educaÇÃo psicomotora

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Educao PsicomotoraAutorDaniel Vieira da Silva2009 2005 IESDE BRASIL S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.S586Silva, Daniel Vieira da. / Educao Psicomotora. / Daniel Vieira da Silva. Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.72 p.ISBN: 85-7638-355-11. Psicomotricidade. 2. Psicologia do movimento. I. Ttulo.CDD 155.412Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 Batel 80730-200 Curitiba PR www.iesde.com.brSumrioApresentao......................................................................................................................... 5Psicomotricidade: consideraes preliminares..................................................................... 7Filognese da motricidade.................................................................................................... 9Psicomotricidade: uma categoria em discusso................................................................... 13 Estimulao, educao, reeducao e terapia psicomotora.....................................................................14Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias................................................... 17Dados sobre a organizao psicomotora: abordagem da regulao sensoriomotorae dos fatores psicotrnicos......................................................................................................................19O corpo hbil........................................................................................................................ 25 Corpo hbil sntese esquemtica..........................................................................................................29Corpo consciente: uma anlise das contribuies da Psicologia do Desenvolvimentopara a cincia do esquema corporal..................................................................................... 33Corpo consciente sntese esquemtica.................................................................................................37Corpo significante: o corpo que fala..................................................................................... 43 Corpo significante sntese esquemtica 1.............................................................................................46 Corpo significante sntese esquemtica 2.............................................................................................48 Corpo significante sntese esquemtica 3.............................................................................................52Espao vital e espao relacional: uma reflexo sobre a formao e intervenoem Psicomotricidade Relacional.......................................................................................... 55Espao vital e espao relacional..............................................................................................................56 Formao e interveno ..........................................................................................................................57Psicomotricidade relacional: uma contribuio integradora para o olhar educacional........... 59 Psicomotricidade relacional....................................................................................................................59 Contribuies da Psicomotricidade relacional para o ambiente educacional .........................................60 Consideraes finais................................................................................................................................61Reviso................................................................................................................................. 63Referncias........................................................................................................................... 67Anotaes............................................................................................................................. 69ApresentaoOtrabalho que ora apresentamos foi elaborado com o intuito de servir como apoio didtico para as videoaulas. Cientes de que tal disciplina no tem o carter de formar psicomotricistas, mas de subsidiar os estudos e a prtica da Pedagogia, a partir dos conhecimentos produzidosno campo da Psicomotricidade, colocamos como meta para este estudo os seguintes objetivos: conhecer os princpios tericos e prticos que orientam as vrias linhas de abordagem psicomotora.apreender os processos histricos que fundamentam os marcos tericos dessas diversas linhas. analisar a insero da Psicomotricidade e suas diferentes perspectivas no campo educacional e psicopedaggico.conhecer a relao entre: o movimento e a crtiana; o desenvolvimento motor e as mltiplas inteligncias.reconhecer a dana, a expresso dramtica e a criatividade como possibilidades a serem desenvolvidas no sujeito psicomotor.Paraefetivarmosestatarefa,dividimosomaterialemunidadestemticas,apartirdasquaisorientamos a anlise sobre os fundamentos da Psicomotricidade e suas implicaes nos processos formativos.Iniciamos o estudo, deixando explcito o referencial terico pelo qual abordaremos nosso objeto, bem como aprofundamos a discusso sobre a centralidade do trabalho no processo de desenvolvimento da motricidade humana.Discutimos o conceito de Psicomotricidade, bem como introduzimos os diversos campos de atuao psicomotora, os quais sero aprofundados nos captulos subseqentes Corpo hbil, Corpo consciente propostos por Jean Le Camus, em sua obra O corpo em discusso.Em algumas aulas apresentado um texto base, que se segue imediatamente abertura da aula no qual o aluno encontrar um panorama geral do perodo em questo. Alm dos contedos tericos, elaboramos um resumo esquemtico para complementar as informaes relativas a cada um dos contedos propostos, tarefa esta que sugerimos ser efetivada em duas etapas: 1) individualmente, durante a aula; 2) em grupo de discusso, posteriormente explanao do professor.Na seqncia, apresentamos: O movimento e a criana; um estudo sobre A relao entre desenvolvimento motor e as mltiplas inteligncia; A dana na Educao Infantil e Educao e Criatividade.Esperamos que este material, considerando as limitaes inerentes a qualquer produo acadmica, uma vez partindo de uma perspectiva histrica e crtica do corpo, das tcnicas e mtodos que dele vm se ocupando ao longo dos tempos, possa ampliar o entendimento da Psicomotricidade como prtica educativa e, portanto, como prtica social, bem como, adicionar reflexes aos estudos e futura prtica no campo da Psicopedagogia.Bom trabalho!Psicomotricidade: consideraes preliminaresApassagem do modo de produo feudal para o capitalista implicou profundas modificaes, acompanhadas de transformaes nas formas de organizao social, que envolveram diferen-tes dimenses cultural, poltica, educacional e econmica. Aprtica do arteso, trabalhadordo perodo feudal, era caracterizada como prpria de um trabalhador total, o qual... dispunha do domnio terico-prtico do processo de trabalho como um todo. Isto , dominava um projeto terico, intencional, necessrio realizao de um certo produto, e, para produzi-lo, contava com formao anterior que lhe assegurava destreza especial, a fora necessria e habilidades especficas para operar certos instrumentos sobre a matria-prima adequada, ao longo de todas as etapas do processo de trabalho (ALVES, 1998, p. 37).A transformao da produo artesanal em manufatureira e, posteriormente, em industrial, com vistas obteno de maior produtividade e lucratividade, s foi possvel com a diviso do trabalho e a transformao do trabalhador total em trabalhador parcial (ALVES, 1998).Neste percurso, o trabalhador foi sendo alienado do processo de produo como um todo e, com os avanos da mecanizao industrial, tambm ficou alheio ao produto em si, transformando-se num acessrio vivo de um organismo morto a mquina. Expropriado, inclusive, do conhecimento produzido pelo seu prprio ofcio, o operrio fabril passou a realizar operaes rotineiras que no exigiam qualquer destreza especial. Com isso, a produo capitalista, enquanto domnio do trabalho simples, se realizou em sua plenitude (ALVES, 1998, p. 39).As idias de Alves encontram apoio na anlise realizada por Marx e Engels (1987, p. 68), na qual [a] indstria e o comrcio, a produo das necessidades de vida, condicionam, por seu lado, a distribuio, a estrutura das diferentes classes sociais, para serem, por sua vez, condicionadas por estas em seu modo de funcionamento.1Educao PsicomotoraNesta conjuntura, a educao, embora se proponha a ser igualitria e para todos, tem-se revelado um processo organizado a partir de modos diferenciados de formao, no qual a classe trabalhadora submetida a uma educao reducionista e simplificada, entendida como suficiente sua adequao s necessidades do sistema de produo capitalista.Desta maneira, no somente o conhecimento fica restrito s necessidades tcnicas das linhas de produo, como tambm a complexidade do corpo do trabalhador foi adequada/reduzida s funes mec-nicas e rotina do tempo fabril (FOuLCAuLT, 1988; MARx, 2001).Neste contexto, as pr-ticas corporais foram e so de inestimvel valor para que a normatizao da vida privada e institucional se concretize. Sobre este fato,Cena do filme Tempos modernos, extrada da capa do livroLoucura do Trabalho, de Christophe Dejours. esclarece Foucault (1988, p. 126) que [esses] mtodos que permitemocontroleminucioso das operaes do corpo, que realizam a sujeio constante desuasforaselhesimpeuma relao de docilidade-utilidade, so o que se denominou por disciplinas.Frente a esta perspectiva de interveno direta sobre oTotalidade, no trabalho em referncia, nada tem aver com as imprecisas noes de todo, de contexto social, sistematicamente presentes nas falasdoseducadores.Totalidade, nocaso,correspondeformade sociedade dominante em nosso tempo: a sociedade capitalista. Apreender a totalidade implica, necessariamente, captar as leis que a regem e o movimento que lhe imanente (ALVES, Gilberto Luiz. Apresentao. In: Klein, Lgia Regina. Alfabetizao: quem tem medo de ensinar? So Paulo: Cortez; Campo Grande: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. 1996, p. 10). corpo, com o objetivo de normatiz-lo e classific-lo de acordo com as necessidades dos modos de produo de determinada sociedade, que a Psicomotricidade, no contexto capitalista,umadasreasquemuitotmcolaboradoparaasistematizaodesaberese tcnicas corporais, amplamente utilizados e expandidos pelas instituies educacionais, fatoqueexplicitasuaorganicidadecomomododeproduodenossasociedade.Ao buscarmos, portanto, conceituar esta rea do conhecimento e apreender os benefcios que ela pode oferecer para o encaminhamento das necessidades relativas ao processo psicopedaggico, coloca-se a necessidade de superar a viso tendencialmente positivistae biologicista pela qual ela vem sendo, historicamente, concebida. Neste sentido, o simples conhecimento a respeito das diversas linhas e prticas direcionadas educao, reeducao e terapia psicomotoras parece ser insuficiente para tal superao, bem como para revolucionar o entendimento a respeito da significativa banalizao e reducionismo a que est sujeita a dimenso corporal, no ambiente escolar e clnico. preciso buscar apreender a Psicomotricidade enquanto prtica social, em seu movimento na histria, ou seja, conceb-la numa perspectiva de totalidade1.8Filognese da motricidadeToda riqueza provm do trabalho, asseguram os economistas. E assim o na realidade: a natureza proporciona os materiais que otrabalho transforma em riqueza. Mas o trabalho muito mais do que isso: o fundamento da vida humana. Podemos at afirmar que,sob determinado aspecto, o trabalho criou o prprio homem.PENGELS, 1876ara que possamos entender a Psicomotricidade, seus objetos de estudo e de trabalho, ao longo da histria, faz-se necessrio explicitar o fator que jogou a motricidade no processo de hominizao. Ao estudarmos a filognese da motricidade humana, acompanhando as transformaes anto-mocorticais desde os macacos at o Homo sapiens sapiens, evidencia-se com extrema clareza que, assim como refere Marx (2001), o trabalho um processo pelo qual o homem, medida que modifica a natureza externa, modifica a sua prpria natureza.Da quadrupedia terrestre apropriao do meio arbreo-areo, como modo de remediar sua condio de vulnerabilidade frente aos predadores, nossos ancestrais remotos ficaram imersos em no-vas necessidades. Tal situao colocou em marcha uma srie de modificaes na organizao social, alimentar, esqueltica e cerebral desses pr-homindeos.Explicitando as transformaes cerebrais relativas organizao tnica, resultante das novas necessidades impostas pelo habitat areo, explica Fonseca (1982, p. 69) que...a locomoo area pe mais problemas de equilibrao e coordenao que a locomoo terrestre, na medida em que os estmulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, at porque, se encontram conjugados com os estmulos exteroceptivos visuais, razo pela qual as conexes corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez mais, favo-recendo um desenvolvimento cerebeloso que tem como funo coordenar as informaes que vm dos msculos, dos tendes e das articulaes e submet-las apreciao da motricidade, responsvel pela equilibrao (sistema extrapiramidal-teleocintico) e pela coordenao (sistema piramidal-ideocintico).Tais modificaes, de ordem cerebelar, alm de terem garantido a preciso dos movimentos amplos, a partir da independizao das mos pela postura verticalizada, influenciaram decisiva-mente na possibilidade de manipular objetos e construir instrumentos. Citando Sanides, Fonseca (1982, p. 69) enfatiza que[ao] grau mais elevado da diferenciao da representao motora neocortical, com o aperfeioamento progressivo dos movimentos unilaterais das extremidades, corresponde um aperfeioamento cerebeloso que assegura a harmo-nia do movimento mais complicado atravs de sistemas cerebelosos proprioceptivos.Neste sentido, Sanides evidencia que a capacidade de planejamento e execuo das aes, fator de distino entre o homem e seus antecessores primatas, ou seja, o desenvolvimento do neocrtex bem como a especializao dos hemisfrios cerebrais, entre outras coisas, resultante de um processo que visou equacionar as necessidades impostas pelo meio arbreo.Com a emancipao da mo, at ento necessria s funes de locomoo arborial, novas funes apresentaram-se, a princpio, ligadas s necessidades bsicas adaptativas, por exemplo, de preparao alimentar, apanhando e selecionando os alimentos antes de introduzi-los na boca etc. Assim, a destralidade manual, pouco a pouco, colocou-se como um dos principais instrumentos de apropriao do real e de relao com este.Educao PsicomotoraA mo humana, com os dedos reduzidos, com um polegar relativamente comprido, evidenciando a capacidade de rotao sobre o seu prprio eixo, podendo opor-se aos restantes dedos, permitiu ao Homem a capacidade de fabricar [e utilizar] instrumentos, razo fundamental do fenmeno humano.(FONSECA, 1982, p.71)Apartir do refinamento das possibilidades de manipulao da realidade cir-cundante, a utilizao consciente e a produo de instrumentos tornam-se um fato e, ao mesmo tempo, um marco qualitativo na passagem do Homo habilis para o Homo sapiens sapiens. O objeto, antes tido pelos primatas e homindeos como intracorpreo, ou seja, indiferenciado do corpo, passa a ser diferenciado. Ao ser (des)incorporado intencionalmente na dinmica de produo da sobrevivncia da comunidade, o objeto torna-se instrumento. Neste sentido, nossos antepassados libertam-se da sujeio natureza externa e passam a produzir modos de intervir conscientemente sobre ela, superando suas limitaes fsicas (o instrumento am-plia suas capacidades motoras) e fisiolgicas (expanso das estruturas cerebrais) de sobrevivncia.Do movimento ao pensamento reflexivo. Das aes seqncia dos seus efeitos. Ao e representao corolrio um do outro. (FONSECA, 1982, p.99)Deste modo, surgiram as primeiras formas de trabalho propriamente ditas, ou seja, as primeiras intervenes intencionais sobre a natureza, provocando a expanso do potencial humano pelo uso do instrumento.Se o fabrico e uso consciente do instrumento permitiram a superao das limitaes corporais do indivduo, segundo Marx (2001, p. 382), ... ao coope-rar com outros de acordo com um plano, desfaz-se o [ser humano] trabalhador10Filognese da motricidadedos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espcie (colchete nosso).A necessidade do trabalho cooperado e planejado oportunizou o flores-cer de uma linguagem cada vez mais elaborada e, com isto, a expanso das capacidades cerebrais d um salto qualitativo em suas possibilidades de asso-ciao e abstrao.No quadro abaixo, Fonseca (1982, p. 104) oferece uma sntese do processo que at agora expusemos e procura enfatizar a profunda conexo entre necessida-des de sobrevivncia, trabalho, utilizao e fabrico de instrumentos e alteraes anatomofisiolgicas, que levaram o Homem a constituir-se como tal.(FONSECA, 1982, p.104.)11Educao PsicomotoraNesta parte do trabalho, relativa filognese da motricidade humana, pro-curamos evidenciar o fato de que o trabalho, historicamente, vem se apresentando como o grande mote da conscincia humana.Criadora da cultura, primrdio da expanso cerebral com suas ilimitadas potencialidades associativas, a atividade laboral coloca o potencial humano dia-leticamente dependente de uma organizao social cada vez mais complexa, or-ganizao esta que exigir e produzir estreitos vnculos entre a necessidade de desenvolvimento de suas foras produtivas e de seus meios de produo.Na seqncia de nossas aulas, continuaremos nossas reflexes, procurando explicitar o modo pelo qual a Psicomotricidade, enquanto elemento do processo educacional, tornou-se um dos meios pelo qual os Homens vm intervindo cons-cientemente na natureza humana, produzindo especificidades motoras de acordo com as necessidades de produo de nossa sociedade.12Psicomotricidade: uma categoria em discussoQuando perguntamos aos nossos alunos o que entendem por Psicomotricidade, aparecem respostas como:Movimento, crebro;Tcnicas para desenvolver o conhecimento das partes do corpo; Ligao corpo-mente;Equilbrio;Tcnicas voltadas ao desenvolvimento de pr-requisito para leitura e escrita; Corpo e emoo;Exerccios de coordenao motora; Corpo e cognio; Desenvolvimento infantil; Esquema corporal;Lateralidade etc.Como se pode observar, uma gama bastante vasta, que vai desde concepes mais funcionais (maturao do sistema nervoso, processos neuromotores, pr-requisitos, coordenao etc), at pers-pectivas mais ligadas aos aspectos relacionais da motricidade humana (corpo e emoo).Esta variedade de noes que surgem, no senso comum, em conexo ao termo Psicomotricida-de, reflete o prprio processo histrico pelo qual esta rea do conhecimento vem se constituindo.Preliminarmente, segundo alguns estudos mais difundidos, que procuram explicitar a es-pecificidade deste campo, podemos visualizar a abrangncia da Psicomotricidade por meio do seguinte esquema:PsicoMotricidadeAspectos biomaturacionaisMovimentoAspectos cognitivosAo corporalAspectos afetivosPartindo desta multiplicidade de aspectos que estabelecem uma inter-relao com a motricidade, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP) (fundada em 1980), em meados dos anos 90, pro-curando especificar a abrangncia da Psicomotricidade no pas, elaborou um primeiro conceito geral desta rea do conhecimento: Psicomotricidade uma cincia que tem por objeto o estudo do Homem, atravs de seu corpo em movimento, nas relaes com seu mundo interno e externo (SBP, 1995).Sentimos a necessidade de especificar um pouco mais o conceito de Psicomotricidade elaborado pela SBP. Neste sentido, superando a viso idealista vigente, concordamos com Silva (2002) quando afirma que Psicomotricidade, numa perspectiva de totalidade, define-se como, uma rea do conheci-mento que tem por objeto o corpo e o movimento humano em suas relaes sociais e de produo.Educao PsicomotoraUma vez explicitadas as concepes de Psicomotricidade que nortearo nossos estudos, podemos passar para as sistematizaes explicativas das principais categorias com as quais trabalha esta rea do conhecimento e, posteriormente, para uma abordagem crtica de sua historiografia.Estimulao, educao, reeducao e terapia psicomotoraUma vez discutida a categoria Psicomotricidade, vamos fazer uma introduo relativa s suas reas de atuao. De modo geral, a interveno no campo psicomotor vem sendo concebida a partir de quatro grandes reas, a saber: estimulao, educao, reeducao e terapia psicomotora.Paraadefiniodoscamposdeintervenopsicomotora,faremos,aseguir, uma transcrio de alguns trechos da obra de Bueno (1998), Psicomotricidade: teoria e prtica,porsuafidelidadeaomodovigentedeconceberasespecificidades desta rea do conhecimento.Segundo esta autora, (BUENO, 1998, p.83)Entende-se por estimulao psicomotora o [processo] que envolve contribuies para o desenvolvimento harmonioso da criana no comeo de sua vida. Caracteriza-se por atividades que se preocupam e vo ao encontro das condies que o indivduo apresenta, acima de tudo, na sua capacidade maturacional, procurando despertar o corpo e a atividade por meio de movimentos e jogos e buscando a harmonia constante. Estimulao quer dizer despertar, desabrochar o movimento. Dirige-se prioritariamente a recm-natos e pr-escolares. Alguns autores referem-se estimulao psicomotora como estimulao precoce, mas consideramos o termo errneo, sendo mais sensato utilizarmos estimulao essencial.Educao psicomotoraAbrange todas as aprendizagens da criana, processando-se por etapas progressivas e especficas conforme o desenvolvimento geral de cada1Referimo-nos aos distr-bios corporais orgnicos, psicomotores funcionais, de comportamentos ou sociais, em que a educao psico-motora pode e deve intervir,prevenindo-os. indivduo. Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepes vivenciadas, como uma interveno direta nos aspectos cognitivo, motor e emocional, estruturando o indivduo como um todo. A educao passa pela facilitao das condies naturais e preveno de distrbios corporais1. Ela se realiza na escola, na famlia e no meio social, com a participao dos educadores, dos pais e dos professores em geral (professores de natao, de atividades aquticas, jud, bal, ginstica, dana, arte-educadores, magistrio etc.). Dirige-se prioritariamente s crianas em condies de freqentar a escola e sem comprometimentos maiores. Muitos autores enfatizam essa rea de atuao e acreditamos que a base educativa acaba permeando as outras (reeducao, estimulao e terapia).Le Boulch (1981) comenta que a educao psicomotora deve ser considerada como uma educao de base na escola elementar, ponto de partida de todas as14Psicomotricidade: uma categoria em discussoaprendizagens pr-escolares e escolares. Ele lutou e conquistou, na dcada de 60, a incluso da educao psicomotora nos cursos primrios da Frana.Vayer (1969) coloca quedo ponto de vista educativo, o papel e lugar da educao psicomotora na educao geral corresponder, naturalmente, s diferentes etapas do desenvolvimento da criana, e assim entendemos que: no curso da primeira infncia, toda educao educao psicomotora; no curso da segunda infncia, a educao psicomotora permanece sendo o ncleo fundamental de uma ao educativa que comea a diferenciar-se em atividades de expresso, organizao das relaes lgicas e as necessrias aprendizagens de leitura-escrita-ditado; no curso da grande infncia, a diferenciao entre as atividades educativas se faz mais acentuadamente, e a educao psicomotora mantm ento a relao entre as diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento de todos os aspectos da personalidade.Lapierre (1989) coloca que a educao psicomotora uma ao psicopedaggica que utiliza os meios de educao fsica, com a finalidade de normalizar ou melhorar o comportamento do indivduo.PicqVayer (1969) sugerem que se investiguem as tcnicas mais eficazes para obter uma melhora progressiva no comportamento geral da criana.E Bueno (1998, p. 84) completa dizendo que:A conscincia do corpo, o domnio do equilbrio, o controle e mais tarde a eficcia das diversas coordenaes gerais e segmentares, a organizao do esquema corporal, a orientao no espao e, finalmente, melhores possibilidades de adaptao ao mundo exterior so os principais motivos da educao psicomotriz.Reeducao psicomotora a ao desenvolvida em indivduos que sofrem com perturbaes ou distrbios psicomotores. A reeducao psicomotora tem como objetivo retomar as vivncias anteriores com falhas ou as fases de educao ultrapassadas inadequadamente. Em termos gerais, reeducar significa educar o que o indivduo no assimilou adequadamente em etapas anteriores. Deve comear um tempo hbil em razo da instalao das condutas psicomotoras, diagnosticando as dificuldades a fim de traar o programa de reeducao.A atribuio da reeducao est contida em vrias reas profissionais: pedagogia, educao fsica, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia educacional, psicologia, arte-educadores, educadores, mdicos da especialidade motora ou psquica, entre outros. Mas, o mais importante para uma boa reeducao a tranqilidade e o intercmbio afetivo entre o presente do reeducador com o reeducando, condio bsica para uma boa reeducao.O artigo 7. da proposio da lei francesa de 15/2/74 cita que a reeducao deve ser neurolgica em sua tcnica, psicolgica e psquica em sua meta, destinada pela intermediao do corpo a atuar sobre as funes mentais e psicolgicas perturbadas tanto na criana como no adolescente ou no adulto.De Fontaine (1980) diz15Educao PsicomotoraA reeducao embasa sua eficcia no fato de que se remonta s origens, aos mecanismos de base que esto na origem da vida mental, controle gestual e do pensamento, controle das reaes tnico-emocionais, equilbrio, fixao na ateno, justa preenso do tempo e do espao. (apud BUENO, 1998, p.85).Terapia psicomotoraDirigida a indivduos com conflitos mais profundos na sua estruturao, associados aos [aspectos] funcionais ou com desorganizao total de sua harmonia corporal e pessoal. En-volve [por exemplo] crianas com agressividade acentuada, pulses motoras incontroladas, casos de excepcionalidade e dificuldades de relacionamento corporal e tambm destinada a indivduos que possuem associao de transtornos da personalidade. Est baseada nas relaes e na anlise dessas relaes por meio do jogo de movimentos corporais. (BUENO, 1997, p. 85).Como pode-se notar pelas contribuies de Bueno e dos autores a quem ela recorre, as especificidades de atuao no campo psicomotor mais amplamente adotadas priorizam as questes biolgicas, cognitivas e de comportamento, embora, por vezes, com um acento mais humanista, porm, no deixando claro o papel da Psicomotricidade enquanto sistematizao de uma sociedade que tem necessidades especficas a de organizar e gerir os modos de produo capitalista.16Psicomotricidade:um estudo preliminar de suas categoriasPara iniciar nossos estudos, temos que abordar algumas categorias fundamentais para a reflexo sobre as produes tericas e tcnicas no campo da Psicomotricidade. So elas: esquema corporal, imagem corporal e tono. Para as duas primeiras categorias, esquema corporal e imagem corporal, utilizaremos, fundamentalmente, a obra de Michel H. Ledoux, Introduo obra da Franoise Dolto.Joassunto tono ser abordado a partir de um artigo de Vitor da Fonseca, em sua obra Psicomotricidade. Referente ao esquema corporal, Ledoux (1991, p.85), psicanalista francs, colaborador deFranoise Dolto, oferece a seguinte formulao:O esquema corporal especifica o indivduo como representante da espcie. Mais ou menos idntico em todas as crianas da mesma idade, ele uma realidade de fato, esteio e intrprete da imagem do corpo. Graas a ele, o corpo atual fica referido no espao experincia imediata. Ele inconsciente, pr-consciente e consciente.Seguindo esta posio, podemos considerar que o esquema corporal definido pela rea da Psicomotricidade como a organizao de estruturas cerebrais que outorga ao indivduo a capacidade funcional, ou seja, o conhecimento progressivo das partes e funes do corpo, a partir de etapas sucessivas, determinadas pela maturao neurocortical e pela relao da pessoa com o meio fsico e humano. Esta organizao, segundo a Psicomotricidade, tem como funo propiciar ao indivduo noes de globalidade de si, equilbrio postural, afirmao da lateralidade, entre outras habilidades.(FREIRE,1989, p.194.)Educao PsicomotoraSe visto sob uma perspectiva de totalidade, podemos dizer que os saberes tcnicos produzidos por esta rea do conhecimento, relativos ao esquema corporal, justificaram o surgimento de uma verdadeira economia do movimento. Determinados pela necessidade imposta pelo capital, de extrao de lucro por meio do aumento da produo, sem o respectivo aumento de investimento em mo-de-obra, tais saberes influenciaram vrios setores da sociedade, incluindo a Educao. Nesse setor, tal viso colocou em marcha, entre outros, um processo de interveno psicomotora, que justificou a formao da classe trabalhadora, pela necessidade de um programa compensatrio direcionado para o desenvolvimento de pr-requisitos que garantissem um bom desempenho nas etapas posteriores de escolarizao, frente precariedade cultural e social da populao pobre.(FREIRE, 1989, p.65)A imagem corporal, por sua vez, radica nas impresses resultantes das relaes de prazer e desprazer estabelecidas entre a pessoa e seus pares, sobretudo na infncia, que lhe dispensam cuidados bsicos cotidianamente. Segundo Ledoux (1991, p. 84-85),[a] imagem inconsciente do corpo no o corpo fantasiado, mas um lugar inconsciente de emisso e recepo das emoes, inicialmente focalizado nas zonas ergenas de prazer. Ela se tece em torno do prazer e do desprazer de algumas zonas ergenas. [...] trata-se de uma memria inconsciente da vivncia relacional, de uma encarnao do Eu em crescimento.[...] a imagem do corpo, individual, est ligada histria pessoal, a uma relao libidinal marcada por sensaes ergenas eletivas. Como vestgio estrutural da histria emocional, e no como prolongamento psquico do esquema corporal, ela se molda como elaborao das emoes precoces com os pais tutelares.182Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias1Essencialmente relacional e inconsciente, a estruturao da imagem do corpo apia-se na dialtica entre o prprio desejo do sujeito e o desejo do outro, influenciando, diretamente, os modos de relao que o indivduo vai empreender com os outros, consigo mesmo1 e com as coisas.(LAPIERRE, 2002, p.71)Neste sentido, Ledoux (1991, p. 89) explicita que[a] comunicao sensorial (emocional) e a fala do outro aparecem como dois substratos dessa imagem do corpo. Asimples experincia sensorial (corpo a corpo), sem um mediador humano, s instrui o esquema corporal e no estrutura a imagem do corpo. [...] viver num esquema corporal, sem imagem do corpo, equivale ao viver mudo, solitrio.Essa citao evidencia a estreita relao entre esquema e imagem corporal, bem como, concebe estas categorias determinadas pelas relaes humanas, nas quais o corpo e a linguagem constituem-se como elementos fundantes das relaes e da estruturao do sujeito. Segundo estudos recentes, estas formulaes no campo da Psicomotricidade vm justificando uma diferenciao no modo de apropriao da fora produtiva do trabalhador, visto que, economia do movimento, relativa ao esquema corporal, adiciona-se, pelas sistematizaes a respeito da imagem corporal, um novo elemento a economia do desejo.Dados sobre a organizao psicomotora: abordagem da regulao sensoriomotora e dos fatores psicotrnicos.2Inmeros autores esto de acordo ao aceitarem que o estado tnico uma forma de relao com o meio, que depende de cada situao e de cada indivduo. Por exemplo: uma criana de trs ou quatro anos, demodo geral, tem um aparato motor e neurolgico suficiente-mente desenvolvido para subir alguns degraus de uma escada e saltar. Em relao organi-zao do esquema corporal, ela est apta para empreender a tarefa. Porm, nossa prtica clnica e institucional eviden-cia que algumas crianas o faro com certa tranqilidade, enquanto outras hesitaro e, at por medo, no o faro. Entre as crianas que no o fazem e/ ou hesitam, podemos encontrar uma parcela que sobrepro-tegida pelas figuras parentais. Nestes casos, a dificuldade da criana em pular no uma questo de maturao ou falta de conhecimento do prprio corpo, mas sim, pode estar re-ferida ausncia de imagem corporal positiva. uma vez que a criana tratada pelos seus pais e/ou tutelares como frgil, necessitando ser sobre-protegida, ela tem dificuldade em reconhecer-se potente o su-ficiente para utilizar suas com-petncias e arriscar, como em nosso exemplo, um salto.Textocomplementar aotexto PSICOMOTRICIDADE:um estudo preliminar de suas categorias: FONSECA, Vtor da . Dados sobre a organizao psicomotora: abordagem da regulao sen-soriomotorae dosfatorespsicotrnicos. In: FONSECA, Vtor da. Psicomotricidade.SoPaulo,SP: Martins Fontes, 1993. (p. 49-56)193Educao PsicomotoraO estado tnico, ligado aos fatores relativos histria biolgica do indivduo, traduz a multiplicidade de fenmenos neurofisiolgicos que permitem ao movimento emergir do fundo que o suporta, o que o torna implicado, portanto, com os outros aspectos da iniciativa motora. Encontra-se, tambm, ligado aos fatores hereditrios e aos da maturao, a partir dos quais se desenvolvem diferentes estados tnicos relacionados com a vigilncia e com os diferentes episdios da vida emocional.A hipotoniaaparece, assim, como um fator relacionadocom a satisfao das necessidades, no perodo de imaturidade corporal; a hipertonia, pelo contrrio, revela-se como o meio de defesa mais eficaz e mais freqente, fator de luta contra os conflitos e contra as ansiedades criadas por estes.Foi sob a designao de armadura caracterial que W. Reich descreveu as formas ativas de resistncia. Os aspectos tnicos encontram-se ligados a toda uma cronologia de atitudes, tomada pelo sujeito no decurso da sua evoluo temporal.Afuno tnicaest ligada totalidade da personalidade do indivduo,como provam vrios aspectos do domnio psicopatolgico, que nos permitem perceber melhor as implicaes da tonicidade.Segundo Wintrebert, os conflitos psquicos inconscientes podem-seTendncia patolgica para a execuo simtrica dequalquer movimento, de qual-quer contrao muscular que executa um membro sem que a associao possua um signi-ficado funcional. Fonte: www. ecoabreu.psc.br/vocabulrio. htm20 transplantar para a periferia do corpo sob a forma aparente de uma doena orgnica. Aesfera psquica, quando no tolera os conflitos, projeta-os na esfera motora sob a forma de uma perturbao orgnica (psicossomtica).O estado tnico traduz um equilbrio entre a periferia e os centros nervosos que tocam nveis da personalidade profunda.As experincias de Baruk mostraram que a alterao do estado tnico no afeta a perda de execuo, mas a iniciativa e o plano do movimento. Por causa daquela alterao, os terrenos cerebrais encarregados das funes psicomotoras encontram-se perturbados, o que resulta na perda de contato com o mundo exterior, no isolamento, na indiferena emocional, nas alucinaes etc.A catatonia, por exemplo, um problema tnico que se encontra nos esquizofrnicos: nestes indivduos, verifica-se a persistncia de atitudes durante bastante tempo, sem fadiga aparente. Nestes casos, tudo indica que o indivduo reduz as suas possibilidades de relao com o mundo exterior e que, ao mesmo tempo, perde os meios de reconhecimento da imagem do seu corpo. Do-se uma patologia relacional e uma perda de adaptabilidade com as correspondentes dissociaes do eu psquico do eu corporal, que se desintegram progressivamente.A evoluo tnica est ligada historicidade das relaes do indivduo com o seu meio ambiente, segundo um equilbrio que, progressivamente, vai-se estabelecendo. Pela vivncia de crises e conflitos emocionais, o tnus vai-se constituindo e moldando-se s diferentes situaes, adquirindo, assim, reaes mais ajustadas s situaes do meio.A vivncia corporal no seno o fator produtor das respostas adequadas, em que se inscrevem todas as tenses e as emoes que caracterizam a evoluo psicoafetiva da criana. Segundo as vivncias motoras, o tnus adquire uma expresso representativa, demonstrada ao longo da evoluo da tonicidade e na dialtica dos seus estados hipotnicos e hipertnicos. O estudo do tnus pe em prtica a relao entre a extensibilidade e a passividade e os estudos da evoluo das sincinesias3. No primeiro aspecto, considera-se o grau de estiramento dos4Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categoriaspontos de insero muscular; no segundo aspecto, o movimento produzido volta de uma articulao, ou seja, a sua resistncia passiva; e no ltimo, os movimentos associados e indiferenciados.Estaspropriedadesfuncionais,aodistriburem-sequantitativae qualitativamente, originam os diferentes tipos tnicos. Os hipertnicos (hipoextensos) mais precoces na aquisio da marcha e mais ativos; os hipotnicos (hiperextensos) mais avanados na preenso e na explorao do prprio corpo.A criana hipotnica tem movimentos mais soltos, mais leves e maiscoordenados, e acusa ummenordesgastemuscular.Noaspectosocial,umacriana com estas caractersticas revela um comportamento estvel, que lhe garante uma maior receptividade.As pessoas que a cercam lhe dedicam um amor sem censura e so normalmente calmas e sossegadas. Este clima afetivo, como evidente, intervm na formao do carter da criana, como expressou Wallon.A criana hipertnicaapresenta uma multiplicidade de reaes que traduzem uma certa carncia afetiva, visto que, pela sua exagerada produo motora (os capetas), provocam, por parte das pessoas, reaes de ansiedade e atitudes de rejeio. Graas sua excessiva motricidade, a criana acusa maior poder de tentativa, adquirindo, por esse fato e pelos seus prprios meios, as habilidades motoras fundamentais ao seu desenvolvimento.A precocidade da aquisio motora da marcha, por exemplo, pode originar obliteraes4 afetivas, e como decorrncia, os primeiros desgastes materiais. A partir daqui, determinados espaos esto interditados e instala-se a privao de movimento. Esta simples situao suficiente para alterar as relaes afetivas mefilho, que iro repercutir no desenvolvimento posterior da criana.J a criana hipotnica no s encontra envolvimento afetivo conveniente e permissivo, como tambm inicia mais rapidamente as relaes crebromo, provocadas pela preenso. A preenso, como estrutura de realizao, depende da corticalizao e favorece a coordenao culo-manual, elemento essencial de maturao mental.Stambak e Lezine realizaram um estudo experimental entre os tipos motores e a correspondente adaptao caracterial, chegando concluso de que as crianas hipotnicas so mais tmidas, mais afetivas e mais dependentes que as crianas hipertnicas, que j so mais raivosas e menos fixadas nos pais. Constataram, ainda, que os comportamentos das crianas do mesmo tipo motor variam em razo do regime socioeducativo a que esto sujeitas. Apresentando manifestaes motoras e caracteriais semelhantes, as crianas podem ser fceis ou difceis, segundo o ambiente cultural e o nvel de tolerncia que as cercam.Nesta simples amostragem, somos levados a compreender que a funo tnica est ligada a todas as manifestaes de ordem afetiva, emotiva, cognitiva e motora.Para muitos autores, como Andr-Thomas, Ajuriaguerra, Chailley-Bert, Mamo, Laget e Paillard, a funo tnica a mais complexa e aperfeioada do ser humano; encontra-se organizada hierarquicamente no sistema integrativo e toma parte em todos os seus comportamentos. funo tnica que se deve a inter-relao recproca entre motricidade e psiquismo. Adescoberta da sua funo pelo aparecimento do fuso pelo e do sistema gama constitui uma virada cientfica no estudo do homem, bastante significativa. Em todas as formas de conduta do ser humano h uma interconexo entre a musculatura estriada, a musculatura 1. ato ou efeito de oblite-rar-se; 2. destruio, eli-minao; 3. esquecimento, ol-vido; 4. apagamento, extino. (Houaiss)21Educao Psicomotoralisa e o sistema hormonal, interconexo esta estabelecida pela funo tnica que intervm na regulao do sistema muscular voluntrio (de relao), do sistema neurovegetativo e do sistema hormonal, como argumenta Paillard.Wallon sublinhou que a funo tnica intervm na dialtica da atividade de relao e no campo da psicognese. Entre o indivduo e o seu meio, estabelece-se um dilogo corporal, em que a funo tnica integra a histria das informaes exteriores e inter-relacionais, para dar origem fenomenologia do comportamento humano.O estudo da funo tnica, iniciado no princpio do sculo xx por Sherrington pe em destaque a necessidade de integrar o estudo do tnus na atividade organizada pelo sistema nervoso. Desde os estudos da atitude deste mesmo autor, e tambm de Rademaker, Liddel, Granit, Eccles, Kaada e tantos outros, a funo tnica situa-se no campo da atividade cintica e tambm, como defendem Mamo e Laget, na vastido e complexidade da neurofisiologia. Vasto, porque no de formao nervosa exclusiva; complexo, porque forma o fundo das atividades motoras e posturais, preparadoras do movimento, fixadoras da atitude, projetando o gesto e mantendo a esttica e a equilibrao.Afuno tnica constitui uma funo especfica e organizada, que prepara a musculatura para as diferentes formas de atividade motora. Aposio antigravtica dos segmentos do corpo uma ilustrao elementar de sua funo motora.A aquisio da atitude bpede, grande responsvel pela Hominizao, conferiu ao ser humano uma aptido para qualquer forma de ao motora suscetvel de satisfazer a sua natureza investigadora e as suas necessidades de ajustamento ao meio ambiente.Esta funo tnica a vigilncia do ser humano, elemento essencial da vida orgnica emancipada, provocando a estreita relao do somtico aos contornos do psiquismo.Avigilncia, suportada pela funo tnica, o alicerce dos mltiplos aspectos da funo motora. So inmeras as variedades de tnus que lhe conferem o grau de funo mais plstica de todas as que constituem a formao e a organizao motora. Destemodo,temos:tnusderepouso,tnusdepostura,tnusdesuporte,tnusmotor etc. Paillard defende que o tnus se encontra na base das manifestaes organizadas, harmoniosamente repartidas na musculatura, a servio de uma funo especfica equilibrao ou movimento bem definido e de expresses mais difusas, especficas e de carter geral. Como resposta a um estmulo que se exerce permanentemente (a gravidade), o organismo reage por meio de uma atividade nervosa constate auto-regulada e, portanto, inconsciente.O que importante assinalar a dupla atividade do msculo, que suscetvel de atividade clnica (fsica, de movimento) rpida e altamente energtica, e de atividade tnica, lenta, pouco energtica, de suporte, responsvel pela postura.Cabe dizer que a anlise cuidadosa do tnus requer mtodos de estudo, como a eletrofisiologia, a eletromiografia, a eletrofonia, a cinematografia etc., que testemunham com preciso a atividade eltrica desenvolvida pelas miofibrilas e pelos motoneurnios.No vamos entrar num estudo detalhado do fuso neuromuscular, nem nas implicaes do sistema gama na organizao motora do ser humano; apenas apontamos novos campos experimentais que possam auxiliar na observao e na compreenso dos fenmenos da motricidade humana.22Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categoriasO tnus, por se encontrar ligado com as funes da equilibrao e com as regulaes mais complexas do ato motor, assegura a repartio harmoniosa das influncias facilitadoras ou inibidoras do movimento.A neurofisiologia e a neuropatologia fornecem grande quantidade de elementos de estudo sobre as regulaes inter e supra-segmentar da motricidade, auxiliando-nos na compreenso dos centros e das vias que ela pe em jogo.Resumindo, o tnus tem uma funo informtica fundamental porque, ao unificar as estimulaes, integra-as nos centros responsveis pela elaborao, controle e execuo do movimento. O tnus no mais do que a expresso de uma dinamogenia que, inicialmente imatura e difusa, vai se organizando em formaes mais adaptveis e plsticas. Por meio de centros bulbomesenceflicos e sistemas graviceptivos (a receptividade de gravidade), o tnus integra o bombardeamento incessante dos estmulos exteriores que esto na base da aquisio da postura e da conseqente disponibilidade prxico-construtiva.Toda a evoluo humana se desenrola numa aparente oposio tnica, verificada pela progressiva hipertonicidade do eixo corporal e pela progressiva hipotonia das extremidades. Todos os movimentos, como argumenta Bergs, partem do tronco e terminam nele. O movimento da cabea e ombros funo do tnus da coluna vertebral. As atividades de explorao e de orientao desenvolvem-se com o suporte do tnus axial. atravs da manuteno da cabea que se desencadeiam as estruturas visuais, auditivas e labirnticas, que vo permitir o acesso explorao do espao bucal e do espao contguo, de que fala W. Stern. Toda essa sucessiva maturao, tendo em vista uma autonomia, no mais do que uma progressiva organizao tnica das vrtebras.H como que uma dialtica de desenvolvimento entre o tnus axial e o tnus perifrico, que encontra relao nos inmeros casos patolgicos.Aexplorao do mundo e a descoberta do corpo realizam-se pelas atividades de orientao e preparao e, posteriormente, pela direo e experincia corporal.O tnus axial constitui, portanto, o ponto de partida do movimento no tempo e no espao, interdependentemente da lateralidade, ou seja, da motricidade no diferenciada. No vamos neste campo ampliar o conceito de lateralidade, por constituir matria suficiente para novo trabalho; apenas desejamos esclarecer que toda a organizao motora se encontra relacionada com o problema da dominncia hemisfrico-cerebral. , portanto, a motricidade espontnea que se encontra na base dos fatores da deciso e iniciativa motoras. O tnus, em razo da utilizao do corpo, adquire uma especializao unilateral em conexo com a estruturao progressiva do crebro.Alm destas relaes, devemos equacionar o movimento como estrutura que supe uma integrao de mecanismos neurofisiolgicos, dependentes da evoluo dos sistemas piramidal e extrapiramidal. O primeiro responsvel pela motricidade fina, voluntria e ideomotora; o segundo constitui o fundo tnico-motor automtico, que se ope ao primeiro, servindo de guia s impulses piramidais. Devemos igualmente mencionar o sistema cerebelos, responsvel pela harmonia espacial do movimento.Se, em qualquer destes sistemas, no existir um equilbrio de funcionamento e um potencial relacional com os outros, observam-se algumas sndromes de debilidade motora, de desordem psicomotora, da patogenia dos hbitos motores, de instabilidade psicomotora e de desorganizao prxica, das quais se destacam23Educao Psicomotoraas sincinesias e as paratonias. Nas sincinesias, verifica-se uma incapacidade de individualizao motora, observada quando pedimos criana para fazer um movimento com uma mo e ela tem tendncia a faz-lo com a outra (movimento de imitao contralateral). Nas paratonias, verifica-se uma incapacidade de descontrao voluntria, no se observando o jogo de oposio bsica da organizao motora: msculos agonistas com os antagonistas, msculos flexores com os extensores e os efeitos dialtico-motores da contrao e da descontrao. Tanto as paratonias de fundo como as paratonias de ao encontram-se em relao com a funo tnica e representam a expresso de seu funcionamento.Tudo isso quer dizer que o regulamento e a modulao do tnus fazem do msculo uma unidade disponvel, de alerta, em permanente tenso de fundo, de onde emerge o movimento.24O corpo hbilEmbora estudos sobre as prticas corporais considerem os primrdios da Psicomotricidade datados dos sculos xVII-xVIII, momento em que as tcnicas corporais passam a ser uti-lizadas, deliberadamente, para um investimento poltico e econmico do corpo, Le Camus (1986) situa o nascimento da Psicomotricidade no final do sculo xIx. Este marco deve-se ao fato de o autor considerar a Psicomotricidade como saber derivado das cincias mdicas e nodas cincias humanas.Sendo assim, em vez de concebida enquanto produto e produtora das necessidades materiais e de organizao social do capitalismo moderno, segundo aquele autor, so as descobertas na rea da neurologia as principais responsveis pelo batismo desta nova rea do conhecimento. Segundo Vigarello (1986, p. 16) [o] adjetivo psicomotor teria nascido pouco aps 1870, quando foi preciso dar um nome s regies do crtex cerebral situadas alm das reas propriamente motoras [...] onde podia operar-se a juno ainda bem misteriosa, entre imagem mental e movimento.Segundo estudos sistematizados por Le Camus, o marco inaugural da Psicomotricidade deve-se s experincias de Broca (1861), que descobre a ligao entre uma leso cerebral localizada e os sintomas da afasia. Isto outorga ao conhecimento mdico da poca a idia de que havia uma estreita relao entre movimento e processos cerebrais, estabelecendo-se o que se denominou paralelismo psicomotor.(FONSECA, 1982, p.)Numa poca de grandes transformaes no modo de produo industrial, os estudos de Broca e de tantos outros cientistas que buscaram entender os processos pelos quais se estabeleciam as relaes entre mente e movimento, receberam grandes investimentos. Isto se deu pelo fato de que tais estudos respondiam, diretamente, s necessidades da modernidade capitalista resolver a difcil tarefaEducao Psicomotorade adequar os movimentos, hbitos e costumes dos trabalhadores aos imperativos do crescente processo de industrializao1.Antiga hiptese de Gall sobre a localizao das facilidades mentais. (WELLS & HUxLEy, 1955, p.42) Centros do: (1) sentido das dimenses; (2) sentido da causalidade; (3) disposio para imitar; (4) sentido das cores; (5) sentido do tempo; (6) talento;(7) sentido da admirao; (8) otimismo;(9) firmeza de carter; (10) vaidade; (11) constncia na amizade; (12) cuidados com a prole; (13) capacidade de amar; (14) agressividade; (15) prudncia; (16) poesia; (17) sentido da melodia;(18) sentido da ordem; (19) aptido matemtica; (20) sentido mecnico; (21) cupidez; (22) astcia; (23) gula; (24) crueldade.Neste sentido, o treinamento da classe trabalhadora deveria se dar de modo a abarcar um nmero cada vez maior de pessoas e em idades cada vez mais precoces. Aeducao escolar, neste contexto, ocupou lugar importantssimo, entre outros, como modo de controle e adequao do corpo e do esprito aos novos ditames do trabalho. Sobre o papel de tal modalidade educacional, no processo de organizao produtiva, Rago (1987, p. 122), explicita que[na] representao imaginria que os dominantes se fazem da infncia, esta percebida como superfcie chata e plana, facilmente moldvel, mas ao mesmo tempo como ser dotado de caractersticas e vcios latentes, que deveriam ser corrigidos por tcnicas pedaggicas para constituir-se em sujeito produtivo da nao.e Rago (1987, p.118) acrescenta ainda que, neste processo,1A respeito das transfor-maes nos modos de produo daquela poca, ver: GOuNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilizao do automvel. So Paulo: Boi-tempo Editorial, 1999.26 ...o poder mdico defendeu a higienizao da cultura popular, isto , a transformao dos hbitos cotidianos do trabalhador e de sua famlia e a supresso de crenas e prticas qualificadas como primitivas, irracionais e nocivas. [...] Assim, a criana foi percebida pelo olhar disciplinar, atento e intransigente, como elemento de integrao, de socializao e de fixao indireta das famlias pobres, e isto antes mesmo de afirmar-secomo necessidade econmica e produtiva da nao. Constituindo a infncia em objetoO corpo hbilprivilegiado da convergncia de suas prticas, o poder mdico procurou legitimar-se como tal, demonstrando para toda a sociedade a necessidade insubstituvel de sua interveno como orientadores das famlias e como conselheiros da ao governamental. O recorte e a circunscrio daquilo que se configurou como o tempo da infncia e sua objetivao pela medicina atenderam, ento, ao objetivo maior de legitimao das prticas de regulamentao e controle da vida cotidiana. Os mdicos procuraram apresentar-se como autoridade mais competente para prescrever normas racionais de conduta e medidas preventivas, pessoais e coletivas, visando produzir a nova famlia e o futuro cidado. nesta perspectiva que as prticas corporais do primeiro perodo, legitimadas pela tese da privao cultural, no Brasil, travestem-se de um cunho cientificista, higienista e salvacionista dos processos de desenvolvimento infantil, organizadas, entre outras formas, sob a gide da disciplina Educao Fsica.Em 1901 (Frana), o Doutor Philipe Tissi (p. Ix), que se opunha ao militarismo imperante na rea da educao do corpo, defendendo as bases cientficas desta disciplina, declara que[por] Educao Fsica no se deve entender apenas o exerccio muscular do corpo, mas tambm e principalmente o treinamento dos centros psicomotores pelas associaes mltiplas e repetidas entre movimento e pensamento e entre pensamento e movimento (apud LE CAMUS, 1986, p. 16).Sob estas bases surge uma tcnica de abordagem corporal que, auxiliada pelos conhecimentos das reas mdicas, paramdicas e das cincias humanas, foi denominada ginstica educativa, posteriormente, dividindo-se em dois grandes ramos: ginstica pedaggica, destinada a todas as crianas, e ginstica mdica, reservada reabilitao das crianas com necessidadesespeciais. (apud Le Camus, 1986, p. 24).Estava, em embrio, lanada a idia daquilo que posteriormente denominou-se Educao Psicomotora e Reeducao Psicomotora.No contexto nacional, este processo de cientificizao do corpo encontrar sua aplicabilidade em escalas maiores a partir dos anos 30, do sculo passado. Neste perodo, enquanto para a primeira infncia as intervenes aproximavam-se daquelas tidas como cuidados ideais que a maternidade deveria suprir (noes alimentares, de higiene, de sade etc.), a segunda infncia e a adolescncia eram submetidas a processos de exerccios fsicos que garantiam a afirmao do iderio liberal ordem e progresso, por meio da mxima grega mente s em corpo so.Acompanhando o processo de verticalizao dos saberes-poderes sobre o corpo, Foucault (1988, p. 126) explicita que[muitas] coisas so novas nessas tcnicas. Aescala, em primeiro lugar, do controle: no se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissocivel, mas de trabalh-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coero sem folga, de mant-lo ao nvel mesmo da mecnica movimentos, gestos, atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: no, ou no mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficcia dos movimentos, sua organizao interna; a coao se faz mais sobre as foras que sobre os sinais; a nica cerimnia que realmente importa a do exerccio. Amodalidade enfim:27Educao Psicomotoraimplica uma coero ininterrupta, constante, que vela sobre os processos de atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificao que esquadrinha ao mximo o tempo, o espao, os movimentos.Ao mesmo tempo que estas formulaes cientficas possibilitavam uma maior propriedade sobre o detalhamento do corpo e das prticas que dele se ocupam, tambm apresentavam suas limitaes. Conforme Marx (1984, p. 44) relatou,[a] principal dificuldade na fbrica automtica consistia em sua disciplina necessria, em fazer seres humanos renunciarem a seus hbitos irregulares no trabalho e se identificar com a invarivel regularidade do grande autmato. Divisar um cdigo de disciplina fabril adequado s necessidades e velocidade do sistema automtico e realiz-lo com xito foi um empreendimento digno de Hrcules.A verdade que este xito no foi total, o capital jamais conseguiu controlar totalmente a fora de trabalho humano. Se por um lado isto constituiu um problema para o capital, tambm implementou uma busca incessante neste sentido, fato que resultou em processos cada vez mais requintados de diagnstico e encaminhamento das questes relativas relao corpomente.Um exemplo disto so os estudos de Edouard Guilmain, o qual empenhou-se em [encontrar] um mtodo de exame direto que [descobrisse] o prprio fundo do qual os atos so a conseqncia. Sua ambio era conseguir identificar quais estruturaspsicomotoras,solidariedadesinterfuncionais,concomitnciasdesintomas (sndromes) ou de disposies (tipo) que incidiam sobre as esferas motora e afetiva da criana. Deste modo, ao estabelecer um prottipo do Exame Psicomotor (1935), Guilmain procurou desenvolver um instrumento de medida, meio diagnstico, indicador teraputico e de prognstico das disfunes psicomotoras. Alm da identificaoeclassificaodosdesviantesdemodoprecoceeasistematizaode um modo de trat-los, ou melhor, adapt-los aos imperativos sociais ainda quando crianas, este tipo de instrumento permitia averiguar as causas de sintomas das desordens psicomotoras que acometiam a populao trabalhadora ativa, e organizar medidas para san-las (Reeducao Psicomotora).Comoavanodosprocessosdeproduo,oaumentodapopulao,osproblemas da automao, as necessidades da sociedade burguesa tornam-se mais complexas. O conhecimento de que psiquismo e dinamismo constituem-se numa dade inseparvel j no era mais suficiente para garantir a disciplinarizao do corpo e da mente frente s novas necessidades sociais e de produo que se apresentam. O tratamento mecanizado, autmato, infringido ao corpo, suficiente para o encaminhamento das necessidades em tempos anteriores, comeava a apresentar sinais de falncia.Desse modo, tornou-se premente uma superao dos modos vigentes de forjar, utilizar e controlar a classe trabalhadora, bem como, o seu potencial produtivo. Mais uma vez, ao corpo e s cincias que dele se ocupam, caberia um lugar central neste processo. Alm de recuperar os anormais (termo utilizado na poca, quando se referiam a pessoas deficientes) que, pelo seu volume de incidncia, j se tornavam um problema socioeconmico, era preciso tambm criar artifcios compensatrios que pudessem suprir a precariedade das condies necessrias para um satisfatrio desenvolvimentoaqueestavamsujeitasascrianas,garantindo,assim,acontinuidade do sistema produtivo e a sobrevivncia das classes dominadas.28O corpo hbilCorpo hbil sntese esquemticaPerodo:Final do sculo XIX at 1940Organizador: ParalelismoModelo: Mecanicista Dualismo cartesiano (corpomente)Concepo de corpo: Receptculo da tradioBases tericas: Neurologia Neuropsiquiatria infantilPrincipais concepes NeurologiaAnatomofisiolgica esttica Existem ntimas ligaes entre pensamento e movimento... laos ntimos e recprocos unem a cere-brao e a musculao, isto , psi-quismo e o dinamismo (TISSI, apud LE CAMUS,1986, p.24).Autores:Per Henrik Ling (1778-1839) Philippe Tissi (1852-1935)Corticopatolgica"Insistindo na variabilidade dos fo-cos de leso que permitiram superar o esquema esttico da anatomopato-logia[...] No , portanto, a prpria funo que se perdeu mas certo uso dessa funo (LE CAMUS).Autor:Hugo Liepmann29Educao PsicomotoraNeurofisiolgica...todo o movimento, mesmo o mais simples, tem um significado biolgico: o reflexo nociceptivo de flexo um ato de defesa, o reflexo miottico de extenso permite ga-rantir a postura. A medula espinal reconhecida como capaz de inte-grar a informao, isto , de anali-sar os estmulos e responder a eles de modo adaptado (LE CAMUS).Autores:John Hughlings Jackson (1834-1911) Charles Sherrington (1852-1952)Principais concepes neurologiaErnest Dupr (1862-1921)1901 Sndrome da debilidade motoraA debilidade motora considerada ento como um estado patolgico congnito da motilidade, muitas vezes hereditrio e familiar [...] o recm-nascido e o dbil motor pato-lgico no dispem de um feixe pi-ramidal inteiramente amadurecido e funcional (LE CAMUS).Henri Wallon1925 Independncia entre a debi-lidade motora e mental,podendoou no apresentarem-se associadas e/ou mesmo, serem originados por fatores hereditrios (LE CAMUS)....o movimento , antes de tudo, a nica expresso e o primei-roinstrumento do psiquismo (WALLON, 1925).30O corpo hbilEdouard Guilmain (1901-1983)1935 Prottipo do exame psi-comotorEncontrar um mtodo de exame di-reto que descubra o prprio fundo do qual os atos so a conseqncia [...] instrumento de medida, meio diagnstico, indicador teraputico e de prognstico (LE CAMUS).Edouard GuilmainReeducao psicomotoraTcnicas utilizadas na neuropsi-quiatria: exerccios de educao sensorial; de desenvolvimento de ateno e trabalhos manuais. Corrente mdico-pedaggica.31Educao Psicomotora32CCorpo consciente:uma anlise das contribuies da Psicologia do Desenvolvimento para a cincia do esquema corporalO corpo sutil agora o corpo capaz de acolher, pr em ordem e conservar a informao emanada do seu prprio funcionamento e do meio (fsico e humano) no qual se insere [...] Se o corpo sutil do primeiro perodo [O corpo hbil] tinha por matriz uma psicologia ainda muito enfeudada neurologia, agora uma psicologia maisautnoma ir constituir a principal referncia terica dos investigadores e tcnicos da psicomotricidadeLe Camus, 1986, p. 31onforme a citao acima, a qual sintetiza o pensamento de Le Camus com relao aos referenciais tericos que nortearam a psicomotricidade do cor-po consciente, acompanharemos que os processos colocados em marcha,a partir dos estudos da psicologia do desenvolvimento, causaram uma verdadeira reviso nos modos de conceber os processos de aprendizagem e intervir neles.Organizando saberes cada vez mais elaborados, que justificaram, no pas, inmeros programas compensatrios direcionados infncia, utilizados como barganha pelo governo com a classe trabalhadora, foi adotado pelos profissionais brasileiros, a partir de meados dos anos 50, do sculo xx, um conhecimento alusivo existncia de uma ntima relao entre inteligncia, motricidade e psiquismo, o qual influenciou, diretamente, as tcnicas de abordagem corporal nas creches, nas escolas e nos consultrios.Paulatinamente, passou-se da era do corpo neurolgico, isolado e do movimento condicionado, para a era do movimento consciente, no qual o prprio indivduo, pelo ato voluntrio, levado a colaborar para a sujeio de seu corpo. Nesta perspectiva, a Psicomotricidade do segundo perodo1, descrita por Le Camus, constituiu-se como a cincia do esquema corporal ou, como prefere este autor, do corpo consciente.Segundonossosestudos,oesquemacorporalfoiconcebidoenquantodimenso do corpo, organizadora das experincias dos seres humanos no tempo e no espao presentes.Astcnicas,quedeleseocupam,procurarampriorizarodesenvolvimento da percepo e do controle do prprio corpo, ou seja, a interiorizao das sensaes relativasa uma ou outra parte do corpoedaglobalidadedesimesmo;aapropriao de um equilbrio postural econmico; de uma lateralidade bem definida e afirmada; de uma independncia dos diferentes segmentos do corpo em relao ao tronco e entre eles; um domnio das pulses e inibies estreitamente ligadas aos elementos precedentes e ao domnio da respirao (PICQVAyER, 1969, p. 13).Entre os autores que influenciaram os profissionais e estudiosos deste segundo perodo da histria da Psicomotricidade, enfatizamos Wallon (1879-1962) e Piaget (1896-1980).Nopretendemosfazerumestudoaprofundadodaobradessesautores, porm reconhecemos indispensvel para nossas anlises apontar os conceitos bsicos que 1Segundo Le Camus, este perodo, na Frana, est compreendido entre os anos de 1945 e 1973. (LE CA-MUS, 1988, p. 48) No Brasil, podemos conceb-lo a partir dos anos 50, do sculo xxat, aproximadamente, 1980Educao Psicomotoranortearamosseusestudos,nosentidodesituaracontribuiodecadaumdelespara a sistematizao da Psicomotricidade, enquanto cincia do esquema corporal.O pressuposto comum levado a cabo por esses autores refere-se importncia fundante das experincias vividas na primeira infncia como base do desenvolvimento social, emocional, intelectual e fsico das crianas. Destas experincias, ambos ressaltam a importncia das percepes tteis, visuais e motoras, embora apresentem particularidades em suas formulaes.Wallon(1951),porexemplo,colocaodilogotnico,ouseja,arelaocorporal afetiva no centro do processo de desenvolvimento do carter e da inteligncia da criana. Propondo uma estreita relao entre tono postural e tono emocional, e considerandoaemooelementodeligaoentreoorgnicoeosocial,elaborauma teoria do desenvolvimento que concebe a criana, desde o seu nascimento, como um ser em sociedade. Sendo assim, para este autor, a estruturao do carter e da inteligncia depende, fundamentalmente, das relaes estabelecidas entre a criana eseuspares.Ajuriaguerra(1962),neurologistafrancs,citadoporLeCamus (1986, p. 39), ao comentar as idias de Wallon a respeito da importncia das relaes corporais afetivas para o desenvolvimento infantil diz que...aconstantepreocupaodeWallonfoiadedestacaraimportnciadafunoafetivaprimitiva em todos os desenvolvimentos ulteriores do sujeito, fuso expressa atravs dos fenmenos motores num dilogo que o preldio ao dilogo verbal ulterior e a que chamamos de dilogo tnico. [...] todos sabem da importncia que Wallon concedeu ao fenmeno tnico por excelncia que a funo postural de comunicao, essencial para a criana pequena, funo de troca por meiodaqualacrianaderecebe.principalmentea,emnossaopinio,queaobradeWallon abre uma perspectiva original e fecunda na psicologia e na psicopatologia. A funo postural est essencialmente vinculada emoo, isto , exteriorizao da afetividade.Concebendo o processo de desenvolvimento como descontnuo, Wallon se contrape s teorias elaboradas segundo regras de maturao unvoca e de encadeamento de operaes sucessivas do pensamento. Em suas formulaes, o desenvolvimento advm de um processo de superao, por incorporao, de antigas atitudes e formas de pensamento, motivadas pelas contradies presentes nas novas relaes que se estabelecem entre a criana e o meio humano. Neste sentido, podemos dizer que para Wallon o homem um processo histrico, precisamente o processo de seus atos, de suas relaes.Conforme podemos acompanhar, Wallon (1951, apud CABRAL, 2000, p. 271) pressupe a articulao entre o orgnico e o ser psquico, afirmando no serem estas dimenses isoladas:No so duas entidades que se devam estudar separadamente e, depois, colocar em concordncia. [...] Um e outro se exprimem simultaneamente em todos os nveis da evoluo, pelas aes e reaes do sujeito sobre o meio, diante do outro. O meio mais importante para a formao da personalidade no o meio fsico, o meio social. Pouco a pouco, ela que se confundia com o meio vai se dissociar dele. Sua evoluo no uniforme, mas feita de oposies e identificaes. dialtica.Portanto, para Wallon (1951, apud LE CAMUS, 1986, p. 37),342Corpo consciente[o] esquema corporal no um dado inicial, nem uma entidade biolgica ou psquica, mas uma construo.[...] Estudar a gnese do esquema corporal na criana, indagar-se como a criana chega a representao mais ou menos global, especfica e diferenciada de seu corpo prprio. [...] Esta aquisio importante. um elemento bsico indispensvel construo da personalidade da criana [...] o resultado e a condio de legtimas relaes entre o indivduo e seu meio.Piaget, por sua vez, fundamentou sua teoria numa viso evolutiva. Diferentemente de Wallon, para o qual o sujeito antes de tudo um ser social, Piaget parte de um sujeito biolgico, uma espcie de organismo rudimentar que, por meio da experincia, desenvolve-se rumo socializao. Pulaski (1983, p.32), com base nos estudos de Piaget, afirma que o beb...vem ao mundo equipado com uns poucos reflexos neonatais, como sugar e agarrar, que fazem parte de sua herana biolgica. Alm desses, seu comportamento consiste em movimentos motores grosseiros, a princpio sem coordenao e sem objetivo.2Deste modo, concebe o desenvolvimento como um processo de equilibrao progressiva, que parte de um estado inferior at atingir um estado mais elevado. Processoauto-regulador,dinmicoecontnuo,aequilibraotemopapeldepromover um balano entre as funes de assimilao e acomodao que, funcionando simultaneamente em todos os nveis biolgicos e intelectuais, possibilitam o desenvolvimento tanto fsico quanto cognitivo da criana. Esta conceituao baseia-senosprocessosadaptativosreferidospelabiologiaque,segundoPiaget,constituem o elo comum entre todos os seres vivos (PULASKI, 1983, p. 23-25).Quatro fatores so apresentados por Pulaski (1983, p. 24-27) como fundamentais para o processo de desenvolvimento biopsicossocial da criana. So eles: maturao ou crescimento fisiolgico das estruturas orgnicas hereditrias; experincias fsica e emprica, pelas quais a criana vai fazer suas prprias aprendizagens; transmisso social referente s informaes aprendidas com seus pares, por via direta ou indireta; equilibrao que coordena e regula os outros trs fatores, fazendo surgir estados progressivos de equilbrio.Embora Piaget no tenha definido um conceito de esquema corporal, visto que seusestudosnosepropunhamataltarefa,suasformulaeslevam-nosaconsiderar tal esquema como o conhecimento progressivo das partes e funes do corpo, constitudo a partir de etapas sucessivas, semelhantes em crianas da mesma idade, determinado pelos processos de auto-regulao e adaptao ao meio exterior.A partir desta breve contextualizao, podemos considerar que enquanto Wallon concebe o esquema corporal como resultante das mltiplas relaes que o indivduo estabelece com seus pares, Piaget define esta categoria a partir de uma viso cognitivista, na qual a conscincia do corpo resulta do amadurecimentodas interaes entre as estruturas cerebrais, como processo natural de adaptao ao meio ambiente. Segundo a primeira concepo, o indivduo toma conscincia de si a partir de sua insero no meio social, j, na segunda, esta conscincia determinada por uma auto-equilibrao comum a todos os seres vivos.Aoanalisarmosatendnciadasproduesterico-prticasda Psicomotricidade, no perodo considerado por Le Camus do corpo consciente, evidenciamos que, de Wallon, foram incorporados os fundamentos elaborados na Optamos por utilizar Pu-laski em vez de Piaget,no original, pelo fato de en-contrarmos naquele autor uma abordagem mais didtica e di-reta do conceitos piagetianos, o que entendemos suficiente para o estudo proposto.35Educao Psicomotorasegunda dcada do sculo xx, que tratam da influncia direta do tono postural sobre o tono emocional e vice-versa, relegando a segundo plano a importncia das relaes sociais e afetivas; de Piaget, foram incorporados, pela Psicomotricidade, os processos advindos da tendncia natural auto-regulao e adaptao.Como resultante destas influncias, encontramos, nesse perodo da Psicomotricidade, a formulao de um grande nmero de manuais e prticas psicomotoras, elaborados de acordo com normas de desenvolvimento pr-determinadas, que visam ao desenvolvimento do esquema corporal e proporcionar, sobretudo, s crianas pequenas, condies favorveis de adaptao e auto-equilibrao voluntrias. Se os fundamentos piagetianos foram adotados para educar os movimentos e legitimar a capacidade universal de adaptao dos seres humanos, damesmaforma,foramosfundamentosdeWallon,relativosmtuainflunciaentre tono postural e tono emocional, que atriburam um carter cientfico maneira pela qual o poder passou a ser incorporado aos comportamentos.Deste modo, podemos dizer que os saberes-poderes sobre o corpo, formulados no segundo perodo da Psicomotricidade, restituem ao ser humano a propriedade, a conscincia de seu corpo, ao mesmo tempo que consideram voluntria a sua participao no encaminhamento das necessidades da sociedade capitalista, de produo e de controle social.Automatismo e conscincia do movimento tornaram-se o mote da busca de superao das dificuldades explicitadas pelos modelos disciplinares autmatos dos sculos xVIII, xIx e incio do sculo xx:3... para criar os automa-tismos indispensveis, a conscincia deve passar a um segundo termo; habitualmen-te, a participao voluntria do sujeito condio para a Educao ou Reeducao Psi-comotora, estando presente em todos os instantes, outorgando-lhe carter. O movimento em si no educativo. Para que o exerccio possa intervir na vida psquica e contribuir para seu desenvolvimento, necessrio que seja voluntrio, pensado, preciso e controlado (traduodo autor).4... disciplinando as contra-es musculares, aumen-tando ao mximo a ao dos centros superiores sobre os inferiores, se melhorar, dis-ciplinar e educar a vontade e a ateno. Ao final, nada se opor, na medida em que se trata sempre do mesmo obje-tivo, da mesma funo, a de passar progressivamente da inibio muscular imposta ao domnio da totalidade do cor-po, inclusive, ao recalcamento dos desejos e obedincia aosimperativos sociais (traduo 36 do autor). ... para crear los automatismos indispensables la consciencia debe pasar a um segundo trmino, habitualmente la participacin voluntaria del sujeto es la condicin de la educa-cin o reeducacin psicomotriz, estando presente em todos los instantes y dndole carter. El movimiento en si no es educativo. Para que el ejercicio pueda intervenir em la vida psquica y contribuir a su desarrollo, es necesario que sea voluntario, pensado, preciso y controlado (PICQ-VAyER, 1969, p.25)3.Deste modo, o conhecimento da rea psicomotora, neste perodo, oportunizou uma adequao voluntria dos movimentos humanos ao tempo e espao de produo, a partir do desenvolvimento de programas de educao e reeducao psicomotoras, incorporados ao cotidiano das creches e pr-escolas. deste modo que, de maneira precoce,...disciplinando las contracciones musculares, aumentando em cuanto sea posible la accin de los centros superiores sobre los inferiores, se mejorar, disicplinar y educar la voluntad y la atencin. En fin, nada se opone, ya que se trata siempre de la misma funccin, a que se pueda pasar progresivamente de la inibicin muscular impuesta al dominio de la totalidad del cuerpo e incluso al refrenamiento de los deseos y a la obediencia de los imperativos sociales (PICQ-VAyER, 1969, p. 23)4.Sendo assim, podemos apreender que as tcnicas especializadas no desenvolvimento do esquema corporal destinavam-se, de fato, a dar suporte para um processo de apropriao do corpo, com vistas explorao da fora de trabalho das classes menos favorecidas.Outro aspecto a ser analisado refere-se ao carter universal atribudo s formulaes do segundo perodo da Psicomotricidade (LE CAMUS, 1986), no5Corpo conscientetocante legitimao da ideologia liberal e dos princpios do Estado burgus. Sabemos, com base nos estudos de Marx, que uma das necessidades da classe dominante, para sustentar-se no poder, tornar universal suas idias e necessidades. Assim sendo, cabe recuperar que uma das estratgias principais do sistema liberal para a legitimao e manuteno de seu poder a meritocracia.Uma vez que a base ideolgica deste sistema funda-se na idia de igualdade de condies para todos, fica subentendido, a partir dessa concepo, que o que falta aos indivduos no fruto de desigualdades sociais, mas sim, resultante de uma incompetncia pessoal pelo no aproveitamento das oportunidades oferecidas a todos. O Estado, ento, coloca-se na condio de redentor dessas faltas, operando por meio de programas compensatrios formulados nas reas educacionais, mdicas e paramdicas, como dispositivos remediadores das desigualdades sociais. Deslocando-se, desta maneira, o ponto fulcral da problemtica social para o sujeito, para a famlia e para os profissionais ligados ao fazer educativo, os programas compensatrios, por um lado, tendem a culpar e desqualificar o potencial profissional e as condies de vida das pessoas e instituies, por outro, enaltecem as aes paliativas do sistema. Deste modo, tais programas configuram-se como instrumentos de controle das presses sociais.Neste contexto, a Psicomotricidade apresenta-se como um saber-poder que respalda e viabiliza a idia de devolver no indivduo um EU, no caso, corporal, reparador do vazio provocado pela expropriao do capital, acenando com a possibilidade de um lugar de cidadania s geraes futuras. Com isto, produz um duplo controle social: exacerba a apropriao da fora de trabalho que, pela via da conscincia do movimento, torna-se ainda mais efetiva e, ao mesmo tempo, promove o reconhecimento e engajamento voluntrios das famlias e profissionais em programas sociais compensatrios, como soluo para suas necessidades de manuteno da vida.Se por um lado, as prticas psicomotoras, pautadas em medidas que buscam normatizar o corpo, adequando-o aos imperativos sociais, s custas de um processo segregacionista, trouxeram benefcios para o Estado burgus, por outro, oportunizaram classe trabalhadora a possibilidade de colocar em marcha novas contradies sociais e polticas, a partir das quais foram formulados saberes-poderes que constituram o terceiro perodo da Psicomotricidade, denominado por Le Camus, Corpo significante5.Corpo consciente sntese esquemticaPerodo: 1945-1973Organizador: ImpressionismoModelo:Cognitivista comportamentalistaConcepo de corpo: Receptor Le Camus, ao considerar sobre este perodo, pro-pe-se a analisar as produes da rea da Psicomotricidade entre os anos de 1974 e 1980. Sabemos que esta periodi-zao um recurso didtico, que intenciona circunscrever as propostas de estudo daque-le autor. Sendo assim, vamos considerar o perodo, denomi-nado pelo autor como Corpo significante, extensivo aos dias de hoje, visto que os pa-radigmas que o fundamentamainda se encontram presentesna Psicomotricidade atual.37Educao PsicomotoraBases Tericas: Fenomenologia Psicologia Infantil ou do Desenvolvimento PsicanlisePrincipais concepes Gestalt/FenomenologiaEsquema corporal (conceito)...sntese entre o modelo neurol-gico do corpo, herdado de Head, e o modelo psicanaltico do corpo li-bidinal e fantasmtico, herdado de freud (LE CAMUS, 1986, p.32)....esta imagem tridimensional que cada qual tem de si prprio, imagem essencialmente dinmica que integra todas as nossas experincias percep-tivas, motoras, afetivas e sexuais foi chamada por Schilder de imagem do corpo ou esquema corporal (LE CAMUS, 1986, p.32).Autor:Paul Schilder (1886-1940)Obra:A imagem do Corpo (1950) Perodo:1945 - 1973Organizador: ImpressionismoModelo:Cognitivista comportamentalistaConcepo de corpo: ReceptorBases Tericas: Fenomenologia Psicologia infantil ou do desenvolvimento Psicanlise38Corpo conscienteFenomenolgica da conduta... nossos atos , e principalmente, o atodeperceberdevemsertomados como modalidades do ser no mun-do... (LE CAMUS, 1986, p.33).o corpo o veculo do ser no mundo..., meu corpo o eixo do mundo..., No preciso dizer que nosso corpo est no espao, nem que est no tempo. Ele habita o espao e o tempo. Eu no estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou melhor, eu sou meu cor-po (MERLEAU-PONTy, apud LE CAMUS, 1986, p.33).Autor: Merleau-PontyObras:Estrutura do Comportamento (1942); Fenomenologia da percepo (1945).Funcional do movimento...a maneira pela qual mantemos o equilbrio, agarramos, nos defen-demos, implica muito mais do que uma sucesso de eventos [...], ela definida pelo objetivo, pelo grau de resultado e, portanto, pelo futu-ro (BUyTENDJIK, apud LE CA-MUS, 1986, p.34).Autor:F.J.J.Buytendjik (nascido em 1887)Obras:Tratado de psicologia animal (1952); Atitudes e movimentos (1957).Principais concepes Psicologia do desenvolvimentoBiomaturacionalCorrente: comportamentalista39Educao PsicomotoraAutor: Arnold Gesell (1880-1961)...descrio das etapas maturati-vas da ontognese[...] descrio do comportamento segundo as quatro principais esferas de atividade (LE CAMUS, 1986, p.36).Esquema maturacional de Arnold GESELL, apud BuENO, 1998.40Corpo conscienteInteligncia das situaesCorrente: cognitivistaAutor: Jean Piaget (1896-1980)Foi na coordenao dos esque-mas sensrio-motores, isto , dos sistemas de sensaes e movi-mentos que possam proporcionar assimilao [incorporao] e aco-modao [ajustamento ao mundo exterior], que [Piaget] situou as origens da inteligncia (LE CA-MUS, 1986, p. 40-41).BiomaturacionalCorrente: comportamentalistaAutor: Arnold Gesell (1880-1961)...descrio das etapas maturati-vas da ontognese[...] descrio do comportamento segundo as quatro principais esferas de atividade (LE CAMUS, 1986, p.36).Relao tnico-emocionalCorrente: sociointeracionistaAutor: Henri Wallon (1879-1962)...a constante preocupao de Wallon foi a de destacar a importn-cia da funo afetiva primitiva em todos os desevolvimentos ulteriores do sujeito, fuso expressa atravs dos fenmenos motores num dilo-go que o preldio ao dilogo verbal ulterioro e ao que chamamos de di-logo tnico (AJURIAGUERRA, apud LE CAMUS, 1986, p.38).41Educao Psicomotora42Corpo significante: o corpo que falaCom os processos de abertura poltica, primeiro na Europa e, posteriormente, na Amrica Latina, fruto das presses sociais e dos movimentos que defendiam os direitos humanos, as tcnicas de abordagem corporal que propunham a inibio muscular (corpo hbil) ou odomnio da totalidade do corpo, incluindo o refreamento do desejo e a obedincia aos imperativos sociais (corpo consciente), perderam sua fora. Tornou-se urgente a produo de um outro conheci-mento, que se apresentasse em sintonia com as novas tendncias e movimentos que emergiam depois de tantos anos de subjugao em todos os setores da sociedade.Sob o clima de anistia poltica, liberdade de expresso e enaltecimento dos direitos humanos, os psicomotricistas passam a ser motivados pela idia de emancipao do sujeito, inaugurando o terceiro perodo da Psicomotricidade, denominado por Le Camus de Corpo Significante.Alm de um corpo que ouve e aprende, o foco passou a ser o corpo que fala, que se expressa. Anistia do sujeito pela anistia do corpo, as formulaes levadas a cabo neste perodo encontraram um campo frtil de proliferao na Amrica Latina, sobretudo, no Brasil e na Argentina, a partir de meados do ano de 1980.A terceira fase da evoluo nos parece marcada pela disperso e tambm pelo questionamento das referncias tericas, pela ampliao da metodologia para as tcnicas semi-motoras; pela intensificao e descentralizao do recrutamento dos terapeutas da psicomotricidade, oficialmente chamados doravante psico-reeducadores; enfim, pelo declnio ou, pelo menos, a marginalizao daquilo que denominamos de prticas psicomotoras com objetivo educativo. [...] Teoria e prtica parecem ordenar-se em torno de um novo organizador que chamaremos de expressionismo. O corpo sutil agora o corpo capaz de emitir informao [...] um corpo portador de significaes [...] A funo informacional est, mais do que nunca, frente da cena, mas o interesse deslocou-se da vertente centrpeta vertente centrfuga, do input ao output (LE CAMUS, 1986, p. 49).Com base em princpios advindos da psicanlise da psicologia das comunicaes no verbais, para a qual a expresso corporal se apresenta como um veculo de libertao, e da etologia infantil, rea do conhecimento que concebe que parte importante das mensagens humanas se d pelas mmicas, pelas posturas, pelos gestos, encontramos neste perodo um movimento de psicotropismo das tcnicas do corpo pautado na relao entre sujeitos , e um somatotropismo das tcnicas verbais que se utilizam da experincia sensorial e motora do corpo como trampolim da verbalizao. (LE CAMUS, 1986, p. 53-59).Frente ao dualismo platnico, augustiniano e cartesiano, eles [os psicomotricistas] replicaram com o paralelismo cientfico de T. Ribot, de P. Janet e P. Tissi, de H. Wallon e de E. Guilmain: o corpo hbil (adroit; o corpo tem direito: a droit); frente ao intelectualismo dos racionalistas dos sculos xVIII e xIx, replicaram com o impressionismo de M. Merleau-Ponty, de J. Piaget, de S. Freud, de J. de Ajuriaguerra: o corpo consciente, o pensamento feito corpo; frente ao verbalismo dos lacanianos, replicaram com o expressionismo dos cientistas da comunicao e dos etologistas: o corpo significante, o corpo que fala (LE CAMUS, 1986, p. 67).Na rea da psicomotricidade, segundo o mesmo autor (1986, p.61), [evidentemente], foi como meio de linguagem que o corpo interessou aos psicomotricistas: um corpo que sabe falar utilizando a linguagem anterior linguagem, uma linguagem constituda de significantes mudos.Educao PsicomotoraPara este autor, o terceiro perodo da Psicomotricidade foi marcado por uma tendncia dos profissionais da rea em adotar uma atitude de aceitao e reconhecimento do sujeito, bem como, da importncia da dinmica de seus desejos em seu processo de formao. Neste sentido, comenta:[a]rupturaparece-nosoperar-seemtrseixos:oeixoqueopeocibernticoaotermodinmico; o eixo que ope o pulsional ao funcional; o eixo que ope o materno ao paterno. Os psicomotricistasdaterceirageraoacabamdeafirmarsuaoriginalidadeacentuandooprimeiro plodestespares.Serpsicomotricistaem1980significava,emtermosbiolgicos,darprimazia mquina informacional; em termos psicanalticos, dar primazia ao papel materno.Os psicomotricistas da terceira gerao acreditaram que, minimizando ou, at mesmo, abolindo do processo formativo das crianas o formalismo e o autoritarismo, at ento presentes nas tcnicas de educao e reeducao psicomotora aspectos ligados funo paterna (lei e ordem) , seria possvel a superao das dificuldades encontradas por esta rea no equacionamento dos desvios escolares e, sobretudo, guardando ainda uma perspectiva higienista e normativa, dos desvios sociais.Impulsionados por tal tarefa, psicomotricistas, atuantes nas sistematizaes do segundo perodo da Psicomotricidade, paulatinamente, foram reformulando seus pressupostos e prticas. Entre eles, ressaltamos Andr Lapierre e seus colaboradores, os quais nos legaram a sistematizao de um mtodo de abordagem corporal (Frana, final dos anos 70, do sculo xx), denominado Psicomotricidade Relacional. Para este autor:[toda] reeducao normativa evidenciada como uma agresso geradora de insegurana, culpa e ansiedade. Consegue-se assim um reforo das resistncias. Todavia, chega-se algumas vezes a mostrar mecanismos de adaptao s situaes psicomotoras, mas esses mecanismos permanecem especficos e, se permitem bons resultados nos teste de controle, esses resultados no se transferem ao nvel das atividades escolares. [...] Existem, entretanto, reeducaes bem sucedidas, sem contrapartida danosa. Percebe-se ao analis-las, que o determinante foi a qualidade da relao e da comunicao afetiva que pde se desenvolver entre o reeducador e a criana [...] e que as tcnicas empregadas tiveram, neste caso, pouco espao. de alguma maneira o efeito placebo...(LAPIERRE, 1988, p.13).Podemos analisar a mudana de eixo proposta por Lapierre que, seguindo as inclinaes da poca, coloca a qualidade da relao EducadorEducando como elemento relevante no processo formativo das crianas. Ao contrrio das tendncias que priorizavam o aparato tcnico nos processos educativos e reeducativos, Lapierre procurou trazer para o centro do fazer educativo a valorizao da relao sujeito educadorsujeito educando. Nesta linha, props um trabalho que prioriza as relaes humanas e as potencialidades do indivduo. A esse respeito, Lapierre (1988, p. 13-14) declara que[queremos] trabalhar com o que h de positivo na criana; interessarmos pelo que ela sabe fazer e no pelo que no sabe fazer. a partir da que a relao pedaggica pode descontrair-se, a situao deixar de ser dramatizada e a criana reencontrar a confiana e a segurana.[...] Neste ponto abandonamos o modelo mdico: diagnstico, prescrio, tratamento, modelo44Corpo significante: o corpo que falasobre o qual funcionam os estabelecimentos de reeducao.[...] Isto marcou uma etapa decisiva na nossa evoluo. Apartir da, com efeito, no existe mais reeducao. Tudo se torna educao, tal como ns a concebemos, ou seja, desenvolvimento das potencialidades prprias de cada criana.Apesar de influenciado pelo modelo cientfico da cincia positiva, paradigma que justifica o ideal capitalista liberal, Lapierre representa, para a Psicomotricidade, a possibilidade de quebra com o modelo cientfico mdico higienista, vigente na Europa e na Amrica Latina, principalmente, no Brasil e na Argentina. semelhana da posio inaugurada pela Escola Nova, Lapierre, na Psicomotricidade, recupera para a criana um lugar de reconhecimento e poder e enfatiza a importncia da formao profissional e pessoal do psicomotricista que pretende trabalhar no campo relacional, ressaltando seu papel estruturante nas vivncias grupais e individuais.Colocando em discusso as relaes de poder presentes no fazer educativo, organizou um mtodo de educao psicomotora para a idade pr-escolar, procurando integrar as relaes afetivas, a estruturao da personalidade e a sistematizao do conhecimento, numa proposta ldica, emancipatria e democrtica. Nesta direo, Lapierre (1988, p.20) ressalta que[podemos] ento retornar ao grupo, cada vez mais numeroso: no se trata mais do mesmo grupo-refgio, mas de um grupo composto de indivduos autnomos, capazes de cooperar, de levar coisas aos outros e de receber, mas sem se diluir na massa. Aexperincia nos prova que em tal grupo o lder, questionado, se dilui e mesmo desaparece em proveito de uma organizao democrtica, o que nem sempre ocorre sem choques nem conflitos. [...]Nesta tica, o trabalho individual aparece como um fechar-se em si mesmo, no num esprito narcisista, mas como uma regenerao da pessoa de modo a permitir sua reinsero no grupo, que ela beneficiar com sua busca pessoal. [...] uma seqncia de rupturas (ruptura consigo mesmo, ruptura com os outros), um balano dialtico do qual renasce, cada vez, o desejo inverso com a segurana constante de reencontrar o outro ou a si mesmo.Como Lapierre, os psicomotricistas da terceira gerao organizaram-se em torno da necessidade de construo de uma imagem corporal positiva, como forma de emancipao afetiva e intelectual do sujeito. Embora esses profissionais tivessem na base de suas formulaes o mesmo referencial terico, a Psicanlise, na prtica, constituram mtodos e tcnicas diversas. A concepo de imagem corporal como uma organizao psquica inconsciente, fruto das relaes de prazer e desprazer que o sujeito estabelece com seus pares cuidantes, nem sempre resultou em prticas de abordagem psicomotora que privilegiassem o corpo, o processo grupal, o ldico, as relaes afetivas diretas, como meio facilitador de suas prticas.Mesmo alguns que pretenderam, como Lapierre, propor uma educao de base psicomotora, integradora, inclusiva, pautada nas relaes afetivas, ao alienarem-se de uma atitude crtica e histrica de suas prticas, continuaram adotando uma perspectiva positivista de cincia, no levando s ltimas conseqncias o potencial revolucionrio de suas propostas.Ao long