educação liberal (artigos aristoi e dez princípios conservadores de kirk)

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    O Trabalho de Isaas

    I

    Numa tarde do ltimo outono, sentei por longas horas com um conhecido europeu,

    enquanto ele expunha uma doutrina poltico-econmica que parecia ser slida como

    uma noz e na qual eu no conseguia achar defeito algum. Por fim ele me disse, com

    muita gravidade: "Eu tenho uma misso para com as massas. Sinto que sou chamado

    para ser ouvido pelo povo. Devotarei o resto de minha vida a espalhar amplamente

    minha doutrina entre a populao. O que voc acha?"

    Esta , em qualquer caso, uma pergunta desconfortvel, e mais ainda nessas

    circunstncias, por que meu conhecido um homem muito culto, uma das trs ou

    quatro mentes de primeira classe que a Europa produziu em sua gerao; e

    naturalmente eu, sendo um dos incultos, estava disposto a considerar a menor de

    suas palavras com uma reverncia beirando o temor. Ainda assim, eu pensei, nem

    mesmo a melhor das mentes pode saber tudo, e eu estava certo de que ele no

    tivera as mesmas oportunidades que eu para observar as massas da humanidade, e

    que, portanto, eu as conhecia melhor do que ele. Ento, juntei coragem para dizer

    que esta no era sua misso. E que fazia bem em tirar essa idia da cabea de uma

    vez; ele descobriria que as massas no dariam a mnima para sua doutrina, e menos

    ainda para ele mesmo, j que em tais circunstncias o favorito do povo geralmentealgum Barrabs. Eu cheguei at mesmo a dizer (ele judeu) que a sua idia parecia

    mostrar que no estava bem inteirado da literatura de seu povo. Ele sorriu da minha

    pilhria, e perguntou o que eu queria dizer com ela; ento, me referi histria do

    profeta Isaas.

    Me ocorrera ento que esta histria valia a pena ser recordada, agora quando tantos

    homens sbios e adivinhos parecem carregar o fardo de uma mensagem para as

    massas. Dr. Townsend tem uma mensagem, Padre Coughlin outra, Upton Sinclair,

    Lippmann, Chase e a sociedade para uma economia planificada, Tugwell e os New

    Dealers, Smith e a liga da Liberdade a lista no tem fim. No consigo lembrar de

    uma poca em que tantos endemoninhados diferentes pregavam a Palavra s

    multides e lhes diziam o que fazer para serem salvas. Sendo assim, me ocorreu,

    como eu dizia, que a histria de Isaas deve ter algo que firme e concilie o esprito

    humano, at que esta tirania verborrgica esteja ultrapassada. Parafrasearei a

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    histria em linguagem comum, j que suas partes devem ser colhidas de vrias

    fontes; e dado que respeitveis eruditos acharam apropriado publicar uma verso

    inteiramente nova da Bblia no vernculo americano, me abrigarei atrs deles, se

    necessrio, contra a acusao de estar lidando irreverentemente com as Sagradas

    Escrituras.

    A carreira do profeta teve incio no fim do reinado de Ezequias, por volta de 740 a.C.

    Este reinado foi anormalmente longo, de quase meio sculo, e indubitavelmente

    prspero. Foi um daqueles reinados prsperos, entretanto como o de Marco Aurlio

    em Roma, ou a administrao de Eubulus em Atenas, ou a de Coolidge em

    Washington onde no fim a prosperidade subitamente se esfarela e desmorona, com

    um retumbante estrondo.

    No ano da morte de Ezequias, o Senhor incumbiu o profeta de ir avisar o povo do

    castigo iminente. "Diga-lhes que bando de inteis eles so." Disse Ele, "Conte-lhes o

    que est errado, por que e o qu vai acontecer a menos que reformem seus coraes

    e se endireitem. No use de meias palavras. Deixe claro que esta irrecorrivelmente

    a ltima chance. Mande ver sem piedade, e continue mandando ver. Suponho que Eu

    talvez deva lhe dizer," Ele continuou, "que no vai adiantar nada. A classe oficial e a

    intelligentsia vo te desprezar, e as massas sequer te ouviro. Eles continuaro em

    seus caminhos at que consigam destruir tudo, e considere-se com sorte se voc sair

    dessa com vida."

    Isaas estivera bastante disposto a assumir a misso na verdade, ele pedira por ela

    mas essa perspectiva deu novos contornos situao. Levantou a evidente

    questo: Por que, se era assim se a empreitada era destinada, de incio, ao fracasso

    havia qualquer sentido em empreend-la? "Ah," disse o Senhor, "voc no entende.

    H Remanescentes por l dos quais voc nada sabe. Eles so obscuros,

    desorganizados, inarticulados, cada um se virando como pode. Eles precisam ser

    encorajados e reforados, porque quando tudo tiver ido por gua abaixo, sero eles a

    retornar e construir uma nova sociedade; e entrementes, sua pregao osreassegurar e os manter de p. Seu trabalho cuidar dos Remanescentes, ento

    v logo e comece a agir."

    II

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    Claramente, portanto, se a palavra do Senhor vale para alguma coisa no opinarei

    sobre isto os nicos elementos na sociedade judaica dignos de serem incomodados

    eram os Remanescentes. Isaas parece ter finalmente entendido que este era o caso;

    que nada se esperasse das massas, mas se houvesse qualquer coisa de substancial a

    ser feita na Judia, os Remanescentes seriam os encarregados. Esta uma idia

    muito impressionante e sugestiva; mas antes de explor-la mais a fundo, precisamos

    ser perfeitamente claros sobre nossos termos. O que queremos dizer com "as

    massas", e o que com "os Remanescentes"?

    Da maneira em que comumente utilizada, a palavra massas sugere aglomeraes

    de pessoas pobres e desprivilegiadas, pessoas trabalhadoras, proletrios - e no quer

    dizer nada disso; quer dizer, simplesmente, a maioria. O homem-massa um que

    no tem a fora de intelecto para apreender os princpios que ser revelam naquilo

    que conhecemos como vida humana, nem a fora de carter para aderir queles

    princpios firme e estritamente como leis de conduta; e porque tais pessoas perfazem

    a imensa e esmagadora maioria da humanidade, elas so chamadas coletivamente

    de as massas. A linha que separa as massas e os Remanescentes traada

    invariavelmente pela qualidade, e no pelas circunstncias. Os Remanescentes so

    aqueles que por fora do intelecto so capazes de apreender tais princpios, e por

    fora do carter, capazes, ao menos significativamente, de se apegarem a eles. As

    massas so aqueles incapazes de ambas as coisas.

    O retrato que Isaas nos apresenta das massas judaicas deveras desfavorvel. Em

    sua perspectiva, o homem-massa seja ele do topo ou da base da sociedade, rico ou

    pobre, prncipe ou mendigo se sai muito mal. Ele aparece no apenas como tolo e

    irresoluto, mas conseqentemente velhaco, arrogante, avaro, dissoluto,

    inescrupuloso e sem princpios. A mulher-massa no se sai melhor, participando de

    todas as qualidades inconvenientes do homem-masssa, e contribuindo com algumas

    outras, como vaidade e preguia, extravagncia e fraqueza. A lista de produtos de

    luxo que ela consumiu interessante; lembra-se da pgina feminina de um jornal de

    Domingo em 1928, ou da exibio em algum de nossos peridicos manifestamente

    "modernos". Noutro lugar, Isaas relembra as afetaes que conhecamos pelo nome

    de "andar melindroso" e o "debutante slouch", andar descuidado. Talvez seja bom

    dar um certo desconto verve de Isaas, dado o seu fervor proftico; afinal, j que

    sua misso no era converter as massas, e sim revigorar e tranqilizar os

    Remanescentes, ele provavelmente sentiu que podia exagerar indiscriminadamente,

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    tanto quanto quisesse na verdade, isso era esperado dele. Mas mesmo assim, o

    homem-massa judaico deve ter sido um indivduo altamente censurvel, e a mulher-

    massa absolutamente odiosa.

    Se o esprito moderno, o que quer que ele seja, no inclinado a tomar a palavra doSenhor pelo que ela (como parece ser o caso), podemos observar que o

    testemunho de Isaas sobre o carter das massas grandemente corroborado por

    respeitveis autoridades gentias. Plato viveu sob a administrao de Eubulus,

    quando Atenas estava no topo da cultura de massa, o jazz-and-paper, e ele fala das

    massas atenienses com o mesmo fervor de Isaas, chegando mesmo a compar-las a

    uma manada de vorazes bestas selvagens. Curiosamente, tambm, ele aplica a

    mesma palavra de Isaas, remanescentes, para a poro mais valorosa da sociedade

    ateniense; "no h seno uns poucos remanescentes," ele diz, daqueles que

    possuem uma redentora fora de intelecto e fora de carter poucos demais,

    preciosos como os da Judia, para serem teis contra a preponderncia ignorante e

    viciosa das massas.

    Mas Isaas era um pregador, e Plato um filsofo; e tendemos a considerar

    pregadores e filsofos antes como observadores passivos do drama da vida do que

    como participantes ativos. Portanto, num assunto como este, seus julgamentos

    podem ser suspeitos de certa intransigncia, de serem um tanto cidos, ou como

    dizem os franceses, saugrenu. Podemos, portanto, trazer baila uma outratestemunha, que foi notavelmente um homem de ao, e cujo julgamento no

    passvel desta suspeita. Marco Aurlio foi soberano do maior dos imprios, e deste

    posto no apenas tinha o homem-massa romano sob observao, mas o teve em

    suas mos vinte e quatro horas por dia, durante dezoito anos. O que ele no sabia

    sobre o homem-massa no era digno de ser sabido, e o que pensava dele est

    abundantemente registrado em quase todas as pginas do pequeno livro de

    apontamentos que escrevia improvisadamente em meio ao cotidiano, para o qual

    no pretendia nenhum leitor seno ele mesmo.

    Esta viso das massas uma que encontramos prevalecendo largamente entre as

    autoridades antigas a cujos escritos temos acesso hoje. No sculo XVIII, entretanto,

    certos filsofos europeus espalharam a noo de que o homem-massa, em seu

    estado natural, no de modo algum o tipo de pessoa que as autoridades de outrora

    acreditavam ser, mas, pelo contrrio, que um valoroso objeto de interesse. Sua

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    indocilidade um efeito do ambiente, um efeito pelo qual a "sociedade" de algum

    modo responsvel. Se apenas seu ambiente lhe permitisse viver de acordo com as

    prprias luzes, ele indubitavelmente se provaria um bom sujeito; e a melhor maneira

    de assegurar um ambiente mais favorvel para ele seria deixar o prprio se

    encarregar do ambiente. A Revoluo Francesa agiu poderosamente como trampolim

    para esta idia, projecionando sua influncia em todos os cantos da Europa.

    Neste lado do oceano, um continente completamente novo se disps a um

    experimento em larga escala desta teoria. Gastou todos os recursos disponveis pelos

    quais as massas pudessem desenvolver uma civilizao feita sua prpria imagem e

    semelhana. No havia qualquer fora tradicional que perturbasse sua

    preponderncia, ou que as pusesse sob o implacvel escrutnio dos Remanescentes.

    Imensa riqueza natural, predomnio inquestionado, isolamento quase total, livre de

    interferncia externa e do temor dela e, por fim, um perodo de cento e cinqenta

    anos tais so as vantagens que teve o homem-massa, na criao de uma civilizao

    que destruiria a crena dos pregadores e filsofos de outrora de que nada de

    substancial poderia ser esperado das massas, mas apenas dos Remanescentes.

    O sucesso no impressiona. Com base nas evidncias at agora apresentadas,

    preciso dizer, penso eu, que a concepo do homem massa sobre o que a vida tem a

    oferecer, e o que ele escolhe pedir da vida, parecem hoje ser basicamente as

    mesmas que nos tempos de Isaas e de Plato; e tambm os catastrficos conflitos econvulses sociais nos quais sua viso de mundo e suas exigncias vida o

    implicam. Contudo, no pretendo me estender sobre isso, mas somente observar que

    a importncia monstruosamente inflada das massas evidentemente afastou da

    cabea do profeta todo pensamento concernente a uma possvel misso dos

    Remanescentes. obviamente assim que deveria ser, caso os pregadores e filsofos

    antigos estivessem errados, e caso as ltimas esperanas da humanidade

    estivessem centradas nas massas. Se, por outro lado, acontecer de o Senhor e Isaas

    e Plato e Marco Aurlio estarem certos na estimativa do valor social relativo das

    massas e dos Remanescentes, o caso um tanto diferente. Alm disso, dado que,

    com tudo a seu favor, at agora as massas tenham dado uma demonstrao

    extremamente desencorajadora de si mesmas, parece que a questo em pauta entre

    estes dois sistemas de opinio pode ser reaberta com proveito.

    III

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    Mas, sem seguir esta sugesto, eu quero apenas, como disse, sublinhar o fato de

    que, do jeito que as coisas esto, o trabalho de Isaas parece ser pouco procurado.

    Todos os que tm uma mensagem hoje em dia esto, como meu venervel amigo

    europeu, ansiosos por lev-la s massas. Sua primeira, ltima, e nica preocupao

    ser aceito e aprovado pelas massas. Seu grande cuidado dispor sua doutrina de tal

    forma que possa capturar o interesse e a ateno das massas. Esta atitude para com

    as massas to exclusiva, to devota, que faz lembrar o monstro troglodita descrito

    por Plato, e a diligente multido entrada de sua caverna, tentando

    obsequiosamente apazigu-lo e ganhar seu favor, tentando interpretar seus rudos

    inarticulados, tentando descobrir o que o monstro deseja, e avidamente oferecendo a

    ele toda espcie de coisas que, imaginam, possam agrad-lo.

    O problema principal disso tudo o efeito que tem sobre a prpria misso. Requer

    uma adulterao oportunista da doutrina, que altera profundamente seu carter e a

    reduz a um mero placebo. Se, digamos, voc um pregador, deseja atrair uma

    congregao to grande quanto possvel, o que significa um apelo s massas; e isto,

    por sua vez, quer dizer adaptar os termos da sua mensagem ordem de intelecto e

    carter prpria das massas. Se voc um educador, digamos que no comando de

    uma faculdade, quer acumular o mximo de alunos possvel, e faz os cortes

    necessrios nos requisitos mnimos. Se um escritor, deseja conseguir muitos leitores;

    se um editor, muitos compradores; se um filsofo, muitos discpulos; se um

    reformador, muitos convertidos; se um msico, muitos ouvintes; e assim por diante.Mas como podemos observar por todos os lados, na realizao destes vrios desejos,

    a mensagem proftica to pesadamente adulterada com trivialidades em todos os

    nveis, que seu efeito sobre as massas simplesmente fortalec-las em seus

    pecados. Enquanto isto, os Remanescentes, conhecedores desta adulterao e dos

    desejos que a motivam, viram suas costas ao profeta e no querem mais saber dele

    ou de sua mensagem.

    Isaas, por outro lado, no trabalhava sob tais estorvos. Ele pregava para as massas

    somente no sentido em que pregava publicamente. Qualquer um que gostasse podia

    ouvir; qualquer transeunte podia ser algum que gostasse. Ele sabia que os

    Remanescentes ouviriam; e sabendo tambm que no devia, sob nenhuma

    circunstncia, esperar qualquer coisa das massas, no fazia nenhum apelo especfico

    a elas, no adaptava sua mensagem medida delas de modo algum, e no ligava a

    mnima para se prestavam ou no ateno. Como um editor moderno poderia dizer,

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    ele no se preocupava com circulao ou propaganda. Ento, com todas as

    obsesses desse tipo completamente fora do caminho, ele estava apto a fazer o seu

    melhor, sem medo ou concesses, e respondendo apenas ao seu augusto Chefe.

    Se um profeta no for muito inclinado a ganhar dinheiro com sua misso, ou aadquirir com ela uma espcie dbia de notoriedade, as consideraes acima levariam

    a dizer que servir os Remanescentes parece um bom trabalho. Uma tarefa qual

    voc pode realmente se dedicar, e fazer o seu melhor sem pensar nos resultados,

    um trabalho de verdade; enquanto que servir s massas , na melhor das hipteses,

    um meio trabalho, levando em conta as severas condies que as massas impem

    aos seus servidores. Elas te pedem que lhes d o que querem, insistem nisso, e se

    recusam a receber qualquer outra coisa; e seguir seus caprichos, suas mudanas

    irracionais de gosto, seus humores quentes ou frios, um negcio tedioso para no

    mencionar o fato de que seus desejos permanentes tm muito pouco a ver com os

    recursos profticos de algum. Os Remanescentes, por outro lado, querem apenas o

    seu melhor, seja qual ele for. D o seu melhor a eles, e estaro satisfeitos; voc no

    tem mais nada com que se preocupar. O profeta das massas americanas deve

    almejar conscientemente o mnimo denominador comum do intelecto, do carter e

    do gosto entre 120.000.000 de pessoas; e esta uma tarefa perturbadora. O profeta

    dos Remanescentes, pelo contrrio, est na invejvel posio de Papa Haydn no

    palcio do Prncipe Esterhazy. Tudo o que Haydn tinha que fazer era continuar

    desencavando as melhores das melhores msicas que ele sabia como criar, sabendoque ela seria entendida e apreciada por aqueles para quem produziu, e no ligando a

    mnima para o que os outros pensavam dela; e isto um bom trabalho.

    Num certo sentido, entretanto, como eu disse, no um trabalho recompensador. Se

    voc consegue suportar os caprichos das massas, e ter a sagacidade de estar

    sempre um passo adiante de suas excentricidades e vacilaes, pode conseguir um

    bom retorno monetrio servindo a elas, e um bom retorno num tipo de notoriedade

    boca-a-boca:

    Digito monstrari et dicier, Hic est!

    [que nos apontem e digam: ele!]

    Todos ns conhecemos inumerveis polticos, jornalistas, dramaturgos, romancistas

    e afins, que se deram extremamente bem neste caminho. Cuidar dos

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    Remanescentes, pelo contrrio, traz pouca promessa de recompensas do tipo. Um

    profeta dos Remanescentes no se tornar orgulhoso dos retornos financeiros de seu

    trabalho, nem provvel que adquira um grande renome por ele. O caso de Isaas foi

    uma exceo a esta segunda regra, e existem outras, mas no muitas.

    Pode-se pensar ento que, embora cuidar dos Remanescentes seja sem dvida um

    bom trabalho, no um trabalho particularmente interessante, pois via de regra

    to pobremente recompensado. Tenho minhas dvidas quanto a isso. H outras

    compensaes a serem tiradas de um trabalho alm de dinheiro e fama, e algumas

    delas so substanciais o suficiente para se tornarem atrativas. Muitos trabalhos que

    no pagam bem so ainda assim profundamente interessantes, como, por exemplo,

    dizem que o do pesquisador cientfico; e o trabalho de cuidar dos Remanescentes

    me parece, depois de muitos anos pesquisando-o a partir de minha tribuna de honra,

    no ser menos interessante do que qualquer outro trabalho encontrvel no mundo.

    IV

    O que o faz ser assim, penso, o fato de que em qualquer sociedade os

    Remanescentes so sempre uma quantidade desconhecida. Voc no sabe, e nunca

    vai saber, mais do que duas coisas sobre ele. Voc pode estar certo dead sure,

    como diz a nossa expresso delas, mas no ser capaz sequer de fazer uma

    especulao crvel sobre qualquer outra coisa. Voc no sabe, e nunca saber, quem

    so os Remanescentes, nem o que eles esto fazendo ou faro. Voc sabe de duas

    coisas, e no mais: primeira, que eles existem; segunda, que eles te encontraro.

    Exceto por essas duas certezas, trabalhar para os Remanescentes significa trabalhar

    em meio a uma escurido incompreensvel; e esta, digo eu, exatamente a condio

    calculada com mais perfeio para despertar o interesse de qualquer profeta que

    seja propriamente dotado de imaginao, de insight e da curiosidade intelectual

    necessrias para uma prtica feliz de sua atividade.

    O que fascina e desespera o historiador, ao examinar o povo judaico de Isaas, aAtenas de Plato, ou a Roma dos Antoninos, a esperana de descobrir e revelar o

    "substratum do bem pensar e do fazer correto" que ele sabe que deve ter existido

    em algum lugar naquelas sociedades, porque nenhum tipo de vida coletiva pode

    subsistir sem ele. Ele encontra excitantes indcios aqui e ali em muitos lugares, como

    na Antologia Grega, no lbum de recortes de Aulus Gellius, nos poemas de Ausonius,

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    e no breve e comovente tributo, Bene merenti, conferido aos desconhecidos

    ocupantes das tumbas romanas. Mas estes so vagos e fragmentrios; eles no o

    ajudam em sua busca por algum mtodo de medio deste substratum, mas

    meramente atestam o que ele j sabia a priori que o substrato realmente existia

    em algum lugar. Onde estava, o quanto tinha de substancial, qual o seu poder de

    auto-afirmao e resistncia sobre tudo isso, nada dito.

    De mesma forma, quando o historiador de daqui a dois mil ou duzentos anos

    examinar o testemunho disponvel sobre a qualidade da nossa civilizao, e tentar

    alcanar qualquer tipo de evidncia clara e convincente do substratum do bem

    pensar e do fazer correto, que ele sabe que deve ter existido, vai passar pelo diabo

    at conseguir encontr-lo. Quando tiver reunido tudo o que conseguiu, e quando

    tiver aberto certa margem para falcias, vagueza, e confuso de motivo, tristemente

    reconhecer que a sua rede no capturou absolutamente nada. Remanescentes

    estiveram aqui, construindo um substratum como insetos de coral; isto ele sabe, mas

    no encontrar nada que o ponha na pista de quem e onde e quantos eles foram, e

    de que maneira trabalhavam.

    Quanto a tudo isso, tambm, o profeta do presente sabe exatamente tanto e to

    pouco quanto o historiador do futuro; e isto, repito, que me faz seu trabalho

    parecer to profundamente interessante. Um dos episdios mais sugestivos

    recontados na Bblia aquele sobre a tentativa de um profeta a nica tentativa dotipo de que se tem registro, que eu saiba de contar quantos eram os

    Remanescentes. Elias fugira da perseguio para o deserto, onde o Senhor

    imediatamente chamou sua ateno e perguntou o que fazia, to longe de seu

    trabalho. Ele respondeu que estava fugindo, no por covardia, mas porque todos os

    Remanescentes haviam sido mortos, com exceo dele mesmo. Ele escapara por

    apenas um fio de cabelo, e, sendo agora o nico Remanescente que havia, se fosse

    morto a F Verdadeira teria fim. O Senhor respondeu que ele no tinha que se

    preocupar com isso, pois mesmo sem ele a F Verdadeira provavelmente conseguiria

    se arranjar de algum modo, se fosse preciso; "e quanto ao seu clculo dos

    Remanescentes," disse Ele, "Eu no me importo em lhe dizer que h sete mil deles l

    em Israel, dos quais pelo visto voc no tem notcia, mas pode acreditar em Minha

    palavra de que l eles esto."

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    Naquele tempo, a populao de Israel provavelmente no podia ser muito maior do

    que um milho de pessoas; e um grupo de sete mil Remanescentes em um milho

    uma porcentagem altamente encorajadora para qualquer profeta. Com sete mil ao

    seu lado, no havia grandes motivos para que Elias se sentisse solitrio; e, a

    propsito, isso algo que o profeta moderno deve considerar quando tomado de

    tristeza. Mas o principal que se Elias o Profeta no conseguiu chegar a um palpite

    mais aproximado sobre o nmero dos Remanescentes, do que quando tentou e errou

    por sete mil, qualquer pessoa que enfrente este problema estar apenas

    desperdiando tempo.

    A outra certeza com a qual o profeta dos Remanescentes pode sempre contar a de

    que os Remanescentes o encontraro. Ele pode confiar nisso com absoluta

    segurana. Eles o encontraro sem que o profeta faa qualquer esforo para tal; de

    fato, se fizer qualquer esforo, bem certo que os afastar. Ele no precisa

    propagandear-se para atra-los, nem recorrer a qualquer esquema de publicidade

    para angariar sua ateno. Se ele um pregador ou palestrante, por exemplo, pode

    ser totalmente indiferente a aparies em coquetis, a ter sua foto publicada nos

    jornais ou fornecer material autobiogrfico para publicao, em nome do "interesse

    humano". Se um escritor, no precisa se preocupar com aparecer em festas, fazer

    noites de autgrafo, nem entrar em qualquer espcie de duvidosa confraria de

    crticos. Tudo isso e muito mais do mesmo tipo se encontra na rotina normal e

    necessria do profeta das massas; , e deve ser, parte da grande tcnica geral paracapturar os ouvidos do homem-massa ou, como coloca o nosso vigoroso e

    excelente publicista, o senhor H. L. Mencken, a tcnica de "boob-bumping", trombar

    com tolos. O profeta dos Remanescentes no est preso a esta tcnica. Ele pode

    estar certo de que os Remanescentes encontraro o caminho sem qualquer auxlio

    exterior; e no apenas isso, mas se o encontrarem atravs destes auxlios, como eu

    disse, muito provvel que fiquem com uma pulga atrs da orelha e dem no p.

    A certeza de que os Remanescentes o encontro, entretanto, deixa o profeta no

    escuro tanto quanto antes, to desamparado quanto antes na questo de fazer

    qualquer espcie de estimativa sobre os Remanescentes; pois, como acontece no

    caso de Elias, ele continua ignorante de quem so os que o acharam, ou de onde

    esto ou quantos so. Eles no escreveram para inform-lo, assim como fazem os

    que admiram as vedetes de Hollywood, e nem mesmo o procuram e se apegam a

    esta pessoa. Eles no so dessa espcie. Eles encaram a mensagem do profeta da

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    mesma forma que motoristas usam as direes inscritas numa placa de beira de

    estrada ou seja, dedicando muito pouca ateno placa, alm da grata alegria que

    sentem por ela estar l, e com todos os pensamentos voltados para as direes.

    Esta atitude impessoal dos Remanescentes aumenta maravilhosamente o interessedo trabalho do profeta imaginativo. De vez em quando, apenas com a freqncia

    suficiente para manter ativa sua curiosidade intelectual, ele encontrar

    acidentalmente alguma ntida reflexo de sua prpria mensagem, em algum canto

    insuspeitado. Isso permite que se entretenha, em momentos de lazer, com

    agradveis especulaes sobre o curso que sua mensagem pode ter tomado at

    alcanar aquele lugar especfico, e sobre o que foi dela depois de chegar l. O mais

    interessante destes exemplos seria se fosse possvel retraar o caminho (mas

    sempre possvel especular), at o ponto em que o prprio receptor no sabe mais

    onde ou quando ou de quem ele recebeu a mensagem ou mesmo at o ponto,

    como acontece algumas vezes, em que ele esqueceu de t-la recebido em algum

    lugar, e imagina que a coisa uma idia espontnea, surgida de sua prpria mente.

    Exemplos tais como estes provavelmente no so infreqentes, pois, mesmo sem

    presumir que faamos parte dos Remanescentes, todos ns podemos, sem dvida,

    lembrar de estarmos repentinamente sob a influncia de uma idia cuja fonte nos

    impossvel identificar. "Eu s me dei conta depois", como dizemos; ou seja, temos

    conscincia dela somente depois que feriu integralmente nossas mentes, deixando-nos completamente ignorantes de como e quando e por qual agente foi plantada l,

    e deixada para que germinasse. Parece altamente provvel que a mensagem do

    profeta muitas vezes toma curso semelhante entre os Remanescentes.

    Se, por exemplo, voc um escritor ou um palestrante ou um pregador, oferece uma

    idia que est alojada no Unbewutsein de um membro qualquer dos

    Remanescentes, e a idia "pega" fcil l. Por algum tempo permanece inerte; ento

    comea a afligir e ferir, at que invade a mente consciente da pessoa, e, pode-se

    dizer, a corrompe. Enquanto isso, ele esqueceu completamente de como chegou idia em primeiro lugar, e talvez at mesmo pense que a inventou; e nestas

    circunstncias, o mais interessante de tudo que voc nunca sabe o que a presso

    daquela idia pode lev-lo a fazer.

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    Por estes motivos, me parece que o trabalho de Isaas no apenas bom, mas

    extremamente interessante; especialmente na nossa poca, quando ningum se

    encarrega dele. Se eu fosse jovem e tivesse o objetivo de entrar no trabalho

    proftico, certamente entraria neste ramo do negcio; e portanto no tenho qualquer

    hesitao em recomend-lo como carreira para qualquer um que esteja nesta

    posio. Ela oferece um campo aberto, sem competio; a nossa civilizao despreza

    e rejeita os Remanescentes to completamente, que qualquer pessoa focada em seu

    servio pode muito bem ter a expectativa de dominar todo o negcio.

    Mesmo presumindo que exista algum salvamento social a ser experimentado com as

    massas, mesmo presumindo que o testemunho histrico sobre o seu valor seja um

    pouco drstico demais, que leva o desespero um pouco longe demais, ainda

    necessrio perceber, eu penso, que as massas tm profetas demais e de sobra.

    Mesmo admitindo que nos momentos crticos da histria, a esperana da raa

    humana talvez no esteja exclusivamente centrada nos Remanescentes,

    necessrio perceber que eles tm valor social suficiente para lhes conferir um direito

    a alguma medida de consolao e encorajamento profticos, e que a nossa

    civilizao no lhes concede nenhum. Todas as vozes profticas so dirigidas s

    massas, e somente a elas; a voz do plpito, a voz da educao, a voz dos polticos,

    da literatura, do teatro, do jornalismo todas estas so dirigidas exclusivamente s

    massas, e elas conduzem as massas na direo em que esto indo.

    possvel sugerir, portanto, que o talentoso aspirante a profeta pode muito bem

    voltar-se para outra direo. Sat patriae Priamoque datum qualquer obrigao do

    tipo devida s massas j est paga, com um excesso monstruoso. Contanto que as

    massas tomem o tabernculo de Moloque e de Quium, suas imagens, e sigam a

    estrela de seu deus Buncombe, a elas no faltaro profetas que apontem o caminho

    que leva Vida Mais Abundante; e, portanto, os poucos que sentem o impulso

    proftico talvez faam melhor em se aplicar tarefa de servir os Remanescentes.

    um bom trabalho, um trabalho interessante, muito mais interessante do que servir s

    massas; e alm do mais, o nico trabalho em toda a nossa civilizao, at onde sei,

    que oferece um campo virgem.

    Este ensaio apareceu pela primeira vez em The Atlantic Monthly, em 1936.

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    Albert Jay Nock(18701945) foi um influente autor libertrio, terico da educao e

    crtico social americano. Exerceu forte influncia tanto sobre Murray Rothbard quanto

    sobre William Buckley Jr.

    Uma educao para as coisas

    permanentes

    Ao falar sobre educao liberal para um pblico que no conhece esta idia, uma

    objeo que costumo ouvir com freqencia algo nas seguintes linhas: mas para

    qu serve isto?. Ou seja, a pergunta pela utilidade da educao liberal.

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    A pergunta bastante razovel, pois, dado que este um empreendimento que

    tomar muito dos recursos de uma pessoa incluindo seu recurso mais valioso e

    escasso: o tempo ela tem todo o direito de saber que frutos ir colher do seu tempo

    e esforo investidos.

    Uma resposta adequada para este pergunta, no entanto, no nada simples, pois

    podemos seguir dois caminhos inteiramente diferentes: mostrar em qu a educao

    liberal til ou mostrar porque a utilidade no deve ser considerada o valor mais alto

    em nossas decises. Neste artigo, percorremos o segundo caminho, deixando o

    primeiro para outro momento.

    O que a utilidade?

    Vamos, portanto, primeiramente nos certificar que entendemos bem o que a idiade utilidade.

    Quando dizemos que uma coisa til, estamos querendo dizer que ela um meio

    eficiente de se alcanar um determinado objetivo, o qual varia de acordo com o

    objeto em questo.

    O garfo, portanto, til porque ele um meio eficiente para levar a comida boca. O

    carro til porque ele um meio adequado para nos locomovermos nas estradas. O

    remdio til porque serve para curar doenas.

    A superioridade dos fins sobre os meios

    O que est implcito nesta descrio e que freqentemente esquecemos que

    tudo o que til, por definio, no possui nenhuma importncia em si mesmo, pois

    todo seu valor reside no objeto de sua utilidade. Em outras palavras: o garfo to

    importante quanto for a importncia do ato de levar comida boca; o remdio to

    importante quanto a cura que ele promove, etc.

    Ou seja, ser til ser um instrumento capaz de atingir determinado objetivo; e o

    valor deste instrumento vai depender do valor do objetivo. O instrumento, em si

    mesmo, no vale nada; o objetivo, este sim vale tudo.

    Esta distino entre instrumento e objetivo ou, em termos mais precisos, entre

    meio e fim - um dos fundamentos essenciais da filosofia clssica... e do bom senso.

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    O que nem sempre se percebe que, por definio, os fins so mais importantes que

    os meios. Se voc precisa atingir um determinado objetivo poder se valer dos

    diferentes meios que estejam disponveis. Poder trocar o objeto til A pelo objeto

    til B em um piscar de olhos, sem remorso algum, de acordo com a capacidade de

    cada um em lhe levar ao fim almejado. A mudana de fins, no entanto, mais

    complicada.

    Por isso, quando voc sai de casa para enviar uma carta pelo correio, pouco lhe

    importa a agncia que ir utilizar (que o seu meio), mas voc voltar

    profundamente chateado se no conseguir enviar a cara (que o seu fim).

    A superioridade dos fins, alis, j estava implcita na prpria linguagem da pergunta

    que deu incio a este artigo. Quando dizemos que isto serve para aquilo, estamos

    assinalando a condio de servido da ferramenta ao seu objetivo; ou seja, os meios

    so servos dos fins

    Aquilo que no meio

    Se pararmos um pouco para pensar, veremos que a nossa vida um contnuo

    encadeamento de fins e meios, onde muitas vezes algo que era meio se torna um fim

    e vice-versa.

    Conseguir um emprego, por exemplo, o fim que leva muitas pessoas a cursaremuma universidade. No entanto, o emprego logo se mostra um meio de ganhar

    dinheiro; o que, por sua vez, um meio de pagar o aluguel; o que, por sua vez, um

    meio de ter um lugar para morar; o que... Mas onde isto vai parar?

    Obviamente, isto precisa parar em algum lugar. Existem certas coisas que

    essencialmente no so meios para mais nada, pois so fins em si mesmas.

    Antes que o leitor ache que estou sendo abstrato demais, darei um exemplo de um

    fim em si mesmo que ele experimenta diariamente: o prazer. Podemos dizer que

    comemos chocolate porque ele um meio para termos prazer, mas o prazer um

    meio para qu?

    Algum leitor talvez possa argumentar que o prazer tambm tem seus efeitos

    secundrios (como a liberao de certas substncias qumicas, por exemplo), mas,

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    evidentemente, no por qualquer objetivo secundrio que buscamos o prazer, mas

    sim, pelo prazer em si mesmo.

    O prazer, no entanto, no o nico valor que existe em si mesmo. A beleza outro

    exemplo. Quando olhamos uma bela paisagem, ns o fazemos pelo prprio ato decontempl-la, e no por um outro objetivo secundrio.

    A justia tambm outro exemplo. Muitas vezes fazemos o que certo, no apenas

    por consideraes prticas (como evitar ser preso), mas sim pelo princpio em si

    mesmo, mesmo quando contra ele vai contra toda e qualquer considerao prtica

    como o caso dos mrtires e dissidentes polticos, que sacrificam todos os meios

    para no abrir mo dos fins que lhes so caros.

    Portanto, embora nossa vida, de fato, parea ser essa conturbada constelao de finse meios intercambiveis, por trs de toda esta alucinante transformao h uma

    srie de princpios que se sustentam por si mesmos e que permanecem inabalveis

    por toda nossa existncia. Estes princpios perenes so aquilo que Russel Kirk, de

    maneira muito apropriada, chamava de as coisas permanentes.

    O que isto tudo tem a ver com educao liberal?

    Evidentemente, toda educao necessariamente um meio para algo; ela um

    instrumento que nos levar para um fim. A diferena entre os tipos de educao estentre os tipos de fins que ela almeja alcanar.

    A educao profissionalizante o meio atravs do qual se adquire as habilidades

    para desempenhar um papel profissional. A educao cientfica a preparao para

    a pesquisa em um ramo da cincia. Mas qual o fim da educao liberal?

    A educao liberal visa, justamente, levar o aluno a conviver com as coisas

    permanentes. Trata-se de meditar sobre as produes do esprito humano e

    contemplar as idias que parecem constituir um aspecto permanente da experincia

    humana.

    Por isso, no cabe perguntar se existe um mercado para pessoas formadas em

    educao liberal, pois o mercado existe justamente para que as pessoas possam

    negociar habilidades tcnicas (teis, portanto), as quais no fazem parte do campo

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    da educao liberal. A funo da educao liberal no formar tcnicos (o que seria

    uma transmisso de meios), mas sim, enriquecer o esprito dos estudantes atravs

    do contato com as coisas permanentes (o que uma transmisso de fins). Enquanto

    o ensino profissionalizante transmite algo til (um meio para alcanar um objetivo), a

    educao liberal transmite algo que um fim em si mesmo: o contato com as "coisas

    permanentes".

    Portanto, respondendo pergunta que deu incio a este artigo: a educao liberal

    serve para transmitir ao aluno uma impresso das coisas permanentes, daqueles

    princpios que possuem seu valor em si mesmo.

    E, caso o leitor pergunte ento para qu serve as coisas permanentes, ser preciso

    lhe responder que elas no servem para nada,pois todo o resto que serve a elas.

    Lucas Mafaldo

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    O propsito conservador de uma educaoliberal

    Nosso termo "educao liberal" bem mais antigo do que o uso da palavra "liberal"

    no sentido poltico. O que agora chamamos de "estudos liberais" remonta aos

    tempos clssicos, enquanto o liberalismo poltico surge apenas na primeira dcada

    do sculo XIX. "Educao liberal" significa ordenao e integrao do conhecimento

    para o benefcio do indivduo livre - em contraste com a educao tcnica ou

    profissionalizante, atualmente chamada, presunosamente, "career education" -

    educao para a carreira.

    A educao liberal conservadora no seguinte sentido: defende a ordem contra a

    desordem. Em termos prticos, trabalha pela ordem na alma, e pela ordem na

    repblica. O ensino liberal habilita os que se beneficiam de sua disciplina atingir

    certo nvel de harmonia interior. No dizer de John Henry Newman, no Discurso V de

    sua "Idea of a University", atravs de uma disciplina intelectual liberal, "forma-se um

    hbito mental que dura por toda a vida, cujos atributos so liberdade, equanimidade,

    serenidade, moderao e sabedoria; o que... eu me arrisco a chamar de um hbito

    mental filosfico".

    O objetivo primrio de uma educao liberal, ento, o cultivo do intelecto e da

    imaginao do prprio indivduo, para o bem do prprio indivduo. No deve ser

    esquecido, nesta era massificada em que o Estado aspira a ser tudo em tudo, que a

    educao genuna algo alm de mero instrumento de poltica pblica. A verdadeira

    educao deve desenvolver o indivduo humano, a pessoa, antes de servir ao Estado.Tendemos a esquecer que o ensino no foi originado pelo moderno estado-nao. O

    ensino formal comeou, de fato, como uma tentativa de tornar o conhecimento

    religioso - o senso do transcendente e as verdades morais - familiar gerao

    nascente. Seu propsito no era doutrinar os jovens em civismo, mas sim ensinar o

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    que ser um homem genuno, que vive dentro de uma ordem moral. Na educao

    liberal, a pessoa tem primazia.

    Contudo, um sistema de educao liberal tambm possui um propsito social, ou ao

    menos um resultado social. Ajuda a prover um corpo de indivduos que se tornamlderes em muitos nveis da sociedade, em grande ou pequena escala. Os fundadores

    das primeiras faculdades americanas esperavam que, nestas instituies, se

    formassem jovens solidamente educados nas antigas disciplinas intelectuais, que

    nutririam o Novo Mundo com o patrimnio moral e intelectual recebido do Velho

    Mundo.

    E, gerao aps gerao, as faculdades americanas de educao liberal (especficas

    da Amrica do Norte), e posteriormente as escolas e os programas de artes liberais

    das universidades, realmente formaram jovens homens e mulheres que, tendo

    adquirido em algum grau uma mente filosfica, fermentaram a massa da nao, que

    se expandia com vigor.

    Se todas as escolas, faculdades e universidades fossem abolidas amanh, ainda

    assim, a maior parte dos jovens encontraria ocupaes lucrativas; existiriam outros

    meios, ou seriam desenvolvidos, para trein-los para cada tipo especfico de

    trabalho. Por outro lado, um efeito altamente benfico da educao liberal - mais

    uma vez, conservador - que d sociedade um conjunto de jovens iniciados, em

    algum nvel, na sabedoria e na virtude, que podero se tornar lderes honestos em

    vrias reas da sociedade.

    Nosso aparato educacional tem criado no uma classe de jovens liberalmente

    educados, com uma perspectiva humana, mas, ao invs, uma srie de elites

    diplomadas, uma suposta meritocracia, de perspectivas limitadas e credenciais

    intelectuais e morais duvidosas, inchadas por aquele pequeno conhecimento

    acuradamente descrito por aquele mordaz Tory, Alexander Pope, como uma coisa

    perigosa.

    Quanto mais pessoas humanamente educadas houver, melhor. Porm, quanto mais

    tivermos pessoas meio educadas ou superficialmente educadas, pior para elas e para

    a repblica. As que o so verdadeiramente, ao invs de formar elites presunosas,

    penetraro a sociedade, fermentando a massa atravs de suas ocupaes, seus

    ensinamentos, suas pregaes, sua participao no comrcio e na indstria, na coisa

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    pblica em todos os nveis da comunidade. E, sendo educadas, sabero que no

    sabem tudo; que h outros objetivos na vida alm de poder, dinheiro e gratificao

    sexual; enxergaro longe; antevero a posteridade e olharo para trs, no

    esquecendo os antepassados. Para elas, a educao no ter fim no dia da

    formatura.

    Se nos arrastamos com pretenso e apatia atravs de um mundo tombado, deixando

    a imaginao e o intelecto em estado latente, camos presa da servido do corpo e

    da mente. A alternativa educao liberal a instruo servil. E quando guas de

    tempestade inundarem o mundo, como acontece hoje, se deixar levar pela

    correnteza e cantar hinos ao deus rio no ser o bastante.

    Alguns anos atrs, o presidente Nixon, no decorrer de uma conversa de uma hora,

    perguntou-me, "qual o livro que devo ler?". Contou-me que havia feito a mesma

    pergunta, por mais de uma vez, a Daniel Patrick Moynihan e a Henry Kissinger - mas

    que em resposta recebera listas com uma dzia de livros; e o presidente, premido

    por suas obrigaes, s podia achar tempo para um livro essencial. Qual deveria ser?

    "Leia as Notas para a Definio de Cultura, de T. S. Eliot", eu disse a Nixon. Ele quis

    saber por qu. "Porque Eliot discute as questes sociais fundamentais", eu respondi.

    "Lida com as relaes que deveriam haver entre os homens de poder e os homens

    de idias. E distingue melhor que ningum entre uma "classe" de pessoas realmente

    educadas e uma "elite" de especialistas pretensiosos - observando o quo perigosos

    estes ltimos podem se tornar".

    O presidente Nixon descobriu, no muito depois, que a elite de sua administrao era

    deficiente daquela sabedoria e daquela virtude to necessrias aos EUA. Um homem

    que teve uma educao liberal aprende de Plato e de Burke que, num estadista, a

    mais alta virtude a prudncia. O tipo de elevada prudncia necessria nos grandes

    assuntos de estado no tem sido comumente encontrada em Washington h vrias

    dcadas. Um motivo para tal deficincia foi a negligncia dos EUA para com aeducao liberal, como foi definida por John Henry Newman:

    "O treinamento pelo qual o intelecto, ao invs de ser sacrificado a, ou formado por,

    algum fim acidental ou particular - algum comrcio especfico, ou profisso, ou

    estudo, ou cincia - disciplinado para os prprios fins, para a percepo de seu

    objeto prprio, e para sua cultura mais alta, chamado Educao Liberal; e apesar

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    de no haver quem tenha levado este ideal aos mximos limites concebveis,

    praticamente no h quem no possa adquirir alguma noo do que o treinamento

    autntico, e ao menos tender a ele, e tornar tal padro de excelncia, e no outra

    coisa, seu verdadeiro escopo."

    A genuna educao liberal, aquela regra de excelncia, aquela conservadora da

    civilizao, necessria no apenas em Washington, mas em toda a nossa

    sociedade. A maioria dos detentores de uma educao liberal jamais chega a ocupar

    os tronos do poder. Ainda assim, fermentam a massa da nao, a partir de muitas

    posies e ocupaes; no conhecemos os nomes da maioria deles, mas cumprem

    seu trabalho conservador silenciosamente e bem.

    Eu no sei em que os americanos poderamos ter nos tornado, se no tivssemos tais

    homens e mulheres entre ns. No sei o que faremos se desaparecerem de nosso

    meio. Talvez sejamos deixados a celebrar "o sab satnico de uma revolvente

    maquinaria", supervisionados por especialistas - uma elite desprovida de imaginao

    moral, e deficiente no seu entendimento da ordem, da justia e da liberdade. E,

    depois, o caos.

    Muito precisa ser conservado nestas dcadas finais do sculo XX, quando parece que

    o "Tumulto rei, havendo deposto Zeus". Um benefcio de uma educao liberal o

    entendimento do que Aristfanes quis dizer com esta expresso - e de como

    Aristfanes e Scrates guardam grande importncia para ns. Se voc estudou

    Tucdides e Plutarco, ter apreendido muito sobre nossa problemtica poca; e se o

    estado no puder ser ordenado, ao menos uma educao liberal poder ensinar

    como ordenar sua prpria alma, neste vigsimo sculo depois de Cristo, assim como

    era feito no quinto sculo antes dele.

    * * *

    Russel Kirkfoi um dos principais intelectuais do sculo XX. Seu livro, "The

    Conservative Mind", considerado um dos mais influentes livros de idias polticas e

    sociais de sua poca. Sua esposa, Annette, d continuidade ao seu trabalho, no

    Russel Kirk Center ( www.kirkcenter.org).

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    http://www.kirkcenter.org/http://www.kirkcenter.org/
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    A Educao Clssica dos

    Fundadores dos Estados Unidos

    Existe uma razo que leva vrios pais a ensinarem aos seus filhos sobre os homens

    que fundaram os Estados Unidos, e ela vai alm de apenas familiariz-los com oquem eles eram e o que eles fizeram. Mais do que apenas ensinar nossos filhos sobre

    estes homens, atravs de histrias e biografia de suas vidas, muitos de ns

    queremos que nossos filhos se tornem semelhantes a eles. Os pais fundadores

    possuam duas caractersticas que os distinguiam dos outros homens do seu tempo -

    alis, da maioria dos homens de qualquer tempo: sabedoria e virtude. So estas duas

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    qualidades as que mais admiramos neles e as que mais gostaramos de ver em

    nossos filhos. Mas, mais importante que admirar estes traos, deveramos almejar

    entender como eles se tornaram assim.

    A educao clssica dos fundadores

    "Os americanos vem os pais fundadores sobre um vcuo, isolados do solo que os

    nutriram", diz Traci Lee Simmons, em seu livro "Climbing Parnassus: A new Apologia

    for Greek and Latin". Para os fundadores, diz Simmons, estas virtudes viam

    principalmente de dois lugares: "o plpito e a sala de aula".

    J estamos familiarizados com a influncia bblica explcita na fundao dos Estados

    Unidos, mas estamos muito menos familiarizados com as influncias clssicas nos

    fundadores - e como estas duas influncias agiram em conjunto para moldar tanto a

    educao quanto o pensamento deles.

    um fato bem conhecido de que, no perodo colonial, predominavam pessoas

    letradas. "Um nativo americano que no sabe ler ou escrever", diz John Adams, "

    uma apario to rara... quanto um cometa ou um terremoto". Por outro lado, no

    um fato to conhecido que os primeiros americanos com uma educao formal

    geralmente conheciam vrias outras lnguas alm da sua prpria.

    A educao tpica daquele tempo comeava no que hoje chamamos de terceira srie

    - mais ou menos aos oito anos. Os estudantes que, de fato, iam para a escola, tinham

    que aprender as gramticas grega e latina e, depois, serem capazes de ler os

    historiadores latinos Tacitus e Lvio, os historiadores gregos Herdoto e Tucdides, e

    serem capazes de traduzir os versos latinos de Virgilio e Horcio. Era esperado que

    eles soubesses essas lnguas bem o suficente para traduzir do original para o ingls

    e, depois, de volta para o original, em um tempo gramatical diferente. A Educao

    Clssica tambm enfatizava as sete artes liberais: Latim, lgica e retrica (o trivium)

    e tambm aritmtica, geometria, astronomia e msica ( o quadrivium).

    Thomas Jefferson recebeu, muito cedo, treinamento em latim, grego e francs, do

    Reverendo William Douglas, um clrigo escocs. Aos quatorze anos, o pai de

    Jefferson morreu, e, seguindo o desejo expresso de seu pai, ele continuou sua

    educao com o Reverendo James Maury, que dirigia uma academia clssica. Depois

    de sair da academia de Douglas, Jefferson freqentou o College of William and Mary,

    onde sua educao clssica prosseguiu em paralelo aos seus estudos de direito.

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    Quando Alexander Hamilton entrou no King's College (agora chamado de Columbia

    University), em 1773, era esperado que ele j dominasse as gramticas gregas e

    latinas, fosse capaz de ler trs discursos de Ccero e a Eneida de Virglio, ambos no

    original em latim, e ser capaz de traduzir os dez primeiros captulos do Evangelho

    segundo Joo do grego para o latim.

    Quando James Madison se inscreveu no College of New Jersey (agora, Princeton), era

    esperado que ele soubesse "escrever prosa em latim, traduzir Virglio, Ccero e os

    evangelhos gregos e [possuir] um conhecimento comparvel das gramticas gregas

    e latinas". Antes mesmo de entrar na faculdade, no entanto, ele j havia lido Virglio,

    Horcio, Justiniano, Nepos, Csar, Tacitus, Lucrcio, Eutropius, Fedro, Herdoto,

    Tucdides e Plato.

    Outras figuras-chaves na fundao dos Estados Unidos receberam uma educao

    semelhante, incluindo John Taylor of Caroline, John Tyler e George Rogers Clark,

    todos os quais estudaram os clssicos com o pregador escocs Donald Robertson.

    interessante observar que o estudo do Latim e do Grego - que o que o termo

    "educao clssica" originalmente implicava - no era algo que eles aprendiam na

    faculdade, mas algo que era esperado que eles soubessem antes de entrar nela.

    Estes homens no apenas tiveram que ler os clssicos na escola, eles os leram na

    vida adulta por prazer e pelos benefcios que tiravam do aprendizado. Hamilton

    aparentemente tinha uma propenso a copiar pginas e pginas de Plutarco e

    Demstenes. John Adams copiava longas passagens de Salstio, o historiador

    romano. Caso voc procure um pouco na internet, voc encontrar um manuscrito de

    doze linhas venda, na lngua original do grego de Herdoto, pelas mos de Adams.

    Isto lhe custar meros 6,300 dlares.

    Os fundadores conheciam estes escritores e os citavam prolificamente. Suas cartas,

    particularmente, demonstravam uma ampla familiaridade com os autores clssicos.

    A correspondncia entre os homens educados da poca costumava ser recheada decitaes clssicas, geralmente no original latino ou grego. Alis, aparentemente, o

    uso de tais citaes era to generalizado que, algumas vezes, chegava a incomodar

    o destinatrio: Jefferson usava tantas citaes gregas em suas cartas para Adams -

    que, pessoalmente, tinha uma predileo pelo latim - que chegou a receber uma

    reclamao do amigo sobre isto em certa ocasio.

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    Aparentemente, no foi a primeira vez que Adams se mostrou reticente quanto s

    lnguas clssicas. Quando ele era jovem, hoje sabemos, ele no era um estudioso

    muito entusiasmado, e resistia ao estudo do latim. No entanto, seu pai possua um

    bom remdio para isso: ele o mandava cavar algumas valas, uma atividade que

    rapidamente reacendia o seu entusiasmo pelos estudos. Depois, ele chegou a amar o

    latim, e insistiu para que a mesma educao clssica fosse dada aos seus filhos: John

    Quincy (que depois se tornaria presidente, como seu pai) e Charles.

    Vrios dos fundadores, incluindo Adams, estudaram em Harvard. O nico requisito

    acadmico para ser admitido na Harvard University de 1640 era o seguinte: "Quando

    um estudioso for capaz de ler Ccero, ou outro autor clssico latino ex tempore, e

    escrever e recitar o verdadeiro latim, em prosa e em verso, e declinar perfeitamente

    os paradigmas dos nomes e verbos na lngua grega, ento ele pode ser admitido na

    faculdade, e nenhum pode requerer sua admisso antes de obter tal qualificao".

    Nada de testes ACT ou SAT. Nada de prova de redao. Nada da ao afirmativa.

    Apenas latim e grego.

    [Nota do tradutor: e ns, brasileiros, poderamos adicionar tambm: "Nada de

    vestibular."]

    Nos primeiros anos da colonizao, tambm era esperado que os estudantes, de

    acordo com as regras da Harvard College, fossem capazes de traduzir o Antigo e o

    Novo Testamento, dos originais em grego e hebreu, para o latim. E no era apenas

    isto; veja outro requisito da Harvard daquela poca: "Os estudiosos jamais devem

    utilizar sua lngua materna, exceto em exerccios pblicos de oratria ou em

    situaes do tipo, onde sejam orientados a realiz-los em ingls". Em outras

    palavras, com poucas excees, os estudantes eram proibidos de utilizar o ingls em

    sala de aula e nos deveres escolares.

    Algo disto certamente mudou at a poca em que os fundadores comearam a

    freqent-la, mas no muita coisa: quando se tratava da educao clssica

    universitria, no perodo colonial, eles no faziam concesses.

    Dos cinqenta e cinco delegados da Conveno Constitucional, trinta deles possuam

    uma graduao universitria, um nmero assombroso para a poca. Mas, e aqueles

    que no possuam o grau universitrio, como George Washington? Eram eles, de

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    alguma maneira, influenciados pela educao clssica? No caso de Washington,

    mesmo com pouca educao formal, ele possua uma extrema admirao pelos

    pensadores clssicos. Existem registros que mostram que ele encomendou bustos de

    figuras como Ccero, que presumivelmente eram expostas em sua casa em Mt.

    Vernon. Ele tambm se preocupava com a cultura clssica o suficiente para fazer

    com que a pea de Joseph Addison sobre o jovem Cato (um estadista romano

    famoso) fosse apresentada para sua tropas no Valley Forge. Ele tambm insistiu em

    dar uma educao clssica ao seu enteado.

    Mesmo os muitos que tinham pouqussima educao formal costumavam possuir

    bastante conhecimento sobre as disciplinas clssicas. George Wythe, da Virgnia, que

    depois ficaria conhecido como o "Professor da Liberdade", foi educado em casa por

    sua me, em uma regio interiorana, e todos os seus contemporneos reconheciam

    a perfeio do seu conhecimento do grego.

    As Influncias clssicas impregnavam as salas de aula, mas no se limitavam a elas.

    Mesmo o que os americanos ouviam do plpito estava imbudo de referncias e

    aluses clssicas. Os pastores da poca tinham uma educao muitssimo melhor

    que os de hoje, e eram os membros da comunidade que mais provavelmente haviam

    recebido uma educao clssica.

    No incomum, nos dias de hoje, ouvir que os cristos deveriam evitar a leitura dos

    autores pagos da antiguidade. Esta uma idia que a gerao dos fundadores -

    incluindo grandes pensadores cristos como Cotton Mather e Jonathan Edwards -

    teria considerado simplesmente absurda. Alm do fato de que os padres e pastores

    (ou aspirantes a estas vocaes) eram os principais responsveis pela conduo da

    educao clssica, o estudo dos clssicos era considerado um componente essencial

    da formao do clero cristo. Na verdade, todos os grandes telogos e pensadores

    cristos, do incio dos Estados Unidos, estavam imersos e saturados nos clssicos.

    Mais do que compatvel, o estudo dos clssicos era absolutamente essencial para

    uma vocao crist.

    Foram principalmente os no-religiosos e os homens mais interessados nas

    possibilidades prticas da cincia do que com as realidades espirituais que tiverem

    uma opinio desfavorvel da educao clssica; homens como Benjamim Franklin

    que, mesmo se tornando depois um desta e depois um testa (sem chegar a se

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    tornar um cristo), sempre considerou que o estudo d as lnguas clssicas eram um

    anacronismo.

    Como os clssicos influenciaram o pensamento dos fundadores.

    Se os fundadores estavam mergulhados no conhecimento do pensamento clssico,

    como isto afetou o pensamento deles sobre a nova nao? Primeiramente, isto

    inculcou neles o respeito pelas lies da histria, lies que transpareciam em seus

    escritos e nos seus debates sobre como construir a Repblica Americana. "Eu tenho

    apenas um lmpada para guiar meus passos", disse Patrick Henry, "e esta lmpada

    a experincia. Eu no conheo maneira de julgar o futuro, a no ser atravs do

    passado".

    Eles examinavam os anais dos antigos em busca de exemplos de governos quefuncionaram bem - e tambm em busca dos que no funcionaram. Eles sabiam,

    muito antes que o filsofo George Santayana nascesse para diz-lo, que "aqueles

    que no conhecem a histria, esto condenados a repeti-la".

    "Estes homens", diz Simmons, discutindo os debates da Filadlfia de 1787, "haviam

    lido e digerido Polibius, Aristteles e Ccero, e eles usavam estes antigos luminares

    para elaborar e ilustrar suas idias perante a assemblia... Estes debates, to

    calorosos quanto eruditos, junto com os artigos d'O Federalista, estavam claramente

    repleto de sutis aluses clssicas - com as quais, Madison, Hamilton e Jay presumiam

    que os leitores estariam suficientemente familiarizados - e referncias diretas s

    ligas - da Lcia, Acaia e Etlia - formadas pelos gregos antigos com o objetivo de

    alcanar segurana fsica e poltica.

    No apenas os artigos d'O Federalista estavam repletos de referncias clssicas, mas

    os prprios pseudnimos escolhidos por cada escritor foram retirados de escritores

    do perodo clssico.

    A educao clssica nos dias de hoje

    Ser inspirado pelos grandes feitos dos grandes homens nos dar a motivao para

    realizar feitos semelhantes. Para nos tornar grandes, preciso comear por observar

    o que os outros grandes homens fizeram, para nos inspirarmos a fazermos, ns

    mesmo, o mesmo tipo de coisa. No entanto, enquanto atentar para estes grandes

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    feitos uma grande fonte de motivao, isto no o suficiente para nos habilitar a

    realizar o que eles realizaram. Podemos admir-los, mas no isto no vai

    necessariamente nos tornar semelhantes a eles. Para isto, mais que admir-los,

    precisamos tambm fazer o que eles fizeram.

    tentador olhar para a educao destes grandes americanos e pensar que o que

    eles fizeram muito difcil para os estudantes de hoje em dia - mas isto seria um erro

    gravssimo. Sim, eles tiveram algumas vantagens que ns no temos; principalmente

    em termos de terem menos distraes, mas isto algo que podemos controlar. E, na

    verdade, tambm temos vantagens que eles no tiveram: os recursos educacionais

    disponveis aos estudantes coloniais, por exemplo, no apenas eram difceis de

    encontrar, mas eram de uma qualidade imensamente inferior ao que temos hoje em

    dia.

    Ns podemos, alm disso, dizer que no temos a mesma firmeza, mas isso no

    algo que eles trouxeram para a sua educao; antes, um benefcio que receberam

    dela.

    A educao o cultivo da sabedoria e da virtude. Ao decidir como transmitir isto aos

    nossos filhos, faramos bem em observar como isso foi feito em um tempo onde

    sabedoria e virtude eram mais prevalentes do que nos nossos dias.

    Originalmente publicado no Classical Teacher, Spring 2007

    http://www.memoriapress.com/articles/founding-fathers.html

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    http://www.memoriapress.com/articles/founding-fathers.htmlhttp://www.memoriapress.com/articles/founding-fathers.html
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    Dez princpios conservadores

    por Russel Kirk

    Traduo de Padre Paulo Ricardo de Azevedo Jnior

    Fonte:http://www.kirkcenter.org/kirk/ten-principles.html

    No sendo nem uma religio nem uma ideologia, o conjunto de opinies

    designado como conservadorismo no possui nem uma Escritura Sagrada nem um

    Das Kapital que lhe fornea um dogma. Na medida em que seja possvel determinar

    o que os conservadores crem, os primeiros princpios do pensamento conservador

    provm daquilo que professaram os principais escritores e homens pblicos

    conservadores ao longo dos ltimos dois sculos. Sendo assim, depois de algumas

    observaes introdutrias a respeito deste tema geral, eu irei arrolar dez destes

    princpios conservadores.

    Talvez seja mais apropriado, a maior parte das vezes, usar a palavraconservador principalmente como adjetivo. J que no existe um Modelo

    Conservador, sendo o conservadorismo, na verdade, a negao da ideologia: trata-se

    de um estado da mente, de um tipo de carter, de uma maneira de olhar para ordem

    social civil.

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    http://www.kirkcenter.org/kirk/ten-principles.htmlhttp://www.kirkcenter.org/kirk/ten-principles.htmlhttp://www.kirkcenter.org/kirk/ten-principles.html
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    A atitude que ns chamamos de conservadorismo sustentada por um

    conjunto de sentimentos, mais do que por um sistema de dogmas ideolgicos.

    quase verdade que um conservador pode ser definido como sendo a pessoa que se

    acha conservadora. O movimento ou o conjunto de opinies conservadoras pode

    comportar uma diversidade considervel de vises a respeito de um nmero

    considervel de temas, no havendo nenhuma Lei do Teste (Test Act)1 ou Trinta e

    Nove Artigos (Thirty-Nine Articles)2 do credo conservador.

    Em suma, uma pessoa conservadora simplesmente uma pessoa que

    considera as coisas permanentes mais satisfatrias do que o caos e a noite

    primitiva3. (Mesmo assim, os conservadores sabem, como Burke, que a saudvel

    mudana o meio de nossa preservao). A continuidade da experincia de um

    povo, diz o conservador, oferece uma direo muito melhor para a poltica do que os

    planos abstratos dos filsofos de botequim. Mas claro que a convicoconservadora muito mais do que esta simples atitude genrica.

    No possvel redigir um catlogo completo das convices conservadoras;

    no entanto, ofereo aqui, de forma sumria, dez princpios gerais; tudo indica que se

    possa afirmar com segurana que a maioria dos conservadores subscreveria a maior

    parte destas mximas. Nas vrias edies do meu livro The Conservative Mind, fiz

    uma lista de alguns cnones do pensamento conservador a lista foi sendo

    levemente modificada de uma edio para a outra edio; em minha antologia The

    Portable Conservative Reader, ofereo algumas variaes sobre este assunto. Agora,

    lhes apresento uma resenha dos pontos de vista conservadores que difere um pouco

    dos cnones que se encontram nestes meus dois livros. Por fim, as diferentes

    maneiras atravs das quais as opinies conservadoras podem se expressar so, em

    si mesmas, uma prova de que o conservadorismo no uma ideologia rgida. Os

    princpios especficos enfatizados pelos conservadores, em um dado perodo, variam

    de acordo com as circunstncias e as necessidades daquela poca. Os dez artigos de

    convices abaixo refletem as nfases dos conservadores americanos da atualidade.

    Primeiro, um conservador cr que existe uma ordem moral duradoura.Esta ordem feita para o homem, e o homem feito para ela: a natureza

    humana uma constante e as verdades morais so permanentes.

    1 Test Act - Lei inglesa de 1673 que exigia dos titulares de cargos civis e militares professarem a f da

    Igreja Anglicana atravs de uma frmula de juramento (N. do T.).2 Declarao oficial da doutrina da Igreja Anglicana (N. do T.).3 A frase "Chaos and old Night" provm do poema pico de John MiltonParadise Lost(Book I; line 544).

    Milton usa esta frase para se referir matria a partir da qual Deus ordenou e criou o mundo (N. do T.).

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    Esta palavra ordem quer dizer harmonia. H dois aspectos ou tipos de ordem:

    a ordem interior da alma e a ordem exterior do estado. Vinte e cinco sculos atrs,

    Plato ensinou esta doutrina, mas hoje em dia at as pessoas instrudas acham difcil

    de compreend-la. O problema da ordem tem sido uma das principais preocupaes

    dos conservadores desde que a palavra conservadorse tornou um termo poltico.

    O nosso mundo do sculo XX experimentou as terrveis conseqncias do

    colapso na crena em uma ordem moral. Assim como as atrocidades e os desastres

    da Grcia do V sculo a.C., a runa das grandes naes, em nosso sculo, nos mostra

    o poo dentro do qual caem as sociedades que fazem confuso entre o interesse

    pessoal, ou engenhosos controles sociais, e as solues satisfatrias da ordem moral

    tradicional.

    Foi dito pelos intelectuais progressistas que os conservadores acreditam que

    todas as questes sociais, no fundo, so uma questo de moral pessoal. Seentendida corretamente esta afirmao bastante verdadeira. Uma sociedade onde

    homens e mulheres so governados pela crena em uma ordem moral duradoura,

    por um forte sentido de certo e errado, por convices pessoais sobre a justia e a

    honra, ser uma boa sociedade no importa que mecanismo poltico se possa usar;

    enquanto se uma sociedade for composta de homens e mulheres moralmente

    deriva, ignorantes das normas, e voltados primariamente para a gratificao de seus

    apetites, ela ser sempre uma m sociedade no importa o nmero de seus

    eleitores e no importa o quanto seja progressista sua constituio formal.

    Segundo, o conservador adere ao costume, conveno e continuidade.

    o costume tradicional que permite que as pessoas vivam juntas

    pacificamente; os destruidores dos costumes demolem mais do que o que eles

    conhecem ou desejam. atravs da conveno uma palavra bastante mal

    empregada em nossos dias que ns conseguimos evitar as eternas discusses

    sobre direitos e deveres: o Direito fundamentalmente um conjunto de convenes.

    Continuidade uma forma de atar uma gerao com a outra; isto to importante

    para a sociedade com o para o indivduo; sem isto a vida seria sem sentido.Revolucionrios bem sucedidos conseguem apagar os antigos costumes, ridicularizar

    as velhas convenes e quebrar a continuidade das instituies sociais motivo pelo

    qual, nos ltimos tempos, eles tm descoberto a necessidade de estabelecer novos

    costumes, convenes e continuidade; mas este processo lento e doloroso; e a

    nova ordem social que eventualmente emerge pode ser muito inferior antiga

    ordem que os radicais derrubaram um seu zelo pelo Paraso Terrestre.

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    Os conservadores so defensores do costume, da conveno e da

    continuidade porque preferem o diabo conhecido ao diabo que no conhecem. Eles

    crem que ordem, justia e liberdade so produtos artificiais de uma longa

    experincia social, o resultado de sculos de tentativas, reflexo e sacrifcio. Por isto,

    o organismo social uma espcie de corporao espiritual, comparvel Igreja;

    pode at ser chamado de comunidade de almas. A sociedade humana no uma

    mquina, para ser tratada mecanicamente. A continuidade, a seiva vital de uma

    sociedade no pode ser interronpida. A necessidade de uma mudana prudente,

    recordada por Burke, est na mente de um conservador. Mas a mudana necessria,

    redargem os conservadores, deve ser gradual e descriminativa, nunca se

    desvencilhando de uma s vez dos antigos cuidados.

    Terceiro, os conservadores acreditam no que se poderia chamar deprincpio do preestabelecimento.

    Os conservadores percebem que as pessoas atuais so anes nos ombros de

    gigantes, capazes de ver mais longe do que seus ancestrais apenas por causa da

    grande estatura dos que nos precederam no tempo. Por isto os conservadores com

    freqncia enfatizam a importncia do preestabelecimento ou seja, as coisas

    estabelecidas por costume imemorial, de cujo contrrio no h memria de homem

    que se recorde. H direitos cuja principal ratificao a prpria antiguidade

    inclusive, com freqncia, direitos de propriedade. Da mesma forma a nossa moral ,

    em grande parte, preestabelecida. Os conservadores argumentam que seja

    improvvel que ns modernos faamos alguma grande descoberta em termos de

    moral, de poltica ou de bom gosto. perigoso avaliar cada tema eventual tendo

    como base o julgamento pessoal e a racionalidade pessoal. O indivduo tolo, mas a

    espcie sbia, declarou Burke. Na poltica ns agimos bem se observarmos o

    precedente, o preestabelecido e at o preconceito, porque a grande e misteriosa

    incorporao da raa humana adquiriu uma sabedoria prescritiva muito maior do que

    a mesquinha racionalidade privada de uma pessoa.

    Quarto, os conservadores so guiados pelo princpio da prudncia.

    Burke concorda com Plato que entre os estadistas a prudncia a primeira

    das virtudes. Toda medida poltica deveria ser medida a partir das provveis

    conseqncias de longo prazo, no apenas pela vantagem temporria e pela

    popularidade. Os progressistas e os radicais, dizem os conservadores, so

    imprudentes: porque eles se lanam aos seus objetivos sem dar muita importncia

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    ao risco de novos abusos, piores do que os males que esperam varrer. Com diz John

    Randolph of Roanoke, a Providncia se move devagar, mas o demnio est sempre

    com pressa. Sendo a sociedade humana complexa, os remdios no podem ser

    simples, se desejam ser eficazes. O conservador afirma que s agir depois de uma

    reflexo adequada, tendo pesado as conseqncias. Reformas repentinas e incisivas

    so to perigosas quanto as cirurgias repentinas e incisivas.

    Quinto, os conservadores prestam ateno no princpio da variedade.

    Eles gostam do crescente emaranhado de instituies sociais e dos modos de

    vida tradicionais, e isto os diferencia da uniformidade estreita e do igualitarismo

    entorpecente dos sistemas radicais. Em qualquer civilizao, para que seja

    preservada uma diversidade sadia, devem sobreviver ordens e classes, diferenas

    em condies matrias e vrias formas de desigualdade. As nicas formasverdadeiras de igualdade so a igualdade do Juzo Final e a igualdade diante do

    tribunal de justia; todas as outras tentativas de nivelamento iro conduzir, na

    melhor das hipteses, estagnao social. Uma sociedade precisa de liderana

    honesta e capaz; e se as diferenas naturais e institucionais forem abolidas, algum

    tirano ou algum bando de oligarcas desprezveis ir rapidamente criar novas formas

    de desigualdade.

    Sexto, os conservadores so refreados pelo princpio da

    imperfectibilidade.

    A natureza humana sofre irremediavelmente de certas falhas graves, bem

    conhecidas pelos conservadores. Sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social

    perfeita poder jamais ser criada. Por causa da inquietao humana, a humanidade

    tornar-se-ia rebelde sob qualquer dominao utpica e se desmantelaria, mais uma

    vez, em violento desencontro ou ento morreria de tdio. Buscar a utopia

    terminar num desastre, dizem os conservadores: ns no somos capazes de coisas

    perfeitas. Tudo o que podemos esperar razoavelmente uma sociedade que seja

    sofrivelmente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustes e desprazerescontinuaro a se esconder. Dando a devida ateno prudente reforma, podemos

    preservar e aperfeioar esta ordem sofrvel. Mas se os baluartes tradicionais de

    instituio e moralidade de uma nao forem negligenciados, se d largas ao impulso

    anrquico que est no ser humano: afoga-se o ritual da inocncia 4. Os idelogos

    4 William Buttler Yeats, The Second Coming(N. do T.).

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    que prometem a perfeio do homem e da sociedade transformaram boa parte do

    sculo XX em um inferno terrestre.

    Stimo, conservadores esto convencidos que liberdade e propriedade

    esto intimamente ligadas.

    Separe a propriedade do domnio privado e Leviat se tornar o mestre de

    tudo. Sobre o fundamento da propriedade privada, construram-se grandes

    civilizaes. Quanto mais se espalhar o domnio da propriedade privada, tanto mais a

    nao ser estvel e produtiva. Os conservadores defendem que o nivelamento

    econmico no progresso econmico. Aquisio e gasto no so as finalidades

    principais da existncia humana; mas deve-se desejar uma slida base econmica

    para a pessoa, a famlia e o estado. Sir Henry Maine, em sua Village Communities,

    defende vigorosamente a causa da propriedade privada, como diferente dapropriedade pblica: Ningum pode ao mesmo tempo atacar a propriedade privada

    e dizer que aprecia a civilizao. A histria destas duas realidades no pode ser

    desintrincada. Pois a instituio da propriedade privada tem sido um instrumento

    poderoso, ensinando a responsabilidade a homens e mulheres, dando motivos para a

    integridade, apoiando a cultura geral e elevando a humanidade acima do nvel do

    mero trabalho pesado, proporcionando tempo livre para pensar e liberdade para agir.

    Ser capaz de guardar o fruto do prprio trabalho; ser capaz de ver o prprio trabalho

    transformado em algo de duradouro; ser capaz de deixar em herana a sua

    propriedade para sua posteridade; ser capaz de se erguer da condio natural da

    oprimente pobreza para a segurana de uma realizao estvel; ter algo que

    realmente propriedade pessoal estas so vantagens difceis de refutar. O

    conservador reconhece que a posse de propriedade estabelece certos deveres do

    possuidor; ele reconhece com alegria estas obrigaes morais e legais.

    Oitavo, os conservadores promovem comunidades voluntrias, assim

    como se opem ao coletivismo involuntrio.

    Embora os americanos tenham se apegado vigorosamente aos direitosprivados e de privacidade, tambm tm sido um povo conhecido por seu bem

    sucedido esprito comunitrio. Na verdadeira comunidade, as decises que afetam de

    forma mais direta as vidas dos cidados so tomadas no mbito local e de forma

    voluntria. Algumas destas funo so desempenhadas por organismos polticos

    locais, outras por associaes privadas: enquanto permanecem no mbito local e so

    caracterizadas pelo comum acordo das pessoas envolvidas, elas constituem

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    comunidades saudveis. Mas quando as funes, quer por deficincia, quer por

    usurpao, passam para uma autoridade central, a comunidade se encontra em srio

    perigo. Se existe algo de benfico ou prudente em uma democracia moderna, isto se

    d atravs da volio cooperativa. Se, ento, em nome de uma democracia abstrata,

    as funes da comunidade so transferidas para uma coordenao poltica distante,

    o governo verdadeiro, atravs do consentimento dos governados, cede lugar para

    um processo de padronizao hostil liberdade e dignidade humanas.

    Uma nao no mais forte do que as numerosas pequenas comunidades

    pelas quais composta. Uma administrao central, ou um grupo seleto de

    administradores e servidores pblicos, por mais bem intencionado e bem treinado

    que seja, no pode produzir justia, prosperidade e tranqilidade para uma massa de

    homens e mulheres privada de suas responsabilidades de outrora. Esta experincia

    j foi feita; e foi desastrosa. a realizao de nossos deveres em comunidade quenos ensina a prudncia, a eficincia e a caridade.

    Nono, o conservador percebe a necessidade de uma prudente conteno

    do poder e das paixes humanas.

    Politicamente falando, poder a capacidade de se fazer aquilo que se queira,

    a despeito da aspirao dos prprios companheiros. Um estado em que um indivduo

    ou um pequeno grupo capaz de dominar as aspiraes de seus companheiros sem

    controles um despotismo, quer seja monrquico, aristocrtico ou democrtico.

    Quando cada pessoa pretende ser um poder em si mesmo, ento a sociedade se

    transforma numa anarquia. A anarquia nunca dura muito tempo, j que, sendo

    intolervel para todos e contrria ao fato irrefutvel de que algumas pessoas so

    mais fortes e espertas do que seus prximos. anarquia sucede a tirania ou a

    oligarquia, nas quais o poder monopolizado por pouqussimos.

    O conservado se esfora por limitar e balancear o poder poltico para que no

    surjam nem a anarquia, nem a tirania. No entanto, em todas as pocas, homens e

    mulheres foram tentados a derrubar os limites colocados sobre o poder, a favor de

    um capricho temporrio. uma caracterstica do radical que ele pense o poder comouma fora para o bem desde que o poder caia em suas mos. Em nome da

    liberdade, os revolucionrios franceses e russos aboliram os limites tradicionais ao

    poder; mas o poder no pode ser abolido; e ele sempre acha um jeito de terminar

    nas mos de algum. O poder que os revolucionrios pensavam ser opressor nas

    mos do antigo regime, tornou-se muitas vezes mais tirnico nas mos dos novos

    mestres do estado.

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    Sabendo que a natureza humana uma mistura do bem e do mal, o

    conservador no coloca sua confiana na mera benevolncia. Restries

    constitucionais, freios e contrapesos polticos (checks and balances), correta coero

    das leis, a rede tradicional e intricada de contenes sobre a vontade e o apetite

    tudo isto o conservador aprova como instrumento de liberdade e de ordem. Um

    governo justo mantm uma tenso saudvel entre as reivindicaes da autoridade e

    as reivindicaes da liberdade.

    Dcimo, o pensador conservador compreende que a estabilidade e a

    mudana devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade

    robusta.

    O conservado no se ope ao aprimoramento da sociedade, embora ele tenha

    suas dvidas sobre a existncia de qualquer fora parecida com um msticoProgresso, com P maisculo, em ao no mundo. Quando uma sociedade progride

    em alguns aspectos, geralmente ela est decaindo em outros. O conservador sabe

    que qualquer sociedade sadia influenciada por duas foras, que Samuel Taylor

    Coleridge chamou de Conservao e Progresso (Permanence and Progression). A

    Conservao de uma sociedade formada pelos interesses e convices duradouros

    que nos do estabilidade e continuidade; sem esta a Conservao as fontes do

    grande abismo se dissolvem, a sociedade resvala para a anarquia. A Progresso de

    uma sociedade aquele esprito e conjunto de talentos que nos instiga a realizar

    uma prudente reforma e aperfeioamento; sem esta Progresso, um povo fica

    estagnado. Por isto o conservador inteligente se esfora por reconciliar as

    reivindicaes da Conservao e as reivindicaes da Progresso. Ele pensa que o

    progressista e o radical, cegos aos justos reclamos da Conservao, colocariam em

    perigo a herana que nos foi legada, num esforo de nos apressar na direo de um

    duvidoso Paraso Terrestre. O conservador, em suma, a favor de um razovel e

    moderado progresso; ele se ope ao culto do Progresso, cujos devotos crem que

    tudo o que novo necessariamente superior a tudo o que velho.

    O conservador raciocina que a mudana essencial para um corpo social damesma forma que o para o corpo humano. Um corpo que deixou de se renovar,

    comeou a morrer. Mas se este corpo deve ser vigoroso, a mudana deve acontecer

    de uma forma harmoniosa, adequando-se forma e natureza do corpo; do

    contrrio a mudana produz um crescimento monstruoso, um cncer que devora o

    seu hospedeiro. O conservado cuida para que numa sociedade nada nunca seja

    completamente velho e que nada nunca seja completamente novo. Esta a forma de

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  • 7/28/2019 Educao Liberal (Artigos Aristoi e Dez Princpios Conservadores de Kirk)

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    conservar uma nao, da mesma forma que o meio de conservar um organismo

    vivo. Quanta mudana seja necessria em uma sociedade, e que tipo de mudana,

    depende das circunstncias de uma poca e de uma nao.

    * * *

    Assim, este so os dez princpios que tiveram grande destaque durante os

    dois sculos do pensamento conservador moderno. Outros princpios de igual

    importncia poderiam ter sido discutidos aqui: a compreenso conservadora de

    justia, por exemplo, ou a viso conservadora de educao. Mas estes temas, com o

    tempo que passa, eu deverei deixar para a sua investigao pessoal.

    Eric Voegelin costumava dizer que a grande linha de demarcao na poltica

    moderna no a diviso entre progressistas de um lado e totalitrios do outro. No,de um lado da linha esto todos os homens e mulheres que imaginam que a ordem

    temporal a nica ordem e que as necessidades materiais so as nicas

    necessidades e que eles podem fazer o que quiserem do patrimnio da humanidade.

    No outro lado da linha esto todas as pessoas que reconhecem uma ordem moral

    duradoura no universo, uma natureza humana constante e deveres transcendentes

    para com a ordem espiritual e a ordem temporal.