”, parte

do pressuposto que a natureza humana deve ser expressada, respeitada e tolerada — “no

exercício de uma tolerância que pode variar desde um sentimento paternalista e superior

até uma atitude de sofisticação cosmopolita de convivência para a qual nada que é humano

lhe é ‘estranho’” (SILVA, 2000, p. 8). Desse modo, as relações de poder que envolvem o

processo de construção da identidade e da diferença seriam subjugadas pelo desejo de

produzir uma falsa harmonia, que continuaria a sustentar a reprodução de opressores e

oprimidos. Assim, o programa buscava:

disseminar a educação inclusiva para garantir o acesso e a permanência de alunos com deficiência em escolas regulares da rede pública de ensino. Os profissionais já capacitados atuam como agentes multiplicadores, levando o conhecimento a seus próprios Municípios e aos que estão em sua área de abrangência (SILVA, 2005, p. 171).

Os objetivos do programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade eram o de

formar, na perspectiva inclusiva, gestores e educadores nos municípios para a oferta do

atendimento educacional especializado e a garantia da acessibilidade, a fim de efetivar o

direito de todos à educação. Para tanto, foram oportunizados seminários nacionais e cursos

regionais, instalados em municípios-polo, que desenvolviam um amplo conjunto de

temáticas,101 necessário para pautar o processo de inclusão. Não tardou para que a iniciativa

ϭϬϭSegundo Caiado & Laplane (2009, p. 305), os eixos temáticos eram os seguintes: “inclusão: um desafio para os sistemas educacionais; fundamentos e princípios da educação inclusiva; valores e paradigmas na atenção às pessoas com deficiência; diversidade humana na escola; concepções, princípios e diretrizes de um

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fosse expandida, atendendo, entre 2003 e 2007, 94.695 profissionais da educação de 5.564

municípios (Cf. MEC).

Todavia, mesmo pioneiro, o programa teve problemas em sua execução. Segundo

Caiado & Laplane (2009, p. 309), que pesquisaram sua implementação, colhendo

depoimentos junto a gestoras dos municípios-polo, houve “descompasso entre meios e fins

já que não há previsão de novas formas de organização e orçamento adequado para

implementar as ações de formação e garantir a orientação, o seguimento e a troca de

experiências” devido à rápida ampliação de sua abrangência. As gestoras apontaram, ainda,

a divergência de concepções acerca da inclusão, de maior articulação entre estados e

municípios, de recursos financeiros e de avaliação das experiências inclusiva como fatores

que prejudicaram o efetivo alcance dos objetivos do programa. Desse modo, as instituições

especializadas privadas aproveitaram-se das dificuldades estatais para continuar a ofertar

seus serviços, prejudicando o avanço da Educação Inclusiva no sistema educacional comum

público.

Para se obter real dimensão da força da privatização da Educação Especial, em

2003, quando Lula inicia seu primeiro mandato, o Brasil possuía 504.039 alunos

matriculados nessa modalidade educacional, dos quais 227.778 (45,19%) estavam em

instituições privadas. Em 2006, após a implementação de uma série de medidas inclusivas,

o panorama se altera: de um total de 700.624 alunos, 259.469 (37,07%) permaneciam

atendidos pela iniciativa privada. A despeito da importante redução, todavia, esse

contingente assegurava força suficiente para essas instituições pleitearem recursos junto ao

governo federal, o que, aliás, era legitimado pela Lei de Diretrizes e Bases:

Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em Educação Especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público (BRASIL, 1996).

sistema educacional inclusivo; referenciais nacionais para sistemas educacionais inclusivos: fundamentação filosófica, o município, a escola e a família; escola e família: um compromisso comum em educação; educação infantil no sistema educacional inclusivo; orientações e marcos legais para a inclusão; experiências educacionais inclusivas; atendimento educacional especializado para deficiência mental; tecnologias assistivas no processo educacional; surdocegueira: processo de ensinar e aprender; educação de alunos com altas habilidades/ superdotação; inclusão de alunos surdos/deficiência auditiva”.

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Desse modo, permaneceu a lógica da transferência de recursos do aparelho estatal

para a iniciativa privada através do FUNDEF — que previa o repasse para as instituições

enquadradas nas condições estabelecidas pela LDB —, de aportes do Salário-Educação e de

programas vinculados ao FNDE como o Dinheiro Direto na Escola, o Programa Nacional

do Livro Didático, o Programa Nacional de Transporte Escolar e o Programa de

Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de

Deficiência (PAED) (Cf. VIEGAS e BASSI, 2009).

O PAED foi instituído pela Lei n. 10.845 de 5 de março de 2004 com o objetivo de

garantir a universalização do Atendimento Educacional Especializado (AEE), “cuja

situação não permite a integração em classes comuns de ensino regular” (Art. 1º, Inciso I).

Mesmo a legislação estabelecendo o dever, por parte da União, de “garantir,

progressivamente, a inserção dos educandos portadores de deficiência nas classes comuns

do ensino regular” (Art. 1º, Inciso II), a iniciativa consistia em retrocesso. Primeiro, por

afirmar a integração como um princípio para a Educação Especial ao associar o AEE à

oferta de serviços educacionais segregados. Depois, por nomear seu público-alvo como

“educandos portadores de deficiência”, o que denota preconceito, como já foi observado

anteriormente. E, finalmente, por fortalecer a iniciativa privada, garantindo o repasse de

recursos “diretamente à unidade executora constituída na forma de entidade privada sem

fins lucrativos que preste serviços gratuitos na modalidade de Educação Especial” (Art. 2º)

em proporção aos alunos matriculados. Além disso, o PAED ia totalmente na contramão do

que estava sendo construído, já que previa a cessão, à rede privada,de professores e

profissionais da rede pública, de material didático, transporte escolar e até mesmo

“recursos para construções, reformas, ampliações e aquisição de equipamentos” (Art. 3º,

Inciso II).

Na esteira do programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade e do PAED, a

Secretaria de Educação Especial publicou uma série intitulada “Educação Inclusiva”,

composta de quatro cadernos que abordavam o planejamento da gestão da educação em

diferentes aspectos e afirmavam uma concepção de Educação Especial fundamentada na

lógica dos direitos humanos. Nesse sentido, segundo Caiado & Laplane (2009, p. 306), os

documentos diziam que a escola deveria “garantir o processo de aprendizagem de cada

aluno, independentemente de etnia, sexo, idade, deficiência, condição social ou qualquer

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ϯϭϬ

outra situação”. Desta forma, o governo reafirmava seu compromisso com uma

“concepção ampla de educação inclusiva, que extrapola os limites da educação destinada

a […] pessoas com deficiências (mentais, físicas, visuais, auditivas), altas habilidades […]

(IDEM, IBIDEM).

A questão do financiamento da Educação Especial foi um grande problema para o

avanço da inclusão no decorrer do primeiro mandato. Parcos recursos102 foram destinados à

área, em função, sobretudo, da dificuldade do governo federal em contornar os problemas

econômicos e ampliar os investimentos em políticas sociais. Pinto (2009, p. 334) destaca

que o diminuto financiamento e a falta de visibilidade orçamentária, que atingiu não

somente a Educação Especial mas também a EJA e a Educação Infantil, seriam notórios

indicadores da “falta de prioridade para esses setores”. Entretanto, mesmo com orçamento

insuficiente para promover profundas transformações, o MEC implementou 626 Salas de

Recursos Multifuncionais para o AEE; distribuiu kits pedagógicos aos alunos com

deficiência visual e de livros adaptados ao Braille e à LIBRAS; estruturou 27 Núcleos de

Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S) e 30 Centros de Formação de

Professores e Atendimento aos Alunos com Surdez (CAS); e instalou 1,1 mil laboratórios

de informática em escolas públicas através do Programa Nacional de Informática na

Educação Especial (Cf. SILVA, 2007).

Além das realizações supracitadas, foram executados novos investimentos em

formação e certificação de professores. Além dos seminários e cursos promovidos pelo

Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, foram ofertados novos programas de formação

continuada para professores que “atuam com alunos com deficiência visual e auditiva para

o uso do Sistema Braille e de Libras e curso de ressignificação das oficinas pedagógicas

para o trabalho com alunos com deficiência” (SILVA, 2004, p. 130). No tocante à

certificação, foi criado o Exame Nacional de Proficiência em LIBRAS, voltado aos

docentes da educação superior, visto que a língua havia sido reconhecida como idioma

oficial no país — através da regulamentação da Lei n. 10.436 de 24 de abril de 2002 pelo

Decreto n. 5.626 de 22 de dezembro de 2005 — e incluída nos cursos de fonoaudiologia e

formação de professores.

ϭϬϮSegundo Pinto (2009), a Educação Especial recebeu, em 2003, 51 milhões de reais; em 2004, 39 milhões; em 2005, 66 milhões; e em 2006, 55 milhões de reais, quantias insuficientes, tendo-se em consideração a complexidade dos problemas enfrentados pelo setor.

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ϯϭϭ

O Ensino Superior também deixou de ser inatingível para a pessoa com deficiência.

Se, anteriormente, a atuação estatal se voltava à oferta de uma formação mínima, garantida

a sua extensão somente se o indivíduo fosse considerado capacitado para permanecer no

sistema — notória característica da integração —, a partir de 2005 o cenário muda com a

criação do Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir). Seu objetivo

principal seria o de estimular a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nas

IFES, contribuindo diretamente para a eliminação dos diferentes tipos de barreira que

impedem o acesso e a permanência dos estudantes com deficiência, e a implantação de uma

política de Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, na educação superior.

Para tanto, o MEC se comprometeria coma a abertura anual de editais para as universidades

apresentarem suas propostas e, caso aprovadas, recursos seriam transferidos para a abertura

dos núcleos de acessibilidade (Cf. GARCIA e MICHELS, 2011). No entanto, em pesquisa

recente junto a alunos com deficiência de 13 universidades federais e estaduais, Castro

&Almeida (2014, p. 190) constataram:

[…] fica constatado nos relatos dos alunos que demonstram haver uma lacuna entre a realidade vivenciada no contexto acadêmico e as determinações estabelecidas pelos dispositivos legais, principalmente, quando os alunos citam as barreiras ainda encontradas no Ensino Superior. Essas evidências reforçam a importância do cumprimento da legislação e a necessidade de políticas públicas institucionais. Para finalizar, é importante destacar o que pode ser considerado como os três grandes desafios para essas universidades: Romper as barreiras ainda existentes, principalmente, as atitudinais; prever e prover as condições de acessibilidade (física, comunicacional e pedagógica) e criar alternativas para evitar práticas excludentes por parte dos professores. Assim, uma educação superior que prime pela presença de todos os alunos na universidade carece de investimentos em ações, em materiais adequados, em qualificação docente, em adequação arquitetônica, mas, principalmente, investimentos em ações que combatam atitudes inadequadas e preconceituosas.

O primeiro governo Lula também fortificou as ações voltadas à acessibilidade da

pessoa com deficiência. Inicialmente, houve a promulgação do Decreto n. 5.296 de 2 de

dezembro de 2004, que regulamentou as Leis n. 10.048 de 8 de novembro de 2000 —

responsável por conceder prioridade no atendimento a esse público — e n. 10.098 de 19 de

dezembro de 2000 —, cujas disposições estabeleceram normas e critérios para a promoção

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ϯϭϮ

da acessibilidade. Essa iniciativa acabou por provocar a reedição do Programa Nacional de

Acessibilidade ao impor novas exigências aos entes federativos, dispor sobre o

financiamento de projetos e conceder, ainda, aval para a obtenção de recursos junto a

organismos internacionais para a execução de ações de acessibilidade. Na esteira dessa lei,

foram desenvolvidos projetos de universalização das telecomunicações e de habitação

adaptada para esse público, programas esportivos e culturais, que fizeram com que as

intervenções governamentais fossem além da supressão de barreiras físicas. 103 Sobre isso,

afirma a Mensagem Presidencial de 2006:

Ressalte-se que o conceito de acessibilidade, que estava restrito à supressão de barreiras físicas, atualmente tomou contornos muitos mais amplos e nele estão inseridos aspectos como as barreiras na comunicação e informação, nos sistemas de transporte público coletivo e, de forma ainda mais abrangente, na eliminação de qualquer tipo de preconceito e atitudes discriminatórias (SILVA, 2006, p. 126).

No que se refere à inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, a

intervenção governamental se deu através da incorporação desse público ao Projeto Escola

de Fábrica e da manutenção do Programa Educação, Tecnologia e Profissionalização para

Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais. Em decorrência disso, foram criados

cinco centros de referência, um banco de recursos humanos para encaminhamento

profissional, e as EFETs e os CEFETs foram estimulados a incluir alunos com deficiência.

Dessa maneira, vislumbrava-se criar novas oportunidades de inserção produtiva, o que

acabou ocorrendo de forma tímida, devido, entre outras coisas, ao baixo número de

matrículas nessas instituições de ensino e à ausência de recursos financeiros, formação e

capacitação dos recursos humanos envolvidos no programa.

Ampliar a participação da sociedade na defesa dos direitos da pessoa com

deficiência também fez parte da agenda no primeiro quatriênio de mandato do presidente

ϭϬϯInteressante observar que a atuação do primeiro governo Lula em prol da acessibilidade atingiu até mesmo a população carcerária. Nesse sentido, reconhecia-se a necessidade de promoção de intervenções nos presídios, pois esses dificilmente possuíam rampas e outros requisitos de acesso. Além disso, havia uma preocupação especial com os indivíduos com deficiência mental, pois “na maior parte das vezes não existe um sistema separado de detenção e esses jovens são colocados junto aos demais; por isso, geralmente sofrem os mais diversos tipos de violência” (SILVA, 2004, p. 163). Outra importante realização foi a elaboração da Lei n. 11.126 de 27 de junho de 2005, regulamentada posteriormente pelo Decreto n. 5.904 de 21 de setembro de 2006, “que dispõe sobre o direito de a pessoa com deficiência visual ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhada de cão-guia”.

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ϯϭϯ

Lula. Foram implantados cinco Conselhos Estaduais e três Municipais de Direitos da

Pessoa com Deficiência. Afora isso, o Brasil comemorou, em 2004, o Ano Ibero-

Americano das Pessoas com Deficiência, participando da II Conferência da Rede Ibero-

Americana de Organizações de Pessoas com Deficiências e suas Famílias e organizando o

II Encontro Nacional de Conselhos de Direitos da Pessoa com Deficiência (Cf. SILVA,

2005).

Porém, duas grandes ações se deram em 2006: os encaminhamentos iniciais do

projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ainda em trâmite no Congresso Nacional, e

a realização da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, cuja

temática foi “Acessibilidade: você também tem compromisso”, que acabou atraindo

milhares de participantes, empenhados em impulsionar a inclusão através do exercício do

controle social, do estímulo ao cumprimento à legislação e da elaboração de propostas para

a implementação da acessibilidade (Cf. BRASIL, 2012).

Desta forma, o Estado brasileiro legitimou o internacionalmente conhecido lema

“Nada sobre nós, sem nós”, ao conferir maior espaço às pessoas com deficiência na

formulação e implementação de políticas a elas destinadas.

Essa mobilização internacional encontrou seu ápice em 2006, com a realização da

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 104 que, no

entanto, somente fez vigorar seus efeitos e seu Protocolo Facultativo dois anos depois.

Dentre suas contribuições estava uma nova conceituação da deficiência, agora entendida

como um “conceito em evolução”, resultante da “interação entre pessoas com deficiência e

as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação

dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”

(preâmbulo, item f), o que por si só constituiu um avanço rumo à perspectiva inclusiva, pois

introduziu a dimensão sócio-histórica a um conceito quase sempre definido exclusivamente

por padrões médicos. Outrossim, uma vasta gama de direitos, dentre os quais está o direito

à educação, foi reafirmada. Por conseguinte, objetivava-se reconhecer, de acordo com o

preâmbulo, item m:

ϭϬϰA Convenção foi ratificada pelo governo brasileiro, em forma de Emenda Constitucional, em 2008, já no segundo mandato de Lula.

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ϯϭϰ

[…] as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006)

A Convenção inovou, também, ao destacar a importância do “desenho universal”,

que, segundo o Artigo 2, significa a “concepção de produtos, ambientes, programas e

serviços a serem usados, até onde for possível, por todas as pessoas sem necessidade de

adaptação ou projeto específico” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006).105

Essa diretriz acabou por impor aos Estados-partes o desafio de substituir a elaboração de

políticas, programas e serviços apartados — como se verifica na constituição da Educação

Especial, por exemplo — pela universalização, numa evidente demonstração de respeito à

diferença a partir da “aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade

humana e da humanidade” (Artigo 3, alínea d). Assim sendo, foi possível ratificar a

transformação da concepção médico-assistencialista da deficiência para o paradigma

inclusivo, que possibilitou a compreensão da pessoa com deficiência como portadora de

direitos, cuja participação em todas as instâncias da vida em sociedade deveria ser

efetivada.

Essas diretrizes já vinham sendo parcialmente cumpridas pelo governo brasileiro.

No entanto, após a reeleição de Lula, garantida a permanência do ministro e da maior parte

de sua equipe, pode-se afirmar que o MEC avançou ainda mais na agenda inclusiva. A

primeira medida importante foi a incorporação da Educação Especial ao novo mecanismo

de financiamento criado pelo governo, o FUNDEB, que garantiria um valor mínimo por

aluno/ano com um peso ponderado 20% maior ao valor por aluno de referência. Todavia,

segundo Prietto et al. (2011 apud SOTO et al., 2012, p. 368), os “fatores de ponderação

definidos pelo governo federal como parâmetro de distribuição de recursos, tanto para o

FUNDEF quanto para o FUNDEB, não se assentaram em dados técnicos que

evidenciassem as justificativas de suas diferenciações”. Desse modo, mesmo a União

participando com maior aporte de recursos, o que, não resta dúvida, era um grande avanço, ϭϬϱDeve-se ressaltar que a diretriz não excluía as “ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias” (Artigo 2).

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ϯϭϱ

este ainda não pode ser considerado suficiente para atender ao conjunto de demandas

educacionais reprimidas (Cf. VIEGAS e BASSI, 2009), tampouco era destinado

exclusivamente às instituições públicas, já que as privadas continuariam a recebê-los.

Concernente ao financiamento, outras iniciativas se mostraram relevantes: a

inclusão da modalidade no PDE e a manutenção da utilização dos recursos do Programa

Dinheiro Direto na Escola.

A primeira iniciativa previa três ações: a implantação das Salas de Recursos

Multifuncionais — “equipadas com televisão, computadores, DVDs e materiais didáticos

destinados ao atendimento especializado” (SAVIANI, 2007, P. 1236) —; o programa Olhar

Brasil, que previa a articulação entre os Ministérios da Educação e da Saúde para

“identificar os alunos com problemas de visão e distribuir óculos gratuitamente” (idem); e,

finalmente, o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência

na Escola de Pessoas com Deficiências Beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada

da Assistência Social.

A segunda iniciativa, por sua vez, permitiu o investimento em assistência

suplementar para “melhoria de infraestrutura física e pedagógica” (SILVA, 2009, p. 133)

de milhares de escolas privadas de Educação Especial. Ou seja, mesmo com o esforço

governamental em garantir não somente a expansão dos serviços públicos educacionais

como também a construção da inclusão, a iniciativa privada, apoiada pelos setores políticos

conservadores, continuava a garantir sustentação financeira para ofertar educação

segregada. Mais uma vez, portanto, a arena política dificultaria o avançar do processo.

O esquema de funcionamento do Benefício de Prestação Continuada também foi

significativamente alterado com o desmembramento em dois novos programas: o BPC na

Escola e o BPC Trabalho. O primeiro previa ação intersetorial, por meio de “políticas de

educação, saúde, assistência social e direitos humanos, em articulação com os Estados, o

Distrito Federal e 2.623 Municípios que aderiram à proposta” (SILVA, 2009, p. 137) com

vistas a identificar crianças e adolescentes com deficiência que estivessem fora da escola e

as barreiras que impedem o acesso e a permanência desses alunos no sistema educacional

comum.106 Já o segundo foi criado com o propósito de desenvolver “ações que favoreçam o

ϭϬϲOs resultados iniciais do programa foram surpreendentes. Somente em 2008, “segundo pareamento de dados entre censo escolar e cadastro do BPC”,eram “262.187 crianças e adolescentes com deficiência fora da escola” (SILVA, 2009, p. 137).

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ϯϭϲ

acesso ao trabalho das pessoas com deficiência beneficiárias do BPC, com idade de 16 a

45 anos prioritariamente, e que apresentem condições e manifestem interesse em

participar, de acordo com suas potencialidades” (SILVA, 2010, p. 143). Ademais, os

critérios de concessão do benefício também foram modificados — os novos parâmetros

seriam determinados pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e

Saúde (CIF) —, permitiu-se a possibilidade de acumulação com outros tipos de pensões de

caráter indenizatório (Cf. SILVA, 2009) e os beneficiários foram incluídos no Cadastro

Único. Desse modo, o funcionamento do BPC passou a se dar em bases mais justas, pois

seriam consideradas “as funções e estrutura do corpo e o contexto social em que a pessoa

se insere” (SILVA, 2009, p. 107), e se garantiu a devida articulação de um instrumento

eficiente no combate à pobreza com a educação e o trabalho, meios fundamentais para a

elevação da qualidade de vida.

A empregabilidade das pessoas com deficiência foi uma preocupação recorrente

durante o segundo mandato Lula. O governo ampliou a fiscalização ao cumprimento da Lei

de Cotas, provocando a inserção de milhares de indivíduos no mercado de trabalho,107

determinou a inclusão dos alunos com deficiência no Projovem e elaborou um projeto de

incentivo à aprendizagem, tendo por objetivo “ampliar a participação de pessoas com

deficiência em programas de capacitação profissional” a partir da articulação entre

educação e trabalho, dado que, à época, a “falta de capacitação profissional adequada era

o principal argumento evocado por empregadores para a não integralização das cotas

para pessoas com deficiência” (SILVA, 2010, p. 69). Os resultados, contudo, só seriam

observados na gestão seguinte.

No campo da acessibilidade, o governo apresentou expressivas realizações: a

criação da campanha “Acessibilidade: siga essa ideia”, a ampliação do Programa Nacional

de Acessibilidade e a implantação do Projeto Básico de Escola/Ponto de Parada,

responsável pela concessão de subsídios aos municípios para a elaboração de projetos de

calçadas que “liguem o terminal rodoviário ou metroviário às escolas públicas, incluindo a

correta disposição dos mobiliários urbanos, rebaixamento de guias, sinalização tátil e

demais dispositivos indispensáveis ao deslocamento seguro e confortável” desses

ϭϬϳSegundo dados governamentais, de 2005 a 2008, a fiscalização trabalhista inseriu 107.325 indivíduos com

deficiência no mercado de trabalho. Em 2009, mais 26.403 foram incluídos (Cf. SILVA, 2010).

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ϯϭϳ

indivíduos (SILVA, 2010, p. 287), acabaram contribuindo para modificar, ainda que

parcialmente, os cenários urbanos e efetivar o direito ao convívio no espaço público.

Mais especificamente na área educacional, o MEC manteve a disposição em ampliar

a acessibilidade. “Para assegurar o direito à educação, eliminar barreiras no acesso ao

currículo, à informação e à comunicação e garantir a acessibilidade aos alunos com

deficiência sensorial” (SILVA, 2009, p. 125), foram distribuídos livros didáticos voltados à

alfabetização em LIBRAS, computadores para alunos cegos dos anos finais do Ensino

Fundamental e do primeiro ano do Ensino Médio, e o projeto Livro Acessível foi criado

com a pretensão de distribuir livros didáticos em Braille e no formato digital. Também foi

mantido o objetivo de adequar o espaço físico das instituições escolares. Para satisfazê-lo, o

governo federal implementou o programa Escola Acessível, que, com recursos do PDDE —

somente em 2009 foram investidos mais de 37 milhões de reais (Cf. SILVA, 2010) —,

remodelou milhares de escolas em todo o país.

Em 2008, um novo marco institucional foi lançado: a Política Nacional de Educação

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A iniciativa, conduzida por um grupo de

trabalho envolvendo quadros administrativos do MEC e intelectuais de diferentes

universidades brasileiras, foi pioneira. O documento reforçou as diretrizes da Convenção

das Nações Unidas sobre as Pessoas com Deficiência, 108 do PDE e do Compromisso Todos

pela Educação.109 Mais do que isso: legitimou, finalmente, as lutas empreendidas por

setores historicamente excluídos do sistema educacional comum ao reafirmar “o direito de

todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de

discriminação” (BRASIL, 2008, p. 05).

A nova política estabeleceu um diagnóstico preciso da situação da Educação

Especial no país. A oferta de “atendimento educacional especializado substitutivo ao

ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que

ϭϬϴAlém do direito à educação, foram reafirmados os direitos à saúde; ao trabalho e ao emprego; à liberdade; à segurança; ao acesso à justiça; à proteção social; à vida independente e à inclusão na comunidade; à mobilidade; à habilitação e reabilitação; à liberdade de expressão e ao acesso à informação; à igualdade perante a lei; à participação na vida pública e política; ao lar e à família; à cultura; e ao esporte, lazer e recreação. ϭϬϵSegundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, “no documento Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas, publicado pelo Ministério da Educação, é reafirmada a visão sistêmica da educação que busca superar a oposição entre educação regular e Educação Especial” (BRASIL, 2008, p. 11). Além disso, o Compromisso Todos pela Educação reforça a necessidade de se garantir o acesso e a permanência do aluno com deficiência no sistema educacional comum.

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ϯϭϴ

levaram à criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais”

(BRASIL, 2008, p. 6) provocara a exclusão de milhares de pessoas com deficiência da

educação comum. Em 1998, a Educação Especial registrava apenas 337.326 matrículas, das

quais 43.923 alunos estavam incluídos no ensino regular. Chegávamos, portanto, às

vésperas do século XXI sem a efetivação do direito de todos à educação. Após o início da

guinada na política educacional em prol da Educação Inclusiva, os resultados foram

expressivos: em 2006, 700.624 alunos encontravam-se matriculados na Educação Especial

— um crescimento de 107% em relação a 1998 —, dos quais 325.316 estavam incluídos

(Cf. BRASIL, 2008).

O cenário não evidenciava somente a exclusão, mas o processo de terceirização da

Educação Especial, intensificado durante os anos 1980 e 1990, em razão da deserção

estatal. Em 1998, segundo a Política, 157.962 alunos (46,8%) da Educação Especial

encontravam-se matriculados em instituições privadas. Em 2006, devido ao

“desenvolvimento de políticas de educação inclusiva”, a oferta pública cresceu 146%,

atingindo 441.155 alunos (63%) (BRASIL, 2008, p. 12).

Outros problemas agravavam, ainda mais, a situação: a ausência de acessibilidade e

a precária formação do professorado. Em 1998, apenas 14% das 6.557 instituições de

ensino com matrículas de alunos da Educação Especial possuíam sanitários com

acessibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas que recebiam esse público, 23,3% possuíam

sanitários com acessibilidade e 16,3% “registraram ter dependências e vias adequadas”

(BRASIL, 2008, p. 13). Quanto aos professores, em 1998, “3,2% possuíam Ensino

Fundamental; 51% possuíam Ensino Médio e 45,7% Ensino Superior”; já em 2006, “dos

54.625 professores que atuam na Educação Especial, 0,62% registraram somente Ensino

Fundamental, 24% registraram Ensino Médio e 75,2% Ensino Superior”, sendo que“77,8%

destes professores, declararam ter curso específico nessa área de conhecimento”

(BRASIL, 2008, pp. 13-14).

Era preciso, portanto, não somente romper com o paradigma da Educação Especial

ao substituí-lo pela Educação Inclusiva, mas assegurar a expansão dos serviços públicos de

educação, a adequação das instituições de ensino às normas de acessibilidade e construir

novos modelos de formação e atuação do professorado. Foi o que a Política estabeleceu,

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ϯϭϵ

consagrando as ações inclusivas promovidas pelo MEC desde 2003, cujos resultados,

anteriormente citados, já insinuavam a inclusão como uma realidade.

O estabelecimento, por parte da Política, de um novo paradigma educacional,

“fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença

como valores indissociáveis” (BRASIL, 2008, p. 5), veio a subsidiar as ações estatais, de

modo a permitir que todo o alunado tivesse acesso a uma educação de qualidade, pautada

na reflexão, na criação, na criticidade, na liberdade, na contestação e na ação política, tendo

a escola pública como o seu espaço principal. Sobre a perspectiva inclusiva, afirma

Mantoan (2005, p. 10):

Na perspectiva inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial e regular. As escolas atendem as diferenças, sem discriminar, sem trabalhar a parte com alguns alunos, sem estabelecer regras especificas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem para alunos com deficiência e com necessidades educacionais especiais).

Desse modo, não mais cabia à Educação Especial o seu papel organizativo

historicamente difundido. Em razão disso, a Política atribuiu-lhe uma nova definição, agora

compreendida como

modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular. (BRASIL, 2008, p. 16)

Sendo assim, não vigoraria mais a existência de instituições especializadas, escolas

e classes especiais substituindo a escola comum. Da mesma forma que não deveria ser

mantido o sistema educacional sob a égide do binômio normalidade/anormalidade,

elemento corroborativo das práticas pedagógicas segregacionistas, homogeneizantes,

discriminatórias, preconceituosas e excludentes. O aluno, agora compreendido como

elemento central no processo educativo, deveria ser respeitado em sua diferença e

devidamente empoderado para compartilhar saberes e conhecimentos, construir sua

autonomia e praticar seus direitos. Em função desses pressupostos, a política estabeleceu

como objetivos:

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ϯϮϬ

assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de Educação Especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 14).

Desse modo, a Política pretendia adequar-se aos estudos no campo da educação e

dos direitos humanos, que vêm “modificando os conceitos, as legislações, as práticas

educacionais e de gestão, indicando a necessidade de se promover uma reestruturação das

escolas de ensino regular e da Educação Especial” (BRASIL, 2008, p. 14). Nessa direção,

a Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, deveria se articular, num

propósito inédito, com a educação indígena, rural e quilombola e garantir a inclusão escolar

desde a Educação Infantil, mediante a oferta de “serviços de intervenção precoce que

objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os

serviços de saúde e assistência social” (BRASIL, 2008, p. 16) até o Ensino Superior, etapa

em que o acesso e a permanência do alunado devem ser efetivadas por meio de ações que

promovam a quebra das barreiras arquitetônicas, sociais, comunicacionais e atitudinais

desde os processos seletivos ao “desenvolvimento de todas as atividades que envolvem o

ensino, a pesquisa e a extensão” (BRASIL, 2008, p. 17).

Os indivíduos com deficiência auditiva e visual também tiveram suas demandas

atendidas pela nova política. Aos primeiros, garantiu-se a incorporação da LIBRAS ao

ensino escolar, devendo a Língua Portuguesa ser ensinada como segunda língua na

modalidade escrita para os alunos surdos; o direito ao convívio com outros surdos nas

turmas comuns, sempre que possível; e a disponibilização, pelas escolas, dos “serviços de

tradutor-intérprete de Libras e Língua Portuguesa” e do “ensino da Libras para os demais

alunos” (BRASIL, 2008, p. 17). Para os alunos com deficiência visual, garantiu-se a

realização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) por profissionais com

conhecimentos específicos do “sistema Braille, do soroban [ábaco japonês], da orientação

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ϯϮϭ

e mobilidade, das atividades de vida autônoma, […] da tecnologia assistiva e outros”

(BRASIL, 2008, p. 17). Afora isso, determinou-se, ainda, que os sistemas de ensino

deveriam “disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia

intérprete, bem como de monitor ou cuidador aos alunos com necessidade de apoio nas

atividades de higiene, alimentação, locomoção” (IDEM, IBIDEM), com vistas a assegurar

o pleno atendimento das necessidades do alunado.

Também foram redefinidos, pela Política, o público-alvo da Educação Especial e o

AEE. No tocante à primeira questão, estabeleceu-se que os alunos com deficiência são

“aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou

sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação

plena e efetiva na escola e na sociedade” (BRASIL, 2008, p. 15), num evidente avanço em

relação à utilização de termos como “portador de necessidades especiais” ou “portador de

deficiência”, por exemplo, que evidenciam o preconceito, na medida em que reforçam a

ideia, já exposta anteriormente, de “excluir o diferente ao pressupor uma ‘falta’ que, talvez,

excede em muito a dimensão dela própria” e sugerem a “exigência de cuidados para

pessoas ‘não normais’” (MINTO, 2000, p. 9). Além disso, a nova definição reforça o

compromisso da Política com o contexto social, pois entende que as “pessoas se modificam

continuamente transformando o contexto no qual se inserem”, não se limitando, portanto à

“mera categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos,

distúrbios e aptidões” (BRASIL, 2008, p. 15), característico da evolução da Educação

Especial e do predomínio da concepção médico-assistencialista em sua oferta no decorrer

do tempo.

Já em relação ao AEE, estabeleceu-se que ele não mais substituiria a escolarização

comum — o que tem assegurado, historicamente, a ampla participação das instituições

especializadas na oferta dos serviços educacionais —, devendo identificar, elaborar e

organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade mediante a realização de atividades

diferentes das que ocorrem na sala de aula, com vistas a complementar e/ou suplementar a

formação do alunado (Cf. BRASIL, 2008). Além disso, a Política reforça que:

O atendimento educacional especializado disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva,

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dentre outros. Ao longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum (BRASIL, 2008, p. 16).

Essa mudança estrutural do AEE o aproximou ainda mais do cotidiano escolar. Ao

invés de ocorrer em ambiente externo, muitas vezes assegurado pela iniciativa privada em

razão da omissão estatal, como aconteceu nas últimas décadas, o serviço passou a ser

disponibilizado dentro da escola, em um espaço físico reservado especificamente para tal: a

Sala de Recursos Multifuncionais (SRM). Com recursos, equipamentos, mobiliários,

materiais didático-pedagógicos e de acessibilidade, esse espaço dá ao professor e ao aluno

as condições necessárias para a eliminação das inúmeras barreiras que impedem não só a

aprendizagem como a efetiva participação na vida em sociedade.

A formação do professor também recebeu especial atenção da nova Política. Parte

da comunidade educacional ansiava por uma transformação radical no modelo dicotômico

de formação presente até então. A atuação na Educação Especial, conforme a perspectiva

da Educação Inclusiva, exige “formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o

exercício da docência e conhecimentos específicos da área” (BRASIL, 2008, p. 17). Ou

seja, o profissional não mais deveria ser formado para trabalhar pautado, exclusivamente,

na deficiência, mas em todo o fenômeno educacional, de modo a ter condições de trabalhar

de articuladamente com o ensino regular e desenvolver “projetos em parceria com outras

áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, os atendimentos de saúde, a promoção de

ações de assistência social, trabalho e justiça” (BRASIL, 2008, p. 18).

O estabelecimento desse novo marco institucional acabou interferindo diretamente

em outras ações governamentais voltadas à inclusão das pessoas com deficiência. Desde

então, o MEC tem centrado suas ações em quatro eixos: a reestruturação do Atendimento

Educacional Especializado — mediante a instituição do Decreto n. 6.571 de 17 de setembro

de 2008 e das Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento

Educacional Especializado —; a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Básica; a criação de Salas de Recursos Multifuncionais; e o investimento em

formação de professores.

O Decreto n. 6.571 de 17 de setembro de 2008 determinou que a União deverá

prestar assistência técnico-financeira aos sistemas públicos de educação comum com o

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ϯϮϯ

objetivo de assegurar a oferta do AEE. Para tanto, o atendimento foi redefinido como

“conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados

institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos

alunos no ensino regular” (Art. 1º, parágrafo 1º). Ou seja, transformar-se-ia a concepção de

que esse tipo de atendimento deveria substituir a educação comum, tal como fora

estimulado nas últimas décadas pela política educacional. Desta forma, devidamente

integrado à proposta pedagógica da escola, o AEE deveria envolver a participação da

família e ser realizado intersetorialmente, de modo a:

I — prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos referidos no art. 1º; II — garantir a transversalidade das ações da Educação Especial no ensino regular; III — fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e IV — assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino (Art. 2º).

O MEC definiu ainda as ações que apoiaria técnica e financeiramente:

I — implantação de salas de recursos multifuncionais; II — formação continuada de professores para o atendimento educacional especializado; III — formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educação inclusiva; IV — adequação arquitetônica de prédios escolares para acessibilidade; V — elaboração, produção e distribuição de recursos educacionais para a acessibilidade; e VI — estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação superior.

O decreto também determinou que Ministério deveria realizar, a partir de então, o

“acompanhamento e monitoramento do acesso à escola por parte dos beneficiários do

benefício de prestação continuada” (Art. 5º), com vistas a viabilizar o BPC-Escola, uma

das apostas governamentais para a consolidação do processo de inclusão. Outro aspecto

importante diz respeito à alteração do Decreto n. 6.253 de 13 de novembro de 2007, que

instituiu o FUNDEB, pois, a partir de 2010, admitir-se-ia a modificação do cálculo do

financiamento, agora dado em função do “cômputo das matrículas dos alunos da educação

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regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo

do cômputo dessas matrículas na educação básica regular” (BRASIL, 2008). Desta forma,

só receberiam recursos do Fundo os entes federados que assegurassem a matrícula dos

alunos no ensino comum e no AEE. Entretanto, mesmo avançando na concepção inclusiva,

a legislação manteve a disposição em financiar as instituições especializadas privadas

conveniadas com os estados e municípios, o que prejudica até hoje a implantação do

atendimento pelo Poder Público.110

No ano seguinte, a partir da Resolução n. 4 de 12 de outubro de 2009, foram

instituídas as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento

Educacional Especializado. Segundo o parecer da relatora Clélia Brandão Alvarenga, era

preciso assegurar, dentre outras coisas, a obrigatoriedade da matrícula do público-alvo da

Educação Especial na escola comum e a oferta do Atendimento Educacional Especializado;

reafirmar seu caráter complementar ou suplementar; reconceituar o público-alvo da

Educação Especial; estabelecer os espaços e o turno em que se realiza o atendimento;

estabelecer as orientações para a elaboração de plano do AEE e a formação, as

competências e atribuições do professor para o seu oferecimento; as condições para a

realização do serviço em centros de atendimento educacional especializado; e a inclusão do

AEE no projeto pedagógico da escola comum. Desse modo, o documento deveria regular o

Decreto n. 6.571/2008, reafirmando a nova concepção de Educação Especial e, por

conseguinte, o novo papel do AEE, introduzidos pela Política Nacional de Educação

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e pelo referido decreto. Sobre isso, afirma

Alvarenga (2009, p. 01):

A concepção da Educação Especial nesta perspectiva da educação inclusiva busca superar a visão do caráter substitutivo da Educação Especial ao ensino comum, bem como a organização de espaços educacionais separados para alunos com deficiência. Essa compreensão orienta que a oferta do AEE será planejada para ser realizada em turno inverso ao da escolarização, contribuindo efetivamente para garantir o acesso dos alunos à educação comum e disponibilizando os serviços e apoios que complementam a formação desses alunos nas classes comuns da rede regular de ensino.

ϭϭϬA ocorrência do AEE deve se dar em Salas de Recursos Multifuncionais. No entanto, não são todos os sistemas que as possuem. A rede estadual de ensino de São Paulo, por exemplo, até hoje não possui salas em grande parte de suas escolas, tampouco existe um número suficiente de professores para garantir o atendimento.

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A Resolução n. 4 de 12 de outubro de 2009 acabou por instituir as Diretrizes

Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica. O

documento, além de incorporar grande parte das sugestões da relatora, trouxe como

novidade a redefinição do conceito de acessibilidade aplicado à educação — agora

entendido como o conjunto de recursos que assegura “condições de acesso ao currículo dos

alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais

didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de

comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços” (Art. 2º, parágrafo

único) —; a determinação de que tanto a elaboração quanto a execução do plano de AEE

seria de competência do professor que atua na Sala de Recursos Multifuncionais, mas

deveria envolver o trabalho conjunto com outros docentes, a participação da família e ser

articulada intersetorialmente com os serviços de saúde, assistência social, etc. (Cf. Art. 9º);

e a necessidade de uma formação mínima que habilite o profissional para o exercício da

docência e formação específica para a Educação Especial (Cf. Art. 12º), medida de

fundamental importância para o fortalecimento do processo pedagógico e a ruptura com o

caráter assistencialista da modalidade. Também foram estabelecidas novas atribuições ao

professor do AEE, conforme evidencia o Artigo 13º:

I — identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial; II — elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade; III — organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais; IV — acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola; V — estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade; VI — orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno; VII — ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação; VIII — estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de

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ϯϮϲ

acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares.

Afora essas disposições, o documento das Diretrizes reforça a necessidade do

projeto pedagógico da escola institucionalizar a oferta do AEE. Para efetivá-la, seria

preciso organizar o serviço com base nas diretrizes do Art. 10º:

I — sala de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliário, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos; II — matrícula no AEE de alunos matriculados no ensino regular da própria escola ou de outra escola; III — cronograma de atendimento aos alunos; IV — plano do AEE: identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos, definição dos recursos necessários e das atividades a serem desenvolvidas; V — professores para o exercício da docência do AEE; VI — outros profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção; VII — redes de apoio no âmbito da atuação profissional, da formação, do desenvolvimento da pesquisa, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que maximizem o AEE.

Como se pode apreender do conteúdo dos documentos supracitados, o AEE adquire

centralidade na construção da Educação Inclusiva. Trata-se de um serviço pautado na

transversalidade, pois atravessa todas as etapas do percurso educacional do aluno,

reforçando o trabalho coletivo e exigindo uma gestão democrática do ensino, dado que o

citado atendimento deve envolver toda a equipe pedagógica e a família do educando,

quebrando barreiras e diferenciando para incluir, pois na medida em que oferece “aquilo

que há de específico na formação de um aluno com deficiência” (FÁVERO, 2012, p. 20),

transgride a concepção médico-assistencialista e empodera o aluno, entendendo-o como

sujeito de direitos e conferindo-lhe maior autonomia para participar ativamente do processo

educativo junto aos demais colegas nas instituições escolares comuns.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica consubstanciariam as

teses favoráveis à inclusão. Em uma seção reservada exclusivamente à Educação Especial,

o artigo 29 reafirma a transversalidade da modalidade a todos os níveis, etapas e

modalidades de ensino; sua integração à educação regular; a inclusão total como um

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princípio; e o estabelecimento do AEE, de forma complementar ou suplementar à

escolarização, nas Salas de Recursos Multifuncionais ou “em centros de AEE da rede

pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos”

(BRASIL, 2010). Ademais, o parágrafo segundo determinou que os sistemas e as

instituições de ensino deveriam “criar condições para que o professor da classe comum

possa explorar as potencialidades de todos os estudantes, adotando uma pedagogia

dialógica, interativa, interdisciplinar e inclusiva” (idem), além de definir as atribuições do

professor de Atendimento Educacional Especializado: “identificar habilidades e

necessidades dos estudantes, organizar e orientar sobre os serviços e recursos pedagógicos

e de acessibilidade para a participação e aprendizagem dos estudantes” (ibidem). Por fim,

o parágrafo terceiro estabeleceu as bases da organização da modalidade:

§ 3º Na organização desta modalidade, os sistemas de ensino devem observar as seguintes orientações fundamentais: I — o pleno acesso e a efetiva participação dos estudantes no ensino regular; II — a oferta do atendimento educacional especializado; III — a formação de professores para o AEE e para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas; IV — a participação da comunidade escolar; V — a acessibilidade arquitetônica, nas comunicações e informações, nos mobiliários e equipamentos e nos transportes; VI — a articulação das políticas públicas intersetoriais (BRASIL, 2010).

A criação de milhares de Salas de Recursos Multifuncionais também foi uma

consequência da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva. Mesmo tendo o governo se empenhado, nos anos anteriores, em construí-las, a

Política concedeu novo impulso à iniciativa. Somente em 2008, foram contempladas 4.300

escolas, sendo 792 estaduais e 3.508 municipais. No ano seguinte, mais 15 mil escolas

receberam salas e, em 2010, outras 3.750 (Cf. MEC) — através de um programa voltado

especificamente para tal objetivo, vinculado ao PDE. Desta forma, a ocorrência do AEE

seria garantida no lugar apropriado para tal, minorando as necessidades de os governos

estaduais e municipais celebrarem convênios com instituições privadas para realizá-lo.

A formação de professores foi, possivelmente, o eixo que mais recebeu atenção do

MEC no tocante à Educação Especial durante o governo Lula. De fato, boa parte dos

profissionais da educação não entendeu, no primeiro momento, a inclusão como um fator

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ϯϮϴ

positivo. Desvalorizado, prejudicado pela ausência de condições estruturais mínimas para o

pleno desenvolvimento do seu trabalho, formado em cursos que, majoritariamente,

compreendem a Educação Especial de maneira segregada à educação comum, o professor

precisava entender o novo desafio que se impunha com a Política. Em função disso, o MEC

ampliou os investimentos no Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, que

mantinha a oferta de cursos e seminários destinados a gestores e educadores, estendendo-o

em 2010, por meio dos municípios-polo, a todos os 5.564 municípios brasileiros (Cf.

SILVA, 2010).

Deu-se também a criação do Programa Nacional de Formação Continuada de

Professores da Educação Especial, cujo objetivo era o de “formar professores dos sistemas

estaduais e municipais de ensino para o atendimento educacional especializado” (Cf.

BRASIL, 2007) por meio de cursos de extensão, aperfeiçoamento e especialização, com

duração mínima de 120 horas, ofertados pelas instituições de Ensino Superior que tivessem

seus projetos aprovados pelo MEC. O programa se estruturaria com base nas seguintes

justificativas:

o crescente ingresso de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública de ensino e o aumento do número de escolas com alunos incluídos nas classes comuns do ensino regular, os professores manifestam a necessidade de formação acerca das necessidades educacionais especiais; a organização tradicional da Educação Especial de forma paralela ao ensino regular, que evidencia a necessidade de aprofundar os conceitos e conhecimentos visando transformar as práticas pedagógicas para a educação inclusiva, efetivando as mudanças necessárias na escola; a carência de formação de professores na área da Educação Especial que constitui uma barreira para o acesso, a permanência, aprendizagem e participação na escola (BRASIL, 2007, s/p).

Finalmente, o governo criara um novo programa, desta vez destinado

exclusivamente à formação de professores para o Atendimento Educacional Especializado,

também disponibilizado na modalidade EAD. Entretanto, o que deveria diferenciá-lo dos

demais diz respeito à metodologia dos cursos ofertados. Em vez de um modelo de

aprendizagem pautado exclusivamente nos conteúdos, a proposta é que se realizem cursos

pautados em metodologias ativas de aprendizagem, de modo a trazerem “novas formas de

produção e organização do conhecimento” e colocarem o “aprendiz no centro do processo

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educativo, dando-lhe autonomia e responsabilidade pela sua aprendizagem por meio da

identificação e análise dos problemas e da capacidade para formular questões e buscar

informações para responder a estas questões” (ROPOLI et al,, 2010, p. 29). Desse modo,

seria assegurada uma formação coerente com o oferecimento do AEE na perspectiva

inclusiva, seria valorizada a autonomia do educador e, sobretudo, a diferença, contribuindo

diretamente para a derrubada da ideia, cotidianamente empregada nas instituições escolares,

de que é preciso formar o professor para desenvolver determinadas capacidades do aluno,

adequando-o aos padrões impostos pela sociedade.

Todavia, sua oferta, nesses moldes, não garantiria uma necessária transformação

radical dos cursos de formação de professores, visto que, no Brasil, as licenciaturas

tenderam a relegar a Educação Especial a segundo plano, disponibilizando, na maioria das

vezes, disciplinas em caráter optativo (Cf. BUENO, 2002; SILVA, 2009 apud BUIATTI,

2013). Mesmo assim, um grande público foi alcançado: em 2008, 30 mil professores da

rede pública; no ano seguinte, outros 19.350 (Cf. BRASIL, 2009; 2010).

A preocupação com a ampliação da participação da sociedade na defesa dos direitos

da pessoa com deficiência foi mantida no segundo mandato Lula. A CORDE foi

transformada, inicialmente, em Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa

com Deficiência, e, posteriormente, em Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da

Pessoa com Deficiência, órgão vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Por

sua vez, o CONADE realizou, em 2008, a II Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa

com Deficiência, cujo tema foi “Inclusão, Participação e Desenvolvimento: Um Novo Jeito

de Avançar” e cujas deliberações foram incorporadas posteriormente ao Plano Nacional dos

Direitos da Pessoa com Deficiência — Viver sem Limites, criado e implementado durante a

administração de Dilma Rousseff à frente da Presidência da República.

O saldo dos dois mandatos de Lula à frente da Presidência da República foi positivo

para a construção de um sistema educacional inclusivo. Mesmo governando sob vigência

da LDB e do PNE, o presidente e sua equipe conseguiram impor um novo modelo de

atuação na educação comum e na Educação Especial que resgatou as diretrizes expressas

pela Constituição Federal ao reafirmar em suas políticas o direito de todos à educação. Isso

não impediu o MEC de incorrer em velhas contradições ao manter o apoio financeiro às

instituições especializadas privadas. No entanto, pela primeira vez na história do país, a

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inclusão foi incorporada à agenda governamental no campo educacional, fato que permitiu

a formulação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva, cujos desmembramentos — a redefinição do AEE e a implantação de Salas de

Recursos Multifuncionais e de programas de formação de professores — tiveram impactos

altamente favoráveis: em 2010 havia 702.603 alunos com algum tipo de deficiência

matriculados em instituições educacionais, dos quais 484.332 (68,93%) se encontravam

incluídos na educação comum.

Portanto, o Estado brasileiro passou a combater de forma mais eficaz a exclusão das

pessoas com deficiência do sistema educacional comum. A diferença foi valorizada, e o

indivíduo com deficiência passou a ser compreendido como sujeito de direitos, tendo boa

parte de suas demandas, reprimidas durante décadas, finalmente atendidas pelas

intervenções governamentais.

Sabe-se que ainda há muito por fazer, sobretudo em um país marcado por

desigualdades abissais, cuja educação não recebeu a atenção prioritária dos governos no

decorrer da história. Mas muitas barreiras foram rompidas e, gradualmente, em meio a

muitas lutas, se caminha para uma sociedade em que todos possam dela participar

ativamente, exercendo os direitos em plenitude.

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ϯϯϭ

Conclusão

A exclusão foi a tônica da evolução da Educação no decorrer da história brasileira.

Num primeiro momento, a escola se destinava a um público específico: homens brancos,

pertencentes às elites econômicas e políticas. Nesse modelo escolar, o índio deveria se

aculturar, a mulher não tinha lugar, e o pobre, quando incorporado, tinha acesso a uma

formação aligeirada, nunca igual à do rico. À pessoa com deficiência, o direito à educação

era igualmente negado. Com o passar do tempo, as iniciativas estatais se voltaram à

ampliação da oferta. Os anteriormente excluídos deveriam ser instruídos pelas escolas

comuns, desde que se adequassem tanto às exigências do sistema educacional quanto às do

sistema produtivo. Assim, milhões de indivíduos passaram a usufruir comumente do espaço

escolar, enquanto outros milhares tiveram sorte distinta: ao invés do convívio com todos os

demais colegas e da aprendizagem nas salas de aula das escolas comuns, o isolamento,

inicialmente nos hospitais psiquiátricos e até mesmo nas penitenciárias, posteriormente nas

classes e escolas especiais, ao lado daqueles que, desrespeitados em suas diferenças, tinham

ignorados seus direitos e negada a oportunidade de participar ativamente da vida em

sociedade.

Embora o Estado tenha promovido a ampliação das matrículas, a educação comum

permaneceu excludente. As contradições do capitalismo invadiram a escola à medida que o

país foi avançando em sua construção. Produziu-se um sistema educacional pautado na

desigualdade, dicotômico: a escola do rico não deve ser a mesma escola do pobre; negros e

brancos, homens e mulheres não possuem o mesmo nível de escolaridade; o aluno com

deficiência não deve estar no mesmo espaço que o aluno sem deficiência. Nos espaços

escolares, vimo-nos abandonados à própria sorte, obrigados a atingir um determinado

padrão, mesmo que para isso tivéssemos que negar nossas identidades. Em vez de direitos e

oportunidades, identidades iguais. Desde então, admite-se a diferença apenas entre as

classes sociais, pois essa é uma das forças motrizes do capitalismo. No mais, deveríamos

nos aproximar cada vez mais desse padrão desejável pelo sistema, sob pena do jugo da

“anormalidade”.

Nesse contexto emergiu a Educação Especial como alternativa para a educação da

pessoa com deficiência. Esse indivíduo, que supostamente não corresponde plenamente às

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exigências do sistema capitalista, foi visto ao longo do tempo como o “anormal”, e,

portanto, “incapaz” de participar ativamente da vida em sociedade. Constituiu-se, desse

modo, uma concepção médico-assistencialista, centrada na deficiência e em suas

limitações, que entende a oferta de serviços educacionais segregados como o principal meio

de assegurar a aprendizagem desses indivíduos. Assim, entre seus “semelhantes”, o aluno

com deficiência não desafiaria a ordem imposta pelas escolas comuns. Estas, por sua vez,

continuariam a rejeitar a diferença, na tentativa — nem sempre bem-sucedida — de igualar

identidades e reproduzir desigualdade social.

Essa concepção norteou tanto o pensamento da sociedade como as ações estatais

durante décadas. Desse modo, a Educação Especial recebeu apoio tanto no âmbito público

como no privado, o que fez com que as instituições especializadas proliferassem em todo o

país. No entanto, não tardou para que as mobilizações sociais ocorressem e o acesso à

escola comum fosse pleiteado pelas pessoas com deficiência. De fato, somente nos anos

1960 é que essas demandas começaram a ser incorporadas pelo aparelho estatal. Deu-se,

então, o surgimento de dois novos ideários — o da normalização e o da integração —, cujas

consequências seriam nefastas: o indivíduo deveria ter uma “vida normal”, conforme os

padrões estabelecidos pela sociedade, e, para ter acesso à escola comum, deveria ser

considerado capaz para tal.

A Ditadura Militar no Brasil acelerou a implantação do modelo econômico

dependente-associado. Em nome da eliminação dos “entraves” ao desenvolvimento, a

educação foi objeto de ampla reformulação. Racionalidade, eficiência e produtividade

foram os valores disseminados, enquanto a escola trazia para o seu interior as teses da

organização racional do trabalho. Rapidamente, o processo pedagógico foi mecanizado. A

diferença tornou-se, então, um sinônimo de transgressão, cabendo ao aluno o dever de se

adequar às diretrizes do sistema e tornar-se igual aos demais: um trabalhador produtivo e

acrítico. Nesse contexto, os parcos recursos orçamentários foram direcionados à

massificação do ensino sem que houvesse garantia de manutenção da qualidade. Logo a

iniciativa privada enxergou a possibilidade de substituir as funções estatais, e os resultados

não poderiam ser piores: precarização da educação pública em todos os níveis,

agravamento dos problemas educacionais e elevação da desigualdade.

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Nessas bases, a educação comum inviabilizaria a inclusão da pessoa com

deficiência, prevalecendo a desarticulação com a Educação Especial, isolada no âmbito do

Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Nem sequer a legislação atendia

satisfatoriamente às demandas desse público. Somente em 1971, através do Plano Setorial

de Educação e Cultura, componente do Plano Nacional de Desenvolvimento, é que se

definiram diretrizes para essa modalidade educacional, pautadas nos princípios da

integração e da racionalização, amplamente difundidos pelos organismos multilaterais. A

educação se configurou como um instrumento de “correção”, que enfatizava os

diagnósticos e exigia que o aluno com deficiência se adequasse ao sistema, à “vida

normal”, de modo a tornar-se produtivo. Caso não o fizesse, permaneceria isolado nas

instituições especializadas, majoritariamente privadas, tendo ignorado o direito à igualdade

na diferença.

No início dos anos 1980 ressurgiram as mobilizações sociais em torno da

redemocratização do país. Exigia-se o restabelecimento dos direitos suprimidos pelos

ditadores e a incorporação de novos direitos sociais, indispensáveis para a construção de

uma sociedade mais justa. Como resposta a essas mobilizações, ocorreu a convocação de

uma Assembleia Nacional Constituinte, responsável por elaborar a Constituição

promulgada em 1988, cujas disposições consagraram o direito de todos à educação,

cabendo ao aparelho estatal o dever de ofertá-la mediante a manutenção de um complexo

sistema. Finalmente, as pessoas com deficiência teriam suas demandas incorporadas ao

ordenamento jurídico e seriam compreendidas como sujeitos de direitos.

Ainda que a legislação tenha constituído um importante avanço à construção de um

sistema educacional inclusivo, cabia ao Estado efetivar os direitos incorporados à

Constituição, mediante a implementação de políticas públicas. Embora o discurso oficial

afirmasse a necessidade de expansão dos serviços educacionais às pessoas com deficiência,

o modelo de atuação estatal não foi modificado para viabilizá-la. Foram mantidas as ações

de cooperação técnica e financeira à Educação Especial pública e privada, numa notória

demonstração de que a integração continuaria a ser o princípio norteador das ações

governamentais no campo educacional, tal como a Organização das Nações Unidas com a

Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975), o lançamento do Ano

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Internacional das Pessoas Deficientes (1981) e o Programa Mundial de Ação referente às

Pessoas com Deficiência (1982) haviam estimulado.

Mantidas as bases excludentes das políticas públicas, organizou-se uma crescente

resistência das pessoas com deficiência. A inclusão tornou-se uma bandeira de luta desses

indivíduos e de suas famílias. No campo educacional, a Educação Inclusiva emergiu como

concepção pedagógica e, na vanguarda, reafirmou a necessidade de romper com o modelo

de formação vigente — produtivista, homogeneizante, segregacionista, preconceituoso e

discriminador — em nome da equidade e do respeito à diferença. Desta forma, todos os

alunos deveriam frequentar o mesmo espaço educacional, onde expressariam suas

identidades, desenvolveriam suas potencialidades, compartilhariam saberes e

conhecimentos. E se formariam para o pleno exercício da cidadania e a participação ativa

na vida em sociedade.

A emergência da Educação Inclusiva desafiou tanto o Estado quanto os atores

educacionais. As reações não tardaram a aparecer. Novas legislações surgiram — a Lei n.

7.853 de 24 de outubro de 1989 e, mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente —

com o intuito de reforçar direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência.

Todavia, na prática, as ações governamentais não garantiram educação, saúde, trabalho,

entre outras conquistas do plano jurídico. Por consequência, grande parte dos integrantes da

área educacional resistia à inclusão, sob o argumento de que não havia como viabilizá-la no

cotidiano escolar, pois os professores não tinham formação adequada, eram desvalorizados,

possuíam ínfimas condições de trabalho, não eram suficientemente apoiados pela gestão, e

as escolas nem sequer eram estruturadas fisicamente para garantir o acesso e a permanência

desse público. Além disso, prevalecia no processo educativo — não sem resistências — a

concepção tecnicista, exigindo das escolas, de seus profissionais e alunos eficiência,

produtividade e competitividade, tal qual em uma empresa capitalista. Ou seja, nesse

contexto persistia a crença nas limitações em detrimento das potencialidades, da pessoa

com deficiência, afastando-a — apesar das disposições legais e das crescentes experiências

inclusivas — da escola comum.

Os anos 1990 trouxeram ao país a experiência neoliberal, que recrudesceu a

desigualdade social e intensificou a exclusão. O capitalismo foi ressignificado com a

incorporação de novas tecnologias, a reestruturação da organização racional do trabalho e o

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advento da globalização. Nesse novo cenário, o Estado reduziu seu poder de intervenção;

suprimiu direitos sociais; privatizou serviços públicos; estimulou a abertura econômica; e

aumentou a sua condição de dependência em relação às potências capitalistas, aos

organismos multilaterais e às elites político-econômicas locais. A educação não passou

incólume ao processo, pois foi forçada a assumir um novo papel formativo: em vez de

formar para o mercado de trabalho, deveria conceder ao aluno condições de

empregabilidade. Daí o fortalecimento de velhas concepções pedagógicas sob novas

roupagens: o neoprodutivismo, o neotecnicismo, a pedagogia empresarial e a pedagogia das

competências.

A educação pública sofreu, então, novos golpes resultantes das reformas exigidas

pelo neoliberalismo. Com investimentos reduzidos, políticas focalizadas e ações

controversas como a elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases privatista e generalista;

de Parâmetros Curriculares Nacionais, que não só instituíram a “pedagogia das

competências” como asseguraram a homogeneização da aprendizagem nos diferentes

recantos do país; a criação de mecanismos de avaliação para assegurar que seus objetivos

— na maioria das vezes, quantitativos — fossem satisfeitos com os menores gastos

possíveis, o Estado acelerou o processo de degradação da escola pública, que se tornou o

espaço de formação da população pobre.

Nesse período, milhares de novas matrículas foram efetuadas sem que os

professores, gestores e demais funcionários fossem valorizados, melhor formados, ou que

as escolas fossem adequadas fisicamente à expansão. Tampouco foram asseguradas as

devidas condições para o alunado permanecer no sistema educacional. Consequentemente,

o ensino foi aligeirado, embora as cobranças por resultados tivessem sido enrijecidas, e a

iniciativa privada aproveitou-se do fracasso da escola pública para ampliar sua clientela.

Devido a isso, o aluno com melhores condições financeiras teria acesso não a um ensino

qualitativamente melhor, mas a uma educação mais ajustada aos valores do mercado. Desta

forma, tornar-se-ia mais competitivo e, com base na chamada “meritocracia”, não só

alcançaria o topo do sistema ao ser aprovado nos exames vestibulares e cursar uma

faculdade, como teria também melhores condições de ser bem empregado.

Também como parte do processo de adequação da educação às teses neoliberais, a

Educação Especial foi contemplada pela atuação governamental, que via na modalidade

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melhor opção para alcançar resultados “satisfatórios”, ou seja, assegurar que a pessoa com

deficiência também alcançasse a desejável empregabilidade. Essa opção permitiu que o

Estado continuasse a gastar pouco com a educação de modo geral, e especificamente com a

Educação Especial, pois já havia toda uma estrutura montada pelos entes federados e pelas

instituições privadas e mantida com os recursos federais transferidos durante décadas. Por

conseguinte, o esvaziamento das funções públicas possibilitou a ocorrência da terceirização

dos serviços educacionais, tal como determinavam as teses favoráveis à construção do

“Estado Mínimo”, e assegurou poder aos que se opunham à inclusão total dos indivíduos no

sistema educacional comum, pois as instituições especializadas se constituíam como o

lócus preferencial da educação da pessoa com deficiência.

Assim sendo, os governos que se sucederam nos anos 1990 não aderiram à

perspectiva da Educação Inclusiva, preservando a integração como princípio nas

formulações da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

(1993); do Plano Decenal de Educação para Todos 1993-2003 (1993); da Política Nacional

de Educação Especial (1994); dos Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações

curriculares — estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais

especiais (1998); e do Plano Nacional de Educação (2001).

Nem mesmo a Lei de Diretrizes e Bases (1996) consubstanciou as disposições

constitucionais ou mesmo as orientações da Declaração de Salamanca (1994), o primeiro

documento elaborado pela ONU a avançar na questão da inclusão. Repleta de incoerências,

a nova legislação reconheceu a necessidade de o ensino ser ministrado com base na

“igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, mas determinou a oferta

da Educação Especial “preferencialmente” na rede regular; abriu a prerrogativa tanto para o

estabelecimento de “classes, escolas e serviços especializados”, nos casos em que a

integração na educação comum não pudesse ser efetivada, como para a utilização de

“currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para

atender às suas necessidades”; instituiu o perverso recurso da “terminalidade específica”; e

incentivou a transferência de responsabilidades do Estado para a iniciativa privada

(BRASIL, 1996). Portanto, a lei maior da educação, ao invés de contribuir para a sua

construção, tornou-se um grande empecilho para a Educação Inclusiva.

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O PNE, vigente durante o período 2001-2011, tratou de efetivar as disposições da

LDB. Mesmo reconhecendo os problemas da Educação Especial e ressaltando a

necessidade de a educação comum atender o aluno com deficiência, o plano previa a

viabilização de uma escola ao mesmo tempo integradora e inclusiva, aberta não à diferença,

mas à diversidade do alunado, numa contradição que frearia o desenvolvimento da

Educação Inclusiva. Os objetivos e metas do PNE foram marcados pelo hibridismo: à

medida que se propunha, por exemplo, a adequação das escolas às normas de

acessibilidade, o Estado deveria incrementar as classes especiais e salas de recursos, além

de assegurar a continuidade dos acordos de cooperação técnica e financeira com as

instituições privadas de Educação Especial. Falava-se mesmo em generalizar o atendimento

na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, mas o Ensino Médio e o Ensino Superior

permaneceriam inatingíveis para a pessoa com deficiência.

As disposições tanto da LDB quanto do PNE nortearam a implementação dos

programas governamentais nos anos subsequentes. Os parcos recursos destinados à

Educação Especial pela União foram acirradamente disputados pelas instituições públicas e

privadas — e o são até hoje. Investiu-se na descentralização, a partir da municipalização da

Educação Especial; em programas de habilitação e reabilitação; estimulação precoce;

acessibilidade; cursos de formação de professores pautados na deficiência; adaptações

curriculares (que disfarçavam a exclusão no interior da escola sob o argumento da

flexibilidade); educação profissional (visando a “inclusão produtiva”); e em ações

articuladas com os setores de saúde e assistência social, que resultaram, por exemplo, na

criação do Benefício de Prestação Continuada, um instrumento de fundamental importância

ao combate à pobreza.

Boa parte dessas ações reforçou a integração como princípio, mas não impediu que

os casos de inclusão ocorressem e fossem, na maioria das vezes, bem-sucedidos, apesar das

dificuldades impostas pelo sistema. O processo educativo foi enriquecido, professores e

gestores mudaram suas práticas, barreiras foram forçosamente quebradas, as pessoas com

deficiência tiveram avanços significativos em sua aprendizagem, os demais alunos

apoiaram o processo e as famílias perceberam que, no âmbito da escola comum, seus filhos

teriam a oportunidade de melhor formação. No esteio desses resultados, setores da

comunidade educacional fortaleceram a luta em prol da inclusão, exigindo sua efetivação

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pelo Estado, tal qual determinavam a Constituição de 1988 e a Convenção da Guatemala

(1999).

O lançamento das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, em 2001, foi a

primeira tentativa de resposta do Estado às mobilizações pró-inclusão. Todavia, ainda que o

discurso oficial felizmente incorporasse o termo Educação Inclusiva, o documento foi

entremeado por novas contradições. Mesmo reconhecendo o dever do Estado de garantir o

“acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade” (BRASIL, 2001, p. 20), investir

em acessibilidade e implantar as salas de recursos, foram reiteradas as flexibilizações e

adaptações curriculares, a existência de classes especiais — mesmo em caráter transitório

— e a possibilidade de o aluno receber atendimento individual nas instituições

especializadas públicas e privadas. Era notória, portanto, a preocupação governamental em

não modificar as bases do sistema educacional, atendendo aos anseios de determinados

setores, que, fortalecidos pelo apoio político e pelo recebimento de recursos públicos,

valiam-se da incapacidade estatal de ofertar educação de qualidade a todos para ampliar sua

prestação de serviços.

Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2003, o país implementou,

gradualmente, um conjunto de reformas que possibilitou a ruptura com o modelo

neoliberal. Nesse novo modelo de atuação estatal, as políticas sociais recuperaram seu

protagonismo e a educação foi objeto de especial atenção, recebendo investimentos que

provocaram a expansão da oferta de todos os níveis de ensino e modalidades educacionais.

Em vista disso, o governo, mais sensível às mobilizações sociais, respeitou os preceitos

constitucionais e pôs-se a viabilizar a inclusão dos indivíduos com deficiência no sistema

educacional comum, rompendo com a concepção médico-assistencialista vigente até então.

A implementação de políticas redistributivas e de reconhecimento no decorrer dos

dois mandatos presidenciais de Lula permitiu que o Estado atacasse diretamente as

barreiras que impediam não somente o acesso e a permanência desse público na escola

regular, mas também a plena participação na vida em sociedade. Além de um expressivo

conjunto de ações nas áreas de saúde, habitação, comunicações, cultura e esportes; da

reedição do Programa Nacional de Acessibilidade; do estímulo à participação da pessoa

com deficiência na elaboração das políticas públicas através dos conselhos municipais,

estaduais; conferências; e da elaboração do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o governo

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lançou um novo marco institucional: a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).

A nova política, seguindo as diretrizes da Constituição Federal e da Convenção das

Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), rompeu com o

princípio da integração, ao afirmar o direito de todos os indivíduos, e não apenas o dos mais

“capacitados”, estudarem nas escolas regulares, consagrando o entendimento da igualdade e

da diferença como valores indissociáveis. Finalmente, o Estado deveria articular as ações

da educação comum com a Educação Especial, pois a modalidade não mais seria ofertada

de forma segregada, mas no interior das instituições educacionais, sob a forma do

remodelado Atendimento Educacional Especializado (AEE) — não mais substitutivo, e

voltado, agora, à formação complementar/suplementar do alunado com deficiência — a ser

realizado em espaços específicos: as Salas de Recursos Multifuncionais.

Em decorrência da formulação dessa política, o governo procurou efetivar a

Educação Inclusiva a partir, dentre outras ações, da ampliação dos mecanismos de

financiamento, com a inclusão da Educação Especial no FUNDEB e no PDE; do repasse de

recursos para a realização de obras de acessibilidade nas escolas públicas; da construção de

milhares de Salas de Recursos Multifuncionais; da manutenção do Programa de

Acessibilidade na Educação Superior (Incluir); do BPC na Escola, que contribuiu para o

aumento das matrículas dos alunos com deficiência nas escolas comuns, pois lhes concedia

apoio financeiro; e da implementação dos programas Educação Inclusiva: Direito à

Diversidade, de Formação Continuada de Professores da Educação Especial; e de Formação

dos Professores para o AEE visando a capacitação dos profissionais em consonância com

os princípios estabelecidos pela Política. Desse modo, imaginava-se possível modificar o

modelo de atuação vigente até então, que se dava fundamentalmente por medidas

legislativas, de cima para baixo, sem o necessário comprometimento em torná-las práticas.

Os resultados logo seriam observados: de acordo com os resultados do Censo

Escolar de 2012, quatro anos depois da formulação da Política, 620.777 (75,66%) alunos

encontravam-se matriculados em classes comuns, enquanto outros 199.656 (24,34%)

alunos permaneciam nas classes e escolas especiais nos diferentes níveis de ensino, na

Educação Profissional e na EJA. Os números evidenciaram, ainda, a expansão da oferta de

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serviços educacionais públicos: 78,2% dos alunos matriculados estavam em classes comuns

públicas, enquanto 21,8% eram atendidos pelas instituições privadas de ensino.

Logo, as estatísticas permitem concluir que, embora, não tenhamos assegurada a

universalização da inclusão, esta se tornou um fenômeno irreversível na educação pública,

cabendo aos futuros governos a função de melhorar qualitativamente o sistema.

Nesse contexto, é imprescindível que o Estado assuma uma nova postura no campo

educacional, de modo a tornar a Educação Inclusiva uma prioridade na agenda,

independentemente dos governos que venham a se suceder. Isso implica ampliar e garantir

a manutenção dos investimentos, valorizar os profissionais da área, reestruturar a formação

inicial e assegurar a oferta de formação continuada, melhorar as condições de trabalho,

incentivar os mecanismos de participação social, promover uma ampla revisão dos

currículos e dos mecanismos de avaliação, com vistas a romper com as concepções

pedagógicas vigentes, e investir em acessibilidade.

A escola inclusiva, portanto, não é aquela que se notabiliza por atender

adequadamente a pessoa com deficiência, mas sim a instituição de ensino que assegura a

todos os indivíduos uma formação de qualidade num ambiente público, integral, gratuito,

acolhedor, participativo, dinâmico, interessante, criativo, contestador, reflexivo,

emancipatório, social, cultural e politicamente ativo.

O país avançou muito rumo à Educação Inclusiva, mas o caminho é ainda longo,

repleto de disputas de poder e novas contradições. Nem mesmo a permanência dos grupos

favoráveis à inclusão no aparelho estatal garante a continuidade das políticas públicas. É o

que já se vê no governo Dilma Rousseff (2011-2015), com a elaboração do Programa Viver

sem Limites, que prevê a oferta do AEE pelas instituições especializadas em vez de pelas

escolas comuns, e, sobretudo, a aprovação do PNE (2014-2024), cujo texto final é, no

mínimo, incoerente, pois afirma notórios retrocessos como o compromisso com a

universalização do atendimento escolar (artigo 2º) e a necessidade de assegurar o sistema

educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e modalidades (artigo 8º, parágrafo 1º,

inciso III) e, simultaneamente, a existência de classes, escolas ou serviços especializados e

a manutenção do repasse de recursos à iniciativa privada,.

No mundo capitalista, os processos de inclusão e exclusão caminham juntos.

Todavia, a força das mobilizações sociais cria os espaços necessários de resistência. Caso

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nos mantenhamos na rota, ao menos conseguiremos romper com boa parte dos pressupostos

excludentes que nortearam o campo educacional desde os primórdios de nossa história. Isso

não nos possibilitará superar as contradições impostas pelo sistema, mas, sem dúvida,

oportunizará a todos nós os instrumentais necessários para construir um sistema

educacional verdadeiramente inclusivo, e uma sociedade efetivamente mais justa, na qual a

igualdade e a diferença sejam, de fato, valores indissociáveis.

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