educação para a liberdade no vale do jequitinhonha

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • nº 1896 Fevereiro/2015 Jequitinhonha/MG Educação para a liberdade no Vale do Jequitinhonha “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, as pessoas se educam entre si, mediadas pelo mundo” esta frase do filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire é colocada em prática na região do Baixo Vale do Jequitinhonha, pelo protagonismo de agricultoras e agricultores que superaram as dificuldades de acesso à educação impostas pela sociedade. No decorrer de suas vidas os membros da família Barbosa da Rocha encontraram muita dificuldade para estudar, realidade até então recorrente nas regiões rurais do Brasil. Com determinação, após a fase adulta eles nos mostram que com persistência é possível superar as barreiras da exclusão social. Gabriel (67 anos) é o terceiro filho de 5 irmãos, fruto do casamento de Dona Rita Rosa de Jesus com Senhor Colatino Barbosa da Rocha, casal de “agregados” que criou os filhos com as forças dos braços. Gabriel e seus irmãos nasceram no São Pedro do Jequitinhonha. Casou-se com Dona Emília (64 anos) aos 20 anos e migrou para o Porto Novo, atualmente Assentamento Franco Duarte. Morou lá por volta de 18 anos e mudou com sua família para o Assentamento Campo Novo em busca de melhores condições de vida. Segundo ele “Minha vida eu nunca fui empregado de ninguém. Porque surgiu o assentamento e eu achei que era mais fácil para mim trabalhar, só que não é fácil para ninguém; dificuldade com umas coisas, mas mais fácil com outras. Pelo menos o transporte, a escola que eu nunca tinha, hoje eu tenho, isso para mim foi uma coisa boa no Campo Novo”. Em seus 34 hectares vive da agricultura familiar com sua esposa, seu irmão Aristides, sua irmã Noême. Dona Noême (51 anos) casada com seu Miguel (81), vive numa parcela de terra que divide com seus Irmãos.Em sua parcela produz: feijão, milho, batata, mandioca, abobora, maxixe. Ela conta que :“Minha vida quando eu era criança era dura, trabalhar, mexer com coisas, desde pequena que eu trabalho na roça, desde os 8 anos que eu mexia com roça, mexia com porco, galinha, plantava um pouco ajudava meus pais, nossa vida era ajudar eles dentro de casa. Eu tinha vontade de estudar quando era criança, mas não tinha escola, não tinha grupo, não tinha nada onde nós morávamos”. Senhor Gabriel e Dona Emília Dona Noême e Senhor Miguel

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No decorrer de suas vidas os membros da família Barbosa da Rocha encontraram muita dificuldade para estudar, realidade até então muito recorrente nas regiões rurais do Brasil. Com determinação, após a fase adulta eles nos mostram que com persistência é possível superar s barreiras de exclusão Social

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Page 1: Educação para a liberdade no Vale do Jequitinhonha

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº 1896

Fevereiro/2015

Jequitinhonha/MG

Educação para a liberdade no Vale do Jequitinhonha

“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, as pessoas se educam entre si, mediadas pelo mundo” esta frase do filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire é colocada em prática na região do Baixo Vale do Jequitinhonha, pelo protagonismo de agricultoras e agricultores que superaram as dificuldades de acesso à educação impostas pela sociedade.No decorrer de suas vidas os membros da família Barbosa da Rocha encontraram muita dificuldade para estudar, realidade até então recorrente nas regiões rurais do Brasil. Com

determinação, após a fase adulta eles nos mostram que com persistência é possível superar as barreiras da exclusão social.

Gabriel (67 anos) é o terceiro filho de 5 irmãos, fruto do casamento de Dona Rita Rosa de Jesus com Senhor Colatino Barbosa da Rocha, casal de “agregados” que criou os filhos com as forças dos braços. Gabriel e seus irmãos nasceram no São Pedro do Jequitinhonha.

Casou-se com Dona Emília (64 anos) aos 20 anos e migrou para o Porto Novo, atualmente Assentamento Franco Duarte. Morou lá por volta de 18 anos e mudou com sua família para o Assentamento Campo Novo em busca de melhores condições de vida. Segundo ele “Minha vida eu nunca fui empregado de ninguém. Porque surgiu o assentamento e eu achei que era mais fácil para mim trabalhar, só que não é fácil para ninguém; dificuldade com umas coisas, mas mais fácil com outras. Pelo menos o transporte, a escola que eu nunca tinha, hoje eu tenho, isso para mim foi uma coisa boa no Campo Novo”. Em seus 34 hectares vive da agricultura familiar com sua esposa, seu irmão Aristides, sua irmã Noême.

Dona Noême (51 anos) casada com seu Miguel (81), vive numa parcela de terra que divide com seus Irmãos.Em sua parcela produz: feijão, milho, batata, mandioca, abobora, maxixe. Ela conta que :“Minha vida quando eu era criança era dura, trabalhar, mexer com coisas, desde pequena que eu trabalho na roça, desde os 8 anos que eu mexia com roça, mexia com porco, galinha, plantava um pouco ajudava meus pais, nossa vida era ajudar eles dentro de casa. Eu tinha vontade de estudar quando era criança, mas não tinha escola, não tinha grupo, não tinha nada onde nós morávamos”.

Senhor Gabriel e Dona Emília

Dona Noême e Senhor Miguel

Page 2: Educação para a liberdade no Vale do Jequitinhonha

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais

Realização

Assim como os outros irmãos Senhor Aristides (69) viúvo, pai de 5 filhas, não teve oportunidade de estudar na infância. Traz em sua fala a oportunidade que teve de estudar na fase adulta, em um projeto de educação contextualizada. “ Eu ia mais meu irmão e minha irmã a pé . Eu aprendi

o nome mau mau, tenho vontade de aprender mais, mas é longe” . Na fala dos irmãos sempre é ressaltada a importância de projeto de alfabetização de adultos no espaço rural. Eles participaram do projeto MOVA BRASIL que atendeu nessa região 300 educandos.

Falando da sua experiência no projeto de alfabetização de adultos, dona Noêmia diz: “Eu achei muito bem graças a Deus.

Até o derradeiro dia que eu fui achei bem. Gostei da aula, dos educadores, dos professores. É muito importante, porque a pessoa viver só assinando com o dedo não é muito bom. Foi bom, um conversando com o outro, tinha hora ali que tinha uma folguinha de conversar um com o outro foi muito bom.

Seu Gabriel nos conta seus anseios e desafios, “Eu tinha vontade de escrever uma carta, fazer uma conta. O que eu mais tenho vontade de aprender é a conta. Estudar, saber ler e escrever. È ruim viver no mundo sem uma leitura é difícil. Eu assinei meu nome com 18 anos de idade, particular assim, quase sozinho. Eu tinha vontade e até hoje tenho, estou quase caducando mas ainda tenho vontade de apreender um pouco mais. Eu tenho vontade de ter uma leitura e o dia que eu não aguentar mais eu quieto, mas até quando eu aguentar eu vou. Tenho vontade de estudar. Eu comecei aqui primeiro com as professoras aqui do assentamento comecei com elas, aumentou um pouquinho, estou rompendo até agora. Agora continuo sozinho, mas se tiver outra aula para nós entrar eu continuo de novo. Quando eu estou sozinho eu escrevo muitas besteiras para não ficar parado. Faço umas continhas e escrevo um pouquinho de uma coisa e de outra para não parar. Para mim mudou muita coisa, quando eu chego num lugar e precisa de assinatura eu sei, se aparecer alguma coisa que eu já escrevi eu entendo ela. se tiver um trem mais fácil eu consigo ler, isso mudou. Muitas vezes eu percebia que o povo estava me enganando porque eu não sabia ler e escrever, agora isso não tá acontecendo muito. O que eu entendo eu leio antes de eu fazer. Eu quero continuar estudando porque tenho vontade de aprender mais.”

Os irmãos continuam na luta por uma educação popular para a autonomia. Exercitando o que aprenderam na “escola” seguem suas vidas de forma digna, compartilhando os saberes e fortalecendo a organização comunitária.

Educando Sr. Aristides Barbosa

Dona Noême debulhando feijão