informativo do polo jequitinhonha

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Material de divulgação dos projetos da UFMG no Vale do Jequitinhonha

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Page 1: Informativo do Polo Jequitinhonha

20122013

Page 2: Informativo do Polo Jequitinhonha

fotos: Tomás German

Page 3: Informativo do Polo Jequitinhonha

“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar.”

(Guimarães Rosa)

É surpreendente e renovador desbravar o Vale. Ainda mais surpreendente é ver o Vale se descobrindo e redescobrindo.

O Programa Polo tem nos permitido ver um Jequi que se revela a nós a seu próprio modo - de braços abertos e grandes sorrisos. Acredito que nisso resida a possibilidade transformadora de nosso trabalho: quando se mostra a nós à sua maneira, o Vale vai se conhecendo melhor... E assim o Vale transforma a gente.

O Jequitinhonha que se revela não é o “vale da miséria” dos jornais e das campanhas políticas, que sobrevive do assistencialismo. Esta imagem só serve aos apáticos. O Vale de verdade é rico, é forte, é colorido, é vivo! E uma vez que ele se apresenta a nós, não sai da gente nunca mais!

O Programa Polo através de diversos projetos, do trabalho de discentes, de técnicos e de docentes já percorreu alguns quilômetros Jequi adentro. Nos proces-sos e desenvolvimento de atividades sempre encontramos desafios, mas os frutos são renovadores.

O Vale se renova a cada detalhe que ele descobre sobre si, e o nosso traba-lho nada mais é do que encontrar, junto aos diversos grupos e comunidades, novas e deliciosas formas de conhecerem o lugar que habitam e que faz parte do que eles são, de conhecerem a si mesmos e dessa forma se fazerem ouvir e se fazerem ver.

Por meio deste informativo você também terá a oportunidade de viajar um pouco pelo Vale.

Deixe ele se revelar a você!

Tenha uma leitura surpreendente.

Editorial

Eveline Xavier

Bolsista do Suporte de Comunicação do Programa Polo Jequitinhonha

Page 4: Informativo do Polo Jequitinhonha

Reitor da UFMG: Clélio Campolina Diniz ● Vice-Rei-tora: Rocksane de Carvalho Norton ● Pró-Reitora de Extensão: Efigênia Ferreira e Ferreira ● Coordenação Geral do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha e Pró-Reitora Adjunta de Ex-tensão: Maria das Dores Pimentel Nogueira ● Supor-te de Comunicação: Angela Zamin e Márcio Simeone Henriques (coordenadores), Eveline Souza Xavier, Raíssa Fernandes Faria, Samuel Rezende Quintero e Tomás Soares Pereira German (bolsistas de exten-são) ● Projeto gráfico: Tomás German ● Redação: Caio Ribeiro Paranhos, Cinthya Paula de Oliveira, Eveline Xavier, Fernanda Lacotix Avila, Laiene Inácio Lima de Souza, Raíssa Fernandes, Samuel Quintero ● Endereço: Pró-Reitoria de Extensão, 6º andar, Reito-ria Campus Pampulha, Av. Presidente Antônio Carlos, 6.627, CEP 31270-901, Belo Horizonte, Minas Gerais; e Laboratório de Relações Públicas Plínio Carneiro (LARP), 3º andar, FAFICH, Campus Pampulha ● Te-lefones: (31)3409-4043, (31)3409-4067 e (31) 3409-5078 ● E-mail: [email protected] ● Site: www.ufmg.br/polojequitinhonha

Capa: Couchê fosco, 240 g

Miolo: Reciclado, 120 g

Tiragem: 1000 exemplares

Expediente

Page 5: Informativo do Polo Jequitinhonha

“Bom sem base é poder encon-trar os amigos para um dedo de prosa. O candeeiro, o fifó ou a lamparina poderão alumiar e lhe mostrar o caminho”. Essa frase,

composta de expressões comuns na cultura do nordes-te de Minas, exemplifica a variante linguística apresen-tada no Dicionário do Dialeto Rural no Vale do Jequiti-nhonha lançado em 2013.

A obra é resultado de estudo do vocabulário da língua falada na zona rural de municípios do Vale do Jequitinhonha, desenvolvida a partir da coleta de da-dos feita no período correspondente às décadas de 1980 a 2000, sob a coordenação e autoria de Carolina Antunes, professora aposentada da Faculdade de Le-tras da UFMG (Fale). Alguns verbetes foram recolhidos

em conversas com a população rural, em mercados e feiras; outros, extraídos de estudos sobre o Vale. Na tentativa de equilibrar a presença de todas as regiões do Jequitinhonha, foram necessários mais de dez anos para chegar ao produto final. De acordo com Carolina Antunes, a pesquisa considerou também dicionários da Língua Portuguesa, um conjunto de glossários de ou-tras regiões do país, além de pesquisas afins.

Com mais de mil verbetes, o Dicionário não se li-mita a dar o significado da palavra; ele contempla tam-bém todas as informações importantes à compreensão de cada verbete: traz o léxico, apresenta em negrito a forma como é pronunciada no Vale do Jequitinhonha, informa se está ou não dicionarizado, se é datado e se há informação quanto à etimologia. l

Por Samuel Quintero

Dialeto Rural no Vale do Jequitinhonha ganha dicionário

Outros sentidosSegundo Carolina Antunes, nem sempre o sentido dado ao verbete nas co-

munidades rurais do Vale do Jequitinhonha coincide com o registrado por dicio-nários da Língua Portuguesa, sem contar também que há muitos verbetes inédi-tos. Em razão disso, para auxiliar na compreensão, todos os termos trazem algum exemplo concreto de uso, a partir das situações em que tais palavras e expressões foram empregadas nas comunidades.

“À preocupação de se registrar o uso efetivo do sistema linguístico nesse período e naquele local determinados subjaz o que se faz não só por gosto pes-soal e interesse pela apreensão de saberes veiculados nas histórias locais e regio-nais, mas também, e principalmente, por acreditar na necessidade de que seja ampliada a visão de informações linguísticas e culturais da/na Língua Portuguesa com base na análise de uma variante linguística pouco considerada”, destaca a professora na apresentação da obra.

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Geralda Martins é parteira conhecida em toda a cidade de Jenipapo de Minas, no Vale do Jequitinhonha. Ela herdou o ofício, pela qual é apaixonada, da mãe e das avós. “Eu não ganho nada com isso não, eu sou voluntária. A gente espera que vai ganhar de Deus, né?”, fala com orgulho.

Aos 79 anos já realizou 709 partos, inclusive os de seus dez filhos. A parteira foi a responsável pelo sustento da casa, missão que ela desempenhou praticamente sozinha. “Eu batia enxada e lavava roupa o dia inteirinho”, conta Geralda. Ela também fiava algodão, torrava farinha e fazia rapadura. Saía de casa uma hora da manhã e sua jornada de trabalho durava até às 11h da ma-nhã seguinte.

Dona Geralda não podia contar com o apoio do marido na criação dos filhos e sustento da casa. E essa situação tornou-se comum na região. Durante as décadas de 50, 60 e 70, os chefes de família e os filhos mais velhos, em sua grande maioria, migraram para fora do Vale à procura de trabalho, principal-mente nas lavouras da agroindústria.

Os tempos da mineração haviam provocado a erosão e o assoreamen-to dos rios. O desmatamento decorrente da implantação de pastagens, que se seguiu à mineração, exterminou boa parte da vegetação original de Mata Atlântica no Vale. A situação ficou ainda mais complicada com a legislação criada no período dos governos militares, que capitalizou a terra. Os peque-nos proprietários não podiam arcar com as despesas dos títulos e lotes e, dessa forma, eram forçados a vender suas propriedades para compradores externos e migrar. Tal situação auxiliou na emancipação dessas mulheres.

A mulher do Jequitinhonha não esmorece

De “viúvas de marido vivo”, as mulheres do Vale se tornaram mobilizadoras sociais e políticas e mostram que a luta pela igualdade de direitos não pode parar.

Por Eveline Xavier

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Emancipação feminina no Vale

O êxodo rural foi o responsável pelo protago-nismo feminino no Vale do Jequitinhonha. Se antes a sociedade da região era fundamentalmente patriarcal e o cotidiano das mulheres se limitava aos afazeres do-mésticos, com a expropriação da terra as “viúvas de marido vivo” precisaram ir à luta. Elas se tornaram as responsáveis pela sobrevivência da família.

O êxodo rural era um processo cruel pela deses-truturação familiar que provocava. A coordenadora do Fórum Intergovernamental de Igualdade Racial e ex--prefeita de Araçuaí, Maria do Carmo Ferreira, explica que “as mulheres tiveram que reelaborar dentro delas toda essa questão das necessidades físicas, espirituais e emocionais, e uma das formas de superar essa au-sência foi o associativismo”.

Foi no contexto dos regimes militares, especi-ficamente no início da década de 1970, uma série de fatores levou à organização e formação política das mulheres do Vale e, por consequência, uma transfor-mação nas estruturas machistas que vigoravam até en-tão. Durante os governos ditatoriais latino-americanos, espalharam-se pelo continente movimentos inspirados na Teologia da Libertação, que surgiu dentro da Igreja Católica entre os anos 50 e 60. Na década de 1970 o movimento chegou ao Vale do Jequitinhonha por meio de ações desenvolvidas pelas Comunidades Eclesiais de Base e por projetos de extensão de universidades. Essas instituições estavam preocupadas com a situa-ção de pobreza da população.

Esses movimentos logo perceberam o poten-cial da mulher naquele contexto e entenderam que, se quisessem trabalhar a questão da libertação e do empoderamento, seria necessário investir nas mu-lheres. Elas se tornaram dirigentes de culto e das Co-munidades Eclesiais, daí surgiram os clubes de mães e associações de moradores, também dirigidos por mulheres. No entanto, ainda havia uma barreira no processo de politização da mulher, bem como de toda a população do Vale: a educação formal.

De acordo com relatório elaborado pelo La-boratório de Estudos Territoriais do Instituto de Geociências da UFMG, em 1970, cerca de 65% da população do Vale do Jequitinhonha era analfabeta. Nessa mesma época, uma série de programas dos governos Federal e Estadual, de organizações não governamentais, projetos de extensão e de pasto-rais foram instalados na região e tinham como prio-ridade a educação como fundamento para o desen-volvimento regional. Como consequência, em 1991 o índice de analfabetismo caiu para 40% e em 2000, para 25%. Entretanto, o índice ainda bastante ele-vado e corresponde, principalmente, a um grupo de mulheres idosas.

A partir da educação formal e do associati-vismo essas mulheres começaram a se abrir para as questões sindicais. Os movimentos sindicais, por sua vez, abriram caminho para que a mulher do Vale do Jequitinhonha passem a ocupar outros espaços, an-tes dominados apenas pelos homens, seja no mer-cado de trabalho, seja na política.

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Page 9: Informativo do Polo Jequitinhonha

A mulher e a comunidade

No Jequitinhonha o processo de afirmação fe-minina tem uma característica particular: está intrinse-camente ligado ao conceito de comunidade e à ideia de pertença. “Todo esse sacrifício que a mulher faz, toda essa melhora pela qual ela luta tem um objetivo, é a realização dela, sim, mas principalmente a busca de melhorias para a família e para o lugar que pertence. No Vale se vive a expressão do coletivo. Se você tira a questão da comunidade dessas mulheres, você tira tudo delas”, afirma Maria do Carmo.

A ex-prefeita de Araçuaí considera que a organi-zação e luta das mulheres do Vale são exemplo e que os avanços são benéficos. Atualmente, a região, que abrange mais de 50 municípios no nordeste de Minas, conta com dezenas de associações de mulheres que frequentemente se reúnem em seminários, congres-sos e fóruns para discutir questões como a violência contra a mulher, a inserção no mercado de trabalho e na política, bem como a mobilização em prol de melho-rias para os municípios da região.

Um exemplo é o Fórum da Mulher do Jequiti-nhonha que reuniu mais de 220 mulheres, de 30 cida-des, em maio de 2012, em Itaobim, durante sua segun-da edição. A primeira, em maio de 2011, ocorreu em Jequitinhonha. O objetivo dessa edição foi a proposta de criação de Conselhos Municipais da Mulher nos mu-nicípios ali representados. O evento foi realizado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, em parceria com a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) e a Prefeitura

de Itaobim. O Fórum visava a contribuir para o fortale-cimento dos movimentos femininos do Vale por meio da troca de experiência entre os participantes.

Durante o evento foi lançada a Carta da Mulher do Jequitinhonha, publicação aberta à população e aos órgãos governamentais e não governamentais, que constitui uma compilação das discussões e conclusões realizadas no primeiro Fórum. Foi lançado também o Álbum da Mulher do Jequitinhonha, livreto composto por fotos e textos feitos na primeira edição.

A professora do Departamento de Ciência Polí-tica da UFMG, preletora nas duas edições do Fórum e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), Marlise Matos, lembra que a cres-cente participação feminina nas atividades econômicas e sua emancipação nesse sentido, não significam uma completa transformação das estruturas machistas da nossa sociedade, já que algumas delas permanecem intocadas. Segundo Marlise, somente a organização política feminina e a luta contínua são capazes de asse-gurar as conquistas já alcançadas e continuar transfor-mando a vida cotidiana da mulher.

As lutas dos movimentos femininos no Vale trou-xeram mudanças importantes e profundas, não só para a vida das mulheres, mas para o desenvolvimento da região. Quando perguntada sobre o que pensava de to-das as conquistas alcançadas, inclusive na vida política, Dona Geralda abriu um grande sorriso, ergueu a cabe-ça, encheu o peito e afirmou: “A mulher não se pode entregar, nem esmorecer, nem parar por aí”. l

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Page 10: Informativo do Polo Jequitinhonha

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fotos: Tomás German/ Acervo Polo

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R S T U V X Y Z q w e r t y u i o p a s

T Y U I O P A S D F G H J K L Z X C V

“Em 1989 a gente conseguiu ir pra direção do sindicato porque nessa época tivemos um grande número de mulheres filiadas no sindicato. Em 1989 fui eleita secretária do sindicato... e antes, em 1988, a gente fez uma grande mobilização popular naquela questão da reforma agrária, da aposentadoria rural, com abaixo-assinado e foi o primeiro ano que comemoramos o 8 de março. Também saímos em passeata no 1° de maio, e daí a gente não parou mais até hoje.

Em 1992 a gente a trabalhar as mulheres rurais... E aí a gente ingressou também na comissão das mulheres trabalha-doras rurais da Fetaemg. Eu fui eleita representando a região e pra mim foi um período de grande experiência, mas foi também de muita dificuldade porque sempre não tem recurso; te elege, cê trabalha na região, mas não te dá recursos, não te dá condi-ções... Em 1995 eu fui eleita diretora do polo regional e nessa época a gente trabalhou muito a questão das cotas de partici-pação feminina, que era de 30 % para participação da diretoria dos sindicatos.

A mulher sempre ficava na suplência... Nesse momento a gente trabalhou muito o incentivo das mulheres a participarem e exigirem seus direitos. Foi muito difícil, pois a maioria das pre-sidências dos sindicatos eram de homens que não aceitavam que as mulheres se filiassem. Por quê? Se você filia você tem direito de votar e ser votada.

Nessa época foi muito bacana o trabalho na luta para que as mulheres participassem, e até hoje tenho muita sauda-de desse tempo, mas sei que a gente construiu uma política de participação e de organização das mulheres.

A gente tem que fazer parcerias e respeitar as pessoas, porque isso é importante, porque todo mundo quer ser respei-tado... Então foi uma luta, sim, e não só nas outras instituições, mas tivemos que enfrentar no próprio sindicato, nas federa-ções, na própria CUT... Então todas nós passamos por muitas dificuldades. Se fizermos um levantamento nos sindicatos, va-mos perceber que a maioria que contribui são as mulheres. Os encontros e as reuniões quem fazem são as mulheres.” É com muita honra que a gente continua essa luta.l

Palavras de Evina Teixeira da Cruz /ITAVALE/ Medina no I Fórum da Mulher (Jequitinhonha, maio de 2011)

Palavra de Dona Evina

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Com o objetivo de congregar os comu-nicadores do Vale do Jequitinhonha e criar um espaço para debater as práti-cas de comunicação na região, desde as suas formas mais tradicionais até as

novas formas surgidas com as mídias digitais, tendo como base as discussões sobre políticas públicas de comunicação e o acesso público às mídias, o Pro-grama Polo de Integração da UFMG no Vale do Je-quitinhonha, em parceria com as ONGs Associação Imagem Comunitária e Oficina de Imagens, promo-veu duas edições do Encontro de Comunicadores do Vale do Jequitinhonha. A primeira delas, em janei-ro de 2012, foi realizada em Itaobim, com apoio da Prefeitura Municipal de Itaobim. Já a segunda, em março de 2013, contou com o apoio da Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores de Capelinha, Rádio Arañas FM, Galpão Cultural, Criasom e Escola Estadual Geralda Otoni. Cada uma das edições reu-niu cerca de 150 participantes, de 20 municípios do Vale.

O encontro reuniu profissionais de rádio, televisão, jornalistas, blogueiros, comunicadores populares e integrantes de coletivos juvenis e cultu-rais, com o objetivo de proporcionar momentos de discussão acerca dos problemas e entraves ao de-senvolvimento das produções midiáticas na região. Na edição Itaobim, os debates tiveram como foco o acesso público às mídias, os problemas enfrenta-

Voltado para comunicadores, agentes culturais e coletivos juvenis, as duas edições do Encontro debateram a situação das mídias e os rumos da comunicação no Vale, por meio de painéis e de oficinas de formação.

Um espaço para a discutir a comunicação no Vale

Por Samuel Quintero

dos e as possibilidades que vem surgindo como al-ternativa aos meios de comunicação tradicionais na era das mídias digitais. Foram realizadas oficinas de Web, Audiovisual, Comunicação para mobilização social, Radiojornalismo, Mídias sociais, Mídia tática e Redação jornalística.

Na edição Capelinha, foram abordados te-mas, como, Acesso aos meios, direito à comunica-ção; Dilemas Éticos; Espaço Público; Privacidade na Web e Rádio Alternativo e Comunitário. As áreas de comunicação digital, audiovisual, rádio, imagem e cultura foram trabalhadas a partir das oficinas de Formatação de Projetos Culturais, Fotojornalismo, Mídias Sociais, Webjornalismo Hiperlocal, Stop Mo-tion, Vídeo, Mídias Táticas e Rádio e comunicação alternativa. Algumas das produções destas ofici-nas podem ser conferidas no site do Polo (https://www2.ufmg.br/polojequitinhonha).

Na avaliação do professor da UFMG e coorde-nador das duas edições do Encontro de Comunica-dores, Márcio Simeone, em mais de uma década de trabalho no Vale do Jequitinhonha foram formadas diversas parcerias em torno da comunicação e, atu-almente, se percebe o quanto as questões em torno da comunicação interessam a boa parte dos profis-sionais da área, jovens e pessoas do movimento cultural, e o quão enriquecedor são esses de-bates em torno da Comunicação no Vale. l

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fotos: Tomás German

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de materiais colhidos durante os festivais culturais que aconteciam no Vale. Entretanto, após a produ-ção de mais de 80 programas, era hora de reformu-lar o projeto, pois além da distância geográfica que dificultava a coleta de materiais, a equipe percebeu a necessidade de uma maior inserção da população local no processo produtivo.

Coordenadores e estagiários começaram uma busca por um modelo de produto que pudesse ser criado conjuntamente entre a Universidade e os lo-cais, e que possibilitasse uma produção correspon-dente às especificidades do Vale do Jequitinhonha. Procuraram também eleger um público de interes-se: jovens de 15 a 25 anos. Assim começa uma nova etapa para o Vozes. O projeto iria descobrir o Vale por meio da realização de oficinas de podcasts.

Segundo Graziela Mello Vianna, coordenado-ra do Vozes e professora do curso de Comunicação Social da UFMG, esse dispositivo é muito propício ao contexto dos públicos atendidos pelo projeto e tem se mostrado uma interessante ferramenta na geração de visibilidade. Além das oficinas, o Vozes do Vale propõe atividades de aproximação dos pú-blicos atendidos com o rádio e sua linguagem.

As oficinas consistem numa capacitação

Almenara, Berilo, Cachoeira de Pajeú, Capelinha, Carbonita, Chapada do Norte, Comercinho, Diamantina, Divi-sópolis, Felisburgo, Francisco Badaró, Itaobim, Itinga, Jenipapo de Minas,

Jequitinhonha. Do Alto ao Baixo Vale, em sete anos de estrada o Vozes do Vale já conheceu as belezas, particularidades e curiosidades de mais de 30 cida-des da região, que sempre surpreende.

Da música erudita ao funk, passando pelas canções populares e cantigas de roda típicas do Je-quitinhonha, o projeto que está levando o admirável mundo novo dos podcasts ao Vale, sintoniza jovens de diferentes locais e realidades numa mesma fre-quência, e com um mesmo objetivo: estimular o protagonismo juvenil, assegurando um espaço de visibilidade para que eles exponham a própria visão do contexto local através de suas produções.

O projeto Vozes do Vale surgiu em 2005, como iniciativa do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha. Inicialmente, visa-va à difusão das vozes da região através de um pro-grama, veiculado na Rádio UFMG Educativa. Uma equipe integrada por alunos do curso de Comuni-cação Social da UFMG produzia o programa, a partir

O que dizem as vozes do Vale

Por Eveline Xavier e Fernanda Lacotix

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foto: arquivo Polo Jequitinhonha

O que é podcastO podcast é um produto de áudio de baixo custo e de fá-cil circulação por mídias mó-veis; praticamente qualquer pessoa pode trabalhar com ele, bem como acessá-lo, basta conectar-se à internet.

Vozes do ValeO Vozes do Vale vai ao ar pela Rádio UFMG Edu-cativa segundas, às 16h15, e terças, às 12h20. Para ouvi-lo basta acessar o site: https://www.ufmg.br/online/radio/

O Vozes do Vale foi premiado, em 2011, nas etapas regional e nacional da 28ª edição da Exposição de Pesquisa Experimental em Co-municação (Expocom). Em 2012, foi escolhido o melhor programa avulso de rádio na etapa regional da Expocom.

Page 16: Informativo do Polo Jequitinhonha

técnica de 16 horas/aula, visando o ensino da linguagem e da produção em áudio. Em cada município participam até 20 jovens. Os alunos têm contato com as ferramentas de produção de rádio e de podcast e aprendem a explorar essas ferramentas na internet. Além disso, os participantes são estimulados a refletir sobre temas que os afetam, como educação, trabalho, cultura e o próprio Vale do Jequitinhonha. Os produtos são disponi-bilizados na web e, após uma seleção, inte-gram uma coletânea utilizada em um pro-grama veiculado pela Rádio UFMG Educativa – com o mesmo nome do projeto – e por rá-dios da região.

Para a coordenadora do Vozes, todo o trabalho desenvolvido pelo projeto “aju-da a entender um pouco mais do cotidiano desses jovens”. As temáticas abordadas nos produtos vão da estrada de asfalto às tribos góticas; da cultura dos municípios do Vale à discussões científicas e religiosas.

Um dos estagiários do projeto, o estu-dante de Comunicação Caio Paranhos, desta-ca que apesar de alguns assuntos se repeti-rem, como gravidez na adolescência, futebol ou drogas, em muitas ocasiões o grupo era surpreendido por podcasts “falando sobre música erudita ou quando exploram alguma coisa da cidade em que vivem”.

Mais importante que o aprendizado na área da computação, edição e tratamento do áudio por meio das oficinas, os jovens são apresentados aos meios de comunicação, principalmente ao potencial da internet e do rádio. Esses são espaços importantes para dar voz a diferentes grupos e fazer com que sejam ouvidos. “É explícita a empolgação e animação dos meninos, e todo o desgaste é recompensado, é muito legal”, afirma Caio.

“Causos” e depoimentos

O Vozes do Vale, a cada viagem, adquire mais histórias curiosas para seu repertório. Uma delas até virou matéria no II Almanaque Ilustrado do Jequiti-nhonha, editado pelo Programa Polo em 2011. Em uma das oficinas surgiu um podcast que sobre a banda “Pegada Legal”, ele foi produzido após uma apre-sentação na escola Monsenhor Men-des, em Chapada no Norte.

Na entrevista, o tecladista da banda, Rafael Gomes, falava sobre a dificuldade em encontrar o nome ideal para o grupo musical: “olhei para a cai-xa de tênis do meu irmão e vi o nome ‘Pegada Legal’, achei interessante e co-loquei o nome na banda”.

Outra história marcante foi a do garoto Nonô, participante de uma das oficinas do Vozes. O jovem não se sen-tia confortável com a opção do grupo em que estava em produzir um podcast sobre futebol. Ele revelou ser homos-sexual, levando o grupo a trabalhar o tema. O programa recebeu o nome de “O povo fala Nonô”, que trouxe a rea-ção dos amigos e o acolhimento da fa-mília. “Minha mãe falou que me aceita-va do jeito que sou. Hoje tudo mudou, sou uma nova pessoa. Não me esqueço dos momentos difíceis que passei, mas os tornei fáceis. Hoje sou uma pessoa mais feliz, amada por meus familiares. Minha vida é tudo de bom, tenho direi-to a liberdade e conhecimento. Adoro minha cidade. Preconceito? Tô fora! Ser sincero é ser capaz de mostrar tudo que sabe”, diz Nonô Glamour. l

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Apropriação livre do poema de Juarez Freitas, “A saga de uma lavadeira”, por Tomás German.

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Dezessete jovens itaobinenses viaja-ram 12 horas até a capital mineira no final de dezembro para a avalia-ção final do projeto “ACC Itaobim 50 anos”. Desenvolvido em Itaobim pelo

Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha em parceria com a Prefeitura Muni-cipal e a Associação Imagem Comunitária (AIC), a Assessoria de Comunicação Colaborativa (ACC) foi desenvolvida pela Agência de Comunicação Solidá-ria no Vale do Jequitinhonha (ACS-Jequi), que é um dos projetos de extensão da UFMG vinculado ao Programa Polo Jequitinhonha.

O projeto preparou uma Assessoria de Co-municação Colaborativa responsável pelo suporte de comunicação, apoio, cobertura e divulgação dos diversos eventos realizados em comemoração ao

cinquentenário do município. Divididos em quatro núcleos de trabalho – Web-Impresso, Criação Visu-al, Áudio e Audiovisual –, passaram pelo processo formativo cerca de 30 jovens de Itaobim, com ida-de entre 14 e 18 anos, selecionados para compor a ACC. Segundo os jovens que participaram do pro-jeto, as atividades foram desafiadoras e o trabalho intenso, mas muito produtivo. “Foi desgastante, mas no final valeu a pena porque deu orgulho ver algo que você produziu, que você pode dizer fui eu quem fiz”, afirma Joabe Leonardo, um dos partici-pantes do projeto.

O que diferencia a ACC das assessorias de co-municação convencionais é o processo de produ-ção das ações comunicativas. Além de assessorar os eventos, a ACC apoia e acompanha as deman-

Eventos realizados durante as comemorações tiveram a assessoria de comunicação de jovens da cidade.

Comunicação Solidárianos 50 anos de Itaobim

Por Cinthya Paula e Raissa Fernandes

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foto: Palestina Serra

das de comunicação de grupos populares, contan-do com a colaboração de jovens locais capacitados para esta finalidade. A ideia é estimulá-los ao pla-nejamento e à promoção autônoma de ações de comunicação. Os jovens que participaram do pro-jeto ao longo de 2012 foram selecionados e capa-citados pela equipe da ACC, formada por discentes da UFMG, sob coordenação dos professores Már-cio Simeone Henriques e Graziela Mello Vianna, ambos do Departamento de Comunicação Social, além de educadores da AIC, sob orientação de Is-rael Campos. Durante todo o processo formativo, mais de dez bolsistas da UFMG assessoraram os jovens. A partir dessa experiência, os participantes agregaram conhecimentos técnicos e conceituais de comunicação com o objetivo de atender as de-mandas locais de comunicação. Para tanto, foram

estimulados à mobilização social e ao resgate de memória do município.

Para o bolsista da ACS-Jequi, Paulo Henrique dos Santos, a atuação da assessoria supera muito o papel comum de uma agência de comunicação, devido ao seu caráter pedagógico. Ele ressalta que mais que potencializar e divulgar a cobertura dos eventos, a importância fundamental da ACC está na interação com a comunidade e com os jovens, as trocas de experiências e o conhecimento com-partilhado que emergem destas relações. “Nosso intuito é atravessar a vida desses jovens de alguma forma que amplie sua visão de mundo, ou que seja pelo menos um momento significativo que possa render frutos ao longo da vida de cada um deles”, afirma Paulo Henrique.

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Page 20: Informativo do Polo Jequitinhonha

ASC-Jequi

Em 2012, 30 jovens de Itaobim par-ticiparam da Assessoria de Comunicação Colaborativa responsável por oferecer suporte de comunicação à comemoração dos 50 anos do município.

Em 2010 a ACS-Jequi trabalhou nas comemorações dos 200 anos de Jequiti-nhonha, com a mesma proposta, envol-vendo 25 jovens.

fotos: Palestina Serra

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Processo formativo para a assessoria de comunicação solidária

A Agência de Comunicação Solidária (ACS--Jequi) ofereceu quinzenalmente um acompa-nhamento presencial aos jovens de Itaobim. Os bolsistas da UFMG acompanharam as atividades desenvolvidas pelos jovens nos quatro núcleos de produção. Como resultado, a cada quinze dias foi veiculada a “TV Praça”, uma atividade desenvolvi-da especialmente pelo núcleo de Audiovisual, para divulgação dos produtos da ACC. O núcleo que tra-balha com áudio produziu spots, programas de co-bertura jornalística e criou novos projetos, como a radionovela, encerrada ao final do projeto.

Uma das realizações da ACC em Itaobim foi a Visita Guiada, que levou os jovens da assessoria a conhecer histórias, pessoas e lugares o município. A ACC promoveu também a produção das “Masco-tes de Itaobim 50 anos”, criadas pelos próprios jo-vens e que representam quatro regiões de Itaobim. As mascotes foram pensadas para desenvolver e ampliar uma relação de aproximação da comuni-dade local com as regiões da cidade que represen-

tam. Para a coordenadora de Cultura de Itaobim, Lia Queiroz, “essas atividades facilitaram o acesso da juventude às raízes da sua gente, do seu povo, da sua historia e até mesmo à construção desse momento atual”.

O Projeto “ACC Itaobim 50 anos” teve du-ração de um ano, se encerrando em dezembro de 2012. Lia Queiroz destaca a herança do Projeto para a cidade: “Penso que o legado que fica é uma estrutura montada, uma equipe de comunicação preparada para subsidiar o município no registro de seu futuro desenvolvimento, seja estrutural, so-cial, cultural ou patrimonial”. A coordenadora de Cultura ressalta, ainda, a contribuição do Projeto para a vida dos jovens participantes: “Além de todo o repertório cultural e social, os jovens foram de alguma forma qualificados profissionalmente na área de mídia e isso os ajudará no mercado de tra-balho”. Para o coordenador do Projeto, Professor Marcio Simeone Henriques, este é um dos maiores objetivos da ACC, o protagonismo juvenil, a possi-bilidade que o projeto tem de empoderar os jovens ao contribuir para o desenvolvimento de suas ca-pacidades expressivas. l

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“Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cida-dão, depende de sua locali-zação no território. A possi-

bilidade de ser mais ou menos cidadão, depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está” (Santos, 1993). A citação da professora Maria Aparecida de Moraes Silva, do Programa de Pós--graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), traz à tona as discussões re-alizadas durante o 7º Seminário Visões do Vale em torno da temática Ocupação e Trabalho. Realizado desde 2004, o Visões do Vale reúne pesquisadores, acadêmicos, agentes governamentais e a população do Vale do Jequitinhonha para compartilhar diferen-tes pontos de vista sobre temáticas que interessam a região. O evento é uma promoção do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinho-nha.

Uma das problemáticas debatidas no Semi-nário, em 2012, foram as questões que envolvem o

Trabalho, migração e questões em torno do corte da cana de açúcar foram temas do Seminário Visões do Vale.

A enxada trocada

pelo facão

Por Raíssa Fernandes

corte da cana de açúcar, migrações e a mecanização das lavouras. Em pleno século 21, 50 mil trabalha-dores deixam o Vale anualmente para atuar como cortadores de cana durante a safra em São Paulo. A maioria das usinas não consegue recrutar trabalha-dores paulistas e o deslocamento de trabalhadores do norte de Minas e do Nordeste aumentou ao lon-go dos anos. Sem terra e sem trabalho onde vivem, os canaviais e as usinas de São Paulo e Mato Grosso acabam sendo opção de sobrevivência para esses migrantes e suas famílias. As promessas para quem escolhe trocar a enxada pelo facão são muitas, mas o trabalho nos canaviais é foco de denúncias de ex-ploração análoga à escravidão. Mudar essa situação passa pela criação de oportunidades no próprio Vale do Jequitinhonha, evitando a “migração forçada”. É o que argumenta a professora Maria Aparecida, conferencista na mais recente edição do Visões do Vale: “O que as pesquisas mostram é que, se essas pessoas algum dia tiverem condições de trabalho na sua própria região, além de políticas públicas efica-zes, certamente não deixarão suas regiões”.

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*COSTA, Pedro. A migração e o trabalho escravo na lavoura de cana em São Paulo. De Repente. Teresina, PI. Fundação Nordestina de Cordel (FUNCOR). ano XII, n.50, abr./maio 2006.

“Muitos deixam suas terrasPensando em vida melhorMas na podada da cana

Derrama muito suorFicar na cana é ruim,

Voltar pra terra é pior.”(Pedro Costa, 2006)*

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Péssimas condições

A Pastoral do Migrante, organização que re-aliza trabalho voltado para a acolhida, orientação e inserção social e religiosa, tem dado voz e propor-cionado assistência a muitos trabalhadores dos ca-naviais. De acordo com a Irmã San-dra Pinto de Sou-za, envolvida com a iniciativa desde 2001, a prioridade da Pastoral é escu-tar a realidade dos trabalhadores. Por meio de visitas do-mésticas, tanto na terra de origem, como nos próprios canaviais, os inte-grantes da missão se aproximam dos migrantes para conhecer os problemas que enfren-tam.

Segundo ela, a carga de trabalho causa a de-gradação da saúde, sobretudo doenças respirató-rias, problemas nos braços, coluna, e pode levar a morte. Os relatórios da Pastoral apontam que os mi-grantes não tem liberdade, tampouco autonomia, não se veem como sujeitos e vivem amedrontados.

As condições de alo-jamento e de comida são desumanas, afir-ma. Só há duas possi-bilidades de moradia: os alojamentos perto das usinas, que são superlotados, e pen-sões, em péssimas condições e cobrando preços abusivos. De acordo com pesquisas, os trabalhadores pre-cisam cumprir a meta de 10 toneladas de cana cortada por dia,

enfrentando temperaturas acima de 27 graus e mui-ta fuligem no ar. A temperatura do cérebro de um

foto: Lori Figueiró

Professora Maria Aparecida, da Ufscar, multiplicando conhecimentos

no VII Visões do Vale

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cortador de cana, após 13 horas de atividade labo-ral, em dias de muito calor, pode chegar a 44 graus, situação descrita por cortadores de cana das usinas paulistas em depoimentos recolhidos pela Pastoral entre os anos de 2007 e 2009 e publicados no livro Vozes do Eito, como o seguinte: “A essas alturas da safra nosso salário tem quase cor de nosso sangue. Já gastamos quase todas as nossas energias. Sabe o que é ficar ‘borrado’ no eito da cana? É perder o controle do próprio corpo, é sentir um quenturão doido, é como passar por uma convulsão”.

Nos meses de janeiro e fevereiro, em que não há safra de cana, os trabalhadores, em sua maio-ria, voltam para sua terra de origem. Durante esse período, a Pastoral oferece oficinas de capacitação profissional e de conscientização sobre questões em torno da migração aos cortadores, esposas e filhos.

Mecanização do corteTradicionalmente o corte da cana de açúcar

era feito manualmente. As máquinas passaram a ser introduzidas nos canaviais na década de 80 e, num primeiro momento, eram usadas pelos fazendeiros como forma de amedrontar os trabalhadores, fun-cionando como forma de pressão, desestimulando greves e protestos. De forma gradativa, o processo

de mecanização tem ganhado espaço nas lavouras brasileiras.

Foi a partir dos anos 2000 que esse processo se intensificou. Como da cana de açúcar se produz o etanol, considerado um combustível não poluente, a produção passou por ampliação e modernização. Com a pressão ambientalista e do agronegócio, o governo Lula (2003-2010) deu incentivo à produção do etanol, o que fez com que as usinas aumentas-sem consideravelmente suas demandas por produ-ção e, consequentemente, buscassem tecnologias de ponta no processo produtivo, que passavam, é claro, pela mecanização. Quando o corte de cana é feito manualmente, é necessário que o canavial seja queimado antes do corte, devido às folhas da cana, que são extremamente cortantes, e aos animais pe-çonhentos que ali vivem. Quando a cana é cortada mecanicamente as queimadas não são necessárias. Com o boom dos “combustíveis limpos” nos anos 2000 este passou a ser um forte argumento a favor da mecanização.

Assim começa toda uma campanha pela me-canização que se sustenta em dois argumentos: combustível limpo e direitos humanos. A campanha foi amplamente aceita, por ter argumentos válidos; porém, as consequências e os interesses por de traz da questão foram e ainda são tratados de forma su-

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perficial. A doutoranda em Ciências Sociais do Cen-tro de Estudos Rurais da Unicamp, Juliana Biondi, que participou do Seminário Visões do Vale trouxe dados e perspectivas que questionam o interesse “nobre” do governo e do agronegócio em apoiar a mecanização do corte da cana de açúcar. A pes-quisadora afirma que estudos da Unicamp já prova-ram que tendo ou não queimadas, essa energia não pode ser considerada limpa e que a mecanização não faria diferença significativa para que o combus-tível não fosse poluente.

Diante de inúmeras denúncias de superexplo-ração da força de trabalho, a pressão internacional fez com que o Governo de São Paulo e a União dos Usineiros (Unica) firmassem em 2007 um protocolo que prevê o fim das queimadas nas áreas passíveis de mecanização até 2014 e nas que não são passí-veis de mecanização até 2017 e a extinção total até 2031. Entretanto o protocolo não tem força de lei e o prazo vai sendo postergado. Esse acordo foi fir-mado visando “limpar” a imagem do país, que é o maior exportador de cana de açúcar do mundo, com vistas a se tornar o maior produtor e exportador de etanol.

Em março de 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que “os usineiros de cana, que há

dez anos eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacio-nais e mundiais, porque todo mundo está de olho no álcool”. A pesquisadora Juliana Biondi aponta como esse processo é interessante para os usineiros e para o Estado. O pacto é uma aliança concreta e visível entre esses dois setores que, para a pesquisa-dora, não considera o meio ambiente e, tampouco, os trabalhadores. “Para mim esse acordo e nada é a mesma coisa, o discurso ambientalista é muito mais forte do que o pró-direitos humanos, pró-trabalha-dor, com exceção de algumas organizações como a Pastoral do Migrante e a Pastoral da Terra. O discur-so ambientalista casa com todo ideário empresarial que quer vender aquele combustível como a alter-nativa para salvação da pátria”, afirma.

Para a doutoranda, a mecanização é impor-tante uma vez que considera o trabalho nos cana-viais desumano e que ninguém deveria ser subme-tido a ele; mas da forma como o processo tem sido feito, a situação dos trabalhadores, que perdem seus empregos para as máquinas, fica ainda pior.

Uma máquina desemprega 100 trabalhado-res e emprega dois. A situação se agrava devido ao que se apresenta em termos de políticas públicas: não é realizada a reforma agrária e a força de traba-lho excedente não é reinserida em outros setores

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da economia. Muitos trabalhadores migram para outras usinas ou outras plantações. Alguns tentam se qualificar, mas os cursos oferecidos pelo Estado acontecem durante o horário de trabalho ou em horários inviáveis. Como a média de escolaridade desses migrantes é de cerca de 3,2 anos e porque desde pequenos foram socializados na roça, grande parte dos trabalhadores vê esse tipo de vida como única alternativa. Para Juliana, a saída seria a refor-ma agrária, que garantiria o direito das pessoas de permanecer em suas terras. O Estado ainda é inefi-ciente e joga essa responsabilidade para os usinei-ros, que devolvem para as prefeituras e, assim, ne-nhuma solução é efetivada.

A doutoranda argumenta, ainda, que o Sindi-cato de Trabalhador Rural (STR) é uma plataforma falida e suas políticas se limitam a assistencialismos reformistas. “Os projetos deles se resumem ao ofe-recimento de cabeleireiros e dentistas e ainda os sindicatos são muitas vezes associados às usinas”. Os trabalhadores declaram para a Pastoral: “Esta-mos descrentes da atuação de muitos sindicatos. Para que servem então a nossa contribuição sindi-cal?”. Assim, por uma parte, ficam desassistidos tan-to dos sindicatos, como do Estado e municípios e, por outra, veem a grande mídia aplaudindo a meca-nização e ignorando os trabalhadores excluídos por este processo.

Para milhares de pessoas, ainda é preciso

migrar e se submeter à condições desumanas. Há ainda um longo caminho a ser percorrido por esses homens e mulheres para que o trabalho passe a ser sinônimo de dignidade.

O Seminário

O 7º Seminário Visões do Vale, realizado em novembro de 2012, foi promovido pela Pró-Reitoria de Extensão, com realização do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha. O Seminário contou com palestrantes envolvidos em estudos sobre ocupação e trabalho na região, como a professora Maria Aparecida de Moraes Silva, da Ufscar; representantes da luta no Vale, como Ma-ria Aparecida Alves de Souza, a Cidona, e Agnus Ro-drigues da Silva, secretário de Estado de Trabalho e Emprego em 2012.

Além de conferências e mesas-redondas, houve lançamentos de livros e sites, incluindo o do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha (https://www.ufmg.br/polojequiti-nhonha/), além de apresentações culturais. Na par-te científica, foram selecionados dez trabalhos de pesquisa e extensão desenvolvidos no Vale do Je-quitinhonha, entre os 55 trabalhos submetidos à co-missão científica. Entre os projetos, ações da UFMG, UFVJM, Unimontes e PUC-MG. l

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Apropriação livre do poema de Luis Santiago, “Um vale de lágrimas”, por Tomás German.

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O potencial da região de Itaobim, às margens do rio Jequitinhonha, tem inspirado ações para fortalecer a cadeia produtiva da agricul-tura familiar. “Graças à parceria da UFMG, da Secretaria de Agri-cultura e Prefeitura Municipal foi possível desenvolver um projeto que fortalece a produção familiar e melhora a renda dos produto-

res”, destaca Mardem Macedo, secretário de Agricultura de Itaobim. Trata-se do projeto de extensão Manejo sustentável de frutíferas no município de Itaobim, Vale do Jequitinhonha, que teve como parceiros o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaobim, a Emater e a Prefeitura. O projeto foi coordenado pelo profes-sor Paulo Sérgio Lopes, do Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG Campus Regional de Montes Claros.

Durante o ano de 2012 professores e alunos do ICA/UFMG visitaram agri-cultores de Itaobim e realizaram o diagnóstico produtivo das frutíferas da região, a instalação de unidades demonstrativas, o plantio de novas mudas, o desenvol-vimento de novos produtos processados, além de oficinas de capacitação e trei-namento na área de manejo sustentável de árvores frutíferas. Os agricultores fa-miliares do município, conhecido como “Terra da Manga”, já cultivavam diversas variedades de frutas, com destaque para banana, manga e melancia, e a partir do projeto passaram a produzir manga e melancia orgânicas. De acordo com o pro-fessor Paulo Sérgio, mais de 200 agricultores participaram de atividades e rodas de discussão do projeto. Destes, aproximadamente 60 permaneceram até o final.

O andamento do projeto trouxe resultados positivos ao viabilizar a fruticul-tura sustentável na região, gerando emprego, renda e segurança alimentar. Em pouco tempo a produção da melancia já foi comercializada. Em meados deste ano será a vez da manga. Além da fruta in natura, alunos e professores da UFMG ensi-naram os agricultores a produzir, com os excessos da colheita, manga desidratada, mais conhecida como manga passa. Segundo Mardem, as frutas produzidas em Itaobim estão sendo vendidas nos mercados locais, feiras livres e em municípios próximos, como Araçuaí, Almenara, Padre Paraíso e Ponto dos Volantes. l

Projeto fortalece a fruticultura em

ItaobimPor Samuel Quintero

Page 29: Informativo do Polo Jequitinhonha

Informações sobre o projeto:Na comunidade rural São João foram realizados se-

minário sobre o diagnóstico sócio-econômico e produtivo da fruticultura na sub-bacia do rio São João e cursos de associativismo e comercialização agrícola, de processa-mento de frutos e de plantio e condução de frutíferas. Na comunidade rural Nossa Senhora da Paz foram realizadas oficinas de implantação de pomar orgânico de manga e de manejo do pomar. Já na comunidade Rural Inhaúmas trabalharam com a implantação e o manejo de melancia orgânica.

foto: Samuel Quinteiro

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CCom atuação piloto no Vale do Jequi-tinhonha, nordeste de Minas Gerais, desde o início de 2012 o Programa Ma-peamentos de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais vem tra-

balhando na formação sociopolítica de lideranças comunitárias, no levantamento socioeconômico e demográfico das comunidades, na elaboração conjunta de textos de auto definição, articulação e troca de experiências como base de processos partilhados de autoafirmação identitária e exercí-cio de direitos individuais e coletivos. A iniciativa é do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e conta com financiamento do Programa de Extensão Universitária (ProExt – MEC/SESU). O projeto é coordenado pelos professores Aderval Costa, Ana Flávia Moreira, Ana Beatriz Vianna, to-dos do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG.

A Comunidade Quilombola Baú, de Araçuaí, a aproximadamente 20 quilômetros do município, foi umas das primeiras a integrar o programa. Se-gundo Aderval Costa, lá vivem cerca de 100 pessoas, todas negras ou mestiças. A comunidade Baú existe há cerca de 200 anos e é a maior na região do Vale; foi formada por escravos nascidos em senzala que

fugiram do engenho. Uma comunidade com uma história de luta e sofrimento, com dificuldades que ainda persistem. “Por mais que a escravidão tenha acabado em 1888 com a lei Áurea ainda presencia-mos grande exploração e trabalho escravo aqui na região. A exploração dos fazendeiros sobre nós é muito grande. Quando íamos trabalhar na fazenda recebíamos 15 reais por dia e tínhamos que levar nossa própria comida. Isso para nós ainda é escra-vidão. Uma das poucas formas de tentar melhorar a renda é migrar em busca do trabalho no corte da cana e na colheita do café”, destaca Antônio Cosme Neves, presidente da Associação Quilombola Baú.

A maioria das pessoas não teve acesso à educação formal, situação que não se modificou efetivamente. Segundo Neves, as crianças da co-munidade estudam somente até a 4ª série do Ensi-no Fundamental. Acesso à saúde é outro problema, assim como o transporte. A comunidade não man-tém muito contato com os centros urbanos próxi-mos, o deslocamento a pé é o mais comum, poucos utilizam motos ou cavalos. “Não é uma batalha na qual a gente luta hoje e amanhã tudo se resolve; é uma batalha de todos os dias. Todos os dias nós levantamos com a cabeça erguida e pensamos: va-mos lutar”, conclui.

Programa Mapeamentos de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais realiza levantamento socioeconômico e demográfico em atuação piloto no Vale do Jequitinhonha, nordeste do Estado.

Percursos em busca de

dignidade

Por Samuel Quintero

Page 31: Informativo do Polo Jequitinhonha

Comunidades quilombolasAs comunidades quilombolas se formaram a partir

dos quilombos no tempo da escravidão no Brasil. No pe-ríodo da escravidão (Séculos 17 e 18) os negros que con-seguiam fugir se reuniam com outros em igual situação em locais escondidos no meio da mata. Esses refúgios fi-caram conhecidos como quilombos, nos quais passaram a viver de acordo com a sua cultura africana, plantando e produzindo coletivamente. Segundo a Secretaria de Polí-ticas de Promoção da Igualdade Racial, alguns grupos se originaram de “doações de terras realizadas a partir da desagregação de monoculturas; compra de terras pelos próprios sujeitos, com o fim do sistema escravista; terras obtidas em troca da prestação de serviço”.

Muitos quilombos permaneceram ativos mesmo após a abolição da escravatura, originando as atuais co-munidades quilombolas e marcando uma história de re-sistência, de busca por liberdade e por uma vida digna. Distantes da África, mas ainda conectados a ela, contri-buíram para a formação da cultura afro-brasileira.

A vida nas comunidades quilombolas, no entanto, foi sempre marcada por dificuldades. As acomodações eram precárias – era comum não possuir camas e ter de acender uma fogueira para esquentar o chão e, assim, conseguir dormir. A ali-mentação era escassa e era comum dispor somen-te de milho e água, quando não passavam fome. É recorrente ouvir relatos de que as crianças come-çavam muito cedo a trabalhar na terra e a servir fazendeiros como única forma de sobreviver.

A situação de exclusão social que permeia estas comunidades tradicionais é visível. A falta de reconhecimento das suas demandas por par-te de governos e sociedades, bem como a pouca valorização da contribuição cultural dos afrodes-cendentes tem exigido que ações de visibilidade destas pessoas se tornem mais efetivas, a exem-plo do Programa Mapeamentos de Povos e Comu-nidades Tradicionais de Minas Gerais.

De acordo com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Fundação Cultu-ral Palmares havia certificado até agosto do ano passado 1834 comunidades quilombolas espalha-das pelo Brasil, que vivem em condições seme-lhantes ou até piores que a da comunidade Baú. A maior concentração de quilombolas foi identifica-da nos Estados do Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Pernambuco. l

Page 32: Informativo do Polo Jequitinhonha

Desde 2002, o Governo de Minas Gerais vem apresentando crescente investi-mento em políticas públicas para a ju-ventude com foco na educação. A qua-lificação da mão de obra da população

economicamente ativa de Minas tem o objetivo de aumentar a empregabilidade dos jovens, diminuir a pobreza e contribuir para a qualidade de vida. A re-dução da evasão escolar, por exemplo, com políticas de promoção do protagonismo juvenil, auxiliam na inclusão social e buscam promover o surgimento de lideranças juvenis, transformando o jovem em media-dor do meio em que vive, mesmo antes de sair para o mercado de trabalho.

É indiscutível a importância da atuação dos jo-vens em suas comunidades e, por isso, ações como es-tas vêm sendo fortemente incentivadas por inúmeras instituições em diferentes regiões do Estado de Minas Gerais, como o semiárido mineiro. Um exemplo é a Semana das Juventudes, realizada de 9 a 13 de outu-bro de 2012, em Jequitinhonha. O evento foi realizado pela ONG Oficina de Imagens por meio da Rede de Co-municadores do Semiárido Mineiro e em parceria com o Conselho de Amigos das Crianças de Jequitinhonha (Conacreje). Contou, também, com a colaboração da Associação Imagem Comunitária, do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, da Casa de Cultura de Jequitinhonha e da equipe do Vi-ração. A Semana das Juventudes foi realizada com o objetivo de fortalecer a articulação, a troca e a forma-ção da juventude dos Vales do Jequitinhonha e Mucu-

ri. Segundo Danúbia Gardênia, educadora da Oficina de Imagens e organizadora da semana, foi “um evento feito pelo jovem e para o jovem”.

A própria criação da Rede de Comunicadores do Semiárido Mineiro se deve ao incentivo do prota-gonismo juvenil. A integrante do grupo, Neltinha Oli-veira, do município de Franciscópolis, que participou da Semana das Juventudes, explica que a Rede “é um espaço de participação política onde os jovens do se-miárido trocam ideias, experiências e conhecimento sobre as suas diversas realidades. Tem por objetivo mobilizar e incentivar a interação dos adolescentes e jovens do semiárido mineiro através da comunicação, fomentando participação social, política e cultural”. A Rede é constituída de 600 jovens voluntários de várias localidades do semiárido mineiro. Esses jovens são responsáveis pela produção de vídeos de suas cidades e compartilhamento de informações com os outros in-tegrantes através de uma plataforma da internet.

Na Rede de Comunicadores, protagonismo e conhecimento andam lado a lado, como mostra Nel-tinha: “O que mais me encanta na Rede é a produção de conhecimento. Aprendi e aprendo muito tanto nos encontros presenciais, como nas oficinas e nas cober-turas que realizamos”. Iniciativas como estas almejam, ainda, o engajamento e ação no interior das comuni-dades de origem. Engajamento para contribuir, opinar, apresentar pontos de vista variados, para “a constru-ção colaborativa e coletiva da informação”, conforme reforça Neltinha. l

Eles sãocapazes

Por Laiene Inácio

foto: Beatriz Ferraz

Page 33: Informativo do Polo Jequitinhonha

Dentre as atividades desenvolvidas pelo Núcleo de Direitos Humanos e cidadania LGBT da UFMG durante o ano de 2012 esteve o III Seminário de Cidadania LGBT do Vale do Jequi-

tinhonha. Organizado juntamente com um grupo de psicólogos e os Departamentos de Educação e de Saúde da Prefeitura de Itaobim, o Seminário buscou identificar como os órgãos públicos e pri-vados nos campos da educação, saúde e mercado de trabalho do Vale podem superar a exclusão da população LGBT. O evento contou com a presença de pesquisadores, representantes governamentais, ativistas, profissionais de saúde e educação, bem como a população local.

O seminário, realizado em junho de 2012, em Itaobim, proporcionou um espaço para discussões sobre a diversidade sexual no Vale do Jequitinho-nha. Durante os dois dias de evento as discussões giraram em torno da homofobia e da exclusão dos homossexuais, bissexuais, travestis e transgêneros. Nos intervalos entre as atividades foram exibidos vídeos relacionados às temáticas abordadas. Além dos debates, três grupos de trabalho foram orga-nizados para incentivar a participação do público: drogas e DSTs, mercado de trabalho e educação.

“Ser militante gay hoje no Vale é algo de ex-

trema importância tanto para nós da classe LGBT, como para a classe heterossexual, pois, nós, gays, temos a oportunidade de discutir e debater pro-postas no Vale do Jequitinhonha juntamente com a população local que na maioria das vezes está desprovida de informação e acaba por discrimi-nar e condenar uma pessoa por ser homossexual”, diz Abell Sicupira, funcionário público, estudante, ator e militante no Vale. Ele faz parte do grupo Blayblaydys, que foi formado por LGBTs do Jequiti-nhonha que sentiram no grupo um grande poten-cial para as lutas e reivindicações do movimento e para a desmistificação do preconceito. “O papel das Blayblaydys é levar diálogo e informação até os gays que não têm nenhuma orientação ou infor-mação sobre seus direitos, para que eles possam cobrar da sociedade como qualquer outra pessoa, pois não somos diferentes apenas por amar dife-rente”, completou.

O Seminário serviu, sobretudo, para levan-tar a discussão de um assunto delicado e complexo que merece mais atenção do que tem recebido no Vale do Jequitinhonha, como no restante do Brasil. Para os promotores do Seminário, o resultado do evento foi, no mínimo, uma população mais infor-mada e sensibilizada para lidar com o tema. l

Por Caio Paranhos e Samuel Quintero

Diversidade sexual em pauta

Page 34: Informativo do Polo Jequitinhonha

“Aqui você não entra” é o es-petáculo que o grupo Mu-rion Cia de Teatro, de Padre Paraíso, criou no contexto do projeto Teatro de Bone-

cos Mamulengos, desenvolvido na cidade pelo Ju-ventude em Alertas, em parceria com o Programa Polos de Cidadania, da UFMG. O espetáculo es-treou em 2012 na Feira Livre de Padre Paraíso.

Os integrantes do Murion elegeram o tema abuso e exploração sexual de crianças e adolescen-tes para a construção do espetáculo. Essa escolha ocorreu devido ao comprometimento dos jovens com o desafio do Projeto Juventude em Alertas, apoiado pela ONG alemã KNH-Brasil e desenvolvi-do em Padre Paraíso, cujo foco principal é o com-bate ao ciclo da exploração sexual, um grande pro-blema na região, principalmente nos municípios cortados pela BR-116.

A técnica de bonecos de luvas, ou mamu-lengos, foi repassada pelo professor Fernando Li-moeiro, nas oficinas que aconteceram a partir de outubro de 2011, quando os integrantes do grupo

começaram a construir os brinquedos. Limoeiro, professor do Teatro Universitário da UFMG, é reco-nhecido nacionalmente pela sua experiência com os mamulengos.

“A construção dos bonecos durante as ofici-nas com o mestre Fernando Limoeiro a partir de sucatas (latas usadas) e outros materiais, simboli-camente, reforçou no grupo o sentimento de que é possível recriar a vida em meio às adversidades”, relata Armando Ribeiro, coordenador do Murion Cia de Teatro.

No universo sociocultural do Vale do Jequiti-nhonha o teatro vem se mostrando um importan-te meio de reflexão e vivência artística. O trabalho com bonecos permitiu aos integrantes do grupo um reencontro com a infância mítica em um universo de recriação humana nos objetos e de manipulação dos valores através dos gestos artísticos. O texto foi montado com dramaturgia do professor Fernando Limoeiro a partir de improvisações e contribuições dos jovens integrantes do grupo sobre relatos de casos e situações da comunidade dos bairros Bela Vista e Vila Vieira. l

Os Mamulengos de Padre ParaísoPor Samuel Quintero

Page 35: Informativo do Polo Jequitinhonha

Murion Cia de Teatro

O coletivo Murion Cia de Teatro surgiu em setembro de 2006 com o objetivo de criar oportunidades de vivência cultural e artística para jovens da comunidade de Padre Paraíso.

Desde sua criação, a companhia monta a cada ano um novo espetáculo. “Tipos urbanos” (2006), “A saúde da família silva está em perigo” (2007), “Um pouquinho de Brasil” (2008), “Caixa mágica de surpresa” (2009) e “Histórias de cordel” (2009), são algumas das peças já produzidas pela companhia.

Murion é o nome popular do cristal marrom (quartzo fumê), uma pedra comum na região de Padre Paraíso. O cristal Murion, desde a antiguidade, carrega uma gama de significa-dos, como uma pedra que simboliza a amizade, a superação de obstáculos, o equilíbrio orgânico e psicológico. Para os gregos era “o cristal amadurecido dos montes”. Para o grupo, Murion significa o amadurecimento cultural e artístico da comunidade Bela Vista, de Padre Paraíso.

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No embalo das comemorações dos 50 anos de Itaobim, doze jovens da cidade foram estimulados, através do projeto Imagens e Memórias de Itaobim, a buscar e resgatar ima-

gens do passado, a fim de consolidar a identidade da cidade e promover a reflexão sobre a formação da comunidade de Itaobim.

O projeto é uma iniciativa do Curso de Letras da UFMG, sob a coordenação da professora Eli-sa Amorim, com o auxílio das monitoras Thayane Campos e Samira Almeida. As atividades tiveram início em abril de 2012 com uma oficina que in-troduziu aos jovens o projeto e a importância de conservar a memória da cidade. Quinze jovens par-ticiparam dessa primeira empreitada, dos quais 12 foram escolhidos para desenvolverem o projeto até o final do ano.

A ideia é fornecer insumos para que esses jovens possam por si mesmos recuperar a história de Itaobim. “As fotografias são só um meio para se atingir aquilo que realmente se quer: os relatos históricos dos donos das imagens. Nosso trabalho é parecido com o documentário Canções, de Edu-ardo Coutinho, no qual a partir de uma música os participantes relembraram histórias de suas vidas”, justificou a monitora Thayane Campos.

A segunda etapa, em maio, consistiu na orientação dos jovens sobre como fariam a coleta das imagens. Eles saíram pela cidade em busca de moradores que possuíam fotografias que corres-pondiam a alguns critérios como, por exemplo, re-gistros com mais de 20 anos, de interesse público, como fotos de construções e comemorações da ci-

dade, e em bom estado de conservação.

Nas etapas seguintes os alunos coletaram os relatos dos donos das fotografias e trabalha-ram na “refotografia”, que consiste em fotografar novamente o mesmo local da fotografia antiga, so-brepondo-a. Em alguns casos o dono da fotografia aparece na “refotografia” segurando a foto antiga.

A oficina tem oferecido aos jovens uma oportunidade para redescobrir a história de seus antepassados. Maynara Faúla, uma jovem partici-pante do projeto, destaca o contato com as pessoas mais velhas e suas histórias sobre Itaobim: “algu-mas histórias eu até conhecia, outras não. Porém, o melhor de tudo é a possibilidade de dialogar com o passado da cidade”. l

Em Itaobim,imagens e memórias Por Cinthya Paula de Oliveira

Oficina leva jovens a recuperar imagens antigas e propõem um diálogo dos moradores com o passado

Na foto, Joviniano Alves Costa (sentado) é entrevistado pelos integrantes do projeto: Emanuel Júnior, Isabela Soares, Maynara Faúla, Catarina Batista e Talles Héber (da esquerda para direita).

MMM

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OO Vale do Jequitinhonha é conhecido por sua riqueza cultural. Umas das pro-duções artísticas mais tradicionais da região, que caiu no gosto de brasileiros e estrangeiros, é o artesanato. Originado

do trabalho de mulheres humildes que produziam pe-ças utilitárias para ajudar no sustento da casa, as téc-nicas foram passando de geração em geração e, assim, foram aperfeiçoadas. Atualmente a produção artesanal tem formas e traços específicos, o que conferiu ao arte-

sanato do Jequitinhonha características únicas. Além do barro, são utilizadas outras matérias-primas,

como palha, bambu, madeira e algodão.Com o propósito de registrar, dar visi-

bilidade à produção e integrar artesãos de várias localidades, a Pró-Reitoria de Exten-são da UFMG, por meio do Polo de Inte-

gração da UFMG no Vale do Jequitinho-nha, desenvolve o Programa Saberes Plurais em Conexão. Dentre as ações do Programa está a realização anual da Feira de Artesanato do Vale do

Artesãos têm

o seu valor

Por Raíssa Fernandes e Samuel Quintero

4ilustração: Bruna Lubambo

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Jequitinhonha na UFMG, que além de expor o artesana-to produzido no Vale, homenageia mestres artesãos da região, e o Projeto Artesanato Cooperativo.

Na última edição da Feira, a 13ª, realizada em maio de 2012, na Praça de Serviços do Campus Pampu-lha, o público e o volume comercializado surpreenderam expositores e artesãos. Mesmo antes do final do evento os estoques de boa parte dos artesãos estavam esgota-dos. Foram arrecadados mais de 175 mil reais nos seis dias de evento. Para os expositores, a Feira representa uma oportunidade única e vantajosa de divulgação da cultura do Vale e valorização de seu trabalho, uma vez que eles recebem todos os incentivos do Projeto Arte-sanato Cooperativo e de seus parceiros. Deste modo, as despesas para expor o artesanato na Universidade são mínimas. Além da exposição e venda de artesanato, du-rante o evento acontecem apresentações artísticas. Em 2012 se apresentaram os músicos Zé de Bola e Carlos Farias e a Companhia Teatral Ícaros do Vale, com o es-petáculo “Terra”.

Durante a 13ª edição foram homenageadas duas mestras artesãs de grande importância para a história do artesanato na região: Isabel Mendes da Cunha e Ma-ria Gomes Dias, conhecida como Dona Pretinha. Am-bas desenvolveram técnicas e estilos próprios em seu trabalho deixando sua marca no modo de fazer arte no Vale do Jequitinhonha. A Feira de Artesanato constitui um momento de contato entre a comunidade universi-tária e as riquezas artísticas e culturais da região do Vale

do Jequitinhonha, além de proporcionar uma excelente oportunidade para conhecer as suas produções artísti-cas. Difícil é não se render à sensibilidade impressa nas obras.

A Feira inspira um novo projetoA homenagem a mestres artesãos, realizada a

cada nova edição da Feira do Artesanato do Vale do Je-quitinhonha na UFMG, deu origem a um novo eixo do projeto. Trata-se do Cartografias Culturais Transmidi-áticas no Vale do Jequitinhonha, que tem por objetivo localizar e registrar as histórias e os ofícios dos mestres artesãos. Como fruto da experiência acumulada pelo Programa Saberes Plurais em Conexão, desenvolvido por Maria Aparecida Moura, coordenadora, Maria das Dores Pimentel Nogueira, vice-coordenadora e Pró--Reitora Adjunta de Extensão da UFMG, e Terezinha Ma-ria Furiat, gestora, foi estruturado o Museu Virtual dos Saberes e Memórias dos Mestres de Ofício do Vale do Jequitinhonha, bem como a coletânea Saberes e Memó-rias do Vale.

Para tanto, o Cartografias Culturais Transmidiá-ticas vem realizando o registro e a difusão das memó-rias intergeracionais dos artesãos do Vale com o apoio da Coordenadoria de Políticas e Inclusão Informacional, órgão vinculado à Pró-Reitoria de Extensão da UFMG. Segundo a professora Maria Aparecida Moura, “o foco é que o conhecimento que temos produzido na Universi-

fotos: Acervo Polo

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dade possa provocar um novo conhecimento, que não é nem o nosso, nem o deles, mas um conhecimento gera-do nessa interação”. Deste modo, pretende-se ampliar a memória social ao dar voz a pessoas e enredos margina-lizados, a partir das histórias de vida de sujeitos comuns, que se fazem artistas por suas próprias vidas.

O eixo Cartografias Culturais Transmidiáticas re-alizou oficinas de Digital Storytelling em comunidades parceiras no Vale, nas quais se encontram os grandes mestres artesãos, com a finalidade de registrar, siste-matizar e difundir o discurso coletivo das comunidades sobre os saberes intergeracionais. A ideia de cartografia cultural remete para a estruturação de um grande mapa do que é feito em cada região, onde estão os mestres de ofício, quem são eles e quais são as expressões ar-tísticas com as quais eles trabalham. O saber se torna intergeracional na relação do jovem que registra e do mestre de ofício que relata. O projeto atua por meio de dois eixos: o registro da história e a formação de jovens. São localizados e mapeados os mestres artesãos e são oferecidas oficinas de metodologia e capacitação para que moradores da própria região possam, sendo conhe-cedores das histórias desses mestres, fazerem o regis-tro. Assim, o projeto não se limita a um registro pontual, mas se propõe a incentivar e provocar a própria região a escrever e gravar sua história.

Os principais produtos desse projeto, atualmen-te, são o Museu Virtual e a produção de uma série de DVDs e livretos sobre os mestres artesãos. O Museu

Virtual dos Saberes e Memórias dos Mestres de Ofício do Vale do Jequitinhonha é um dos produtos propos-tos pelo projeto com o objetivo de oferecer um espa-ço de produção, difusão e de compartilhamento das informações produzidas, fazendo com que essas circu-lem e signifiquem. A proposta do Museu Virtual é ser um ambiente aberto e cooperativo para que histórias de sujeitos comuns ganhem espaço. Já a série de DVDs e livretos surgiu da necessidade de que os sujeitos que disponibilizam as informações também tenham acesso ao conteúdo.

Saberes e Memórias dos Mestres de OfícioO Programa Saberes Plurais em Conexão apresen-

tou no dia 30 de janeiro, em Araçuaí, no Centro Cultural Luz da Lua, um DVD e um livreto sobre a mestre de ofício Josefa Alves dos Reis, a Zefa, que integram o Museu Vir-tual dos Saberes e Memórias dos Mestres de Ofício do Vale do Jequitinhonha.

A mestre artesã Zefa nasceu em Poço Verde, Ser-gipe, em 1925, e migrou para Araçuaí, Minas Gerais, em 1962. Começou fazendo esculturas em barro, peças rústicas e originais. Após três anos muito criativos, Zefa largou o barro e passou a trabalhar a madeira disponí-vel na região, esculpindo com traços firmes e originais suas obras. Zefa é ainda contadora de caso e benzedei-ra. Possui peças nas mãos de colecionadores em vários países.l

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No fim da rua, o Rio Jequitinhonha corria manso, refletindo a lua cheia. No silên-cio do Bar do Zé Ameixa, já fechado, um mundo misterioso tece histórias entre os caibros e as velhas telhas.

Há quanto tempo estou nesta teia? Ninguém sabe. O que sei, é que daqui posso observar os boêmios habituais, os bêbados de dia de feira e a confraria diá-ria; Bebel Galo, João e Zé Ameixa, o dono do bar e os boêmios esporádicos que têm medo da esposa. Mulher raramente entende por que um bar, um copo, uma bebi-da gelada e um papo amigo conseguem atrair tanto seus amados. O tempo do bar é outro, por isso não adianta fazer mil conjecturas e suspeitas inúteis. O relógio do bar é o papo e o ponteiro é o copo. Mulher tem ciúme de bar, salvo as apaixonadas que passam a usufruir jun-to com seus amados desse paraíso etílico. Mulher sen-tou em bar, vira musa. E só existe um tipo de boêmio: O fino. Boêmio grosso é bicudo, pertence ao inferno etíli-co e se enrola na teia de si mesmo.

Eu, mais do que ninguém sei que a vida é uma teia de aranha onde a gente vai se enroscando. Digo isso porque aranha de bar escuta coisa que até Deus duvi-

da. Nisso eu tenho uma vantagem sobre os homens: sei escutar. Zé Ameixa, também. Porque, na verdade, é no bar que os homens se confessam. Mesa de bar é con-fessionário, lugar de desabafo. Se pusesse um padre do outro lado do balcão os pecados sairiam sem carecer perguntar nem insistir - e o que é melhor, com detalhes e “mea culpa” assumida: “Fui eu seu padre, fiz porque sou safado e vou fazer de novo”.

Meu nome é Amexilda, vou morar nessa teia até morrer - ou se der a loucura de Zé Ameixa dar uma de moderno e querer pintar o bar limpando o azul tradicio-nal e as teias históricas que já fazem parte da geografia decorativa desse lugar (mas sei que Bebel Galo e João não vão deixar). Minhas teias dão sorte e um ar de inti-midade caseira e familiar, principalmente essa em que moro há muito tempo.

O Bar do Zé Ameixa é espaço democrático, po-lítico, aristocrático. Intimidade aqui é pra poucos, é pre-ciso cursar “Zéameixologia Botequineira”. Nisso Bebel Galo e João são pós-doutorados. Frequentar um bar é uma coisa, beber o bar é outra. Para beber o bar é preci-so entender o lugar, suas regras, suas manhas, seus bo-êmios. Assuntos que podem e não podem ser tratados

No bar do Zé Ameixast

Uma crônica de Fernando Limoeiro

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explicitamente e, sobretudo, saber chegar. Sair, todo mundo sabe: é “trupicando.” Ah! E é preciso falar bai-xo. Todo bêbado tem dois problemas: Repetir assunto e falar alto. Para o bicudo todo mundo é surdo e sem memória. O bom é que o outro bicudo também nem ouve, nem lembra, é a lei da compensação.

Num bar se conversa de tudo, a alma e os costu-mes da cidade são passados a limpo e com humor, não escapa nada! E triste de quem sair primeiro, a orelha queima e o chifre também. Mas é preciso deixar claro que o segredo do sucesso de um bar está no dono. Nem precisa ser simpático e polido como Zé Ameixa, pode ser sistemático, de pouca intimidade, pão duro, mas tem que ter carisma e sobretudo saber escutar. E, de preferência, beber noutro bar. Dono de bar que bebe mais do que o cliente, disputa o estoque e, é claro, o fracasso senta-se à mesa e bebe com ele até a falência derrubá-lo. Nada mais triste do que um bar que fecha. Boêmio órfão fica sem pouso e sofre dobrado. Até ele encontrar outro bar que se adeque às suas manias e ao seu jeito de beber, até formar outra turma, é uma mara-tona, um rally cruel no deserto etílico.

Bar não precisa de luxo, precisa de limpeza na

medida, (sem ser antisséptico) cerveja gelada, pinga boa, tira gosto criativo e feito na hora. No bar se bebe o papo, o amigo, se bebe a amada, se bebe o riso e a tris-teza, o nascimento e a morte, a poesia e o nada. Mágoa de bar sai na urina. Ah! A delícia de jogar conversa fora, sem compromisso nenhum, nem mesmo com a verda-de, a verdade do bar só vale no bar, passou do bar pode até virar mentira. No bar só não se bebe o vazio, porque logo alguém solidário preenche sua alma como se faz com o copo.

Tudo isso eu, Amexilda, aprendi aqui, nessa ci-dade de Jequitinhonha, do alto da minha teia, no Bar do Zé Ameixa. Daqui eu teço a felicidade etílica e efêmera que só os velhos bares podem oferecer às aranhas e aos boêmios de bom coração. Pois no coração de todo bêba-do mora uma mágoa secreta querendo anestesiar-se no afeto do outro e no silêncio da garrafa.

Já é madrugada, o bar está fechado. Tenho qua-se certeza que Zé Ameixa foi descansar. Agora posso descer da minha velha teia até uma mesa, rondo um copo com resto de pinga, “entorto a teia e grito: “Viva o Bar do Zé Ameixa! Viva os bares onde vivem a alma e as histórias genuínas do povo brasileiro!”. l

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