educaçao, memória e resistencia popular na formaçao social da al

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    Educao,memria e resistncia

    popular na formaosocial da Amrica Latina

    Carmen Rejane Flores WizniewskyLeonice Aparecida de Ftima Alves Mourad

    Organizadoras

    Porto Alegre2016

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    dos autores1 edio: 2016

    Projeto grfico: Jadeditora Editorao GrficaEditorao: Rafael Marczal de Lima

    Conselho Editorial:

    Csar Alessandro Sagrillo Figueiredo (UFRGS)

    Cntia Ins Boll (UFRGS/MEC)

    Graziele Ramos Schweig (UFRGS)

    Jos Rogrio Lopes (Unisinos)

    Leandro Raizer (IFRS)

    Luiza Helena Pereira (UFRGS)

    Mauro Meirelles (Unilasalle)

    Thiago Ingrassia Pereira (UFFS)

    Valdir Pedde (Feevale)

    Valria Aydos (UFRGS)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)J93m Educao, memria e resistncia popular na formao social da Amrica

    Latina / Carmen Rejane Flores Wizniewsky, Leonice Aparecida deFtima Alves Mourad, organizadoras. Porto Alegre : Evangraf,2016. 319 p. : il. ; 21 cm

    ISBN 978-85-77727-858-0

    1. Educao rural - Amrica Latina. 2. Amrica Latina - Aspectos

    sociais. 3. Amrica Latina - Aspectos econmicos. 4. rabalhadoresrurais - Educao. 5. Resistncia popular. 6. Educao ambiental.7. Agroecologia. I. Wizniewsky, Carmen Rejane Flores. II. Mourad,Leonice Aparecida de Ftima Alves.

    CDU 37.018.51(7/8=6)CDD 370.19346098

    (Bibliotecria responsvel: Sabrina Leal Araujo CRB 10/1507)

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    SUMRIO

    PARTE 1 - FORMAAO SOCIAL E AGRICULTURAS NA AMRICA LATINAEXPERINCIAS E PERSPECTIVAS NA FORMAO SOCIAL DA AMRICALATINA

    EXPERINCIAS E PERSPECTIVAS NA FORMAO SOCIALDA AMRICA LATINA ......................................................................................... 12

    Silvio Caccia Bava

    ATUALIDADE DA REFORMA AGRRIA BRASILEIRA ........................................ 29Bernardo Manano Fernandes

    TRABAJO, CAPITAL Y CAMPESINADO EN AMRICA LATINA .......................... 66Ana Domnguez

    CAMPESINATO NA AMRICA LATINA .............................................................. 78Leonice Aparecida de Ftima Alves Mourad

    PARTE 2 - EDUCAO DO CAMPO

    PENSANDO A EDUCAO DOS CAMPONESES .............................................. 88Roseli Salete Caldart

    EDUCAO DO CAMPO: DESAFIOS PARA AS ESCOLAS PBLICAS ............ 111Maria Antonia de Souza

    EDUCAO DO CAMPO, DESAFIOS E PERSPECTIVAS ................................. 137

    Rosa Maria Vieira Medeiros e Jaime Fogaa

    ALTERNANCIAS EDUCATIVAS EM FOCO: CONCEPES, PRTICAS EDESAFIOS NA CONSTRUAO DA EDUCAO DO CAMPO ......................... 145

    Lourdes Helena da Silva

    O MTODO DA PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA COMO POSSIBILIDADE DEEDUCAO DO CAMPO: MODELOS E PRTICAS EDUCATIVAS.................. 162

    Maria de Lurdes Bernartt, Letcia Cristin1a Antunes,Nayara Massucatto, Giovanna Pezarico e Leonel Piovezana

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    PARTE 3 - AGROECOLOGIA, CONHECIMENTOS E AUTONOMIA

    AGRICULTURA ECOLGICA Y DECRECIMIENTO ECONMICO: UNAPERSPECTIVA AGROECOLGICA ................................................................... 197Manuel Gonzales de Molina

    CONSERVANDO SABERES CAMPONESES: A EXPERINCIA DOS GUARDIESDAS SEMENTES CRIOLAS DE IBARAMA/RS ................................................... 241

    Carmen Rejane Flores Wizniewsky, Lia Rejane Silveira ReinigeKelly Perlin Cassol

    TRANSIO AGROECOLGICA: LIMITES E POTENCIALIDADES NAPERSPECTIVA DE AGRICULTORES FAMILIARES ............................................ 258

    anny Oliveira Lima Bohner, Nayara Pasqualotto eJose Geraldo Wizniewsky

    PARTE 4 - CONHECIMENTO, VIVENCIAS E EXPERINCIASNA EDUCAO DO CAMPO

    AGRICULTURA TRABALHO E MOVIMENTOS SOCIAIS ................................. 284

    Janete Webler Cancelier, atiane Almeida Netto eMarilse Beatriz Losekann

    A ESCOLA DO CAMPO: INDICADORES E DESAFIOSNA BUSCA POR UMA EDUCAO DE QUALIDADE ...................................... 306

    Joo Silvano Zanon, Kelly Perlin Cassol e Lucinia Lourenzi

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    APRESENTAO

    O SIFEDOC em sua primeira edio constituiu-se

    tomando como pressuposto uma ao pedaggica que pretendeu

    ser aglutinadora, diagnstica, judicativa e propositiva. Sua

    proposio e organizao esteve diretamente relacionada s

    categorias analticas relacionadas a totalidade, a historicidade

    e a contradio, com vistas a instrumentalizao dos embates

    que invariavelmente se apresentam em nosso cotidiano, com

    especial destaque ao impacto desse contexto nos espaos

    rurais. Na primeira edio do evento, realizada na cidade de

    Pelotas- RS entre os dias 12 a 14 de novembro de 2012, tendo

    cujo tema central foi Campo e cidade em busca de caminhos

    comum possibilitou-se pensar a poltica e a educao, dizer eouvir relatos e diagnsticos que em outros espaos no teriam

    visibilidade. A partir da constatao de que vivemos sob a gide

    do Modo de Produo Capitalista que, na atualidade, cada vez

    mais internacionalizado, traz mudanas profundas no padro de

    acumulao do capital, na forma de obteno da hegemonia e nas

    possibilidades de organizao e resistncia dos trabalhadores,

    quer no campo quer na cidade, o processo de reflexo propiciou

    a identificao de alguns ncleos centrais de assertivas no que

    diz respeito, principalmente, ao movimento da educao, que

    sempre contraditrio e situado historicamente. Essas afirmativas

    indicam que: a) o compromisso com os trabalhadores coloca

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    no horizonte a busca da educao como formao humana

    omnilateral; b) a tendncia de aprofundamento da educao

    como mercadoria latino-americana, sendo que os pasespermanecem, em maior ou menor grau, em uma situao de

    dependncia em relao aos centros hegemnicos de poder quer

    aqueles localizados nos pases de capitalismo mais dinmico quer

    aquele das agncias multilarais; c) as experincias educativas

    mais avanadas e que se orientam em um esforo de contra-

    hegemonia ocorrem nos espaos dos Movimentos Sociais; d)

    o Estado resultante da condensao de foras presentes na

    sociedade civil e a poltica pblica, que invariavelmente pende

    para os interesses do capital, constitui-se em espao de disputa

    por recursos pblicos e projetos; e) a escola pblica e os espaos

    no formais de atuao podem ser locus de resistncia; f) na

    atualidade a escola pblica cada vez mais a escola para os

    empobrecidos, quer no campo ou na cidade, sendo-lhe atribudofunes referentes a soluo que o Estado no resolve e que

    provocam 7 descontentamento na sociedade; g) os processos

    educativos concebidos para tensionar perspectiva hegemnica

    devem, necessariamente, ter a participao efetiva da coletividade

    concebida em seu sentido ampliado; f) por fim, para alm das

    especificidades dos diferentes grupos sociais participes desteprocesso, a unidade campo e cidade se efetiva necessariamente

    pela pertena dos mesmos a classe trabalhadora. A importncia

    da realizao o II SEMINRIO INERNACIONAL E FRUM

    DE EDUCAO DO CAMPO, est diretamente relacionada

    a sua proposio enquanto atividade que j se constituiu como

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    triangulao de Universidades, Movimentos Sociais Populares

    e escolas na composio das coordenaes regionais e no

    seminrio internacional cuja principal finalidade diz respeito aarticulao, sistematizao, debate e socializao de propostas

    e experincias atinentes a adequada implementao de uma

    educao do campo e da cidade, explicitamente comprometida

    com a transformao do status quo vigente, no sentido de pensar

    processos educacionais que garantam a autonomia e o potencial

    transformador da classe trabalhadora. O tema escolhido para asegunda edio do evento foi Educao, memria e resistncia

    popular na Formao social da Amrica Latina, apresentando

    reflexes que problematizem e proponham com base em

    experincias concretas implementadas na Amrica Latina o

    que pode ser denominado de memria de resistncia, na qual

    aspectos de natureza educacional foram e so fundamentais para

    o tensionamento/enfrentamento, protagonizados por segmentospopulares aos modelos hegemnicos de educao, economia,

    poltica e organizao social. A centralidade da memria de

    resistncia na atualidade e de sua necessria articulao com

    debates educacionais, decorre de um esforo dos movimentos

    sociais populares no sentido de dar organicidade s inmeras

    experincias alternativas e/ou de resistncia vivenciadas nasltimas dcadas.

    O SIFEDOC caracteriza-se como um espao permanente de

    produo terica e de anlise da atualidade e de prticas sobre a

    Educao do Campo, visando qualificar os processos educativos

    na direo de uma educao que v ao encontro dos interesses dos

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    trabalhadores, quer acontea na escola pblica ou nos espaos no

    formais.

    Alm dos textos disponibilizados nos Anais do Evento

    a Comissa Organizadora do II SIFEDOC disponibiliza nessa

    coletnea reflexes e sistematizaes prioritariamente decorrentes

    dos apontamentos e aprofundamentos viabilizados pelas mesas e

    conferencias realizadas no referido evento.

    Cabe destacar que os textos agora disponibilizados no se

    restringem a reproduo das intervenes, sendo produto daquelainterveno, acrescida de debates e contribuies possibilitadas

    pela prpria dinmica do evento. Os organizadores dessa coletnea

    preocuparam-se em garantir uma sistematizao ampliadas das

    temticas propostas, sendo importante salientar que o leitor

    encontrar, alm dos captulos tericos e metodolgicos, snteses

    das discusses realizadas nos grupos temticos.A escolha por essa configurao decorre da compreenso

    da necessria sistematizao e memria dos diferentes sujeitos

    e espaos presentes no II SIFEDOC, visto que so recorrentes

    manifestaes no sentido de experincias e vivncias que

    acabam por se perder por ausncia de registros. Agregado a essa

    necessidade optou-se pela publicao dessa coletnea em formato

    e e-Book, uma vez que imaginamos que dessa forma a circulao

    e difuso do mesmo atingira, inegavelmente, um numero

    substantivo de pessoas e instituies, visto que nosso objetivo e

    potencializar e instrumentalizar as reflexes contidas nesse livro

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    de tal forma a fomentar e complexificar as discusses acerca da

    educao do campo.

    Essa coletnea foi organizada em quatro blocos:

    No primeiro bloco Formao Social e Agriculturas na

    Amrica Latina no qual os autores apresentam discusses e

    formulaes acerca da constituio scio-histrica do continente,

    priorizando como agente social os camponeses em sua diversidade

    tnica-social.

    O segundo bloco, Educao do Campo apresenta

    experincias e reflexes educacionais, quer no espao escolar, quer

    no espao no escolar, tambm evidenciando o protogonismo de

    sujeitos histricos recorrentemente invisibilizados.

    O Bloco Agroecologia, Conhecimentos e Autonomia

    disponibiliza apontamentos de natureza terica e metodolgica,

    sobre propostas contra-hegemnicas a agricultura convencional

    e/ou empresarial, evidenciando a complexidade e alcance da

    articulao resultante do ethos campons.

    Por fim o leitor encontrar o bloco Conhecimento,

    Vivncias e Experincias na educao do Campo que sistematiza

    as apresentaes e debates ocorridas durante a realizao do II

    SIFEDOC.

    O I SIFEDOC considera-se como espao-tempo de

    socializao de experincias, explicitao e aprofundamento

    terico e prtico, que se efetiva por meio do trabalho 8 de muitos

    que se comprometem com a educao dos trabalhadores do

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    campo e da cidade. A proposio da continuidade permite que

    esse evento, j reconhecido, em razo de sua contribuio para

    a rearticulao de uma concepo de campo que se coloque,sem rodeios, medos, titubeaes, ao lado de uma educao de

    qualidade para os trabalhadores.

    As organizadoras

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    Formaao sociale agriculturas

    na Amrica Latina

    Parte 1

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    EXPERINCIAS E PERSPECTIVAS NA

    FORMAO SOCIAL DA AMRICALATINA1

    Silvio Caccia Bava

    Ns ltimos anos tenho participado de vrios debates noBrasil e fora do Brasil, pensando a realidade brasileira e latino-americana, buscando alternativas, analisando e buscando soluespara os nossos problemas. H pouco tempo atrs eu estive, porexemplo, na Bolvia, em Santa Cruz de La Sierra, num seminrio.Era uma igreja que foi transformada num centro cultural. Oseminrio aconteceu l dentro e vieram das distintas partes daBolvia grupos de populaes originrias, indgenas. E eles ficaramdois dias inteiros prestando ateno e participando dos debates.E eu me perguntava como, se no fundo essa gente no tem essehbito, no tem essa prtica, so trabalhadores rurais, como elesse dispem a ficar tanto tempo nisso, um enorme esforo. E elesrespondiam: pues, es nuestra vida, es nuestro pas, es nuestrofuturo que estamos a discutir.

    Existe, no mundo, um acmulo, existe uma infinidadede lutas, de movimentos, que atuam e discutem e que soinvisibilizados num certo sentido. No so cobertos pela mdia,no chegam ao conhecimento do espao pblico, mas estoacumulando, esto refletindo, esto pensando. E isso se traduzpara mim num desafio desde j: para defender nossa concepo

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    de democracia, to valorizada por ns, preciso que nstenhamos a capacidade de sistematizar, analisar, debater, difundir

    todos esses dilemas, contradies, problemas, dvidas que nstivermos. Mapear isso significa produo de conhecimento. E esteevento elemento chave para poder avanar o progresso social,a democracia, a igualdade, a justia social, todas essas fronteirasque ns temos.

    Quero contar para vocs uma coisa que aconteceu hexatamente um ms. Depois de alguns anos de preparao, com

    o envolvimento de 1800 entidades, associaes de moradores,sindicatos, movimentos sociais, escolas, aconteceu no Brasiluma consulta popular. E foi de 1 a 7 de setembro de 2014, ondea pergunta era: Voc favorvel a um plebiscito que defina umprocesso constituinte autnomo e independente para a reformado sistema poltico brasileiro? Sete milhes setecentos e cinquentae quatro mil pessoas votaram. Mil e setecentas atravs da internet,tendo que dar RG, CIC, essas coisas, e as demais em quarenta milurnas que foram distribudas em todo o Brasil. Destes votantes,97% era a favor de uma constituinte independente para a reformado sistema poltico. Eu acho isso um ato importante no cenriopoltico. Principalmente num momento como este em que nsestamos num processo de divises, num perodo eleitoral, numperodo onde os caminhos do Brasil esto sendo disputados e otema da reforma poltica est presente.

    Eu acredito que poucos de vocs sabiam disto. E aqui nsestamos em meio a pessoas que esto comprometidas com essaluta pela democratizao. Imaginem aqueles que no fazem partedessas redes. Ficam sem saber. E essa informao fundamentalpara se manter as disputas pela reduo das desigualdades, asdisputas pelo combate opresso.

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    Precisamos compreender porque que ocorre esse silncio,porque ocorre a contrao do espao pblico, porque ocorre

    a criminalizao dos movimentos sociais? Por que temos umamaioria que defende a pena de morte ou a reduo da maioridadepenal? Por que existe um alinhamento da mdia que pretendemostrar um Brasil violento, aos cacos, que as nossas leituras noconfirmam?

    O Brasil tem um vigor democrtico que faz invejaaos outrospases e num certo sentido vai na contramo do que acontece

    no mundo. Se vocs estivessem participando de alguns frunsinternacionais de debates, o cenrio mundial no dos melhores, um momento de crises agudas e de uma onda conservadora.A Amrica Latina vista como o continente da esperana. vista como o continente que quinze anos atrs comeou a elegergovernos que desbancaram as elites. Vamos falar de governos denovo tipo, evitando entrar numa discusso se so ou no governosde esquerda, mas a Amrica Latina trouxe uma novidade. Atravsdo voto as maiorias desalojaram as elites do poder em vriospases. Hoje 60% da populao latinoamericana est vivendoem pases cujos processos de transformao so importantes, temnovas constituies, tem condies para sustentar passos maisavanados de mudanas.

    Ns temos tambm que considerar a nossa herana, onosso passado. Que tem muito em comum entre os pases daAmrica Latina. E a um dos elementos fundamentais dessadiscusso a questo fundiria, o latifndio. So essas classesdominantes agrrias que tem peso enorme na Amrica Latina eque determinam esse processo de produo da excluso social, oprocesso de produo da pobreza. Isso no natural. Isso no porque Deus quis.

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    Na Argentina, 2% dos proprietrios rurais controlam 70%das terras cultivadas e 57% das propriedades rurais ficam em 3%

    do territrio. Dessas terras cultivadas mais da metade hoje produzsoja para exportao. No Brasil no diferente. Ns temos 4,4milhes de proprietrios rurais numa rea de 380 milhes dehectares. 1% dos proprietrios ocupam 50% das terras. 5 milhesde antigos agricultores ficam sem nada e passam a se organizarnos movimentos dos sem terra. 27 mil grandes estabelecimentosproduzem 51% do valor em 2006.

    No Chile meio por cento, ou seja, 1430 pessoas, controlam71% das terras cultivadas. Os projetos de grandes empresasflorestais controlam mais 10% e 277 mil pequenas propriedadesdividem 30% das terras cultivadas.

    No Paraguai 2% das propriedades tem 85% das terras. Lexistem 300 mil sem terra e uma presena forte dos brasileiroslatifundirios que estenderam as suas plantaes de soja para

    o Paraguai. H brasileiros com mais de 100 mil hectares de sojaplantados. Aproximadamente 2400 proprietrios tm metade dasterras e 2 milhes e duzentos mil proprietrios detm 7% das terras.

    De uma maneira geral na Amrica Latina 31% da populaorural so camponeses sem terra e 38% da populao rural sopequenos proprietrios. Se vocs somarem os dois ns temos70%. Isso quer dizer que o plano de partida da nossa discusso considerar a herana colonial. Mas tambm mostra que asestruturas no se modificaram ao longo do sculo 20. Ns notemos conhecimento de grandes reformas agrrias. Este o pontode partida.

    Nos anos 90 ns vamos comear a ver uma mudana nocenrio internacional, no comrcio internacional, no sistema detroca entre os pases. a implantao de um modelo neoagro

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    extrativista de desenvolvimento. O que isso? A escassez dematrias-primas e de alimentos em vrias partes do mundo,

    especialmente na China, vai criar uma demanda por commoditiesque ir modificar o modelo de desenvolvimento, ou crescimentoeconmico melhor dizendo, dos pases da Amrica Latina e dafrica. Ns estamos falando da produo em grande escala desoja, de milho, carnes, de acar, lcool, celulose da madeira, caf,minrios de ferro, bauxita, alumnio, explorao do petrleo. Paraatender esta demanda h grandes investimentos em infraestrutura,

    por exemplo, megaprojetos de gerao de energia hidreltricapara poder alimentar a explorao mineral, processo esse queresulta para a Amrica Latina na reprimarizao da sua economia.Aquele processo de industrializao que nos habilitava a suprirnosso mercado interno e a exportar produtos com maior valoragregado est regredindo, estamos nos tornando exportadores dematria primas.

    No caso do Brasil, por exemplo, isso muito pouco visvel,o pas passou de 50 bilhes de dlares de exportaes em 1999para 250 bilhes em 2012. Mas no disseram isso, os produtosprimrios crescem nas nossas exportaes ao mesmo tempo emque decresce relativamente a produo industrial, que tem maiorvalor agregado. Aqui h um ponto importante, ns temos quedebater isso.

    O que aconteceu que permitiu essa reprimarizao? eriamse constitudo novos atores polticos que defendem esse modeloagroextrativista exportador?

    A produo de soja para exportao, por exemplo, demandahoje grandes extenses de terra e provoca uma maior concentraofundiria, expulsando os pequenos agricultores. Essa forma deexplorao mecanizada, requer mo de obra especializada,

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    no absorve a mo de obra local; capital intensiva, pois requergrandes investimentos e so poucos os grupos que tem essa

    condio; demanda do Estado todo um investimento em estradasde ferro, silos, portos, contrata grandes navios, e gasta uma grandequantidade de combustveis para levar seu produto at a China.Alm de contaminar com agrotxicos todo o territrio, seu lucrono fica no Brasil, vai para o circuito internacional. Isso vale paraa minerao, para a explorao do petrleo, para a produo degado, etc.

    udo isso s pode ser feito por grandes companhias, grandescapitais, para grandes mercados. E o resultado financeiro dessetrabalho aspirado para um circuito internacional, essa riquezano fica no territrio que explorado.

    A necessidade de infraestrutura para atender esse modelo dedesenvolvimento, se podemos chamar assim, explica o que o IRSA,o plano de integrao de infraestrutura e de energia da Amrica

    Latina. So portos, estradas, usinas hidreltricas que permitem aintegrao na Amrica Latina e o acesso do Brasil ao Pacfico.

    Aqui precisa ser considerado um tema importante: ahegemonia do Brasil; Mercosul, Unasul, so iniciativas lideradaspelo Brasil na busca de constituir um bloco que possa se integrarcada vez mais e se ser um ator internacional com maior autonomia.

    A leitura do ponto de vista que nos interessa que este

    processo est gerando a expulso do pequeno proprietrio rural,est gerando os sem terra, a mo de obra local no absorvida,porque ela no tem a especializao, as cidades se enchem defavelas. A regio sofre o impacto dos agrotxicos, da exploraodos recursos naturais, e a questo da gua est se tornando umelemento cada vez mais importante das discusses.

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    Eu vivo em So Paulo e ns estamos sendo avisados de queno vai ter gua para consumo humano, que no ultrapassa 8%

    do consumo de gua total, porque a explorao predatria desserecurso pelo agroextrativismo, nas novas escalas requeridas, etambm pelas indstrias, no nos deixa alternativa.

    Este modelo de desenvolvimento est aprofundando umaestrutura de desigualdade na distribuio da propriedade e darenda e eu quero trazer alguns elementos para vocs da AmricaLatina que nos identificar, porque esta realidade que ns vivemos

    aqui muito parecida com a realidade dos outros territrios.Eu tentei agrupar esses dados que so da CEPAL, de 2011.

    bem recente, acabou de sair. em um bloco de pases comcaractersticas mais ou menos semelhantes. Brasil, Chile, Colmbia,Guatemala, Honduras, Paraguai, Repblica Dominicana. Os 10%mais ricos, tem 40% da renda total. E os 40% mais pobres entre11 e 15% da renda total. Aqui inclusive tem um pulo do gato. Ns

    estamos falando da renda, no estamos medindo a concentraoda riqueza. Esse tipo de critrio no pega essa referncia. Para se teruma ideia, no Brasil os 10% mais ricos ficam com 73% da riqueza.

    Ns podemos dizer com certeza que, com base na dinmicado neoextrativismo, a desigualdade est aumentando em toda aregio, mesmo com o discurso da CEPAL, do Banco Mundial, queressaltam a diminuio nas diferenas de renda, e dizem que adesigualdade est se reduzindo.

    Ns estamos falando, da relao capital e trabalho. Nsestamos falando de uma estratgia de desenvolvimento que temum nico objetivo: aumentar o lucro das grandes empresas. para isso que serve as estratgias de desenvolvimento que estosendo implementadas na Amrica Latina hoje.

    Essa a lgica geral e dominante. Mas dependendo do grau

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    de organizao da sociedade e da dinmica da democracia localsurgem iniciativas que envolvem algum tipo de distribuio. No

    caso, por exemplo, das nossas transferncias de renda, bolsa famliae tudo o mais, isso d meio por cento do PIB. No muda a lgicageral. E o desenho desse modelo internacionalizado global essaestratgia de inserir a Amrica do Sul numa economia globalizadade modo absolutamente coerente com a lgica neoliberal. Aregio fornecedora de produtos agrcolas, matrias primas erecursos energticos para o centro dinmico do capitalismo.

    Isso aumenta a dependncia da Amrica do Sul em relao aosmercados centrais, agrava os desequilbrios dos pases da regioe no interior de cada um desses pases, e acelera a explorao dosrecursos naturais, valiosos, em prejuzo das geraes futuras.

    A Amrica Latina a nica parte do mundo que est setransformando para melhor. Em muitos de seus pases, atravsde eleies, as maiorias destronaram as elites do governo epromoveram polticas de mudana, sendo a mais importante asConstituintes, e nelas o reconhecimento dos direitos de cidadania,a criao de espaos de participao, a orientao das polticaspblicas para a universalizao de polticas sociais.

    Ns ainda no podemos nos aprofundar muito nisso, maso primeiro pacto, vamos chamar assim, dessas mudanas queesto ocorrendo na Amrica Latina que chama a ateno detodo mundo o seguinte: foi o nico continente do mundo queconseguiu reduzir a pobreza nessas ltimas duas dcadas. odosos demais na sia, na frica, na Europa, nos Estados Unidos,aumentaram a pobreza. No estou falando da desigualdade, estoufalando da pobreza.

    E a comeam as surpresas. Como que um monte de gentede tal forma dominada pelas elites consegue se opor e enfrentar

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    eleitoralmente seus dominadores? O que que aconteceu que de15 anos para c no mais isso que se repete?

    Na Venezuela, no Brasil, na Bolvia, no Equador, naArgentina, no Uruguai, no Chile, no Paraguai, na Costa Rica,na Nicargua, se elegeram governos que pelo menos no so acontinuidade das elites.

    Em alguns casos, como o da Costa Rica e do Paraguai, essesgovernos foram derrubados por golpes de Estado. E outros golpesforam tentados na Venezuela, no Equador, no Brasil. Mesmo com

    essas presses existe a continuidade de um processo de mudanaque consegue elaborar algumas estratgias interessantes que nsvamos debater.

    Em alguns casos, e eu estou colocando o Brasil tambm nomeio, com a constituio de 1988, foram feitas novas constituies,que significam novos pactos sociais numa nova correlao deforas, novos direitos ampliados para as maiorias. Ento alguma

    coisa comea a se mover.Numa perspectiva bastante, se vocs quiserem, gramisciana,

    da importncia que tem a sociedade civil organizada para mudar apoltica, para mudar a viso de mundo, para mudar a realidade,.euqueria trazer para vocs alguns elementos que so invisibilizadosna Amrica Latina, tal qual a nossa consulta sobre a reformapoltica.

    Eu durante alguns anos tive o privilgio de coordenar umarede, a ALOP - Associao Latino Americana de Organizaesde Promoo do Desenvolvimento, 50 ONGs distribudas pelaAmrica Latina e o principal trabalho que ns realizamos napoca, h uns cinco anos atrs, foi fazer o mapa dos conflitos naAmrica Latina.

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    odos os centros associados da ALOP no seu pasidentificavam quais eram os principais conflitos ocorridos, e como

    que se estruturavam, quais as foras sociais e polticas que deramsuporte a isso. Com esse trabalho comeou a aparecer um mapados conflitos com uma lgica continental. No possvel perceberessa lgica se voc olhar um s pas. No possvel voc perceberessa lgica se voc olhar um s tema. Mas se ns olharmos quaisso as principais manifestaes sociais, quais so as principaislutas populares, quais so as principais demandas, como estas de

    junho de 2013 no Brasil, ns vamos identificar uma agenda. Porexemplo, Panam, Guatemala, Honduras, Peru, Equador, Bolviae Chile tem mobilizaes contra a concesso de explorao sgrandes empresas mineradoras transnacionais exploradoras deminrios nos seus pases.

    Em alguns lugares o enfrentamento foi para a nacionalizaodo petrleo, como foi na Bolvia, inclusive com a ocupao militarda refinaria da Petrobrs l. Na mesma chave, nesta poca houvea disputa pela renda petroleira na Venezuela. Em 2006 Bolvia eEquador nacionalizam o petrleo, em 2010 a Argentina faz o mesmo.

    Vamos ver a luta pela reforma agrria, o MS aqui no Brasil, um exemplo mundial de movimento social nessa rea. H lutapela reforma agrria tambm no Paraguai e na Bolvia.

    Uma indicao importante e inovadora dos desdobramentosda crise poltica criada pelo golpe de Estado foi criao, noParaguai, at como resposta queda de Lugo, de um novo partidopoltico: o Movimiento al Socialismo Paraguay. Eu tive o prazerde conhecer esse partido novo. em uma estrutura de ncleosparecida com o P no comeo e tem 35 mil militantes hoje emdia. Extenso direta dos movimentos sociais.

    Num pas como o nosso, o Brasil, que tem 85% da sua

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    populao urbana, a primeira necessidade das maiorias assegurarseus direitos, sem ter de pagar por eles. a defesa dos bens

    pblicos. Aquilo que a sociedade como um todo decide, a cadamomento, assegurar para todos. Luz, gua, transportes coletivos,internet, lazer, cultura, segurana pblica, entre outros, podem seconverter em bens pblicos comuns, de acesso universal e gratuito,com qualidade e controle social. Um enorme movimento parasuperar as desigualdades. Os custos destes servios no seriammais do usurio, seriam cobertos pelos impostos pagos por todos.

    As lutas para a conquista dos bens pblicos esto adquirindouma expresso muito grande e simblica. H dez anos na guerrada gua em Cochabamba, na Bolvia, os moradores da cidadeexpulsaram a multinacional que explorava a distribuio de guana cidade. Essa vitria tem uma importncia enorme. Prova quese pode ganhar.

    Um bem pblico comum um bem de todos, no

    propriedade de ningum, e, portanto, tem que ser gerido peloEstado na perspectiva da defesa do interesse pblico. Se esse bempblico comum, ele no mercadoria, no se pode cobrar por ele.

    E a lembramo-nos das manifestaes de junho de 2013,onde, vinte centavos (R$ 0,20) deflagrou uma manifestao quesurpreendeu a todos. Vinte centavos foi a fasca numa situaoque j estava intolervel para todo mundo. Quer dizer, o custo dotransporte, o custo da sade, o custo de habitao, os impostos apagar e no sei o que mais. E no tem de volta um servio pblicocom qualidade.

    Ainda pensando a agenda dos conflitos na Amrica Latinah uma oposio da populao, por exemplo, na Costa Rica,contra os tratados de livre comrcio com os Estados Unidos. Euassisti l camponeses dizendo o seguinte: se isso acontecer eu

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    no consigo mais colocar no mercado o meu produto. E muitointeressante como um trabalhador rural, que tem um universo

    de circulao relativamente limitado, percebe que se o tratado delivre comrcio for assinado, ele vai ser prejudicado. Isso umarelao local-global muito interessante.

    Ento veja bem, primeiramente estvamos tentandoidentificar uma agenda comum. E a partir do que encontramos meparece que essa agenda de conflitos determinada por uma lgicade resistncias ao avano desse modelo neoextrativista, capitalista,

    de explorao atual, que provocam essas reaes. So reaes dedefesa, gestos de resistncia, so reaes que pretendem ampliar osdireitos e garantir pelo menos que eles no se deteriorem. A essasociedade que se mobiliza, essa sociedade que vota. Acredito queo questionamento sobre essa democracia que ns temos, expressauma demanda de se produzir novas formas de democracia, umademocracia participativa e dos movimentos sociais.

    A partir desse movimento que vem da sociedade e que elegenovos governos ns vamos ento assistir um reposicionamentoda Amrica Latina no cenrio internacional. Um exemplo aprimeira manifestao mais clara foi a rejeio Aliana de LivreComercio das Amricas. Quando na Argentina o presidenteamericano ouviu um sonoro no dos pases da Amrica Latina Alca, isso j era um sinal da luta pela autonomia, pela soberaniada regio, levada pelos movimentos sociais e governos da regio.

    estratgia do Brasil construir uma poltica latino-americana que defende um mundo multipolar. O mundo tem quese organizar a partir de agora por associaes regionais de pasesou associaes de pases com interesses comuns os BRICS, porexemplo para enfrentar qualquer tentativa de uma hegemoniaimposta por uma nica fora.

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    E a pauta da Amrica Latina, e tambm do Brasil, sobreexportaes, foi se intensificando e se diversificando, voltando-se

    para a sia, para a China, frica, foi para vrios lugares, e comisso diversifica seus mercados e garante uma maior autonomiacontinental e uma maior estabilidade frente a crises regionais.

    Nesta nova agenda latino-americana temos tambm aafirmao do interesse nacional e regional e a defesa das riquezasnaturais, recuperao da renda do petrleo.

    E aqui assistimos ao surgimento no ainda de projetos de

    desenvolvimento que tenham se constitudo como polticas deEstado, mas estratgias que consideram a importncia do mercadointerno regional e nacional. Ns no precisamos exportar tanto,existe uma alternativa, h um grande mercado potencial no Brasile na Amrica Latina tambm. Quer dizer a integrao favoreceesse mercado interno, beneficia todos os pases. possvel nodependermos tanto das exportaes das commodities. possvel

    no depender tanto de uma dinmica que est acontecendo dooutro lado do mundo. Se a China parar de crescer na faixa que elaest crescendo o que acontece com as nossas exportaes?

    Essa estratgia de desenvolvimento do mercado interno tema ver com a incluso social e no mercado de consumo de milhesde pessoas que hoje esto margem, alis, como sempre estiveram.Essa uma herana histrica na Amrica Latina.

    Ento para que se aumente o mercado interno precisoaumentar a renda das pessoas para eles comprarem, se elas notiverem dinheiro elas no compram, ento o aumento real dosalrio mnimo, as transferncias de renda, toda uma poltica deaquisio de alimentos, vrias estratgias esto alinhadas paraisso. E na verdade o que exportado no passa de 20% do PIBbrasileiro. A expanso do mercado interno determinante.

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    A China, por exemplo, no est investindo prioritariamentena expanso do consumo individual, est investindo massivamente

    em infraestrutura urbana, metr, saneamento bsico, coisas queficam e que beneficiam a todos. O desenvolvimento pode sedar com a expanso do investimento na infraestrutura. Com asempresas se dedicando a produzir aquilo que interesse comum.

    Por exemplo, muita da gua de So Paulo perdida antesde chegar torneira de qualquer um. em que investir eminfraestrutura, tem que aumentar o metr, tem que melhorar o

    transporte pblico, tem que fazer educao melhor, isso negciotambm. Orientado para a universalizao dos servios pblicos.

    Estou tentando agora apresentar para vocs o lado positivodeste mapa dos conflitos. Primeira coisa que ter que haver ummodelo de desenvolvimento orientado para produzir e garantir obem estar, por exemplo, o investimento em infraestrutura. No anova hidreltrica que vai garantir emprego, nem o processamento

    de minrio, a construo da infraestrutura urbana que garantequalidade de vida. uma maior ou melhor integrao entre orural e o urbano. uma ateno com aquilo que essencial parans, produo de alimentos.

    Para que isso possa se dar ns precisamos criar novas formasde democracia que venham a submeter e orientar a economia aseus valores.

    Eu quero aqui ento lembrar uma fala de um dos pais dademocracia americana, da constituio norte-americana, umhomem chamado James Madison, que tornou-se presidente dosEstados Unidos tambm. Naquela poca, no processo constituintede mil setecentos e oitenta e qualquer coisa, ele dizia assim: ademocracia serve para preservar os ricos e as suas propriedades daspresses redistributivas dos pobres. Naquela poca de ascenso da

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    burguesia e enfrentamento contra as estruturas antigas do regimeanterior, a burguesia lanava mo desse conceito de democracia

    com esse sentido. Com a constituio de sociedades modernascomo as nossas, h uma ideia de que a democracia serve para umanica coisa: para universalizar direitos. Se ela no universalizardireitos ela no serve. uma mudana substancial, umamudana que ns podemos identificar a partir dos conflitos e daideia de que hoje a defesa de direitos sociais e polticos tem umacentralidade na disputa.

    Eu vou arriscar uma hiptese na questo da disputa pelosservios pblicos. Ns no vamos ver mais um conflito to acirradono mundo das relaes trabalhistas. Mudou muito, a tecnologiamodificou hbitos sociais, diminuiu muito certas categorias detrabalhadores. Eu vejo os bancrios, vinte anos atrs e agora.Agora muitas operaes se fazem pela internet, voc vai no caixaeletrnico, usa o celular, isso mudou a configurao de classesocial. No que os trabalhadores no tenham mais importncia,continuam tendo, mas no tm mais a centralidade nos conflitossociais como tinham antes.

    A leitura que eu fao das mobilizaes de junho de 2013, de que elas esto centradas na qualidade dos servios pblicos, nauniversalizao desses servios pblicos, na desmercantilizaodesses servios pblicos.

    Ns temos 6.6 milhes de pequenas empresas no Brasil. No para elas que a lgica de acumulao atual est referida. Estreferida s grandes corporaes. Se o modelo atual est baseadonaquilo que so os circuitos longos de produo e consumo, existeuma estratgia possvel hoje em dia, sem confrontar os donos dopoder, porque ns no temos poder para isso, a defesa dos circuitoscurtos de produo e consumo pode ajudar a construir novos

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    atores polticos, ajudar a fortalecer a novos atores da sociedade.

    O que um circuito curto? Voc produz num determinado

    territrio, explorando as possibilidades e recursos locais,absorvendo a mo de obra local, vendendo l e fazendo circular lessa riqueza gerada.

    Eu quero destacar experincias de articulao entre osmovimentos sociais e de articulao de frentes e fruns como umelemento central para terminar esta discusso.

    A primeira constatao que no mundo que ns vivemos,

    com esse modelo de sociabilidade individualista, competitivo,tudo que uma iniciativa coletiva tende a ser criminalizada, tendea ser combatida. E como ento passar de uma demanda social parauma ao poltica? Como que voc transforma uma demandanuma proposta? Como que voc, de alguma maneira, sai dogueto e debate com a sociedade como um todo as alternativas queesto se desenhando nas reas sociais?

    E eu trouxe alguns exemplos mas eu queria ressaltar aexperincia, por exemplo, do Frum Nacional da Reforma Urbana. um grupo muito heterogneo de atores. Gente dos sindicatos, dosengenheiros, arquitetos, dos trabalhadores em saneamento bsico,tem ONGs, tem movimentos sociais de moradia e outros, temassociaes de favelas, e essa frente, esse frum nacional, foi o lugaronde se encontram essas experincias, esses acmulos, um lugar

    de produo de propostas e um lugar de articulao pblica.Muito rapidamente o frum nacional de reforma urbana

    comea no processo constituinte, em 1987. E garante um captulona poltica urbana na nova constituio, e depois garante umdocumento programtico pelo direito cidade, que o Estatuto daCidade, aprovado como lei, depois ele conquista uma normativade que todos os municpios de mais de 20 mil habitantes

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    precisam fazer planos diretores luz do Estatuto das Cidades, umplanejamento que luta contra a especulao imobiliria e tudo

    o mais. Essa mobilizao contribui para gerar o Ministrio dasCidades, gerar os Conselhos das Cidades, que so organizadosem nvel municipal, estadual e nacional, e o Fundo Nacionalde Interesse Social para financiar moradia popular. Isso geroumudanas polticas muito importantes.

    preciso valorizar esses fruns, como o frum nacionalpela reforma urbana, como espaos da articulao de produo de

    conhecimento, de produo de propostas, de mobilizaes, enfim,de construo de novos atores.

    Eu penso que se ns tivermos uma inflexo na polticabrasileira, uma inflexo conservadora, isso pode ser um elementode desarticulao latino-americana dessa mudana que estsendo gerada nestes ltimos 20 anos no continente. Eu acreditofirmemente que a capacidade que ns temos, enquanto sociedade

    civil, de nos manifestarmos, tem fora suficiente para conseguirtrazer essa nova agenda para o centro do debate pblico.

    Precisamos fazer o que vocs esto fazendo aqui. Debaterexperincias inovadoras, buscar caminho de transformaosocial e eu estou convencido que ns temos muitas propostas jelaboradas. O que falta a construo da capacidade poltica deoperar transformaes em defesa dessas propostas. Construir essacapacidade poltica, articular distintos atores deste campo polticodemocrtico, o grande desafio.

    1)ranscrio da conferncia de abertura do II Seminrio Internacional de Educaodo Campo e Frum Regional do Centro e Sul do RS: educao, memria e resistnciapopular na formao social da Amrica Latina, ocorrido nos dias 8, 9 e 10 de outubrode 2014.

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    ATUALIDADE DA REFORMA

    AGRRIA BRASILEIRA

    Bernardo Manano Fernandes1

    Introduo

    Analisamos a atualidade da reforma agrria brasileira, emcurso desde o final da dcada de 1970, atravs de seu processoterritorial que est sendo realizado pelos movimentos camponesese governos de diferentes matizes polticas. Esta experincia,pelos seus novos fatos, nos obriga a pensar o conceito clssico dereforma agrria, porque este no explica a reforma agrria que est

    acontecendo no Brasil. Por esta razo, o tema da reforma agrriano Brasil tem suscitado um bom debate com diversos colegasda geografia agrria e de outras cincias. A questo se o Brasilfez, no fez, ou se est fazendo reforma agrria? H diferentesinterpretaes entre ns, desde a contra reforma agrria at areforma agrria em realizao. Eu apresentei minha interpretaopela primeira vez em Fernandes, 2013, que reforada neste artigo. importante lembrar que aqui no est posta a questo de que

    a reforma agrria estaria superada, como vem sendo defendidopor pesquisadores conservadores. Aos interessados nos estudosda reforma agrria brasileira lembramos que h trs tendncias:uma que entende que o Brasil no fez a reforma agrria, outra quecompreende que a reforma agrria est acontecendo e mais umaque defende que o Brasil no precisa mais de reforma agrria. No

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    analisarei a tendncia da contra reforma agrria e a da reformaagrria superada, porque no este meu objetivo neste artigo.

    Meu objetivo demonstrar a reforma agrria emdesenvolvimento h pelo menos quarenta anos, ao mesmo tempoque a reforma agrria como projeto de governo no se realiza, elase realiza todos os dias na luta pela terra em cada assentamentoque criado. Eu, mesmo, demorei anos para compreender esseprocesso que se movimenta e no sai do lugar. odavia, h ummovimento criando vrios lugares, fraes do territrio campons

    h muito tempo, mas que pode no ser visto como um todo, porquea reforma agrria uma luta permanente e, no Brasil, no temdata para acabar. Ela se faz no dia-a-dia pela luta dos sem-terrae os governos so obrigados a responder a estes movimentos deresistncia. O capital tentou se apropriar da reforma agrria comodemonstraram Sauer e Pereira, 2006 e Ramos Filho, 2013, masno conseguiu, porque a reforma agrria uma luta camponesa.

    Minhas leituras sobre a reforma agrria esto baseadasno trabalho com a REDE DAALUA, onde todos os diasacompanhamos os dados da luta pela terra e da criao dosassentamentos, publicando mensalmente o Boletim DAALUA,e produzindo relatrios e reunies anuais, onde dezenas depesquisadoras e pesquisadores refletem sobre o processo emandamento. Outra razo diz respeito as viagens permanentespor esse Brasil afora, conversando com membros dos momentoscamponeses, visitando espaos de resistncias e territriosconquistados. Outra razo so as minhas pesquisas e as pesquisasde meus orientandos desde a ps graduao at a graduaoe, da mesma forma, as pesquisas de meus colegas da REDEDAALUA. Na inteno de contribuir com o debate sobre areforma agrria, apresento este artigo em quatro partes. Comeo

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    pelo debate paradigmtico que o mtodo que utilizo paraanalisar a questo agrria. Depois analiso a conjuntura agrria

    para compreender os obstculos reforma agrria, passandopara uma leitura dos dados do DAALUA, resultado das aesdos lutadores e da correlao de foras. Por fim, falo da reformaagrria a longo prazo.

    Debate paradigmtico e Reforma Agrria

    Utilizo o debate paradigmtico para se compreender ospensamentos que as disputas por modelos de desenvolvimentopelo agronegcio e agricultura camponesa. As polticas dedesenvolvimento so sustentadas por teorias, paradigmas quepromovem o processo de construo do conhecimento atravsda prxis intelectual e poltica em coletivos de pensamento seorganizam para produzir suas interpretaes das realidades. por meio da prxis intelectual que definimos os territrios dasteorias. Dirigidos pelo mtodo de onde questionamos os conceitosproduzidos e produzimos outros.

    Para realizar o debate paradigmtico necessrio estaraberto ao dilogo. A opo pelo mtodo materialista dialticosignifica que temos uma posio definida nos territrios imateriaisformados pelos paradigmas. Estes so formados por teorias, queso pensamentos de referncias organizados em correntes tericas,ou seja, que fazem as interpretaes dos fatos, o que implicanecessariamente ter uma postura poltica diante dos mesmose no ignorar as outras posturas cientficas e polticas, comorotineiramente acontece quando um paradigma hegemnicodentro da academia e/ou de instituies.

    O debate paradigmtico explicita a disputa de paradigmas

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    que se utilizam do embate das ideias, dos campos de disputas, pormeio de relaes de poder, para defender e ou impor diferentes

    intenes que determinam seus modelos interpretativos. Osparadigmas representam interesses e ideologias, desejos edeterminaes, que se materializam por meio de polticas pblicasnos territrios de acordo com as pretenses das classes sociais. Porintermdio do recurso paradigmtico, os cientistas interpretamas realidades e procuram explic-las. Para tanto, eles selecioname manipulam um conjunto de constituintes como, por exemplo:

    elementos, componentes, variveis, recursos, indicadores, dados,informaes etc., de acordo com suas perspectivas e suas histrias,definindo politicamente os resultados que querem demonstrar.Evidente que sempre respeitando a coerncia e o rigor terico-metodolgico.

    Nas leituras sobre a reforma agrria, o desenvolvimento eas transformaes da agricultura, nos detemos nos problemas esolues criadas pelas relaes sociais na produo de diferentesespaos e territrios. Estas leituras paradigmticas tm influnciasna elaborao de polticas pblicas para o desenvolvimento daagricultura, definindo a aplicao de recursos em determinadasregies, territrios, setores, culturas, instituies etc. Poressa razo, conhecer o movimento paradigmtico que vai daconstruo da interpretao da teoria que sustenta a elaboraoat a execuo da poltica fundamental. A construo dos

    paradigmas foi realizada a partir da seleo de referenciais tericose suas leituras a respeito das condies existncia do campesinatono capitalismo, os problemas, as perspectivas de superao oumanuteno. Estas condies so discutidas neste artigo a partirdo trabalho intelectual para representar seus estilos de pensamentona defesa de diferentes modelos de desenvolvimento do campo.

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    Este mesmo princpio utilizado para discutir as posturas dasdiversas instituies, como os governos em diferentes escalas:

    federal, estadual e municipal, as corporaes do agronegcionacional e multinacional e dos vrios movimentos camponeses.Estas posturas podem ser analisadas atravs dos documentospublicados e das manifestaes das organizaes.

    O paradigma da questo agrria tem como ponto departida as lutas de classes para explicar as disputas territoriais esuas conflitualidades na defesa de modelos de desenvolvimento

    que viabilizem a autonomia dos camponeses. Entende que osproblemas agrrios fazem parte da estrutura do capitalismo, demodo que a luta contra o capitalismo a perspectiva de construode outra sociedade (Fernandes, 2008). O paradigma da questoagrria est disposto em duas tendncias: a proletarista, quetem como nfase as relaes capital e trabalho, entende o fim docampesinato como resultado da territorializao do capital nocampo; a campesinista que tem como nfase as relaes sociaiscamponesas e seu enfrentamento com o capital. Para o paradigmado capitalismo agrrio, as desigualdades geradas pelas relaescapitalistas so um problema conjuntural e pode ser superado pormeio de polticas que possibilitem a integrao do campesinatoou agricultor de base familiar ao mercado capitalista. Nessalgica, campesinato e capital compem um mesmo espao polticofazendo parte de uma totalidade (sociedade capitalista) que no os

    diferencia, porque a luta de classes no elemento desse paradigma.(Abramovay, 1992). Este paradigma possui duas vertentes, atendncia da agricultura familiar que acredita na integrao aocapital e a vertente do agronegcio que v a agricultura familiarcomo residual. Em sntese, para o paradigma da questo agrria,o problema est no capitalismo e para o paradigma do capitalismo

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    agrrio, o problema est no campesinato.

    Esses paradigmas tm contribudo para a elaborao

    de distintas leituras sobre o campo brasileiro, realizadas pelasuniversidades, pelos governos, pelas empresas e organizaes doagronegcio e pelos movimentos camponeses. Na atualidade, asorganizaes mais influentes do agronegcio so: a AssociaoBrasileira do Agronegcio - ABAG e a Confederao da Agriculturae Pecuria do Brasil CNA. Entre as organizaes camponesas estoa Via Campesina, formada pelo MS, Movimento dos Pequenos

    Agricultores - MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB, Movimento das Mulheres Camponesas e ComissoPastoral da erra - CP; a Confederao dos rabalhadores naAgricultura - CONAG e a Federao Nacional dos rabalhadorese rabalhadoras na Agricultura Familiar - FERAF. O governofederal pode ser representado pelos dois ministrios que tratamdas polticas de desenvolvimento para o campo: Ministrio daAgricultura, Pecuria e Abastecimento - MAPA e o Ministrio doDesenvolvimento Agrrio - MDA. Entre as universidades maisinfluentes, destacamos: Universidade Federal Rural do Rio deJaneiro - UFRRJ, Universidade de So Paulo - USP, UniversidadeEstadual Paulista UNESP e a Universidade Federal do RioGrande do Sul UFRGS. Nas figuras a seguir apresentamos essasideias com logos das instituies, inclusive dos partidos polticos,como forma de ilustrar o debate paradigmtico e as disputas.

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    Figura 1: Elementos das tendncias paradigmticas

    Figura 2:Posio das instituies no debate paradigmtico.

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    A anlise do debate paradigmtico tambm contribui parauma postura crtica em relao s atitudes dos governos. A partir

    das polticas de governos, por meio de seus documentos, pode-seler suas tendncias polticas e formular proposies para mud-las. O paradigma do capitalismo agrrio hegemnico e o grandedesafio do paradigma da questo agrria formular propostaspara criar novos espaos que possibilitem a construo de planosde desenvolvimento para o campesinato. As tendncias de leiturasda reforma agrria podem assim definidas: as leituras sobre a

    no realizao da reforma agrria esto no paradigma da questoagrria e a tendncia sobre a superao da reforma agrria est noparadigma do capitalismo agrrio.

    Conjuntura Agrria

    Nesta parte do artigo analisamos dados das lutas enegociaes que promovem a reforma agrria no Brasil. Nestaanlise, utilizamos dados do DAALUA Banco de Dados daLuta pela Terra, que rene e sistematiza dados de ocupaes,assentamentos, movimentos socioterritoriais, manifestaese estrutura fundiria. Estes dados podem ser encontrados noRelatrio DAALUA BRASIL 2014, que contm dados at 2013.Os dados de 2014 esto sendo conferidos e sistematizados paraa elaborao do Relatrio DAALUA 2015 a ser publicado

    no segundo semestre. As fontes para ocupaes, movimentossocioterritoriais e manifestao so a Comisso Pastoral da Terra CP, a REDE DAALUA e a Ouvidoria Agrria Nacional. Asfontes para assentamentos e estrutura fundiria so o InstitutoNacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA.

    A partir dos grficos de ocupaes e assentamentos podemos

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    observar os nmeros de ocupaes e de famlias assentadas nosperodos de governo e relacionar com suas respectivas conjunturas

    agrrias. Por conjuntura agrria refiro-me s condies objetivasda correlao de foras entre movimentos socioterritoriais,governo federal, governos estaduais e municipais, os latifundiriose as corporaes capitalistas nacionais e multinacionais. Estacorrelao de foras pode ser analisada por meio dos confrontosentre estes sujeitos que criam a conflitualidade, compreendidapelas disputas territoriais e por modelos de desenvolvimento. A

    conflitualidade , alm dos conflitos por terra, o confronto quecoloca frente a frente relaes sociais no capitalistas e capitalistasque disputam terras, territrios, modelos de desenvolvimento, asociedade em geral e os governos.

    O modelo hegemnico de desenvolvimento da agricultura o agronegcio, baseado no trabalho assalariado, em grandescorporaes, na produo monocultora em grande escalapara exportao. Este modelo defendido pelas corporaes,pela maior parte da sociedade em geral e pelos governos. Oagronegcio procura subordinar permanentemente o campesinatoou agricultor familiar, mas estes tm procurado construir outromodelo de desenvolvimento baseado no trabalho familiar,associativo ou cooperativo, em projetos prprios de educao,em mercados institucionais para diminuir o grau de manipulaopelo modelo capitalista. Consideramos que estes dois modelos so

    inconciliveis, o que explica os permanentes confrontos, conflitose conflitualidades que formam a conjuntura agrria e transformaa questo agrria de tempos em tempos.

    O fracasso da experincia socialista do sculo XX, o fimda Unio Sovitica, a mudana da China para o capitalismo,as polticas de reajuste estrutural neoliberais, a criao de

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    instituies como a Organizao Mundial do Comrcio OMC,em escala internacional, e de instituies nacionais voltadas para

    o rearranjo das organizaes capitalistas e minimizao do Estadofortaleceram ainda mais o modelo hegemnico, de modo que asorganizaes no capitalistas foram ainda mais subordinadas.Estas so mudanas polticas que no podem ser desconsideradas

    nas anlises da questo agrria. As polticas neoliberais foramadotadas nos programas de governo de Collor, Itamar Franco eFernando Henrique Cardoso que trataram de adequar o Pas aos

    ajustes estruturais com a privatizao de empresas estatais e departe dos servios pblicos, como educao, sade e segurana,alm da malfadada flexibilizao do trabalho. neste contexto que,no Brasil, o agronegcio expande sua forma unindo os sistemas:agrcola, pecurio, industrial, mercantil, financeiro, tecnolgico eideolgico, apresentando-se como o nico conjunto de sistemascom possibilidades reais de desenvolvimento. Um exemplo dosistema ideolgico do agronegcio o Movimento Sou Agro, que

    pode ser melhor compreendido no trabalho de Bruno, s.d.

    No quadro 1, observa-se as corporaes e organizaes queformam o Movimento.

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    Quadro 1 Corporaes e organizaes que formam o Movimento Sou Agro

    ANDEF Associao Nacional de Defesa Vegetal

    Aprosojas Associao Brasileira dos Produtores de SojaBracelpa Associao Brasileira de Celulose e Papel

    Bunge

    Cargill

    Vale

    UNICA Unio da Indstria de Cana-de-Acar

    ABRAPA Associao Brasileira dos Produtores de Algodo

    OCB Organizao das Cooperativas Brasileiras

    FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    ABAG Associao Brasileira do Agronegcio

    ABCZ Associao Brasileira dos Criadores de Zebu

    Monsanto

    Accenture

    Sindiraes Sindicato Nacional da Indstria de Alimentao Animal

    ABMR&A Associao Brasileira de Marketing Rural e Agronegcios

    inpEV Instituto Nacional de Processamento de Embalagens VaziasNestle

    Fonte: Unio da Indstria de Cana-de-acar, NICA, 2014.

    Os governos neoliberais intensificaram a represso aosmovimentos camponeses na luta pela reforma agrria. Estarepresso resultado das conflitualidades entre os movimentos,o latifndio, o agronegcio e o prprio governo que defende ahegemonia. O governo Collor promoveu uma das mais intensasperseguies aos membros do MS, o governo Fernando HenriqueCardoso, na sua primeira gesto, pressionado pelas ocupaesde terra, promoveu o segundo maior nmero de criao deassentamentos, todavia, na segunda gesto, criou uma medidaprovisria para criminalizar as ocupaes de terra. A exceo foi

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    o governo Itamar Franco, o primeiro presidente da Repblica areceber a coordenao do MS no dia 2 de fevereiro de 1993. Esta

    represso foi minimizada com a eleio do governo Lula - queSader, 2003, denominou de ps-neoliberal porque de um ladoas polticas neoliberais demonstravam seus fracassos, e de outro ogoverno Lula optou por uma programa de sada do neoliberalismobaseado na aliana do capital produtivo contra o especulativo(Sader, 2003, p. 185) que, entre outros, tinha como objetivos oincentivo pequena e mdia empresa, ao mercado interno de

    consumo popular, expanso da produo alimentcia, pelo apoio reforma agrria, para poder avanar no plano social... (Sader,2003, p187). Uma poltica estrutural a considerar a redistribuiode renda por meio do Bolsa Famlia. Embora o governo Lula tenhapraticado diversas polticas de desenvolvimento para a agriculturacamponesa, estas no foram suficientes para diminuir os nveis desubalternidade do campesinato ao agronegcio e tampouco pararealizar uma reforma agrria plena. A diferena entre os governos

    neoliberais e ps-neoliberais na relao com os movimentoscamponeses est na intensidade e intencionalidade de polticaspblicas. Os neoliberais dirigem suas polticas para o sistemacapitalista. Os ps-neoliberais idem, mas aceitam a criao depolticas fora do sistema capitalista.

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    Reforma Agrria: os lutadores e a correlao deforas

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MS,a Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CONAG, a Federao dos Trabalhadores da Agricultura Familiar- FERAF, o Movimento de Libertao dos Sem Terra- MLS, aComisso Pastoral da Terra - CP e os movimentos indgenastm sido os principais protagonistas da luta pela terra e peloterritrio, contra o latifndio e contra o agronegcio, nos ltimos

    anos, como pode ser observado no Relatrio DAALUA, 2014 edemonstrado no grfico 1 e na prancha 1, onde tambm se podeobservar as espacialidades desses movimentos socioterritoriais.

    A negao desta conflitualidade impede qualquer anliseda questo agrria brasileira. A maior parte dos intelectuaisdo Paradigma do Capitalismo Agrrio (PCA) no considera aconflitualidade em suas anlises, por compreend-la como baderna

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    com o objetivo de impedir o desenvolvimento do agronegcio.Esta uma diferena estrutural quando comparado com o

    Paradigma da Questo Agrria (PQA) que tem a conflitualidadecomo ponto de partida em suas anlises. Alm dessa diferenaanaltica, enquanto o PQA considera agronegcio e campesinatocomo diferentes modelos de desenvolvimento, o PCA considerao agronegcio como totalidade e o campesinato ou agriculturafamiliar como residuais, como por exemplo o trabalho de Alvese Rocha, 2010.

    As anlises que faremos a seguir tem como ponto departida o debate paradigmtico entre PQA e PCA. Estes modelosinterpretativos da realidade agrria so conflitantes o que exigeo dilogo permanente por meio da correlao de foras que geraa conflitualidade manifestada pelas disputas por terra, territrio,modelos de desenvolvimento e polticas pblicas. O dilogo no impossvel como declarou Martins, 2000, ao contrrio necessriopara evitar a subordinao do campesinato ao agronegcio.

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    O dilogo no significa a diminuio da conflitualidade,mas sim a condio de abrir um campo de possibilidades para

    negociao entre os sujeitos polticos. Um dos principais pontosdesse dilogo o reconhecimento pelo agronegcio de queno a totalidade, mas sim e to somente um dos modelos dedesenvolvimento da agricultura. Se por meio da condio dehegemonia o agronegcio quer deter exclusividade, enfrentarforas contra-hegemnicas que questionam esta condiototalitria. odavia, os idelogos do agronegcio tm conseguido

    convencer a maior parte dos governos e da sociedade em geralde que so o nico modelo possvel para o desenvolvimento daagricultura.

    So estes os parmetros que utilizaremos para analisar asposturas dos governos. Por agora, vamos analisar alguns dadosdo Relatrio DAALUA 2014 para discutirmos os resultados dareforma agrria. A aceitao pelos governos em geral de que oagronegcio o modelo de desenvolvimento e que o campesinatoou agricultura familiar residual tem sido a principal razo pelaqual nenhum governo recente realizou a reforma agrria paraa desconcentrao fundiria. Os governos mais antigos, prdcada de 1950, estavam intimamente ligados aos latifundirios,o que tambm impediu a reforma agrria. Os governos militarespossibilitaram o processo de formao do agronegcio e criaram oEstatuto da erra com a falsa promessa de fazer a reforma agrria.

    A questo agora que latifundirios, agronegcio e governos seuniram em defesa do modelo hegemnico, baseado tambm naconcentrao fundiria. Portanto, no ser dos atuais governosou do agronegcio que sair uma poltica de reforma agrria quepossibilite a emancipao do campesinato. Nesta conjuntura areforma agrria no uma poltica que se faz numa canetada s,

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    como afirmou Lula. Ela uma disputa territorial e por modelosde desenvolvimento e para ser efetivada ser necessrio romper a

    hegemonia do agronegcio.A reforma agrria brasileira tem sido resultado da correlao

    de foras entre movimentos socioterritoriais, governos, latifndiose agronegcio. E nesta correlao ela impulsionada pelasocupaes que so a principal forma de acesso terra (Fernandes,2000). Isto pode ser facilmente observado nos grficos 2, 3, 4 e 5ao fazermos a correlao entre nmero de ocupaes e de famlias

    para o perodo 1988 2013, e nmero de assentamentos e nmerode famlias assentadas para o perodo de 1979-2013. Os dados deocupaes de terra comearam a ser registrados pela ComissoPastoral da erra em 1985, mas s temos dados sistematizados de1988 a 2013. Os dados de assentamentos podem ser sistematizadosdesde a dcada de 1950, todavia sistematizamos desde 1979,quando comea o processo de formao e territorializao doMS, que tem sido responsvel por mais da metade do nmerode ocupaes e famlias. Para uma leitura da distribuio regionaldos dados de ocupaes e de assentamentos observe as tabelas1 e 2 e para uma leitura da espacializao das ocupaes e daterritorializao dos assentamentos veja os mapas 1 e 2. Estesgrficos, tabelas e mapas demonstram a indissociabilidade entreluta pela terra e reforma agrria. Ateno, trabalhamos apenascom o nmero de assentamentos efetivamente criados, de modo

    que nossos dados podem ser diferentes de outros dados quetambm incluram os assentamentos com data de obteno daterra. Ou seja so reas obtidas pra criao de assentamentos, masque ainda no foram efetivamente criados.

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    Observe, nos grficos de ocupaes e assentamentos, quenos dois ltimos anos do governo Jos Sarney (1988 e 1989), emtrs anos de governo Fernando Collor (1990, 1991 e 1992) e doisanos de governo Itamar Franco (1993 e 1994), portanto em umperodo de sete anos, foram realizadas 661 ocupaes, com umamdia de 94 ocupaes com 15.963 famlias/ano. Neste mesmoperodo foram realizados 572 assentamentos com mdia 13.878

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    famlias assentadas/ano. Embora, no comeo do governo Sarneytenha sido elaborado o Primeiro Plano Nacional de Reforma

    Agrria, este fracassou, atingindo somente 6% de seus objetivos.Ento, o que explica a forte mudana nos dados dos governosSarney, Collor e Itamar para o governo Fernando HenriqueCardoso FHC?

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    A territorializao do MS na dcada de 1990 foi uma dasrazes propulsoras que levaram aos aumentos dos assentamentos

    (Fernandes, 2000). Nesta dcada, o MS se territorializou portodo o Pas, organizando-se em todas as macrorregies, realizandoocupaes e impulsionando outros movimentos socioterritoriaisna luta pela terra. O relatrio DAALUA BRASIL 2014 mostraque h 123 movimentos socioterritoriais no Brasil, mas em mdiasomente 26 atuam todos os anos.

    Outra razo propulsora, foi a determinao do governo FHC

    em realizar o que depois denominou ser a maior reforma agrriado mundo. O primeiro governo FHC (1995 a 1998) foi o segundomaior em criao de assentamentos: foram 2.345 assentamentoscom 300.654 famlias numa mdia de 75.164 por ano. De fato,comparando com os trs governos anteriores, que no perodo desete anos assentaram to somente 97.147 famlias, FHC criou porano quase o que Sarney, Collor e Itamar fizeram em sete anos. Masesta realidade no existiria sem o histrico das ocupaes de terra.Como tambm no existiria sem o processo de espacializaodas ocupaes que cresciam em todo o Pas. Nos quatro anos doprimeiro governo FHC, foram realizadas 1.928 ocupaes coma participao de 287.302 famlias. Os dados mostram que FHCconseguiu assentar mais famlias do que o nmero de famliasmobilizadas nas ocupaes de terra. Esta foi a razo pela qual ogoverno FHC dava por encerrada a poltica de reforma agrria

    (Fernandes, 2000, p. 204-10). Desde ento, intelectuais do PCAtm argumentado que a reforma agrria j foi feita e que o nmerode agricultores que existem no Brasil mais que suficiente.

    Foi com o discurso que de que a reforma agrria havia sidorealizada que no segundo governo FHC, a tendncia mudou eos resultados declinaram. Foram criados 1965 assentamentos

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    com 163.348 famlias assentadas. O declnio dos nmeros deassentamentos e famlias no foi acompanhado pelo nmero

    ocupaes e famlias. Neste mesmo perodo, foram realizadas1.917 ocupaes com 280.622 famlias. O primeiro ano dosegundo governo FHC (1999) foi quando ocorreu o maiornmero de ocupaes e de famlias da histria do Brasil. Em 2000,o nmero de ocupaes comeou a diminuir e em maio de 2001, ogoverno FHC publicou uma medida provisria de criminalizaodas ocupaes. A Medida Provisria 2109-52, de 24 de maio

    de 2001, criminaliza as pessoas que ocupam terra e privilegiaos latifundirios com a condio da no desapropriao pordois anos, no caso de uma ocupao e por quatro anos, quandohouver reincidncia. As ocupaes de terra eram acompanhadascom rigor pelo governo e as liminares de reintegrao de posse edespejo das famlias ocupantes eram expedidas em menos de vintee quatro horas, que resultava na maior parte das vezes na prisodas lideranas, de modo que nos anos 2001 e 2002 as ocupaes

    despencaram. Estava encerrada a maior reforma agrria domundo.

    A vitria de Luiz Incio Lula da Silva em 2003 reanimou aluta pela terra, j que em suas diversas campanhas polticas, Lulaprometera realizar a reforma agrria. Em 2003, primeiro ano deseu governo, as ocupaes retomaram os patamares do primeirogoverno FHC. Em quatro anos, foram 2.307 ocupaes, em mdia

    de 577 ocupaes por ano, sendo este o governo em que se realizouo maior nmero de ocupaes. ambm foi o maior nmero defamlias em ocupaes, sendo 331.157 mil famlias. Nestes quatroanos, o governo Lula criou 2.381 assentamentos com 303.187famlias. A maior reforma agrria do mundo de FHC forasuperada. A tese de que no haveria mais necessidade de continuar

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    com a reforma agrria havia cado por terra, literalmente.

    No primeiro ano do governo Lula foram organizadas duas

    equipes para elaborar o Segundo Plano Nacional de ReformaAgrria. Uma equipe, coordenada por Plinio de Arruda Sampaio,considerava todas as formas de obteno de terras: desapropriao,regularizao, permuta, compra e venda e tinha como metaassentar um milho de famlias nos anos nos anos 2004-2007. Aequipe do ministro de Estado do Desenvolvimento Agrrio, MiguelSoldatelli Rosseto apresentou como meta assentar 400 mil famlias,

    financiar a aquisio de terras para 130 mil famlias e regularizaras terras de 500 mil famlias, no perodo de 2003-2006 (Fernandes,2013). A proposta da equipe do ministro, denominada de Paz,Produo e Qualidade de Vida no Meio Rural foi a vencedora eo governo Lula, nas suas duas gestes (2003-2006 e 2007-2010)assentou 463.667 famlias. Metade do que estava previsto paraquatro anos foi realizado em oito anos. A regularizao fundiriarespondeu por 74% da rea dos assentamentos, a desapropriaorepresentou 11%, o restante ficou com outras modalidades deobteno de terras como compra e reconhecimento. O primeiroe o segundo plano nacional de reforma agrria no tiveram suasmetas executadas, o que explica o fato da luta pela terra e pelareforma agrria continuarem na pauta poltica.

    Reforma Agrria a longo prazoA indissociabilidade entre luta pela terra e reforma agrria

    pode ser melhor apreendida na relao ocupao assentamentonos grficos que mostram que uma tendncia acompanha a outra.odavia, no possvel fazer uma relao absoluta entre nmerode ocupaes e famlias e nmero de assentamentos e famlias por

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    um conjunto de razes. As famlias ficam acampadas por vriosanos e os assentamentos demoram outros tantos anos para serem

    criados numa negociao interminvel. Os grficos mostram umatendncia inquestionvel: em geral, o crescimento do nmero deocupaes e famlias acompanhado do crescimento do nmerode assentamentos e famlias assentadas. O mesmo ocorre com adiminuio do nmero de ocupaes e famlias acompanhadopela diminuio do nmero de assentamentos e famliasassentadas. Portanto, a reforma agrria brasileira segue os passos

    das ocupaes de terra. As respostas dos governos resultado dasamplas negociaes, presses e manifestaes nos movimentossocioterritoriais.

    A reforma agrria brasileira est sendo realizada h pelomenos quatro dcadas, como demonstrado em nossas anlises.Esta compreenso resultado dos parmetros que selecionamos,ou seja compreender a reforma agrria a partir da conflitualidade,como processo de luta e de disputas territoriais e de modelosde desenvolvimento. H outras leituras sobre a reforma agrriabrasileira que analisam o governo Lula como um exemplo decontrarreforma agrria, como em Oliveira, 2010, ou comoaumento das desigualdades sociais no campo, como em Carvalho,2014. Estas leituras utilizam parmetros distintos que interpretamo processo de luta pela reforma agrria em diferentes direes,por exemplo: os assentamentos criados, que compreendem mais

    de oitenta milhes de hectares onde foram assentadas mais de ummilho de famlias, no tiveram impacto na concentrao fundiria,de modo que o ndice de Gini permanece inalterado. A baixa rendados assentados, a falta de infraestrutura das reas reformadas eo acesso parcial s polticas pblicas, como demonstrado emFernandes, Welch e Gonalves, 2014, tambm so referncias

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    para defender a contrarreforma agrria. No h dvidas que apostura dos governos tem sido de contrarreforma agrria, afinal

    esto vinculados diretamente aos interesses do agronegcio. Mas,as ocupaes e a luta na terra so exemplos da luta pela reformaagrria e pela reproduo territorial do campesinato brasileiro. Ogrande desafio, tanto das famlias que conquistaram suas terrase territrios, quanto das famlias em ocupaes, vinculadas aosseus respectivos movimentos socioterritoriais, fazer avanar areforma agrria.

    diante deste quadro, que agora analisamos os trsprimeiros anos do governo Dilma e cenrios da reeleio. Emuma primeira leitura dos dados de 2014, para conferir que em seuquarto ano, o governo Dilma manteve a tendncia de queda. Nosanos 2011, 2012 e 2013, foram criados 367 assentamentos com26.557 famlias. Este resultado representa apenas 36% do nmerode assentamentos e 15% do nmero de famlias do que Lula fez emseu segundo governo, quando as ocupaes seguiram a tendnciade queda comeada em 2004, por causa do aumento dos ndices deemprego, do Bolsa Famlia e da melhoria da economia brasileira.Ao compararmos os grficos de ocupaes e de assentamentos doprimeiro governo FHC com o primeiro do governo Lula e comos trs primeiros anos do primeiro governo Dilma, observa-sea tendncia de crescimento e refluxo em diferentes proporese causas. Nos trs primeiros anos do governo Dilma, foram

    realizadas 736 ocupaes com 71.810 famlias, seguindo atendncia de queda. Nas duas gestes dos governos FHC e Lulaa tendncia foi de crescimento nas primeiras gestes e de refluxonas segundas gestes, com propores e causas distintas. Nogoverno FHC o refluxo foi resultado da represso por meio damedida provisria de criminalizao das ocupaes e no governo

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    Lula pela poltica de distribuio de renda. No momento em queescrevemos este artigo, estamos no comeo do segundo governo

    Dilma e a conjuntura poltica muito diferente. O Brasil enfrentauma crise econmica, alm de escndalos de corrupo, queameaaram a reeleio do segundo mandato de Dilma.

    Em 2010, o discurso da candidata Dilma Rousseff comrelao reforma agrria era que seria necessrio investir maisnos assentamentos criados do que criar novos assentamentos. Sobo tema de qualidade nos assentamentos, criou o ERRA FORE -

    Programa de Agroindustrializao em Assentamentos da ReformaAgrria, que atendeu parcialmente as famlias assentadas. Desdeo governo Lula, a criao de polticas pblicas como o Programade Aquisio de Alimentos PAA e o Programa Nacional deAlimentao escolar PNAE tem contribudo para a melhoriade renda dos assentados que ainda continua bem abaixo darenda dos trabalhadores urbanos. Sem a melhoria da renda e dainfraestrutura, os movimentos e os governos tero dificuldadespara realizar a reforma agrria. H tempos a reforma agrria deixoude ser uma poltica de distribuio de terras para se tornar umapoltica de desenvolvimento territorial. A importncia estratgicada agricultura camponesa ou familiar para o desenvolvimento dopas, para garantir a soberania alimentar exige a continuidade dareforma agrria ao mesmo tempo em que essencial a realizaode polticas voltadas para a industrializao, mercados, tecnologia,

    crdito, infraestrutura, educao, sade, moradia e outras polticasterritoriais.

    Desde 1994, o Partido dos rabalhadores P e o Partidoda Social Democracia Brasileira PSDB tm disputado as eleiespresidenciais, sendo que em 1994 e 1998, o PSDB saiu vitorioso eem 2002, 2006, 2010 e 2014 o P foi vitorioso. Estes dois partidos

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    fizeram alianas com agronegcio recebendo apoio de corporaese de deputados e senadores ruralistas, o que os impedem de fazer

    a reforma agrria defendida pelos movimentos camponeses, masque fizeram a reforma agrria que a correlao de fora permitiu.A reforma agrria de FHC, a reforma Agrria de Lula e a reformaagrria de Dilma so resultados das ocupaes, negociaes e dediversas outras formas de presso exercidas pelos movimentossocioterritoriais. E estas reformas agrrias no so projetos degovernos, nem dos movimentos, so de fato, a reforma agrria

    possvel que as relaes de poderes permitiram. em sido sempreuma reforma agrria inacabada, feita aos pedaos, em pequenasfraes, que as lutas populares possibilitaram conquistar. Mesmocom estes resultados, parte dos movimentos camponeses apoiarama reeleio de Dilma, como o MS.

    Nas eleies de 2014, Dilma ganhou por 51.65% dos votosou 54.483.045 a 48.35% ou 50.993.533 de Acio Neves. Dianteda ameaa da retomada das polticas neoliberais com a volta doPSDB ao poder, vrias foras de esquerda decidiram apoiar areeleio de Dilma, entre elas o MS. O apoio dos movimentoscamponeses parte da correlao de foras que comeou a mudarcom a eleio do segundo mandato de Dilma. Parte da direitacomeou a se movimentar contra o governo Dilma, no incio de2015, fazendo com que mais uma vez as foras de esquerdasassem s ruas para defender o governo Dilma. Formou-se um

    novo cenrio na correlao de foras, que pode levar o governoDilma mais esquerda, o que poderia ampliar as possibilidades deavanar na reforma agrria. Ou, para recuperar o apoio da direita,o governo podem diminuir ainda mais a intensidade de criaode assentamentos. Em nome da governabilidade, Dilma deverseguir o caminho do ajuste poltico definido pela correlao de

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    foras. As polticas ps-neoliberais ou neodesenvolvimentista decrescimento iniciadas por Lula e continuadas por Dilma esto em

    crise. A economia parou de crescer e o governo Dilma ameaacortar recursos das polticas de redistribuio de renda, correndoo risco de perder uma das principais diferenas com as polticasneoliberais. E pior, as esquerdas no conseguiram elaborar outroprojeto de desenvolvimento.

    Em seu segundo governo, Dilma nomeou para o Ministrio daAgricultura uma severa defensora do latifndio e do agronegcio.

    Este um mal indicador para a reforma agrria em pedaosque vem ocorrendo. O Ministrio do Desenvolvimento Agrriocontinua com uma posio secundria, mas mantm uma posturade defesa da reforma agrria. Para uma breve comparao dos anos2013/2014 foram disponibilizados 159 bilhes para a agricultura,sendo 21 bilhes de reais para o Plano Safra da Agricultura Familiare 138 bilhes de reais com o Plano Agrcola e Pecurio, destinadoao agronegcio (Ministrio da Agricultura, 2013. Ministrio doDesenvolvimento Agrrio, 2013). Somente 13% dos crditos sodestinados para a agricultura familiar/camponesa que de acordocom o Censo Agropecurio de 2006 (IBGE, 2009), produz 38%do valor bruto da produo, enquanto o agronegcio controla87% dos crditos produzindo 62% do valor bruto da produo.Essa desproporcionalidade impede a melhoria de renda da maiorparte da populao rural. O que repassado em abundncia para o

    agronegcio falta para a agricultura camponesa.

    Consideraes Finais

    A partir da anlise das lutas que colocaram em movimentoa reforma agrria no Brasil, vamos pensar este conceito neste

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    contexto. A nossa reforma agrria no resultado de revoluo etampouco de processos radicais no sentido de uma transformao

    abrupta, como aconteceu em outros pases da Amrica Latina,como Mxico e Bolvia no sculo XX. No Brasil, a reformaagrria tem sido um processo lento, resultado da fora possveldos movimentos camponeses. Estudiosos como Oliveira, 2010e Carvalho 2014 no entendem este processo lento como umapoltica de reforma agrria em marcha, inclusive porque, nemsequer desconcentrou a estrutura fundiria. Ser ou no ser reforma

    agrria resultado dos parmetros utilizados para a definio doscontedos do conceito. Neste artigo, partimos da compreensode que a agricultura muito importante para ser controlada peloagronegcio. Que as relaes sociais de classe so essenciais parase compreender as diferenas entre a produo pelo capital e pelocampesinato. Que estas relaes utilizam-se de modos de produodistintos e que defendem modelos de desenvolvimento diferentes. neste sentido que as ocupaes de terra e os assentamentos so

    a reforma agrria brasileira at o momento.

    A reforma agrria no est superada, ela permanece atual,inclusive porque no foi realizada de modo suficiente parademocratizar o acesso terra, ao trabalho, aos alimentos etc. Aestrutura fundiria concentrada e a soberania alimentar so doiselementos estruturais da atualidade desta poltica territorial. Amanuteno da concentrao da estrutura fundiria resultado

    da territorializao do agronegcio e da territorializao docampesinato na intensa disputa territorial. Quando fechar afronteira agrcola brasileira estas disputas tendem a se acirrar. De1998 a 2012, a rea das propriedades rurais no Brasil passou de 415para 597 milhes de hectares, ou uma diferena de 182 milhesde hectares em quatorze anos (DAALUA, 2014). Mesmo

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    considerando a irregularidade cadastral e outros problemas docadastro rural brasileiro, a desapropriao e regularizao de mais

    80 milhes de hectares, com a criao dos assentamentos, foisignificativa para evitar o aumento da concentrao fundiria, emum pas que o agronegcio pensa ser absoluto. A territorializaodo agronegcio acontece pela concentrao fundiria e aterritorializao do campesinato ocorre com a desconcentraofundiria. O modelo do agronegcio invivel para o campesinatoe o campesinato invivel para o agronegcio, que tem reduzido

    o nmero de agricultores, aumentando a produo por meio daconcentrao.

    A reforma agrria compreendida como uma polticade desenvolvimento territorial necessita de um conjunto depolticas pblicas para sua efetivao. No perodo ps-neoliberalampliaram-se as disputas por polticas pblicas como partedas aes que determinam o desenvolvimento territorialrural no Brasil. As corporaes, organizaes e movimentossocioterritoriais tm participado cada vez mais na formulaode polticas pblicas. A constituio e o estabelecimento daspolticas pblicas so parte das disputas territoriais e por modelosde desenvolvimento. Algumas polticas pblicas so formuladaspelo governo federal e/ou por movimentos camponeses, Outrasso elaboradas pelo governo federal e/ou por corporaes doagronegcio. Desde a compreenso da disputa por modelos que

    geram a conflitualidade, movimentos camponeses e corporaesdefendem polticas pblicas distintas. Polticas pblicas criadaspara subordinar os agricultores familiares ao agronegcio, pormeio da mal denominada integrao, quando os agricultoresso dependentes do mercado capitalista contribuem mais para adestruio do campesinato do que para sua recriao (Fernandes,

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    Welch e Gonalves, 2014). Por esta razo, polticas pblicasemancipatrias so essenciais para os assentamentos de reforma

    agrria e para todo o campesinato.Poltica e pblica so palavras que podem ser compreendidas

    de acordo com as premissas selecionadas. Ao utilizar a expressopoltica pblica, estou me referindo a um projeto, plano ouprograma de desenvolvimento elaborado pelos governos oupor estes com organizaes da sociedade civil que transformamespaos e territrios. Polticas pblicas elaboradas de cima para

    baixo, a partir de um setor do governo para atender uma demandada populao, sem contar com sua participao tendem a serpolticas de subordinao. A ampla participao da sociedadeorganizada na elaborao de polticas pblicas de baixo para cimapromove a emancipao, porque polticas emancipatrias soformuladas pelo protagonismo e pela participao.

    Polticas de subordinao so elaboradas por representantes

    ou idelogos de uma classe para a outra classe, como forma demanter o controle e o desenvolvimento desigual.

    As polticas de subordinao e polticas emancipatriasso construdas, sempre por disputas e conflitualidades. Aprimeira por imposio, procurando enquadrar as comunidadescamponesas ao modelo do agronegcio ou comunidades urbanass polticas de governo. Estas polticas so elaboradas a partir dasreferncias do paradigma do capitalismo agrrio e/ou da lgicado modo capitalista de produo. A segunda construda peloprotagonismo, superando desafios desde sua elaborao at suaexecuo. Somente atravs da participao efetiva dos governos ede instituies da sociedade, respeitando as relaes sociais e seusterritrios que se pode construir polticas emancipatrias. Respeitose conquista com luta e poder. A falta de respeito s comunidades

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    camponesas marca de muitos governos e principalmente dascorporaes.

    A reforma agrria em desenvolvimento no Brasil umapoltica pblica que est para alm do Estado como executor. Osmovimentos camponeses tm um pape