educaÇÃo inclusiva e alfabetizaÇÃo matemÁtica … · a educação inclusiva foi tema de um dos...

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ISSN 1982 - 0283 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO Ano XXIV - Boletim 11 - SETEMBRO 2014

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ISSN 1982 - 0283

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E

ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO CICLO DE

ALFABETIZAÇÃOAno XXIV - Boletim 11 - SETEMBRO 2014

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Educação inclusiva E alfabEtização matEmática no ciclo dE alfabEtização

SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................................................................... 3

Rosa Helena Mendonça

Introdução .............................................................................................................................. 4

Carlos Roberto Vianna

Texto 1: A diferença que é do Outro... e a escola que é nossa! ............................................... 6

Rosane Aparecida Favoreto da Silva

Texto 2: Práticas pedagógicas de alfabetização matemática na Educação Inclusiva. ...... 15

Rosane Aparecida Favoreto da Silva

Texto 3: Sobre o ábaco na alfabetização matemática ...........................................................23

Carlos Roberto Vianna

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Educação inclusiva E alfabEtização matEmática no ciclo dE alfabEtização

aprEsEntação

A publicação Salto para o Futuro comple-

menta as edições televisivas do programa

de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este

aspecto não significa, no entanto, uma sim-

ples dependência entre as duas versões. Ao

contrário, os leitores e os telespectadores

– professores e gestores da Educação Bási-

ca, em sua maioria, além de estudantes de

cursos de formação de professores, de Fa-

culdades de Pedagogia e de diferentes licen-

ciaturas – poderão perceber que existe uma

interlocução entre textos e programas, pre-

servadas as especificidades dessas formas

distintas de apresentar e debater temáticas

variadas no campo da educação. Na página

eletrônica do programa, encontrarão ainda

outras funcionalidades que compõem uma

rede de conhecimentos e significados que se

efetiva nos diversos usos desses recursos nas

escolas e nas instituições de formação. Os

textos que integram cada edição temática,

além de constituírem material de pesquisa e

estudo para professores, servem também de

base para a produção dos programas.

A edição 11 de 2014 traz como tema: Edu-

cação inclusiva e alfabetização matemá-

tica no ciclo de alfabetização e conta com

a consultoria de Carlos Roberto Vianna,

Doutor em Educação pela Universidade de

São Paulo, Professor Adjunto da Universi-

dade Federal do Paraná e Consultor desta

Edição Temática.

Os textos que integram essa publicação são:

1. A diferença que é do Outro... e a escola

que é nossa!

2. Práticas pedagógicas de alfabetização

matemática na Educação Inclusiva.

3. Sobre o ábaco na alfabetização mate-

mática.

Boa leitura!

Rosa Helena Mendonça1

1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).

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A Educação Inclusiva foi tema de um

dos cadernos de Alfabetização Matemática do

PNAIC e, também, de um dos programas do

Salto para o Futuro. Do ponto de vista dos do-

cumentos oficiais, não há um número significa-

tivo de publicações que abordem questões rela-

cionadas à alfabetização matemática, pensando

em crianças de seis a oito anos de idade, procu-

rando focar os aspectos necessários à Educação

Inclusiva. Este conjunto de materiais, cumpre,

portanto, o papel de trazer alguns elementos

para fazer crescer um debate. O material do

PNAIC está mais focado nos aspectos gerais da

inclusão e legais, tendo em vista prover condi-

ções aos professores para que possam pleitear,

junto a seus municípios e estados, o cumpri-

mento de uma legislação que já garante e torna

disponíveis muitas das condições necessárias

para o trabalho pedagógico. O programa de TV

foi mais voltado a aspectos práticos da inclusão,

mostrando como as coisas podem funcionar e

estão funcionando em escolas, e como certos

materiais podem ser úteis, sendo, inclusive, pro-

duzidos pelos próprios professores.

Este caderno completa essa série de

materiais, trazendo novos aspectos que po-

dem, tanto proporcionar elementos para a

reflexão pedagógica dos professores, como

subsidiar suas práticas efetivas de inclusão.

Na sequência encontram-se três textos, que

serão sintetizados a seguir.

Texto 1: A diferença que é do Outro... e a

escola que é nossa!

Este artigo adota como ponto de

partida dois pressupostos básicos: pessoas

diferentes aprendem de modos diferentes

e só aprenderão se tiverem as condições

necessárias para participar do processo de

aprendizagem. Assim enunciadas, parecem

condições simples e fáceis de serem cum-

pridas, entretanto, somente elas já impõem

dificuldades que muitos professores consi-

deram intransponíveis. A reflexão é desen-

volvida no contexto da Educação de Surdos

e, em particular, de alguns aspectos rela-

cionados à notação numérica.

introdução

alfabEtização matEmática E Educação inclusiva

Carlos Roberto Vianna1

1 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná e Consultor desta Edição Temática.

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Texto 2: Práticas pedagógicas de alfabeti-

zação matemática na Educação Inclusiva.

Este artigo busca encaminhar ideias

que possibilitem ao professor desenvolver

um trabalho pedagógico com alunos que

fazem parte do público alvo da Educação

Especial. As perguntas que os professores

desejam ver respondidas são simples: como

fazer para ensinar os conteúdos para o alu-

no? Como planejar uma atividade para que

o aluno possa participar e tenha acesso às

informações? Ou, ainda: será que meu alu-

no consegue aprender? No artigo, parte-se

do princípio de que todos os alunos podem

fazê-lo e de que são necessárias, tanto inter-

venções pedagógicas diferenciadas quanto o

uso de recursos variados na prática do pro-

fessor que deseja alcançar tais resultados. O

texto destaca a importância de olhar para

as diferenças pensando nas potencialidades

que elas mobilizam, não nas impossibilida-

des provocadas por condições biológicas.

Texto 3: Sobre o ábaco na alfabetização

matemática

Este artigo é uma textualização de

uma conversa com professores a respeito

do uso de ábacos, com o intuito de auxi-

liar os professores na tarefa da construção

do Sistema de Numeração Decimal. O foco

do texto não está na aprendizagem do “uso

do ábaco” para fazer cálculos, e sim no uso

do ábaco como um dos materiais didáticos

que favorece a compreensão das proprieda-

des de agupamentos e trocas do Sistema de

Numeração Decimal e, portanto, favorece

também a compreensão dos procedimen-

tos operatórios para as quatro operações

fundamentais, tal como são trabalhadas

com crianças de seis a oito anos de idade.

Além disso, o artigo procura apresentar

esclarecimentos sobre as diferenças entre

diversos tipos de ábacos e sobre como eles

podem ser úteis ou até vir a atrapalhar o

professor em sua prática pedagógica.

Espera-se que, de posse deste cader-

no, o professor tenha condições de perceber

algumas possibilidades de trabalho com a

Matemática no contexto da Educação Inclu-

siva e saiba adaptar os recursos que já tem

disponíveis, de modo a contemplar as carac-

terísticas das crianças com necessidades es-

peciais de aprendizagem, o que se dá, basica-

mente, com o favorecimento das condições

de acesso aos materiais, comunicação com

os colegas e o próprio professor e respeito ao

seu tempo próprio de aprendizagem.

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As pessoas são diferentes e aprendem de

modo diferente. Ao adotarmos esse pressupos-

to, em seguida ouvimos

a indagação: mas as pes-

soas são iguais de alguma

maneira? Podemos consi-

derar que sim, por exem-

plo, todos são iguais nos

seus direitos. Este artigo

focará alguns aspectos

específicos da Educação

de Surdos, mas sempre

tendo em vista pensar a

Educação Inclusiva e as possibilidades de aten-

der às potencialidades de todos os alunos.

O segundo pressuposto que adotamos

é o de que os alunos só aprenderão se tiverem

as condições necessárias para participar do pro-

cesso de aprendizagem. Embora contemplado

em leis, isso nem sempre é garantido nas ações

destinadas aos alunos público alvo da Educa-

ção Especial. Por exemplo, para participar do

processo de aprendizagem, é condição neces-

sária que os alunos com deficiência física e/ou

motora tenham acesso a comunicação escrita;

que os alunos cegos recebam informações voca-

lizadas e que os alunos surdos estejam em um

ambiente com o uso de

sua língua natural, a qual

não coloca barreiras de

comunicação. Tais con-

dições contribuem para

garantir a participação e

permanência destes alu-

nos na escola. De outro

lado, não devemos acei-

tar que sejam chamadas

de “ações pedagógicas”

aquelas nas quais alunos

com algum tipo de deficiência são colocados a

fazer trabalhos manuais repetitivos e em que

quase nunca se deparam com conteúdos esco-

lares; nos espaços em que isso é feito, parte-se

do pressuposto da incapacidade dos alunos para

aprender tais conteúdos. A instituição que se co-

loca como uma escola não deve perder de vista

seu papel, que é o de promover a aprendizagem

dos que passam por ela. E aos profissionais que

nela atuam, cabe a interação com os alunos na

perspectiva didático pedagógica, não pelo viés

das práticas médicas; sempre pensando no que

o aluno pode aprender quando dadas as condi-

ções necessárias para tal.

tExto 1

a difErEnça quE é do outro... E a Escola quE é nossa!

Rosane Aparecida Favoreto da Silva1

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora da Educação Especial na Educação de Jovens e Adultos da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, no município de Curitiba.

“ (...) cabe a interação com

os alunos na perspectiva

didático pedagógica, não pelo

viés das práticas médicas;

sempre pensando no que

o aluno pode aprender

quando dadas as condições

necessárias para tal.”

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O ensino da Matemática: a notação

numérica na educação de surdos

A comunicação para o ensino da Ma-

temática e de outras disciplinas escolares, é

efetivada através de uma língua. É através de

uma língua que as pessoas adquirem conhe-

cimento de mundo, elaboram conceitos e hi-

póteses e se comunicam umas com as outras.

As pessoas surdas, que vivem uma experiên-

cia visual (e não-auditiva), utilizam a língua

de sinais de seu país para a comunicação. No

nosso caso, é a Língua Brasileira de Sinais (Li-

bras) – que é visual-espacial – pensada como

a língua natural2 das pessoas surdas, uma vez

que não apresenta barreiras que impeçam a

sua aquisição/aprendizado, o que não ocorre

em relação à Língua Portuguesa, na modalida-

de oral. A Libras não é um método de ensino,

assim como a Língua Portuguesa não o é para

as crianças ouvintes. A Libras é a língua de ins-

trução, a língua na qual acontece a comunica-

ção efetiva para as pessoas surdas.

Pesquisas realizadas, tendo como ob-

jeto de estudo os conceitos matemáticos na

educação de surdos, nos mostram como a Li-

bras possibilita que os alunos surdos tenham

acesso aos conteúdos escolares e estejam em

condições de “igualdade” com os demais para

seu aprendizado. Por exemplo, Silva (2008)

aborda a escrita numérica por crianças surdas

bilíngues e evidencia que a Libras é essencial

para que as crianças aprendam as notações

numéricas, tendo em vista que a sua função

para o desenvolvimento global dos alunos sur-

dos é semelhante à da Língua Portuguesa para

o aluno ouvinte. No ensino da Matemática, as

crianças surdas fazem a ligação entre os sinais

dos números e sua grafia correspondente,

transpondo um tipo de representação para o

outro. Esse é o mesmo percurso realizado pelo

aluno ouvinte. Algumas situações dessa pes-

quisa serão apresentadas mais adiante.

Para representar uma notação nu-

mérica, é possível que as crianças utilizem

um grafismo correspondente entre a quanti-

dade de objetos e sua representação escrita,

fazendo-se presente a cardinalidade. Silva

(2008, p.157) mostra que, ao ser solicitado

para uma criança surda, com cinco anos de

idade e frequentando a Educação Infantil,

que represente quatro fichas azuis e duas

amarelas, a sequência numérica realizada

foi a de repetir o número que representa a

totalidade do objeto, fazendo uma corres-

pondência termo a termo e estabelecendo

uma relação imediata com o objeto repre-

sentado, ou seja, 4 4 4 4 pintados da cor azul

e 2 2 pintados da cor amarela, de acordo

com a representação a seguir:

2 Lingua natural, neste caso, conforme Skliar ( 2005), não se refere a uma espontaneidade biológica. Deve ser entendida como a língua utilizada por uma comunidade e que não apresenta impedimento para a aprendizagem dos indivíduos.

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Outra situação é que, para as crian-

ças, os números significam quantidade de

coisas. Com os alunos surdos, quando a pes-

quisadora fez a pergunta: “- Na sua casa tem

número?”, os alunos estabeleceram uma re-

lação com as coisas que podem contar na

sua casa. A criança surda, com seis anos de

idade e estudando no primeiro ano, desenha

a casa e conta suas portas e janelas, dizendo

que têm 4. Acrescenta que na sua casa tem

“muita gente”, representada pelos desenhos,

Silva (2008, p.139-142):

Cinco pessoas Duas pessoas

Um segundo aluno surdo, de oito

anos e frequentando o terceiro ano do En-

sino Fundamental - faz uma relação seme-

lhante ao dizer que na sua casa “tem muito

número, tem papai, mamãe, eu”. Para o alu-

no, a quantidade de pessoas – que são sua

família e referencial concreto - é o que de-

monstra os números que há na sua casa e

expressa uma representação numérica.

O terceiro aluno - com cinco anos e

cursando a Educação Infantil - diz: Muito,

muito número! Na minha casa tem televi-

são, tem banheiro, tem telefone de abrir e

fechar... muito, muito número!

Telelevisão - Menina no banho - Telefone

Um quarto aluno, de oito anos e fre-

quentando o terceiro ano do Ensino Funda-

mental, compreende a questão, desenha a

casa e escreve o número que a identifica, sem

responder com o número de objetos/pessoas

da sua casa que podem ser contados.

Corroborando as situações descritas

acima, Nogueira, Borges e Frizzarini (2011)

também ressaltam que o raciocínio matemá-

tico dos surdos não é diferente dos ouvintes

e que, desta forma, as possibilidades para a

resolução de situações-problema estão pre-

sentes nos alunos, sejam eles surdos ou ou-

vintes. O que há de diferença é o acesso às

informações na sua língua, pois quase sem-

pre as situações-problema são apresentadas

na língua majoritária, a Língua Portuguesa, e

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os alunos não têm conhecimento nessa lín-

gua e, muitas vezes, nem fluência na língua

de sinais, por não terem sido expostos a um

ambiente linguístico em Libras.

As crianças ouvintes são expostas, no

cotidiano, a informações que proporcionam

o aprendizado de conceitos matemáticos,

como: quando os pais comentam o placar do

jogo, a idade dos familiares, leituras de pla-

cas de carro, a altura de pessoas e objetos,

o canal da televisão, em situações de jogos

e brincadeiras, dentre outras. As barreiras de

comunicação ocasionadas pela diferença de

língua faz com que as crianças surdas não

tenham acesso a esses conhecimentos, que,

mesmo sendo informais, contribuem para

que o aluno compreenda outros processos.

Os problemas comunicativos da

criança surda, segundo Goldfeld (2002), não

têm origem na criança, e sim no meio social,

quando não utiliza uma língua de acesso e

compreensão pelo sujeito surdo, dificultando

as relações sociais e linguísticas. O sentido da

palavra é criado no diálogo espontâneo por

meio das suas relações sociais.

Diante do exposto, é comum que a

criança surda apresente uma defasagem em

relação a outras crianças quanto aos concei-

tos matemáticos que são aprendidos infor-

malmente, mediante a interação com o meio

e outras pessoas antes da escolarização, ou

mesmo durante a escolarização, mas fora do

ambiente da escola. Na verdade, qualquer

que seja o aluno (surdo, ouvinte, criança,

adulto) em processo de alfabetização ou não,

terá que lidar com a questão da leitura fun-

cional e com a questão da lógica do sistema

numérico e de medidas. Portanto, é possível

dizer que não é somente a forma, como tam-

bém o enunciado do problema, que é escrito

e apresentado ao aluno, de maneira a inter-

ferir na compreensão do mesmo, mas uma

questão muito mais grave: a forma como a

escola media o conhecimento mate mático

acrescido da falta de proficiência em Libras

do professor que lida com o surdo (FÁ VERO;

PIMENTA, 2006).

A Libras e a educação de surdos

No caso dos alunos surdos, a Libras

se constitui na primeira língua, enquanto a

Língua Portuguesa – na modalidade escrita

- é a segunda língua, usada para a comuni-

cação e o ensino.

O fato de as pessoas surdas utilizarem

outra língua - que não a oficial e majoritária do

país - interfere significativamente em como se

processa a apropriação do sistema de escrita

alfabética e do sistema de numeração decimal.

Há algumas características que permeiam a

educação de surdos. Dentre elas, o fato de que

a Libras é uma língua na modalidade visual-

-espacial e de que a maioria das pessoas sur das

aprende Libras tardiamente pelo fato de ter

pais ouvintes, ou seja, os seus pais não usam

Libras e muitas vezes nem a conhecem.

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Assim como as línguas faladas oral-

mente, a Libras não é universal: cada país

tem sua própria língua de sinais. Além disso,

a Libras tem sua própria estrutura linguísti-

ca, diferente da Língua Portuguesa. Isso não

significa que a Libras seja subordinada a ou-

tras línguas, assim como a Língua Portugue-

sa não é subordinada à Língua Inglesa por

ter outra estrutura linguística. No exemplo

a seguir, apresentamos uma situação que

mostra um pouco da experiência de uso en-

tre línguas diferentes.

Língua Portuguesa (texto original):

A casa de Maria.

Língua Inglesa (tradução literal, palavra por

palavra – que é incorreta):

The house of the Maria

Língua Inglesa (uma tradução possível, corre-

ta, de acordo com as regras dessa língua):

Maria’s house.

O fato de as línguas terem estruturas

diferentes não torna nenhuma delas inferior

nem subordinada; elas são apenas diferentes.

Uma diferença de mesma ordem também

está presente na produção textual da pessoa

surda que usa a língua de sinais para se co-

municar, tendo em vista que a escrita, na Lín-

gua Portuguesa, se dá na sua segunda língua.

Nesse caso, é importante dizer que as línguas

de sinais são ágrafas (não possuem escrita)

e que a escrita em segunda língua, a Língua

Portuguesa, é “obrigatória” e não menos im-

portante, visto que é a língua oficial do país.

Uma pessoa surda, não tendo a flu-

ência linguística na Língua Portuguesa (pelo

fato de estar em processo de aprendizagem

desta língua), apresentará características

de sua primeira língua na produção textu-

al. Algumas dessas características estão

presentes no texto abaixo, que faz parte da

redação escrita por uma pessoa surda nos

Exames Supletivos do Paraná - 2012, inte-

grantes das ações destinadas à Educação de

Jovens e Adultos (EJA), para fins de conclusão

da segunda fase do Ensino Fundamental. O

enunciado indicava a escrita de uma carta de

apresentação solicitando a inscrição em um

curso para aprender a Língua Inglesa e, em

consequência disso, empregar-se para aten-

der à demanda da Copa do Mundo a ser reali-

zada no Brasil no ano de 2014.

Esse texto apresenta o conteúdo

solicitado e a escrita com características

da estrutura sintática da Libras, como por

exemplo: os verbos são escritos no infiniti-

vo, pois na Libras não há flexão verbal; na

expressão importante muita o aluno tem co-

nhecimento de que a intensidade é marcada

pela palavra muita(o), porém, em Libras, a

intensidade é marcada com a mudança no

movimento do sinal/palavra e na expressão

facial, ou seja, não se acrescenta novo sinal/

palavra; há a ausência de conectivos, entre

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outros. Observando um caso assim, profes-

sores indagam: - “É possível que o aluno sur-

do escreva conforme a norma culta da Lín-

gua Portuguesa?” A resposta é: “Sim”. Mas,

para isso, este aluno necessita que o profes-

sor conheça e adote uma metodologia para

o ensino de segunda língua.

Pensar no ensino de segunda língua

pressupõe que exista uma primeira língua.

De fato, diante de tal consideração, pesqui-

sadores como Quadros e Schmiedt (2006) e

Karnopp (2006) mostram que é possível dizer

que nem todos os alunos surdos adquirem

uma primeira língua antes de ingressarem

na vida escolar, pois quando oriundos de fa-

mílias ouvintes, geralmente não têm acesso

a sua língua natural: a língua de sinais. De

acordo com Karnopp (2006, p. 35), é “sem

uma língua constituída” que “a criança sur-

da inicia seu processo de alfabetização, o

que, ainda na maioria das escolas, se dá por

meio do ensino de vocábulos, combinados

em frases descontextualizadas.”

O ensino da Língua Portuguesa para

alunos surdos requer estratégias de ensino

de segunda língua, considerando os aspec-

tos visuais da escrita como fator relevante

no processo de sua aquisição. Assim, o ensi-

no da escrita pelos alunos surdos não é uma

tarefa fácil. De acordo com Gesueli (2006),

envolve o ensino da leitura-escrita concomi-

tantemente com o ensino da L2.

Nesse sentido, conforme Karnopp

(2006, p. 35), ressalta-se que a escola deveria

ser uma fonte importante de conhecimento

para as crianças surdas, porém o “tempo ex-

cessivamente grande dedicado ao treinamen-

to de habilidades auditivas e orais, o ensino

ineficaz da leitura e escrita e o pouco acesso

a uma língua em casa são alguns dos fatores

que influenciam as dificuldades que as crian-

ças surdas apresentam para ler e escrever”.

Diante das considerações acima, su-

gerimos ao leitor-professor uma dinâmica:

1- Escreva um texto com o tema “Mi-

nha cidade”, em uma segunda língua (Inglês,

Francês, etc)- até 05 linhas.

2 - Após, escreva um texto com o tema

“ Bolsa de Valores” em Língua Portuguesa (L1)

– até 05 linhas.

Concluindo a escrita dos dois textos

propostos, convidamos a uma reflexão sobre a

forma como os dois textos foram elaborados:

- O nível de dificuldade da escrita foi

semelhante no texto escrito em L1 e em L2

mesmo envolvendo temas diferentes?

- A estrutura gramatical contemplou

os padrões exigidos pela norma culta nos

dois textos?

- O texto em L2 foi simplificado?

- Pensou-se na L1 no momento da

produção do texto em L2?

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Essa atividade permite uma reflexão

sobre as possibilidades e limitações que nós

- professores - também temos em relação a

elementos linguísticos comuns em textos es-

critos em L2. De acordo com Brochado, cita-

do por Quadros e Schmiedt (2006), nas pro-

duções textuais em L2 podem-se encontrar

frases curtas, sem elementos gramaticais,

dificuldades ortográficas, uso inadequado da

flexão e uso de estrutura tópico-comentário,

além da ordenação sujeito-verbo. Tais ele-

mentos se evidenciaram nos textos produzi-

dos em L2 na dinâmica sugerida? Essas são

características de textos produzidas na fase

inicial do aprendizado de segunda língua.

Além do que, para a escrita de texto, inde-

pendentemente de ser a primeira ou segunda

língua, faz-se necessário conhecimento da

língua e conhecimento prévio sobre o tema.

Todas as pessoas que passaram por

um processo de escolarização em institui-

ções de ensino, seja na educação básica ou

no ensino superior, já tiveram contato com

uma segunda língua3 num espaço institucio-

nal. Diante disso, poderia ser feito um ques-

tionamento: a maioria possui competência

linguística para escrever um texto, conforme

a norma culta, na segunda língua?

Nesse sentido, é possível questionar

se essas pessoas concluíram, ou não, seus

percursos escolares, apesar de não desenvol-

verem uma escrita de segunda língua com a

fluência exigida conforme a estrutura grama-

tical desta língua. Por exemplo, ao concluírem

o Ensino Médio, é possível que os alunos de-

senvolvam um texto na Língua Inglesa con-

templando as regras gramaticais dessa língua?

Caso não atinjam tal objetivo, mesmo assim,

concluem a Educação Básica? Outro exemplo:

será que os professores que cursaram a Licen-

ciatura em Letras na sua formação inicial pos-

suem tal competência linguística?

Diante do exposto, refletimos como

essa situação se evidencia numa condição de

bilinguismo de alunos surdos, ou seja, alunos

surdos que utilizam a Libras como L14 e a Língua

Portuguesa (na modalidade escrita) como L2.

“Adquirida a língua de sinais, ela terá

papel fundamental na aquisição da leitura

e da escrita”, diz Karnopp (2006, p. 35), pois

através dela os alunos surdos terão a pos-

sibilidade de constituição de conhecimento

de mundo e construção de sentido dos tex-

tos produzidos. Porém, a língua de sinais

que deveria ser a língua de instrução, nem

sempre é considerada no processo de ensino

aprendizagem dos alunos surdos.

Tendo em vista tais considerações, é

importante salientar que entre os documen-

tos de relevância que estabelecem diretrizes

oficiais para educação de surdos está o De-

creto Federal Nº 5626/05 - que regulamen-

3 Neste texto, segunda língua e língua estrangeira não são tratadas de forma diferenciada.

4 L1 se refere à língua natural e L2 à segunda língua.

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ta a Lei Federal Nº 10.436/02, a qual dispõe

sobre a Língua Brasileira de Sinais, e o art.

18 da Lei Federal Nº 10.098/2000. Dentre as

ações que esse decreto institui, estão aque-

las vinculadas à organização da educação

bilíngue no ensino regular.

O decreto garante critérios de avalia-

ção diferenciada, coerentes com o aprendi-

zado de segunda língua, aos alunos surdos,

no que se refere ao acesso à comunicação,

à informação e à educação, em avaliações,

atividades e conteúdos curriculares desen-

volvidos em todos os níveis, etapas e mo-

dalidades de educação, desde a educação

infantil até a superior, conforme consta no

artigo 14 do Capítulo IV.

Diante das considerações presen-

tes neste texto, registramos o convite para

que, a partir de uma perspectiva bilíngue, a

educação de surdos seja tomada para além

de questões puramente linguísticas. Pois,

de acordo com Quadros (2005, p. 35), “para

além da língua de sinais e do português, esta

educação situa-se no contexto da garantia de

acesso e permanência na escola”.

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REFERÊNCIAS

FÁVERO, M. H.; PIMENTA, M. L. Pensamento e linguagem: a língua de sinais na resolução de

problemas. Psicologia: Reflexão & Crítica, Porto Alegre, v. 19, n. 2, 2006.

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LODI, A.C.B.; HARRISON, K.M.P.; CAMPOS, S.R. L. de (org.). Leitura e escrita: no contexto da

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KARNOPP, L. B. Práticas de leitura e escrita em escolas de surdos. In: FERNANDES, E. (Org.) Sur-

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KARNOPP, L.B.; PEREIRA, M.C da C. Concepções de leitura e de escrita e educação de surdos.

In: LODI, A.C.B.; HARRISON, K.M.P.; CAMPOS, S.R. L. de (org.). Leitura e escrita: no contexto da

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QUADROS, R.M. de. O “bi” em bilingüismo na educação de surdos. In: FERNANDES, E. (org.).

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(org.) . A surdez: um olhar sobre as diferenças. 3 ed. Porto Alegre; Mediação, 2005.

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Desenvolver um trabalho pedagó-

gico com alunos que fazem parte do pú-

blico alvo da Educação Especial2 é uma das

questões da prática do dia a dia do profes-

sor. Como fazer para

ensinar os conteúdos

para o aluno? Como

planejar uma ativida-

de para que o aluno

possa participar e ter

acesso às informa-

ções? Será que o aluno

consegue aprender?

Partindo do

princípio de que todos

os alunos aprendem

(de forma diferente, cada um a seu modo),

fazem-se necessárias intervenções pedagó-

gicas diferenciadas e uso de recursos diver-

sos na prática do professor. Em vista disso,

os modelos tradicionais e padronizados não

são adequados, pois partem do princípio de

que o professor se dirige a um “aluno médio”

e supõem classes relativamente homogêneas.

Na Educação Inclusiva é fundamental que as

práticas docentes sejam

planejadas levando-se

em consideração a he-

terogeneidade presente

nas turmas.

Destaca-se a impor-

tância de olhar para as

diferenças pensando

nas suas potencialida-

des e não na impossi-

bilidade dada por uma

condição biológica. A

diferença, neste texto, é, portanto, tratada,

como algo que individualiza, e não como

algo que classifica, hierarquiza e determina

o que é melhor ou pior.

tExto 2

práticas pEdagógicas dE alfabEtização matEmá-tica na Educação inclusiva

Rosane Aparecida Favoreto da Silva1

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora da Educação Especial na Educação de Jovens e Adultos da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, no município de Curitiba.

2 Alunos com deficiência (surdez, deficiência visual, deficiência física e deficiência intelectual), transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação, de acordo com o Documento Políticas de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).

“ Destaca-se a

importância de olhar

para as diferenças

pensando nas suas

potencialidades e não

na impossibilidade

dada por uma condição

biológica.”

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Na Educação Inclusiva, repensar o

currículo da escola é fundamental, mas -

de acordo com Rodrigues e Lima-Rodrigues

(2011) - o objetivo da Educação Inclusiva não

se resume a uma mudança curricular ou a

permitir o acesso de alunos em condições

de deficiência à escola regular. Trata-se de

uma transformação profunda, abrangendo

os valores e práticas tal como estão postos

no sistema educativo. Entre as transforma-

ções está a mudança de valores sobre quem

são os sujeitos que estão na sala de aula. O

modo como os professores percebem os alu-

nos interfere fortemente no planejamento

das aulas e nos encaminhamentos a serem

realizados. Por exemplo: é fundamental que

o olhar para o aluno surdo seja realizado a

partir da perspectiva de diferença linguística

e não da diferença biológica. A perspectiva

linguística acentua o caráter pedagógico da

ação do professor, ao passo que a questão

biológica acentua os aspectos médicos, ob-

jetos de ação terapêutica.

Na prática docente, ao proporem-

-se atividades, entre as várias orientações,

destaca-se a indicação de levar em consi-

deração a diferença linguística3 e o uso de

recursos visuais no trabalho com surdos,

levar em conta a necessidade de criar repre-

sentações mentais e vivências sensoriais,

principalmente táteis, para os alunos cegos,

e - em relação aos alunos com deficiência in-

telectual e física - a sugestão de fazê-los tra-

balhar junto com os demais, no seu tempo

e ritmo de aprendizagem, recebendo auxílio

necessário para que possam se comunicar.

Esses não são os únicos, mas são alguns dos

indicadores para se pensar em estratégias

diferenciadas direcionadas para uma turma

de alunos assumidamente heterogênea.

É comum que uma atividade escolar,

ainda que pensada e planejada, não promova

o acesso, participação e aprendizagem dos

alunos. Nesse caso, o professor deverá reor-

ganizar as atividades, trabalhando com o mes-

mo conteúdo a ser ensinado, porém com uma

abordagem diferente, buscando contemplar

as diferenças e as potencialidades dos alunos.

Assim, neste texto serão apresenta-

das algumas práticas docentes de alfabe-

tização matemática desenvolvidas com os

alunos surdos, com deficiência visual, física

e intelectual, que cursam os três primeiros

anos do Ensino Fundamental. As atividades

estão organizadas com base nos eixos dos

direitos de aprendizagem da Matemática:

Números/Operações, Grandezas e Medidas,

Geometria e Educação Estatística.

1 Nas políticas de educação bilíngue para surdos, a Língua Brasileira de Sinais - Libras é considerada a primeira língua das pessoas surdas que utilizam esta língua, e a Língua Portuguesa - na modalidade escrita - a segunda língua. Ver Decreto Federal Nº 5626/05 e a Lei Federal Nº 10436/02.

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Números/Operações

Todas as crianças, mesmo sem es-

tarem alfabetizadas, possuem o senso nu-

mérico e têm alguma compreensão sobre

números como forma de expressar quanti-

dades. Em uma situação envolvendo valor

monetário em que duas notas de um real

são apresentadas à criança e, em seguida,

uma nota de cinco reais, é comum que a

criança saiba que duas notas é uma quan-

tidade maior de notas, mas ainda não com-

preende que uma nota de cinco reais tem

mais valor do que duas de um real.

O trabalho para identificar números

em diferentes contextos; elaborar, interpre-

tar e resolver situações-problema do cam-

po aditivo e construir estratégias de cálculo

mental e estimativo deve ser realizado com

as crianças, principalmente através de jogos.

Para desenvolver atividades contemplando o

eixo Número/Operações, a Professora Marcia

Marchette, que atua na Sala de Recursos Mul-

tifuncionais4 da Escola Municipal Clementina

Cruz, em Pinhais (PR), confeccionou com os

seus alunos materiais para os jogos: painel da

tartaruga e painel de tiro ao alvo.

Conforme a ilustração, após jogar o

dado, o aluno avança as casas do painel com

a sua “tartaruga”. Assim, a atividade painel

da tartaruga permite a identificação de nú-

meros e que se estabeleça a relação entre

quantidade e numeral.

Na atividade com painel de tiro ao

alvo há uma pontuação em cada faixa de

velcro. O aluno joga a bolinha e soma-se a

quantidade de pontos dos locais onde as bo-

linhas grudaram. Dessa forma, através da

ludicidade, a atividade possibilita o trabalho

de identificação de números e a adição.

As duas atividades podem ser de-

senvolvidas com alunos com deficiência

intelectual e, também com alunos surdos.

Aqueles com deficiência intelectual deverão

contar com a mediação do professor para a

resolução de situações-problema abordadas

4 O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é realizado prioritariamente nas Salas de Recursos Multifuncionais. O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. Esse atendimento não substitui a escolarização. Para maiores informações consulte a Resolução CNE/CEB N. 04/2009 que institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.

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durante a atividade. Já para os alunos sur-

dos, a mediação também é imprescindível,

mas deve-se considerar a língua utilizada

pelo aluno, ou seja, a sua diferença linguís-

tica. Para a compreensão dos objetivos pro-

postos, os materiais confeccionados para

desenvolvimento dessa atividade contam

com recursos visuais que podem contribuir

para a aprendizagem.

As obras que fazem parte dos Acer-

vos Complementares distribuídos às escolas

pelo Ministério da Educação - MEC podem

ser utilizadas para o desenvolvimento de

práticas interdisciplinares com sequências

didáticas envolvendo Números/Operações.

Dentre elas, estão: Dez Sacizinhos, Era uma

vez...1,2,3, Usando as mãos: contando de cinco

em cinco, etc.

Grandezas e Medidas

Medir e contar são atividades de-

senvolvidas pelas crianças e adultos no seu

dia a dia: as crianças gostam de medir e

comparar a sua altura com a dos pais e de

outras crianças; um adulto usa as unidades

de medida quando faz um bolo, pendura

um quadro bem centralizado ou pede a

substituição de um vidro quebrado dando

as medidas para o vidraceiro.

Para desenvolver uma prática com as

medidas de massa e capacidade, explorando

a comparação e a relação adequada da gran-

deza ao objeto a ser medido, o desenvolvi-

mento de atividades utilizando receitas culi-

nárias pode resultar em momentos ricos de

interação e aprendizagem. A professora Mai-

ra Cristina Suardi, da escola Municipal Cha-

fic Smaka – Pinhais (PR), desenvolveu com os

alunos da Sala de Recursos Multifuncionais

uma Receita de pão. Para a participação e

acesso dos alunos com dificuldades de leitu-

ra e escrita, a professora utilizou os recursos

- com símbolos pictográficos - de Comunica-

ção Alternativa e Aumentativa (CAA)5.

A Comunicação Alternativa e Aumen-

tativa (CAA) é fundamental para os alunos

com deficiência física, autistas e deficientes

intelectuais. Entre os recursos de CAA estão:

as pranchas de comunicação com símbolos

ou figuras, cartões de comunicação, softwa-

res para confecção de pranchas e vocaliza-

5 A Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) faz parte da área da Tecnologia Assistiva destinada à ampliação de comunicação de pessoas sem fala ou sem escrita funcional, ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa em falar e/ou escrever.

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dores, etc. Para saber mais, veja o Caderno

de Educação Inclusiva que faz parte do Ma-

terial de Alfabetização Matemática do Pacto

Nacional de Alfabetização na Idade Certa.

Para o desenvolvimento de uma se-

quência didática que contemple estes temas,

em um trabalho interdisciplinar com a Lín-

gua Portuguesa, pode-se partir de situações

cotidianas como a de elaborar uma lista de

compras contendo os ingredientes da receita,

os rótulos dos produtos, dentre outras.

Quem vai ficar com o pêssego? é um

dos livros que compõem os Acervos Comple-

mentares e que tem sido um ótimo material

para o trabalho com Grandezas e Medidas.

Geometria

Alguns objetivos do trabalho com o

eixo Geometria são os de construir e repre-

sentar figuras geométricas planas (reconhe-

cendo e descrevendo informalmente suas

características), bem como de perceber as se-

melhanças e diferenças entre cubos e quadra-

dos, paralelepípedos e retângulos, pirâmides

e triângulos, esferas e círculos. A experiência

ilustrada a seguir mostra o trabalho desen-

volvido pela professora da Escola Municipal

Vanilda Dzierwa, do Município de Contenda

(PR). Neste trabalho,os alunos participam e

interagem confeccionando coletivamente e

agrupando as figuras geométricas.

Os recursos visuais possibilitam con-

templar a diferença surda, porém não per-

mitem a participação de um aluno cego.

Há possibilidades de trabalhar esse mes-

mo conteúdo com alunos cegos, desde que

o professor busque estratégias como a de

confeccionar caixas em formatos diferentes

(triangular, circular e quadrado) e utilizar os

blocos lógicos, pedindo aos alunos que agru-

pem e coloquem as peças geométricas dos

Blocos Lógicos nas respectivas caixas que se

assemelham em formato.

Nas atividades que exploram a di-

versidade das figuras geométricas, os livros

Clact...Clact...Clact... e Três Partes – que são

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livros que fazem parte dos Acervos Comple-

mentares – podem ser utilizados, contribuin-

do para o desenvolvimento das atividades de

forma mais atrativa.

Educação Estatística

A construção de gráficos no ciclo de

alfabetização é uma das atividades sugeridas

para desenvolver o trabalho com a Educação

Estatística. Os gráficos devem ser construí-

dos, sempre que possível, partindo de uma

situação real que faça parte do cotidiano das

crianças. A ilustração da atividade desenvol-

vida pela professora da Escola Municipal

Vanilda Dzierwa, do Município de Contenda

(PR), apresenta um gráfico que foi elabora-

do a partir de informações dos alunos sobre

as cores de suas bicicletas.

A atividade

possibilitou trabalho envolvendo coleta, orga-

nização e construção de representações pró-

prias para a comunicação de dados coletados.

Dando continuidade às atividades da classe,

é possível realizar uma atividade interdiscipli-

nar com o eixo da Língua Portuguesa, que é a

produção de texto, a partir da interpretação

dos dados do gráfico.

Os recursos visuais, neste caso, são

fundamentais para a compreensão dos

conteúdos escolares, não só pelos alunos

surdos, como também por aqueles que

possuem deficiência intelectual, e pelos

demais alunos da turma.

Como já dissemos, este tipo de ati-

vidade permite trabalhar com uma situação

real do cotidiano, e isso é fundamental para

o trabalho pedagógico com alunos com de-

ficiência intelectual. Para o aluno com de-

ficiência física, a prancha de comunicação

pode auxiliar no seu acesso e participação.

Jogos didáticos

A interação entre os alunos pode

contribuir significativamente para a apren-

dizagem. Neste sentido, o trabalho com jo-

gos didáticos são recursos indicados para

o trabalho, não só com os alunos com de-

ficiência, mas também com a turma. Para

abordar situações-problema, esse é um re-

curso fundamental, mas para isso, há três

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fatores a se considerar: o objetivo didático

pedagógico, o agrupamento de alunos e a

mediação do professor.

O jogo didático deve fazer parte

do planejamento do professor para atin-

gir seus objetivos no ensino e aprendiza-

gem dos conteúdos escolares. Portanto,

não se trata do jogo pelo jogo, mas sim

de uma proposta de trabalho a ser reali-

zado, buscando que os alunos participem

e interajam, resultando na compreensão

dos conceitos matemáticos apresentados.

O agrupamento de alunos é um fator a se

considerar no planejamento, pois as crian-

ças aprendem com a interação no grupo e

a mediação do professor. Este agrupamen-

to deve ser organizado de acordo com as

situações de aprendizagem e os objetivos a

atingir. O professor deverá intervir, quando

necessário, mediando as situações-proble-

ma presentes durante o desenvolvimento

do jogo. Na ilustração, a professora Cris-

tiane da Rosa Martins, da Escola Rural Mu-

nicipal Professor Ernesto Zenith Matisão,

do Município de Antonina (PR), realizou

atividades com jogos didáticos com agru-

pamento de duplas.

Neste texto, algumas atividades fo-

ram apresentadas para o trabalho com os

alunos com deficiência. As atividades po-

dem ser desenvolvidas com todos os alunos

da turma, porém com estratégias e recursos

diferenciados para que todos possam ter

acesso, participação e aprendizagem. Entre

os recursos diferenciados estão aqueles que

fazem parte da Tecnologia Assistiva, objeti-

vando promover a funcionalidade, relacio-

nada à atividade e participação, de pessoas

com deficiência, incapacidades ou mobilida-

de reduzida, visando sua autonomia, inde-

pendência, qualidade de vida e inclusão.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Educação – Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação

especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.

RODRIGUES, D; LIMA-RODRIGUES, L. Formação de professores e inclusão: como se reformam

os reformadores? In: RODRIGUES, D. (org.).Educação Inclusiva: dos conceitos às práticas de

formação. Lisboa: Instituto Piaget, 2011.

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A figura ao

lado, parte in-

tegrante de um

texto escrito por

volta do ano 1500,

mostra uma com-

petição entre

duas formas de

calcular: algorit-

mo escrito x ábaco. No lado direito da figura

está aquele que usa o ábaco, o abacista, e

no lado esquerdo, o algorista. Aquilo que era

chamado de ábaco consiste em registros de

contas, ou círculos, sobre linhas.

Inspirados por essa imagem, vamos

convencionar que neste texto chamaremos de

ábaco a qualquer instrumento ou equipamen-

to que permita fazer contagens e cálculos.

Desde a antiguidade, os ábacos existem com

ampla variedade de modelos. Nas escolas são

chamados por outros nomes, como “sapateira

numérica”, “quadro valor-de-lugar” ou “tape-

tinho”. Em alguns livros eles também são cha-

mados de soroban (palavra que designa “ába-

co” em japonês) e o seu uso é muito difundido

no ensino de estudantes cegos. Uma observa-

ção interessante: soroban não é um “tipo” de

ábaco japonês, é a própria palavra ábaco.

Como já dissemos, o ábaco é um

dispositivo que serve, basicamente, para

duas coisas: fazer contagens e calcular.

Na escola, ele quase sempre é usado como

“calculadora primitiva” e não é comum

utilizá-lo como “contador”. Apesar disso, a

maioria dos ábacos que são comercializa-

dos só têm a função de “contadores”, não

servem para a aprendizagem do Sistema de

Numeração Decimal e para fazer os cálcu-

los de modo a evidenciar as propriedades

dos algoritmos que sejam úteis para que os

alunos consigam compreender o que fazem

quando resolvem as operações por escrito.

Isso nos leva a outra característica funda-

mental deste artigo: quando falarmos do

tExto 3

sobrE o ábaco na alfabEtização matEmática1

1 Este texto é transcrição adaptada de uma conversa com professores alfabetizadores realizada no âmbito do PNAIC em Curitiba, Paraná.

2 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor adjunto da Universidade Federal do Paraná e Consultor desta Edição Temática.

Carlos Roberto Vianna2

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uso do ábaco estaremos nos referindo a um

uso escolar que tem como meta, exclusiva-

mente, auxiliar a compreensão do Sistema

de Numeração Decimal e das técnicas ope-

ratórias utilizadas para obter os resultados

das operações fundamentais. Descartamos,

portanto, a aprendizagem do uso do ábaco

como instrumento de calcular. Essa distin-

ção é fundamental e impõe certas diferen-

ças técnicas na interpretação das “varetas”

e seus valores, bem como na forma de usar

as contas e organizar os cálculos para ob-

ter um resultado. Enquanto o operador do

ábaco que o utiliza como calculadora não

tem preocupações com as “passagens in-

termediárias”, o professor que está usando

o instrumento para introduzir as primeiras

noções numéricas e realizar as operações

básicas tem interesse em tornar explícitas

estas mesmas passagens.

De início, vamos colocar em um

quadro, para fins didáticos, uma amostra da

variedade dos ábacos. Ou seja: esse quadro

não expressa uma “história do ábaco”, não

expressa um “desenvolvimento do ábaco”

no sentido de que os mais recentes são “me-

lhores” do que os mais antigos, etc. A finali-

dade é de mostrar aos professores a diversi-

dade de ábacos e tomar partido sobre qual

deles pode ser considerado o “melhor” para

uso em sala de aula, explicando o porquê.

Após o quadro com os tipos de ábacos serão

feitos alguns posicionamentos didáticos.

TIPO DE ÁBACO FIGURA

Ábaco de chão, com sul-cos na areia e pedrinhas.

Aqui teríamos uma versão rudimentar do que se vê abaixo, em versão escolar.

Ábaco de chão, “escolar”, com marcas sobre um pa-pel e tampinhas ou feijões (figura retirada de: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnica-Aula.html?aula=15482)

Ábaco de varetas verticais

Ábaco escolar com arma-ção de arame

Ábaco japonês (soroban)

Posicionamento Didático 1:

Não é recomendado adquirir ábacos

de demonstração. Estes ábacos normalmen-

te são grandes, construídos com material

de boa qualidade e relativamente caros. Eles

servem para o professor colocá-los na frente,

sobre a mesa ou o quadro de giz, e fazer as

operações nele, em caráter demonstrativo.

Os alunos “olham” o professor fazendo as

operações no ábaco. Isso, do ponto de vista

didático, é de quase nenhuma utilidade. Se

há uma vantagem na recomendação do uso

do ábaco para a aprendizagem das crianças,

essa vantagem está no fato de que elas, cada

uma delas, pode fazer as operações por si

mesma, com seu próprio material.

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Existem razões não didáticas que

podem justificar a compra deste tipo de

ábaco? Sim, várias, inclusive provavel-

mente algumas não confessáveis. Vamos

falar daquelas que podemos, por exem-

plo: eles podem ser comprados para “ex-

posição” em alguns tipos de laboratório

de matemática. O que deve ficar claro é o

seguinte: assim como uma pintura de um

copo de leite num museu não serve para

aplacar a sede de “beber leite” de uma

pessoa, também um ábaco “de exposição”

num laboratório de matemática não serve

para auxiliar as pessoas a aprenderem as

coisas que podem aprender quando usam

um ábaco em lugar de olhar para ele ou

ver alguém o manipulando.

Posicionamento Didático 2:

O ábaco, na sala de aula, não tem uma

finalidade “em si mesmo”. Eu gosto muito de

coisas relacionadas a Matemática, de modo

que posso usar tipos de ábacos para decorar

a minha casa. Estes ábacos seriam de ta-

manhos variados e coloridos e quando as

pessoas viessem me visitar diriam deles:

puxa, que lindos! Olha esse aqui, as contas

são de metal! E aquele outro? Nossa! As bo-

linhas são todas feitas com olhos de vidro!

Etc. Estranho, não?

Eu poderia fixar um ábaco na jane-

la da escola para fazer o registro de cada

vez que o prefeito viesse visitar a escola e

nossa sala de aula. Combinaria isso com as

crianças. O ábaco teria um papel importante

como registrador numérico. Talvez ele nun-

ca chegasse a registrar um número muito

grande, mas as crianças entenderiam sua

função e a razão dele estar ali pendurado na

janela da nossa sala de aula.

Durante as aulas de Matemática, o

ábaco deve ser utilizado para auxiliar os alu-

nos na aprendizagem do Sistema de Nume-

ração Decimal. Ele não é um “enfeite”, um

“objeto de decoração”, ou um “marco de

memória”, ele tem uma finalidade específi-

ca, didática e cognitiva. O ábaco auxilia e, ao

mesmo tempo, direciona a aprendizagem do

Sistema de Numeração Decimal Posicional.

Os dois posicionamentos didáticos

nos servem de parâmetros para percorrer os

tipos de ábaco e falar sobre “prós e contras”

de cada um deles. Lembrando: cada aluno

deve ter o seu, e a finalidade disso é que seja

auxiliar na aprendizagem do Sistema de Nu-

meração Decimal Posicional, e na compreen-

são dos algoritmos das operações.

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Pois bem: o melhor de todos os ába-

cos é – sem qualquer dúvida – o modelo “ába-

co no chão” ou “sobre a mesa”, com folhas

de papel e tampinhas ou feijões. É um mo-

delo de ábaco que não precisa ser compra-

do e que deve ser construído com o auxílio

e participação dos alunos. Em poucos dias,

ou semanas, as crianças se mobilizam para

conseguir tampinhas de diversos tipos e com

a ajuda das professoras podem construir di-

versos tipos de “base” para operar com elas

(uma base pode ser feita com cartolina, com

EVA, ou em caixas de sapato, caixas de cami-

sa, etc...). Este ábaco pode ser inconvenien-

te no caso de crianças pequenas ou alunos

cegos, de modo que logo depois dele, o me-

lhor tipo de ábaco é o de varetas abertas, que

tem como inconveniente a necessidade de

ser “construído”, normalmente em madeira

(embora haja modelos feitos por professores

em salas de aula usando caixas de ovos e va-

retas, ou placas de isopor como base).

Limitações dos tipos de ábaco:

- O ábaco “de chão” tem o inconve-

niente de espalhar sujeira, o que é natural

quando se opera com terra ou areia. Supos-

tamente teria a vantagem de ser de custo

quase nulo e permitir o “apagar” e a reutili-

zação de modo quase ilimitado. Outra van-

tagem é que ele desperta o aspecto lúdico

das crianças, mas isso pode ser direciona-

do também quando do uso do ábaco com

“base de papel” e tampinhas.

Os outros tipos de ábaco possuem

limitações que estão relacionadas a obe-

decerem – ou não – os princípios do Siste-

ma de Numeração Decimal Posicional. Um

exemplo bastante claro:

Como escrevemos o número mil duzentos e

quarenta e três?

Assim: 1 2 4 3 ou assim:

Obviamente a resposta é a primeira.

Se é assim, então fica difícil articular “ra-

zões” para ensinarmos as crianças a opera-

rem com ábacos que registram os números

na posição da segunda forma de escrita:

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A outra limitação didática para es-

tes tipos de ábaco decorre da sua constru-

ção física, e pode ser detalhada a partir da

tabela abaixo:

VARIAÇÕES DE ÁBACO FIGURA

Ábaco com armação de arame e nove contas

Ábaco com armação de arame e dez contas

Ábaco com 4 + 1 contas

Ábaco com 5 + 1 contas

Ábaco com 5 + 2 contas

Essa variedade não é muito signifi-

cativa. A quantidade de contas está asso-

ciada com a “obrigação” de fazer as trocas

quando as quantidades chegam à dezena.

Quando há “nove contas” o ábaco não per-

mite que a dezena seja formada, ele obriga

a “troca” (que não é verdadeiramente uma

troca, e sim uma mudança de ordem, de

posição no ábaco). Quando há “dez contas”

o ábaco permite que a dezena seja formada

(e visualizada) e obriga a troca de “dez” por

uma unidade de ordem superior. Ou seja:

há ábacos que “obrigam a troca” no siste-

ma decimal e supostamente são “mais de-

senvolvidos”, pois não permitem que haja

a acumulação da “dezena-de-unidades”,

eles possuem somente nove contas na casa

das unidades e isso “obriga” que a dezena

seja imediatamente registrada como uma

conta na casa das dezenas e nenhuma con-

ta na casa das unidades.

Do ponto de vista da dificuldade

das crianças iniciantes, este tipo de cons-

trução “obrigativa da troca” é agravado

pelos modelos “soroban”, que usam uma

(ou duas) conta(s) para representar o “cin-

co” (e, consequentemente, o 50, o 500 e as-

sim por diante). Nestes casos, também o

fato de ter quatro contas para representar

a unidade “obriga” seus aprendizes a ope-

rar, desde cedo, com a combinação do 5

com as unidades, passando do 9 para o 10

com a mudança de vareta na representa-

ção. No caso do ábaco com duas contas de

5, há uma “reserva” de até 5 unidades que

podem ser usadas na ultrapassagem da

dezena, e depois “compensadas” pelo re-

agrupamento das contas. Então, de modo

geral, os ábacos comerciais são constituti-

vamente “dificultadores” da aprendizagem

no seguinte sentido:

(a) Quando muito grandes e caros, servem

para demonstração, e não para uso indivi-

dual dos alunos.

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“O uso de ábacos

é fundamental

na aprendizagem

das crianças. Eles

proporcionam a

materialização, “em

ações”, daquelas regras

que são usadas no

momento de usar os

algoritmos escritos.”

(b) A forma de construção “limita” o acú-

mulo de quantidades, dificultando o exercí-

cio e a compreensão da “formação da deze-

na”, dos agrupamentos e das trocas.

(c) A forma de construção pode atrapalhar

a relação entre a escrita numérica, a leitura

de números escritos e a forma como eles

são representados “fisicamente” no ábaco.

Estas observa-

ções dizem respeito

à aprendizagem de

crianças. É bem dife-

rente, por exemplo, se

falamos de usar tipos

de ábacos com adul-

tos, principalmente

adultos que já possu-

am compreensão de

uso dos números em

diversas situações e

práticas sociais. Os

ábacos podem ser uti-

lizados para fazer contagens de números na-

turais, e podem ser utilizados, com adultos,

para fazer cálculos com números decimais.

O uso de ábacos é fundamental na

aprendizagem das crianças. Eles propor-

cionam a materialização, “em ações”, da-

quelas regras que são usadas no momento

de usar os algoritmos escritos. O uso dos

ábacos, chamados de tapetinhos ou quadro

valor-de-lugar, é descrito detalhadamente

no Caderno 03 do PNAIC (Construção do

Sistema de Numeração Decimal).

O objetivo deste texto foi o de aler-

tar para alguns inconvenientes decorrentes

da escolha do tipo de material, o ábaco,

em relação aos fins didáticos relacionados

ao ensino das técnicas operatórias para

crianças no início da escolarização. A ne-

cessidade de uso de

materiais que favore-

çam a aprendizagem,

principalmente nos

casos de alunos com

necessidades especiais,

não deve servir como

princípio para a com-

pra de materiais que

são, em grande parte,

inadequados para o uso

escolar. Recomenda-se,

sempre que possível,

que os materiais sejam

construídos em sala de

aula, com a participação e envolvimento de

alunos e professores.

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REFERÊNCIAS

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Saberes Matemáticos e

Outros Campos do Saber / Ministério da Educação, Sec retaria de Educação

Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2014.

Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/2012-09-19-19-09-11

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Setembro 2014